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LIVRO. Psicologia Comunitaria
LIVRO. Psicologia Comunitaria
E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
MAGDA DIMENSTEIN
Organizadora
Enrique Saforcada
Kátia Biehl
Laís Oliveira Rodrigues
Magda Dimenstein
Maria de Fátima Quintal de Freitas
Tânia Maciel
Zuleika Zandonai
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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PARTICIPAÇÃO
longo destas últimas quatro décadas, em nosso país, torna-se importante identificar aspectos
uma perspectiva teórica e metodológica mais definida e distinta em relação a outros campos de
ação. Isto equivaleria a caracterizar o que, hoje, poderíamos dizer que se constitui como sendo o
metodológicos que lhe imprimem uma configuração particular e uma certa identidade como área
respeito da Psicologia Social Comunitária e de suas práticas, ao longo destes anos, aponta para
O enfrentamento dos desafios – quanto ao tipo de recorte teórico a ser adotado, assim
comunitários, ao longo destes anos, tem contribuído, em certa medida, para a necessária tarefa de
falar, com um pouco mais de segurança e clareza, sobre algumas categorias que têm se tornado
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decisivas nas propostas de ação e intervenção comunitárias, assim como sobre as diretrizes
teórico-analíticas que foram se reafirmando neste campo (Freitas, 2003,2005; Montero, 2003).
convivência comunitária (Freitas, 2002, 2003, 2005; Martín-Baró, 1987; Montero, 2003).
Para a proposta, aqui delineada, o foco da discussão estará dirigido às relações entre as
2003,2005).
Para isso serão desenvolvidos três eixos de análise. No primeiro, serão abordados os
desafios, que existem e que continuam a existir, em nossa prática comunitária e no campo da
Psicologia Social Comunitária. Em seguida, far-se-á uma análise sobre as prioridades que
surgiram e que ainda podem existir neste campo. No segundo eixo, far-se-á uma discussão a
respeito das condições – existentes e necessárias – para o enfrentamento dos desafios e para a
realização dos trabalhos comunitários, assim como sobre os conhecimentos de que já dispomos e
que têm nos guiado nesta área. E, por fim, apresentar-se-á uma proposta de análise a respeito das
formas de sobrevivência psicossocial que as pessoas lançam mão em seu cotidiano e que
Serão apresentadas algumas considerações a respeito dos efeitos desta articulação sobre a
características atuais de nossa sociedade - como sendo uma sociedade globalizada, planetária,
que produz diferentes repercussões da informação globalizada e instantânea sobre a vida das
pessoas – poderíamos dizer que um grande desafio, colocado a todos nós, refere-se àquilo que
alguns autores denominam de como “radicalizar a democracia”, como ajudar a tornar o mundo
ineqüidades vividos cotidianamente. (Dagnino, 2004; Gohn, 2000; Martín-Baró, 1987; Ribeiro,
2002)
Falar apenas de democracia não significa que estejam sendo garantidas melhores e mais
sofrimento humano, assim como seus determinantes estruturais e conjunturais, podem continuar
bem mostra a nossa história contemporânea (Cardarelli & Rosenfeld, 1998; Watts & Abdul-
Abill, 1999).
vida social dos diferentes grupos e comunidades, relacionando-o às dimensões locais, regionais e
globais em que acontece. Fazer isto, significa intentar compreender a vida dessas pessoas, seja
nos seus problemas cotidianos, seja nas suas possibilidades de enfrentamento, assim como na
mínimas necessárias para atingir tais objetivos estariam articuladas em uma articulação e
os diversos segmentos da sociedade que deveriam se implicar em uma proposta coletiva, visando
fins coletivos e compartilhados. Neste sentido, é que a Psicologia Social Comunitária tem uma
tarefa importante a cumprir, no momento em que tome como matriz principal, nos trabalhos
Esta preocupação em buscar uma articulação dos diferentes grupos, setores e movimentos
em torno de uma proposta coletiva, de fato, e que possa resultar em práticas e processos
cotidianos que beneficiem ou retornem a todos os envolvidos, aponta para algumas condições
desafiadoras aos trabalhos comunitários. Estas situações configuram-se como obstáculos a serem
implementação de ações coletivas que estejam dirigidas a uma perspectiva de melhoria das
partir das relações cotidianas. Em outras palavras, a tarefa de construir e cultivar uma cultura
democrática, presente na vida cotidiana da sociedade civil, em que sejam compartilhados valores
de justiça e de dignidade, tanto na perspectiva pública como privada de cada indivíduo, é uma
desafio aqui indicado. A situação de como fazer com que as pessoas acreditem que vale a pena
participar, que confiem que haverá melhorias em suas vidas e que as mesmas poderão ser
mantidas na esfera comunitária e com benefícios, também, coletivos aponta para o terceiro
(Freitas, 2003).
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cotidiano concreto, é que se pode dizer que as atuações e intervenções, que acontecem nas
dinâmicas e contextos comunitários, devem ser dirigidas àquilo que é feito e à maneira como
que é feito e como é feito). Ao fazer isto significa estar enfocando o contexto e a dinâmica das
ações realizadas, assim como seus significados na vida de cada um dos envolvidos, sejam eles
político presente na ação e intervenção comunitárias, coloca-se, aqui, como importante que
falemos sobre as prioridades na realização dos trabalhos comunitários. Ou seja, significa que
envolvimento têm, dentro dos trabalhos comunitários, os diferentes setores destinatários das
Para uma análise mais profunda e nem por isto, menos delicada e importante, propõe-se
que sejam considerados alguns aspectos pertinentes à dinâmica e relações travadas dentro dos
se, aqui, a identificação da natureza da relação existente entre estes personagens, assim como
sobre o tipo de participação que cada um tem, em cada uma das etapas de realização do trabalho
das relações entre o processo do trabalho desenvolvido e os frutos obtidos, para cada um deles
(Martin-Baró, 1987).
Proceder a uma análise, considerando estas três dimensões, permite que se caracterize o
tipo de trabalho que vem sendo realizado, assim como os temas e problemáticas sobre as quais
tem se debruçado, e as relações que são construídas entre comunidade e profissão. Estas
dimensões são relativas à vida cotidiana dos mais diferentes participantes, que têm inclusive
aspectos que são parte constitutiva dos impactos dos trabalhos comunitários, mostrando as
2003,2005).
COMUNITÁRIOS
em comunidade, significa falar das condições teóricas e metodológicas que sustentam as práticas
realizadas, assim como falar das relações travadas com as políticas públicas, no intuito de
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consolidar esses trabalhos. Significa indagar sobre o que já conhecemos a respeito das diferentes
dinâmicas comunitárias e sobre o que já sistematizamos sobre essas práticas, em termos teóricos
recursos metodológicos que já foram (estão) construídos, sobre aqueles que já conhecemos e
comunidade.
Estes questionamentos e reflexões apontam para uma discussão a respeito dos processos
atuarem nas diferentes dinâmicas comunitárias. Esta é uma preocupação, cada vez mais presente
nos últimos anos, dentro dos cursos de formação, no sentido de capacitarem, científica e
comunidade, dentro de uma perspectiva de sensibilidade histórica, para com a realidade de nossa
população, e de compromisso com a transformação social. Apesar de haver, por parte de vários
com a realidade concreta – seja para atuarem junto às problemáticas sociais, às demandas de
setores populares ou às políticas públicas em várias áreas, como saúde, educação, moradia,
cidadania e direitos humanos entre outros - a Psicologia no seu processo de formação, ainda,
quantidade de trabalhos e/ou ONGs que surgem a cada dia, dirigidos a algum tipo de problema
Depreende-se, também daqui, a necessidade de indagar sobre o tipo de relação e rede que
temos construído com as diferentes políticas públicas, sejam elas mais sensíveis, ou não, às
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problemáticas com as quais nossa prática se relaciona. Deriva disto - além da necessidade de se
detectar mais objetiva e claramente os conhecimentos, contatos e condições existentes para uma
(Freitas, 2002, 2003). Ao lado disto, emergem também as diferentes concepções que esses
Desta maneira, poder-se-ia dizer que grande parte dos dilemas e desafios enfrentados
(Freitas, 2003, 2005; Montero, 2003; Watts & Abdul-Abill, 1999) referem-se a:
comunidade temos implementado nos cursos de formação? E que resultados têm produzido?
B. Que tipo de relação e rede os trabalhos comunitários têm estabelecido com as políticas
públicas?
C. Que tipo de compromisso tem surgido das práticas comunitárias que têm sido
desenvolvidas?
D. Que concepção de mundo e do que seja psicológico aprecem nessas práticas com tais
compromissos ?
Ao longo destes anos em que têm sido realizados vários e diversificados trabalhos
comunitários, algumas necessidades têm sido apresentadas aos profissionais que trabalham neste
conceitos e de análise foram se mostrando cruciais para o desenvolvimento de tais práticas, tais
sentimentos de pertencimento. No que se refere aos eixos ou temas presentes nos aspectos
Quais têm sido, então, as diferentes e marcantes condições sociais que têm afetado os
Algumas dessas condições têm se tornado tão presentes e têm trazido importantes
repercussões ou implicações para a vida das pessoas que passam a merecer algum destaque
de novos quadros.
afetam também, de alguma maneira, a natureza e direção do trabalho comunitário e dos atores
que se denomina aqui de presentificação da vida cotidiana (Freitas, 2005, 2003). Isto significa
dizer que há uma contínua atualização dos acontecimentos sociais, independentemente do seu
grau de aprofundamento ou superficialidade. Junto a isto vem, também, a falsa idéia de que a
realidade está sendo conhecida, e que, portanto, não é necessário estar em contato real e efetivo
com essa realidade O resultado psicossocial é que a sensibilidade para com a vida real fica
B. Decorre, daí, também, a idéia de que se pode escolher entre o querer se aproximar ou
cotidiana, e os graus de envolvimento nesse cotidiano. Em outrsa palavras, pode-se dizer que são
estar participando (Freitas, 2005), cuja intersecção contribui para que se intente compreender
necessidades da população estão sendo atendidas. Isto aparece por conta de alguns aspectos.
Um deles estaria ligado ao aumento de programas e projetos comunitários que tem se ampliado
redes comunitárias. Um segundo aspecto refere-se à divulgação da falsa idéia de que as formas
com os excluídos. Na verdade o que se pode afirmar é que está havendo uma inclusão que
continua a excluir e precarizar (ou seja, uma “inclusão excludente”); e, ao mesmo tempo,
encontramos formas variadas de exclusão que permitem a inclusão de pessoas que estavam á
psicossocial gerado por isto é interessante e distorsivo, visto que cria uma idéia de que a
sociedade estaria tornando-se mais igualitária e justa, quando o que de fato acontece é um
&Rosenfeld,1998)
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comunidade apontam para uma transformação social e para a preservação de redes mínimas de
solidariedade entre as pessoas. O que fazer, por exemplo, diante da pobreza, a miséria, o
sofrimento e a injustiça que vivem as populações com as quais trabalhamos? Como nos sentimos
diante disso e como repercute isto em nossas práticas? Isto tudo nos remete a pensar sobre os
dilemas existenciais que vamos, também, tendo em nossa vida, em nossas atividades e como
Quando se busca avaliar os impactos de nossas práticas em comunidade (para nós, para
repercussões dos trabalhos na vida concreta das pessoas; como desnaturalizar as formas anti-
comunitários têm grande importância, em especial, porque se entrelaçam com a vida cotidiana e
com a experiência particular de cada um (Freitas, 2002, 2003, 2005; Montero, 1996, 2003).
Neste sentido, a vida cotidiana aparece como categoria importante a ser analisada,
(Freitas, 2003). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de oposição e conflitos revelando os
dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária pelo indivíduo em sua prática
cotidiana.
Portanto, pode-se dizer que a Vida Cotidiana aparece como uma categoria importante a
constante mudança (Freitas, 2003, 2005). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de
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oposição e conflitos revelando os dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária
pelo indivíduo em sua prática cotidiana, seja dentro de um projeto comunitário e educacional ou
intersecção que vamos vivendo a cada momento e etapa dos trabalhos comunitários: seja quando
das práticas e trabalhos comunitários; aos impactos dessa participação em suas vidas em termos
de resultados para si, para os demais e para o próprio trabalho; e, às formas de sobrevivência
avaliarem suas ações, e em termos da consciência que têm sobre o processo de trabalho ou
Neste momento é que podemos nos referir aos Tipos Psicológicos de Participação nas
práticas comunitárias (Freitas, 2003, 2005), ou diante das diversas problemáticas sociais, e suas
repercussões para a vida cotidiana . Podemos considerar aqui a bipolaridade entre o fazer e o
sentir-se em relação a esse fazer; entre o agir e as diferentes maneiras de sentir-se fazendo (ou
não) algo, independente deste fazer ser real, próximo ou visceralmente implicado coma
opressão em que vive a maioria de nossa população, como nos situamos, como trabalhadores e
comunidade, o que fazemos e como nos sentimos nesse fazer? Estes são dilemas contínuos e
presentes em nossos trabalhos, sejam eles mais próximos ou distantes da realidade das pessoas.
Assim, ao se olhar a prática cotidiana das pessoas e dos trabalhos comunitários realizados
entender a vida cotidiana, poderemos entender as participações e não participações nas práticas
Educacionais (sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma
fazer isto articula-se, diretamente com os seguintes aspectos desafiadores aos diversos
de políticas públicas, mesmo sofisticadamente bem elaborados e tendo tudo para dar certo,
B. Identificação dos sentidos que as pessoas dão para suas vidas, necessidades e projetos.
Depreende-se daqui a intrincada rede de relações que se estabelece nos planos privados e
redes de tensões e conflitos (Freitas, 2003). Isto pode permitir entender como esta rede de
tensões pode afetar sua participação e envolvimento em práticas cotidianas, desde as mais
(sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma Consciência
Crítica e Comprometido coma melhoria da vida das pessoas. E isto pode ser efetivado através de
propostas dirigidas à vida cotidiana das pessoas. Assim, ao entender a vida cotidiana, poder-se-á
BIBLIOGRAFIA
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O conceito de comunidade torna-se cada vez mais difuso. Como refere Bauman (2003),
meio ao turbilhão de relações superficiais. Essas relações, cada vez mais, nos colocam no lugar
do um, do único, do indivíduo que não tem nada a ver com o outro (Guareschi, 2001). Além
disso, estamos desejosos de segurança, mas não queremos abrir mão da liberdade que julgamos
ter (Bauman, 2003). Ainda que vivamos uma ilusão de liberdade, ela nos protege da análise mais
profunda e reflexiva sobre o lugar que ocupamos no mundo. Esse lugar que nos exige
Talvez seja cansaço, talvez seja solidão. No entanto, em meio à difusão de relações que
que, embora colabore para a resolução de problemas concretos, de certa forma, desvia os sujeitos
da responsabilização sobre aspectos de sua própria vida. À medida que cada pessoa assume a
“sua” responsabilidade social, de acordo com sua função no contexto, fortalece-se uma ideologia
vida pessoal ou de seu grupo e sentem-se sujeitados a fatores externos que lhes afetam
Compromisso social
através de participação ativa, podemos dizer que se inicia um processo de compromisso social.
âmbitos, desde onde é possível começar novos núcleos de mudança. É justamente nestes
âmbitos, mais imediatos que se estabelecem crenças interpessoais, normas sociais e redes que
podem exercer uma espécie de pressão normativa sobre as características individuais e/ou
comunitárias no que tange a ação social. A mobilização comunitária pode influenciar as normas
O compromisso surge das relações entre os indivíduos em uma rede social, onde aspectos
como confiança e reciprocidade contribuem para uma organização em torno do bem comum.
projeto ou causa que conduz a pessoa a acompanhar, atuar e responder perante eles através das
ações que realiza”. Nesse sentido, o compromisso estará sempre atrelado a algum aspecto
concreto da vida valorado pelos sujeitos como significativo e digno. Além disso, o compromisso
Senso de comunidade
define através das relações sociais no que tange ao quanto um indivíduo percebe-se e é percebido
pelo seu grupo como membro daquela comunidade. À medida que o indivíduo sente-se parte da
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Isso ocorre através da integração social, isto é, quando os recursos disponíveis no seio da
desejo intrínseco que as pessoas têm de manter relações que também representem, apoio social
(Sarason, 1974).
diz respeito às relações de vizinhança, que abarca os seguintes elementos: união afetiva e
emocional, componente cognitivo e componente social. Com relação à união afetiva e emocional
vamos encontrar a importância das relações mais próximas e de ajuda mútua; cognitivamente, os
indivíduos formam um mapa simbólico acerca de sua localização naquele contexto e dos
recursos que estão presentes; e, socialmente, seriam as relações sociais estabelecidas na rede da
vizinhança, sendo que estas podem ser conflitivas ou não. Embora existam discrepâncias entre
interesses individuais e coletivos, ou entre grupos, por maiores que sejam os conflitos, um
Eficácia coletiva
que visem a mudança. E das ações implementadas vai surgir a eficácia coletiva, que se refere às
crenças compartilhadas acerca do poder coletivo para o alcance de resultados. Os ganhos obtidos
percebida não é simplesmente a soma das crenças de eficácia individuais, mas uma propriedade
emergente do grupo. Isto é observável, especialmente, em grupos cujos membros são talentosos
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individualmente, mas que não conseguem trabalhar em grupo como uma unidade, apresentando
mais amplas, como é o caso de políticas macroestruturais. Assim, quanto mais passível de
Tendo em vista esse aspecto, não podemos esquecer dos elementos que acabam por
separar indivíduo e seu contexto, como se este fosse uma estrutura pré-estabelecida e não uma
construção dos próprios sujeitos. Elementos que, por afastamento, impedem qualquer esforço
acerca da eficácia coletiva serão, justamente, as responsáveis pelo tipo de objetivo que será
procurado, como serão utilizados os recursos, quanto esforço será investido, o nível de aceitação
vulnerabilidade à frustração quando os resultados não são alcançados. Tudo isso, evidentemente,
em uma perspectiva coletiva (Bandura, 2000). Ou seja, existe uma reordenação que se dá,
grupo e, da mesma forma, reflete os processos que se operam no grupo, pondo em relevo a
comunitário). Ampliando essas relações para as relações entre eficácia e performance nos níveis
individual e grupal, fica clara a presença da eficácia comunitária, sendo esta desgastada ou
a comunidade é capaz de alcançar seus objetivos, de acordo, também com a relação cíclica entre
que existe no grupo e não acima dele. Ou seja, não se constitui em uma entidade etérea.
Concepção esta que perderia toda a efetividade em termos tanto teóricos quanto empíricos.
Podemos dizer que a eficácia coletiva tem uma existência bastante real, que se manifesta através
As crenças compartilhadas pelas pessoas de que podem exercer certo poder quando
unidas em prol do alcance de seus objetivos comuns é o princípio da atuação coletiva. Mais que
uma simples divisão de tarefas, conhecimentos e habilidades dos membros, os ganhos obtidos
A questão primordial talvez seja como dar início a esse processo de participação grupal e
processo de retroalimentação.
Participação cidadã
Esse seria o processo de participação ativa, o qual, de acordo com Góis (1993), possibilita
que indivíduos e grupos passem a vivenciar sua realidade através de uma inserção mais profunda
conformidade, nos quais um subjacente acordo com a realidade (que está posta) implica em uma
uniformidade de comportamento (Montero, 2004). Nas classes sociais mais desfavorecidas, esta
conformidade revela uma aceitação da marginalização social como um desígnio divino, mas que,
através de uma análise mais profunda, significa a incorporação de uma série de influências
interação e os sentimentos mútuos que estabelecem, de certa forma, provoca uma ruptura neste
ciclo permanente de conformismo, que não deixa espaço para qualquer atuação ou reflexão.
que são percebidos como naturais ou imutáveis. Essa conversão pode ocorrer no seio da
pensar e perceber o mundo e o lugar das pessoas e comunidades no mundo. Evidentemente, isso
1994, 2004).
Como refere Barriga (1982), as minorias ativas não se conformam em ficar numa posição
um movimento de transformação. Para tanto, é preciso que estas minorias tenham um alto grau
de firmeza em seus posicionamentos, o que só é possível quando os membros mantêm uma única
posição através do tempo, a fim de que possam manter uma oposição às maiorias.
interpretação dos fatos baseada em aparências exteriores para a explicação de seu sentido,
compreensão dos fenômenos particulares e locais como parte de uma globalidade social,
juntamente com a promoção social do indivíduo, o que ocorre na interação grupal (Ministério de
Fortalecimento
participação cidadã vão nos levar a considerar o movimento que denominamos de fortalecimento
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Montero (2003) defende que a palavra correta para definir o conceito de empowerment,
seria “potenciação” ou “fortalecimento”, posto que nem todas as definições presentes sob o
processo coletivo que ocorre nos grupos, em prol dos grupos. O sentido mesmo do conceito, de
acordo com a autora, seria o de tornar-se forte para modificar as condições do contexto, através
de mudanças no próprio individuo e/ou grupo, o que é mais coerente com a realidade latino-
americana.
um sentido mais forte do “si mesmo” e de sua relação com o mundo, o que diminui o sentimento
de impotência que leva à apatia. Quando transposto para a ação, o processo se configura através
identificar os fatores externos, de caráter sócio-político, que estão afetando sua auto-estima,
eficácia e alternativas para fazer frente aos problemas que se apresentam (Francescatto, 1998).
dos indivíduos e grupos sobre suas vidas, indivíduo e ambiente conformam uma unidade na qual
se assume que “virtualmente, nenhum comportamento está sob o controle completo e voluntário
dos indivíduos” (Brown, 1991). Ao contrário, os comportamentos são parte de “padrões de vida
as pessoas que nele se inserem. Nesse sentido, são imprescindíveis as dimensões cultural, física,
comunitário. Individualmente, no sentido de que cada sujeito desenvolva capacidade para atuar
oportunidades e redes sociais, aspectos que surgem diretamente sob a influência da ação coletiva
que podem constituir-se em entraves para o grupo, também enfocam as crenças e práticas através
das quais é possível obter algum nível de mudança interpessoal, organizacional e comunitária.
consideradas como capazes de utilizar estratégias de reflexão lógica para analisar, compreender e
modificar suas contingências sociais, isto é, são capazes de pensar e decidir por si próprias. No
exercer influência em seu contexto interno e externo. Em termos psicossociais se considera que o
dizem respeito a coalizões sociais nas quais os diversos grupos, das diferentes instâncias
envolvidas converjam para um objetivo comum que represente os interesses coletivos. A tomada
(Rappaport, 1984).
direcioná-lo para os objetivos estabelecidos pelos seus membros. É ela que define as normas e
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valores que formam a base para a tomada de decisão consensuada e o compromisso com os
Os membros vão adquirindo uma atitude crítica crescente para a análise de problemas e
identificação dos recursos necessários para fazer frente a cada um. O sentimento de eficácia para
lidar com as dificuldades é reforçado pelo alcance das metas bem definidas e operacionalizadas,
comunitária, definida por Bracht e Kingsbury (in Beeker, Guenther-Grey e Raj, 1998) como “um
para alcançar as metas comunitárias, definidas por seus representantes e consistentes com os
atividades que requeiram a participação ativa das pessoas. É através da ação que a participação
Poder e liderança
redefinem as relações presentes naquele contexto. Essas relações multifacetadas é que dão
abstrato, absoluto, externo ao indivíduo, mas, fundamentado nas relações de poder. Como coloca
considerar que cada grupo social, cada tipo de relação interpessoal, implica em uma relação de
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poder que lhe é própria e característica, considerando que o poder é uma dimensão psicossocial e
estruturante das relações humanas que ocorre em qualquer sistema social e subjaz às ações
é o caso da coesão grupal, do apoio social e do trabalho conjunto em torno de objetivos comuns.
No entanto, a comunidade está longe de ser o ideal. As relações estabelecidas, como em qualquer
grupo, podem dar origem a aspectos negativos como é o caso de uma rigidez normativa que pode
gerar processos de discriminação e exclusão de alguns membros que não estejam adequados ao
padrão dominante naquele grupo. Em termos da configuração de poder também vamos encontrar
essa polarização, isto é, enquanto, por um lado, o poder é propulsor do sentimento de controle
sobre a realidade e de organização para o alcance de metas, ele pode adquirir padrões de
desigualdade, dando origem a situações internas de dominação (Nelson & Prilleltensky, 2004).
operar de formas distintas. Em alguns casos, quando os recursos dos quais dispõem os atores
criam diferenças hierárquicas entre eles, a configuração das relações sociais estará relacionada à
dominação. Nesse campo, o poder poderá ser exercido de forma mais ou menos visível. No caso
da coerção, a influência é imediata, porém ela pode estar subjacente à estrutura institucional,
social e material onde ocorrem as ações humanas. O poder serve também para produzir
próprias características do poder, que tende sempre a ocultar-se ou negar sua existência.
humana) e oportunidades (estrutura contextual) para influenciar o curso dos eventos é uma
definição de poder. Nesse sentido o poder pode ser exercido a partir do desejo de mudança e das
influência social, ou seja, à medida que uma pessoa influencia outras em sua maneira de pensar
ou agir, esta pessoa tem poder. Entretanto, o poder não é uma estrutura estática, pois são os
próprios influenciados que conferem poder ao influenciador. Este processo ocorre a partir da
percepção de múltiplos fatores cognitivos e emocionais que fazem com que um grupo perceba
uma pessoa como detentora de um atributo especial, o que está vinculado à dinâmica do grupo
qual interagem vários fatores. Alvarez (1992) salienta os seguintes: “uma pessoa e suas
características particulares, a posição que esta ocupa, outras pessoas que lhe rodeiam, o processo
considerações, fica evidente que liderança é um processo social, o que significa que é dinâmico e
envolve mais de uma pessoa, existindo em cada contexto determinado, o que, de certa forma, o
define.
Não estamos falando de uma única liderança ou de uma liderança que se mantenha
ocorre como um processo natural nos grupos humanos e que tem caráter multidimensional. Essa
liderança é definida por Hernández (1994, p. 212) como o “motor que impulsione a participação
das comunidades como uma maneira de transformá-las em protagonistas das mudanças que
levem à melhora de suas condições de vida e à conquista de uma identidade criadora que lhes
Nesse sentido, a liderança comunitária, dentro de uma concepção participativa, que tenha
capacidade de organizar, mobilizar e inovar no campo tanto da reflexão, quanto da ação consiste
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antes de tudo, é necessário que indivíduos e grupos percebam-se como parte e construtores deste
contexto; que se percebam como uma rede em que são importantes todas as conexões, ou
relações estabelecidas. É nesse ponto que se pode começar a pensar que algumas dessas relações
melhoram substancialmente a qualidade de vida de todos os membros, ao passo que outras são
produtoras de problemas.
em que vivemos tem produzido uma fragmentação no modo de ver a realidade. Isso exige que os
grupos, cada vez mais, organizem esforços para manter-se unidos para poder iniciar o processo
Quando tudo está disperso e cada indivíduo sente-se solitário, perdido e exausto, o
fortalecimento dos grupos confere poder e o conceito de comunidade torna-se paupável. Esse
processo cria um “lugar no mundo”, isto é, localiza, dá visibilidade, cria uma nova concepção de
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13, 139-170.
em abril de 2005.
Para que se entenda um pouco das perspectivas desenvolvidas atualmente por alguns
Comunitária em cursos de Psicologia no Brasil (Bomfim, 2003), como resultado de uma reforma
de currículo conduzida por grupos de trabalho e comissões paritárias formadas por professores e
estudantes.
No final dos anos setenta a Psicologia Social Comunitária era parte das temáticas
Psicologia Social, práticas em Psicologia Comunitária são cada vez mais presentes nos
(Silva, 2000). Os eventos da ABRAPSO, realizados durantes as duas próximas décadas, tanto a
nível regional quanto nacional, passam a ser um espaço de construção de parcerias e trocas em
torno das questões teóricas e práticas enfrentadas pelos professores, estudantes e membros das
prática da disciplina vêm sendo desenvolvidos com regularidade. A Área de Psicologia Social do
comunidades e instituições de São João del-Rei e da região. A partir de junho de 2000, com a
Conta, ainda, com o trabalho de membros associados, profissionais não pertencentes aos quadros
assessoria e atendimento aos grupos comunitários e institucionais, tanto no que diz respeito à luta
por conquistar a efetivação junto aos poderes públicos de melhores condições de vida e saúde,
principalmente aquelas que já estão, teoricamente, garantidas pelas políticas públicas, quanto em
termos da construção de práticas que possam auxiliar tais grupos na conquista de autonomia,
participação social, gestão coletiva, produção de identidades grupais, de relações de poder mais
visão crítica e compromissado com a transformação das condições adversas vivenciadas pela
população que constitui sua clientela. Em função disso, nos trabalhos que estamos
35
por acreditarmos que oferecem maiores possibilidades de alcance de tais requisitos e objetivos.
Lewin, Thiolent e Brandão são referências. Acreditamos que não há como separar o diagnóstico
intervenção.
Por outro lado, quando fazemos uma intervenção, estamos, obrigatoriamente, levantando
dados sobre o grupo, procurando entender sua dinâmica, ou seja, estamos fazendo um
diagnóstico, uma investigação. Outra referência considerada como fundamental por nós é a
Análise Institucional. A partir dela trabalhamos nos grupos, principalmente com os pressupostos
de análise da demanda (cada solicitação que nos é demandada deve ser analisada criticamente,
gestão crítica e coletiva), e da regra da livre expressão (o restituir, trazer à tona o não dito, a
fenômenos grupais (Silva, 2000). Nessa direção, lançamos mão, também, das contribuições dos
grupos operativos e da análise dialética do processo grupal (Pichon-Rivière, 1980; Lane, 1982,
Baró, 1989), bem como das oficinas de grupo (Afonso, 2000). Em vários destes grupos “recursos
de imagem”, tais como vídeo, filmes, slides, dramatizações, etc., têm sido utilizados associados a
36
tais técnicas e fundamentos. Essa utilização tem permitido uma maior participação da população
processo de produção da identidade grupal podem, através destes recursos, serem captados,
registrados e analisados em uma “dimensão mais inteira”. É em função disso que temos
história e da identidade dos indivíduos e dos grupos. Os recursos de imagem são utilizados,
também, como recursos suporte para atividades de reflexões com os grupos comunitários e
institucionais, permitindo que eles mesmos avaliem suas formas de interação e participação
social.
desenvolvido pelo LAPIP com os internos do Lar de Idosos Monsenhor Assis, de Prados. Esta
instituição é uma casa de abrigo para idosos, localizada na cidade de Prados, próxima a São João
del-Rei.
A Casa Lar possui uma realidade institucional, um pouco diferenciada das “instituições
totais” (Goffman, 1974). Lá existe uma liberdade maior, os portões permanecem abertos, não há
dias determinados para visitas e as pessoas podem transitar livremente, ou seja, os moradores do
Muitos fatores contribuem para esta realidade. Um deles nos parece estar relacionado à
forma como a cidade de Prados trata os “diferentes”. Seus habitantes interagem com estes
saem quando querem, recebem visitas e visitam amigos e parentes em suas casas, participam de
atividades desenvolvidas pelos grupos que trabalham na paróquia. Acredita-se que em Prados há
Outro ponto de diferenciação vem sendo construído, com certeza, pela atuação da
Psicologia. O trabalho realizado pelas estagiárias do LAPIP tem alcançado ganhos significativos;
um exemplo disso é a abertura dos portões, uma decisão tomada pela Direção do Lar a partir de
intervenções e reflexões realizadas pelas estagiárias. Estamos percebendo que elas conquistaram
A abertura dos portões representa uma conquista que pode acionar uma representação
psíquica muito significativa. A sensação do livre trânsito, certamente, pode ampliar a noção de
Acreditamos que algumas mudanças atuam significativamente no imaginário dos grupos. Esse
tipo de intervenção (abrir os portões), é uma ação concreta, e acreditamos que resulta em reações
diversas interações que demonstram nos encontros e eventos da instituição, antes pouco
presentes fora destes, já começam a ocorrer mais vezes e a serem mais significativos. Isto nos
parece ser um fator que aponta para o resgate de uma relação interacional que vem possibilitando
a reconstrução de uma identidade grupal, antes abafada ou impedida pelas situações de apatia,
(1976), vemos que todo esse quadro é resultado de uma subjetividade reprimida em termos de
expressão no grupo, devida tanto aos processos anteriores de uma socialização historicamente
processo grupal.
No período de observação e análise deste grupo percebemos que com a temática lúdica as
permitiram experienciar alguns afetos e compartilhá-los com os demais. Temos percebido que a
exposição desses afetos no grupo gera uma atmosfera de empatia e confiança, fortalecendo os
evolução no que diz respeito ao desenvolvimento do Processo Grupal, pois seus membros
espaço grupal. Tais fatos no fazem concordar com as colocações de Pichon-Rivière (1988), para
quem os grupos são espaços de manejo tanto das alegrias quanto das angústias, o que possibilita
grupal.
Segundo Pagés (1976), “o desafogo dos desejos reprimidos, é necessário como etapa de
mudança para fins de uma tomada de consciência do sentimento de perda, e aí sim dar origem a
uma adesão e a um desejo de mudar as formas de adesão. A violência institucional não é outra
coisa senão, uma defesa contra o luto”. Para que sejam possíveis mudanças psíquicas no sentido
de favorecer uma conduta saudável dos indivíduos, o luto deve ser elaborado e não negado, só
assim, se torna possível compreender e aceitar as perdas no decorrer da história de vida das
pessoas.
uma identidade grupal sendo produzida e de uma vida institucional coletiva. Possivelmente, a
elaboração subjetiva que eles vêm experienciando através das reuniões de grupo, está atuando no
sentido de promover a construção de uma identidade grupal forte, capaz de amenizar as relações
39
institucional.
santa e o período de festas juninas. As estagiárias aproveitam estas festividades para resgatar a
memória e identidade dos residentes através de jogos em que eles são divididos em sub-grupos e
comemoradas. Através do trabalho com o lúdico ocorre o resgate da história de vida de cada
membro da instituição e também a união dessas diferentes vivências que culminam, por meio do
investimento de poder nos jogos e a aprendizagem, através destes, no lidar com a perda.
O grupo de residentes vem vivenciando vitórias e derrotas nas atividades lúdicas. Como
são divididos em dois sub-grupos há alternância entre “ganhadores e perdedores” nos jogos. Essa
vivência está levantando no grupo uma maior dedicação e atenção aos assuntos relativos às
perguntas comumente feitas a eles durante os jogos. Os residentes têm então investido “poder”
naqueles integrantes que alcançam melhores resultados durante as partidas e não é raro observar
quanto às “vitórias e derrotas” que tem causado algumas manifestações grupais. É fato que a
maioria dos residentes da instituição perderam em algum momento de sua história o vínculo com
a sua família de origem. Ensinar a elaborar e lidar com a derrota é compreender melhor essas
questões afetivas que esbarram a todo o momento no processo do grupo, afinal o sentimento de
derrota durante as partidas se assemelha ao da perda da família. Portanto, estas questões têm sido
Por fim, cabe retomar a importância do processo de abertura dos portões. O livre trânsito
dos internos que apresentam condições de locomoção pela cidade e dos moradores pela
40
Festividades conjuntas entre um grupo de terceira idade formado por moradores e o Lar
novas perspectivas para o atendimento de idosos que não podem contar com condições de
moradia junto a seus familiares. É fundamental estarmos alertas para que não se trate apenas de
ações paliativas e para que não haja retrocessos em termos das conquistas ora assinaladas.
articulações com as identidades individuais, mas é muito mais do que a soma das
individual e coletiva. Nossos dados de pesquisa têm confirmado que os grupos que
conseguem produzir sua identidade grupal com mais facilidade e coerência. Recorremos
a Maritza Montero:
desempenho de seus deveres para com este. Nunca é demais lembrar que durante os anos
da ditadura, não se podia pensar em cidadania como direitos, mas como conquistas a
serem buscadas. Pagamos, até hoje, um alto preço em termos de pouca mobilização e
Mourão (1985), aponta que a concepção de cidadania nunca foi estática, sendo
incorporados novos temas e direitos como uma exigência decorrente das condições de vida, das
lutas, desejos e utopias das pessoas e dos grupos sociais em cada momento histórico. Para ele “a
redefinição da saúde mental. Assim, é cada vez mais clara a explicitação da necessidade da
42
felicidade, do bem-estar das pessoas, como uma exigência social global e urgente, e não como
individual, privado, ou algo para o futuro, a ser conquistado após as sonhadas mudanças políticas
e sociais.” A luta por melhores condições de vida vem incorporando, gradativamente, aspectos
A psicologia social trabalha com conceitos que permitem trabalhar as relações culturais
indivíduos em sujeitos;
• Meio Ambiente, qualidade de vida e habitação: A análise crítica das relações dos
vivenciadas por elas em seu fazer cotidiano, acerca de sua realidade e suas condições de
vida.
43
O que determina a ação dos indivíduos não é, portanto, apenas a sua própria
representação do real, mas a representação que, através de uma complexa rede de relações
sociais, eles compartilham com os demais membros do grupo do qual fazem parte. No entanto as
passado da comunidade, com suas tradições e história, são também o produto da prática presente
e dos horizontes que guiam a ação dos grupos sociais que operam simbolicamente através delas.
vida comunitária e no cotidiano das relações dos órgãos públicos com as associações
cotidiano de dificuldades e desafios que perpassam as ações tanto dos órgãos públicos quanto
• Tempo: É comum haver um desencontro entre nossa noção de tempo e a noção de tempo
grande volume de contradições e dificuldades que faz com que as motivações para
• Sociedade Civil Desarticulada: o país assistiu, na última década, a um processo, cada vez
Durante um grande período de tempo as políticas públicas foram reduzidas a quase nada
e os recursos foram desviados em seu foco de ação. Isto acabou por produzir uma
descrença total em qualquer tipo de ação que buscasse a solução de problemas cotidianos
relação supervisor-estagiários-comunidades. Tudo isso faz com que tenhamos, cada vez
mais, que produzir conhecimento a partir das atividades de extensão e estágio curricular.
iniciativa, da globalização, são impostos pela mídia e por outros formadores de opinião,
nenhum compromisso com uma ética coletiva ou com a participação social crítica e
população.
Bibliografia:
BOMFIM, Elizabeth de Melo. Psicologia social no Brasil. Belo Horizonte: Edições do Campo
Social, 2003.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.
_____. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.
CAMPOS, Regina Helena F. (Org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à
autonomia. Petrópolis: Ed. Vozes, 1996.
LANE, Sílvia Tatiana Maurer. Psicologia social – o homem em movimento. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1982.
MACHADO, Marília Novais da Mata. Em torno da psicologia social. Belo Horizonte:
Publicação Autônoma, 1987.
MARTIN-BARÓ, Ignacio. Sistema Grupo e Poder. San Salvador : Uca Editores, 1989.
MONTERO, Maritza. Introducción a la psicología comunitaria. Buenos Aires: Paidós, 2004.
PEREIRA, William César Castilho. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método
e prática. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001.
PICHON-RIVIÉRE, Enrique. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
SILVA, Marcos Vieira. As implicações da afetividade e da identidade grupais nas estratégias de
construção da cidadania. In Psicologia social e direitos humanos. Belo Horizonte: ABRAPSO-
MG e Edições do Campo Social, 2003.
THIOLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1985.
45
ECODESENVOLVIMENTO E GLOBALIZAÇÃO:
Passados cinqüenta anos do final da segunda guerra mundial e, a despeito dos esforços
mundo mais igualitário e próspero, este ideal, de fato, continua distante. Ao que parece, o
dominadas, dentro de cada país e entre os países” (...) o ”desenvolvimento econômico tem sido
uma exceção histórica e não a regra.” “Não acontece espontaneamente como conseqüência do
jogo livre das forças livres de mercado” (Sachs, 2004: 26, 27).
desejado. O fato é que seus benefícios têm sido menores do que os esperados e o preço pago tem
sido maior: destruição do meio ambiente, processos políticos corrompidos e um ritmo acelerado
das mudanças que não dá tempo suficiente para uma adaptação cultural. A globalização trouxe o
1
In Campbell, 1990: 34, trechos da carta escrita ao Presidente dos Estados Unidos em 1872 pelo Chefe Seattle
46
desemprego em massa e por isso tem sido acompanhada por problemas de desintegração social:
Portanto, se, numa linha temporal, inicialmente, na década de 50, o esforço das Nações
se somando.
mantidas as mesmas taxas de crescimento e impacto sobre a base de recursos naturais do planeta.
Esta perspectiva foi incorporada pela economia graças ao modelo da Dinâmica Global de
Forrester e Meadows que combinava cinco parâmetros - recursos naturais, qualidade de vida,
população, poluição e investimento em capital-, que, no fim de 1971, gerou o célebre relatório
desastres ecológicos ocorridos na época criaram pressões no âmbito das Nações Unidas.
Portanto, em 1972, foi realizada uma Assembléia Geral das Nações Unidas em Estocolmo.
Desta Assembléia resultou a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano ratificada por mais de
“teoria do crescimento econômico zero” foi rechaçada pelos países em desenvolvimento, como o
Brasil, que detinham a maior parte da natureza “intocada” do planeta, bem como as populações
47
natureza.
Em 1987 a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente publicou o relatório Nosso Futuro
Comum, que mapeava os principais problemas ambientais e soluções que procurassem unir
relatório toca em questões chave: “Como persuadir as pessoas ou fazê-las agir no interesse
comum? Até certo ponto pela educação, pelo desenvolvimento das instituições e pelo
fortalecimento legal. Porém muitos dos problemas de destruição de recursos e desgaste do meio
ambiente resultam de disparidades do poder econômico e político. Uma indústria pode trabalhar
“Seria menos difícil buscar o interesse comum se houvesse, para todos os problemas
situação. Isso raramente ocorre e, em geral há quem ganhe e quem perca. Muitos problemas
derivam de desigualdades de acesso aos recursos” (Brundtland, 1987: 52). Afinal, qual a direção
Mas, o que podemos apreciar dos fatos é que o crescimento econômico não se confunde
com desenvolvimento, mas depende da cultura, numa abordagem que não fragmenta cultura de
seu suporte ambiental – não desvincula o homem da natureza – e, como brilhantemente concilia
Moscovici (2002), integra a “natureza do homem” e a tecnologia ao mundo natural, o que serve
quantitativas e propõe medidas que até hoje inspiram pesquisadores e gestores de políticas tem
sido o já citado Relatório Nosso Futuro Comum, mais conhecido como Relatório Brundtland.
48
algo ingênuo podendo estar na origem do constante não alcance dos objetivos das políticas
indicadores que serviam de medidas originais de metas. O fato é que ignorar o caráter qualitativo
acabam redundando num “emaranhado” de índices e ordenamentos que pouco elucidam se forem
vistos como objetivos em si, a reflexão sobre o que torna cada comunidade única e o
conhecimento necessário para transformá-la efetivamente são o verdadeiro objetivo, por isso este
à dimensão da sustentabilidade social coloca um problema que deve ser abordado com escalas
sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras” (Sachs,
2004:15), por isso se faz mister a adoção de uma combinação de metodologias qualitativas de
quantitativas para constantemente avaliar e redefinir o que é que isso vem a ser.
anos 90, o crescimento do Produto Interno Bruto – PIB e, do ponto de vista humano, a evolução
da renda per capita. Após mais de vinte anos de discussões conceituais e metodológicas, foi
criado o IDH – o Índice de Desenvolvimento Humano. Nas palavras de Amartya Sen, Prêmio
"Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si,
embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio,
demonstrei bastante ceticismo ao criador do Relatório de
Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de
focalizar, em um índice bruto deste tipo - apenas um número -, a
realidade complexa do desenvolvimento e da privação humanos. (...)
Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que a
hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado que ele
queria suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto de tabelas. As
pessoas olhariam para elas com respeito, disse ele, mas quando chegasse
a hora de utilizar uma medida sucinta de desenvolvimento, recorreriam ao
pouco atraente PIB, pois apesar de bruto era conveniente. (...) Devo
admitir que Mahbub entendeu isso muito bem. E estou muito contente
por não termos conseguido desviá-lo de sua busca por uma medida crua.
Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub
conseguiu que os leitores se interessassem pela grande categoria de
tabelas sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte
do Relatório de Desenvolvimento Humano.2"
Embora seja verdadeiro que o IDH permite ilustrar com clareza a diferença entre
rendimento e bem estar, ele é uma medida resultante da média aritmética simples de três
(IDH-Renda). Para o economista da FEA, José Eli da Veiga, mesmo que se considere inevitável
lhe parece suspeito que seja uma média aritmética a que melhor medida para o grau de
A média aritmética usada no IDH, quando aplicada a diferentes municípios não consegue
distinguir dois fatos essenciais: a incidência de municípios de renda elevada que mantém
precárias condições sociais; e a existência de municípios com condições sociais dignas apesar de
baixa renda. Sendo que, em termos empíricos, a renda per capita tende a proporcionar índices
mais elevados, fazendo com que “coletividades ricas, mas pouco solidárias, possam ser
consideradas mais desenvolvidas do que outras que conseguem promover amplo acesso à saúde e
Como intuía Amartya Sen, é justamente por sua virtude sintética que o IDH arrisca em
falhar, já que, a despeito de sua importância poucos técnicos governamentais demonstram ter
2
site www.pnud.org.br , acessado em 02/08/2005
50
sobre suas limitações. Portanto são grandes os riscos de deduções equivocadas sobre a situação
real de um país, região, estado, ou município: “E é preciso chamar a atenção para outro perigo: o
Veiga (2005) concorda com Moscovici (2002) sobre o profundo enlace entre cultura e
progresso que seja georreferenciável mostrará esse brutal contraste que certamente resultou de
dupla determinação histórica”. Esta dupla determinação histórica a que ele se refere, diz respeito
de origem, o que não deve ser confundido com uma análise de mero determinismo geográfico
utilizada intensamente no seu potencial visando dar suporte às análises qualitativas e não ser
É importante ressaltar que, talvez, o que se sugere seja o abandono do pensamento linear
que tendem a ser quantitativas - os cenários constituem-se narrativas lógicas que procuram
ajudar a identificar problemas que podem estar obscuros, mas que são cruciais para o
exercício, mas não parece estar sendo plenamente eficaz. Voltemos à linha do tempo. Em 1992
no Rio de Janeiro foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento, conhecida como RIO 92. Este fórum teve a participação de governos e o
propostas quatro convenções internacionais e uma agenda. Esta, chamada de Agenda 21,
agendas seria partir do nível local para o global, o que nem sempre ocorreu. Atualmente, fala-se
abertamente no fracasso dos conceitos propostos na Rio 92. O motivo poderia ser sintetizado na
Assim como Bertha Becker e Ignacy Sachs e outros tantos, creio que a despeito do atual
insucesso em alguns locais da implantação das Agendas 21 a questão de ordem continua sendo a
associações de cidadãos envolvidas” (...) “o reconhecimento dos direitos legítimos aos recursos
da proteção e do monitoramento das áreas protegidas, permitindo uma interação saudável entre o
sustentáveis e da luta contra a pobreza passam pela participação das populações nos processos
políticos e decisórios para a realização de um estado de direito - mesmo que sendo mudas com
relação à necessidade de democracia para não interferir na natureza dos regimes políticos dos
países membros, já que, para a adesão destes nestas organizações, basta aos países serem
Para que a participação de fato aconteça é necessária uma revisão dos fundamentos
teóricos do sistema internacional que são frágeis, a saber: a existência de interesses mútuos,
igualdade e soberania dos Estados, a característica natural das leis econômicas e da crença de
Mas, ao que tudo indica na periferia do “mundo desenvolvido” as formas de como lidar
em relação à área de ação, mas internas aos setores e empresas globais que as mobilizam criando
domínios da vida. (Santos, 2001: 92) Assim, as noções de destino nacional e de projeto nacional
“tirania das finanças” e “trombeteadas pela mídia” “guiando a evolução dos países, em acordo ou
própria de cada nação as suas próprias características e interesses (Santos, 2001: 155).
Portanto, conforme resume David Landes: "Se aprendemos alguma coisa através da
diferenças" (apud Veiga, 2005:47). Neste contexto a psicologia e a sociologia têm muito a
verdadeiro desenvolvimento, conforme foi argumentado por mim am artigo anterior. Parece que
implícita na carta do Chefe Seattle3 (Campbell, 1990:34): nós somos um com a natureza, uma
teia. Esta visão de mundo, de certa forma recuperada por Moscovici (2000), pode ser
transcendida para: já que somos homens que compõem a natureza - e que, portanto nossa
natureza humana a compõe-, para que a verdadeira revolução ecológica aconteça é preciso que
levada ao seu extremo. Portanto, para que as metodologias participativas tenham êxito em
promover uma revolução cultural, talvez tenhamos a aprender com o exemplo do Chefe Seattle
sobre a dinâmica e as bases na qual sua tradição era produzida e ouvida por seu povo, bem como
Referências
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carta que abre este artigo
54
Os adolescentes dividem a maior parte do seu tempo entre a casa, a escola e a rua. O
interesse pelo estudo do tempo livre veio da hipótese de ser um período crítico no
desenvolvimento do comportamento protetivo ou de risco (CÂMARA, 2003). Faz-se necessária
uma análise mais aprofundada do tema do tempo livre e do ócio numa sociedade em que não
existem para os jovens, especialmente os de classe popular, alternativas que oportunizem um uso
do tempo que possa ser realmente emancipatório frente ao ócio consumista e, em geral, ao
comportamento heterodeterminado.
Ao longo deste capítulo, objetivamos efetuar reflexões sobre as condições que tornam o
tempo livre em ócio emancipatório para os jovens. Não pretendemos chegar a conclusões, e, sim,
tecer alguns delineamentos a respeito. Para tanto, utilizaremos como teoria de base a abordagem
ecológica-contextual. Esta, de acordo com Sarriera (1998), visa à preservação e a promoção do
desenvolvimento do ser humano e de seu ambiente, considerando-os em contínua e integrada
transformação. Com base nessa abordagem, os jovens são sujeitos pró-ativos, interativos e
transformadores do ambiente, assim como estão fortemente condicionados pelas mudanças do
seu contexto. Eles não são apenas heterodeterminados, mas também autodeterminados.
Ao considerar o contexto para realizarmos uma reflexão sobre o uso do tempo livre,
temos que levar em conta, entre outros aspectos, que a indústria do ócio veio crescendo
mundialmente de forma significativa a partir dos meados do século XX, de acordo com Puig e
55
Trilla (2004). Como estratégia competitiva, direcionou ações comerciais, tanto agressivas quanto
sedutoras, para o lazer da juventude. As oportunidades de participação em atividades recreativas
tornaram-se infindáveis, principalmente para os jovens com mais recursos econômicos.
Pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2002)
mostrou que os jovens brasileiros com menos recursos econômicos tiveram poucas atividades
estruturadas para o lazer. Em 2001/2002, 83% não tiveram acesso a clubes de lazer; 74,5% não
puderam freqüentar um cinema; 60% não dispuseram de locais para praticar esportes; 80% não
desfrutaram de equipamentos públicos ou comunitários para assegurar o direito ao esporte,
cultura e lazer gratuitamente. Somente 24% dos jovens participaram de atividades artístico-
culturais fora da escola ou do trabalho, indicativo do acesso deficitário a essas atividades.
Dessa forma, tanto os jovens com mais recursos econômicos quanto os com menos se
tornaram expostos, em menor ou maior grau, a fatores de risco no tempo livre e a
vulnerabilidade social. A vulnerabilidade representa um somatório de fatores protetivos e de
risco em momentos cujos fatores de risco prevalecem (WAISELFISZ e cols., 2004). É “o
resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos
atores, sejam eles sujeitos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais,
econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade” (ABRAMOVAY e
cols., 2002, p. 29).
Portanto, o uso saudável do tempo livre cumpre várias funções para o desenvolvimento
integral dos jovens. Zamora e cols. (1995) destacam algumas delas: o estabelecimento de
relações com outras pessoas, a compreensão dos próprios processos psíquicos, a construção da
independência emocional, a tomada de consciência da própria originalidade, a adoção de uma
escala de valores permissível à participação social e a preparação para o desempenho de funções
sociais.
56
Munné e Codina (2004) alertam que os limites entre o ócio gerador de saúde,
denominado de ócio criativo por esses autores, e o promotor de risco, de ócio patológico, são
tênues, imprecisos, borrosos, dependem de fatores sociohistóricos e também das concepções dos
sujeitos implicados nas atividades de lazer. O ócio é criativo quando as atividades forem
flexíveis o suficiente para se adaptarem às necessidades das pessoas, de forma que elas tenham a
percepção de estarem no controle das atividades e dos resultados ocorridos. Esses fatores
desencadeiam sentimentos de auto-realização e de bem-estar subjetivo. O ócio torna-se
patológico quando não permitir a liberdade de escolha, relacionar-se a comportamentos de risco
e causar sentimentos de insatisfação, com repercussões negativas à saúde.
Puig e Trilla (2004) vão além do conceito de ócio criativo e trazem a visão do ócio
humanizador, além de pessoalmente enriquecedor, é também socialmente desejável. Entretanto,
quais as condições que tornam as atividades realizadas no tempo livre práticas saudáveis e
promotoras do ócio emancipador?
Enfatizamos que os conceitos de tempo livre e ócio são diferentes. O ócio se transforma
em tempo livre quando a pessoa se autocondiciona ou desenvolve suas próprias metas. Para
Munné (1980) o ócio é um fenômeno subjetivo, é o tempo no qual ‘fazemos o que queremos’. O
tempo, de acordo com Zamora e cols. (1995), pode ser dividido em três categorias: tempo
obrigatório, engloba as necessidades fisiológicas, profissionais, escolares e familiares; tempo
comprometido, constitui-se das atividades religiosas, políticas e sociais; tempo livre, congrega as
atividades recreativas, intelectuais, físicas e sociais. A divisão do tempo realizada por esses
autores é de acordo com o tipo de atividade exercida no tempo e o grau de liberdade percebido
pelas pessoas.
O tempo livre é, então, considerado como além do tempo de trabalho, administrável pela
pessoa, em alguma medida, para a execução de atividades de lazer ou ócio. Este, por sua vez, é o
período do tempo livre utilizado com atividades prazerosas, da escolha do sujeito, flexível por
natureza e interpretado como um tempo de liberdade e ganhos pessoais (MUNNÉ e CODINA,
2004). Para Puig e Trilla (2004), “ócio é o tempo livre mais liberdade pessoal” (p. 46). Os termos
“lazer” e “ócio” são teoricamente sinônimos. Lazer no latim é licere e ócio é otiu. Ambos
significam descanso, repouso, folga (BACAL, 1988). Neste estudo, utilizaremos os dois termos
de acordo com a necessidade de clareza na construção textual.
Para alcançarmos nosso objetivo de discutir sobre o ócio emancipador, de acordo com o
exposto acima, em primeiro lugar, comentaremos sobre as concepções de juventude, logo após,
57
Ao se abordar sobre juventude, torna-se necessário definir sobre quais jovens tratamos.
Pontuamos que, neste estudo, utilizaremos o termo juventude como uma categoria sociocultural.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a juventude e a adolescência expressam
aspectos diferenciados. A adolescência relaciona-se ao processo biológico de mudanças que se
inicia em torno dos 11 anos de idade Por sua vez, a juventude estende-se dos 15 aos 24 anos e é
um processo psicossocial vinculado ao período de preparação do sujeito para assumir o papel de
adulto na sociedade (WAISELFISZ e cols., 2004).
De qualquer forma, os documentos analisados concordam que tanto o termo adolescência
quanto juventude não podem ser tratados como períodos com começo e fim rígidos. As
circunstâncias particulares e variadas devem ser consideradas para estabelecer definições e
limites de idade (UNESCO, 2005).
Juventude, tomada como uma categoria sociocultural tem sido foco de interesse nas
discussões dos diversos segmentos da sociedade por comportar um caráter de transitoriedade
com relação à idade adulta. Tal aspecto instiga uma visão muitas vezes ambígua e oscilante
sobre os jovens: ora são enfatizados atributos positivos, como agentes de mudanças sociais; ora,
negativos, como potencializadores de “problemas”. Se, por um lado, é um período idealizado
pelo vigor, pela liberdade e ousadia; por outro, é retratado pelo prisma da violência, do
desemprego e do uso de drogas (ABRAMO, FREITAS, SPÓSITO, 2000; SPÓSITO e
CARRANO, 2003).
No Brasil, os jovens atravessam as mesmas problemáticas mundiais com agravante de
existir um expressivo segmento de pessoas em exclusão social devido à pobreza. De acordo com
o Censo Demográfico de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2000),
existiam no Brasil em torno de 34 milhões de jovens. Estimativas do UNESCO (2005)
consideraram que 40% dos jovens se encontravam em situação de pobreza no Brasil em 2003,
em torno de 13,5 milhões de pessoas.
Dados sobre a escolaridade mostraram que a taxa geral de analfabetismo foi de 4,2%, em
torno de 1,5 milhões de jovens, ou seja, um significativo número de pessoas. A média de estudos
foi apenas de 7,5 anos, menos que o necessário para completar o estudo fundamental. A
qualidade de ensino mostrou-se preocupante e com diferenciações profundas devido aos fatores
econômicos (UNESCO, 2005).
58
na casa de amigos, 65,8% fizeram passeios eventuais e 11,2% não fizeram nada por longos
períodos. A maioria dos jovens não participou de atividades esportivas e culturais, restritas a
menos de 10% da população pesquisada.
Outra informação preocupante é sobre as relações positivas entre o uso de drogas com o
trabalho e a prática de esportes revelada pelo V Levantamento Nacional o Consumo de
Drogas Psicotrópicas (GALDURÓZ e cols., 2004). Tais relações podem estar indicando que
uma maior disponibilidade financeira tendeu a aumentar o consumo de drogas talvez pelo fato
dos jovens não terem atividades recreativas satisfatórias em seu tempo livre. Além do mais, não
basta apenas existir um espaço para o lazer, este tem que dispor de um monitoramento adequado
com fins psicopedagógicos.
Portanto, o uso de drogas por parte dos estudantes brasileiros ocorreu precocemente; as
drogas mais utilizadas foram o álcool, o fumo e os solventes; foram os homens os principais
usuários; não ocorreram diferenciações no uso entre as classes sociais e apareceram indicativos
de que a falta de atividades adequadas possa relacionar-se com o uso de drogas.
Entretanto, a taxa de mortalidade por homicídio revelou ser uma problemática juvenil.
Segundo Waiselfisz (2004), do total de homicídios (39,9%), os jovens entre 14 e 25 anos
participaram com 88,6% dos casos. Esses índices contribuíram para que a América Latina e o
Caribe fossem as regiões do mundo com um maior índice de homicídios (23,4% da população
mundial). Em relação à população jovem, essas regiões tiveram um índice de 41,7% dos casos. A
América Latina e Caribe contribuíram, portanto, com quase a metade dos casos de jovens com
óbitos por homicídios.
Para conferir uma idéia comparativa da gravidade dessa situação, traremos os índices das
outras duas regiões com mais casos de homicídios no mundo no ano de 2002. A Europa Central
e Leste ficaram em segundo lugar, após a América Latina e o Caribe, com uma taxa de
mortalidade por homicídios de 15,0% para a população em geral e 11,1% para a jovem. Em
terceira posição ficou a América do Norte com 6,3% da população em geral e 13,8 da jovem
(WAISELFISZ, 2004).
suicídios. Quanto à população jovem, as mulheres participaram de 6,2% dos homicídios, 16,5%
das mortalidades por transporte e 1,9% dos suicídios.
Estudos apontam que enfrentamentos físicos violentos seriam mais comuns entre jovens
do sexo masculino (CÂMARA, 2003; SERFATY, BOFFI-BOGGERO e CASANUEVA, 2002).
Câmara (2003) considera o enfrentamento violento como o tipo de comportamento de risco de
maior configuração delitiva. A autora identificou em seu estudo que, além dos jovens do sexo
masculino apresentarem comportamentos agressivos com maior freqüência, esses
comportamentos não originaram culpa ou efeito negativo sobre a saúde e o bem-estar
psicológico dos jovens agressores. Os enfrentamentos violentos foram percebidos por esses
jovens como uma forma de resolução de problemas, assim como uma estratégia de afirmação e
de relacionamento social. A violência juvenil parece estar relacionada com a crise de valores que
atravessa as sociedades ocidentais, principalmente aos de papéis de gênero (NOLASCO, 2001;
BROOKS-HARRIS, HEESACKER, MEJIA-MILLAN,1996).
Outro fator, considerado como uma das principais causas da violência, aliado a crise de
valores e que propicia os jovens do sexo masculino a atos mais agressivos, é o uso de álcool. Os
jovens do sexo masculino têm apresentado um índice maior de uso freqüente, 13,5%, do que as
jovens do sexo feminino, 6,7% (ABROMOVAY e RUA, 2002).
Entretanto, a violência não representa um fenômeno marcado apenas pela faixa etária e
gênero, a etnia e as condições socioeconômicas também são significativas. O óbito por
homicídio vitimizou mais a população negra, em 2002, que representou 74% da população total
de óbitos. Essa informação indica que a diferença entre as etnias ocorreu, primordialmente, por
causa das diferenciações entre classes sociais, pois os negros ainda é a maioria das populações
pobres.
Dessa forma, os enfrentamentos físicos violentos parecem estar relacionados aos vários
contextos sociais aos quais os jovens se vinculam (COTRIM, CARVALHO e GOUVEIA, 2000),
incluindo o familiar e o do grupo de amigos (SERFATY e cols., 2002; BARNES e cols., 2005;
CÂMARA, 2003). No Brasil, é um fenômeno com primazia do óbito por homicídios e a
população jovem, masculina, negra, das classes sociais mais baixas é a principal vítima.
Além do gênero, a classe social também apresentou uma tendência preditora para
comportamentos sexuais de risco. Jovens mulheres de classes mais baixas apresentaram maiores
níveis de estresse, de uso de substâncias e de problemas de saúde física e mental, o que acarretou
maior susceptibilidade a comportamentos sexuais de risco, quando comparadas com jovens de
classe mais altas (WEISS, WHELAN E GUPTA, 2000).
Ickovics e cols. (2002) realizaram um estudo que relacionou classe social, estresse e
coping (maneiras como as pessoas comumente reagem ao estresse) com comportamentos sexuais
de risco em mulheres a partir dos 18 anos. Porém, a única variável que apareceu com tendência
preditora foi a classe social. Pontuamos que a classe social não diz respeito apenas aos aspectos
econômicos, mas é uma categoria mais ampla que faz menção a aspectos culturais e valores que
determinados segmentos socioeconômicos possuem.
O estudo realizado por Câmara (2003) com jovens da cidade de Porto Alegre constatou
que 90% apresentaram, eventualmente, comportamentos de risco sexual por não fazerem uso
freqüente de preservativos como método protetivo das DSTs. Tal comportamento foi exercido,
principalmente, por sujeitos com maior número de parceiros sexuais no ano anterior a da
pesquisa e freqüência no consumo de álcool. Essa informação indica que o consumo de
substâncias aumenta a probabilidade de exposição a outros comportamentos de risco.
Os comportamentos de risco têm uma estreita relação com o tempo livre dos jovens. Eles
mesmos o manifestam quando relatam o ‘não ter nada a fazer’ como caldo de cultivo dos
comportamentos qualificados por eles como de incorretos (Sarriera e cols. 2005). Abramovay e
cols. (2005) comentam que o lazer representa um contexto privilegiado para o desenvolvimento
dos jovens e para a aquisição de novos valores sociais.
64
O lazer, por sua vez, significa uma oportunidade de aprendizagem de valores mais
salutares, ou seja, protetores de comportamentos de risco por parte dos jovens. Para tanto, esse
lazer tem que se constituir de um ócio emancipador ou autodeterminado. Faremos, então, a
seguir uma reflexão sobre quando o ócio pode ser considerado como emancipador.
Nesta parte, buscaremos refletir e delinear alguns fatores que transformam o ócio em
emancipador. Segundo Erikson (1968/1976, p. 129), o adolescente apresenta uma maior
necessidade de “querer livremente” em relação à infância, de decidir de acordo com os seus
interesses, de modo a ser apoiado e valorizado pelas pessoas, principalmente pelos seus pares.
Kleiber (1999) denomina esse “livre querer” de autonomia e conceituou como a
autodeterminação para tomar ações e decisões.
A necessidade de autonomia gera a motivação intrínseca. Esta, como o próprio nome diz,
significa “motivos para ação”, que é a força interna que move o sujeito em direção às suas
necessidades, seus interesses e projetos pessoais, sem que ocorra a precisão de recompensas
externas para a ação (KLEIBER, 1999). De acordo com Connell e Wellborn (1991), existem três
necessidades que levam a motivação intrínseca, que são: autonomia, competência e vinculação
social.
O tempo livre é o período que melhor pode responder conjuntamente a essas três
necessidades prementes, principalmente, para os jovens através da aprendizagem, ampla e
multifacetada, quanto: à natureza da tarefa, às imbricadas relações sociais e à compreensão dos
próprios processos psíquicos (KLEIBER, 1999), aspectos que respondem às necessidades de
autonomia, vinculação social e competência dos jovens.
Mesmo que existam motivos socioculturais que embasem as escolhas dos jovens, do que
fazer no tempo livre, o fato de buscarem interesses próprios promove a crença em uma escolha
realizada com liberdade, o que atende a necessidade de autonomia ou autodeterminação.
Conforme Iso-Ahola (1999), o conceito de autonomia/ autodeterminação é central para o estudo
sobre o ócio por relacionar-se a livre escolha.
Quanto à necessidade de competência, para Deng, Dieser e Walker (2005), ela é outra
variável importante a teoria do ócio. As atividades de lazer, ao atender as necessidades de
competência, facilitam o desenvolvimento da motivação intrínseca e gera também satisfação, o
que é fator de saúde para os jovens. É a necessidade de competência que propicia a motivação
para os desafios das tarefas, a exploração do ambiente e as tentativas para a resolução das
problemáticas da vida. Esse exercício quanto à tarefa significa um importante laboratório de
experimentações que capacita os jovens para o desenvolvimento profissional e pessoal.
Ryff e Singer (2001) realizaram uma revisão teórica de vários estudos que analisaram as
relações do ambiente com a possibilidade do adoecimento ou da promoção da saúde, tanto
mental quanto física. Esses estudos evidenciaram a existência de relações entre contextos
conflitivos e com pouco suporte social com diversas infecções e doenças crônicas. Os autores
citaram pesquisas epidemiológicas que revelaram que os índices da mortalidade das pessoas
inseridas em ambientes negativos (conflitivos e com pouco suporte) assemelharam-se a das
pessoas fumantes. Outras pesquisas verificadas indicaram que pessoas inseridas em tais
ambientes apresentaram as funções imunológicas mais deficitárias e, também, cuidados com a
saúde mais pobres.
Quanto à saúde mental, Ryff e Singer (2001) encontraram que um ambiente negativo
relacionou-se com o aumento de diversas doenças psicológicas. Por outro lado, ambientes
percebidos como apoiadores e pouco conflitivos tiveram relações diretas com a menor incidência
de doenças, em particular, as de cunho depressivo e ansioso. Assim, as condições ambientais
revelaram-se protetoras para a saúde geral.
Entretanto, Moeller (2001) também evidenciou jovens que desde criança estavam
inseridos, por diversos motivos, no “código da rua” e tinham uma “família da rua”. Esses jovens
foram criados em ambientes mais violentos e internalizaram valores mais agressivos. Em geral,
eram os que dispunham de menos recursos econômicos. Boa parcela da juventude pode estar
vulnerável à violência devido à participação em ambientes com valores mais agressivos ou
permissivos, de acordo com esse autor.
Qualquer pessoa em qualquer tempo pode vivenciar o sentimento de tédio, seja no tempo
livre ou mesmo no trabalho. Entretanto, a juventude tem sido marcada como um período em que
as pessoas estão mais propensas a ele. Larson e Richards (1991), ao pesquisarem sobre essa
temática, encontraram uma tendência dos jovens sentirem-se entediados em variadas situações.
Esse sentimento parece ser comum na juventude.
Caldwell, Darling, Dowdy e Payne (1999) citam fatores causadores do tédio, que são:
falta de consciência de fatores estimulantes para fazer no tempo livre; falta de motivação
intrínseca com tentativas de alívio do sentimento de tédio; discrepância entre as habilidades da
pessoa e os desafios das tarefas disponíveis; e a sub-estimulação do ambiente. Praticamente
todos os fatores apontados estão relacionados à relação do sujeito com o ambiente.
Uma questão importante de ser frisada é o fato das pessoas que experimentam com mais
freqüência tédio buscam aliviar esse sentimento e tendem a comportamentos de risco, tais como:
o uso de droga, o vandalismo, o jogo, e outros comportamentos destrutivos (Bargdill, 2002;
Caldwell, Darling, Dowdy e Payne, 1999). Há uma grande probabilidade de que os
comportamentos de risco que marcam a juventude relacionem-se ao sentimento de tédio.
Portanto, este tem a capacidade de levar os jovens ao ócio patológico, de acordo com o conceito
de Munné e Codina (2004), citado anteriormente.
Um estudo realizado por Dumont e Provost (1999) revelou que a participação social é um
aspecto preventivo em relação ao estresse e à depressão para os jovens por habilitá-lo a ter mais
estratégias de enfrentamento para as suas dificuldades pessoais e para os eventos negativos da
vida. Dessa forma, as atividades coletivas desenvolvidas no tempo livre podem ser mais
protetoras para a saúde e bem-estar dos jovens. Por outro lado, a exclusão social leva a pouca
estimulação do ambiente (CALDWELL e cols., 1999), por conseguinte ao tédio.
70
Quanto ao tipo de atividade, a partir de uma pesquisa realizada com jovens Caldwell,
Kleiber e Shaw (1995) apontaram que os jogos esportivos e atividades físicas apresentaram
relações diretas com a autonomia. Entretanto, assistir televisão revelou relações inversas com
esse fator, chegando a ser prejudicial. Com esse estudo, os autores mostraram que as atividades
podem ser mais adequadas ou inadequadas para o desenvolvimento dos jovens.
Se as condições citadas para se ter um ambiente com ótima estimulação forem cumpridas,
a motivação intrínseca leva ao envolvimento com a tarefa com uma intensa concentração e
prazer. Desde que as habilidades do sujeito e os desafios da tarefa estejam em equilíbrio. Por
causa desse envolvimento, as pessoas sentem-se absorvidas nas tarefas de interesse. O
71
envolvimento pode ser conceituado como a participação que permite uma contínua implicação
com a tarefa, a partir de benefícios físicos, psicológicos e sociais gerados (SMITH, 1990).
Para Csikszentmihalyi (1999), uma pessoa que consegue envolvimento com variadas
atividades alcança uma experiência geral mais prazerosa, estimulando uma avaliação mais
otimista da vida. De acordo com Kleiber (1999), é o tempo de ócio o período que melhor pode
proporcionar tais experiências prazerosas e positivas para os jovens. Estes, quando
compromissados com suas metas pessoais, apresentam-se mais autônomos e independentes,
menos dependentes de recompensas externas e mais compromissados com a vida, de maneira
geral.
Embora, todas essas condições possam parecer utópicas no conjunto, elas são parâmetros
para avaliar se as atividades de lazer representam um ócio emancipador como base para o
desenvolvimento de intervenções com vistas a protagonização juvenil.
Acrescentamos que, com base em Puig e Trilla (2004), o ócio é um tempo educativo,
momento propício para o engajamento juvenil ativo com a aprendizagem devido à satisfação
sentida com o envolvimento nas atividades. Assim, os jovens podem aprender a gerenciar o
tempo para aprender com ele, levando a uma maior consciência do contexto e dos recursos
disponíveis nele com uma participação transformadora desse contexto.
74
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76
Enrique Saforcada
Los facultativos que convergen al campo de la salud tienen como soporte intelectual y
técnico algunas de las ciencias básicas (biología, física, química, psicología, etcétera), las cuales
proveen a estos profesionales de un conjunto de conceptos científicos y de ciertas posibilidades
de conectar algunos conceptos de una disciplina con los de otras. A esto, se deben agregar las
construcciones de conocimiento, no basadas en el método científico, que se generan a partir de la
interacción con los colegas y los profesionales de los otros campos disciplinares del área de la
salud -algo así como un sentido común profesional- todo lo cual da por resultado que las
visualizaciones, valoraciones y acciones subsiguientes en el campo de la práctica dependan de
estos entramados que implican no sólo conocimientos científicos sino que también -y tal vez en
mucha mayor proporción- generalizaciones empíricas, componentes ideológicos, intuiciones y
creencias no fundamentadas científicamente.
Estos entramados operan a modo de radar recortando la percepción de la realidad, su
significación y su valoración. En la gran mayoría de los casos, la base sustantiva de estos
radares, o paradigmas en lenguaje no alegórico, se construye en el período de formación
académica de las carreras de grado y su modificación posterior, a lo largo de la vida profesional,
es muy dificultosa. De esto se desprende la enorme importancia de los currículos de las carreras
de ciencias y técnicas de la salud, máxime en países como los del Mercosur en los cuales los
títulos universitarios de grado son habilitantes para el ejercicio de las profesiones.
A diferencia de otros ámbitos, en el del salubrismo se presenta una dificultad adicional (al
igual que en el área de la educación): los escenarios de lo público y de lo privado involucran
exigencias de conocimientos teóricos y tecnológicos, como así también de procesos de toma de
decisiones y planificación de las acciones, muy diferentes. El escenario de lo público es mucho
más complejo que el de lo privado y requiere de los profesionales una formación científica que
haga de sus prácticas las de máxima eficacia y eficiencia4 dado que se manejan recursos
4
Eficacia vincula procedimientos con resultados; eficiencia relaciona eficacia con costo económico.
79
(materiales, económicos, etc.) públicos. Finalmente, una cuestión más, sin dudas la más
importante, diferencia de modo tajante estos dos escenarios: los derechos humanos. No quiere
decir que en el ámbito de lo privado estos derechos no tengan vigencia, sino que se maximiza el
celo en respetarlos cuando la población implicada está sometida a toda clase de privaciones,
limitaciones y exclusiones.
Al dirigir una mirada al desenvolvimiento histórico de las concepciones y prácticas en
salud en Occidente (Dörner 1974; Rosen 1974, 1985; Sigerist 1984,1987; Saforcada 1999, 2001)
-a partir del mundo grecorromano de la antigüedad hasta nuestros días- con el objeto de hallar el
sustrato de este desarrollo, se observa que se han dado dos líneas muy diferenciadas, sobre todo,
a partir del Renacimiento, y se las puede esquematizar del modo siguiente:
a) Enfoque higienista con apoyatura en el experimentalismo Surgimiento de la
clínica médica y psicológica Centramiento en la terapéutica biologicista o psicologista o
psicosomática Comprensión dualista y mecanicista del proceso de salud Desarrollo del
mercado de la enfermedad (cultivado y vigilado por el complejo industrial-profesional).
b) Enfoque higienista protoecológico y holista La salud de la población como
responsabilidad del Gobierno Medicina social y Psicología Comunitaria La Nueva Salud
Pública y una comprensión ecosistémica del proceso de salud Movimiento de Promoción de
la Salud.
Llevando a cabo un análisis pormenorizado de estos dos rumbos en función de cuatro
dimensiones básicas (como son los soportes teórico, axiológico, actitudinal y operativo) junto a
algunas de sus subdimensiones (ver Esquema 1), se llega a ver con claridad la presencia de dos
paradigmas antitéticos y excluyentes (la presencia de uno suprime al otro): el Paradigma
Individual Restrictivo (PIR) y el Social Expansivo (PSE).
Estos dos modos de denominarlos provienen de dos aspectos esenciales:
a) las unidades de análisis y acción utilizadas;
b) las ciencias básicas en función de las cuales se busca la explicación y solución de
los problemas que se afrontan.
En el PIR la unidad de análisis y acción es el individuo descontextuado, propio de una
clínica restringida, a diferencia del PSE en que esta unidad es siempre un colectivo social
(familia, red social, vecindario, comunidad, etcétera) tomado en cuenta en su naturaleza
ecosistémica.
80
ESQUEMA 1
PARADIGMAS
La clínica expandida o
3- Eje teórico-técnico La clínica restrictiva
epidemiología
6- Significación del ser humano Nicho de la enfermedad Instancia del proceso de salud
El ecosistema al que
11- Objeto de la acción El individuo descontextuado
pertenece la persona
si vis pacem, para bellum (si quieres la paz, prepárate para la guerra) que tan funcional ha
resultado al mercado de la muerte desarrollado por el complejo industrial-militar mundial. Tal
vez resulte extemporánea esta digresión bélica, pero resulta que hay muchos aspectos, sutiles
unos y groseros otros, que vinculan las estructuras conceptuales y la dinámica de “guerra –
negocios – muerte” con “enfermedad – negocios – más enfermedad y muerte”, como así también
“paz – bienestar – desarrollo humano” con “salud – ética – buena calidad de vida”.
Volviendo al Esquema 1, es conveniente aclarar la subdimensión “Ubicación del eje
significación-valoración”, dado que puede prestarse a confusiones. Es razonable plantear un
modelo conceptual que implica que toda persona pone en juego permanentemente ejes de
significación-valoración que regulan sus comportamientos en los diferentes escenarios donde
transcurre su vida cotidiana. Uno de estos escenarios es el de la vida profesional; en el caso que
nos ocupa, el de la salud. El mencionado eje es en función del cual los profesionales significan y
valoraran los componentes del mundo circundante, de los cuales el principal son los usuarios de
los servicios que los mencionados facultativos integran en tanto efectores de salud.
Esto plantea las dos posibilidades básicas que figuran en el Esquema: que el mencionado
eje pase por el profesional, sus teorías y sus técnicas o que, por el contrario, pase por la
comunidad, sus problemas y la solución de los mismos (por supuesto que lo último no implica
que el profesional abandone su condición de tal o sus referentes teóricos y técnicos científicos).
En términos antropológicos, este cambio de posición del eje de significación-valoración, implica
pasar de una posición autocrática a una relativista cultural en la que los saberes populares en
salud, como los descriptos en los estudios de Boltanski (1976), son respetados e integrados al
saber científico del profesional, con lo cual éste puede dar respuestas efectoras integrales, de
mucho mayor alcance y de mayor eficacia y eficiencia. Un ejemplo sirve para mostrar con más
claridad lo anteriormente explicitado:
La capacidad de algunas personas para hacerle daño a otra a la distancia es una creencia
muy generalizada en diversas culturas y sociedades; en Argentina está muy difundida y sus
efectos se los denomina “mal de ojo” u “ojeadura”. Si a un servicio de salud de un hospital o de
un centro periférico llegara una persona diciendo que va para ser atendido porque lo han
“ojeado”, es casi seguro que, con mayor o menor amabilidad, sería enviado de vuelta a su casa.
Este tipo de comportamiento profesional estará mostrando a un facultativo autocrático cuyo eje
de significación-valoración está centrado en él, sus teorías y sus técnicas y al no figurar el “mal
de ojo” en ninguno de los sistemas taxonómicos vigentes (DSM IV, ICD 10, etc.) y carecer de
técnicas con las cuales resolver este problema el problema no existe en el escenario de la salud y
es ajeno a su práctica profesional.
83
Si, por el contrario, el profesional posee una posición relativista cultural y, por lo tanto,
su eje de significación-valoración pasa por la población, sus problemas y la solución de los
mismos, el mal de ojos es un problema de salud que debe ser atendido en el sistema de servicios
de salud. Veamos cuál es el proceso de significación-valoración en este caso: a) la persona que
pertenece a una cultura o sub-cultura en la que tiene presencia el conocimiento y/o creencia de
que hay quienes tienen capacidad de hacer daño a distancia temporal y espacial y, a su vez,
percibe que ha sido ojeado, o sea, que ha sido objeto de un mal de ojo, se encuentra sumamente
tensa esperando que dicho daño se haga evidente, quiere decir que está en situación de estrés y
sufrimiento, un estadio prodrómico de enfermedad (si, por ejemplo, planteando casos extremos,
ya padece una cardiopatía puede hacer un infarto de miocardio fatal o, siendo una persona sana,
puede disponerse a cruzar una calle ensimismado por el problema de la ojeadora y no tomar las
precauciones habituales lo cual lo lleve a ser atropellado por un vehículo y fallecer; en ambos
casos la causa de muerte será el mal de ojos); b) por lo tanto, debo atenderlo desde mis
conocimientos y mis tecnologías que implican la comprensión y solución o atenuación del estrés;
c) siendo un profesional relativista cultural habré averiguado que en la comunidad del lugar
donde trabajo tiene existencia real el mal de ojos (la existencia real de un fenómeno cultural la
constituye el saber popular) y por lo tanto habré averiguado qué buenos curadores populares de
esta dolencia residen en esa comunidad y a uno de ellos le derivaré el paciente, de profesional a
profesional, sabiendo que sólo uno de ellos podrá solucionar, o sea, curar, esta dolencia dado que
terapeuta y paciente comparten la misma construcción cultual.
Otra subdimensión con respecto a la cual es necesario hacer algunas precisiones es la
referida al “Foco de la estrategia de acción”. En el PIR se ataca (esta expresión es
frecuentemente usada en la clínica restrictiva) la parte enferma, porque la enfermedad no
involucra a la persona sino que ésta es sólo reservorio de aquella, y/o al agente que la dañó,
prescindiendo de que ese ataque es injurioso para otros componentes del organismo.
En el PSE se tiene especialmente en cuenta el potencial de salud, que siempre está
presente cualquiera sea la situación de enfermedad en que una persona se encuentre. Si este
potencial se actualiza la enfermedad retrocede, entre otras razones, por esa condición de todo
organismo de reequilibrarse o autocurarse si se le da el tiempo necesario y que, en el caso de los
humanos, la medicina grecorromana denominaba vis medicatrix. La especialidad médica en la
que se observa un marcado respeto por esta capacidad natural, es la moderna pediatría social.
Este tema es muy complejo y no es posible desarrollarlo en este espacio pero, por un
lado, con las drogas y técnicas nucleares tan poderosas con las que hoy se cuenta, que tienen tan
alto poder destructivo generalizado para la persona enferma, llama la atención que se las use con
desaprensión en muchísimos casos y sin tomar en cuenta lo que la investigación científica en el
84
ESQUEMA 2
PIR PSE
Soporte de la PIR 1 4
orientación de
los efectores
o agentes
PSE 2 3
85
La eficiencia se mide a través del coeficiente que surge de dividir la eficacia por el costo
económico.
En la celda 1 del cuadro del Esquema 2 se muestra la situación típica del accionar propio
del Subsistema Privado del Sistema de Servicios de Salud, caracterizado por la práctica liberal de
la profesión (contrapuesta a las prácticas públicas) o del Subsistema Público o de la Seguridad
Social cuando está muy mal orientado y utiliza estrategias propias del Privado. Esta combinación
congruente de paradigmas posibilita una alta eficacia de coyuntura, pero asociada a una baja
eficiencia dado que se trabaja con una orientación integral (tanto de los objetivos como los
efectores) de acciones dirigidas excluyentemente a la enfermedad e incidiendo sólo en el
individuo atendido y no en los ecosistemas del proceso de salud-enfermedad del cual emerge el
problema que demanda atención. Esto lleva a que no se evite la enfermedad evitable (que en
general, en América Latina, involucra no menos del 40% de la enfermedad atendida
cotidianamente) y que sea muy alta la tasa de recidivas y/o de problemas no solucionados
totalmente que, progresivamente, luego se agravan; todo lo cual aumenta indebidamente los
costos económicos y el sufrimiento de la gente. Por supuesto, esta celda plantea el escenario
ideal del mercado de la enfermedad.
En la celda 2 se combina la misma estrategia u objetivos propia del PIR, con un perfil de
formación de los efectores y/o agentes que responde al PSE. Si se trata de instituciones de los
Subsistemas Público o de la Seguridad Social, indebidamente orientados en sus estrategias por el
PIR, se observa que los profesionales no cuentan con apoyatura suficiente que permita
estructurar equipos multidisciplinarios de salud, ni disponen de una infraestructura que responda
básicamente a los lineamientos de la estrategia de Atención Primaria de Salud. En estas
situaciones (profesionales y/o agentes PSE y objetivos PIR) se da una muy alta eficacia y una
potencial y relativa eficiencia dado que la misma depende del surgimiento en la comunidad de
efectos de difusión de las prácticas del efector, o de ciertos contenidos de las mismas, a través de
las acciones multiplicadoras espontáneas de la población atendida por él.
Después de analizar las dos celdas restantes, se darán ejemplos concretos de acciones que
responden a la celda 1 y a la 2.
En la celda 3 se vinculan efectores formados y capacitados en el PSE con objetivos
institucionales o programas planificados e implementados con estrategias de acción y finalidades
surgidos también del PSE. Es particularmente importante destacar que, dado la presencia de este
paradigma como soporte de las concepciones y prácticas implicadas, la comunidad adquiere un
rol central, tanto en lo que hace a su participación en las acciones de salud como en la
comprensión ecosistémica de sus dinámicas por parte de los profesionales de la salud,
87
constituyéndose la comunidad en el ámbito propio y natural de sus prácticas públicas. Esta celda
3 implica el escenario en que se alcanzan los niveles de más alta eficacia y eficiencia.
De esta breve reflexión surge con claridad la importancia que la psicología comunitaria
ha adquirido hoy en el campo de la salud y la necesidad de lograr, más allá de actitudes
corporativas o celos profesionales, el reconocimiento por parte de las autoridades y facultativos
del área de la salud pública de esta especialidad de la psicología que posibilita acceder a
cuestiones tales como la sostenibilidad de los programas de salud y sus resultados a lo largo del
tiempo, la reducción del gasto en atención de enfermedad evitable, el logro de una verdadera
cobertura5 total desde el punto de vista temporal y espacial (las instituciones de salud funcionan
dentro de ciertos horarios y el usuario debe concurrir al lugar, lo cual plantea impedimentos
cuando las áreas programáticas son muy extensas, como es lo habitual o en poblaciones de
pobreza que carecen de los medios necesarios para el transporte. Los profesionales y equipos de
salud institucionales carecen del brazo extensor que les permita llegar al seno de las familias y de
las comunidades a fin de lograr una eficaz supervisión de la adhesión a los tratamientos,
monitorear de forma permanente la situación de salud de la población, ayudar y orientar a la
población en momentos de desconcierto ante problemas de salud, etcétera, todo lo cual se logra
cuando la comunidad participa en la atención de la salud a través de sus miembros capacitados
como agentes primarios de salud.
Por último, en la celda 4 se ubica la relación entre efectores orientados por el PIR que
operan en instituciones y/o programas cuyos objetivos devienen o, dado que pertenecen a el área
de la salud pública de los gobiernos de las distintas jurisdicciones, deberían devenir del PSE. Es
el caso, por ejemplo, de la actividad cotidiana en los hospitales públicos y en los centros
periféricos del primer nivel de atención, cuyo accionar tiene por objeto cuidar la salud colectiva
con la mayor eficacia y, por implicar dineros públicos, tiene la obligación de alcanzar la mayor
eficiencia. En América Latina abundan los ejemplos de este tipo en los ámbitos de los gobiernos
municipales, provinciales o nacionales, o en el campo de la Seguridad Social.
En esta combinación incongruente de paradigmas puestos en juego, es muy alta la
ineficacia -dado que se observa una multiplicidad abrumadora de actividades inútiles,
duplicación de acciones, total carencia de un sistema de referencia que interconecte los distintos
niveles de complejidad y/o los efectores de diferente dependencia (nacional, provincial,
municipal)- y muy alta la ineficiencia dado que el costo económico del soporte de esta actividad
(recursos humanos y materiales, y gasto operativo) es muy elevado para el resultado que se
obtiene.
5
Cobertura: Medida del grado en que los servicios que se prestan cubren las necesidades potenciales de la
población, referentes a dichos servicios, en una comunidad (Last, J.M. – Diccionario de epidemiología –
Barcelona, Salvat Editores 1989).
88
c) y que ha modificado los hábitos alimenticios del hogar, mejorando las condiciones
nutricias de todo el grupo familiar.
Por la dinámica natural de la vida comunitaria, esta madre comenzará a transmitir sus
nuevos conocimientos y visualizaciones a otras madres -parientes, amigas, conocidas- a través
de la interacción en los entornos familiares, en el vecindario y en las redes sociales de las que
forma parte.
Al mismo tiempo, influirá en las madres con hijos desnutridos -enfermedad que ella ya
puede diagnosticar presuntivamente- para que visiten al pediatra, de quién les hablará muy bien
porque su hijo y ella fueron tratados con solvencia profesional integral y calidad humana. Esto
último, no sólo por el buen trato que recibió, sino porque su problema de salud fue encarado de
modo total que, en el campo de la salud, es el más alto nivel de respeto que se puede brindar a las
usuarias y usuarios por parte de los profesionales.
Aquella única acción profesional llevada a cabo en relación con un niño y su madre,
impactó en el ecosistema alimentario del entorno familiar -lo cual impedirá recaídas de ese niño
en el problema y potenciales desnutriciones en otros miembros de esa familia- y, por efecto
multiplicador, ha ido incidiendo en el tejido social de esa comunidad. Pasado un tiempo, las
condiciones nutricionales de muchas familias habrán cambiado por efecto de aquella única
acción efectora -este efecto multiplicador es uno de los factores principales en el logro de altos
niveles de eficiencia-.
Es importante tener presente que las diferencias en los resultados alcanzados en la celda 1
y en la 2 dependen del perfil de la formación de grado y posgrado de los profesionales efectores.
Esto deja en claro la responsabilidad de las universidades en América Latina, sobre todo de las
públicas, y la incidencia que tiene su orientación científico-técnica e ideológica en el gasto en
atención de enfermedad y en la potencialidad del desarrollo nacional de sus países, en lo que este
proceso depende de las condiciones de salud de sus poblaciones.
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Dossey, L. (1999) – Tiempo, espacio y medicina – Barcelona, Editorial Kairós.
90
O termo promoção de saúde tem sido amplamente utilizado. Sua circulação aumentou,
principalmente, no final do século passado, entre as décadas de 80 e 90 para referir-se, na
maioria das vezes, a uma outra forma de abordar as questões relativas à saúde, sendo
denominada por alguns autores como um novo paradigma para a saúde pública e por outros,
como uma nova abordagem de intervenção em saúde. Seja qual for a forma de entender o
conceito de promoção de saúde, sua disseminação propiciou a aceitação do termo, mas, também,
a banalização do mesmo na medida em que ele passa a ser utilizado de forma indiscriminada sem
delimitação de práticas e construções teóricas.
Neste sentido, nos propomos, neste capítulo, a tecer algumas considerações sobre a
construção deste novo campo de saber a partir da perspectiva da psicologia crítica da saúde. E,
por que desta perspectiva? Não apenas porque somos psicólogas e esta tem sido nossa área de
atuação, mas, principalmente, porque as teorias psicológicas têm tido grande influência na
composição das abordagens em promoção de saúde, muitas vezes ditando as práticas neste
campo do saber. São raras as discussões da psicologia sobre este tema o que faz parecer que
concordamos com as formas como a psicologia tem se apresentado nesta arena. Sendo assim,
nossa proposta é a de lançar um outro olhar sobre a promoção de saúde a partir de um
posicionamento crítico frente à psicologia mais tradicional e de suas teorias explicativas.
É com este olhar que nos propomos, neste capítulo, a compreender, a partir de algumas
reflexões, o processo de participação da psicologia na promoção de saúde e quais suas
implicações éticas e sociais para a saúde individual e coletiva. Bem como, pretendemos trazer à
discussão algumas alternativas às práticas, nesta área, que promovam a emancipação social a
partir das contribuições da psicologia social da saúde e da psicologia social comunitária.
É interessante notar que os sentidos atribuídos ao termo estilo de vida após a divulgação
do Relatório Lalonde e que ficaram conhecidos através de uma abordagem baseada na mudança
de comportamento, não foram os sentidos dados por Lalonde ao termo. Para ele, o indivíduo não
93
tinha total controle sobre suas decisões, nem tampouco o seu estilo de vida era o determinante
exclusivo de uma dada doença. Entretanto, foi como determinante e como decisão voluntária e
unicamente pessoal que a abordagem do estilo de vida foi propagada.
Conforme colocado por Lalonde (1975), o conceito de campo de saúde mais do que um
conceito foi uma nova perspectiva, pois ampliava a concepção de saúde ao incluir e reconhecer
dimensões até então negligenciadas na análise da saúde das populações. Além do que, esse
Ministro propôs a integração de todos os elementos, citados acima, que geralmente eram tratados
de forma fragmentada e isolada.
Mesmo que sua proposta tenha sido fundamentada no pressuposto da contenção de gastos
com a saúde, é inquestionável a contribuição que o conceito de campo de saúde proporcionou
para a compreensão e análise da saúde das populações para além da dimensão biológica.
Porém, a repercussão desta nova perspectiva não aconteceu do jeito que se imaginava.
Por mais que o Ministro tenha atribuído igual importância às dimensões da biologia humana, do
ambiente, do estilo de vida e da organização dos serviços de saúde, para melhorar as condições
de saúde da população canadense, nos documentos e discussões subsequentes (nos Estados
Unidos, no próprio Canadá e Organizações Internacionais), o elemento priorizado foi o estilo de
vida.
Para Buck (1985), a negligência dos outros elementos teve conseqüências desastrosas
tanto para os indivíduos como para a melhoria das condições de saúde em geral. Isto porque,
após 10 anos da divulgação do relatório, o ônus da mudança em saúde foi depositado unicamente
no indivíduo. Esta ênfase foi, do ponto de vista da autora, absurda, pois para ela as condições
ambientais deveriam ser consideradas como as mais relevantes. Buck considera que os outros
elementos do conceito de campo de saúde de Lalonde não podiam ser atingidos se o ambiente
não fosse primeiramente modificado.
Para Terris (1992), a priorização da categoria estilo de vida, nos Estados Unidos, ocorreu,
fundamentalmente pela confusão criada pelo documento do Serviço Público dos Estados Unidos
de 1979: “Healthy People: The Surgeon-General’s Report on Health Promotion and Disease
Prevention”. Neste documento, promoção de saúde e prevenção de doenças foram utilizados
como sinônimos e definidos em termos de mudanças de estilos de vida.
A escolha do estilo de vida, como abordagem para a promoção de saúde, por alguns
governos, também é apontada como uma forma de transferência para os indivíduos de uma
responsabilidade que deveria pelo menos ser compartilhada com o governo. Ou seja, ao ignorar
os outros elementos propostos por Lalonde na compreensão dos problemas de saúde, os
governos se eximem da responsabilidade pelas mudanças no ambiente e serviços de saúde, pois o
94
indivíduo é quem tem o papel fundamental no desenvolvimento ou não dos problemas de saúde,
depende de como gerencia seu estilo de vida (LABONTE, 1994).
Com o avanço tecnológico, os gastos com a saúde se tornavam altíssimos, como o
próprio Ministro Lalonde referiu-se em seu documento ao definir os problemas de saúde
originários da biologia humana, como aqueles que causavam um alto custo para a manutenção
dos tratamentos das doenças causadas por estes fatores. Os próprios governos começavam a
perceber que não teriam mais condições de sustentá-los e necessitavam de uma resposta urgente
a uma situação que parecia irremediável (BRUBAKER, 1983; PARISH, 1999). Assim, parece-
nos que uma saída para a não responsabilização dos governos seria a cupabilização dos estilos de
vida dos indivíduos.
Outra questão levantada como tendo contribuído para a priorização da abordagem de
estilo de vida foi a transição epidemiológica da priorização das doenças infecciosas para as
crônicas. Desta forma, era necessário buscar além do modelo curativo, outras respostas a estas
novas demandas impostas à saúde pública. Tratava-se, portanto, de adotar um modelo preventivo
ao empregar estratégias para evitar que o indivíduo pudesse desenvolver doenças ao mesmo
tempo em que promovia sua saúde.
Desta forma, o conceito de campo de saúde foi transformado ou reduzido à abordagem de
estilo de vida contrapondo-se a concepção inovadora de Lalonde e negligenciando todas as
outras dimensões identificadas pelo ministro para serem consideradas na análise das condições
de saúde.
Com isso, há um fortalecimento da abordagem de estilo de vida que se torna central nos
programas de saúde, nas décadas de 70 e 80.
Esta abordagem também recebe outras denominações, como: educação em saúde,
educação em saúde tradicional, abordagem comportamental, modelo preventivo, entre outros
(GREEN; RAEBURN, 1988; AIRHIHENBUWA, 1994; MACDONALD, 1996; HARTRICK,
1998). Neste trabalho utilizaremos o termo abordagem de estilo de vida para nos referir às
diferentes denominações acima citadas as quais compreendem o conjunto de modelos que
compartilham concepções de saúde; teorias e modelos explicativos para o comportamento; e,
praticamente as mesmas metodologias.
Esta abordagem, no entanto, começa a ser questionada em 1980, a partir de um processo
marcado, principalmente pelas mudanças no Escritório Regional Europeu da OMS, que
reconhecia que a educação em saúde isolada, como vinha acontecendo através da abordagem de
estilo de vida, não levaria às mudanças radicais na melhoria das condições de saúde e que a
promoção de saúde deveria deixar de ser uma subcategoria do programa de Educação em Saúde
para se tornar central através da criação de um novo programa. Este programa foi proposto aos
95
Além disso, a Carta propunha que para se alcançar saúde, era necessário ter algumas
condições básicas garantidas, como: paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema
estável, justiça social e equidade.
Havia uma preocupação em respeitar e atender as diferenças locais em função das
diversidades encontradas no contexto social, econômico e cultural.
Também, foram priorizadas cinco estratégias de ação para promover a saúde: 1) a
elaboração de uma política pública saudável; 2) a criação de ambientes favoráveis; 3) o
fortalecimento da ação comunitária; 4) o desenvolvimento das habilidades pessoais; e, 5) a
reorientação dos serviços de saúde.
Desta forma, concordamos com Robertson e Minkler (1994), quando afirmam que o novo
movimento de promoção de saúde, também denominado de promoção de saúde na comunidade,
representou a emergência de um novo domínio do conhecimento e do discurso. Este movimento
emergiu por desafiar as afirmações de verdades, então vigentes, a centralidade do conhecimento
profissional e das abordagens mais tradicionais de educação em saúde e de promoção de saúde.
A concepção de saúde, denominada de conceito positivo de saúde, trouxe à discussão, as
questões sociais, econômicas e culturais, extrapolando a dimensão biológica. Houve, então, uma
mudança do modelo preventivo da abordagem de estilo de vida para uma orientação para a
saúde.
Segundo Hartrick (1998), o foco da promoção de saúde mudou de determinantes de
saúde, estritamente biológicos e comportamentais, para determinantes de saúde, definidos em
termos psicológicos, sociais, ambientais e políticos. A promoção de saúde extrapolava a
97
perspectiva biomédica e de estilo de vida individual, para propor uma perspectiva social e
coletiva de saúde.
Para Parish (1999) esta foi a grande contribuição da Carta de Ottawa, a mudança de
abordagem do nível individual para o coletivo.
Esta nova perspectiva criou a necessidade de abordagens alternativas à de estilo de vida.
Os indivíduos são priorizados através do conceito de comunidade, e assim, são chamados a
participar em parceria com os governos e profissionais da saúde para identificar suas
necessidades, definir prioridades e elaborar programas que respondam às necessidades da
comunidade. Desta forma, participação comunitária e “empowerment”6 (fortalecimento) se
tornam conceitos centrais nesta nova perspectiva.
6
Utilizaremos a palavra fortalecimento para nos referir ao termo “empowerment”.
98
Para Crossley (2000) o emprego destes modelos e métodos tornou-se uma tentativa para a
psicologia criar uma abordagem científica racional para dados comportamentais e psicossociais
que poderiam ser comparados às variáveis biomédicas. Assim, as variáveis psicossociais
tornaram-se as crenças, atitudes, estratégias de enfrentamento; que podiam ser comparadas com
as variáveis biomédicas como a presença, severidade ou progressão das doenças.
Seria então possível através das teorias e modelos comportamentais e cognitivos: a)
predizer os comportamentos relacionados à saúde e doença a partir do referencial destas teorias;
e, b) controlar, gerenciar ou mudar este comportamento através da aplicação destas teorias
(CROSSLEY, 2000).
Assim, “A psicologia se configura como ciência, com o objetivo de descobrir a verdade
sobre comportamentos relacionados à saúde e doença e ajudar os indivíduos a ajustarem-se às
demandas de saúde e doença na sociedade contemporânea.” (CROSSLEY, 2000, p.2).
Desta forma, a psicologia ganhava prestígio não apenas como ciência mas também como
uma ciência na área da saúde que usava a mesma linguagem e procedimentos da investigação
científica predominante.
Entretanto, este respeito foi adquirido à custa de suposições teóricas que têm obstruído as
tentativas de controlar efetivamente as doenças crônicas através da persistência no enfoque
individual para explicar os comportamentos relacionados à saúde. Isto, tem contribuído para
mascarar o papel das iniqüidades econômica, política e simbólica dos padrões de saúde-doença
tanto globalmente como nos contextos particulares de cada localidade (MURRAY;
CAMPBELL, 2003).
Para Prilleltensky (1994), a questão do ajustamento do indivíduo à sociedade é central
tanto para a abordagem comportamental como para a cognitivista. Para o autor, a preocupação de
Skinner com a mudança social representava uma contradição entre a retórica da mudança e uma
filosofia de ajustamento.
As intervenções comportamentais freqüentemente facilitam a manutenção das
inadequadas estruturas sociais por se restringirem ao nível individual e desconsiderarem os
níveis meso e macro-estruturais. Da mesma forma, as teorias e modelos cognitivistas enfatizam a
necessidade de adaptar a mente à sociedade com o objetivo de promover o bem-estar
(PRILLELTENSKY, 1994).
Com a nova perspectiva em promoção de saúde que emergiu em meados
da década de 80, surgia também a necessidade de buscar uma alternativa
à abordagem individual de estilo de vida. Isto porque, a nova perspectiva
trazia à discussão, a necessidade de uma visão mais abrangente em saúde
que deveria ir além da integração de aspectos biológicos, sociais e
psicológicos. Propunha-se a incorporação das dimensões sociais,
econômicas e políticas como determinantes das condições de saúde.
99
Entretanto, o foco parece continuar ainda no indivíduo, mesmo que outras dimensões
tenham sido adicionadas à compreensão dos processos de saúde e doença. É nele que é
depositada, em última instância, a responsabilidade pelas ações necessárias para a mudança.
Nesta abordagem, as relações ainda permanecem unívocas, delimitadas pela relação
sujeito-realidade, como o sujeito tendo condições de transformar a realidade, entretanto, não são
consideradas as influências mútuas do sujeito na construção da realidade e da influência desta na
construção das subjetividades, e como se retroalimentam neste processo relacional.
Para Fondacaro e Weinberg (2002), a questão colocada pelo “empowerment” é que ele é
considerado em termos relacionais mas a partir de relações de poder. Relações estas que se
estruturam em posições dicotômicas. Ou seja, o foco está no grupo de pessoas sem poder em
relação aos profissionais ou serviços que detêm o poder em determinar as prioridades em saúde.
O objetivo é mudar tais relações para que a população tenha o poder de decisão e com isso
modifique suas condições de vida.
A abordagem de “empowerment” pode, então, ser criticada por ainda se manter numa
postura individualista de autonomia, controle e responsabilidade pessoal na medida em que
muitas vezes desconsidera as questões de justiça social e a responsabilidade social no nível
macro (FONDACARO; WEINBERG, 2002). Segundo os autores:
Embora o empowerment tenha certamente sido conceitualizado em
termos tanto individuais e de sistemas, a teoria do empowerment parece
às vezes sugerir que as melhores soluções ou as preferidas para os
problemas humanos são aquelas que são realizadas pelas vítimas da
injustiça e do sofrimento humano no nível local. Desta forma, se entende
que as soluções de cima para baixo para os problemas individuais não são
bem vindas e não podem ser efetivas. Entretanto, as instituições sociais e
as forças do macro sistema também contribuem para a injustiça social e o
sofrimento humano, e então, podem fazer parte dos esforços para mudar
aquelas condições. (FONDACARO; WEINBERG, 2002, p.482)
É assim, que para os autores, o que define a postura crítica do psicólogo da saúde não é
seu posicionamento radical, mas sim seu papel de trazer à discussão o contexto político, moral,
ético e sócio-histórico dentro do qual a prática está situada. Isto tem o objetivo de desafiar e
mudar as práticas existentes.
Sob esta perspectiva, a prática reflexiva opera a partir da consciência dos
desequilíbrios de poder que produzem tanto o bem-estar como a doença,
e dentro dos quais os psicólogos da saúde estão implicados e operam.
Bolam e Chamberlain (2003, p.217) sugerem, então, “[...] que apenas
quando isto for considerado seriamente, a prática da psicologia da saúde
começará a fazer o que ajuda a maioria.” .
Como Marks (2002) aponta, os programas de promoção de saúde devem ter como
objetivo trabalhar em relação à possibilidade de que todas as pessoas compartilhem chances
iguais de vida, oportunidades e recursos para a saúde. Isto implica em mudança nas relações de
poder e de como ele é distribuído entre as diferentes instâncias na sociedade; das formas como as
pessoas participam na tomada de decisões que afetam diretamente suas vidas; das condições de
injustiça social e da iniqüidade na distribuição de riqueza.
Consideramos então que adotar uma abordagem comunitária na promoção de saúde
possibilita trabalhar as questões acima apontadas de uma forma mais efetiva pois, neste contexto,
o bem-estar individual não é apenas relativo a cada um dos sujeitos mas se constitui a partir e nas
relações sociais eticamente estabelecidas.
No nosso ponto de vista, a comunidade é um espaço privilegiado para que as pessoas
possam expressar, exercitar e vivenciar a diversidade, ao mesmo tempo em que buscam através
de projetos individuais a construção de projetos coletivos baseados em valores eticamente
humanos.
Ao utilizarmos o termo comunidade, estamos delimitando um espaço não
necessariamente físico, mas simbólico em que relações solidárias, de respeito e cooperação
possam ser construídas para alcançar o bem-estar. Entendemos que o processo saúde-doença
envolve significados subjetivos, construídos intersubjetivamente, que são circunscritos a
determinados contextos sócio-históricos. A comunidade, enquanto espaço simbólico, é
fundamental nessas construções.
A idéia de comunidade por mais que tenha sido desgastada pelos valores neoliberais de
autonomia e competição, se fortalece no final dos anos 90 e início do século XXI, como uma
possibilidade de amenização destes valores e conciliação com os valores de cooperação, respeito
e solidariedade.
Na psicologia comunitária, a comunidade sob a perspectiva da ciência moderna era
apenas observada. No entanto, na perspectiva pós-moderna, o psicólogo mais do que observador
é colaborador, o que faz com que as relações entre profissional e comunidade mudem a natureza
da conversação, pois o diálogo é priorizado. Não há uma separação do profissional e população,
105
há uma produção mútua do discurso de uma história que é co-construída bem como
compartilhada a partir de uma abordagem cooperativa e respeitável. Antes, a pergunta na área de
psicologia comunitária era:
O que fazer para as comunidades mudarem para uma melhor direção.
Agora, as questões têm mudado para compreender o desenvolvimento
compartilhado de uma visão comum entre membros da comunidade e
profissionais sobre qualidade de vida, como alcançá-la e como negociar
com as dificuldades da vida diária.” (FUKS, 1998, p.249).
Prilleltensky (2001) descreve dois objetivos centrais da psicologia comunitária, são eles:
a) a eliminação das condições sociais opressivas que levam aos problemas na vida; e, b) a
promoção do bem-estar. O autor considera que as condições de dominação, exploração e
opressão são responsáveis pelos vários problemas sociais e psicológicos presentes hoje na nossa
sociedade e, que, a eliminação destas condições promoverão cidadãos e comunidades mais
saudáveis.
Entretanto, Prilleltensky (2001) considera que para alcançar estes objetivos, além do
fortalecimento de indivíduos e comunidades e a sensibilização das populações oprimidas; é
necessário promover a justiça social e a ação social. Para isso, coloca que nossa prática deverá
fundamentar-se em determinados valores, compreendidos como princípios que guiam nossas
ações. E, quais deveriam ser estes valores, como escolhê-los e quais critérios adotar?
Prilleltensky (2001) sugere quatro critérios, descritos abaixo:
1) Os valores deverão guiar os processos e os mecanismos que levam a um cenário
ideal: ou seja, os valores escolhidos devem ser compatíveis com nossa visão de uma boa
sociedade e assegurar que há uma compatibilidade entre nossos meios e nossos fins, para que
não haja conflito entre os valores pessoais e coletivos;
106
Considerações finais
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110
7
Atividades do estágio em psicologia da saúde da Faculdade Ruy Barbosa na Maternidade Climério de
Oliveira/UFBA.
111
devido ao limite de procedimentos por dia. Toda esta situação tem favorecido uma reflexão sobre
qual o papel e a pertinência da psicologia neste cenário.
Considera-se que reconhecer as necessidades e solicitar os serviços da psicologia como se
propunha inicialmente consiste numa prática paternalista ou pelo menos curativa e não-
promocional. Entende-se paternalista com bases na proposição de Emanuel e Emanuel sobre a
relação médico-paciente, como também, a partir da proposta de Ana Aron (2001) tratando da
violência familiar. Emanuel e Emanuel (1992) propõem quatro tipos ideais para a relação
médico-paciente. O primeiro observa-se quando o conhecimento da realidade e seu controle são
mantidos exclusivamente pelo profissional. Assim, todas as decisões são tomadas pelo
profissional sem consultar o usuário considerando que estas são as melhores alternativas para a
situação e o futuro do paciente. Um segundo modelo foi nomeado de informativo, quando ocorre
o contrário da situação anterior: Todas as informações são prestadas e cabe ao usuário e sua
família decidir como encaminhar a situação. Este modelo é freqüentemente referido como anglo-
saxão e produto dos processos e pressões legais sobre os profissionais. O modelo interpretativo
considera o profissional competente para interpretar os desejos dos usuários e assim encaminhar
os procedimentos. Por último, o modelo negociador, aparentemente reúne características dos
dois anteriores: o profissional presta informações e tenta identificar e adequar as possibilidades
às vontades dos usuários.
Usa-se dos modelos de relação focalizando a relação médico-paciente porque esta tem
sido a mais estudada entre todas as relações entre profissionais de saúde e usuários, devido à
posição deste profissional nos processos de tomada de decisão na rotina clínico-hospitalar,
entretanto, pode-se observar que em diferentes perspectivas todos os profissionais de saúde, ao
constituírem relações com os usuários o fazem de diversos modos e estes podem ser
classificados entre os quatro modelos citados.
Tendo como referência a realidade da violência intrafamiliar Ana Aron, psicóloga
chilena, afirma que a cultura patriarcal impôs um modelo de relações baseado no controle dos
mais fortes sobre os mais fracos. Para esta autora este contexto social tem permitido a violência
em suas várias formas e em diversos sistemas da comunidade entre eles no sistema de saúde.
Esta realidade é a imagem de um sistema abusivo no qual quem está na condição de poder
hierarquicamente usa desta posição obrigando o inferior, que se encontra numa posição de
dependência agir de forma que não faria por sua própria vontade, se tivesse outra opção. Este
sistema é completado por aqueles considerados “terceiros” que conhecem a realidade e não se
posicionam explicitamente a favor da mudança (ARON, 2001).
A imagem meiga que se tem da maternidade e se estende à instituição na qual as
mulheres “dão à luz”, esta é uma imagem influenciada por uma compreensão idealizada e
112
Considerações finais
Como tratado no início do texto este se trata de um ensaio reflexivo e inacabado de um
processo de implantação de práticas da psicologia no contexto de uma maternidade. Estas
117
práticas têm a preocupação de abrir um diálogo com as gestantes, puérperas e suas famílias em
busca de desnaturalizar e assim singularizar e contextualizar este processo.
Sabe-se que a gestação é um período que em condições de saúde as mulheres vivenciam
um período de muitas mudanças fisiológicas, anatômicas, pessoais e sociais. O limite entre uma
gravidez saudável/fisiológica e uma gravidez em condições de risco é muito tênue e decorre de
uma complexidade de fatores. Considera-se que se a mulher e a família têm lugar, são sujeitos,
vivenciam relações com os profissionais de saúde as gestações mesmo em condições patológicas
são períodos de desenvolvimento pessoal, de construção ou consolidação de novos papéis e
assim do nascimento junto com os filhos. A psicologia pode tomar várias posições neste percurso
e estas posições estão relacionadas com as adesões teóricas-técnicas-éticas dos psicólogos.
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118
Partindo dos mesmos modelos teóricos das ciências sociais, o campo da promoção da
saúde se aproxima da psicologia social comunitária em seus conceitos, práticas e propostas. Com
uma vasta produção e acúmulo de experiências desde a primeira conferencia em Ottawa em
1986, a promoção da saúde conta com profissionais e pesquisadores trabalhando de forma
interdisciplinar inicialmente na Europa e América do Norte e mais recentemente também na
América do Sul.
Baseado em paradigma especifico e a valorização da participação comunitária, equidade,
cidadania, desenvolvimento e parcerias, a promoção da saúde se refere a um processo de
capacitação de pessoas e comunidades para o controle e melhoria de sua saúde e seus
determinantes. Saúde é compreendida com um estado de bem-estar físico, social e mental, um
conceito positivo, um recurso para o cotidiano. (Carta de Ottawa, OMS, 1986). Trata-se de uma
re-orientação da ênfase no indivíduo, nas doenças e fatores de risco para a natureza do sistema
enquanto fenômeno complexo. (Bateson, 1972; Tannahill, 1990; Baric, 1993 in Whitehall).
Assim, a saúde é um reflexo da situação social, econômica, política e ambiental de pessoas e
comunidades e a prioridade é melhorar a saúde dos menos saudáveis. Trabalha-se, portanto, com
os determinantes da doença.
A promoção da saúde trabalha com conceito de saúde como determinante da qualidade de
vida e como direito humano fundamental. Trata-se de uma função essencial da saúde pública.
Propõe estratégias em diversos níveis, tais como políticas públicas e ambientes saudáveis
(Estado), reorientação do sistema de saúde (sistema de saúde), fortalecimento do
desenvolvimento comunitário (comunidade), desenvolvimento humano (individuo). Na
promoção da saúde, a responsabilidade é compartilhada entre indivíduos, comunidades,
profissionais de saúde, instituições de saúde e o governo. Este conceito de saúde implica que
todos os sistemas e estruturas que criam as condições sociais, econômicas e ambientais devem
considerar e se responsabilizar pelo impacto de suas ações na saúde individual e coletiva. (Carta
de Adelaide de 1988). Precisamos conhecer e reconhecer a complexidade dos sistemas em
interação e a variedade de atores promovendo o bem-estar e participando do ciclo de
adoecimento (Duhl).
A gestão participativa e o incremento do poder das comunidades são centrais nesta
abordagem. O desenvolvimento comunitário parte dos seus recursos humanos e materiais para
119
Deste modo, o grupo de trabalho, que elaborou o citado Relatório, estabeleceu quatro
aspectos imprescindíveis em uma avaliação. Primeiro, a avaliação deve incluir, de forma
adequada, em cada estágio todos aqueles que têm interesse legítimo na iniciativa que está sendo
avaliada. Segundo, múltiplos métodos devem ser usados, de forma interdisciplinar, através de
diversos procedimentos que procuram avaliar tanto o processo quanto os resultados. Em terceiro
lugar, a avaliação deve aprimorar a capacidade de indivíduos, organizações e governos trabalhar
com a promoção da saúde. Assim, a avaliação participativa não é apenas um exercício científico
com fins em replicar as experiências bem sucedidas e descartar as mal sucedidas, mas também
também a análise crítica de porque uma intervenção foi efetiva ou não em um contexto
específico (Ackerman). Finalmente, a avaliação deve se adequar a natureza da intervenção e seu
impacto em longo prazo (OMS, 1998).
saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde investiu na formação dos
trabalhadores e gestores da saúde no paradigma da promoção da saúde entre 1998 e 2002 dentre
outras ações culminando numa versão preliminar para uma política de promoção da saúde no
SUS. Tais ações se ampliaram a partir de 2003, fomentando o processo para a construção e a
implementação da Política Nacional de Promoção da Saúde no Brasil.
Como resultado, a coordenação da Política Nacional de Promoção da Saúde se transferiu
da Secretaria Executiva para a Secretaria de Vigilância em Saúde, situando-se atualmente na
Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (CGDANT) no Departamento de
Análise de Situação em Saúde (DASIS). O desafio que se coloca é de traçar uma política
transversal, integrada e intersetorial, que faça dialogar as diversas áreas do setor sanitário, os
outros setores do Governo, os setores privado e não governamental e a sociedade, compondo
redes de compromisso e co-responsabilidade quanto à qualidade de vida da população em que
todos sejam partícipes no cuidado com a vida (Ministério da Saúde, 2005). A lógica de tal ação
supõe implementar uma nova institucionalidade social (CEPAL, 1998 in Buss) que dificilmente
se atinge dentro desta estrutura atual do governo.
A coordenação da Política Nacional de Promoção da Saúde tem por objetivo construir
projetos e diretrizes mais claros para Estados e Municípios quanto ao componente da promoção,
integrando as várias direções e iniciativas dispersas no SUS. Propõe-se a criação do Comitê
Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde constituído pelas áreas técnicas que possuem
seus objetos de trabalho e atividades em interface com as estratégias de promoção da saúde no
Brasil. Este Comitê, a partir de uma agenda de trabalho integrada, contribuirá para a efetividade
e a qualificação da atenção integral à saúde da população.
A AGENDA NACIONAL DA PROMOÇÃO DA SAÚDE (2005-2007) tem como
objetivos: (1) estimular e contribuir na elaboração de políticas, estratégias e ações integradas e
intersetoriais que ampliem o acesso aos modos de viver mais favoráveis à saúde e à qualidade de
vida e fortaleçam as ações de prevenção e controle de doenças e agravos não transmissíveis
(DANT) e transmissíveis; (2) definir mecanismos e instrumentos para o monitoramento,
acompanhamento e avaliação das estratégias de promoção da saúde e a vigilância da DANT no
Brasil; (3) fomentar e desenvolver estudos e pesquisas para a produção de conhecimentos,
evidências e práticas no campo da promoção da saúde e doenças e agravos não transmissíveis
(DANT); (4) sensibilizar e qualificar gestores, trabalhadores e usuários de saúde quanto à
promoção da saúde, vigilância e prevenção de DANT; (5) favorecer a preservação do meio
ambiente e a promoção de entornos e ambientes mais seguros e saudáveis e; (6) superar a
fragmentação das ações e aumentar a efetividade e eficiência das políticas específicas do setor
123
1999). A partir daí este movimento educacional cresceu e até 1993, Norman & Schmidt (1993)
indicam que mais de 60 escolas ou universidades adotaram a metodologia PBL em todo o
mundo. A Escola de Medicina de Harvard adotou em 1984, uma proposta curricular em ABP,
em paralelo ao currículo tradicional, voluntário para estudantes de Medicina e para professores
(Moore, 1991). Após uma avaliação comparativa entre o processo educacional tradicional e o
novo currículo, Harvard passou a desenvolver um currículo único que "tinha como estratégias a
ABP, o processo ensino-aprendizagem centrado no estudante e o resgate da relação médico-
paciente como elemento agregador de conteúdos biopsicossociais"(Aguiar, 2001, p. 164).
Mesmo não sendo a proposta mais radical entre as experiências da época, em função de
seu prestígio, a iniciativa de Harvard teve impacto em outras instituições (Aguiar, 2001). A
psicologia, no entanto, não tem seguido este movimento educacional de forma tão significativa
(Stedmon, 2004). No Brasil, as primeiras instituições a implantar o método foram a Faculdade
de Medicina de Marília em 1997 (Komatsu, 1999) e o curso de Medicina da Universidade
Estadual de Londrina (UEL) em 1998 (Colegiado do Curso de Medicina, 1998; Vargas 2001)
Trabalhando em pequenos grupos tutoriais com o professor como facilitador e com muito
estudo, o aluno “aprende a aprender” e trabalha não apenas com o conhecimento, mas também
com a análise de suas atitudes, preconceitos e princípios éticos. As etapas fundamentais incluem
o confronto do problema, o estudo independente e o retorno ao problema (Wilkerson & Feletti,
1989) onde a finalidade é que o problema integre os conteúdos específicos relacionados (Vargas,
2001). A aprendizagem integrada e interdisciplinar favorece a interação comunitária e a
associação entre teoria e prática.
Assim, o currículo PBL resolve também outros problemas do currículo universitário atual
em qualquer área como a fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas, a dissociação
entre teoria e prática, a desconexão do trabalho profissional futuro, a pressão da explosão do
conhecimento científico e de seus meios de divulgação que limitam a aprendizagem e colocam o
aluno no papel de receptáculo da informação (Vargas 2001), no estilo de educação bancária
criticada por Paulo Freire.
Pesquisas sobre este modelo pedagógico indicam resultados positivos, referentes à
preferência dos estudantes pelo PBL em relação ao método tradicional de aulas expositivas
(Albanese & Mitchell, 1993; Norman & Schmidt, 1992; Vernon & Blake, 1993; Moore et al.,
1994). Além de sua satisfação, os alunos no currículo PBL em comparação com os do currículo
tradicional apresentaram maior capacidade para reter e integrar o conhecimento; melhor
transferência de conceitos aprendidos para problemas novos; maior motivação para o
aprendizado e capacidade para auto-aprendizado. Os estudantes de PBL Também consideraram o
ambiente de aprendizagem mais estimulante e mais humano (Norman & Schmidt, 1992).
126
Pesquisa sobre o uso do estudo de caso para o ensino da ética médica também encontrou
aumento significativo no desenvolvimento do raciocínio moral e decisões de alunos da medicina
envolvendo valores (Self, Baldwin & Wolinsky, 1992).
Concluindo, a promoção da saúde oferece uma proposta conceitual e uma práxis em
sintonia com a psicologia social comunitária, mas que é relevante para todo o campo da saúde. A
adoção desta proposta exige a capacitação de equipes interdisciplinares a partir de uma formação
que valorize as camadas populares e sua participação, buscando a transformação social como
compromisso maior. A formação do psicólogo é contrária a tais propostas. Deste modo, uma
reformulação pedagógica a partir da aprendizagem por problema, seguindo a inovação de um
movimento grande nas escolas de medicina e outros departamentos espalhados pelo mundo,
poderá atender a formação do psicólogo como promotor da saúde proposta aqui.
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128
Magda Dimenstein
Introdução
O modelo de ensino superior brasileiro tem se pautado, historicamente, em uma lógica de
mercado, tendo como base a reforma universitária de 1968, que veio organizar um modelo
educacional fragmentado em departamentos acadêmicos, com clara dicotomia entre básico-
clínico, teoria-prática etc. Suas estruturas curriculares são, no mais das vezes, engessadas e
centradas em processos de ensino-aprendizagem tradicionais. Isso, contudo, não tem impedido
que iniciativas inovadoras e propostas alternativas estejam sendo colocadas em prática em
algumas instituições de ensino no País.
No Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), uma destas iniciativas se concretizou através do Projeto Educação Saúde e Cidadania
(PESC), que teve início no ano de 1999, visando à formação de um novo profissional de saúde,
capaz de participar da transformação do modelo de atenção vigente. O PESC tem, como um de
seus objetivos, inovar no processo de ensino-aprendizagem a partir de uma abordagem
problematizadora, do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, desenvolvido na
ação/reflexão/ação com a estratégia da integração ensino, serviço e comunidade. No segundo
semestre do ano de 2000 inicia-se, como parte desse Projeto, a disciplina “Saúde e Cidadania –
SACI”, oferecida aos alunos de primeiro ano dos cursos de Nutrição, Enfermagem, Medicina,
Farmácia, Fisioterapia, Odontologia e Psicologia.
Em desenvolvimento desde então, percebe-se, a partir de alguns indícios, que esta
proposta tem sido desencadeadora de algumas mudanças no pensar e no agir de importantes
atores nos processos de reformulação curricular dos cursos do CCS/UFRN. O presente trabalho
teve como objetivo verificar e discutir estes indícios, ou seja, contribuir para a compreensão do
grau em que a disciplina SACI tem catalisado as mudanças em curso e, desse modo contribuir,
também, para o entendimento do efeito de ações estratégicas inovadoras inseridas em estruturas
marcadamente conservadoras.
129
(8)
Políticas públicas saudáveis são aquelas, segundo a OMS, que valorizam a saúde dos cidadãos como resultante
de sua qualidade de vida, a qual é definida, entre outras coisas, por um conjunto de determinantes tais como
habitação, alimentação, saneamento, violência, desemprego, etc. Portanto, uma políica pública para a saúde
precisa levar em conta todos esses fatores, priorizando uma visão social e não só biológica da saúde e ações
intersetoriais, preconizando a integração das diversas políticas públicas para a promoção do bem-estar da
coletividade.
130
(9)
Estamos nos referindo à idéia de Santos (3) de que a “emancipação não é mais do que um conjunto de lutas
processuais, sem fim definido” (p.277). Emancipação, portanto, está voltada para o sentido de uma re-politização
da prática social em quatro espaços políticos: espaço da cidadania; espaço doméstico; espaço da produção e o
espaço mundial. Em todos esses espaços existem relações de poder, formas de opressão e dominação, que
precisam ser desocultadas e transformadas.
131
A SACI está caracterizada como uma disciplina optativa que pode ser integralizada como
atividade complementar de ensino no currículo dos cursos de graduação existentes no
CCS/UFRN. É ofertada aos alunos do primeiro ano dos cursos da área de saúde (Enfermagem,
Odontologia, Nutrição, Fisioterapia, Farmácia e Medicina), bem como ao curso de Psicologia
que está alocado no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, sob o nome de
Psicologia Comunitária. A escolha pela oferta da referida disciplina aos alunos de primeiro ano
deveu-se ao entendimento de que é preciso promover mudanças o quanto antes no perfil
profissional hegemônico, o qual se encontra inadequado à realidade da Saúde Pública do país. A
construção de inovações no processo de formação profissional na saúde é uma realidade na
América Latina, promovida, em parte, pelos projetos UNI (4).
Tais autores assinalam que os novos modelos acadêmicos (novas metodologias de ensino,
organização de conteúdos e cenários de aprendizagem) estão baseados numa concepção crítica
reflexiva sustentada na construção do conhecimento a partir da problematização da realidade, na
articulação teoria-prática e na participação ativa do aluno no processo aprendizagem. Tais
modelos foram gerados e estão se consolidando na interface entre universidade, serviços de
saúde e comunidade.
Funcionamento da disciplina
A nossa experiência vem se realizando desde agosto de 2000 no Distrito Sanitário Oeste
de Natal (Figura 2). A Escolha dessa região como área de atuação do Projeto Uni-Natal deu-se
por a mesma se configurar como área carente da capital e apresentar graves indicadores sociais:
maior índice de mortalidade infantil da cidade (21,42%); maior índice de gravidez precoce e
maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. De acordo com informações
colhidas pelo IBGE (7), aproximadamente, 30% dos chefes de família são analfabetos e 16,86%
têm somente de um a três anos de estudo. Além disto, segundo pesquisa realizada pelo Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular, a partir de matérias de jornais locais, a Zona Oeste
apresenta o maior índice de homicídios, além de um nível bastante alto de transgressões
133
cometidas pela população jovem. A violência atinge a população jovem da Zona Oeste em forma
de abusos sexuais, abandono, tráfico / consumo de drogas e exploração do trabalho infantil (7).
Nesses cinco semestres letivos estiveram vinculados à disciplina cerca de 450 alunos dos
diferentes cursos participantes (90 alunos por semestre em média). A disciplina tem carga
horária de 60 horas semestrais e está orientada de forma a contemplar as etapas propostas no
diagrama acima apresentado. A primeira unidade intitulada “aprendendo a trabalhar em e com
grupo” consiste na elaboração coletiva de uma concepção sobre trabalho em grupo e na
discussão dos conceitos de multiprofissionalidade e interdisciplinaridade. Culmina com a
construção de um “contrato de convivência” que norteia o trabalho do grupo durante todo o
semestre.
Procedimentos Metodológicos
Foram aplicados questionários a atores-chave no processo de implantação da SACI, quais
sejam, os orientadores da disciplina (profissionais do serviço e professores dos cursos da área de
saúde da UFRN), os coordenadores do cursos participantes, os diretores das unidades de saúde
envolvidas e representantes das Pró-Reitorias de Graduação e de Extensão da UFRN. Com
relação à visão dos alunos egressos, foi realizada uma análise de algumas questões colocadas no
instrumento de avaliação da turma 2001.1.
134
Resultados e Discussão
convergem para alguns pontos importantes, entre eles a idéia do trabalho interdisciplinar e
multiprofissional. Além disso, a interação com a comunidade, logo no início da formação, e
ainda o desenvolvimento de habilidades e competências na área do trabalho em equipe e de uma
atenção à saúde mais ética e humana, foram questões bastante ressaltadas na fala dos sujeitos.
No que diz respeito ao conteúdo da disciplina, nota-se que este apresenta-se como
adequado à proposta do curso na medida em que traz questões relativas à Saúde Pública, à
Epidemiologia e aos problemas que são identificados na área afeta ao desenvolvimento da
disciplina. Em função disso, considera-se que a SACI contribui de forma significativa para a
formação de um profissional da saúde mais comprometido e com responsabilidade social. Do
ponto de vista do próprio conteúdo, o fato de a disciplina trabalhar com um grau de flexibilidade
que permite ter como referência um conjunto de temas básicos a partir do qual são conduzidas as
discussões, a coloca dentro de uma perspectiva inovadora para alguns respondentes.
O fato da disciplina ainda ser muito recente, faz com que a avaliação do impacto de seu
funcionamento sobre novas demandas nos cursos envolvidos seja apenas preliminar, parcial e
incompleta. De todo modo, a SACI tem provocado novas demandas particularmente em função
do aumento no número de alunos que procuram a disciplina. Há também um aumento na
demanda por projetos de pesquisa e extensão por parte dos alunos que participaram da disciplina,
no intuito de dar continuidade às intervenções planejadas no decorrer da SACI. Contudo, muitos
destes projetos não puderam ser viabilizados em função da sobrecarga de trabalho dos docentes
envolvidos na disciplina e de recursos financeiros da UFRN.
ponto de vista da formação, essa aproximação gera no indivíduo uma visão mais ampla dos
fatores determinantes das condições de vida e saúde da população, gerando um posicionamento
mais crítico diante deste quadro. Um desdobramento inevitável deste encontro com um mundo
supostamente novo é uma concepção ampliada de saúde, que contempla aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais. Esta categoria, muito identificada na fala dos orientadores, foi
também muito referida pelos alunos egressos, conforme discutimos anteriormente.
Entre os diretores das unidades de saúde que participam da SACI, foi também ressaltada
a maior aproximação com a realidade, no sentido de uma articulação teoria-prática mais
coerente. Além disso, e talvez este seja o ponto mais importante considerando os autores da fala,
os diretores destacam que a SACI tem permitido uma maior dinamização no processo de
articulação entre a comunidade e o serviço.
Como antes mencionado, os cursos da área de saúde, historicamente, têm-se pautado em
uma prática distanciada dos serviços de assistência à saúde, visando a formação de profissionais
com perfil voltado para uma prática eminentemente clínico-individual, a despeito de algumas
propostas pedagógicas apontarem (embora que apenas formalmente) para uma formação
profissional de caráter coletivo e de promoção de saúde. Desse modo, a experiência da SACI tem
permitido que o contato com a Saúde Coletiva por parte dos alunos ocorra de forma concreta,
contribuindo para o exercício pleno do papel social da universidade e para a formação cidadã do
alunado.
tornem obrigatórias em diversos cursos da UFRN e que há uma necessidade de inserção da SACI
nos projetos políticos pedagógicos dos cursos envolvidos e de sua estruturação na forma de
créditos curriculares flexíveis, não necessariamente como disciplina.
Considerações Finais
Considerando os objetivos deste trabalho, pode-se concluir que a experiência de
implantação da SACI em dois semestres letivos foi suficiente para produzir efeitos importantes
no âmbito do CCS-UFRN no que diz respeito ao desenvolvimento de novas estratégias de
ensino-aprendizagem e aos processos de discussão relativos às reestruturações curriculares.
Foram percebidos diferentes graus de influência nos diversos cursos a depender da articulação
destes com as experiências desenvolvidas pelo Projeto UNI e das iniciativas individuais de
alguns membros do corpo docente. Ficou bastante evidente que a SACI, enquanto estratégia de
desenvolvimento do PESC tem atingido os diversos níveis de sua área de atuação, ou seja, os
serviços de saúde, a comunidade e a Universidade. Neste sentido, os atores envolvidos no
processo apresentam diferentes níveis de contribuição, na dependência de sua posição estratégica
para a consolidação da proposta.
Com relação ao “efeito” da SACI sobre os alunos participantes até o momento, a análise
dos dados apontou para importantes mudanças no pensar e no fazer dos alunos, uma vez que a
concretização de uma disciplina “diferente” que funciona com outra abordagem metodológica,
outros espaços de trabalho e outras formas de intervenção que vão além das tradicionais, foi
apontada como positiva. Desse modo, ao serem incorporadas novas perspectivas de ensino, ao
mesmo tempo em que se desenvolve uma postura crítica nos alunos, se vislumbra a possibilidade
de as mudanças se darem também de “dentro para fora” ou seja, novas demandas serem criadas
para os cursos a partir do próprio corpo discente.
Finalmente, do ponto de vista das perspectivas futuras para a SACI e para o PESC, tem-
se claro que a possibilidade de incorporação de propostas inovadoras de ensino-aprendizagem
dentro de estruturas aparentemente tradicionais e conservadoras parece ser inteiramente viável e,
mais importante ainda, pode servir como mecanismo catalisador de mudanças mais profundas.
Neste sentido, o PESC está se consolidando como um núcleo dinamizador de transformações nos
cursos do CCS-UFRN na experimentação de novas tecnologias educacionais, na construção de
projetos pedagógicos inovadores, na educação permanente de saúde dos docentes.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lima VV, Ribeiro EC. Desafios na construção de novo modelos pedagógicos nos cursos de
medicina e enfermagem. Olho Mágico 2002; (9) 1: 45-47.
Projeto Global Engenho de Sonhos (2001). Construção Coletiva de Uma Estratégia de Combate
à Pobreza com Protagonismo Juvenil na Região Oeste de Natal – RN / Brasil. Mimeo.
Santos B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,
2000.
140
Figuras
4. Teorização
3. Pontos 5. Hipóteses
Chaves de solução
2. Problema 6. Prática
1. Realidade
Rio Grande
Brasil do Norte
Distrito Natal
Norte Forte
Reis Magos
Nordeste Salinas
Quintas Praia
do Meio
Dix-Sept Distrito
Bom Leste
Pastor Rosado
Parque
Felipe Nazaré Distrito das Dunas
Camarão Oeste
Cidade da
Esperança
Pr
Po aia
nt de
Cidade a
Ne
Nova Distrito gr
Guarapes a
Sul
Distrito
Sanitário
Oeste
Figura 2. Área de atuação da disciplina Saúde e Cidadania (SACI). Natal, RN. Brasil,
2001.
141
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Pouco relacionada
30%
Em grande parte
20%
Totalmente
10%
0%
Odontologia Fisioterapia Enfermagem Nutrição Psicologia
Figura 3. Distribuição percentual, de acordo com os cursos, das respostas dadas por alunos egressos da
SACI à pergunta “você considera que as atividades desenvolvidas estão relacionadas com sua formação enquanto
profissional da área de saúde?”. Natal, RN. 2001.
Trabalho multiprofissional
Enfermagem
Protagonismo na construção do conhecimento
Fisioterapia
Visão mais realista do Setor Público Nutrição
Odontologia
Construção de vínculos afetivos
Psicologia
Articulação teoria-prática
Figura 4. Distribuição percentual das respostas dadas por alunos egressos da Saci com
relação às principais contribuições atribuídas à disciplina. Natal, RN. 2001.
142
143
Sobre os autores
Tânia Maciel - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Instituto de Psicologia. Programa de Pós
Graduação em Estudos Interdisciplinares em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social
(EICOS/IP/UFRJ).
Anamélia Lins e Silva Franco - Mestre em psicologia do desenvolvimento, UNB; Doutora em saúde
pública, UFBA; Professora da Faculdade Ruy Barbosa e da Universidade Católica de Salvador
Marcos Silva - Prof. do Departamento de Psicologia da UFSJ, Doutor em Psicologia pela PUC-SP.
Coordenador do LAPIP – Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da UFSJ.
Cecília de Mello e Souza - Professora Adjunta do Programa EICOS, Departamento de Psicologia Social,
Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Enrique Saforcada - Profesor Consulto Titular de Salud Pública/Salud Mental – Facultad de Psicología –
Universidad de Buenos Aires