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REsumo Bruxaria Edward
REsumo Bruxaria Edward
218 A.B.P.3/79
pante tem de viver em dois mundos ao mesmo tempo: o seu próprio, com seus
hábitos de viver e pensar; e o do grupo observado, sem procurar remeter as
vivências do grupo às suas próprias, nem tampouco cair na tentação de "virar
nativo".
"Em minha própria cultura, dentro da atmosfera de pensamento em que nasci
e fui criado, rejeitava, e rejeito, as noções zande sobre bruxaria. Na cultura deles,
dentro do horizonte de idéias em que então vivia, eu as aceitava; e de certa forma
acreditava nelas" (p. 303).
Quem não possui aptidões para sustentar ao mesmo tempo dois sistemas
opostos, tornando-se, nas próprias palavras de Evans-Pritchard "um duplo maPgi-
nal, alienado de dois mundos", não deve dirigir-se para a antropologia cultural.
O autor aborda também os problemas dos informantes, mostrando que todo
conhecimento é necessariamente parcial. Erra quem generaliza a partir de algumas
pouéas observações. É preciso multiplicar os pontos para checar as informações.
Mas seria tolice afirmar que alguém estranho possa entender perfeitamente
sistemas de crenças que nem sempre se apresentam consistentes nos próprios
representantes da cultura observada. Por mais que se domine a língua, qualquer
tradução oferece apenas uma aproximação do discurso original.
O livro todo ilustra plenamente essa humildade e esse respeito pelo discurso
do outro. Evans-Pritchard relata, em tom extremamente simples, tudo aquilo que
pôde observar do universo zande, dominado pela bruxaria.
A bruxaria zande nada tem a ver com aquilo que conhecemos no ocidente:
"os azande acreditam que a bruxaria é uma substância existente no corpo dos
bruxos ( ... ). Eu nunca vi a substância-bruxaria humana, mas ela me foi descrita
como sendo um saquinho ou uma inchação enegrecida e oval, dentro do qual
costumam ser encontradas uma variedade de pequenos objetos" (p. 38). Grande
parte da vida dos azande é dedicada à identificação dos trabalho de bruxaria,
mediante o recurso a diversas técnicas de oráculo. Todo homem pode ser bruxo
sem saber, e fazer o mal sem querer. Daí um complicado sistema de ritos para
assegurar-se da boa vontade do bruxo eventual. É preciso ler o livro, pois um
simples resumo alusivo corre o risco de desvirtuar conteúdos tão originais.
O território dos azande cobria uma área que foi dividida em três países, em
conseqüência da colonização por três nações diversas: Inglaterra, França e Bélgica.
Tal fato é comum na África: as fronteiras políticas, determinadas pelos domínios
das potências européias, agruparam povos heterogêneos, freqüentemente inimigos,
e desmembraram povos unidos por culturas seculares. Esquartejados entre o Zaire,
o Sudão e a República Centro-Africana, os azande têm provavelmente perdido
hoje parte do seu universo místico original. O livro de Evans-Pritchard permanece
como testemunha de uma cultura que talvez hoje não exista mais, e como ponto
de partida para uma meditação sobre conflitos estruturais das jovens nações afri-
canas.
MUNIQUE AUGRAS