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PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA:

MARCOS CONCEITUAIS, PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO

MAGDA DIMENSTEIN

Organizadora

Anamélia Lins e Silva Franco

Angelo Giuseppe Roncalli

Cecília de Mello e Souza

Cristiane Paulin Simon

Enrique Saforcada

Jorge Castellá Sarriera

Kátia Biehl
Laís Oliveira Rodrigues
Magda Dimenstein
Maria de Fátima Quintal de Freitas

Marli Appel da Silva


Marcos Vieira Silva

Paloma Silva Silveira


Rosalina Carvalho da Silva

Sheila Gonçalves Câmara

Tânia Maciel

Zuleika Zandonai
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SUMÁRIO

ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA E MUDANÇA SOCIAL: RELAÇÕES A PARTIR DA


VIDA COTIDIANA E DOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO.

COMPROMISSO, PARTICIPAÇÃO, PODER E FORTALECIMENTO COMUNITÁRIO: À


PROCURA DE UM LUGAR NO MUNDO.

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE MINAS GERAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA:


PROGRAMAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA.

ECODESENVOLVIMENTO E GLOBALIZAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


METODOLÓGICAS

O TEMPO LIVRE E O ÓCIO EMANCIPATÓRIO: ALTERNATIVAS AOS COMPORTAMENTOS DE


RISCO NA JUVENTUDE

¿CUÁL ES EL PARADIGMA INHERENTE A LA COMPRENSIÓN DEL PROCESO DE SALUD?:


UN INTERROGANTE ESENCIAL

PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM PROMOÇÃO DE SAÚDE NA COMUNIDADE: MANUTENÇÃO


DO STATUS QUO OU EMANCIPAÇÃO?

ESTAR GESTANDO E ESTAR NASCENDO: O TRABALHO COM MULHERES GESTANTES QUE


NASCEM COM SEUS FILHOS

A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO PROMOTOR DE SAÚDE

PROJETO EDUCAÇÃO, SAÚDE E CIDADANIA: TRANSFORMANDO A EDUCAÇÃO DE


PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM NATAL/RN
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APRESENTAÇÃO
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ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA E MUDANÇA SOCIAL:

RELAÇÕES A PARTIR DA VIDA COTIDIANA E DOS PROCESSOS DE

PARTICIPAÇÃO

Maria de Fátima Quintal de Freitas

Hoje, com o quadro de desenvolvimento e trajetória da Psicologia Social Comunitária, ao

longo destas últimas quatro décadas, em nosso país, torna-se importante identificar aspectos

conceituais e metodológicos que foram se mantendo e se consolidando, no sentido de construir

uma perspectiva teórica e metodológica mais definida e distinta em relação a outros campos de

ação. Isto equivaleria a caracterizar o que, hoje, poderíamos dizer que se constitui como sendo o

campo da Psicologia Social Comunitária e quais são os aspectos teóricos, analíticos e

metodológicos que lhe imprimem uma configuração particular e uma certa identidade como área

de conhecimento e de intervenção (Freitas, 2002, 2003; Montero, 1996, 2003).

O resultado de discussões, debates e intentos de sistematização teórica e metodológica a

respeito da Psicologia Social Comunitária e de suas práticas, ao longo destes anos, aponta para

algumas considerações e posicionamentos que, hoje, parecem-nos mais claros e delineados.

O enfrentamento dos desafios – quanto ao tipo de recorte teórico a ser adotado, assim

como em relação aos instrumentos e metodologias coerentes ao processo de inserção e

intervenção psicossocial nas dinâmicas comunitárias - no desenvolvimento dos trabalhos

comunitários, ao longo destes anos, tem contribuído, em certa medida, para a necessária tarefa de

sistematização sobre as experiências realizadas e sobre os eixos teórico-metodológicos que tem

se afirmado neste campo.

Que aspectos, então, se tornaram importantes na Psicologia Social Comunitária? Pode-se

falar, com um pouco mais de segurança e clareza, sobre algumas categorias que têm se tornado
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decisivas nas propostas de ação e intervenção comunitárias, assim como sobre as diretrizes

teórico-analíticas que foram se reafirmando neste campo (Freitas, 2003,2005; Montero, 2003).

Entre elas podemos apontar a importância de trabalhar com os seguintes aspectos,

processos e dinâmicas: a rede de relações dentro da comunidade – em pequenos e grandes grupos

-; a identificação e formação de lideranças autóctones; as diferentes e sutis formas de opressão,

discriminação, competição e preconceito que se instauram no cotidiano das pessoas; as crenças e

valores em relação a si mesmo, aos outros e à confiança na capacidade de mudança e

enfrentamento das adversidades; as possibilidades de construção de formas de coesão,

cooperação e conscientização; e as diferentes formas de interação, ação e politização na rede de

convivência comunitária (Freitas, 2002, 2003, 2005; Martín-Baró, 1987; Montero, 2003).

Para a proposta, aqui delineada, o foco da discussão estará dirigido às relações entre as

estratégias de ação, a vida cotidiana e as possibilidades de participação, considerando também as

repercussões disto para a realização e continuidade dos trabalhos em comunidade (Freitas,

2003,2005).

Para isso serão desenvolvidos três eixos de análise. No primeiro, serão abordados os

desafios, que existem e que continuam a existir, em nossa prática comunitária e no campo da

Psicologia Social Comunitária. Em seguida, far-se-á uma análise sobre as prioridades que

surgiram e que ainda podem existir neste campo. No segundo eixo, far-se-á uma discussão a

respeito das condições – existentes e necessárias – para o enfrentamento dos desafios e para a

realização dos trabalhos comunitários, assim como sobre os conhecimentos de que já dispomos e

que têm nos guiado nesta área. E, por fim, apresentar-se-á uma proposta de análise a respeito das

formas de sobrevivência psicossocial que as pessoas lançam mão em seu cotidiano e que

estratégias de ação atravessam a vida cotidiana e configuram formas diferentes de participação.

Serão apresentadas algumas considerações a respeito dos efeitos desta articulação sobre a

continuidade/descontinuidade e fortalecimento/enfraquecimento dos trabalhos comunitários, na

perspectiva de práticas que levam a uma politização da consciência.


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Desafios e Prioridades no Campo da Psicologia Social Comunitária

Tendo como referência o compromisso com a construção de redes de relações e formas

de convivência e sobrevivência psicossocial mais solidárias e humanas, ao se enfocar as

características atuais de nossa sociedade - como sendo uma sociedade globalizada, planetária,

que produz diferentes repercussões da informação globalizada e instantânea sobre a vida das

pessoas – poderíamos dizer que um grande desafio, colocado a todos nós, refere-se àquilo que

alguns autores denominam de como “radicalizar a democracia”, como ajudar a tornar o mundo

mais justo e digno garantindo as diversidades e diferenças e enfrentando os preconceitos e

ineqüidades vividos cotidianamente. (Dagnino, 2004; Gohn, 2000; Martín-Baró, 1987; Ribeiro,

2002)

Falar apenas de democracia não significa que estejam sendo garantidas melhores e mais

dignas condições de vida para as pessoas. Os problemas relativos à injustiça, à pobreza e ao

sofrimento humano, assim como seus determinantes estruturais e conjunturais, podem continuar

a existir e, infelizmente, têm continuado mesmo em sociedades altamente democráticas, como

bem mostra a nossa história contemporânea (Cardarelli & Rosenfeld, 1998; Watts & Abdul-

Abill, 1999).

Assim, na perspectiva da Psicologia Social Comunitária Latino-Americana, fazer esta

radicalização da democracia implica em que se dê conta do conhecimento histórico a respeito da

vida social dos diferentes grupos e comunidades, relacionando-o às dimensões locais, regionais e

globais em que acontece. Fazer isto, significa intentar compreender a vida dessas pessoas, seja

nos seus problemas cotidianos, seja nas suas possibilidades de enfrentamento, assim como na

construção de possíveis ações coletivas e comunitárias (Freitas, 2002,2003). As condições

mínimas necessárias para atingir tais objetivos estariam articuladas em uma articulação e

compromisso a ser estabelecido entre os diferentes movimentos sociais, os grupos comunitários e


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os diversos segmentos da sociedade que deveriam se implicar em uma proposta coletiva, visando

fins coletivos e compartilhados. Neste sentido, é que a Psicologia Social Comunitária tem uma

tarefa importante a cumprir, no momento em que tome como matriz principal, nos trabalhos

comunitários, os cotidianos de existência das pessoas e as redes de convivência comunitária que

constroem (Freitas, 2003,2005).

Esta preocupação em buscar uma articulação dos diferentes grupos, setores e movimentos

em torno de uma proposta coletiva, de fato, e que possa resultar em práticas e processos

cotidianos que beneficiem ou retornem a todos os envolvidos, aponta para algumas condições

desafiadoras aos trabalhos comunitários. Estas situações configuram-se como obstáculos a serem

vencidos, durante os trabalhos comunitários, para que se possa, efetivamente, conseguir a

implementação de ações coletivas que estejam dirigidas a uma perspectiva de melhoria das

condições de vida da comunidade envolvida.

A primeira situação refere-se à chamada cultura democrática e a como implementá-la a

partir das relações cotidianas. Em outras palavras, a tarefa de construir e cultivar uma cultura

democrática, presente na vida cotidiana da sociedade civil, em que sejam compartilhados valores

de justiça e de dignidade, tanto na perspectiva pública como privada de cada indivíduo, é uma

das primeiras condições desafiadoras nos trabalhos de intervenção psicossocial em comunidade

(Freitas, 2003,2005; Martín-Baró, 1987). A tarefa de consolidar e construir relações e redes

comunitárias e associativas, que sejam coerentes a uma concepção de solidariedade e dignidade

compartilhadas, em que sejam evitadas alternativas individualistas, constitui-se como o segundo

desafio aqui indicado. A situação de como fazer com que as pessoas acreditem que vale a pena

participar, que confiem que haverá melhorias em suas vidas e que as mesmas poderão ser

mantidas na esfera comunitária e com benefícios, também, coletivos aponta para o terceiro

desafio às práticas em comunidade, que é a dimensão da participação nas esferas públicas

(Freitas, 2003).
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Tendo estas preocupações, relativas a como efetivar a resolução de tais desafios no

cotidiano concreto, é que se pode dizer que as atuações e intervenções, que acontecem nas

dinâmicas e contextos comunitários, devem ser dirigidas àquilo que é feito e à maneira como

fazemos (processos de participação), além de se identificar os significados sobre esse fazer (o

que é feito e como é feito). Ao fazer isto significa estar enfocando o contexto e a dinâmica das

ações realizadas, assim como seus significados na vida de cada um dos envolvidos, sejam eles

profissionais ou representantes e membros da comunidade (Freitas, 2003). Assim, a proposta de

radicalização da democracia passa a ter condições de acontecer, visto que se localizaria

concretamente nas práticas e nos trabalhos comunitários desenvolvidos, dirigindo-se, também, às

dimensões e aos determinantes responsáveis dos/pelos vergonhosos padrões de desigualdade

social, injustiça, violência, miséria, enfim, qualquer forma de falta de humanidade.

Que prioridades e necessidades guiariam as práticas em comunidade?

Após indicar a necessidade de se explicitar, claramente, os caminhos do compromisso

político presente na ação e intervenção comunitárias, coloca-se, aqui, como importante que

falemos sobre as prioridades na realização dos trabalhos comunitários. Ou seja, significa que

identifiquemos os impactos das práticas psicossociais nos mais diferentes contextos

comunitários, seja detectando-os na avaliação dos próprios agentes (internos e externos) e da

comunidade, seja na perspectiva da proposta defendida.

Torna-se, então, relevante intentar responder a algumas indagações relativas à prática e à

nossa participação nessa dinâmica. Ou seja, entramos no momento de se indagar sobre as

necessidades e prioridades do trabalho comunitário: a realização dessas práticas psicossociais

em comunidade é, de fato, prioritária? Estará atendendo a que necessidades e de quem? Trará

impactos e mudanças relevantes e na perspectiva de quem? E que tipo de conhecimento e

envolvimento têm, dentro dos trabalhos comunitários, os diferentes setores destinatários das

intervenções ou propostas de ação?


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Para uma análise mais profunda e nem por isto, menos delicada e importante, propõe-se

que sejam considerados alguns aspectos pertinentes à dinâmica e relações travadas dentro dos

trabalhos comunitários (Freitas, 2003). Tais aspectos referem-se a:

A. A dimensão do próprio trabalho realizado: trata-se de uma análise que revele as

razões que justificariam a realização do mesmo;

B. A dimensão das relações entre comunidade e agentes externos (profissionais): busca-

se, aqui, a identificação da natureza da relação existente entre estes personagens, assim como

sobre o tipo de participação que cada um tem, em cada uma das etapas de realização do trabalho

comunitário (Freitas, 2003; Montero, 2003; Sánchez, 2000); e

C. A dimensão da construção de ações coletivas e comunitárias: pretende-se a análise

das relações entre o processo do trabalho desenvolvido e os frutos obtidos, para cada um deles

(Martin-Baró, 1987).

Proceder a uma análise, considerando estas três dimensões, permite que se caracterize o

tipo de trabalho que vem sendo realizado, assim como os temas e problemáticas sobre as quais

tem se debruçado, e as relações que são construídas entre comunidade e profissão. Estas

dimensões são relativas à vida cotidiana dos mais diferentes participantes, que têm inclusive

diversos níveis de participação, e cujas repercussões psicossociais nos revelam, também,

aspectos que são parte constitutiva dos impactos dos trabalhos comunitários, mostrando as

repercussões psicossociais para a participação e conscientização dos atores envolvidos (Freitas,

2003,2005).

CONHECIMENTOS E CONDIÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DOS TRABALHOS

COMUNITÁRIOS

Falar das condições existentes e necessárias, para a realização de práticas de intervenção

em comunidade, significa falar das condições teóricas e metodológicas que sustentam as práticas

realizadas, assim como falar das relações travadas com as políticas públicas, no intuito de
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consolidar esses trabalhos. Significa indagar sobre o que já conhecemos a respeito das diferentes

dinâmicas comunitárias e sobre o que já sistematizamos sobre essas práticas, em termos teóricos

e metodológicos. Em continuidade, faz sentido, também, perguntar sobre os instrumentos e

recursos metodológicos que já foram (estão) construídos, sobre aqueles que já conhecemos e

sobre os que já foram incorporados quando da atuação e desenvolvimento dos trabalhos em

comunidade.

Estes questionamentos e reflexões apontam para uma discussão a respeito dos processos

de formação dos novos quadros de profissionais, pesquisadores e trabalhadores sociais para

atuarem nas diferentes dinâmicas comunitárias. Esta é uma preocupação, cada vez mais presente

nos últimos anos, dentro dos cursos de formação, no sentido de capacitarem, científica e

politicamente, os futuros profissionais para que desenvolvam intervenções psicossociais em

comunidade, dentro de uma perspectiva de sensibilidade histórica, para com a realidade de nossa

população, e de compromisso com a transformação social. Apesar de haver, por parte de vários

setores da sociedade civil, um crescente movimento na busca de profissionais comprometidos

com a realidade concreta – seja para atuarem junto às problemáticas sociais, às demandas de

setores populares ou às políticas públicas em várias áreas, como saúde, educação, moradia,

cidadania e direitos humanos entre outros - a Psicologia no seu processo de formação, ainda,

mantém paradigmas tradicionais e conserva visões individualizantes e psicologizantes a respeito

dos determinantes e condicionantes de tais fenômenos sociais.

Infelizmente o conhecimento crítico e histórico, o compromisso político-social e a

proximidade da Psicologia para com a realidade da maioria da nossa população e de seus

problemas concretos, não são diretamente proporcionais – em número e conteúdo político – à

quantidade de trabalhos e/ou ONGs que surgem a cada dia, dirigidos a algum tipo de problema

vivido pelos setores populares (Gohn,2000; Ribeiro, 2002).

Depreende-se, também daqui, a necessidade de indagar sobre o tipo de relação e rede que

temos construído com as diferentes políticas públicas, sejam elas mais sensíveis, ou não, às
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problemáticas com as quais nossa prática se relaciona. Deriva disto - além da necessidade de se

detectar mais objetiva e claramente os conhecimentos, contatos e condições existentes para uma

aproximação às políticas públicas – a importância em se identificar o tipo de compromisso que

emerge das práticas comunitárias implementadas nessa relação comunidade-profissionais

(Freitas, 2002, 2003). Ao lado disto, emergem também as diferentes concepções que esses

agentes possuem a respeito do fenômeno psicológico dentro da dinâmica comunitária, cujas

bases ontológicas e epistemológicas imprimem cursos distintos aos trabalhos realizados.

Desta maneira, poder-se-ia dizer que grande parte dos dilemas e desafios enfrentados

(Freitas, 2003, 2005; Montero, 2003; Watts & Abdul-Abill, 1999) referem-se a:

A. Que processos de formação de novos quadros de profissionais para atuarem em

comunidade temos implementado nos cursos de formação? E que resultados têm produzido?

B. Que tipo de relação e rede os trabalhos comunitários têm estabelecido com as políticas

públicas?

C. Que tipo de compromisso tem surgido das práticas comunitárias que têm sido

desenvolvidas?

D. Que concepção de mundo e do que seja psicológico aprecem nessas práticas com tais

compromissos ?

Sobre os Conhecimentos e Condições

Ao longo destes anos em que têm sido realizados vários e diversificados trabalhos

comunitários, algumas necessidades têm sido apresentadas aos profissionais que trabalham neste

campo, como a urgência quanto a: aprimoramento técnico metodológico para a pesquisa;

absorção de diversos tipos de estratégias de ação; habilidades no planejamento comunitário.

Assim, nesta dinâmica, do ponto de vista teórico e conceitual, algumas categorias de

conceitos e de análise foram se mostrando cruciais para o desenvolvimento de tais práticas, tais

como: processos psicossociais e grupais na rede de interações em comunidade; processos de


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comunicação e relações de poder e de influência psicossocial; processos de participação e

sentimentos de pertencimento. No que se refere aos eixos ou temas presentes nos aspectos

metodológicos, necessários às ações em comunidade, encontram-se: domínio de diversos

processos de inserção e coleta da dinâmica comunitária; adequação de metodologias qualitativas

e quantitativas dentro de uma coerente triangulação metodológica; domínio de estratégias de

avaliação dos impactos no desenvolvimento comunitário.

Quais têm sido, então, as diferentes e marcantes condições sociais que têm afetado os

trabalhos comunitários e as nossas vidas, de modos diferentes?

Algumas dessas condições têm se tornado tão presentes e têm trazido importantes

repercussões ou implicações para a vida das pessoas que passam a merecer algum destaque

também nas reflexões e análises sobre os processos de intervenção em comunidade e formação

de novos quadros.

Referem-se a situações produzidas pelos chamados contextos de globalização e que

afetam também, de alguma maneira, a natureza e direção do trabalho comunitário e dos atores

sociais envolvidos (Cardarelli & Rosenfeld,1998; Dagnino, 2004; Gohn,2000; Sarriera,Berlim,

Verdin & Câmara, 2004).

A. Pode-se mencionar como primeira situação aquela ligada ao fenômeno psicossocial

que se denomina aqui de presentificação da vida cotidiana (Freitas, 2005, 2003). Isto significa

dizer que há uma contínua atualização dos acontecimentos sociais, independentemente do seu

grau de aprofundamento ou superficialidade. Junto a isto vem, também, a falsa idéia de que a

realidade está sendo conhecida, e que, portanto, não é necessário estar em contato real e efetivo

com essa realidade O resultado psicossocial é que a sensibilidade para com a vida real fica

prejudicada e está mediatizada pela quantidade de informações recebidas.

B. Decorre, daí, também, a idéia de que se pode escolher entre o querer se aproximar ou

se distanciar da realidade, onde seriam realizadas ações ou práticas comunitárias. Aparece


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então o que se denomina de fenômeno psicossocial de Mitos da Participação (Freitas, 2005,

2003), apontando para as relações entre os sentidos da participação em comunidade e na vida

cotidiana, e os graus de envolvimento nesse cotidiano. Em outrsa palavras, pode-se dizer que são

gerados diferentes “tipos psicológicos de participação” associados a diferentes sentimentos de

estar participando (Freitas, 2005), cuja intersecção contribui para que se intente compreender

alguns dos dilemas e desafios quando da realização dos trabalhos comunitários.

C. Como terceira situação ou condição encontra-se a pseudo-idéia de que as demandas e

necessidades da população estão sendo atendidas. Isto aparece por conta de alguns aspectos.

Um deles estaria ligado ao aumento de programas e projetos comunitários que tem se ampliado

em diferentes setores e dirigidos à diversas temáticas, independentemente de que seus resultados

sejam promissores e que aconteçam efetivos processos de construção da conscientização nas

redes comunitárias. Um segundo aspecto refere-se à divulgação da falsa idéia de que as formas

de inclusão estariam desaparecendo ou diminuindo de intensidade, já que há muitos trabalhando

com os excluídos. Na verdade o que se pode afirmar é que está havendo uma inclusão que

continua a excluir e precarizar (ou seja, uma “inclusão excludente”); e, ao mesmo tempo,

encontramos formas variadas de exclusão que permitem a inclusão de pessoas que estavam á

margem da dinâmica social (funcionando como uma “exclusão includente”). O efeito

psicossocial gerado por isto é interessante e distorsivo, visto que cria uma idéia de que a

sociedade estaria tornando-se mais igualitária e justa, quando o que de fato acontece é um

alargamento do grau de aceitação e conformismo para com as diferentes e sutis formas de

injustiça e exploração na vida cotidiana, gerando leques de tolerância e, consequentemente,

diminuindo as possibilidades de resistência e mudança (Freitas, 2003; Dagnino, 2004; Cardarelli

&Rosenfeld,1998)
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ESTRATÉGIAS DE AÇÃO PSICOSSOCIAL E VIDA COTIDIANA

Emerge daqui uma questão relativa ao fato do quanto às práticas psicossociais em

comunidade apontam para uma transformação social e para a preservação de redes mínimas de

solidariedade entre as pessoas. O que fazer, por exemplo, diante da pobreza, a miséria, o

sofrimento e a injustiça que vivem as populações com as quais trabalhamos? Como nos sentimos

diante disso e como repercute isto em nossas práticas? Isto tudo nos remete a pensar sobre os

dilemas existenciais que vamos, também, tendo em nossa vida, em nossas atividades e como

podemos lidar com isto?

Quando se busca avaliar os impactos de nossas práticas em comunidade (para nós, para

os outros e para a proposta comunitária envolvida) alguns elementos necessitam ser

compreendidos, tais como: a sensibilidade histórica que os projetos e práticas possuem; as

repercussões dos trabalhos na vida concreta das pessoas; como desnaturalizar as formas anti-

sociais de existência humana que atravessam as redes de convivência.

Prática e Vida Cotidiana

Dentro destas preocupações e desafios a ação ou prática dos diferentes trabalhos

comunitários têm grande importância, em especial, porque se entrelaçam com a vida cotidiana e

com a experiência particular de cada um (Freitas, 2002, 2003, 2005; Montero, 1996, 2003).

Neste sentido, a vida cotidiana aparece como categoria importante a ser analisada,

considerando-a em uma espécie de sistema de tensões ou rede de tensões, em constante mudança

(Freitas, 2003). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de oposição e conflitos revelando os

dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária pelo indivíduo em sua prática

cotidiana.

Portanto, pode-se dizer que a Vida Cotidiana aparece como uma categoria importante a

ser analisada, considerando-a em uma espécie de sistema de tensões ou rede de tensões, em

constante mudança (Freitas, 2003, 2005). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de
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oposição e conflitos revelando os dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária

pelo indivíduo em sua prática cotidiana, seja dentro de um projeto comunitário e educacional ou

na rede de relações cotidianas.

Assim, a rede intrincada que se estabelece é entre Vida Cotidiana x Participação x

Estratégias de Sobrevivência Psicossocial. Esta rede nos leva a identificar possibilidades de

intersecção que vamos vivendo a cada momento e etapa dos trabalhos comunitários: seja quando

avançamos, seja quando encontramos dificuldades e desafios internos à equipe de profissionais

ou mesmo envolvendo todos os participantes (Freitas, 2003, 2005).

Estas possibilidades referem-se à forma e significado da participação das pessoas, dentro

das práticas e trabalhos comunitários; aos impactos dessa participação em suas vidas em termos

de resultados para si, para os demais e para o próprio trabalho; e, às formas de sobrevivência

psicossocial que as pessoas lançam mão, em termos de continuarem participando, em termos de

avaliarem suas ações, e em termos da consciência que têm sobre o processo de trabalho ou

prática comunitária (Freitas, 2002; Montero, 1996).

Neste momento é que podemos nos referir aos Tipos Psicológicos de Participação nas

práticas comunitárias (Freitas, 2003, 2005), ou diante das diversas problemáticas sociais, e suas

repercussões para a vida cotidiana . Podemos considerar aqui a bipolaridade entre o fazer e o

sentir-se em relação a esse fazer; entre o agir e as diferentes maneiras de sentir-se fazendo (ou

não) algo, independente deste fazer ser real, próximo ou visceralmente implicado coma

realidade concreta (Freitas, 2005).

Diante das inúmeras dificuldades, adversidades, mazelas,problemas, formas de exclusão e

opressão em que vive a maioria de nossa população, como nos situamos, como trabalhadores e

profissionais envolvidos com a realidade comunitária e preocupados em contribuir para algum

tipo de melhoria e mudança ?


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Diante de tudo isto e das possibilidades de realização das práticas de intervenção em

comunidade, o que fazemos e como nos sentimos nesse fazer? Estes são dilemas contínuos e

presentes em nossos trabalhos, sejam eles mais próximos ou distantes da realidade das pessoas.

Relações entre Vida Cotidiana e Consciência

Assim, ao se olhar a prática cotidiana das pessoas e dos trabalhos comunitários realizados

podemos ir encontrando liames entre as possibilidades de mudança da sociedade, as formas de

participação, enfrentamento e sobrevivência das pessoas, e suas vidas cotidianas. Portanto, ao

entender a vida cotidiana, poderemos entender as participações e não participações nas práticas

comunitárias, nas redes de solidariedade, nas convivências cotidianas e nos processos de

conscientização (Freitas, 2003, 2005; Montero, 2003; Sánchez, 2000).

Poderemos encontrar caminhos para que a vida cotidiana possa se transformar em

práticas de liberdade e justiça (não só individuais, mas principalmente coletivas) e,

consequentemente, de mudança social. (Martin-Baró, 1997).

Depreende-se, ao longo da experiência dos trabalhos comunitários no Campo da

Psicologia Social Comunitária Latino-Americana, que algumas categorias tornaram-se decisivas

para as propostas de ação e intervenção comunitárias.

Dentre elas podemos apontar a importância de trabalhar com os seguintes aspectos,

processos e dinâmicas comunitárias e educacionais: a rede de relações nos pequenos ou grandes

grupos; as lideranças autóctones; as diferentes formas de opressão e preconceito presentes no

cotidiano; os valores tributados a si mesmo; crenças na possibilidade de mudança; os processos

de coesão e as diferentes formas de interação.

Para isso, então, torna-se imprescindível, também, a preparação e desenvolvimento de um

Processo de Educação, Formação e Capacitação dos diferentes Agentes Sociais, Comunitários e

Educacionais (sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma

Consciência Crítica e Comprometido coma melhoria da vida das pessoas. E, a possibilidade de


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fazer isto articula-se, diretamente com os seguintes aspectos desafiadores aos diversos

trabalhadores comunitários (Freitas, 2002, 2003, 2005):

A. Articulação da vida cotidiana com as ações coletivas e formas de organização

comunitária. Isto permite compreender porque projetos, propostas e programas comunitários e

de políticas públicas, mesmo sofisticadamente bem elaborados e tendo tudo para dar certo,

poucas vezes conseguem avançar e gerar processos participativos efetivos na população.

B. Identificação dos sentidos que as pessoas dão para suas vidas, necessidades e projetos.

Depreende-se daqui a intrincada rede de relações que se estabelece nos planos privados e

públicos, permitindo compreender as variações e as mudanças que acontecem em relação aos

valores da ação, as avaliações sobre o significado de ter se envolvido e participado, expondo-se

da vida privada para a vida pública.

C. Compreender relações entre o participar e a vida em comunidade, desvelando-se as

redes de tensões e conflitos (Freitas, 2003). Isto pode permitir entender como esta rede de

tensões pode afetar sua participação e envolvimento em práticas cotidianas, desde as mais

esporádicas, até as mais organizadas e coletivas.

Torna-se imprescindível, também, a preparação e desenvolvimento de um Processo de

Educação, Formação e Capacitação dos diferentes Agentes Sociais, Comunitários e Educacionais

(sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma Consciência

Crítica e Comprometido coma melhoria da vida das pessoas. E isto pode ser efetivado através de

propostas dirigidas à vida cotidiana das pessoas. Assim, ao entender a vida cotidiana, poder-se-á

entender as participações e não participações nas práticas comunitárias, nas redes de

solidariedade, nas convivências interpessoais.

BIBLIOGRAFIA

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COMPROMISSO, PARTICIPAÇÃO, PODER E FORTALECIMENTO

COMUNITÁRIO: À PROCURA DE UM LUGAR NO MUNDO

Sheila Gonçalves Câmara

O conceito de comunidade torna-se cada vez mais difuso. Como refere Bauman (2003),

parece que na pós-modernidade, estamos cada vez mais nostálgicos de um conceito de

comunidade que se aproxime às relações ideais, como se estivéssemos ressentidos de viver em

meio ao turbilhão de relações superficiais. Essas relações, cada vez mais, nos colocam no lugar

do um, do único, do indivíduo que não tem nada a ver com o outro (Guareschi, 2001). Além

disso, estamos desejosos de segurança, mas não queremos abrir mão da liberdade que julgamos

ter (Bauman, 2003). Ainda que vivamos uma ilusão de liberdade, ela nos protege da análise mais

profunda e reflexiva sobre o lugar que ocupamos no mundo. Esse lugar que nos exige

responsabilidade, mas nos deixa desamparados.

Talvez seja cansaço, talvez seja solidão. No entanto, em meio à difusão de relações que

experienciamos, as identidades locais e regionais lutam por reafirmar-se e começamos a pensar

em um lugar no mundo no qual possamos sentir-nos fortalecidos junto a um grupo, capazes e,

mais do que nunca, respaldados por um grupo.

De acordo com Martín-Baró (1988), a institucionalização das responsabilidades sociais

que, embora colabore para a resolução de problemas concretos, de certa forma, desvia os sujeitos

da responsabilização sobre aspectos de sua própria vida. À medida que cada pessoa assume a

“sua” responsabilidade social, de acordo com sua função no contexto, fortalece-se uma ideologia

que incrementa o individualismo. Os sujeitos desapropriam-se dos aspectos presentes em sua

vida pessoal ou de seu grupo e sentem-se sujeitados a fatores externos que lhes afetam

contundentemente. Isso, em última instância, diminui o potencial de criatividade e

espontaneidade e, conseqüentemente, de solidariedade.


20

Compromisso social

Quando as pessoas estabelecem relações autênticas e começam a exercer sua cidadania,

através de participação ativa, podemos dizer que se inicia um processo de compromisso social.

Esse não se direciona unicamente a um aspecto macrossistêmico, mas ações em pequenos

âmbitos, desde onde é possível começar novos núcleos de mudança. É justamente nestes

âmbitos, mais imediatos que se estabelecem crenças interpessoais, normas sociais e redes que

podem exercer uma espécie de pressão normativa sobre as características individuais e/ou

comunitárias no que tange a ação social. A mobilização comunitária pode influenciar as normas

culturais que definem padrões tanto de comportamento como de representações sociais.

O compromisso surge das relações entre os indivíduos em uma rede social, onde aspectos

como confiança e reciprocidade contribuem para uma organização em torno do bem comum.

Montero (2004, p. 236) define compromisso como “a consciência e o sentimento de

responsabilidade e obrigação em relação ao trabalho e os objetivos de um grupo, comunidade,

projeto ou causa que conduz a pessoa a acompanhar, atuar e responder perante eles através das

ações que realiza”. Nesse sentido, o compromisso estará sempre atrelado a algum aspecto

concreto da vida valorado pelos sujeitos como significativo e digno. Além disso, o compromisso

tem estreita relação com a participação, posto que ambos se retroalimentam.

Nesse campo, é preciso considerar quatro dimensões, relacionadas a compromisso social:

O senso ou sentimento de comunidade, as relações de vizinhança, a eficácia coletiva e a

participação cidadã (Nelson & Prilleltensky, 2004).

Senso de comunidade

A identificação comunitária relaciona-se ao “sentimento psicológico de comunidade” e se

define através das relações sociais no que tange ao quanto um indivíduo percebe-se e é percebido

pelo seu grupo como membro daquela comunidade. À medida que o indivíduo sente-se parte da
21

comunidade, ocorre o sentimento de pertencimento e os processos de influência social

(McMillan & Chavis, 1986).

Isso ocorre através da integração social, isto é, quando os recursos disponíveis no seio da

comunidade (incluindo os humanos) dão conta das necessidades e o sentimento de eficácia e

coesão é reforçado. Também é importante considerar a união emocional, que se origina do

desejo intrínseco que as pessoas têm de manter relações que também representem, apoio social

(Sarason, 1974).

Um conceito que se relaciona estreitamente com o sentimento psicológico de comunidade

diz respeito às relações de vizinhança, que abarca os seguintes elementos: união afetiva e

emocional, componente cognitivo e componente social. Com relação à união afetiva e emocional

vamos encontrar a importância das relações mais próximas e de ajuda mútua; cognitivamente, os

indivíduos formam um mapa simbólico acerca de sua localização naquele contexto e dos

recursos que estão presentes; e, socialmente, seriam as relações sociais estabelecidas na rede da

vizinhança, sendo que estas podem ser conflitivas ou não. Embora existam discrepâncias entre

interesses individuais e coletivos, ou entre grupos, por maiores que sejam os conflitos, um

processo de negociação pode ser implementado e o sentimento psicológico de comunidade não é

destruído (Unger & Wandersman, 1985).

Eficácia coletiva

O sentimento psicológico de comunidade é o que vai unir as pessoas em torno de ações

que visem a mudança. E das ações implementadas vai surgir a eficácia coletiva, que se refere às

crenças compartilhadas acerca do poder coletivo para o alcance de resultados. Os ganhos obtidos

de forma grupal superam o compartilhamento de habilidades e conhecimentos de cada membro,

revelando a importância da organização das dinâmicas de interação. Ou seja, a eficácia coletiva

percebida não é simplesmente a soma das crenças de eficácia individuais, mas uma propriedade

emergente do grupo. Isto é observável, especialmente, em grupos cujos membros são talentosos
22

individualmente, mas que não conseguem trabalhar em grupo como uma unidade, apresentando

uma performance grupal pobre.

Quanto maior a coletividade, mais dispersa fica a sensação de controle ou influência

sobre determinado aspecto, e menor a percepção da possibilidade de interferência em estruturas

mais amplas, como é o caso de políticas macroestruturais. Assim, quanto mais passível de

mudança seja avaliada uma realidade, maior a eficácia percebida.

Tendo em vista esse aspecto, não podemos esquecer dos elementos que acabam por

separar indivíduo e seu contexto, como se este fosse uma estrutura pré-estabelecida e não uma

construção dos próprios sujeitos. Elementos que, por afastamento, impedem qualquer esforço

grupal, posto que dinamitam o sentimento de eficácia. Entretanto, as crenças compartilhadas

acerca da eficácia coletiva serão, justamente, as responsáveis pelo tipo de objetivo que será

procurado, como serão utilizados os recursos, quanto esforço será investido, o nível de aceitação

quando os esforços grupais não apresentam, em curto prazo, os resultados esperados e a

vulnerabilidade à frustração quando os resultados não são alcançados. Tudo isso, evidentemente,

em uma perspectiva coletiva (Bandura, 2000). Ou seja, existe uma reordenação que se dá,

justamente, em função da própria eficácia percebida.

Assim, a eficácia coletiva consiste em um atributo grupal que prediz a performance do

grupo e, da mesma forma, reflete os processos que se operam no grupo, pondo em relevo a

simultaneidade entre a ação individual e coletiva.

As relações recíprocas se dão, ao mesmo tempo, entre os indivíduos, entre o indivíduo e o

grupo, entre grupos (o coletivo ou o comunitário), e entre o indivíduo e os grupos (coletivo ou

comunitário). Ampliando essas relações para as relações entre eficácia e performance nos níveis

individual e grupal, fica clara a presença da eficácia comunitária, sendo esta desgastada ou

reforçada pela performance comunitária. Ou seja, a performance comunitária refere-se ao quanto

a comunidade é capaz de alcançar seus objetivos, de acordo, também com a relação cíclica entre

eficácia e performance (Bandura, 2000).


23

Faz-se importante pensar na eficácia coletiva como um atributo do grupo ou comunidade,

que existe no grupo e não acima dele. Ou seja, não se constitui em uma entidade etérea.

Concepção esta que perderia toda a efetividade em termos tanto teóricos quanto empíricos.

Podemos dizer que a eficácia coletiva tem uma existência bastante real, que se manifesta através

do comportamento dos membros do grupo, atuando coletivamente e compartilhando crenças, e

situa-se na mente de cada um.

As crenças compartilhadas pelas pessoas de que podem exercer certo poder quando

unidas em prol do alcance de seus objetivos comuns é o princípio da atuação coletiva. Mais que

uma simples divisão de tarefas, conhecimentos e habilidades dos membros, os ganhos obtidos

através da atuação coletiva revelam a capacidade dos sujeitos em interagirem de forma

coordenada e organizada (Bandura, 2000).

A questão primordial talvez seja como dar início a esse processo de participação grupal e

de compartilhamento de responsabilidades, o que estaria temporalmente situado antes que os

esforços comecem a resultar positivamente, quando já se estabelece automaticamente um

processo de retroalimentação.

Participação cidadã

Esse seria o processo de participação ativa, o qual, de acordo com Góis (1993), possibilita

que indivíduos e grupos passem a vivenciar sua realidade através de uma inserção mais profunda

e intencional no mundo, com a decorrente apropriação da realidade.

O progressivo processo de tomada de consciência implica em sair dos padrões de

conformidade, nos quais um subjacente acordo com a realidade (que está posta) implica em uma

uniformidade de comportamento (Montero, 2004). Nas classes sociais mais desfavorecidas, esta

conformidade revela uma aceitação da marginalização social como um desígnio divino, mas que,

através de uma análise mais profunda, significa a incorporação de uma série de influências

ideológicas que têm por objetivo estagnar o processo de desenvolvimento e mobilização.


24

Mas a tomada de consciência, advinda da atividade dos membros de um grupo, sua

interação e os sentimentos mútuos que estabelecem, de certa forma, provoca uma ruptura neste

ciclo permanente de conformismo, que não deixa espaço para qualquer atuação ou reflexão.

Estamos referindo-nos à conversão dos aspectos interiorizados por um determinado grupo

que são percebidos como naturais ou imutáveis. Essa conversão pode ocorrer no seio da

comunidade, isto é, em um movimento interno, ou pode expandir-se para um processo que

redimensiona os fatores contextuais mais amplos. São transformações e inovações no modo de

pensar e perceber o mundo e o lugar das pessoas e comunidades no mundo. Evidentemente, isso

causa desacomodação e sofrimento, mas é a propulsão para a ruptura e a mudança (Montero,

1994, 2004).

Como refere Barriga (1982), as minorias ativas não se conformam em ficar numa posição

marginalizada e tampouco aceitam ficar passivos frente às circunstâncias. Ao contrário, iniciam

um movimento de transformação. Para tanto, é preciso que estas minorias tenham um alto grau

de firmeza em seus posicionamentos, o que só é possível quando os membros mantêm uma única

posição através do tempo, a fim de que possam manter uma oposição às maiorias.

O processo em si apresenta como características fundamentais: 1) A transposição da

interpretação dos fatos baseada em aparências exteriores para a explicação de seu sentido,

através de um processo reflexivo que rompe com a lógica submissa da causa-efeito; 2) A

compreensão dos fenômenos particulares e locais como parte de uma globalidade social,

histórica, complexa e dinâmica; e, 3) O desenvolvimento da capacidade individual de reflexão,

juntamente com a promoção social do indivíduo, o que ocorre na interação grupal (Ministério de

Salud Publica de Uruguai, 1994).

Fortalecimento

As dimensões de senso de comunidade, relações de vizinhança, eficácia coletiva e

participação cidadã vão nos levar a considerar o movimento que denominamos de fortalecimento
25

da comunidade, ou empowerment. De acordo com Rappaport (1984), empowerment diz respeito

ao processo a través do qual as pessoas, organizações e comunidades alcançam poder e domínio

sobre si mesmos, seu funcionamento e suas vidas.

Montero (2003) defende que a palavra correta para definir o conceito de empowerment,

seria “potenciação” ou “fortalecimento”, posto que nem todas as definições presentes sob o

conceito de apoderamento (tradução de empowerment para o português) dizem respeito a esse

processo coletivo que ocorre nos grupos, em prol dos grupos. O sentido mesmo do conceito, de

acordo com a autora, seria o de tornar-se forte para modificar as condições do contexto, através

de mudanças no próprio individuo e/ou grupo, o que é mais coerente com a realidade latino-

americana.

Dessa forma, a potenciação ou fortalecimento propicia que ocorra o desenvolvimento de

um sentido mais forte do “si mesmo” e de sua relação com o mundo, o que diminui o sentimento

de impotência que leva à apatia. Quando transposto para a ação, o processo se configura através

da elaboração de estratégias funcionais e de busca e obtenção de recursos que visam alcançar

metas e objetivos sociais (Kieffer, 1984). Os indivíduos ou grupos adquirem a capacidade de

identificar os fatores externos, de caráter sócio-político, que estão afetando sua auto-estima,

eficácia e alternativas para fazer frente aos problemas que se apresentam (Francescatto, 1998).

Na perspectiva de uma atuação social para a mudança, no que tange ao fortalecimento

dos indivíduos e grupos sobre suas vidas, indivíduo e ambiente conformam uma unidade na qual

se assume que “virtualmente, nenhum comportamento está sob o controle completo e voluntário

dos indivíduos” (Brown, 1991). Ao contrário, os comportamentos são parte de “padrões de vida

socialmente condicionados, culturalmente imbricados e economicamente limitados” (Green e

Kreuter, in Beeker, Guenther-Grey e Raj, 1998).

O contexto estrutural onde se apresentam os problemas é considerado em conjunto com

as pessoas que nele se inserem. Nesse sentido, são imprescindíveis as dimensões cultural, física,

estrutural, política e legal (Westergaard & Kelly, 1999).


26

A idéia é que o processo de fortalecimento ocorra tanto em nível individual quanto

comunitário. Individualmente, no sentido de que cada sujeito desenvolva capacidade para atuar

comunitariamente, tomar decisões em conjunto e reconhecer os recursos que se apresentam. Isso

implica, também, em uma ampliação da consciência acerca da interação entre circunstâncias

individuais e comunitárias. Comunitariamente, no sentido da efetivação e ampliação de recursos,

oportunidades e redes sociais, aspectos que surgem diretamente sob a influência da ação coletiva

que se inicia em nível individual.

Os objetivos do fortalecimento além de direcionarem-se às crenças e comportamentos

que podem constituir-se em entraves para o grupo, também enfocam as crenças e práticas através

das quais é possível obter algum nível de mudança interpessoal, organizacional e comunitária.

Rappaport (1987) define três dimensões presentes no processo de fortalecimento: A

psicológica, a política e a psicossocial. Em relação à dimensão psicológica as comunidades são

consideradas como capazes de utilizar estratégias de reflexão lógica para analisar, compreender e

modificar suas contingências sociais, isto é, são capazes de pensar e decidir por si próprias. No

âmbito político, a disponibilidade de informação e recursos propicia que a comunidade possa

exercer influência em seu contexto interno e externo. Em termos psicossociais se considera que o

fortalecimento é produto da interação recíproca entre as pessoas e seu contexto social.

No processo de fortalecimento, portanto, é fundamental a criação de contextos que

propiciem a participação social organizada em estruturas sociais mediadoras. Essas estruturas

dizem respeito a coalizões sociais nas quais os diversos grupos, das diferentes instâncias

envolvidas converjam para um objetivo comum que represente os interesses coletivos. A tomada

de decisão passa a ser consensuada com possibilidade de oportunidades igualitárias no grupo

(Rappaport, 1984).

Um a comunidade fortalecida é capaz de controlar seu funcionamento de maneira a

direcioná-lo para os objetivos estabelecidos pelos seus membros. É ela que define as normas e
27

valores que formam a base para a tomada de decisão consensuada e o compromisso com os

interesses grupais, através da ajuda mútua.

Os membros vão adquirindo uma atitude crítica crescente para a análise de problemas e

identificação dos recursos necessários para fazer frente a cada um. O sentimento de eficácia para

lidar com as dificuldades é reforçado pelo alcance das metas bem definidas e operacionalizadas,

de maneira que a cada superação, o fortalecimento é ampliado.

Mas, evidentemente, o processo de fortalecimento só será possível através de organização

comunitária, definida por Bracht e Kingsbury (in Beeker, Guenther-Grey e Raj, 1998) como “um

processo planejado para utilizar as estruturas sócio-comunitárias e qualquer recurso disponível

para alcançar as metas comunitárias, definidas por seus representantes e consistentes com os

valores locais” (p. 67).

De acordo com o problema social em questão, é importante que sejam organizadas

atividades que requeiram a participação ativa das pessoas. É através da ação que a participação

se desenvolve. Para isso, um recurso fundamental é a diferenciação de diferentes papéis a serem

assumidos pelos membros do grupo, com o estabelecimento de princípios de liderança.

Poder e liderança

Sempre que abordamos o tema das lideranças no contexto comunitário, é preciso

considerar o poder como pano de fundo.

São as relações dinâmicas que ocorrem no seio do grupo/comunidade que definem e

redefinem as relações presentes naquele contexto. Essas relações multifacetadas é que dão

origem às lideranças comunitárias, aspecto inseparável do processo de organização comunitária

e, portanto, de fortalecimento. Dessa forma, entendemos a liderança não como um conceito

abstrato, absoluto, externo ao indivíduo, mas, fundamentado nas relações de poder. Como coloca

Foucault (2005), o poder é um elemento presente em cada relação humana. É importante

considerar que cada grupo social, cada tipo de relação interpessoal, implica em uma relação de
28

poder que lhe é própria e característica, considerando que o poder é uma dimensão psicossocial e

estruturante das relações humanas que ocorre em qualquer sistema social e subjaz às ações

humanas (Blanco & De la Corte, 2003).

Em termos de convivência comunitária vamos encontrar alguns aspectos positivos, como

é o caso da coesão grupal, do apoio social e do trabalho conjunto em torno de objetivos comuns.

No entanto, a comunidade está longe de ser o ideal. As relações estabelecidas, como em qualquer

grupo, podem dar origem a aspectos negativos como é o caso de uma rigidez normativa que pode

gerar processos de discriminação e exclusão de alguns membros que não estejam adequados ao

padrão dominante naquele grupo. Em termos da configuração de poder também vamos encontrar

essa polarização, isto é, enquanto, por um lado, o poder é propulsor do sentimento de controle

sobre a realidade e de organização para o alcance de metas, ele pode adquirir padrões de

desigualdade, dando origem a situações internas de dominação (Nelson & Prilleltensky, 2004).

O poder, na concepção de Martín-Baró (Blanco, Caballero & De la Corte, 2004), pode

operar de formas distintas. Em alguns casos, quando os recursos dos quais dispõem os atores

criam diferenças hierárquicas entre eles, a configuração das relações sociais estará relacionada à

dominação. Nesse campo, o poder poderá ser exercido de forma mais ou menos visível. No caso

da coerção, a influência é imediata, porém ela pode estar subjacente à estrutura institucional,

social e material onde ocorrem as ações humanas. O poder serve também para produzir

mudanças quando consiste em um sentimento de apropriação da realidade e das circunstâncias

que criam as contingências de vida. Em ambos os casos, a dificuldade está relacionada às

próprias características do poder, que tende sempre a ocultar-se ou negar sua existência.

Nelson e Prilleltensky (2004) defendem que a conjunção entre habilidades (agência

humana) e oportunidades (estrutura contextual) para influenciar o curso dos eventos é uma

definição de poder. Nesse sentido o poder pode ser exercido a partir do desejo de mudança e das

oportunidades históricas e sociais para efetivá-la.


29

Segundo Moscovici (2003), o poder está extremamente vinculado ao processo de

influência social, ou seja, à medida que uma pessoa influencia outras em sua maneira de pensar

ou agir, esta pessoa tem poder. Entretanto, o poder não é uma estrutura estática, pois são os

próprios influenciados que conferem poder ao influenciador. Este processo ocorre a partir da

percepção de múltiplos fatores cognitivos e emocionais que fazem com que um grupo perceba

uma pessoa como detentora de um atributo especial, o que está vinculado à dinâmica do grupo

influenciado/influenciador em cada situação e contexto-tempo.

Assim, o fenômeno da liderança deve ser entendido como um fenômeno complexo, no

qual interagem vários fatores. Alvarez (1992) salienta os seguintes: “uma pessoa e suas

características particulares, a posição que esta ocupa, outras pessoas que lhe rodeiam, o processo

de interação grupal, o processo de diferenciação de tarefas, a execução de certos atos, o exercício

do poder e a expressão centralizada de características grupais” (p. 186). A partir destas

considerações, fica evidente que liderança é um processo social, o que significa que é dinâmico e

envolve mais de uma pessoa, existindo em cada contexto determinado, o que, de certa forma, o

define.

As lideranças cumprem papel fundamental no processo de fortalecimento comunitário.

Não estamos falando de uma única liderança ou de uma liderança que se mantenha

indefinidamente através do tempo. Ao contrário, estamos falando do fenômeno de liderança que

ocorre como um processo natural nos grupos humanos e que tem caráter multidimensional. Essa

liderança é definida por Hernández (1994, p. 212) como o “motor que impulsione a participação

das comunidades como uma maneira de transformá-las em protagonistas das mudanças que

levem à melhora de suas condições de vida e à conquista de uma identidade criadora que lhes

permita converter-se em referência para a política do país”.

Nesse sentido, a liderança comunitária, dentro de uma concepção participativa, que tenha

capacidade de organizar, mobilizar e inovar no campo tanto da reflexão, quanto da ação consiste
30

em um importante recurso para o fortalecimento comunitário, especialmente porque surge da

própria organização daquele grupo (Montero, 2003).

Situando-se a vida sócio-econômica e cultural em um determinado contexto específico,

antes de tudo, é necessário que indivíduos e grupos percebam-se como parte e construtores deste

contexto; que se percebam como uma rede em que são importantes todas as conexões, ou

relações estabelecidas. É nesse ponto que se pode começar a pensar que algumas dessas relações

melhoram substancialmente a qualidade de vida de todos os membros, ao passo que outras são

produtoras de problemas.

A complexidade dos problemas que apresenta a sociedade atual e a cultura individualista

em que vivemos tem produzido uma fragmentação no modo de ver a realidade. Isso exige que os

grupos, cada vez mais, organizem esforços para manter-se unidos para poder iniciar o processo

de reversão das contingências que lhes afetam de forma negativa.

Quando tudo está disperso e cada indivíduo sente-se solitário, perdido e exausto, o

fortalecimento dos grupos confere poder e o conceito de comunidade torna-se paupável. Esse

processo cria um “lugar no mundo”, isto é, localiza, dá visibilidade, cria uma nova concepção de

comunidade, na qual valores sociais e humanitários apresentam força e abertura à mudança.

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33

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE MINAS GERAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL

COMUNITÁRIA: PROGRAMAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA

Marcos Vieira Silva

O presente trabalho surgiu de uma comunicação apresentada na Mesa Redonda: “Aportes

Teóricos e Metodológicos na Consolidação da Psicologia Social Comunitária no Continente

Latino-americano”, realizada durante o I Congresso Latino-americano da Psicologia – ULAPSI,

em abril de 2005.

Para que se entenda um pouco das perspectivas desenvolvidas atualmente por alguns

grupos de pesquisa de universidades mineiras é necessário que se reveja, rapidamente, um pouco

da trajetória que as práticas em Psicologia Comunitária vêm desenvolvendo em Minas Gerais.

Nos anos sessenta, na UFMG, o Setor de Psicologia Social começa a investigar/intervir em

comunidades. Em 1974, também na UFMG, é criada a primeira disciplina de Psicologia

Comunitária em cursos de Psicologia no Brasil (Bomfim, 2003), como resultado de uma reforma

de currículo conduzida por grupos de trabalho e comissões paritárias formadas por professores e

estudantes.

No final dos anos setenta a Psicologia Social Comunitária era parte das temáticas

estudadas por grupos de alunos e professores que desenvolviam projetos de extensão

universitária. A partir de 1980, com a criação da ABRAPSO – Associação Brasileira de

Psicologia Social, práticas em Psicologia Comunitária são cada vez mais presentes nos

Departamentos e Cursos de Psicologia, articulando experiências de ensino, pesquisa e extensão.

(Silva, 2000). Os eventos da ABRAPSO, realizados durantes as duas próximas décadas, tanto a

nível regional quanto nacional, passam a ser um espaço de construção de parcerias e trocas em

torno das questões teóricas e práticas enfrentadas pelos professores, estudantes e membros das

comunidades, envolvidos com os trabalhos de Psicologia Comunitária.

Na UFSJ – Universidade Federal de São João Del-Rei, desde os anos 90 o ensino e a


34

prática da disciplina vêm sendo desenvolvidos com regularidade. A Área de Psicologia Social do

Departamento de Psicologia vem desenvolvendo projetos de pesquisa e extensão com

comunidades e instituições de São João del-Rei e da região. A partir de junho de 2000, com a

criação do LAPIP – Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da UFSJ, vem ocorrendo

uma ampliação e consolidação de várias práticas em Psicologia Social Comunitária, articuladas

em um Programa de Pesquisa, Extensão e Estágio curricular. O LAPIP é um laboratório

constituído por pesquisadores de várias áreas do Departamento de Psicologia da UFSJ, a saber,

Psicologia Social, Psicologia da Educação, Psicologia do Trabalho e Psicologia Clínica;

pesquisadores do Departamento de ciências Sociais e do Departamento de ciências Naturais.

Conta, ainda, com o trabalho de membros associados, profissionais não pertencentes aos quadros

da UFSJ e pesquisadores de outras universidades.

Nossos projetos de trabalho propõem o desenvolvimento de ações articuladas de ensino,

pesquisa e extensão. Atuamos em vários contextos – instituições asilares para idosos,

associações e grupos comunitários, Policlínica Central do SUS, Programa Saúde da Família,

Associação de Portadores de Diabetes. As intervenções realizadas circulam entre perspectivas de

assessoria e atendimento aos grupos comunitários e institucionais, tanto no que diz respeito à luta

por conquistar a efetivação junto aos poderes públicos de melhores condições de vida e saúde,

principalmente aquelas que já estão, teoricamente, garantidas pelas políticas públicas, quanto em

termos da construção de práticas que possam auxiliar tais grupos na conquista de autonomia,

participação social, gestão coletiva, produção de identidades grupais, de relações de poder mais

igualitárias e de momentos e espaços para vivências de afetividade, enfim, conquista e exercício

cotidiano de cidadania e saúde mental.

Os Programas do LAPIP têm como requisitos fundamentais a busca de uma permanente

articulação entre ensino, pesquisa e extensão e a formação de um profissional de Psicologia com

visão crítica e compromissado com a transformação das condições adversas vivenciadas pela

população que constitui sua clientela. Em função disso, nos trabalhos que estamos
35

desenvolvendo em comunidades, certos pressupostos teóricos e metodológicos são privilegiados,

por acreditarmos que oferecem maiores possibilidades de alcance de tais requisitos e objetivos.

Assim sendo, quando falamos em metodologia de diagnóstico e intervenção em grupos

comunitários e institucionais, estamos falando da utilização dos pressupostos da Pesquisa-Ação e

da Pesquisa Participante, ou seja, buscamos a estreita vinculação entre pesquisa e intervenção e a

permanente participação da população investigada no processo da investigação. Autores como

Lewin, Thiolent e Brandão são referências. Acreditamos que não há como separar o diagnóstico

da intervenção. Ao procurarmos fazer um diagnóstico de um grupo estamos fazendo uma

intervenção.

Por outro lado, quando fazemos uma intervenção, estamos, obrigatoriamente, levantando

dados sobre o grupo, procurando entender sua dinâmica, ou seja, estamos fazendo um

diagnóstico, uma investigação. Outra referência considerada como fundamental por nós é a

Análise Institucional. A partir dela trabalhamos nos grupos, principalmente com os pressupostos

de análise da demanda (cada solicitação que nos é demandada deve ser analisada criticamente,

levando-se em consideração seu surgimento, possibilidades de atendimento, implicações sócio-

institucionais, etc.), de autogestão (tentativa de criação e manutenção de espaços e práticas de

gestão crítica e coletiva), e da regra da livre expressão (o restituir, trazer à tona o não dito, a

explicitação dos rumores e dos segredos). A construção ou elucidação de analisadores também é

uma estratégia utilizada (construção de dispositivos de análise ou utilização de recursos ou

dispositivos já existentes e que podem ser utilizados).

Buscamos desenvolver com os grupos atividades que se orientam no sentido da criação

de espaços que possibilitem o desenvolvimento da conscientização e da percepção crítica dos

fenômenos grupais (Silva, 2000). Nessa direção, lançamos mão, também, das contribuições dos

grupos operativos e da análise dialética do processo grupal (Pichon-Rivière, 1980; Lane, 1982,

Baró, 1989), bem como das oficinas de grupo (Afonso, 2000). Em vários destes grupos “recursos

de imagem”, tais como vídeo, filmes, slides, dramatizações, etc., têm sido utilizados associados a
36

tais técnicas e fundamentos. Essa utilização tem permitido uma maior participação da população

observada no processo de intervenção e investigação, bem como proporcionado maiores

oportunidades de identificação e implicação dessa população com os problemas enfrentados e

com o trabalho desenvolvido.

Além disso, aspectos ligados às manifestações de afetividade e lazer, bem como ao

processo de produção da identidade grupal podem, através destes recursos, serem captados,

registrados e analisados em uma “dimensão mais inteira”. É em função disso que temos

considerado os recursos de imagem, principalmente os vídeos e as fotografias, como

instrumentos privilegiados de coleta e análise de dados, bem como de construção e resgate da

história e da identidade dos indivíduos e dos grupos. Os recursos de imagem são utilizados,

também, como recursos suporte para atividades de reflexões com os grupos comunitários e

institucionais, permitindo que eles mesmos avaliem suas formas de interação e participação

social.

Como exemplos, podem ser comentadas e analisadas informações relativas ao trabalho

desenvolvido pelo LAPIP com os internos do Lar de Idosos Monsenhor Assis, de Prados. Esta

instituição é uma casa de abrigo para idosos, localizada na cidade de Prados, próxima a São João

del-Rei.

A Casa Lar possui uma realidade institucional, um pouco diferenciada das “instituições

totais” (Goffman, 1974). Lá existe uma liberdade maior, os portões permanecem abertos, não há

dias determinados para visitas e as pessoas podem transitar livremente, ou seja, os moradores do

Lar não vivem sob um regime de total confinamento.

Muitos fatores contribuem para esta realidade. Um deles nos parece estar relacionado à

forma como a cidade de Prados trata os “diferentes”. Seus habitantes interagem com estes

indivíduos e os integram na comunidade, eles não se encontram isolados do convívio social,

saem quando querem, recebem visitas e visitam amigos e parentes em suas casas, participam de

comemorações festivas e eventos realizados na cidade, freqüentam a igreja e participam das


37

atividades desenvolvidas pelos grupos que trabalham na paróquia. Acredita-se que em Prados há

uma preservação da memória social de seu povo.

Outro ponto de diferenciação vem sendo construído, com certeza, pela atuação da

Psicologia. O trabalho realizado pelas estagiárias do LAPIP tem alcançado ganhos significativos;

um exemplo disso é a abertura dos portões, uma decisão tomada pela Direção do Lar a partir de

intervenções e reflexões realizadas pelas estagiárias. Estamos percebendo que elas conquistaram

um “lugar” de atuação profissional nessa instituição. Conseguiram superar as resistências

iniciais, e vêm desenvolvendo um trabalho eficiente. Essa eficiência representa um espaço de

abertura para a continuação e evolução dessa atuação.

A abertura dos portões representa uma conquista que pode acionar uma representação

psíquica muito significativa. A sensação do livre trânsito, certamente, pode ampliar a noção de

liberdade, e provavelmente vai atuar como desbloqueador no processo de institucionalização.

Acreditamos que algumas mudanças atuam significativamente no imaginário dos grupos. Esse

tipo de intervenção (abrir os portões), é uma ação concreta, e acreditamos que resulta em reações

psicológicas aparentemente subjetivas, mas muito significativas para os residentes da instituição.

Continuamos a perceber que no cotidiano, os idosos do Lar ainda apresentam apatia e

entraves na comunicação, em alguns casos, também e principalmente, por uma condição

orgânica e física limitadora. No entanto, as manifestações de sentimentos, pensamentos e as

diversas interações que demonstram nos encontros e eventos da instituição, antes pouco

presentes fora destes, já começam a ocorrer mais vezes e a serem mais significativos. Isto nos

parece ser um fator que aponta para o resgate de uma relação interacional que vem possibilitando

a reconstrução de uma identidade grupal, antes abafada ou impedida pelas situações de apatia,

introversão e, até mesmo, fragmentação da identidade individual. Concordando com Pagès

(1976), vemos que todo esse quadro é resultado de uma subjetividade reprimida em termos de

expressão no grupo, devida tanto aos processos anteriores de uma socialização historicamente

repressora, quanto a uma situação atual de submissão internalizada, em conseqüência da vivência


38

de processos e mecanismos de institucionalização que enfraquecem o vínculo entre as pessoas, e

também, a capacidade de se vincular, instalando empecilhos ao desenvolvimento pleno do

processo grupal.

No período de observação e análise deste grupo percebemos que com a temática lúdica as

estagiárias conseguiram trabalhar as resistências e dificuldades grupais, e assim os membros se

permitiram experienciar alguns afetos e compartilhá-los com os demais. Temos percebido que a

exposição desses afetos no grupo gera uma atmosfera de empatia e confiança, fortalecendo os

vínculos grupais, e contribuindo para um aumento da coesão do grupo. O grupo já apresenta

evolução no que diz respeito ao desenvolvimento do Processo Grupal, pois seus membros

começam a trazer questões da convivência cotidiana para discussão e busca de resoluções no

espaço grupal. Tais fatos no fazem concordar com as colocações de Pichon-Rivière (1988), para

quem os grupos são espaços de manejo tanto das alegrias quanto das angústias, o que possibilita

a construção e fortalecimento de vínculos grupais, e, conseqüentemente, de uma identidade

grupal.

Segundo Pagés (1976), “o desafogo dos desejos reprimidos, é necessário como etapa de

mudança para fins de uma tomada de consciência do sentimento de perda, e aí sim dar origem a

uma adesão e a um desejo de mudar as formas de adesão. A violência institucional não é outra

coisa senão, uma defesa contra o luto”. Para que sejam possíveis mudanças psíquicas no sentido

de favorecer uma conduta saudável dos indivíduos, o luto deve ser elaborado e não negado, só

assim, se torna possível compreender e aceitar as perdas no decorrer da história de vida das

pessoas.

Acreditamos que os integrantes do grupo conseguiram atingir mudanças significativas.

Durante as reuniões, se pronunciam na primeira pessoa do plural (“nós”), o que dá indícios de

uma identidade grupal sendo produzida e de uma vida institucional coletiva. Possivelmente, a

elaboração subjetiva que eles vêm experienciando através das reuniões de grupo, está atuando no

sentido de promover a construção de uma identidade grupal forte, capaz de amenizar as relações
39

de poder na instituição, ou pelo menos, seus reflexos na vivência cotidiana do dia-a-dia

institucional.

Um outro dado é o aproveitamento de “datas” comemorativas como o carnaval, semana

santa e o período de festas juninas. As estagiárias aproveitam estas festividades para resgatar a

memória e identidade dos residentes através de jogos em que eles são divididos em sub-grupos e

competem, respondendo a perguntas pertinentes ao próprio grupo e às festividades

comemoradas. Através do trabalho com o lúdico ocorre o resgate da história de vida de cada

membro da instituição e também a união dessas diferentes vivências que culminam, por meio do

processo grupal, num melhor manejo da afetividade e coesão da identidade do grupo.

Um outro momento do grupo a ser discutido é o trabalho das estagiárias com o

investimento de poder nos jogos e a aprendizagem, através destes, no lidar com a perda.

O grupo de residentes vem vivenciando vitórias e derrotas nas atividades lúdicas. Como

são divididos em dois sub-grupos há alternância entre “ganhadores e perdedores” nos jogos. Essa

vivência está levantando no grupo uma maior dedicação e atenção aos assuntos relativos às

perguntas comumente feitas a eles durante os jogos. Os residentes têm então investido “poder”

naqueles integrantes que alcançam melhores resultados durante as partidas e não é raro observar

competições entre eles quando não há jogo.

As estagiárias também estão trabalhando, durante os jogos, com reações emocionais

quanto às “vitórias e derrotas” que tem causado algumas manifestações grupais. É fato que a

maioria dos residentes da instituição perderam em algum momento de sua história o vínculo com

a sua família de origem. Ensinar a elaborar e lidar com a derrota é compreender melhor essas

questões afetivas que esbarram a todo o momento no processo do grupo, afinal o sentimento de

derrota durante as partidas se assemelha ao da perda da família. Portanto, estas questões têm sido

alvo de trabalhos constantes das estagiárias com o grupo.

Por fim, cabe retomar a importância do processo de abertura dos portões. O livre trânsito

dos internos que apresentam condições de locomoção pela cidade e dos moradores pela
40

instituição modifica radicalmente as relações institucionais se pensamos em um asilo.

Festividades conjuntas entre um grupo de terceira idade formado por moradores e o Lar

Monsenhor Assis têm significado um começo de mudanças institucionais, com a criação de

novas perspectivas para o atendimento de idosos que não podem contar com condições de

moradia junto a seus familiares. É fundamental estarmos alertas para que não se trate apenas de

ações paliativas e para que não haja retrocessos em termos das conquistas ora assinaladas.

No desenvolvimento cotidiano de nossas atividades temos trabalhado com algumas

categorias de análise/intervenção, que funcionam como instrumentos de preparo das

intervenções, de análise de conjuntura e de reflexões sobre o processo de envolvimento das

comunidades no trabalho. Citamos e comentamos algumas delas a seguir, com o objetivo de

provocar o debate e contribuir para a construção de perspectivas de transformação através da

atuação em Psicologia Social Comunitária.

• Identidade Grupal: Produção de identidades grupais a partir das identidades vivenciadas

pela população no enfrentamento cotidiano de sua realidade. A identidade grupal tem

articulações com as identidades individuais, mas é muito mais do que a soma das

identidades dos indivíduos que formam o grupo;

• Afetividade Grupal: Avaliação e proposição de formas de vivência da afetividade

individual e coletiva. Nossos dados de pesquisa têm confirmado que os grupos que

conseguem vivenciar coletivamente sua afetividade, seja na alegria seja na tristeza,

conseguem produzir sua identidade grupal com mais facilidade e coerência. Recorremos

a Maritza Montero:

“Lo importante es que la afectividad es um aspecto constitutivo de la


actividad humana que se expresa em los innumerables actos de la vida
cotidiana, Em tal sentido, el trabajo comunitário, al proponer procesos de
problematización, de desnaturalización conducente a la
desideologización, de concientización, nesariamente debe tomar en
cuenta la parte afectiva de tales procesos. El afcto, la conciencia y la
acción está relacionados y es sólo po un acto de prestidigitación teórica
que podemos separar lo cognoscitivo, lo afectivo y lo conativo.”
(Montero, 2004)
41

• Processo Grupal: o estabelecimento de vínculos e as características constituintes dos

fenômenos grupais, as formas através das quais os grupos vivenciam o desenvolvimento

de processos grupais, os desafios de assumir projetos coletivos e as estratégias utilizadas

para realizá-los com mais implicação e participação dos envolvidos, direta e

indiretamente. O movimento de se fazer ou de se tornar grupo. Recorremos à

conceituação de Lane (1984, p. 81), que afirma:

“1) o significado da existência e da ação grupal só pode ser encontrado


dentro de uma perspectiva histórica que considere a sua inserção na
sociedade, com suas determinações econômicas, institucionais e
ideológicas; 2) o próprio grupo só poderá ser conhecido enquanto um
processo histórico, e neste sentido talvez fosse mais correto falarmos em
processo grupal, em vez de grupo.”

• Participação Social: “Um conceito e vários defeitos”. As formas viciadas de estímulo à

participação comunitária nos projetos sociais e nos programas públicos de

desenvolvimento social, educação e de saúde. As dificuldades de participação coletiva

encontradas no cotidiano do desenvolvimento de atividades públicas;

• Cidadania: A partir da consolidação das práticas em Psicologia Comunitária, cidadania

passa a ser um conceito importante no contexto de atuação do psicólogo nas políticas

públicas . Buscando a definição clássica de cidadania, encontramos: Qualidade ou estado

de cidadão; Cidadão: Indivíduo no gozo de direitos civis e políticos de um Estado, ou no

desempenho de seus deveres para com este. Nunca é demais lembrar que durante os anos

da ditadura, não se podia pensar em cidadania como direitos, mas como conquistas a

serem buscadas. Pagamos, até hoje, um alto preço em termos de pouca mobilização e

participação social cidadã.

Mourão (1985), aponta que a concepção de cidadania nunca foi estática, sendo

incorporados novos temas e direitos como uma exigência decorrente das condições de vida, das

lutas, desejos e utopias das pessoas e dos grupos sociais em cada momento histórico. Para ele “a

sociedade ocidental vem participando desde os anos sessenta de um processo gradativo de

redefinição da saúde mental. Assim, é cada vez mais clara a explicitação da necessidade da
42

felicidade, do bem-estar das pessoas, como uma exigência social global e urgente, e não como

individual, privado, ou algo para o futuro, a ser conquistado após as sonhadas mudanças políticas

e sociais.” A luta por melhores condições de vida vem incorporando, gradativamente, aspectos

ligados à produção da subjetividade, às condições de acesso à saúde/saúde mental, educação,

trabalho, moradia e lazer. Portanto, para a Psicologia, cidadania sem a possibilidade de

afirmação da subjetividade não faz sentido (Silva, 2003).

• Cultura: As questões culturais e suas implicações no cotidiano das vivências

comunitárias, as formas pelas quais os sujeitos particularizam experiências coletivas.

A psicologia social trabalha com conceitos que permitem trabalhar as relações culturais

em situações de diálogo, contribuindo para desenvolver a capacidade de análise das situações e

para a construção de novas interpretações. ...A cultura como construção intersubjetiva de

significados. (Campos, 1996. p. 173 e 175).

• Consciência: A importância do trabalho de conscientização, ou seja, a construção pelos

próprios grupos sociais de condições para o desvelamento dos determinantes de suas

condições de vida. Vale ressaltar a importância do diálogo, da comunicação, da troca

permanente de informações e da construção de perspectivas críticas de análise da

realidade. Enfim, lidar com as possibilidades e potencialidades de transformação dos

indivíduos em sujeitos;

• Meio Ambiente, qualidade de vida e habitação: A análise crítica das relações dos

indivíduos com seus espaços e lugares de moradia, convivência cotidiana e lazer. As

possibilidades de melhoria das condições de vida a partir da percepção das possibilidades

de ação coletiva sobre as políticas públicas de saúde, saneamento educação;

• Representações Sociais: Análise das representações construídas pelas comunidades e

vivenciadas por elas em seu fazer cotidiano, acerca de sua realidade e suas condições de

vida.
43

O que determina a ação dos indivíduos não é, portanto, apenas a sua própria

representação do real, mas a representação que, através de uma complexa rede de relações

sociais, eles compartilham com os demais membros do grupo do qual fazem parte. No entanto as

representações sociais são construtos em permanente transformação. Guardam relação com o

passado da comunidade, com suas tradições e história, são também o produto da prática presente

e dos horizontes que guiam a ação dos grupos sociais que operam simbolicamente através delas.

(Campos, 1996, p. 171/172).

• Relações de Poder: Análise crítica das relações de poder estabelecidas no cotidiano da

vida comunitária e no cotidiano das relações dos órgãos públicos com as associações

comunitárias e com a população em geral;

O trabalho com Psicologia Comunitária implica na convivência e enfrentamento

cotidiano de dificuldades e desafios que perpassam as ações tanto dos órgãos públicos quanto

das associações comunitárias:

• Tempo: É comum haver um desencontro entre nossa noção de tempo e a noção de tempo

das comunidades com as quais trabalhamos

• Volume de Contradições: em função da atual conjuntura sócio-econômica e política, as

comunidades de periferia das pequenas e grandes cidades brasileiras vivenciam hoje um

grande volume de contradições e dificuldades que faz com que as motivações para

participar e tentar transformar a realidade sejam cada vez mais abafadas;

• Sociedade Civil Desarticulada: o país assistiu, na última década, a um processo, cada vez

mais crescente, de desarticulação dos movimentos sociais e das associações comunitárias.

Durante um grande período de tempo as políticas públicas foram reduzidas a quase nada

e os recursos foram desviados em seu foco de ação. Isto acabou por produzir uma

descrença total em qualquer tipo de ação que buscasse a solução de problemas cotidianos

das comunidades de periferia das grandes e pequenas cidades;

• Pressa da Psicologia: Historicamente a Psicologia demonstra uma certa pressa em obter


44

resultados com os trabalhos comunitários. O tempo oficial da academia, o tempo da sala

de aula, da relação professor-aluno mediada pelo quadro negro é muito diferente do

tempo das comunidades, do tempo dos projetos de extensão universitária, do tempo da

relação supervisor-estagiários-comunidades. Tudo isso faz com que tenhamos, cada vez

mais, que produzir conhecimento a partir das atividades de extensão e estágio curricular.

• Ditaduras Democráticas ou democracias ditatoriais: Em nome do progresso, da livre

iniciativa, da globalização, são impostos pela mídia e por outros formadores de opinião,

padrões de consumo, estéticos, e de valores, de forma autoritária, e com pouco ou

nenhum compromisso com uma ética coletiva ou com a participação social crítica e

comprometida. As práticas políticas desenvolvidas pelos nossos representantes no

legislativo e no executivo e por certos grupos e associações comunitárias são excludentes

e autoritárias, contribuindo de maneira desastrosa para a submissão e/ou alheamento da

população.

Bibliografia:

BOMFIM, Elizabeth de Melo. Psicologia social no Brasil. Belo Horizonte: Edições do Campo
Social, 2003.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1981.
_____. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.
CAMPOS, Regina Helena F. (Org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à
autonomia. Petrópolis: Ed. Vozes, 1996.
LANE, Sílvia Tatiana Maurer. Psicologia social – o homem em movimento. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1982.
MACHADO, Marília Novais da Mata. Em torno da psicologia social. Belo Horizonte:
Publicação Autônoma, 1987.
MARTIN-BARÓ, Ignacio. Sistema Grupo e Poder. San Salvador : Uca Editores, 1989.
MONTERO, Maritza. Introducción a la psicología comunitaria. Buenos Aires: Paidós, 2004.
PEREIRA, William César Castilho. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método
e prática. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001.
PICHON-RIVIÉRE, Enrique. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
SILVA, Marcos Vieira. As implicações da afetividade e da identidade grupais nas estratégias de
construção da cidadania. In Psicologia social e direitos humanos. Belo Horizonte: ABRAPSO-
MG e Edições do Campo Social, 2003.
THIOLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1985.
45

ECODESENVOLVIMENTO E GLOBALIZAÇÃO:

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Tania Barros Maciel

"O Presidente, em Washington, informa que deseja comprar nossa terra.


Mas como é possível comprar ou vender o céu, ou a terra? A idéia nos é
estranha. Se não possuímos o frescor do ar e a vivacidade da água, como
vocês poderão comprá-los? (...) o destino de vocês é um mistério para
nós (...) O que acontecerá quando os cantos secretos da floresta forem
ocupados pelo odor de muitos homens e a vista dos montes floridos for
bloqueada pelos fios que falam? Onde estarão as matas? Sumiram! Onde
estará a águia? Desapareceu! (...) Será o fim da vida e o início da
sobrevivência. (...) O que sabemos é isto: a terra não pertence ao homem,
o homem pertence à terra. Todas as coisas estão ligadas, assim como o
sangue nos une a todos. O homem não teceu a rede da vida, é apenas um
dos fios dela. O que quer que ele faça à rede, fará a si mesmo.”1

Passados cinqüenta anos do final da segunda guerra mundial e, a despeito dos esforços

internacionais despendidos na construção de instituições e mecanismos para a promoção de um

mundo mais igualitário e próspero, este ideal, de fato, continua distante. Ao que parece, o

desenvolvimento e a globalização de mercados tem funcionado como “uma armadilha ideológica

construída para perpetuar as relações assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias

dominadas, dentro de cada país e entre os países” (...) o ”desenvolvimento econômico tem sido

uma exceção histórica e não a regra.” “Não acontece espontaneamente como conseqüência do

jogo livre das forças livres de mercado” (Sachs, 2004: 26, 27).

A Globalização de mercados, em todos os seus aspectos, mesmo nos esforços

aparentemente bem-intencionados quase sempre têm chegado a um resultado contrário ao

desejado. O fato é que seus benefícios têm sido menores do que os esperados e o preço pago tem

sido maior: destruição do meio ambiente, processos políticos corrompidos e um ritmo acelerado

das mudanças que não dá tempo suficiente para uma adaptação cultural. A globalização trouxe o

1
In Campbell, 1990: 34, trechos da carta escrita ao Presidente dos Estados Unidos em 1872 pelo Chefe Seattle
46

desemprego em massa e por isso tem sido acompanhada por problemas de desintegração social:

desde a violência urbana até os conflitos étnicos (Stiglitz, 2002:35). Institucionalmente, a

evolução das estruturas de poder nacionais, transnacionais, plurinacionais vem se dando no

sentido de atrofia das estruturas nacionais, de um forte crescimento das transnacionais e no

avanço irregular das plurinacionais (Furtado, 1999: 1).

Portanto, se, numa linha temporal, inicialmente, na década de 50, o esforço das Nações

Unidas era simplesmente promover o desenvolvimento econômico, posteriormente, conforme os

avanços do desenvolvimento e da globalização geravam efeitos negativos, outras questões foram

se somando.

Retomando a linha temporal, no início da década de setenta houve o despertar para a

questão ambiental, dentro de uma perspectiva biológica: um grupo de cientistas, chamado de

“Clube de Roma”, retomou a teoria malthusiana que colocava a necessidade de controlar o

crescimento demográfico, alertando sobre a insustentabilidade da vida humana na Terra,

mantidas as mesmas taxas de crescimento e impacto sobre a base de recursos naturais do planeta.

Esta perspectiva foi incorporada pela economia graças ao modelo da Dinâmica Global de

Forrester e Meadows que combinava cinco parâmetros - recursos naturais, qualidade de vida,

população, poluição e investimento em capital-, que, no fim de 1971, gerou o célebre relatório

Meadows sobre os “limites do crescimento”, prevendo a insustentabilidade do sistema mundial

no século seguinte, o que levou os cientistas a advogarem o “crescimento econômico zero”.

O discurso do Clube de Roma, as conseqüências da utilização da energia nuclear e os

desastres ecológicos ocorridos na época criaram pressões no âmbito das Nações Unidas.

Portanto, em 1972, foi realizada uma Assembléia Geral das Nações Unidas em Estocolmo.

Desta Assembléia resultou a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano ratificada por mais de

170 países e a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Evidentemente a

“teoria do crescimento econômico zero” foi rechaçada pelos países em desenvolvimento, como o

Brasil, que detinham a maior parte da natureza “intocada” do planeta, bem como as populações
47

mais pobres. O embate sobre o binômio desenvolvimento e preservação gerou o conceito de

“ecodesenvolvimento”, que buscava conciliar a visão biocêntrica com a visão antropocêntrica da

natureza.

Em 1987 a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente publicou o relatório Nosso Futuro

Comum, que mapeava os principais problemas ambientais e soluções que procurassem unir

desenvolvimento e preservação, propondo o conceito de Desenvolvimento Sustentável. O

relatório toca em questões chave: “Como persuadir as pessoas ou fazê-las agir no interesse

comum? Até certo ponto pela educação, pelo desenvolvimento das instituições e pelo

fortalecimento legal. Porém muitos dos problemas de destruição de recursos e desgaste do meio

ambiente resultam de disparidades do poder econômico e político. Uma indústria pode trabalhar

em níveis inaceitáveis de poluição do ar e da água porque as pessoas prejudicadas são pobres e

não têm condições de reclamar” (Brundtland, 1987: 50).

“Seria menos difícil buscar o interesse comum se houvesse, para todos os problemas

ligados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, soluções que deixassem todos em melhor

situação. Isso raramente ocorre e, em geral há quem ganhe e quem perca. Muitos problemas

derivam de desigualdades de acesso aos recursos” (Brundtland, 1987: 52). Afinal, qual a direção

do desenvolvimento? A ética é então colocada como pano de fundo.

Mas, o que podemos apreciar dos fatos é que o crescimento econômico não se confunde

com desenvolvimento, mas depende da cultura, numa abordagem que não fragmenta cultura de

seu suporte ambiental – não desvincula o homem da natureza – e, como brilhantemente concilia

Moscovici (2002), integra a “natureza do homem” e a tecnologia ao mundo natural, o que serve

de alerta para o caráter fragmentado e antropocêntrico das teorias desenvolvimentistas. Neste

sentido, talvez o trabalho que mais harmonicamente equilibrou questões qualitativas e

quantitativas e propõe medidas que até hoje inspiram pesquisadores e gestores de políticas tem

sido o já citado Relatório Nosso Futuro Comum, mais conhecido como Relatório Brundtland.
48

A realidade prática das políticas públicas e a necessidade de estabelecer metas

gerenciáveis têm priorizado o caráter quantitativo dos indicadores de desenvolvimento, o que é

algo ingênuo podendo estar na origem do constante não alcance dos objetivos das políticas

internacionais e locais de combate à pobreza, mesmo com a evolução positiva de alguns

indicadores que serviam de medidas originais de metas. O fato é que ignorar o caráter qualitativo

e a participação comunitária na composição das políticas mostra-se o denominador comum do

fracasso das políticas desenvolvimentistas. Por isso a psicossociologia e o desenvolvimento de

trabalhos de pesquisa participativa são tão importantes para compreender e “desfragmentar” as

diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável. Políticas internacionais e locais que

acabam redundando num “emaranhado” de índices e ordenamentos que pouco elucidam se forem

vistos como objetivos em si, a reflexão sobre o que torna cada comunidade única e o

conhecimento necessário para transformá-la efetivamente são o verdadeiro objetivo, por isso este

artigo propõe um olhar crítico à metodologia de mensuração do desenvolvimento.

O conceito de desenvolvimento sustentável ao acrescentar a sustentabilidade ambiental -

à dimensão da sustentabilidade social coloca um problema que deve ser abordado com escalas

múltiplas de tempo e espaço, o que “desarruma a caixa de ferramentas do economista

convencional”. A sustentabilidade “...é baseada no duplo imperativo ético de solidariedade

sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras” (Sachs,

2004:15), por isso se faz mister a adoção de uma combinação de metodologias qualitativas de

quantitativas para constantemente avaliar e redefinir o que é que isso vem a ser.

A despeito de todas essas discussões conceituais, do ponto de vista de políticas

internacionais e públicas, a medida síntese do desenvolvimento permaneceu, até o início dos

anos 90, o crescimento do Produto Interno Bruto – PIB e, do ponto de vista humano, a evolução

da renda per capita. Após mais de vinte anos de discussões conceituais e metodológicas, foi

criado o IDH – o Índice de Desenvolvimento Humano. Nas palavras de Amartya Sen, Prêmio

Nobel da Economia em 1998, no prefácio do RDH de 1999:


49

"Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si,
embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio,
demonstrei bastante ceticismo ao criador do Relatório de
Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de
focalizar, em um índice bruto deste tipo - apenas um número -, a
realidade complexa do desenvolvimento e da privação humanos. (...)
Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que a
hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado que ele
queria suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto de tabelas. As
pessoas olhariam para elas com respeito, disse ele, mas quando chegasse
a hora de utilizar uma medida sucinta de desenvolvimento, recorreriam ao
pouco atraente PIB, pois apesar de bruto era conveniente. (...) Devo
admitir que Mahbub entendeu isso muito bem. E estou muito contente
por não termos conseguido desviá-lo de sua busca por uma medida crua.
Mediante a utilização habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub
conseguiu que os leitores se interessassem pela grande categoria de
tabelas sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte
do Relatório de Desenvolvimento Humano.2"

Embora seja verdadeiro que o IDH permite ilustrar com clareza a diferença entre

rendimento e bem estar, ele é uma medida resultante da média aritmética simples de três

subíndices, referentes a Longevidade (IDH-Longevidade), Educação (IDH-Educação) e Renda

(IDH-Renda). Para o economista da FEA, José Eli da Veiga, mesmo que se considere inevitável

a ausência de outras dimensões do desenvolvimento - como a ambiental, a cívica ou a cultural -,

lhe parece suspeito que seja uma média aritmética a que melhor medida para o grau de

desenvolvimento atingido por uma determinada coletividade.

A média aritmética usada no IDH, quando aplicada a diferentes municípios não consegue

distinguir dois fatos essenciais: a incidência de municípios de renda elevada que mantém

precárias condições sociais; e a existência de municípios com condições sociais dignas apesar de

baixa renda. Sendo que, em termos empíricos, a renda per capita tende a proporcionar índices

mais elevados, fazendo com que “coletividades ricas, mas pouco solidárias, possam ser

consideradas mais desenvolvidas do que outras que conseguem promover amplo acesso à saúde e

à educação apesar de serem apenas "remediadas"” (Veiga, 2005: 88, 90).

Como intuía Amartya Sen, é justamente por sua virtude sintética que o IDH arrisca em

falhar, já que, a despeito de sua importância poucos técnicos governamentais demonstram ter

2
site www.pnud.org.br , acessado em 02/08/2005
50

conhecimento a respeito de seus pressupostos, critérios e convenções, não possuindo clareza

sobre suas limitações. Portanto são grandes os riscos de deduções equivocadas sobre a situação

real de um país, região, estado, ou município: “E é preciso chamar a atenção para outro perigo: o

da "ranking-mania"” (Veiga, 2005:91).

Veiga (2005) concorda com Moscovici (2002) sobre o profundo enlace entre cultura e

meio ambiente, propondo que “todo e qualquer indicador de crescimento, dinamismo ou

progresso que seja georreferenciável mostrará esse brutal contraste que certamente resultou de

dupla determinação histórica”. Esta dupla determinação histórica a que ele se refere, diz respeito

ao fluxo migratório de povos e também de condições ecológicas e políticas muito mais

favoráveis à necessária aprendizagem e posterior adaptação de seus conhecimentos e instituições

de origem, o que não deve ser confundido com uma análise de mero determinismo geográfico

(Veiga, 2005:92). Na verdade, a análise qualitativa dos elementos estruturantes de uma

sociedade podem verdadeiramente explicar o que há de singular na trajetória de cada

comunidade e revelar caminhos promissores. A análise quantitativa é descritiva e deve ser

utilizada intensamente no seu potencial visando dar suporte às análises qualitativas e não ser

meramente aceita como fim.

É importante ressaltar que, talvez, o que se sugere seja o abandono do pensamento linear

de causalidade em favor de um pensamento constelar. A visibilidade das possibilidades futuras

de formas sustentáveis de organização social só poderá aumentar com o aperfeiçoamento das

metodologias voltadas à montagem de cenários, pois divergentemente das projeções e previsões -

que tendem a ser quantitativas - os cenários constituem-se narrativas lógicas que procuram

identificar e criar contingências para as mudanças de rumo mais prováveis. Assim, ao

explicitarem visões de mundo alternativas e questionarem posturas ortodoxas, os cenários podem

ajudar a identificar problemas que podem estar obscuros, mas que são cruciais para o

desenvolvimento humano (Veiga, 2005:149). Evidentemente o próprio exercício da criação dos

cenários e seu acompanhamento são as grandes riquezas de todo o processo.


51

A bem da verdade, poderíamos dizer que a proposta da Agenda 21 constituiria tal

exercício, mas não parece estar sendo plenamente eficaz. Voltemos à linha do tempo. Em 1992

no Rio de Janeiro foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e

Desenvolvimento, conhecida como RIO 92. Este fórum teve a participação de governos e o

engajamento da sociedade civil em um fórum paralelo. Como desdobramento dos trabalhos da

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e do relatório Brundtland, foram

propostas quatro convenções internacionais e uma agenda. Esta, chamada de Agenda 21,

consistiu na criação de agendas internacionais, nacionais, estaduais, municipais e comunitárias,

mobilizando governos e sociedade civil em torno da discussão da questão ambiental.

Metodologicamente a Agenda 21 se aproxima do processo de cenários, numa mescla de

metodologias qualitativas e quantitativas – autogeridas. Sendo que o ideal na construção destas

agendas seria partir do nível local para o global, o que nem sempre ocorreu. Atualmente, fala-se

abertamente no fracasso dos conceitos propostos na Rio 92. O motivo poderia ser sintetizado na

grande dificuldade política encontrada ao redor do mundo em proporcionar tal discussão.

Assim como Bertha Becker e Ignacy Sachs e outros tantos, creio que a despeito do atual

insucesso em alguns locais da implantação das Agendas 21 a questão de ordem continua sendo a

participação e sua regionalização como possível contraponto à hegemonia da visão economicista

do desenvolvimento. Para Becker, a “Política e planejamento regionais só podem ser concebidos

e efetivados, se associados a um projeto nacional e ao resgate do papel do Estado.” (Becker,

2004:143) O que vai ao encontro de Sachs “O ecodesenvolvimento requer, dessa maneira, o

planejamento local e participativo, no nível micro, das autoridades locais, comunidades e

associações de cidadãos envolvidas” (...) “o reconhecimento dos direitos legítimos aos recursos

e às necessidades das comunidades locais” conferindo a “estas um papel central no planejamento

da proteção e do monitoramento das áreas protegidas, permitindo uma interação saudável entre o

conhecimento tradicional e a ciência moderna”(Sachs, 2000:73).


52

Há um consenso de que a ordem entre os homens – ocasional ou durável – origina-se

numa imagem comum de destino e de um projeto aceitável por todos. As organizações

internacionais não param de repetir que as soluções de problemas de desenvolvimento

sustentáveis e da luta contra a pobreza passam pela participação das populações nos processos

políticos e decisórios para a realização de um estado de direito - mesmo que sendo mudas com

relação à necessidade de democracia para não interferir na natureza dos regimes políticos dos

países membros, já que, para a adesão destes nestas organizações, basta aos países serem

pacíficos (Bartoli, 1999: 33, 107).

Para que a participação de fato aconteça é necessária uma revisão dos fundamentos

teóricos do sistema internacional que são frágeis, a saber: a existência de interesses mútuos,

igualdade e soberania dos Estados, a característica natural das leis econômicas e da crença de

que no se mercado pode definir a alocação de recursos (Rist, 1996: 256).

Mas, ao que tudo indica na periferia do “mundo desenvolvido” as formas de como lidar

com a heterogeneidade estrutural, tanto quanto econômica, social e ambiental submetem-se

estruturalmente a um regime obediente a preocupações subordinadas a lógicas distantes, externas

em relação à área de ação, mas internas aos setores e empresas globais que as mobilizam criando

situações de alienação e arrastando comportamentos locais, regionais e nacionais em todos os

domínios da vida. (Santos, 2001: 92) Assim, as noções de destino nacional e de projeto nacional

cedem freqüentemente às preocupações imediatistas, menores e pragmáticas impostas pela

“tirania das finanças” e “trombeteadas pela mídia” “guiando a evolução dos países, em acordo ou

não com as instâncias públicas freqüentemente dóceis e subservientes”, sobrepondo à geopolítica

própria de cada nação as suas próprias características e interesses (Santos, 2001: 155).

Portanto, conforme resume David Landes: "Se aprendemos alguma coisa através da

história do desenvolvimento econômico, é que a cultura é a principal geradora de suas

diferenças" (apud Veiga, 2005:47). Neste contexto a psicologia e a sociologia têm muito a

contribuir neste embate metodológico e político ao propor que o desenvolvimento do homem é o


53

verdadeiro desenvolvimento, conforme foi argumentado por mim am artigo anterior. Parece que

se coloca a necessidade de simultaneamente resgatar e transcender a “moral paleolítica”

implícita na carta do Chefe Seattle3 (Campbell, 1990:34): nós somos um com a natureza, uma

teia. Esta visão de mundo, de certa forma recuperada por Moscovici (2000), pode ser

transcendida para: já que somos homens que compõem a natureza - e que, portanto nossa

natureza humana a compõe-, para que a verdadeira revolução ecológica aconteça é preciso que

ela se torne um verdadeiro fenômeno cultural: um alargamento da perspectiva e consciência da

relação entre a política e a ecológica, portanto, paradoxalmente uma expressão da modernidade

levada ao seu extremo. Portanto, para que as metodologias participativas tenham êxito em

promover uma revolução cultural, talvez tenhamos a aprender com o exemplo do Chefe Seattle

sobre a dinâmica e as bases na qual sua tradição era produzida e ouvida por seu povo, bem como

a compreender a importância do aspecto qualitativo de todas as coisas da “rede da vida” e não a

visão de curto prazo que prioriza a quantificação e apropriação das mesmas.

Referências

Bartoli, H. (1999). Repenser le Développement en finir avec la pauvreté, Paris: Economica


Becker, B. (2004). Amazônia, Geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro:
Garamond
Brundtland, G.H. (1987). Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
Campbell, J. (1990) O Poder do Mito. Rio de Janeiro: Palas Athenas
Furtado, C. (1999) O Longo Amanhecer, Reflexões sobre a formação do Brasil. Rio de
Janeiro: Terra e Paz
Moscovici, S. (2002). De la nature. Pour penser l'ecologie. Paris: Éditions Métailié.
Sachs, I (2004). Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado Rio de Janeiro:
Garamond
______ (2000). Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro, Garamond
Santos, M. (2001) Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal
Rio de Janeiro, Record.
Stiglitz, J. E. (2002) A globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida de
benefícios globais. São Paulo: Futura.
Rist, G. (1996) Le Développement: Historie d´une croyance accidentale Paris: Presses de
Sciences Pó.

3
carta que abre este artigo
54

O TEMPO LIVRE E O ÓCIO EMANCIPATÓRIO:


ALTERNATIVAS AOS COMPORTAMENTOS DE RISCO NA JUVENTUDE

Jorge Castellá Sarriera


Marli Appel da Silva
Kátia Biehl
Zuleika Zandonai

Os estudos relacionados ao desemprego juvenil e aos comportamentos de risco em jovens


(SARRIERA e CÂMARA, 2003a, 2003b, 2001; SARRIERA, BERLIM e CÂMARA, 2000 e
1996; SARRIERA e cols., 2000; SARRIERA, 1993) levaram-nos a optar por uma abordagem
pró-ativa e de promoção da saúde com essa população. O fortalecimento e desenvolvimento do
potencial dos jovens aliados a uma estrutura sócio-educativa e a políticas públicas voltados para
as necessidades dos adolescentes poderão ser um caminho, dentre outros, que oportunize
melhores condições de vida para essa faixa etária.

Os adolescentes dividem a maior parte do seu tempo entre a casa, a escola e a rua. O
interesse pelo estudo do tempo livre veio da hipótese de ser um período crítico no
desenvolvimento do comportamento protetivo ou de risco (CÂMARA, 2003). Faz-se necessária
uma análise mais aprofundada do tema do tempo livre e do ócio numa sociedade em que não
existem para os jovens, especialmente os de classe popular, alternativas que oportunizem um uso
do tempo que possa ser realmente emancipatório frente ao ócio consumista e, em geral, ao
comportamento heterodeterminado.

Ao longo deste capítulo, objetivamos efetuar reflexões sobre as condições que tornam o
tempo livre em ócio emancipatório para os jovens. Não pretendemos chegar a conclusões, e, sim,
tecer alguns delineamentos a respeito. Para tanto, utilizaremos como teoria de base a abordagem
ecológica-contextual. Esta, de acordo com Sarriera (1998), visa à preservação e a promoção do
desenvolvimento do ser humano e de seu ambiente, considerando-os em contínua e integrada
transformação. Com base nessa abordagem, os jovens são sujeitos pró-ativos, interativos e
transformadores do ambiente, assim como estão fortemente condicionados pelas mudanças do
seu contexto. Eles não são apenas heterodeterminados, mas também autodeterminados.

Ao considerar o contexto para realizarmos uma reflexão sobre o uso do tempo livre,
temos que levar em conta, entre outros aspectos, que a indústria do ócio veio crescendo
mundialmente de forma significativa a partir dos meados do século XX, de acordo com Puig e
55

Trilla (2004). Como estratégia competitiva, direcionou ações comerciais, tanto agressivas quanto
sedutoras, para o lazer da juventude. As oportunidades de participação em atividades recreativas
tornaram-se infindáveis, principalmente para os jovens com mais recursos econômicos.

Pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2002)
mostrou que os jovens brasileiros com menos recursos econômicos tiveram poucas atividades
estruturadas para o lazer. Em 2001/2002, 83% não tiveram acesso a clubes de lazer; 74,5% não
puderam freqüentar um cinema; 60% não dispuseram de locais para praticar esportes; 80% não
desfrutaram de equipamentos públicos ou comunitários para assegurar o direito ao esporte,
cultura e lazer gratuitamente. Somente 24% dos jovens participaram de atividades artístico-
culturais fora da escola ou do trabalho, indicativo do acesso deficitário a essas atividades.

Dessa forma, tanto os jovens com mais recursos econômicos quanto os com menos se
tornaram expostos, em menor ou maior grau, a fatores de risco no tempo livre e a
vulnerabilidade social. A vulnerabilidade representa um somatório de fatores protetivos e de
risco em momentos cujos fatores de risco prevalecem (WAISELFISZ e cols., 2004). É “o
resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos
atores, sejam eles sujeitos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais,
econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade” (ABRAMOVAY e
cols., 2002, p. 29).

O termo vulnerabilidade social, como contraponto, remete à noção de potencialidade por


deixar implícita a capacidade das pessoas para a melhoria dos recursos disponíveis e o controle
das forças que as colocam em um estado vulnerável. Em relação ao tempo livre, leva a percepção
de que o uso desse tempo pelo sujeito poderá ser continuamente transformado em recurso
promotor de saúde. A partir dessa perspectiva, o tempo livre para os jovens adquire duas
possibilidades: de potencialidade e de vulnerabilidade, sem que um fator exclua a possibilidade
do outro, de acordo com Waiselfisz e cols. (2004).

Portanto, o uso saudável do tempo livre cumpre várias funções para o desenvolvimento
integral dos jovens. Zamora e cols. (1995) destacam algumas delas: o estabelecimento de
relações com outras pessoas, a compreensão dos próprios processos psíquicos, a construção da
independência emocional, a tomada de consciência da própria originalidade, a adoção de uma
escala de valores permissível à participação social e a preparação para o desempenho de funções
sociais.
56

Munné e Codina (2004) alertam que os limites entre o ócio gerador de saúde,
denominado de ócio criativo por esses autores, e o promotor de risco, de ócio patológico, são
tênues, imprecisos, borrosos, dependem de fatores sociohistóricos e também das concepções dos
sujeitos implicados nas atividades de lazer. O ócio é criativo quando as atividades forem
flexíveis o suficiente para se adaptarem às necessidades das pessoas, de forma que elas tenham a
percepção de estarem no controle das atividades e dos resultados ocorridos. Esses fatores
desencadeiam sentimentos de auto-realização e de bem-estar subjetivo. O ócio torna-se
patológico quando não permitir a liberdade de escolha, relacionar-se a comportamentos de risco
e causar sentimentos de insatisfação, com repercussões negativas à saúde.

Puig e Trilla (2004) vão além do conceito de ócio criativo e trazem a visão do ócio
humanizador, além de pessoalmente enriquecedor, é também socialmente desejável. Entretanto,
quais as condições que tornam as atividades realizadas no tempo livre práticas saudáveis e
promotoras do ócio emancipador?

Enfatizamos que os conceitos de tempo livre e ócio são diferentes. O ócio se transforma
em tempo livre quando a pessoa se autocondiciona ou desenvolve suas próprias metas. Para
Munné (1980) o ócio é um fenômeno subjetivo, é o tempo no qual ‘fazemos o que queremos’. O
tempo, de acordo com Zamora e cols. (1995), pode ser dividido em três categorias: tempo
obrigatório, engloba as necessidades fisiológicas, profissionais, escolares e familiares; tempo
comprometido, constitui-se das atividades religiosas, políticas e sociais; tempo livre, congrega as
atividades recreativas, intelectuais, físicas e sociais. A divisão do tempo realizada por esses
autores é de acordo com o tipo de atividade exercida no tempo e o grau de liberdade percebido
pelas pessoas.

O tempo livre é, então, considerado como além do tempo de trabalho, administrável pela
pessoa, em alguma medida, para a execução de atividades de lazer ou ócio. Este, por sua vez, é o
período do tempo livre utilizado com atividades prazerosas, da escolha do sujeito, flexível por
natureza e interpretado como um tempo de liberdade e ganhos pessoais (MUNNÉ e CODINA,
2004). Para Puig e Trilla (2004), “ócio é o tempo livre mais liberdade pessoal” (p. 46). Os termos
“lazer” e “ócio” são teoricamente sinônimos. Lazer no latim é licere e ócio é otiu. Ambos
significam descanso, repouso, folga (BACAL, 1988). Neste estudo, utilizaremos os dois termos
de acordo com a necessidade de clareza na construção textual.

Para alcançarmos nosso objetivo de discutir sobre o ócio emancipador, de acordo com o
exposto acima, em primeiro lugar, comentaremos sobre as concepções de juventude, logo após,
57

abordaremos o comportamento de risco em jovens, para podermos discutir, finalmente, sobre o


ócio emancipador.

Sobre qual juventude tratamos?

Ao se abordar sobre juventude, torna-se necessário definir sobre quais jovens tratamos.
Pontuamos que, neste estudo, utilizaremos o termo juventude como uma categoria sociocultural.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a juventude e a adolescência expressam
aspectos diferenciados. A adolescência relaciona-se ao processo biológico de mudanças que se
inicia em torno dos 11 anos de idade Por sua vez, a juventude estende-se dos 15 aos 24 anos e é
um processo psicossocial vinculado ao período de preparação do sujeito para assumir o papel de
adulto na sociedade (WAISELFISZ e cols., 2004).
De qualquer forma, os documentos analisados concordam que tanto o termo adolescência
quanto juventude não podem ser tratados como períodos com começo e fim rígidos. As
circunstâncias particulares e variadas devem ser consideradas para estabelecer definições e
limites de idade (UNESCO, 2005).
Juventude, tomada como uma categoria sociocultural tem sido foco de interesse nas
discussões dos diversos segmentos da sociedade por comportar um caráter de transitoriedade
com relação à idade adulta. Tal aspecto instiga uma visão muitas vezes ambígua e oscilante
sobre os jovens: ora são enfatizados atributos positivos, como agentes de mudanças sociais; ora,
negativos, como potencializadores de “problemas”. Se, por um lado, é um período idealizado
pelo vigor, pela liberdade e ousadia; por outro, é retratado pelo prisma da violência, do
desemprego e do uso de drogas (ABRAMO, FREITAS, SPÓSITO, 2000; SPÓSITO e
CARRANO, 2003).
No Brasil, os jovens atravessam as mesmas problemáticas mundiais com agravante de
existir um expressivo segmento de pessoas em exclusão social devido à pobreza. De acordo com
o Censo Demográfico de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2000),
existiam no Brasil em torno de 34 milhões de jovens. Estimativas do UNESCO (2005)
consideraram que 40% dos jovens se encontravam em situação de pobreza no Brasil em 2003,
em torno de 13,5 milhões de pessoas.
Dados sobre a escolaridade mostraram que a taxa geral de analfabetismo foi de 4,2%, em
torno de 1,5 milhões de jovens, ou seja, um significativo número de pessoas. A média de estudos
foi apenas de 7,5 anos, menos que o necessário para completar o estudo fundamental. A
qualidade de ensino mostrou-se preocupante e com diferenciações profundas devido aos fatores
econômicos (UNESCO, 2005).
58

Em relação ao estudo e trabalho, os jovens entre:


- 15 e 16 anos: 21,2% trabalhavam e estudavam, 6,1% só trabalhavam, 63,4% só
estudavam e 9,3% não trabalhavam e não estudavam;
- 17 e 19 anos: 21,9% trabalhavam e estudavam, 22,9% só trabalhavam, 36,6% só
estudavam e 18,6% não trabalhavam e não estudavam.
- 20 e 24 anos: 14,5% trabalhavam e estudavam, 47,7 % só trabalhavam, 11,6%
só estudavam e 26,2% não trabalhavam e não estudavam.

Os dados apresentados acima, baseados na UNESCO (2005), indicam que os jovens


foram deixando de estudar conforme avançaram em anos. É alarmante que 73,9% dos jovens na
faixa etária entre 20 e 24 anos não estivessem estudando. Se considerarmos a média de estudo de
7,5 anos, concluímos que um número significativo de jovens não terminou o ensino fundamental
e muito menos ingressou no estudo universitário.
Além do mais, os dados apontam para as dificuldades de inserção no mercado de
trabalho. No Brasil, a taxa de desemprego juvenil alcançou 18% em 2000, de acordo com a
Pesquisa Mensal de Emprego (PME) (IBGE, 2002). Segundo Abromovay e cols. (2005), um dos
fatores que expõe os jovens à vulnerabilidade é o desemprego causado pela dificuldade de
ingresso no mercado de trabalho de pessoas com pouca experiência e pouco qualificadas.
Uma pesquisa realizada por Flori (2003) revelou que a taxa de desemprego juvenil
também tem sido alta porque a rotatividade dos jovens nos empregos é significativa pelo fato
deles permanecerem pouco tempo nos trabalhos. É necessário considerar que o trabalho juvenil é
historicamente pouco remunerado, em empregos temporários e, muitas vezes, no mercado
informal. Aspectos que incentivam a rotatividade e fazem com que o ingresso no mercado de
trabalho nem sempre contribua como um fator de proteção. O trabalho mal qualificado e
insalubre expõe a riscos a saúde geral dos jovens.
Torna-se claro que a solução para a saúde e o bem-estar dos jovens não é a mera inclusão
no mercado de trabalho, mas recai em uma educação mais ampla. Abramovay e cols. (2005)
apontam que o lazer programado como uma continuidade da escolarização é um importante fator
de aprendizagem e educação por ser um aspecto motivador à medida que os jovens possuam “um
imaginário associado ao prazer, expresso em atividades recreativas” (p. 53). Um lazer formativo
e educativo pode promover a participação dos jovens no mercado de trabalho em condições mais
qualificadas.
Entretanto, no Brasil, o tempo livre dos jovens parece não contribuir para uma formação
mais consistente. Em uma pesquisa realizada pela UNESCO (2005), em 2001, dos jovens
pesquisados: 88,3% assistiram televisão no tempo livre, 82,8% ouviram música, 74,5% ficaram
59

na casa de amigos, 65,8% fizeram passeios eventuais e 11,2% não fizeram nada por longos
períodos. A maioria dos jovens não participou de atividades esportivas e culturais, restritas a
menos de 10% da população pesquisada.

Comportamentos de risco entre os jovens

As mídias em rede, característica da sociedade contemporânea, têm facilitado o


recebimento de informações sobre as drogas legais e ilegais, bem como a comercialização, por
parte de alguns segmentos da sociedade, em especial, os jovens com mais recursos econômicos e
acesso livre a essas mídias. Porém, os jovens com menos recursos, em geral, residem em regiões
periféricas às grandes capitais com intensa atividade do tráfico de drogas, o que propicia a
convivência com o “mundo” das drogas desde a infância. Portanto, os jovens de todas as classes
sociais podem estar vulneráveis ao uso das drogas.

O V Levantamento Nacional Sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas Entre Estudantes


do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras
(GALDURÓZ e cols., 2004) realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD e o Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, mapeou as condições de uso e
abuso das drogas por parte dos estudantes brasileiros e revelou que o uso de drogas distribuiu-se
em todas as faixas socioeconômicas.
De acordo com o Levantamento citado acima, entre as principais drogas legais utilizadas,
prevaleceram o álcool e o tabaco, embora elas tenham apresentado uma relativa e discreta
diminuição em relação aos levantamentos anteriores em muitas capitais. Das drogas ilegais, os
solventes alcançaram um índice muito superior a qualquer região do mundo. Na faixa de 15,4%
dos jovens brasileiros já utilizaram essa substância alguma vez na vida. Tal uso não se mostrou
específico para as classes sociais mais baixas, mas distribuiu-se entre todos os segmentos sócio-
econômicos. As outras drogas ilícitas tiveram uma taxa relativamente menor que de outros países
latinos.
O álcool, o fumo e os solventes contribuíram significativamente para elevar os índices de
uso de drogas pelos estudantes. Galduróz em uma entrevista cedida a Equipe Álcool e Drogas
sem Distorção (2005, p. 1) cita:

A comparação do Brasil com 22,6% dos estudantes já tendo feito uso na


vida de drogas foi maior que em vários países da América do Sul: Chile
(19,8%); Uruguai (13,5%); Equador (12,3%); Venezuela (6,0%);
Paraguai (5,6%); na América Central foi maior que em países como a
60

Nicarágua (11,2%); Guatemala (9,8%) e Panamá com 9,6% de estudantes


que fizeram uso na vida de drogas.

Em relação ao gênero, os homens fizeram maior uso de substâncias químicas e tenderam


a consumir mais: maconha, cocaína, energéticos e esteróides anabolizantes; e as mulheres:
anfetamínicos e ansiolíticos (GALDURÓZ e cols., 2004). A idade de início do uso das drogas
apresentou-se precoce:

As drogas legais, álcool e tabaco foram às drogas com a menor média de


idade para o primeiro uso (12,5 anos e 12,8 anos, respectivamente). A
maconha aparece com média de 13,9 anos e a cocaína com média de 14,4
anos para o primeiro uso. Estas constatações são importantes para as
estratégias de prevenção que devem começar ao redor dos 10 anos de
idade e privilegiar o álcool e o tabaco. (Equipe Álcool e Drogas sem
Distorção, 2005, p. 1)

Esses dados são preocupantes e remetem ao questionamento sobre quais as condições os


jovens tiveram acesso às drogas tão precocemente.

Outra informação preocupante é sobre as relações positivas entre o uso de drogas com o
trabalho e a prática de esportes revelada pelo V Levantamento Nacional o Consumo de
Drogas Psicotrópicas (GALDURÓZ e cols., 2004). Tais relações podem estar indicando que
uma maior disponibilidade financeira tendeu a aumentar o consumo de drogas talvez pelo fato
dos jovens não terem atividades recreativas satisfatórias em seu tempo livre. Além do mais, não
basta apenas existir um espaço para o lazer, este tem que dispor de um monitoramento adequado
com fins psicopedagógicos.

Portanto, o uso de drogas por parte dos estudantes brasileiros ocorreu precocemente; as
drogas mais utilizadas foram o álcool, o fumo e os solventes; foram os homens os principais
usuários; não ocorreram diferenciações no uso entre as classes sociais e apareceram indicativos
de que a falta de atividades adequadas possa relacionar-se com o uso de drogas.

Violência, outro comportamento de risco, os jovens foram as principais vítimas e os


fundamentais promotores. Ela consiste na presença e quantidade de brigas ou enfrentamentos
agressivos contra pessoas ou grupos sociais durante um determinado período de tempo
(NUTBEAM, 1996). De acordo com Castro e Abramovay (2005), a violência juvenil relaciona-
se: à pobreza e falta de recursos; à ampliação do narcotráfico nos centros urbanos, gerando
disputas por territórios e lucratividade; aos valores sociais vigentes que não priorizam a
61

alteridade, mas a diferenciação e exclusão; à baixa escolarização e má qualidade do ensino; e à


impunidade da lei quanto à violação dos direitos alheios.

No relatório Mapa da violência IV - Os jovens do Brasil: juventude, violência e


cidadania (WAISELFISZ, 2004), os três tipos de mortalidade que apresentaram os maiores
índices no Brasil em relação à população geral, em 2002, foram: a taxa de óbito por homicídios
com um percentual de 39,9%; seguida da taxa de acidentes de transporte, 15,6%; e a de suicídios
com 3,4% dos casos. Segundo esse relatório, a taxa de mortalidade por causas externas foi de
72,0% dos óbitos totais.

Tanto a taxa de mortalidade por acidente de transporte quanto à de suicídio não


apresentaram diferenças significativas entre as faixas etárias. Waiselfisz (2004) comenta que,
embora a mídia coloque ênfase no óbito dos jovens por acidentes de trânsito, a taxa respectiva
não indicou diferenças relevantes entre a população em geral e não representou um fenômeno
típico das grandes cidades.

Entretanto, a taxa de mortalidade por homicídio revelou ser uma problemática juvenil.
Segundo Waiselfisz (2004), do total de homicídios (39,9%), os jovens entre 14 e 25 anos
participaram com 88,6% dos casos. Esses índices contribuíram para que a América Latina e o
Caribe fossem as regiões do mundo com um maior índice de homicídios (23,4% da população
mundial). Em relação à população jovem, essas regiões tiveram um índice de 41,7% dos casos. A
América Latina e Caribe contribuíram, portanto, com quase a metade dos casos de jovens com
óbitos por homicídios.

Para conferir uma idéia comparativa da gravidade dessa situação, traremos os índices das
outras duas regiões com mais casos de homicídios no mundo no ano de 2002. A Europa Central
e Leste ficaram em segundo lugar, após a América Latina e o Caribe, com uma taxa de
mortalidade por homicídios de 15,0% para a população em geral e 11,1% para a jovem. Em
terceira posição ficou a América do Norte com 6,3% da população em geral e 13,8 da jovem
(WAISELFISZ, 2004).

A taxa de mortalidade por homicídios na América Latina e Caribe foi consideravelmente


alta quanto à população em geral e alarmante em relação à população jovem. Entretanto, a
violência nas sociedades ocidentais tem relação com o gênero e é imputada e sofrida
principalmente por homens jovens. De acordo com Waiselfisz (2004), em 2002, as mulheres
participaram de 7,8% dos homicídios; 18,5% das mortalidades por transporte e 7,0% dos
62

suicídios. Quanto à população jovem, as mulheres participaram de 6,2% dos homicídios, 16,5%
das mortalidades por transporte e 1,9% dos suicídios.

Estudos apontam que enfrentamentos físicos violentos seriam mais comuns entre jovens
do sexo masculino (CÂMARA, 2003; SERFATY, BOFFI-BOGGERO e CASANUEVA, 2002).
Câmara (2003) considera o enfrentamento violento como o tipo de comportamento de risco de
maior configuração delitiva. A autora identificou em seu estudo que, além dos jovens do sexo
masculino apresentarem comportamentos agressivos com maior freqüência, esses
comportamentos não originaram culpa ou efeito negativo sobre a saúde e o bem-estar
psicológico dos jovens agressores. Os enfrentamentos violentos foram percebidos por esses
jovens como uma forma de resolução de problemas, assim como uma estratégia de afirmação e
de relacionamento social. A violência juvenil parece estar relacionada com a crise de valores que
atravessa as sociedades ocidentais, principalmente aos de papéis de gênero (NOLASCO, 2001;
BROOKS-HARRIS, HEESACKER, MEJIA-MILLAN,1996).

Outro fator, considerado como uma das principais causas da violência, aliado a crise de
valores e que propicia os jovens do sexo masculino a atos mais agressivos, é o uso de álcool. Os
jovens do sexo masculino têm apresentado um índice maior de uso freqüente, 13,5%, do que as
jovens do sexo feminino, 6,7% (ABROMOVAY e RUA, 2002).

Entretanto, a violência não representa um fenômeno marcado apenas pela faixa etária e
gênero, a etnia e as condições socioeconômicas também são significativas. O óbito por
homicídio vitimizou mais a população negra, em 2002, que representou 74% da população total
de óbitos. Essa informação indica que a diferença entre as etnias ocorreu, primordialmente, por
causa das diferenciações entre classes sociais, pois os negros ainda é a maioria das populações
pobres.

Dessa forma, os enfrentamentos físicos violentos parecem estar relacionados aos vários
contextos sociais aos quais os jovens se vinculam (COTRIM, CARVALHO e GOUVEIA, 2000),
incluindo o familiar e o do grupo de amigos (SERFATY e cols., 2002; BARNES e cols., 2005;
CÂMARA, 2003). No Brasil, é um fenômeno com primazia do óbito por homicídios e a
população jovem, masculina, negra, das classes sociais mais baixas é a principal vítima.

Referindo-se aos comportamentos sexuais de risco, Nutbeam (1996) considerou-os como


práticas sexuais irresponsáveis capazes de acarretarem contaminação por doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs). Weiss, Whelan e Gupta (2000) pesquisaram o impacto das normas
sexuais de gênero nas experiências sexuais de jovens mulheres, nas expectativas e na
63

vulnerabilidade ao vírus HIV. Os autores citados constataram que a vulnerabilidade feminina


estava relacionada, em parte, a conceitos sociais sobre masculinidade e feminilidade que são
internalizadas durante a infância e adolescência.

Além do gênero, a classe social também apresentou uma tendência preditora para
comportamentos sexuais de risco. Jovens mulheres de classes mais baixas apresentaram maiores
níveis de estresse, de uso de substâncias e de problemas de saúde física e mental, o que acarretou
maior susceptibilidade a comportamentos sexuais de risco, quando comparadas com jovens de
classe mais altas (WEISS, WHELAN E GUPTA, 2000).

Ickovics e cols. (2002) realizaram um estudo que relacionou classe social, estresse e
coping (maneiras como as pessoas comumente reagem ao estresse) com comportamentos sexuais
de risco em mulheres a partir dos 18 anos. Porém, a única variável que apareceu com tendência
preditora foi a classe social. Pontuamos que a classe social não diz respeito apenas aos aspectos
econômicos, mas é uma categoria mais ampla que faz menção a aspectos culturais e valores que
determinados segmentos socioeconômicos possuem.

O estudo realizado por Câmara (2003) com jovens da cidade de Porto Alegre constatou
que 90% apresentaram, eventualmente, comportamentos de risco sexual por não fazerem uso
freqüente de preservativos como método protetivo das DSTs. Tal comportamento foi exercido,
principalmente, por sujeitos com maior número de parceiros sexuais no ano anterior a da
pesquisa e freqüência no consumo de álcool. Essa informação indica que o consumo de
substâncias aumenta a probabilidade de exposição a outros comportamentos de risco.

Concluímos que os comportamentos sexuais de risco se relacionam ao não uso freqüente


de preservativos devido: às características próprias da idade, aos aspectos culturais de gênero e à
disponibilidade de recursos (KINSTER, SNEED e MORISKY, 2003; ROMER e STANTON,
2003).

Os comportamentos de risco têm uma estreita relação com o tempo livre dos jovens. Eles
mesmos o manifestam quando relatam o ‘não ter nada a fazer’ como caldo de cultivo dos
comportamentos qualificados por eles como de incorretos (Sarriera e cols. 2005). Abramovay e
cols. (2005) comentam que o lazer representa um contexto privilegiado para o desenvolvimento
dos jovens e para a aquisição de novos valores sociais.
64

Os jovens internalizam valores, fazem e externalizam suas escolhas


legítimas – podendo reforçar sua auto-estima e protagonismo -, dão vazão
a sentimentos de frustração e protesto, e constroem laços de solidariedade
e cooperação com os outros. Assim, são poderosos canais de expressão e
afirmação positiva da identidade, e por essa razão constituem fortes
contrapontos à violência (p.68).

O lazer, por sua vez, significa uma oportunidade de aprendizagem de valores mais
salutares, ou seja, protetores de comportamentos de risco por parte dos jovens. Para tanto, esse
lazer tem que se constituir de um ócio emancipador ou autodeterminado. Faremos, então, a
seguir uma reflexão sobre quando o ócio pode ser considerado como emancipador.

Tempo livre e o ócio emancipador

Nesta parte, buscaremos refletir e delinear alguns fatores que transformam o ócio em
emancipador. Segundo Erikson (1968/1976, p. 129), o adolescente apresenta uma maior
necessidade de “querer livremente” em relação à infância, de decidir de acordo com os seus
interesses, de modo a ser apoiado e valorizado pelas pessoas, principalmente pelos seus pares.
Kleiber (1999) denomina esse “livre querer” de autonomia e conceituou como a
autodeterminação para tomar ações e decisões.

A necessidade de autonomia gera a motivação intrínseca. Esta, como o próprio nome diz,
significa “motivos para ação”, que é a força interna que move o sujeito em direção às suas
necessidades, seus interesses e projetos pessoais, sem que ocorra a precisão de recompensas
externas para a ação (KLEIBER, 1999). De acordo com Connell e Wellborn (1991), existem três
necessidades que levam a motivação intrínseca, que são: autonomia, competência e vinculação
social.

Essas necessidades são relacionadas, embora englobem dimensões diferentes, a busca de


uma delas leva a busca das outras concomitantemente. São variáveis sistêmicas que geram a
interação processual do sujeito com o ambiente em uma dinâmica pró-ativa. Movem o sujeito
para a ação e para a transformação de realidade e dos recursos a ele disponível
(MISERANDINO, 1996). São fatores psicológicos mediadores da ação, influenciam a motivação
intrínseca e outros processos cognitivos. Tornam-se importantes construtos para a compreensão
do envolvimento social no lazer. Por sua vez, os efeitos do envolvimento social com o lazer
(sucesso ou fracasso, por exemplo) são fatores mediadores da motivação intrínseca, formando
um sistema sujeito-ambiente (ALEXANDRIS e GROUIOS, 2002).
65

O tempo livre é o período que melhor pode responder conjuntamente a essas três
necessidades prementes, principalmente, para os jovens através da aprendizagem, ampla e
multifacetada, quanto: à natureza da tarefa, às imbricadas relações sociais e à compreensão dos
próprios processos psíquicos (KLEIBER, 1999), aspectos que respondem às necessidades de
autonomia, vinculação social e competência dos jovens.

De acordo com Miserandino (1996), a motivação intrínseca, em um processo cíclico e


dinâmico, leva ao engajamento com a aprendizagem, aspecto importante para o desenvolvimento
infanto-juvenil. Nesse sentido, as atividades de lazer tornam-se práticas privilegiadas como
oportunidades educativas para os jovens.

Segundo Deng, Dieser e Walker (2005), a percepção de livre escolha e a motivação


intrínseca são duas variáveis fundamentais a atual teoria do ócio por relacionar-se diretamente
com a satisfação com a atividade de lazer. A satisfação pessoal é o fator que torna a participação
em uma prática saudável e autodeterminada. Existem múltiplos fatores que devem ser analisados
para avaliar se uma atividade de lazer pode ser uma prática promotora de saúde. A primeira delas
é se foi garantido o direito do sujeito da livre escolha.

Mesmo que existam motivos socioculturais que embasem as escolhas dos jovens, do que
fazer no tempo livre, o fato de buscarem interesses próprios promove a crença em uma escolha
realizada com liberdade, o que atende a necessidade de autonomia ou autodeterminação.
Conforme Iso-Ahola (1999), o conceito de autonomia/ autodeterminação é central para o estudo
sobre o ócio por relacionar-se a livre escolha.

Quanto à necessidade de competência, para Deng, Dieser e Walker (2005), ela é outra
variável importante a teoria do ócio. As atividades de lazer, ao atender as necessidades de
competência, facilitam o desenvolvimento da motivação intrínseca e gera também satisfação, o
que é fator de saúde para os jovens. É a necessidade de competência que propicia a motivação
para os desafios das tarefas, a exploração do ambiente e as tentativas para a resolução das
problemáticas da vida. Esse exercício quanto à tarefa significa um importante laboratório de
experimentações que capacita os jovens para o desenvolvimento profissional e pessoal.

Além do mais, conforme desenvolvam atividades de lazer, exercitam-se, superam


paulatinamente desafios, adquirem habilidades e, conseqüentemente, competências para lidar
com as características das tarefas. Com isso, adquirem a crença na capacidade de dominar as
múltiplas variáveis do ambiente e de enfrentar tarefas mais complexas e desafiadoras. Para
66

Hebert, Jacobsen e Kilpatrick (2002), competência é o senso de domínio e a percepção de ser


efetivo nas coisas.

Quanto à aprendizagem das relações sociais, enfatizamos que as atividades de lazer


podem ser individuais ou coletivas. De acordo com Iso-Ahola (1999), as preferências por
atividades grupais ou individuais têm direta relação com a cultura das comunidades, coletivistas
ou individualistas. Entretanto, devido às características da faixa etária, os jovens tendem a ter
preferências por atividades de ócio coletivas. Um estudo realizado por Scott e Scott (1998) em
sete culturas para identificar fatores de igualdade e de diferença no ajustamento na escola, na
família e no grupo de amigos revelou que o único fator com tendência preditiva para a
similaridade foi o ajustamento aos amigos. O que parece significar que o vínculo com os pares é
um fator próprio da idade.

Assim, quando as atividades de lazer são coletivas possibilitam a aprendizagem sobre as


relações sociais. Ao inserirem-se em grupos, os jovens têm que lidar com fatores subjetivos de
diversos sujeitos, regras implícitas de convivência sócio-culturais, relações com lideranças
formais e informais, além dos processos da formação grupal. Eles podem internalizar
dinamicamente novas regras, valores e crenças dos novos grupos. Podem re-significar os valores
e crenças da infância, bem com os recém adquiridos, conferindo a esse conjunto, novos sentidos.
A necessidade de vinculação social leva os jovens a tomarem ações para a inserção em grupos,
com a finalidade da convivência social (CONTRERAS, KERNS e NEAL-BARNETT , 2000;
BEEST BEEST e BAERVELDT, 1999).

Os grupos de que os jovens venham participar representam um contexto dinâmico de


transformação psicossocial. Eles, portanto, nas interações sociais e no ambiente como um todo
(podemos citar a importância da mídia) aprendem modos de se comportar, maneiras de se vestir,
expressões idiomáticas, ou seja, formas de ser jovem nas sociedades. Também, adquirem maior
competência social, vão dominando as múltiplas variáveis do convívio social e os complexos
jogos das relações interpessoais do adulto. Ao adquirir segurança em sua competência social, os
jovens sentem-se mais confiantes e motivados para ingressar em novos grupos, estabelecer
relacionamentos e lidar com regras sociais mais complexas. O que propicia que possam tomar
ações transformadoras do contexto (BARBER e cols. 2003; CALDWELL, DARLING, SMITH,
2005).
O tempo livre pode ser um exercício lúdico e de prazer que capacite os jovens para a vida
futura à medida que favorece um maior desenvolvimento das competências. Portanto, podemos
considerar que o ócio que oportunize autonomia, competência e vinculação social é
67

emancipador. Porém, a possibilidade de desenvolvimento do jovem ocorre em um ambiente


construído socialmente e sobre essa questão realizaremos algumas reflexões a seguir.

Ócio emancipador: relação sujeito-ambiente

Vamos abordar a respeito da importância da relação sujeito-ambiente para o uso do


tempo livre por parte dos jovens. O período em que os jovens participam de atividades sociais é
basicamente no seu tempo livre. Participação que possibilita o fortalecimento dos recursos
disponíveis e do contexto social nos quais eles estão inseridos.

Ryff e Singer (2001) realizaram uma revisão teórica de vários estudos que analisaram as
relações do ambiente com a possibilidade do adoecimento ou da promoção da saúde, tanto
mental quanto física. Esses estudos evidenciaram a existência de relações entre contextos
conflitivos e com pouco suporte social com diversas infecções e doenças crônicas. Os autores
citaram pesquisas epidemiológicas que revelaram que os índices da mortalidade das pessoas
inseridas em ambientes negativos (conflitivos e com pouco suporte) assemelharam-se a das
pessoas fumantes. Outras pesquisas verificadas indicaram que pessoas inseridas em tais
ambientes apresentaram as funções imunológicas mais deficitárias e, também, cuidados com a
saúde mais pobres.

Quanto à saúde mental, Ryff e Singer (2001) encontraram que um ambiente negativo
relacionou-se com o aumento de diversas doenças psicológicas. Por outro lado, ambientes
percebidos como apoiadores e pouco conflitivos tiveram relações diretas com a menor incidência
de doenças, em particular, as de cunho depressivo e ansioso. Assim, as condições ambientais
revelaram-se protetoras para a saúde geral.

Outro pesquisador, Moeller (2001), evidenciou relações diretas entre a violência e a


participação em ambientes com normas mais agressivas ou menos coibidoras de comportamentos
agressivos. Esse autor encontrou evidências de que a violência praticada pelos jovens nas
sociedades ocidentais, principalmente nas grandes cidades, pode estar associada a um conflito
entre o “código das ruas”, que são as regras que regem muitos grupos subculturais juvenis, e
“código decente”, que são as regras ensinadas pelas famílias, de modo geral. Os jovens com
famílias constituídas, principalmente os com maiores recursos econômicos, quando passaram a
participar dos ambientes externos a ela, em grupos subculturais, desenvolveram um conflito
entre o “código decente” e “código da rua”. O conflito vivenciado por esses jovens impulsionou
atos de violência e vandalismo.
68

Entretanto, Moeller (2001) também evidenciou jovens que desde criança estavam
inseridos, por diversos motivos, no “código da rua” e tinham uma “família da rua”. Esses jovens
foram criados em ambientes mais violentos e internalizaram valores mais agressivos. Em geral,
eram os que dispunham de menos recursos econômicos. Boa parcela da juventude pode estar
vulnerável à violência devido à participação em ambientes com valores mais agressivos ou
permissivos, de acordo com esse autor.

Como contraponto às idéias unilaterais de que a violência é um fenômeno restrito aos


jovens ou mesmo que eles sejam inteiramente determinados pelos meios sociais, Abramovay
(1999) estudou os grupos de Rappers nas periferias das grandes cidades brasileiras. Eles não se
envolviam em transgressões e seus grupos não possuíam hierarquias rígidas que submetesse os
membros a práticas abusivas. Através de atividades culturais, os grupos apresentaram duas
funções: de lazer e de expressão de revolta. Para essa autora, os jovens podem transformar as
forças sociais se tiverem oportunidades e o lazer pode ser importante para essas mudanças. A
violência juvenil vem “representado uma forma de os jovens quebrarem sua invisibilidade e
mostrarem-se capazes de influir nos processos sociais e políticos” (ABROMOVAY, 2005, p.
56).

Porém, há outra questão importante a ser pensada sobre o vínculo ambiente-juventude: o


sentimento de tédio, por imobilizar as pessoas de tomarem ações em relação às mudanças do
contexto e de serem protagonistas de suas vivências. Esse sentimento surge devido à frustração,
à ansiedade e ao desengajamento com aspectos da vida (KANEVSKY e KEIGHLEY, 2003).

Qualquer pessoa em qualquer tempo pode vivenciar o sentimento de tédio, seja no tempo
livre ou mesmo no trabalho. Entretanto, a juventude tem sido marcada como um período em que
as pessoas estão mais propensas a ele. Larson e Richards (1991), ao pesquisarem sobre essa
temática, encontraram uma tendência dos jovens sentirem-se entediados em variadas situações.
Esse sentimento parece ser comum na juventude.

Caldwell, Darling, Dowdy e Payne (1999) citam fatores causadores do tédio, que são:
falta de consciência de fatores estimulantes para fazer no tempo livre; falta de motivação
intrínseca com tentativas de alívio do sentimento de tédio; discrepância entre as habilidades da
pessoa e os desafios das tarefas disponíveis; e a sub-estimulação do ambiente. Praticamente
todos os fatores apontados estão relacionados à relação do sujeito com o ambiente.

O sentimento de tédio parece estar também, relacionado às características de


personalidade. Bargdill (2002) realizou uma revisão teórica do tema e encontrou relações
69

positivas entre características extrovertidas e uma maior sentimento de enfado. Jovens


extrovertidos tenderam a apresentar maiores necessidades de estimulação externa e tédio quando
o ambiente não atendeu a essas necessidades. É importante considerar, dessa forma, que as
pessoas têm necessidades diferentes e que um ambiente para atender as variadas necessidades
tem que apresentar uma riqueza de recursos.

A motivação extrínseca também é capaz de estar associada ao tédio. Devido à


dependência econômica e familiar dos jovens, eles têm que realizar tarefas que não são escolhas
deles, mas obrigações determinadas por outras pessoas (sejam pais, professores, treinadores, etc.)
sentidas como rotineiras. Atividades com esse caráter diminuem o potencial de autonomia e
aumentam o sentimento de tédio para o jovem, de acordo com Caldwell, Darling, Dowdy e
Payne (1999). Nesse enfoque, o tédio seria uma resposta à falta de liberdade de escolha por parte
dos jovens devido ao controle das atividades, principalmente, pelos adultos, o que promove
insatisfação e, conseqüentemente, o tédio.

Uma questão importante de ser frisada é o fato das pessoas que experimentam com mais
freqüência tédio buscam aliviar esse sentimento e tendem a comportamentos de risco, tais como:
o uso de droga, o vandalismo, o jogo, e outros comportamentos destrutivos (Bargdill, 2002;
Caldwell, Darling, Dowdy e Payne, 1999). Há uma grande probabilidade de que os
comportamentos de risco que marcam a juventude relacionem-se ao sentimento de tédio.
Portanto, este tem a capacidade de levar os jovens ao ócio patológico, de acordo com o conceito
de Munné e Codina (2004), citado anteriormente.

Outro fator do ócio patológico é o que Hemingway (1996) denominou de “deformação do


ócio”. Devido à transformação das atividades de lazer em práticas de consumo, tais atividades
transformaram-se em práticas individuais que dependem de trocas econômicas. Como
conseqüência, houve um decréscimo na participação de atividades coletivas ou mesmo familiares
e gratuitas, ocasionando o aumento de práticas solitárias e a exclusão de pessoas de vários tipos
de atividades.

Um estudo realizado por Dumont e Provost (1999) revelou que a participação social é um
aspecto preventivo em relação ao estresse e à depressão para os jovens por habilitá-lo a ter mais
estratégias de enfrentamento para as suas dificuldades pessoais e para os eventos negativos da
vida. Dessa forma, as atividades coletivas desenvolvidas no tempo livre podem ser mais
protetoras para a saúde e bem-estar dos jovens. Por outro lado, a exclusão social leva a pouca
estimulação do ambiente (CALDWELL e cols., 1999), por conseguinte ao tédio.
70

Rolison e Scherman (2002) pesquisaram as principais variáveis relacionadas com o


comportamento de risco dos jovens encontradas em outros estudos, que são: a percepção do
risco, os jovens apresentam uma percepção de risco mais baixa que a dos adultos, o que facilita a
participação em de atividades arriscadas; o controle do ambiente, os que atribuem ao ambiente a
causa dos resultados de suas ações tendem a envolver-se mais em atividades de risco; e a busca
de sensação por parte dos jovens, necessidade maior de buscar novas e intensas sensações
comparativamente ao adulto. Como resultado, esses autores apontaram que a busca de sensações
foi a variável com uma maior tendência preditiva. Podemos considerar, dessa forma, que jovens
em ambientes pobres e pouco estimulantes podem apresentar comportamentos de risco para
evitar o tédio e atender as necessidades de experimentar sensações.

Em contrapartida, o ambiente saudável e com recursos suficientes disponíveis foi


denominado por Kleiber (1999) de “um ambiente com ótima estimulação” para o ócio. Para ser
ótimo, esse ambiente depende: do ambiente social, da estrutura física do local e do tipo de
atividade de lazer desenvolvido nele. Quanto ao ambiente social, um contexto pouco conflitivo e
apoiador se relaciona com um ambiente com ótima estimulação, aspecto abordado anteriormente.
Além disso, o ambiente também tem que encorajar os jovens à exploração através de
informações positivas a respeito de seus comportamentos e sucessos, bem como, manter a
motivação intrínseca. As atividades com regras rígidas ou que gerem informações punitivas e
negativas levam a comportamentos de passividade e incompetência. Fatores desencorajadores da
participação em atividades recreativas (BRIDGES, 1993).

O local onde as atividades de lazer ocorrem também é um aspecto importante e deve


manter condições suficientemente adequadas para os fatores que Hertzberg denominou de
higiênicos, tais como: iluminação, limpeza, segurança, etc. Fatores que não coloquem em risco a
saúde e o bem-estar dos jovens (DUBRIN, 2003).

Quanto ao tipo de atividade, a partir de uma pesquisa realizada com jovens Caldwell,
Kleiber e Shaw (1995) apontaram que os jogos esportivos e atividades físicas apresentaram
relações diretas com a autonomia. Entretanto, assistir televisão revelou relações inversas com
esse fator, chegando a ser prejudicial. Com esse estudo, os autores mostraram que as atividades
podem ser mais adequadas ou inadequadas para o desenvolvimento dos jovens.

Se as condições citadas para se ter um ambiente com ótima estimulação forem cumpridas,
a motivação intrínseca leva ao envolvimento com a tarefa com uma intensa concentração e
prazer. Desde que as habilidades do sujeito e os desafios da tarefa estejam em equilíbrio. Por
causa desse envolvimento, as pessoas sentem-se absorvidas nas tarefas de interesse. O
71

envolvimento pode ser conceituado como a participação que permite uma contínua implicação
com a tarefa, a partir de benefícios físicos, psicológicos e sociais gerados (SMITH, 1990).

Alexandris, Grouios, Tsorbatzoudis e Zahariadis (2002), ao pesquisar jovens, procuraram


avaliar qual o fator com tendência mais preditiva em relação ao compromisso psicológico com o
lazer, no caso, o lazer esportivo. O estudo apontou que, dentre os fatores estudados (prazer,
investimento pessoal, constrangimentos sociais e oportunidades de envolvimento), a
oportunidade de envolvimento apresentou uma força preditiva bem mais significativa do que os
outros fatores. Este estudo indicou que a disponibilização de atividades de lazer que possam ser
do interesse dos jovens facilitam a participação deles, a partir da motivação intrínseca até
alcançar o envolvimento com a tarefa.

O envolvimento com a tarefa foi denominado por Csikszentmihalyi (1999) de experiência


de fluxo. Esta é considerada uma expressão do humor e associa-se a estados psicológicos
positivos (HAWORTH, JARMAN e LEE, 1997). De acordo com Smith (1990), esta experiência
tem as seguintes características: um sentido de fusão da atividade com a consciência, a atenção
centrada em um limitado campo de estímulos, um sentimento de transcendência da
individualidade, um sentimento de controle sobre as próprias ações e sobre o ambiente, uma
percepção da coerência entre as metas e as atividades, está baseada na motivação intrínseca e seu
intento é levar o sujeito à auto-realização.

Para Csikszentmihalyi (1999), uma pessoa que consegue envolvimento com variadas
atividades alcança uma experiência geral mais prazerosa, estimulando uma avaliação mais
otimista da vida. De acordo com Kleiber (1999), é o tempo de ócio o período que melhor pode
proporcionar tais experiências prazerosas e positivas para os jovens. Estes, quando
compromissados com suas metas pessoais, apresentam-se mais autônomos e independentes,
menos dependentes de recompensas externas e mais compromissados com a vida, de maneira
geral.

Nesse sentido, o desenvolvimento de autonomia, a experimentação em diferentes papéis


sociais e com diferentes atividades de interesse são freqüentemente associados com a
participação em contextos de lazer por parte dos jovens (BALDWIN e cols., 2004). Assim, para
que o ócio seja humanizador a relação sujeito-ambiente é fundamental e vai depender do
contexto cultural do grupo de pertença, das relações estabelecidas entre as pessoas, dos fatores
de higiene e da possibilidade de um envolvimento intenso com a tarefa, compondo um ambiente
com ótima estimulação.
72

A partir da reflexão que realizamos anteriormente, podemos considerar o ócio


emancipador o que promove: (a) autonomia, devido à possibilidade de livre escolha das
atividades; (b) competências sociais, pela aprendizagem dos imbricados jogos das relações
interpessoais; (c) competências nas tarefas, através da aprendizagem na administração de
complexas tarefas; (d) competências para gerenciar os próprios processos psíquicos, devido à
aprendizagem em lidar com as próprias dimensões internas; (e) vinculação sociais, por propiciar
inserção em grupos pouco conflitivos, mais apoiadores e que estimule à exploração através de
informações positivas a respeito dos comportamentos e sucessos; (f) intenso envolvimento com a
tarefa, devido à disponibilização de atividades de lazer que possam ser do interesse dos jovens; e
(g) em um ambiente com condições higiênicas preservadas.

Embora, todas essas condições possam parecer utópicas no conjunto, elas são parâmetros
para avaliar se as atividades de lazer representam um ócio emancipador como base para o
desenvolvimento de intervenções com vistas a protagonização juvenil.

O tempo livre como uma possibilidade educativa

O ócio emancipador, além de promover vários aspectos comentados anteriormente, é


também educativo, principalmente para os jovens que estão em transição para a fase adulta.
Entretanto, para que ócio possa ter um caráter educativo, de acordo com Puig e Trilla (2004), é
necessário ensinar as pessoas a utilizar o tempo livre de forma satisfatória através de programas
educativos. Estes programas, para Munné e Codina (1996), não tem o propósito de planificar e
organizar as atividades, já que essa noção seria contrária ao próprio conceito do ócio saudável.
Tem, sim, como objetivo ensinar as pessoas a autogerenciarem-se no tempo livre de maneira a
utilizarem esse tempo para aprenderem com ele, desenvolvendo-se pessoal e socialmente.
Dessa forma, a educação para o ócio visa propiciar condições para que as pessoas possam
ativamente aproveitar os recursos disponíveis nos ambientes, promover novos recursos e lidar
com os aspectos facilitadores e restritivos existentes. É uma conscientização por parte das
pessoas quanto às possibilidades reais e possíveis existentes nos ambientes com as quais se
vinculam.
Segundo Puig e Trilla (2004), para que ócio possa ser educativo, torna-se importante
considerá-lo em suas dimensões reais como uma cadeia “trabalho-produção-tempo livre-
consumo” (p. 136). A indústria do ócio transformou-se em uma infra-estrutura poderosa e
marcada pelas relações de consumo e engloba vastos segmentos de mercado, entre eles: o do
turismo, da moda, dos esportes, da música, do espetáculo, etc. Os aspectos comerciais dessa
73

indústria reduzem a capacidade educativa do ócio, mas não a inviabilizam. Os possíveis


potenciais educativos devem ser aproveitados.
Além dos aspectos do mercado econômico, para Puig e Trilla (2004), também há a
necessidade de se pensar nos sistemas políticos. Para que os programas educativos sejam
eficazes, têm que considerar a educação como um fator global para os jovens. O tempo livre tem
que ser uma continuidade da escolarização e da vida cotidiana e não uma cisão no tempo. A
preocupação com a educação dos jovens deveria, assim, permear vários segmentos sociais, tendo
metas contempladas desde as áreas governamentais até as instituições educacionais.
Lembramos que a implementação de programas educativos para o lazer na juventude até
os anos setenta e oitenta, costumava-se "preencher" quase que totalmente esse tempo com
atividades educativas ou sociais no sentido da prevenção ao contato com fatores de risco.
Ignorava-se o contexto social, ao mesmo tempo, acreditava-se que os jovens ao não se
envolverem em comportamentos de risco, naturalmente possuiriam habilidades para o uso
construtivo do tempo livre e para o envolvimento significativo nas diversas áreas do lazer
(BALDWIN e cols., 2004).

Contemporaneamente, busca-se desenvolver programas sócio-educativos para o tempo


livre que contemplem tanto a potencialização dos recursos pessoais quanto aspectos mais
abrangentes da educação e da formação integral dos jovens. Desse modo, um plano pedagógico
mais amplo estaria vinculado aos projetos de vida dos jovens e não apenas a uma visão
utilitarista e de resultados.

Ao colocarmos a educação como fator de desenvolvimento, de saúde e bem-estar, o lazer


educativo transforma-se em um exercício da liberdade: da livre escolha, da participação social e
até da individualidade. O objetivo do lazer deve sempre ser preservado que é de compatibilizar
diversão, criação com aprendizagem. Mais que isso, um programa de lazer educativo tem a
missão de ensinar como se divertir de maneira proveitosa para que os jovens desenvolvam
competências para gerenciar suas vidas - presente e futura. Os programas para um ócio produtivo
têm que “promover a possibilidade do extraordinário: promover a aventura, a criatividade a
realização criativa, etc.” (PUIG e TRILLA, 2004, p. 94).

Acrescentamos que, com base em Puig e Trilla (2004), o ócio é um tempo educativo,
momento propício para o engajamento juvenil ativo com a aprendizagem devido à satisfação
sentida com o envolvimento nas atividades. Assim, os jovens podem aprender a gerenciar o
tempo para aprender com ele, levando a uma maior consciência do contexto e dos recursos
disponíveis nele com uma participação transformadora desse contexto.
74

Visualizamos assim, um possível caminho na potencialização de jovens mais


autodeterminados, autônomos, participativos na sociedade e críticos com relação às mudanças
necessárias para uma justiça social e uma melhor qualidade de vida para todos. Portanto, o
ócio educativo é emancipatório, tendo em conta que o significado de emancipar é libertar.

Referências
ABRAMO, Helena W.; FREITAS, Maria V.; SPÓSITO, Marília P. (Orgs.). Juventude em
debate. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
ABRAMOVAY, Miriam et al. Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude, violência e
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78

¿CUÁL ES EL PARADIGMA INHERENTE A LA COMPRENSIÓN DEL PROCESO DE


SALUD?: UN INTERROGANTE ESENCIAL

Enrique Saforcada

“Yo fui adoctrinado en una visión del mundo, una descripción de la


realidad que me parecía muy útil, pero que se ha convertido en
alarmantemente estrecha, ya que cierra la posibilidad de que ciertas
cosas ocurran, simplemente porque no se ajustan a la definición
generalizada de cómo funciona el mundo”

Watson, L. Barcelona 2000.

Los facultativos que convergen al campo de la salud tienen como soporte intelectual y
técnico algunas de las ciencias básicas (biología, física, química, psicología, etcétera), las cuales
proveen a estos profesionales de un conjunto de conceptos científicos y de ciertas posibilidades
de conectar algunos conceptos de una disciplina con los de otras. A esto, se deben agregar las
construcciones de conocimiento, no basadas en el método científico, que se generan a partir de la
interacción con los colegas y los profesionales de los otros campos disciplinares del área de la
salud -algo así como un sentido común profesional- todo lo cual da por resultado que las
visualizaciones, valoraciones y acciones subsiguientes en el campo de la práctica dependan de
estos entramados que implican no sólo conocimientos científicos sino que también -y tal vez en
mucha mayor proporción- generalizaciones empíricas, componentes ideológicos, intuiciones y
creencias no fundamentadas científicamente.
Estos entramados operan a modo de radar recortando la percepción de la realidad, su
significación y su valoración. En la gran mayoría de los casos, la base sustantiva de estos
radares, o paradigmas en lenguaje no alegórico, se construye en el período de formación
académica de las carreras de grado y su modificación posterior, a lo largo de la vida profesional,
es muy dificultosa. De esto se desprende la enorme importancia de los currículos de las carreras
de ciencias y técnicas de la salud, máxime en países como los del Mercosur en los cuales los
títulos universitarios de grado son habilitantes para el ejercicio de las profesiones.
A diferencia de otros ámbitos, en el del salubrismo se presenta una dificultad adicional (al
igual que en el área de la educación): los escenarios de lo público y de lo privado involucran
exigencias de conocimientos teóricos y tecnológicos, como así también de procesos de toma de
decisiones y planificación de las acciones, muy diferentes. El escenario de lo público es mucho
más complejo que el de lo privado y requiere de los profesionales una formación científica que
haga de sus prácticas las de máxima eficacia y eficiencia4 dado que se manejan recursos

4
Eficacia vincula procedimientos con resultados; eficiencia relaciona eficacia con costo económico.
79

(materiales, económicos, etc.) públicos. Finalmente, una cuestión más, sin dudas la más
importante, diferencia de modo tajante estos dos escenarios: los derechos humanos. No quiere
decir que en el ámbito de lo privado estos derechos no tengan vigencia, sino que se maximiza el
celo en respetarlos cuando la población implicada está sometida a toda clase de privaciones,
limitaciones y exclusiones.
Al dirigir una mirada al desenvolvimiento histórico de las concepciones y prácticas en
salud en Occidente (Dörner 1974; Rosen 1974, 1985; Sigerist 1984,1987; Saforcada 1999, 2001)
-a partir del mundo grecorromano de la antigüedad hasta nuestros días- con el objeto de hallar el
sustrato de este desarrollo, se observa que se han dado dos líneas muy diferenciadas, sobre todo,
a partir del Renacimiento, y se las puede esquematizar del modo siguiente:
a) Enfoque higienista con apoyatura en el experimentalismo  Surgimiento de la
clínica médica y psicológica  Centramiento en la terapéutica biologicista o psicologista o
psicosomática  Comprensión dualista y mecanicista del proceso de salud  Desarrollo del
mercado de la enfermedad (cultivado y vigilado por el complejo industrial-profesional).
b) Enfoque higienista protoecológico y holista  La salud de la población como
responsabilidad del Gobierno  Medicina social y Psicología Comunitaria  La Nueva Salud
Pública y una comprensión ecosistémica del proceso de salud  Movimiento de Promoción de
la Salud.
Llevando a cabo un análisis pormenorizado de estos dos rumbos en función de cuatro
dimensiones básicas (como son los soportes teórico, axiológico, actitudinal y operativo) junto a
algunas de sus subdimensiones (ver Esquema 1), se llega a ver con claridad la presencia de dos
paradigmas antitéticos y excluyentes (la presencia de uno suprime al otro): el Paradigma
Individual Restrictivo (PIR) y el Social Expansivo (PSE).
Estos dos modos de denominarlos provienen de dos aspectos esenciales:
a) las unidades de análisis y acción utilizadas;
b) las ciencias básicas en función de las cuales se busca la explicación y solución de
los problemas que se afrontan.
En el PIR la unidad de análisis y acción es el individuo descontextuado, propio de una
clínica restringida, a diferencia del PSE en que esta unidad es siempre un colectivo social
(familia, red social, vecindario, comunidad, etcétera) tomado en cuenta en su naturaleza
ecosistémica.
80

ESQUEMA 1

PARADIGMAS

SUBDIMENSIONES Individual-restrictivo Social-expansivo

1- Estructura del saber Mono o bidisciplinaria Multidisciplinaria exhaustiva

2- Objeto del saber La enfermedad El proceso de la salud

La clínica expandida o
3- Eje teórico-técnico La clínica restrictiva
epidemiología

4- Hipótesis etiológica utilizada Etiopatogénica Etiológica integral

5- Componentes etiológicos involucrados Huésped – Agente Ecosistema de salud

6- Significación del ser humano Nicho de la enfermedad Instancia del proceso de salud

En el profesional, sus teorías y En la comunidad y sus


7- Ubicación del eje de significación-valoración
sus técnicas problemas

8- Actitud del efector ante los usuarios Autocrática Relativista cultural

9- Orientación fundamental del efector Rehabilitadora Protectiva y promocional

10- Foco de la estrategia de acción Lo enfermo (actual o potencial) El potencial de salud

El ecosistema al que
11- Objeto de la acción El individuo descontextuado
pertenece la persona

12- Efecto buscado con la acción Remisión de la enfermedad Cambios en el ecosistema

DIMENSIONES: 1 a 6 Soporte Teórico - 7 Soporte Axiológico – 8 a 9 Soporte Actitudinal - 10 a 12 Soporte


Operativo

Consecuentemente, esa búsqueda de explicación y solución, en el PIR, se efectúa en


términos del menor número de ciencias básicas posible (fundamentalmente biología o
psicología), lo cual permite ver con claridad que en el PIR conserva total vigencia las
concepciones dualistas cartesianas complementadas con un básico mecanicismo newtoniano,
presentes tanto en las prácticas terapéuticas médicas como en las psicológicas.
En el PSE la mencionada búsqueda se efectúa en función de todas las disciplinas que
están en condiciones de aportar a la misma, con respecto a lo cual se debe tener en cuenta que:
81

a) ha sido y es progresivo el descubrimiento de disciplinas preexistentes, no tenidas


en cuenta en el ámbito de la salud, y que luego resulta que se ha visto que aportan información y
procedimientos que hacen más amplia la comprensión del proceso de salud y sus emergentes;
b) han ido surgiendo nuevas disciplinas científicas que cumplen este cometido;
c) es previsible que surjan a futuro nuevas ramas científicas que se vinculen con la
salud.
Se ve así que la posición alcanzada por este paradigma no ha sido un paso dado de una
sola vez ni un movimiento finalizado, sino que implicó un proceso creciente, de final abierto,
razones por las cuales se lo ha denominado expansivo. Más aún, es de suma importancia que
tenga este carácter de expansión, porque la comprensión ecosistémica del proceso de salud, con
su complejidad inherente, va exigiendo de un número cada vez mayor de ramas y sub-ramas
científicas, a la vez que de metodologías y estrategias de investigación diversificadas. ¿Quién
podría haber imaginado hace treinta o cuarenta años que la física cuántica podía entrar a terciar
en las reflexiones y discusiones relacionadas con lo mental y la conciencia, ambas tan centrales
en la comprensión del proceso de salud? (Schrödinger 1958; Vaughan 1991; Dossey 1999; Capra
1990, 1992, 1996, 2003; Lorimer 2000; Bohm 2002)
Toda concepción y práctica en salud exige de una especie de columna teórico-técnica que
provea de los elementos teóricos y técnicos necesarios para las prácticas concretas. En el caso
del PIR esa columna es la clínica restringida (frecuentemente reduccionista), tal como se señaló
anteriormente; y en el PSE es la epidemiología, que viene a ser una clínica expandida.
No es posible, en la extensión otorgada a este escrito, explicitar cada uno de los
elementos constitutivos de uno y otro paradigma, pero de la lectura del Esquema 1 surge con
claridad la naturaleza de cada uno de estos elementos y lo que implican en cuanto a la
visualización de los problemas, el modo de afrontarlos y la evaluación de los resultados
obtenidos a través de estas acciones. También se hace clara la forma en que los componentes,
dentro de cada paradigma, se interrelacionan sistémicamente y se potencian unos a otros de
forma sinérgica. A su vez, las subdimensiones y los componentes insertados en el Esquema 1 son
sólo una síntesis de los explicitados en otra publicación (Saforcada 2001) y, a su vez, tanto las
dimensiones y subdimensiones como los componentes o indicadores de los paradigmas dan lugar
a una reflexión que permitiría ampliar su caracterización y número, con lo cual se profundizaría
en el desentrañamiento de las particularidades negativas y positivas de uno y otro permitiendo,
tal vez, ver con mayor claridad la incongruencia que encierra el buscar mejorar la salud colectiva
a través de concepciones y prácticas que responden al PIR. Es tan incongruente esto como la
pretensión de Estados Unidos y sus aliados en Irak de buscar la paz haciendo la guerra, posición
fanática de larga tradición en Occidente; no hay más que pensar en la antigua sentencia que dice:
82

si vis pacem, para bellum (si quieres la paz, prepárate para la guerra) que tan funcional ha
resultado al mercado de la muerte desarrollado por el complejo industrial-militar mundial. Tal
vez resulte extemporánea esta digresión bélica, pero resulta que hay muchos aspectos, sutiles
unos y groseros otros, que vinculan las estructuras conceptuales y la dinámica de “guerra –
negocios – muerte” con “enfermedad – negocios – más enfermedad y muerte”, como así también
“paz – bienestar – desarrollo humano” con “salud – ética – buena calidad de vida”.
Volviendo al Esquema 1, es conveniente aclarar la subdimensión “Ubicación del eje
significación-valoración”, dado que puede prestarse a confusiones. Es razonable plantear un
modelo conceptual que implica que toda persona pone en juego permanentemente ejes de
significación-valoración que regulan sus comportamientos en los diferentes escenarios donde
transcurre su vida cotidiana. Uno de estos escenarios es el de la vida profesional; en el caso que
nos ocupa, el de la salud. El mencionado eje es en función del cual los profesionales significan y
valoraran los componentes del mundo circundante, de los cuales el principal son los usuarios de
los servicios que los mencionados facultativos integran en tanto efectores de salud.
Esto plantea las dos posibilidades básicas que figuran en el Esquema: que el mencionado
eje pase por el profesional, sus teorías y sus técnicas o que, por el contrario, pase por la
comunidad, sus problemas y la solución de los mismos (por supuesto que lo último no implica
que el profesional abandone su condición de tal o sus referentes teóricos y técnicos científicos).
En términos antropológicos, este cambio de posición del eje de significación-valoración, implica
pasar de una posición autocrática a una relativista cultural en la que los saberes populares en
salud, como los descriptos en los estudios de Boltanski (1976), son respetados e integrados al
saber científico del profesional, con lo cual éste puede dar respuestas efectoras integrales, de
mucho mayor alcance y de mayor eficacia y eficiencia. Un ejemplo sirve para mostrar con más
claridad lo anteriormente explicitado:
La capacidad de algunas personas para hacerle daño a otra a la distancia es una creencia
muy generalizada en diversas culturas y sociedades; en Argentina está muy difundida y sus
efectos se los denomina “mal de ojo” u “ojeadura”. Si a un servicio de salud de un hospital o de
un centro periférico llegara una persona diciendo que va para ser atendido porque lo han
“ojeado”, es casi seguro que, con mayor o menor amabilidad, sería enviado de vuelta a su casa.
Este tipo de comportamiento profesional estará mostrando a un facultativo autocrático cuyo eje
de significación-valoración está centrado en él, sus teorías y sus técnicas y al no figurar el “mal
de ojo” en ninguno de los sistemas taxonómicos vigentes (DSM IV, ICD 10, etc.) y carecer de
técnicas con las cuales resolver este problema el problema no existe en el escenario de la salud y
es ajeno a su práctica profesional.
83

Si, por el contrario, el profesional posee una posición relativista cultural y, por lo tanto,
su eje de significación-valoración pasa por la población, sus problemas y la solución de los
mismos, el mal de ojos es un problema de salud que debe ser atendido en el sistema de servicios
de salud. Veamos cuál es el proceso de significación-valoración en este caso: a) la persona que
pertenece a una cultura o sub-cultura en la que tiene presencia el conocimiento y/o creencia de
que hay quienes tienen capacidad de hacer daño a distancia temporal y espacial y, a su vez,
percibe que ha sido ojeado, o sea, que ha sido objeto de un mal de ojo, se encuentra sumamente
tensa esperando que dicho daño se haga evidente, quiere decir que está en situación de estrés y
sufrimiento, un estadio prodrómico de enfermedad (si, por ejemplo, planteando casos extremos,
ya padece una cardiopatía puede hacer un infarto de miocardio fatal o, siendo una persona sana,
puede disponerse a cruzar una calle ensimismado por el problema de la ojeadora y no tomar las
precauciones habituales lo cual lo lleve a ser atropellado por un vehículo y fallecer; en ambos
casos la causa de muerte será el mal de ojos); b) por lo tanto, debo atenderlo desde mis
conocimientos y mis tecnologías que implican la comprensión y solución o atenuación del estrés;
c) siendo un profesional relativista cultural habré averiguado que en la comunidad del lugar
donde trabajo tiene existencia real el mal de ojos (la existencia real de un fenómeno cultural la
constituye el saber popular) y por lo tanto habré averiguado qué buenos curadores populares de
esta dolencia residen en esa comunidad y a uno de ellos le derivaré el paciente, de profesional a
profesional, sabiendo que sólo uno de ellos podrá solucionar, o sea, curar, esta dolencia dado que
terapeuta y paciente comparten la misma construcción cultual.
Otra subdimensión con respecto a la cual es necesario hacer algunas precisiones es la
referida al “Foco de la estrategia de acción”. En el PIR se ataca (esta expresión es
frecuentemente usada en la clínica restrictiva) la parte enferma, porque la enfermedad no
involucra a la persona sino que ésta es sólo reservorio de aquella, y/o al agente que la dañó,
prescindiendo de que ese ataque es injurioso para otros componentes del organismo.
En el PSE se tiene especialmente en cuenta el potencial de salud, que siempre está
presente cualquiera sea la situación de enfermedad en que una persona se encuentre. Si este
potencial se actualiza la enfermedad retrocede, entre otras razones, por esa condición de todo
organismo de reequilibrarse o autocurarse si se le da el tiempo necesario y que, en el caso de los
humanos, la medicina grecorromana denominaba vis medicatrix. La especialidad médica en la
que se observa un marcado respeto por esta capacidad natural, es la moderna pediatría social.
Este tema es muy complejo y no es posible desarrollarlo en este espacio pero, por un
lado, con las drogas y técnicas nucleares tan poderosas con las que hoy se cuenta, que tienen tan
alto poder destructivo generalizado para la persona enferma, llama la atención que se las use con
desaprensión en muchísimos casos y sin tomar en cuenta lo que la investigación científica en el
84

campo de la psicoinmunoneuroendocrinología hoy muestra. Por otro, es conveniente evaluar


frente a situaciones como las que plantean, por ejemplo, los conglomerados de pobreza extrema
si es adecuado considerarlas poblaciones en riesgo, como frecuentemente se hace en América
Latina, a partir de lo cual se comienza a planificar acciones preventivo primarias -sin tomar en
cuenta que si hay población en riesgo es porque ya está dañada- sin hace nada por el daño
actual, con lo cual no se soluciona lo que tiene ya presencia ni se evita lo que se prevé a futuro.
Si en lugar de este enfoque centrado en el daño potencial (prevención primaria) se actuara con
estrategias que implican la actualización del potencial de salud y desarrollo humano que toda
comunidad tiene cualquiera sea su situación actual se logrará resolver los problemas actuales y
se pondrán en marcha procesos salutógenos sustentables.
Por último, entre las variadas deducciones y análisis a los que da lugar este problema de
los paradigmas imperantes en el campo de la salud, resulta de especial importancia para los
trabajos en salud comunitaria la determinación de cuál es la relación de congruencia o
incongruencia entre el paradigma que da soporte a los objetivos de una institución de salud o de
una determinada estrategia de acción (plan, programa o proyecto) y el paradigma que orienta el
accionar de los efectores de salud de esa institución o de los agentes que dinamizan la
mencionada estrategia. A fin de llevar a cabo este análisis es útil armar una tabla de doble
entrada, tal como se muestra en el Esquema 2.

ESQUEMA 2

PARADIGMAS Soporte de los objetivos


de la Institución o de la
estrategia de acción

PIR PSE

Soporte de la PIR 1 4
orientación de
los efectores
o agentes
PSE 2 3
85

En la entrada por columnas se ha ubicado los dos paradigmas -Individual Restrictivo


(PIR) y Social Expansivo (PSE)- que dan sostén a los objetivos institucionales o de estrategias
de acción, y en la entrada de hileras los correspondientes a los efectores institucionales o los
agentes que llevan adelante una determinada estrategia de acciones de salud. En la entrada de las
columnas podría estar cualquiera de las unidades de un Sistema de Servicios de Salud del
Subsistema Público de Salud o de la Seguridad Social, o un programa de salud pública
(Programa Materno Infantil, Programa Nacional de Médicos Comunitarios, Programa Nacional
de Control y Prevención de la Diabetes, Programa de Vigilancia y Control del Aedes Aegypti,
Programa Nacional o Provincial de Control del Paludismo, Programa de Salud del Trabajador,
etc.). En el sentido de las hileras los efectores institucionales (psicólogas o psicólogos, médicos o
médicas, enfermeras o enfermeros, etc.) o los agentes profesionales o técnicos de cualquier plan,
programa o proyecto de salud pública.
Quedan así delimitadas cuatro celdas:
• La 1 resulta de la combinación de objetivos provenientes del PIR y efectores o agentes
orientados también por el PIR; implica congruencia entre objetivos y efectores / agentes.
• La otra celda que muestra congruencia es la 3, en la cual coinciden objetivos y efectores /
agentes, todo orientado por el PSE.
• La celda 2 involucra una situación de incongruencia, dado que los objetivos responden al
PIR y los efectores / agentes están orientados por el PSE.
• La celda 4 también es incongruente, planteando una situación al revés que la celda 2: los
efectores / agentes responden al PIR y los objetivos al PSE (es el caso, bastante
generalizado en América Latina, en los subsistemas públicos y de la Seguridad Social de
los Sistema de Servicios de Salud y en muchos de los programas de salud de las distintas
jurisdicciones gubernamentales -nacionales, provinciales o estaduales, municipales o
alcaidías-).
Es en función de las interrelaciones posibles entre los dos paradigmas actualmente
vigentes en las concepciones y prácticas de salud (cuyas combinaciones se muestran en estas
cuatro celdas) que se debe analizar la eficacia y eficiencia asequible en los distintos escenarios
del accionar en salud.
La eficacia se evalúa a través del coeficiente que surge de dividir la cantidad de acciones
resolutivas por la cantidad de acciones totales llevadas a cabo para alcanzar el objetivo que se
persigue. Acciones resolutivas son aquellas que están directamente relacionadas con la solución
definitiva del problema que se encara. Acciones totales son las acciones resolutivas más las
acciones no-resolutivas. Acciones no-resolutivas son las efectuadas con relación al problema en
cuestión pero que no tienen relación causal directa con su solución.
86

La eficiencia se mide a través del coeficiente que surge de dividir la eficacia por el costo
económico.
En la celda 1 del cuadro del Esquema 2 se muestra la situación típica del accionar propio
del Subsistema Privado del Sistema de Servicios de Salud, caracterizado por la práctica liberal de
la profesión (contrapuesta a las prácticas públicas) o del Subsistema Público o de la Seguridad
Social cuando está muy mal orientado y utiliza estrategias propias del Privado. Esta combinación
congruente de paradigmas posibilita una alta eficacia de coyuntura, pero asociada a una baja
eficiencia dado que se trabaja con una orientación integral (tanto de los objetivos como los
efectores) de acciones dirigidas excluyentemente a la enfermedad e incidiendo sólo en el
individuo atendido y no en los ecosistemas del proceso de salud-enfermedad del cual emerge el
problema que demanda atención. Esto lleva a que no se evite la enfermedad evitable (que en
general, en América Latina, involucra no menos del 40% de la enfermedad atendida
cotidianamente) y que sea muy alta la tasa de recidivas y/o de problemas no solucionados
totalmente que, progresivamente, luego se agravan; todo lo cual aumenta indebidamente los
costos económicos y el sufrimiento de la gente. Por supuesto, esta celda plantea el escenario
ideal del mercado de la enfermedad.
En la celda 2 se combina la misma estrategia u objetivos propia del PIR, con un perfil de
formación de los efectores y/o agentes que responde al PSE. Si se trata de instituciones de los
Subsistemas Público o de la Seguridad Social, indebidamente orientados en sus estrategias por el
PIR, se observa que los profesionales no cuentan con apoyatura suficiente que permita
estructurar equipos multidisciplinarios de salud, ni disponen de una infraestructura que responda
básicamente a los lineamientos de la estrategia de Atención Primaria de Salud. En estas
situaciones (profesionales y/o agentes PSE y objetivos PIR) se da una muy alta eficacia y una
potencial y relativa eficiencia dado que la misma depende del surgimiento en la comunidad de
efectos de difusión de las prácticas del efector, o de ciertos contenidos de las mismas, a través de
las acciones multiplicadoras espontáneas de la población atendida por él.
Después de analizar las dos celdas restantes, se darán ejemplos concretos de acciones que
responden a la celda 1 y a la 2.
En la celda 3 se vinculan efectores formados y capacitados en el PSE con objetivos
institucionales o programas planificados e implementados con estrategias de acción y finalidades
surgidos también del PSE. Es particularmente importante destacar que, dado la presencia de este
paradigma como soporte de las concepciones y prácticas implicadas, la comunidad adquiere un
rol central, tanto en lo que hace a su participación en las acciones de salud como en la
comprensión ecosistémica de sus dinámicas por parte de los profesionales de la salud,
87

constituyéndose la comunidad en el ámbito propio y natural de sus prácticas públicas. Esta celda
3 implica el escenario en que se alcanzan los niveles de más alta eficacia y eficiencia.
De esta breve reflexión surge con claridad la importancia que la psicología comunitaria
ha adquirido hoy en el campo de la salud y la necesidad de lograr, más allá de actitudes
corporativas o celos profesionales, el reconocimiento por parte de las autoridades y facultativos
del área de la salud pública de esta especialidad de la psicología que posibilita acceder a
cuestiones tales como la sostenibilidad de los programas de salud y sus resultados a lo largo del
tiempo, la reducción del gasto en atención de enfermedad evitable, el logro de una verdadera
cobertura5 total desde el punto de vista temporal y espacial (las instituciones de salud funcionan
dentro de ciertos horarios y el usuario debe concurrir al lugar, lo cual plantea impedimentos
cuando las áreas programáticas son muy extensas, como es lo habitual o en poblaciones de
pobreza que carecen de los medios necesarios para el transporte. Los profesionales y equipos de
salud institucionales carecen del brazo extensor que les permita llegar al seno de las familias y de
las comunidades a fin de lograr una eficaz supervisión de la adhesión a los tratamientos,
monitorear de forma permanente la situación de salud de la población, ayudar y orientar a la
población en momentos de desconcierto ante problemas de salud, etcétera, todo lo cual se logra
cuando la comunidad participa en la atención de la salud a través de sus miembros capacitados
como agentes primarios de salud.
Por último, en la celda 4 se ubica la relación entre efectores orientados por el PIR que
operan en instituciones y/o programas cuyos objetivos devienen o, dado que pertenecen a el área
de la salud pública de los gobiernos de las distintas jurisdicciones, deberían devenir del PSE. Es
el caso, por ejemplo, de la actividad cotidiana en los hospitales públicos y en los centros
periféricos del primer nivel de atención, cuyo accionar tiene por objeto cuidar la salud colectiva
con la mayor eficacia y, por implicar dineros públicos, tiene la obligación de alcanzar la mayor
eficiencia. En América Latina abundan los ejemplos de este tipo en los ámbitos de los gobiernos
municipales, provinciales o nacionales, o en el campo de la Seguridad Social.
En esta combinación incongruente de paradigmas puestos en juego, es muy alta la
ineficacia -dado que se observa una multiplicidad abrumadora de actividades inútiles,
duplicación de acciones, total carencia de un sistema de referencia que interconecte los distintos
niveles de complejidad y/o los efectores de diferente dependencia (nacional, provincial,
municipal)- y muy alta la ineficiencia dado que el costo económico del soporte de esta actividad
(recursos humanos y materiales, y gasto operativo) es muy elevado para el resultado que se
obtiene.

5
Cobertura: Medida del grado en que los servicios que se prestan cubren las necesidades potenciales de la
población, referentes a dichos servicios, en una comunidad (Last, J.M. – Diccionario de epidemiología –
Barcelona, Salvat Editores 1989).
88

La eficiencia es muy baja en la celda 4 no sólo porque la incongruencia implicada en ella


lleva a que haya exceso de personal, atención de enfermedad totalmente evitable, muy malas
condiciones de trabajo para el personal de las instituciones y programas lo que incrementa el
ausentismo por razones de salud y el maltrato a los usuarios lo que trae aparejado una fuerte
disminución de la demanda potencial y una marcada no-adhesión a los tratamientos, sino que es
muy ineficiente porque hay una tasa de recidivas altísima desde el momento que los pacientes
son dados de alta y regresan a los mismos ecosistemas donde enfermaron y, por lo tanto, donde
volverán a enfermar.
Tal como se enunció anteriormente, se pasará a dar dos ejemplos de salud pediátrica
correspondientes a la celda 1 y a la 2. En ambos casos se trata de un pediatra que atiende un
consultorio en una población rural pobre y muy aislada del noroeste argentino. Ambos
profesionales son demandados por madres cuyos hijos, de menos de un año de edad, presentan
un cuadro de diarrea. Ambos niños están desnutridos y en estas poblaciones la desnutrición tiene
una alta prevalencia.
El pediatra de la celda 1 atiende la diarrea del bebé prescribiendo lo que corresponde y
controla la evolución hasta que remite el cuadro, momento en que lo da de alta. Meses más tarde,
el mismo bebe vuelve presentando, por ejemplo, un cuadro infeccioso broncopulmonar, por el
cual es medicado y finalmente dado de alta.
Es frecuente que en casos como estos el niño repita esta sucesión de enfermedades
oportunistas y dadas de alta hasta que, finalmente, en un último episodio infeccioso ya grave, el
bebe fallece. El certificado de defunción mencionará el último cuadro agudo, pero en realidad
murió de desnutrición, que era la enfermedad más grave y de base.
El pediatra de la celda 2 atiende la diarrea, haciendo las mismas prescripciones y
controles que el profesional de la celda 1, pero no da de alta al paciente sino, que cuando la
diarrea ha remitido, comienza a conversar con la madre sobre la desnutrición de su hijo e inicia
el tratamiento de este síndrome. A lo largo del proceso de renutrición trabaja con la madre sobre
sus conocimientos referidos a la nutrición/desnutrición infantil, a las cuestiones alimentarias y el
poder nutricio de los alimentos económicamente accesibles para el gasto que en ese hogar se
destina a este rubro, a los riesgos que encierra esta enfermedad y las enfermedades oportunistas
que posibilita, etcétera.
Una vez que el niño a alcanzado un estado nutricional adecuado es dado de alta, pero
junto a la recuperación de esta criatura se ha logrado transformar a una madre que carecía de
todo conocimiento sobre la desnutrición, en una persona:
a) con capacidad para visualizar la desnutrición,
b) que comprende que la desnutrición es una enfermedad grave,
89

c) y que ha modificado los hábitos alimenticios del hogar, mejorando las condiciones
nutricias de todo el grupo familiar.
Por la dinámica natural de la vida comunitaria, esta madre comenzará a transmitir sus
nuevos conocimientos y visualizaciones a otras madres -parientes, amigas, conocidas- a través
de la interacción en los entornos familiares, en el vecindario y en las redes sociales de las que
forma parte.
Al mismo tiempo, influirá en las madres con hijos desnutridos -enfermedad que ella ya
puede diagnosticar presuntivamente- para que visiten al pediatra, de quién les hablará muy bien
porque su hijo y ella fueron tratados con solvencia profesional integral y calidad humana. Esto
último, no sólo por el buen trato que recibió, sino porque su problema de salud fue encarado de
modo total que, en el campo de la salud, es el más alto nivel de respeto que se puede brindar a las
usuarias y usuarios por parte de los profesionales.
Aquella única acción profesional llevada a cabo en relación con un niño y su madre,
impactó en el ecosistema alimentario del entorno familiar -lo cual impedirá recaídas de ese niño
en el problema y potenciales desnutriciones en otros miembros de esa familia- y, por efecto
multiplicador, ha ido incidiendo en el tejido social de esa comunidad. Pasado un tiempo, las
condiciones nutricionales de muchas familias habrán cambiado por efecto de aquella única
acción efectora -este efecto multiplicador es uno de los factores principales en el logro de altos
niveles de eficiencia-.
Es importante tener presente que las diferencias en los resultados alcanzados en la celda 1
y en la 2 dependen del perfil de la formación de grado y posgrado de los profesionales efectores.
Esto deja en claro la responsabilidad de las universidades en América Latina, sobre todo de las
públicas, y la incidencia que tiene su orientación científico-técnica e ideológica en el gasto en
atención de enfermedad y en la potencialidad del desarrollo nacional de sus países, en lo que este
proceso depende de las condiciones de salud de sus poblaciones.

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91

PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM PROMOÇÃO DE SAÚDE NA COMUNIDADE:


MANUTENÇÃO DO STATUS QUO OU EMANCIPAÇÃO?

Cristiane Paulin Simon

Rosalina Carvalho da Silva

O termo promoção de saúde tem sido amplamente utilizado. Sua circulação aumentou,
principalmente, no final do século passado, entre as décadas de 80 e 90 para referir-se, na
maioria das vezes, a uma outra forma de abordar as questões relativas à saúde, sendo
denominada por alguns autores como um novo paradigma para a saúde pública e por outros,
como uma nova abordagem de intervenção em saúde. Seja qual for a forma de entender o
conceito de promoção de saúde, sua disseminação propiciou a aceitação do termo, mas, também,
a banalização do mesmo na medida em que ele passa a ser utilizado de forma indiscriminada sem
delimitação de práticas e construções teóricas.
Neste sentido, nos propomos, neste capítulo, a tecer algumas considerações sobre a
construção deste novo campo de saber a partir da perspectiva da psicologia crítica da saúde. E,
por que desta perspectiva? Não apenas porque somos psicólogas e esta tem sido nossa área de
atuação, mas, principalmente, porque as teorias psicológicas têm tido grande influência na
composição das abordagens em promoção de saúde, muitas vezes ditando as práticas neste
campo do saber. São raras as discussões da psicologia sobre este tema o que faz parecer que
concordamos com as formas como a psicologia tem se apresentado nesta arena. Sendo assim,
nossa proposta é a de lançar um outro olhar sobre a promoção de saúde a partir de um
posicionamento crítico frente à psicologia mais tradicional e de suas teorias explicativas.
É com este olhar que nos propomos, neste capítulo, a compreender, a partir de algumas
reflexões, o processo de participação da psicologia na promoção de saúde e quais suas
implicações éticas e sociais para a saúde individual e coletiva. Bem como, pretendemos trazer à
discussão algumas alternativas às práticas, nesta área, que promovam a emancipação social a
partir das contribuições da psicologia social da saúde e da psicologia social comunitária.

Promoção de saúde: breve histórico

O início do desenvolvimento da concepção de promoção de saúde é, geralmente,


demarcado pela publicação e divulgação, nas décadas de 70 e 80, de dois importantes
92

documentos conhecidos como: Relatório Lalonde, em 1974 (LALONDE, 1975) e Carta de


Ottawa, em 1986 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999a).
Entretanto, para Restrepo (2201b) e Buss (1998), a concepção moderna de promoção de
saúde começou a ser desenvolvida a partir das idéias do médico sanitarista Henry Sigerist que
emprega o termo pela primeira vez em seu livro “Medicine and Human Welfare”, publicado em
1941. Neste livro, Sigerist sugere que a promoção de saúde é uma das quatro funções da
medicina junto com a prevenção de doenças, recuperação do doente e reabilitação.
Restrepo (2201b) também afirma que as idéias de promoção de saúde na América Latina
foram influenciadas principalmente, pela medicina social e epidemiologia social nas décadas de
60 e 70, devido às suas contribuições fundamentadas nas críticas à teoria e à prática da saúde
pública vigente naquele momento.
Mesmo com todas as contribuições advindas das perspectivas compartilhadas por
diversos autores que começavam a indicar e mostrar alternativas para a saúde para além do
modelo biomédico; os marcos conceituais reconhecidos da promoção de saúde são: o Relatório
Lalonde e a Carta de Ottawa. Isto, talvez se deva ao fato de que estes dois documentos
propiciaram, no momento histórico em que foram divulgados, a necessária condição para o
reconhecimento e legitimação da promoção de saúde nas sociedades modernas. Além disso,
esses documentos tratavam especificamente da temática e trouxeram orientações para que ações
e mudanças fossem realizadas.
O termo promoção de saúde foi referido na década de 70 pelo então Ministro da Saúde do
Canadá Marc Lalonde, no seu relatório “A New Perspective on the Health of Canadians: a
Working Document” sobre as condições de saúde da população canadense em 1974
(LALONDE, 1975). Neste relatório, Lalonde apresenta o conceito de “campo de saúde”,
considerado por ele, necessário para analisar os problemas de saúde enfrentados em seu país.
Este campo é composto pelos seguintes elementos: a) biologia humana; b) ambiente; c) estilo de
vida; e, d) organização dos serviços de saúde.
Lalonde (1975, p.32) definiu estilo de vida como:
[...]a agregação de decisões pelos indivíduos as quais afetam sua saúde e
sobre as quais eles mais ou menos têm controle. As decisões pessoais e
hábitos que são ruins, do ponto de vista da saúde, criam os riscos auto-
impostos. Quando estes riscos resultam em doenças ou morte, o estilo de
vida da vítima pode ser considerado como tendo contribuído para causar
sua própria doença ou morte.

É interessante notar que os sentidos atribuídos ao termo estilo de vida após a divulgação
do Relatório Lalonde e que ficaram conhecidos através de uma abordagem baseada na mudança
de comportamento, não foram os sentidos dados por Lalonde ao termo. Para ele, o indivíduo não
93

tinha total controle sobre suas decisões, nem tampouco o seu estilo de vida era o determinante
exclusivo de uma dada doença. Entretanto, foi como determinante e como decisão voluntária e
unicamente pessoal que a abordagem do estilo de vida foi propagada.
Conforme colocado por Lalonde (1975), o conceito de campo de saúde mais do que um
conceito foi uma nova perspectiva, pois ampliava a concepção de saúde ao incluir e reconhecer
dimensões até então negligenciadas na análise da saúde das populações. Além do que, esse
Ministro propôs a integração de todos os elementos, citados acima, que geralmente eram tratados
de forma fragmentada e isolada.
Mesmo que sua proposta tenha sido fundamentada no pressuposto da contenção de gastos
com a saúde, é inquestionável a contribuição que o conceito de campo de saúde proporcionou
para a compreensão e análise da saúde das populações para além da dimensão biológica.
Porém, a repercussão desta nova perspectiva não aconteceu do jeito que se imaginava.
Por mais que o Ministro tenha atribuído igual importância às dimensões da biologia humana, do
ambiente, do estilo de vida e da organização dos serviços de saúde, para melhorar as condições
de saúde da população canadense, nos documentos e discussões subsequentes (nos Estados
Unidos, no próprio Canadá e Organizações Internacionais), o elemento priorizado foi o estilo de
vida.
Para Buck (1985), a negligência dos outros elementos teve conseqüências desastrosas
tanto para os indivíduos como para a melhoria das condições de saúde em geral. Isto porque,
após 10 anos da divulgação do relatório, o ônus da mudança em saúde foi depositado unicamente
no indivíduo. Esta ênfase foi, do ponto de vista da autora, absurda, pois para ela as condições
ambientais deveriam ser consideradas como as mais relevantes. Buck considera que os outros
elementos do conceito de campo de saúde de Lalonde não podiam ser atingidos se o ambiente
não fosse primeiramente modificado.
Para Terris (1992), a priorização da categoria estilo de vida, nos Estados Unidos, ocorreu,
fundamentalmente pela confusão criada pelo documento do Serviço Público dos Estados Unidos
de 1979: “Healthy People: The Surgeon-General’s Report on Health Promotion and Disease
Prevention”. Neste documento, promoção de saúde e prevenção de doenças foram utilizados
como sinônimos e definidos em termos de mudanças de estilos de vida.
A escolha do estilo de vida, como abordagem para a promoção de saúde, por alguns
governos, também é apontada como uma forma de transferência para os indivíduos de uma
responsabilidade que deveria pelo menos ser compartilhada com o governo. Ou seja, ao ignorar
os outros elementos propostos por Lalonde na compreensão dos problemas de saúde, os
governos se eximem da responsabilidade pelas mudanças no ambiente e serviços de saúde, pois o
94

indivíduo é quem tem o papel fundamental no desenvolvimento ou não dos problemas de saúde,
depende de como gerencia seu estilo de vida (LABONTE, 1994).
Com o avanço tecnológico, os gastos com a saúde se tornavam altíssimos, como o
próprio Ministro Lalonde referiu-se em seu documento ao definir os problemas de saúde
originários da biologia humana, como aqueles que causavam um alto custo para a manutenção
dos tratamentos das doenças causadas por estes fatores. Os próprios governos começavam a
perceber que não teriam mais condições de sustentá-los e necessitavam de uma resposta urgente
a uma situação que parecia irremediável (BRUBAKER, 1983; PARISH, 1999). Assim, parece-
nos que uma saída para a não responsabilização dos governos seria a cupabilização dos estilos de
vida dos indivíduos.
Outra questão levantada como tendo contribuído para a priorização da abordagem de
estilo de vida foi a transição epidemiológica da priorização das doenças infecciosas para as
crônicas. Desta forma, era necessário buscar além do modelo curativo, outras respostas a estas
novas demandas impostas à saúde pública. Tratava-se, portanto, de adotar um modelo preventivo
ao empregar estratégias para evitar que o indivíduo pudesse desenvolver doenças ao mesmo
tempo em que promovia sua saúde.
Desta forma, o conceito de campo de saúde foi transformado ou reduzido à abordagem de
estilo de vida contrapondo-se a concepção inovadora de Lalonde e negligenciando todas as
outras dimensões identificadas pelo ministro para serem consideradas na análise das condições
de saúde.
Com isso, há um fortalecimento da abordagem de estilo de vida que se torna central nos
programas de saúde, nas décadas de 70 e 80.
Esta abordagem também recebe outras denominações, como: educação em saúde,
educação em saúde tradicional, abordagem comportamental, modelo preventivo, entre outros
(GREEN; RAEBURN, 1988; AIRHIHENBUWA, 1994; MACDONALD, 1996; HARTRICK,
1998). Neste trabalho utilizaremos o termo abordagem de estilo de vida para nos referir às
diferentes denominações acima citadas as quais compreendem o conjunto de modelos que
compartilham concepções de saúde; teorias e modelos explicativos para o comportamento; e,
praticamente as mesmas metodologias.
Esta abordagem, no entanto, começa a ser questionada em 1980, a partir de um processo
marcado, principalmente pelas mudanças no Escritório Regional Europeu da OMS, que
reconhecia que a educação em saúde isolada, como vinha acontecendo através da abordagem de
estilo de vida, não levaria às mudanças radicais na melhoria das condições de saúde e que a
promoção de saúde deveria deixar de ser uma subcategoria do programa de Educação em Saúde
para se tornar central através da criação de um novo programa. Este programa foi proposto aos
95

países membros da OMS e aprovado em 1984 com a denominação de “Promoção de Saúde”


(PARISH, 1999).
Ilona Kickbusch (1986) descreve em seu artigo “Health Promotion: a global
perspective”, o processo de criação deste novo programa, que começou em 1980 quando foi
convidada pelo Escritório Regional Europeu a elaborar a abordagem de educação em saúde para
o período de 1980 a 1984. A proposta então, acabou se tornando a criação de um novo programa
com o objetivo de responder as falhas apresentadas pela abordagem de estilo de vida. O
programa deveria fundamentar-se nas idéias de promoção de saúde, mas de uma forma mais
abrangente que compreendesse uma abordagem menos individualista e mais relacionada às
influências dos outros determinantes de saúde, como os aspectos psicológicos, sociais, políticos e
econômicos. Visto que, a abordagem de estilo de vida vinha sendo considerada como
culpabilizadora da própria vítima por colocar o indivíduo como único responsável por suas
condições de saúde, culpado por adotar comportamentos que colocavam sua vida em risco
(RAEBURN; ROOTMAN, 1989).
Kickbusch (1986) relata que junto com Robert Anderson em 1981 realizaram uma visita
de estudos ao Canadá por ter sido este um país pioneiro na implantação de políticas públicas
relacionadas a promoção de saúde. Assim, poderiam conhecer a experiência deste país e de como
estavam conduzindo a promoção de saúde tanto em termos de programa como de políticas. Este
intercâmbio deu início ao trabalho conjunto entre a OMS e o Canadá na consolidação da nova
perspectiva em promoção de saúde.
Outro momento importante neste processo foi a produção realizada, por vários
consultores da OMS, de um documento com o objetivo de clarificar os significados de promoção
de saúde, denominado de “A Discussion Document on the Concept and Principles of Health
Promotion” (OMS, 1984), também chamado de “documento amarelo”. Este documento marcou
o início do programa de Promoção de Saúde da OMS em 1984, bem como serviu como prévia do
que seria a Carta de Ottawa.
Com este documento dava-se início a mudança de perspectiva na promoção de saúde que
culminou com a divulgação do Relatório Epp em 1986 (EPP, 1986), na realização da I
Conferência Internacional de Promoção de Saúde, em Ottawa, no Canadá e com a redação da
Carta de Ottawa (1986), que se tornou o marco histórico e conceitual da área.
O Relatório Epp foi redigido pelo Ministro de Saúde do Canadá Jake Epp e apresentado
na Conferência de Ottawa, propondo uma nova abordagem em saúde denominada por ele de
Promoção de Saúde. A importância deste relatório foi sobreposta pela dimensão alcançada pela
Carta de Ottawa redigida durante a mesma Conferência, devido as similaridades das propostas e
pelo alcance na sua divulgação, sendo traduzida para mais de 32 idiomas.
96

A Carta trazia uma nova perspectiva ao extrapolar o âmbito individual e enfatizar a


importância do comprometimento social e político na determinação das condições de saúde de
uma comunidade (RAEBURN; ROOTMAN, 1989).
Na Carta, a promoção de saúde é apresentada num item à parte como transcrevemos a
seguir:
“A promoção de saúde consiste em proporcionar aos povos os
meios necessários para melhorar a sua saúde e exercer um maior controle
sobre a mesma.
Para alcançar um estado de adequado bem estar físico, mental e
social, um grupo deve ser capaz de identificar e realizar suas aspirações,
satisfazer suas necessidades e mudar ou adaptar-se ao meio ambiente.
A saúde, então, não vem como um objetivo, mas como a fonte de
riqueza da vida cotidiana. Trata-se de um conceito positivo que acentua
os recursos sociais e pessoais, assim como as aptidões físicas. Portanto,
dado que o conceito de saúde como bem estar transcende a idéia de
formas de vida sadias, a promoção de saúde não concerne,
exclusivamente, ao setor sanitário”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999)

Além disso, a Carta propunha que para se alcançar saúde, era necessário ter algumas
condições básicas garantidas, como: paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema
estável, justiça social e equidade.
Havia uma preocupação em respeitar e atender as diferenças locais em função das
diversidades encontradas no contexto social, econômico e cultural.
Também, foram priorizadas cinco estratégias de ação para promover a saúde: 1) a
elaboração de uma política pública saudável; 2) a criação de ambientes favoráveis; 3) o
fortalecimento da ação comunitária; 4) o desenvolvimento das habilidades pessoais; e, 5) a
reorientação dos serviços de saúde.
Desta forma, concordamos com Robertson e Minkler (1994), quando afirmam que o novo
movimento de promoção de saúde, também denominado de promoção de saúde na comunidade,
representou a emergência de um novo domínio do conhecimento e do discurso. Este movimento
emergiu por desafiar as afirmações de verdades, então vigentes, a centralidade do conhecimento
profissional e das abordagens mais tradicionais de educação em saúde e de promoção de saúde.
A concepção de saúde, denominada de conceito positivo de saúde, trouxe à discussão, as
questões sociais, econômicas e culturais, extrapolando a dimensão biológica. Houve, então, uma
mudança do modelo preventivo da abordagem de estilo de vida para uma orientação para a
saúde.
Segundo Hartrick (1998), o foco da promoção de saúde mudou de determinantes de
saúde, estritamente biológicos e comportamentais, para determinantes de saúde, definidos em
termos psicológicos, sociais, ambientais e políticos. A promoção de saúde extrapolava a
97

perspectiva biomédica e de estilo de vida individual, para propor uma perspectiva social e
coletiva de saúde.
Para Parish (1999) esta foi a grande contribuição da Carta de Ottawa, a mudança de
abordagem do nível individual para o coletivo.
Esta nova perspectiva criou a necessidade de abordagens alternativas à de estilo de vida.
Os indivíduos são priorizados através do conceito de comunidade, e assim, são chamados a
participar em parceria com os governos e profissionais da saúde para identificar suas
necessidades, definir prioridades e elaborar programas que respondam às necessidades da
comunidade. Desta forma, participação comunitária e “empowerment”6 (fortalecimento) se
tornam conceitos centrais nesta nova perspectiva.

Abordagens em promoção de saúde: considerações críticas para construção de


novas práticas
Com base nestes documentos como referenciais para o desenvolvimento da promoção de
saúde, podemos compreender a construção de duas principais perspectivas de intervenção. Uma,
respaldada pela ciência moderna e presente, principalmente, nas décadas de 70 e 80; e, a outra
vertente fundamentada na ciência pós-moderna, que se fortaleceu na década de 90.
Sob os pressupostos da ciência moderna identificamos a presença de duas abordagens: a)
abordagem de estilo de vida; e, b) a abordagem social.
A abordagem de estilo de vida foi fortemente influenciada pelas teorias e modelos
comportamentais e cognitivistas que priorizavam o enfoque individualista e intra-individual
desconsiderando qualquer referência a outros contextos além do individual. Além do que, estes
modelos subsidiaram o projeto de culpabilização dos indivíduos por sua doença ao colocar na
mudança de comportamento o foco central da promoção de saúde. Esta abordagem é ainda hoje,
freqüentemente, utilizada.
Estas teorias e modelos psicológicos ao depositarem no indivíduo a responsabilidade por
sua saúde, contribuem para eximir os governos de suas obrigações em prover os serviços de
saúde bem como fortalecem o processo de privatização dos mesmos.
Ao subsidiar a abordagem de estilo de vida através de suas teorias e modelos a psicologia
pôde se configurar como uma disciplina da área da saúde assim como a medicina, o que lhe
garantiu obter respeitabilidade e prestígio. Neste contexto, na década de 70, desenvolve-se um
novo campo do saber, a psicologia da saúde (MARÍN, 1995; CROSSLEY, 2000; MARKS,
2002).

6
Utilizaremos a palavra fortalecimento para nos referir ao termo “empowerment”.
98

Para Crossley (2000) o emprego destes modelos e métodos tornou-se uma tentativa para a
psicologia criar uma abordagem científica racional para dados comportamentais e psicossociais
que poderiam ser comparados às variáveis biomédicas. Assim, as variáveis psicossociais
tornaram-se as crenças, atitudes, estratégias de enfrentamento; que podiam ser comparadas com
as variáveis biomédicas como a presença, severidade ou progressão das doenças.
Seria então possível através das teorias e modelos comportamentais e cognitivos: a)
predizer os comportamentos relacionados à saúde e doença a partir do referencial destas teorias;
e, b) controlar, gerenciar ou mudar este comportamento através da aplicação destas teorias
(CROSSLEY, 2000).
Assim, “A psicologia se configura como ciência, com o objetivo de descobrir a verdade
sobre comportamentos relacionados à saúde e doença e ajudar os indivíduos a ajustarem-se às
demandas de saúde e doença na sociedade contemporânea.” (CROSSLEY, 2000, p.2).
Desta forma, a psicologia ganhava prestígio não apenas como ciência mas também como
uma ciência na área da saúde que usava a mesma linguagem e procedimentos da investigação
científica predominante.
Entretanto, este respeito foi adquirido à custa de suposições teóricas que têm obstruído as
tentativas de controlar efetivamente as doenças crônicas através da persistência no enfoque
individual para explicar os comportamentos relacionados à saúde. Isto, tem contribuído para
mascarar o papel das iniqüidades econômica, política e simbólica dos padrões de saúde-doença
tanto globalmente como nos contextos particulares de cada localidade (MURRAY;
CAMPBELL, 2003).
Para Prilleltensky (1994), a questão do ajustamento do indivíduo à sociedade é central
tanto para a abordagem comportamental como para a cognitivista. Para o autor, a preocupação de
Skinner com a mudança social representava uma contradição entre a retórica da mudança e uma
filosofia de ajustamento.
As intervenções comportamentais freqüentemente facilitam a manutenção das
inadequadas estruturas sociais por se restringirem ao nível individual e desconsiderarem os
níveis meso e macro-estruturais. Da mesma forma, as teorias e modelos cognitivistas enfatizam a
necessidade de adaptar a mente à sociedade com o objetivo de promover o bem-estar
(PRILLELTENSKY, 1994).
Com a nova perspectiva em promoção de saúde que emergiu em meados
da década de 80, surgia também a necessidade de buscar uma alternativa
à abordagem individual de estilo de vida. Isto porque, a nova perspectiva
trazia à discussão, a necessidade de uma visão mais abrangente em saúde
que deveria ir além da integração de aspectos biológicos, sociais e
psicológicos. Propunha-se a incorporação das dimensões sociais,
econômicas e políticas como determinantes das condições de saúde.
99

A proposta de uma nova abordagem, denominada de social ou de “empowerment” tinha


como objetivo principal a transformação das condições sócio-econômicas a partir do
envolvimento da comunidade, ou seja, das populações mais atingidas pelas relações de poder
desiguais. Sendo assim, a desigualdade social, pobreza, falta de emprego, pouco acesso a bens e
serviços, entre outros aspectos se tornavam os principais determinantes, ou mesmo, únicos
determinantes na produção da saúde e/ou da doença.
A participação da psicologia na abordagem social veio, fundamentalmente da psicologia
comunitária. Uma nova área da psicologia que emergiu nos anos 60 e 70 com a proposta de uma
psicologia que fosse mais sensível às condições sociais, mais comprometida socialmente na
busca de outros contextos de atuação bem como de práticas, além da clínica (MONTERO, 2002).
O objetivo neste momento inicial da psicologia comunitária era
intervir na realidade social com o objetivo de transformá-la. Acreditava-
se que as transformações sociais deveriam ser efetuadas não apenas pelas
instituições governamentais, mas também pelas pessoas diretamente
afetadas por estas condições. O pressuposto básico nesta perspectiva
inicial da psicologia comunitária era o de que toda pessoa deveria ser
considerada como ator e construtor social da sua própria realidade, e não
mero sujeito de investigação, estudo ou programa (MONTERO, 2002).

Neste momento, buscava-se através de conceitos como “empowerment” enfatizar a


importância da voz e participação da população na tomada de decisões. A comunidade deveria
ser capaz de identificar, desenvolver e gerar seus próprios recursos para assegurar sua própria
sobrevivência. Além disso, havia uma reestruturação do relacionamento entre profissional e
cliente, o qual agora se baseava na colaboração baseada nos princípios igualitários e
democráticos (FONDACARO; WEINBERG, 2002).
Entretanto, para Montero (2002) esta chamada para a transformação da
realidade social era tão dualista quanto aquela das teorias psicológicas
tradicionais que priorizavam o indivíduo. A intervenção na realidade a
fim de transformá-la pressupunha a existência de duas entidades:
indivíduo e realidade. A partir da ação individual circunscrita pelo
contexto comunitário era possível buscar a mudança das condições
sociais. O sujeito tornava-se então um mero instrumento, esvaziando-se
na tentativa de um movimento prioritariamente coletivo.

Se, nas abordagens intra-individuais, como a de estilo de vida, o indivíduo é chamado a


tomar consciência de seus comportamentos considerados prejudiciais à sua saúde; na abordagem
social, externa ao indivíduo, este é chamado para tomar consciência de sua realidade e buscar
recursos para transformá-la, intervir nesta realidade. A subjetividade do indivíduo é suprimida
pelo poder da realidade social.
100

Entretanto, o foco parece continuar ainda no indivíduo, mesmo que outras dimensões
tenham sido adicionadas à compreensão dos processos de saúde e doença. É nele que é
depositada, em última instância, a responsabilidade pelas ações necessárias para a mudança.
Nesta abordagem, as relações ainda permanecem unívocas, delimitadas pela relação
sujeito-realidade, como o sujeito tendo condições de transformar a realidade, entretanto, não são
consideradas as influências mútuas do sujeito na construção da realidade e da influência desta na
construção das subjetividades, e como se retroalimentam neste processo relacional.
Para Fondacaro e Weinberg (2002), a questão colocada pelo “empowerment” é que ele é
considerado em termos relacionais mas a partir de relações de poder. Relações estas que se
estruturam em posições dicotômicas. Ou seja, o foco está no grupo de pessoas sem poder em
relação aos profissionais ou serviços que detêm o poder em determinar as prioridades em saúde.
O objetivo é mudar tais relações para que a população tenha o poder de decisão e com isso
modifique suas condições de vida.
A abordagem de “empowerment” pode, então, ser criticada por ainda se manter numa
postura individualista de autonomia, controle e responsabilidade pessoal na medida em que
muitas vezes desconsidera as questões de justiça social e a responsabilidade social no nível
macro (FONDACARO; WEINBERG, 2002). Segundo os autores:
Embora o empowerment tenha certamente sido conceitualizado em
termos tanto individuais e de sistemas, a teoria do empowerment parece
às vezes sugerir que as melhores soluções ou as preferidas para os
problemas humanos são aquelas que são realizadas pelas vítimas da
injustiça e do sofrimento humano no nível local. Desta forma, se entende
que as soluções de cima para baixo para os problemas individuais não são
bem vindas e não podem ser efetivas. Entretanto, as instituições sociais e
as forças do macro sistema também contribuem para a injustiça social e o
sofrimento humano, e então, podem fazer parte dos esforços para mudar
aquelas condições. (FONDACARO; WEINBERG, 2002, p.482)

Deste ponto de vista, essa abordagem é tão reducionista e exclusivista quanto a


abordagem de estilo de vida.
Nas duas abordagens em promoção de saúde, a psicologia subsidiou, através de suas
teorias e modelos explicativos, posições dualistas que se revezaram entre o interno e externo,
mente e corpo, indivíduo e coletivo.
Estas posturas dicotômicas têm sido criticadas dentro da perspectiva de ciência pós-
moderna, principalmente, na década de 90, o que tem levado a busca de novas alternativas de
intervenção na promoção de saúde na comunidade.
Na psicologia, este movimento tem se caracterizado principalmente pelos
questionamentos das teorias e modelos explicativos pautados nos conceitos modernos que
101

permaneceram ao longo do tempo como: verdade, racionalidade, objetividade, conhecimento


individual, evidência e progresso científico (GERGEN, 2001).
Busca-se um diálogo entre diferentes enfoques através da diluição das posições
dicotômicas. Isto porque, parte-se do pressuposto de que estas posições não são estáticas e que
não existem isoladamente, mas a partir das relações interdependentes. Ou seja, o indivíduo e o
coletivo existem porque cada um participa da construção do outro e é influenciado pelo outro.
Os principais elementos que caracterizam a postura crítica adotada neste momento da
psicologia foram relacionados por Iñignez (2003) como sendo: a) antiessencialismo; b)
relativismo: questionamentos das verdades, geralmente aceitas; c) determinação cultural e
historicidade do conhecimento; d) linguagem como condição de possibilidade; f) conhecimento
como produção social; e, g) construção social da realidade.
É neste sentido que focalizaremos nossa discussão nas reflexões críticas que têm sido
realizadas no campo da psicologia da saúde e da psicologia comunitária, por entendermos que
podem contribuir para a busca de alternativas de intervenções na promoção de saúde na
comunidade.
Adotar uma postura crítica, ao contrário do que muitos acreditam e fazem
parecer, não diz respeito a substituição das teorias psicológicas
tradicionais por outras ou, simplesmente a mera negação de suas
descobertas; mas, trata-se de realizar um questionamento dos
pressupostos morais e ideológicos que fundamentam estas teorias. Mais
do que novas teorias e abordagens, os profissionais são chamados a
assumir um posicionamento político e ético através da negação das
posturas a-históricas, a-críticas e aculturais. E, com isto, questionar com
que valores e interesses estamos contribuindo quando utilizamos e
adotamos determinados modelos teóricos-metológicos e suas
conseqüências.

O principal objetivo desta perspectiva é questionar o status quo da psicologia, ou seja:


[...] tornar explícito os valores subjacentes à pesquisa psicológica, os psicólogos críticos
argumentam que a psicologia tradicional alimenta as ideologias individualistas prevalecentes nas
sociedades ocidentais, ativamente prevenindo e exacerbando a falha em alcançar a justiça social,
a autodeterminação e a participação, o cuidado e a compaixão, a saúde e a diversidade humana.
(FOX; PRILLELTENSKY, 1997, p.8, apud CROSSLEY, 2000).
Entretanto, este posicionamento crítico deve ser incorporado pelos profissionais através
de uma prática também reflexiva que envolve “... reconhecer que a situação do conhecimento e
da prática serve para redefinir o modelo técnico do cientista prático, desarticulado e objetivo para
um em que seja ator social engajado e comprometido.” (BOLAM; CHAMBERLAIN, 2003,
p.216).
102

É assim, que para os autores, o que define a postura crítica do psicólogo da saúde não é
seu posicionamento radical, mas sim seu papel de trazer à discussão o contexto político, moral,
ético e sócio-histórico dentro do qual a prática está situada. Isto tem o objetivo de desafiar e
mudar as práticas existentes.
Sob esta perspectiva, a prática reflexiva opera a partir da consciência dos
desequilíbrios de poder que produzem tanto o bem-estar como a doença,
e dentro dos quais os psicólogos da saúde estão implicados e operam.
Bolam e Chamberlain (2003, p.217) sugerem, então, “[...] que apenas
quando isto for considerado seriamente, a prática da psicologia da saúde
começará a fazer o que ajuda a maioria.” .

Para Fox (2003), os psicólogos da saúde precisam posicionar-se politicamente sobre o


que é melhor para a sociedade, em que direção ela deve mudar. Apoiar a condição atual,
tratando, tão somente, as vítimas da realidade em que vivemos ou desafiá-la. Só que para isso,
precisamos rever as abordagens individuais que temos utilizado, pois estas têm inibido as
soluções baseadas na ajuda mútua e na interdependência.
No entanto, nossa tendência tem sido fortalecer a divulgação do lema de
“uma vida sem risco”, como se isto fosse possível. Esta busca compulsiva
por uma sociedade sem risco tem levado ao esvaziamento do sujeito e de
sua subjetividade.

Para Prilleltensky e Prilleltensky (2003) adotar posturas e práticas críticas em psicologia


da saúde é também enfrentar a necessidade de conectar agendas corporativas do mercado
consumista com o sofrimento pessoal. Assim, “[...]como psicólogos críticos da saúde nós temos
que perguntar a nós mesmos se nós queremos apoiar o status quo ao tratar suas vítimas, ou se
nós queremos nos juntar com elas para desafiar o consumismo pernicioso.” (p.205).
Neste sentido, a psicologia crítica da saúde desafia o problema do dualismo e da
concepção fragmentada em saúde ao propor que é necessário desenvolver uma compreensão
mais profunda tanto das dimensões psicológicas das experiências humanas como da dimensão
sócio-cultural destas experiências (CROSSLEY, 2000).
Para Crossley (2000) uma das características centrais da psicologia crítica
da saúde é a necessidade de explorar os diversos significados e valores
inerentes nas experiências humanas de saúde e doença. Para isso, é
necessário compreender os repertórios interpretativos dos indivíduos sem
preocupações com as generalizações destes entendimentos. Para a autora,
são outras as questões que o psicólogo deverá se fazer na relação que
estabelece entre profissional e população, por exemplo: a) por que nós
devemos mudar os comportamentos de risco?; b) quão importante é a
segurança?; e c) quão importante é a saúde? Por que as pessoas estão
adotando determinados comportamentos que são prejudiciais a sua
saúde? Ou seja, é questionar o por quê de querer alcançar uma população
livre de riscos e saudável, para compreender como as pessoas vivem suas
vidas a partir de diferentes objetivos e valores morais. É necessário
resgatar os sentidos das subjetividades no processo saúde-doença.
103

Nesta perspectiva o objetivo central torna-se o desenvolvimento da compreensão, não


necessariamente a tentativa de predizer, gerenciar e controlar, embora a compreensão possa
também ser usada para alcançar tais objetivos. Busca-se identificar e nomear as questões mais do
que fornecer respostas e, encorajar os psicólogos da saúde a questionar o significado e função do
próprio trabalho.
Não se trata, então, de adotarmos referenciais de significados a priori para analisar os
comportamentos através destas posições estáticas. Precisamos adotar modelos mais reflexivos,
processuais e contextuais em que nossa ação deve ser compreendida a partir de repertórios
explicativos construídos por aqueles que compreendem a comunidade (CROSSLEY, 2000).
Isto faz com que o foco das intervenções não seja mais um objeto isolado
de seu contexto, de sua realidade, dos repertórios interpretativos
circunscritos pela cultura e momento sócio-histórico; mas sujeitos
dotados de subjetividade, sentimentos e interpretações que interagem com
o mundo participando de sua construção ao mesmo tempo em que são
transformados por este mundo.

Para Prilleltensky e Prilleltensky (2003) a saúde pode ser promovida, mantida e


restaurada nas esferas micro (relações pessoais, família), meso (escola, trabalho) e macro
(comunidade e sociedade). Todos estes contextos, no entanto, são influenciados pelas relações de
poder estabelecidas que privilegiam o mais forte e discriminam o mais fraco.
Desta forma, para os autores, as relações e a distribuição do poder são fortes
determinantes da saúde e fundamentais para a consolidação de uma psicologia da saúde crítica.
Deve, então, ser um instrumento a ser utilizado no processo de promoção do bem-estar, que
envolve resistir à opressão e lutar por melhores condições de vida. Entretanto, este não deve ser
o único foco para não assumirmos novamente, posições radicais ou dualistas, mas podem ser
compreendidas a partir de outras perspectivas menos totalizantes.
Murray e Campbell (2003) chamam a atenção para a necessidade de colocar o mundo
material no centro das discussões da psicologia da saúde. Através do processo de compreensão
do sofrimento social, a psicologia da saúde deverá prover um meio de aliviar este sofrimento.
Deverá, para isso, estar socialmente comprometida. Para os autores, o desafio dos psicólogos é
explorar como conectar os esforços comunitários para mobilizar a resistência à opressão social.
Desta forma, se por um lado a psicologia crítica da saúde enfatiza a necessidade da
compreensão não apenas dos significados que as pessoas atribuem às suas experiências de saúde
e doença, circunscritas pelos diferentes contextos sociais, econômicos, culturais e políticos; por
outro, chama a atenção para os sistemas macro estruturais e as relações de poder estabelecidas
nestes contextos as quais interferem nas experiências individuais, facilitando o desenvolvimento
da saúde ou prejudicando-a, assim como podem ser redefinidas pelas próprias pessoas.
104

Sujeito e realidade são interdependentes e se influenciam mutuamente, são partes de um


mesmo processo de construção de novas identidades e outras realidades. Porque cada um
constrói o outro enquanto ambos constróem o relacionamento (MONTERO, 2002).
É, portanto, é neste espaço de possibilidades de construções e
reconstruções que as mudanças podem ser pensadas, elaboradas e
concretizadas. Quando assumimos o caráter de construção social das
relações, sejam elas interpessoais ou institucionais, criamos espaços
potenciais para novas configurações da realidade objetiva e/ou subjetiva.

Como Marks (2002) aponta, os programas de promoção de saúde devem ter como
objetivo trabalhar em relação à possibilidade de que todas as pessoas compartilhem chances
iguais de vida, oportunidades e recursos para a saúde. Isto implica em mudança nas relações de
poder e de como ele é distribuído entre as diferentes instâncias na sociedade; das formas como as
pessoas participam na tomada de decisões que afetam diretamente suas vidas; das condições de
injustiça social e da iniqüidade na distribuição de riqueza.
Consideramos então que adotar uma abordagem comunitária na promoção de saúde
possibilita trabalhar as questões acima apontadas de uma forma mais efetiva pois, neste contexto,
o bem-estar individual não é apenas relativo a cada um dos sujeitos mas se constitui a partir e nas
relações sociais eticamente estabelecidas.
No nosso ponto de vista, a comunidade é um espaço privilegiado para que as pessoas
possam expressar, exercitar e vivenciar a diversidade, ao mesmo tempo em que buscam através
de projetos individuais a construção de projetos coletivos baseados em valores eticamente
humanos.
Ao utilizarmos o termo comunidade, estamos delimitando um espaço não
necessariamente físico, mas simbólico em que relações solidárias, de respeito e cooperação
possam ser construídas para alcançar o bem-estar. Entendemos que o processo saúde-doença
envolve significados subjetivos, construídos intersubjetivamente, que são circunscritos a
determinados contextos sócio-históricos. A comunidade, enquanto espaço simbólico, é
fundamental nessas construções.
A idéia de comunidade por mais que tenha sido desgastada pelos valores neoliberais de
autonomia e competição, se fortalece no final dos anos 90 e início do século XXI, como uma
possibilidade de amenização destes valores e conciliação com os valores de cooperação, respeito
e solidariedade.
Na psicologia comunitária, a comunidade sob a perspectiva da ciência moderna era
apenas observada. No entanto, na perspectiva pós-moderna, o psicólogo mais do que observador
é colaborador, o que faz com que as relações entre profissional e comunidade mudem a natureza
da conversação, pois o diálogo é priorizado. Não há uma separação do profissional e população,
105

há uma produção mútua do discurso de uma história que é co-construída bem como
compartilhada a partir de uma abordagem cooperativa e respeitável. Antes, a pergunta na área de
psicologia comunitária era:
O que fazer para as comunidades mudarem para uma melhor direção.
Agora, as questões têm mudado para compreender o desenvolvimento
compartilhado de uma visão comum entre membros da comunidade e
profissionais sobre qualidade de vida, como alcançá-la e como negociar
com as dificuldades da vida diária.” (FUKS, 1998, p.249).

A característica fundamental da psicologia comunitária é a mudança social. Mudança que


é compreendida não apenas por ações de governos ou então por aqueles que ocupam posições de
poder e influência; mas, também como resultado das ações das pessoas no seu cotidiano. Daí a
necessidade de se comprometer com os processos de fortalecimento das comunidades e do
desenvolvimento de seus recursos e potencialidades para assumirem um papel ativo na sociedade
(MONTERO, 1998).
Para Freitas (1998 p.267):
[...] Se os psicólogos se preocupam com a busca e a criação de
procedimentos e acreditam que a população pode e deve contribuir para
aquele processo e assumem um papel participativo, então, se pode falar
de psicologia comunitária [...] Estas são práticas geradas em relação a
compreensão e análise dos efeitos das circunstâncias da vida real (como
condição de habitação, acesso a saúde e serviços de educação, e outros)
sobre as condições psicossociais daqueles que vivem na comunidade.

Prilleltensky (2001) descreve dois objetivos centrais da psicologia comunitária, são eles:
a) a eliminação das condições sociais opressivas que levam aos problemas na vida; e, b) a
promoção do bem-estar. O autor considera que as condições de dominação, exploração e
opressão são responsáveis pelos vários problemas sociais e psicológicos presentes hoje na nossa
sociedade e, que, a eliminação destas condições promoverão cidadãos e comunidades mais
saudáveis.
Entretanto, Prilleltensky (2001) considera que para alcançar estes objetivos, além do
fortalecimento de indivíduos e comunidades e a sensibilização das populações oprimidas; é
necessário promover a justiça social e a ação social. Para isso, coloca que nossa prática deverá
fundamentar-se em determinados valores, compreendidos como princípios que guiam nossas
ações. E, quais deveriam ser estes valores, como escolhê-los e quais critérios adotar?
Prilleltensky (2001) sugere quatro critérios, descritos abaixo:
1) Os valores deverão guiar os processos e os mecanismos que levam a um cenário
ideal: ou seja, os valores escolhidos devem ser compatíveis com nossa visão de uma boa
sociedade e assegurar que há uma compatibilidade entre nossos meios e nossos fins, para que
não haja conflito entre os valores pessoais e coletivos;
106

2) Os valores deverão evitar o dogmatismo e o relativismo. O dogmatismo leva a


coerção de formas únicas de crenças, enquanto o relativismo completo possibilita a imposição de
qualquer conjunto de valores que podem comprometer as questões morais e éticas;
3) Valores deverão ser complementares e não contraditórios: Os valores deverão
funcionar em conformidade, por exemplo, o cuidado deverá complementar a justiça; a
colaboração, a participação democrática; e, a diversidade, a autodeterminação;
4) Os valores deverão promover o bem estar pessoal, coletivo e relacional, pois estes
três tipos de bem-estar são necessários para alcançar as aspirações individuais, o fortalecimento
das estruturas comunitárias e para a facilitação da colaboração interpessoal e comunitária.
Para o autor, ao adotar tais critérios seria possível identificar um conjunto de sete valores
que estariam em conformidade com os critérios estabelecidos: auto determinação, saúde,
crescimento pessoal, justiça social, apoio para capacitar as estruturas comunitárias, respeito pela
diversidade, colaboração e participação democrática.
Desta forma, consideramos que a psicologia, a partir de um posicionamento crítico e de
uma prática reflexiva baseada nas discussões realizadas pela psicologia da saúde e comunitária,
pode contribuir para uma promoção de saúde no contexto comunitário que seja efetiva, que
propicie alcançar as transformações sociais necessárias para que as pessoas e comunidade
compartilhem de condições de vida mais dignas e justas.

Considerações finais

A promoção de saúde, principalmente, após a divulgação da Carta de Ottawa, foi


criticada por representar mais do que uma realidade possível, uma utopia, e como tal, inatingível.
Esta idéia pode ser considerada se nossas ações ainda estiverem pautadas no paradigma
da ciência moderna que busca o avanço e o progresso como meios para se atingir melhores
condições de vida. Como se houvesse uma condição ideal de vida, universal e independente dos
contextos sociais, econômicos, culturais e políticos, a ser alcançada.
Entretanto, se não desejamos continuar esta busca infindável de um mundo que
possivelmente jamais se atingirá, pois não é o mundo em que vivemos, precisamos rever nossas
perspectivas. Para isso, precisamos considerar que, a cada dia, de nossas vidas, estamos
reinventando nosso cotidiano e redefinindo nossos objetivos; adaptando-nos a novas situações,
tentando modificá-las, estabelecendo novas moralidades. Frente a isso, precisamos como
profissionais aprender e construir estratégias para lidar com as incertezas de um cotidiano
dinâmico.
107

As condições que hoje enfrentamos ao constatarmos e refletirmos sobre um mundo que é


menos objetivo e homogêneo do que pensávamos, precisa ser transformada a partir de práticas
mais comprometidas com o bem estar individual e coletivo.
Consideramos que a promoção de saúde na comunidade seja uma, dentre as várias
possibilidades em saúde, para que estas mudanças na retórica tornem-se também, transformações
na prática. Para isso, precisamos assumir posturas menos reducionistas e exclusivistas; e mais,
reflexivas e críticas pautadas em valores éticos e morais que conciliem interesses individuais e
coletivos na busca da justiça social.
Como discutimos anteriormente, é necessário redefinirmos nossas concepções de
comunidade baseadas em modelos hegemônicos, por posturas que envolvam as várias
possibilidades de configurações dos espaços comunitários. Estes espaços podem ser não apenas
os físicos como os simbólicos, e não devem ser restritos às definições dos profissionais.
Comunidades também devem ser construídas compartilhadamente por nós, profissionais, e
população.
Desta forma, de acordo com nossas construções e configurações de comunidade,
poderemos ou não criar as possibilidades do desenvolvimento de efetiva participação
comunitária.
A psicologia tem participado do contexto da promoção de saúde, inicialmente,
subsidiando as intervenções a partir de suas teorias e modelos que privilegiavam as abordagens
individuais descontextualizadas e acríticas.
No entanto, os questionamentos críticos dentro da disciplina, nos últimos trinta anos têm
possibilitado não apenas novas compreensões das realidades, como também têm impulsionado os
profissionais a assumirem suas responsabilidades sociais e as explicitações dos valores morais e
éticos que têm subsidiado suas ações para a promoção do bem-estar ou em detrimento deste.
Consideramos, então, que as reflexões realizadas no campo da psicologia da saúde e da
comunidade podem contribuir para a compreensão dos processos de saúde e doença, de como
são experienciados e enfrentados no cotidiano individual e coletivo a partir da contextualização
das dimensões sócio-históricas, econômicas, culturais e políticas.
A questão a ser levantada está centrada na necessidade de análise e compreensão dos
valores ideológicos subjacentes às nossas práticas e em que direção eles nos levam. Em direção à
emancipação individual e coletiva, na busca das modificações das condições de injustiça social e
de suas profundas implicações nas experiências de saúde e doença; ou se, para a reiteração destas
condições.
108

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110

ESTAR GESTANDO E ESTAR NASCENDO:


O TRABALHO COM MULHERES GESTANTES QUE NASCEM COM SEUS
FILHOS

Anamélia Lins e Silva Franco


Paloma Silva Silveira
Laís Oliveira Rodrigues

Este texto consiste em um relato reflexivo a respeito da implantação de práticas da


psicologia em uma maternidade pública, espaço de formação de profissionais da área de saúde,
tanto de nível médio quanto no nível universitário. Estas atividades são desenvolvidas por um
programa de estágio específico de alunos de psicologia7. Ao longo do estágio estes convivem
principalmente com alunos de medicina e fisioterapia e com todo o corpo clínico da unidade.
Ao convidar o curso de psicologia os profissionais da maternidade imaginavam a atuação
dos estagiários orientados por um modelo clínico-individual. As atividades seriam desenvolvidas
respondendo a demandas dos profissionais ao reconhecerem motivos para atendimento
psicológico principalmente ao confrontar-se com dificuldades para realização das rotinas ou a
partir das queixas das mulheres. Esta concepção de trabalho garantiria a psicologia uma
atividade clínica vinculadas a uma maternidade o que poderia resultar em atenção ambulatorial
ou hospitalar.
Entretanto, ao analisar o contexto em que se insere esta prática pode-se afirmar que em
uma capital brasileira com uma população de aproximadamente 3.5 milhões de habitantes, na
qual nasceram 40344 crianças em 2002, 69,3% das mulheres encontra-se em idade fértil em
2005 e a taxa de crescimento estimada para 1996-2000 era 2,5% (Brasil, 2005).
Para responder a esta demanda a cidade e o estado da Bahia vive explícita carência de
serviços de saúde, entre estes principalmente, leitos de obstetrícia e neonatologia fazendo com
que ocorram tentativas por uma vaga no momento do nascimento de uma criança.
Além do limite de vagas hospitalares sabe-se que o protocolo de saúde proposto pelo
sistema público nacional recomenda a mulher-gestante a realização de pelo menos seis consultas
durante o período pré-natal e a realização de pelo menos 25 exames entre laboratoriais e de
imagem (Brasil, 2000). Na realidade de Salvador para realização destes faz-se necessário o
deslocamento a vários locais da cidade, sem agendamento prévio e sem garantia do atendimento

7
Atividades do estágio em psicologia da saúde da Faculdade Ruy Barbosa na Maternidade Climério de
Oliveira/UFBA.
111

devido ao limite de procedimentos por dia. Toda esta situação tem favorecido uma reflexão sobre
qual o papel e a pertinência da psicologia neste cenário.
Considera-se que reconhecer as necessidades e solicitar os serviços da psicologia como se
propunha inicialmente consiste numa prática paternalista ou pelo menos curativa e não-
promocional. Entende-se paternalista com bases na proposição de Emanuel e Emanuel sobre a
relação médico-paciente, como também, a partir da proposta de Ana Aron (2001) tratando da
violência familiar. Emanuel e Emanuel (1992) propõem quatro tipos ideais para a relação
médico-paciente. O primeiro observa-se quando o conhecimento da realidade e seu controle são
mantidos exclusivamente pelo profissional. Assim, todas as decisões são tomadas pelo
profissional sem consultar o usuário considerando que estas são as melhores alternativas para a
situação e o futuro do paciente. Um segundo modelo foi nomeado de informativo, quando ocorre
o contrário da situação anterior: Todas as informações são prestadas e cabe ao usuário e sua
família decidir como encaminhar a situação. Este modelo é freqüentemente referido como anglo-
saxão e produto dos processos e pressões legais sobre os profissionais. O modelo interpretativo
considera o profissional competente para interpretar os desejos dos usuários e assim encaminhar
os procedimentos. Por último, o modelo negociador, aparentemente reúne características dos
dois anteriores: o profissional presta informações e tenta identificar e adequar as possibilidades
às vontades dos usuários.
Usa-se dos modelos de relação focalizando a relação médico-paciente porque esta tem
sido a mais estudada entre todas as relações entre profissionais de saúde e usuários, devido à
posição deste profissional nos processos de tomada de decisão na rotina clínico-hospitalar,
entretanto, pode-se observar que em diferentes perspectivas todos os profissionais de saúde, ao
constituírem relações com os usuários o fazem de diversos modos e estes podem ser
classificados entre os quatro modelos citados.
Tendo como referência a realidade da violência intrafamiliar Ana Aron, psicóloga
chilena, afirma que a cultura patriarcal impôs um modelo de relações baseado no controle dos
mais fortes sobre os mais fracos. Para esta autora este contexto social tem permitido a violência
em suas várias formas e em diversos sistemas da comunidade entre eles no sistema de saúde.
Esta realidade é a imagem de um sistema abusivo no qual quem está na condição de poder
hierarquicamente usa desta posição obrigando o inferior, que se encontra numa posição de
dependência agir de forma que não faria por sua própria vontade, se tivesse outra opção. Este
sistema é completado por aqueles considerados “terceiros” que conhecem a realidade e não se
posicionam explicitamente a favor da mudança (ARON, 2001).
A imagem meiga que se tem da maternidade e se estende à instituição na qual as
mulheres “dão à luz”, esta é uma imagem influenciada por uma compreensão idealizada e
112

naturalizada do processo de procriação, dos cuidados que se dispensam a saúde sexual e


reprodutiva das mulheres, mas o que se vê freqüentemente é um itinerário de histórias de
violência, exercícios do patriarcalismo. Este constituiria o que Aron conceitua como um sistema
abusivo.
O abuso se dá tanto quando se divulga e incentiva pelos meios de comunicação a oferta
de práticas preventivas em saúde, entre elas o pré-natal, como também quando se usa de
subordinação como justificativa na coerência/pertinência biomédica.
O sistema abusivo reconhecido na maternidade tem como vítima a mulher grávida ou
aquela que recorre aos serviços da maternidade tendo realizado um aborto. A mulher e seus
familiares são obrigados a realizar atos que não fariam se pudessem optar. Um exemplo estaria
relacionado “disciplinação dos corpos”: sem explicação, justificativa e em tom mandatório.
Assim se afirma: “permaneça deitada”; “não chore”; “contração não é dor, é um processo
fisiológico do trabalho de parto”. Estas afirmações são tão automáticas que não distingue a quem
estão sendo dirigidas, são motivo de supreendimento quando são questionadas.
O papel da psicologia tem sido romper as rotinas defendidas como pertinentes. Entretanto
a psicologia tanto se coloca como porta-voz quanto busca favorecer condições para que as
mulheres e as famílias façam análises da realidade e elaborem questões que favoreçam esta
análise. Por exemplo: “Até agora, tenho três dias aqui, e eu não sei o que estão fazendo ou farão
comigo”; “Um monte de gente me examina, mas eu não sei quem é meu médico”; Por que até
ontem meu filho estava bem e hoje ele precisa tomar sangue?”; “por que eu preciso vestir estas
roupas que são pequenas para mim”.
A situação de precariedade do serviço de saúde, a omissão do estado, especialmente
tratando-se da assistência perinatal, facilmente observável na falta de vagas, o que favorece que
mulheres e famílias sintam-se privilegiadas e até agradecidas simplesmente por terem tido acesso
ao serviço. Quando este atendimento consiste em um direito. Nesta circunstância não se
questiona a qualidade da assistência.
Sendo assim, no primeiro momento esperava-se da psicologia um trabalho clínico, em
seguida um trabalho disciplinador. O cotidiano na unidade e os encontros com as mulheres e as
famílias favoreceram a estruturação de uma série de práticas que em acordo com a direção da
unidade e os grupos profissionais estruturaram-se enquanto programas. Tal característica garante
independência às solicitações e maior aproximação dos usuários da unidade.
O trabalho tem como elemento mais importante, mais privilegiado, a mulher, a mulher
mãe e a família e não a teoria, ou o serviço de saúde. Têm-se um conhecimento genérico das
caraterísticas das usuárias da maternidade ao mesmo tempo em que se trabalha para conhecer a
pessoa que está vivendo aquele momento, o processo gravídico-puerperal. Neste intercruzamento
113

aproxima-se o ser social e o ser individual contextualizado e singularizado em cada história


reconstruída.
Ao se aproximar da mulher o interesse é sua vivência daquela realidade, como se
constitui cotidiano estando na maternidade. A postura é equilibrada pelo diálogo. Diálogo que
tem a preocupação de reconhecer e não reafirmar o paternalismo, as relações arbitrárias,
reafirmadoras da hierarquia. Deste modo, as perguntas são pontos importantes das práticas:
Como tem sido este período? Como tem sido estar internada? Quais têm sido as rotinas
desenvolvidas? O que foi feito e o que está sendo planejado? Existe alguma dúvida? Você tem
perguntado suas questões aos médicos, enfermeiras, assistentes sociais? Dependendo das
respostas surgem novas perguntas: Tenta-se garantir às mulheres e às famílias a análise da
realidade o questionamento sobre a situação. Depois de inúmeras perguntas, algumas
respondidas em conjunto pela soma dos saberes entre a equipe de psicologia, as mulheres e as
famílias programam ações que consistem no contato pela própria paciente, por esta com sua
família ou em conjunto com outros membros da equipe profissional.
Considera-se que estas perguntas devem favorecer a problematização da realidade, o
fortalecimento da condição de sujeitos, inclusive sujeitos de direitos. Sujeitos que tem história,
experiência, opinião, vontade, interesse, capacidade crítica.
Esta compreensão indicou o aprofundamento do conceito e dos caminhos para a
realização dos diálogos, das problematizações. E Paulo Freire contribui para esta construção:
E o que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e
gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança,
Por isso só o diálogo comunica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor,
com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se então uma
relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação (Freire, 2000, p. 115).
Complementando a reflexão proposta identifica-se na discussão proposta por Guareschi
(1996) uma outra chave. Esta relação caracterizada pelo diálogo combate as relações patriarcais,
hierárquicas como inicialmente se discutiu. Guareschi identifica adjetivos comuns aos propostos
mas não chama relações patriarcais e sim propõe relações de dominação profissional.
Deste modo, ajudados por uma citação de Ortega apresentada por Paulo Freire (2002) a
maternidade é um processo facilmente nomeado de biológico, mas este não se encerra aí devido
as dimensões humanas e culturais. Assim propõe Ortega: “o processo em que a vida como
biologia passa a ser vida como biografia” (p. 10). Este seria o desafio do trabalho combatendo a
naturalização favorecida por relações patriarcais, de dominicação profissional facilitar a
explicitação da biografia que se constrói com a experiência da gravidez, do aborto, da
amamentação, da vinculação familiar.
114

Orientados por estes “fundamentos” foram elaborados e desenvolvidas atividades em


vários momentos do ciclo gravídico-puerperal e em vários contextos. Estas atividades nem
sempre estão em desenvolvimento conjuntamente por depender da dinâmica do estágio
curricular. A seguir serão descritas estas atividades.
• Realização de grupos de sala de espera
Ambulatório do pré-natal:
Os grupos de sala de espera, segundo Maldonado (1989), são uma variante do grupo
aberto, onde as dinâmicas são realizadas durante a espera pela consulta, sendo constituídos por
uma só sessão. As dinâmicas têm como base o questionamento da condição de si, da família, da
instituição de saúde, utiliza conceitos da psicologia cognitivo-comportamental para tratar da
ansiedade, do estresse, da rede de apoio social e são fundamentadas na reflexão de sentimentos,
na orientação antecipatória e no reasseguramento. Em se tratando de grupos com detém uma
dimensão educativa, torna-se importante, quando possível, a participação de profissionais de
outras áreas como, por exemplo, fisioterapeutas, nutricionistas, obstretas, dentre outros. Desta
forma, além dos demais objetivos citados anteriormente, pode-se destacar a promoção da adesão
ao pré-natal.
Ambulatório para gestantes com diagnóstico de abortamento de repetição:
Este ambulatório atende famílias que já vivenciaram mais de três gestações e estas não
chegaram “a termo” com sucesso. Estas famílias relatam muito sofrimento diante das esperanças
de ter filhos. Esta situação impôs a criação de um espaço diferenciado. Deste modo, ocorre um
grupo no momento da espera do atendimento, quando estas mulheres principalmente, relatam
suas histórias como como também fortalecem suas relações enquanto potenciais redes de apoio.
Além destes grupos são realizados contatos individuais para aprofundar o conhecimento da
realidade da mulher e da família e ampliar o cuidado.
Enfermaria de gestantes em condição de alto-risco:
• Acompanhamento psicológico
Através do acompanhamento psicológico são abordadas questões emocionais;
fornecimento de informações; intermediação da relação paciente-equipe de saúde de modo a
incentivar a busca de informações e certificação da compreensão; compreensão das estratégias
de enfrentamento; fortalecimento da rede de apoio social; e, análise e orientações sobre o manejo
de estresse e ansiedade.
• Realização de grupos temáticos
Os grupos temáticos para gestantes com diagnósticos que configuram alto-risco têm
como objetivos favorecer a troca de experiências e o troca e discussão de informações pelas
gestantes. Além de ser um recurso para a redução do estresse e da ansiedade, os grupos temáticos
115

podem promover a adesão ao tratamento, fortalecimento do vínculo familiar, reflexões sobre as


condições de vida e de trabalho no presente e no futuro.
Acompanhamento do trabalho de parto
• A partir da observação das rotinas ocorridas ao longo do trabalho de parto em que
as mulheres permanecem por várias horas sozinhas, ao lado de outras gestantes desconhecidas,
em ambientes desconhecidos e humanamente restritos, sem espaço para o diálogo e a partilha da
vivência do trabalho de parto se construiu uma rotina em que se retomava com a mulher a
história da gravidez, se buscava seu conhecimento sobre o processo do trabalho de parto e assim
se antecipava os momentos, se incentivava e acompanhava as respirações consideradas
favoráveis ao combate da dor decorrente das contrações.
Enfermarias de puérperas fisiológicas:
• São solicitados atendimentos psicológicos para puerpéras com dificuldades
adaptativas ou com suspeita de alterações psíquicas. A partir destes pedidos são conhecidas as
situações e as histórias das mulheres e das famílias envolvidas, são analisadas as situações
pessoais, institucionais e são discutidas conjuntamente com outros profissionais alternativas para
o encaminhamento das situações. Freqüentemente o que inicialmente é visto como um
comportamento patológico se desconfigura com o conhecimento da realidade psicossocial, como
também a partir da constituição de uma relação dialógica em que não se representa ou fortalece a
posição institucional/profissional e se dá legitimidade a puerpéra.
• Orientação para puérperas e familiares sobre o desenvolvimento infantil e
capacidades do recém-nascido – a Ronda.
A chamada “Ronda” consiste em uma atividade educativa na qual as mães e familiares
compartilham conhecimentos e recebem informações sobre as habilidades do seu bebê, os
principais reflexos, além das capacidades perceptuais, motoras, sociais, e de aprendizagem e
habituação. Tais atividades foram planejadas em virtude de vários momentos em que foram
identificados sofrimentos, comportamentos “desadaptados” e reclamações que eram superadas a
partir da revisão das informações, conhecimentos e crenças. .Buscando evitar tais situações a
Ronda foi proposta como uma atividade preventiva.
Berçário:
• Acompanhamento psicológico
Através do acompanhamento psicológico de mães e familiares de bebês internados no
berçário no qual se dão em encontros informais no leito ou no próprio berçário poderão ser
realizados: fortalecimento do vínculo mãe-bebê e família-bebê; exploração e partilha da
experiência emocional; prestação de informações; intermediação da relação paciente-equipe de
saúde de modo a incentivar o intercâmbio de informações e certificação da compreensão;
116

observação das estratégias de enfrentamento; fortalecimento da rede de apoio social; e,


orientações sobre o manejo de estresse e ansiedade.
• Realização de grupos temáticos
Os grupos temáticos para mães e familiares de bebês internados no berçário visam,
através da troca de experiências e fornecimento de informações, o fortalecimento do vínculo com
o bebê e a redução do estresse e da ansiedade, dos desafios ocasionados pelo internamento
prolongado. Os temas abordados estão relacionados com as capacidades iniciais do recém-
nascido, desenvolvimento infantil, o exercício da maternidade/paternidade e planejamento
familiar. Além disso, podem ser realizadas oficinas para confecção de objetos significativos para
a estimulação do desenvolvimento infantil a partir da criatividade das mães.
• Procedimento de luto
O procedimento de luto consiste em acompanhar o médico no momento da notícia do
óbito do recém-nascido; oferecer ajuda e acolhimento, através da escuta, do silêncio, da
proximidade física e de gestos, focalizando a situação real da perda; possibilitar que os familiares
vejam o corpo do recém-nascido, para facilitar o luto e o reconhecimento da perda; firmar rede
de apoio, propiciando que os familiares estejam juntos de modo que possam compartilhar
sentimentos; favorecer a tomada de decisões; identificar crenças vinculadas à situação da morte;
reestruturar planos, com o objetivo de favorecer o ajustamento da família ao ambiente sem o
recém-nascido, bem como a reorganização emocional e o prosseguimento da vida. Todos estes
procedimentos buscam singularizar a vivência familiar e evitar a vivência do luto de um filho
como uma série de ações vazias de história e significado. Em alguns casos, o atendimento à
família se estende com visitas domiciliares após a alta da genitora, a fim de garantir a
manutenção de um luto saudável.
Enfermaria mãe-canguru:
• Acompanhamento psicológico
Através do acompanhamento psicológico de mães e familiares participantes do programa
mãe-canguru poderão ser realizados: fortalecimento do vínculo mãe-bebê e família-bebê;
fornecimento de suporte emocional; compartilhamento de informações; intermediação da relação
paciente-equipe de saúde de modo a incentivar a busca de informações e certificação da
compreensão; verificação de estratégias de enfrentamento; fortalecimento da rede de apoio
social; e, orientações sobre o manejo de estresse e ansiedade.

Considerações finais
Como tratado no início do texto este se trata de um ensaio reflexivo e inacabado de um
processo de implantação de práticas da psicologia no contexto de uma maternidade. Estas
117

práticas têm a preocupação de abrir um diálogo com as gestantes, puérperas e suas famílias em
busca de desnaturalizar e assim singularizar e contextualizar este processo.
Sabe-se que a gestação é um período que em condições de saúde as mulheres vivenciam
um período de muitas mudanças fisiológicas, anatômicas, pessoais e sociais. O limite entre uma
gravidez saudável/fisiológica e uma gravidez em condições de risco é muito tênue e decorre de
uma complexidade de fatores. Considera-se que se a mulher e a família têm lugar, são sujeitos,
vivenciam relações com os profissionais de saúde as gestações mesmo em condições patológicas
são períodos de desenvolvimento pessoal, de construção ou consolidação de novos papéis e
assim do nascimento junto com os filhos. A psicologia pode tomar várias posições neste percurso
e estas posições estão relacionadas com as adesões teóricas-técnicas-éticas dos psicólogos.

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118

A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO PROMOTOR DE SAÚDE

Cecília de Mello e Souza

Partindo dos mesmos modelos teóricos das ciências sociais, o campo da promoção da
saúde se aproxima da psicologia social comunitária em seus conceitos, práticas e propostas. Com
uma vasta produção e acúmulo de experiências desde a primeira conferencia em Ottawa em
1986, a promoção da saúde conta com profissionais e pesquisadores trabalhando de forma
interdisciplinar inicialmente na Europa e América do Norte e mais recentemente também na
América do Sul.
Baseado em paradigma especifico e a valorização da participação comunitária, equidade,
cidadania, desenvolvimento e parcerias, a promoção da saúde se refere a um processo de
capacitação de pessoas e comunidades para o controle e melhoria de sua saúde e seus
determinantes. Saúde é compreendida com um estado de bem-estar físico, social e mental, um
conceito positivo, um recurso para o cotidiano. (Carta de Ottawa, OMS, 1986). Trata-se de uma
re-orientação da ênfase no indivíduo, nas doenças e fatores de risco para a natureza do sistema
enquanto fenômeno complexo. (Bateson, 1972; Tannahill, 1990; Baric, 1993 in Whitehall).
Assim, a saúde é um reflexo da situação social, econômica, política e ambiental de pessoas e
comunidades e a prioridade é melhorar a saúde dos menos saudáveis. Trabalha-se, portanto, com
os determinantes da doença.
A promoção da saúde trabalha com conceito de saúde como determinante da qualidade de
vida e como direito humano fundamental. Trata-se de uma função essencial da saúde pública.
Propõe estratégias em diversos níveis, tais como políticas públicas e ambientes saudáveis
(Estado), reorientação do sistema de saúde (sistema de saúde), fortalecimento do
desenvolvimento comunitário (comunidade), desenvolvimento humano (individuo). Na
promoção da saúde, a responsabilidade é compartilhada entre indivíduos, comunidades,
profissionais de saúde, instituições de saúde e o governo. Este conceito de saúde implica que
todos os sistemas e estruturas que criam as condições sociais, econômicas e ambientais devem
considerar e se responsabilizar pelo impacto de suas ações na saúde individual e coletiva. (Carta
de Adelaide de 1988). Precisamos conhecer e reconhecer a complexidade dos sistemas em
interação e a variedade de atores promovendo o bem-estar e participando do ciclo de
adoecimento (Duhl).
A gestão participativa e o incremento do poder das comunidades são centrais nesta
abordagem. O desenvolvimento comunitário parte dos seus recursos humanos e materiais para
119

incentivar a mobilização social e participação popular na saúde. A educação em saúde e acesso a


recursos matérias é vital neste processo.
Este capítulo apresenta uma breve introdução à promoção da saúde no contexto
brasileiro, com o intuito de apontar sua contribuição para a psicologia social comunitária no
Brasil. A promoção da saúde apresenta uma proposta que exige uma reformulação do pensar e
fazer psicologia no Brasil. Após levantar alguns pontos de tensão entre as duas abordagens e o
potencial desta nova proposta, discute-s e a questão da formação do psicólogo, sugerindo o
modelo inovador da aprendizagem por problemas (problem based learning, PBL).
Sigerist (1946, In Buss) foi um dos primeiros usar o termo promoção da saúde como uma
das quatro tarefas principais da medicina junto com a prevenção das doenças, a recuperação dos
enfermos e a reabilitação. Para ele, promove-se saúde através de condições de vida e trabalho
decentes, educação, cultura, e lazer e descanso. O campo atual foi consolidado a partir da Carta
de Ottawa, elaborada a partir da 1a Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (OMS,
Ottawa, 1986). Esta e as cinco conferências que seguiram desenvolveram as bases conceituais,
práticas e políticas da promoção da Saúde (Adelaide, OMS, 1988; Sundsvall, OMS, 1991;
Jacarta, OMS, 1997; México, OMS, 2000; e Bangkok, OMS, 2005).
Ao longo destas das décadas, vários programa e projetos da Organização Mundial de
Saúde foram implementados procurando traduzir conceitos e estratégias em práticas, tais como
os projetos de Cidades, Vilas e Municípios Saudáveis e Ilhas Saudáveis, Mercados Saudáveis,
Ambientes de Trabalho Saudáveis, as redes de Colégios Saudáveis e Hospitais Saudáveis como
também os planos de ação sobre álcool e tabaco, envelhecimento saudável e vida ativa.
A primeira iniciativa de uma cidade saudável foi Toronto, depois expandindo para a
Europa com o apoio da OMS e transformando-se em movimento internacional. A ação
intersetorial e a participação social são estratégias fundamentais destas iniciativas. A partir dos
anos noventa, a América Latina conta com o apoio da OPAS/OMS para suas iniciativas
formando redes de municípios em vários países (México, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Chile
entre outros). No Brasil, contamos com iniciativas em São Paulo, Campinas, Santos, Jundiaí,
Sobral, Crateús, Anadia, Maceió, Chopinzinho, entre outras. O movimento se fortalece a partir
do I Fórum Brasileiro de Municípios Saudáveis em 1998, sob iniciativa da cidade de Sobral, em
parceria com CONASEMS, Ministério da Saúde e OPAS/OMS, além de várias instituições
acadêmicas. A Rede Brasileira de Municípios Saudáveis foi formada durante o XV Congresso do
CONASEMS em 1999, com a participação de cerca de 40 secretarias municipais de saúde.
A Conferência Internacional de Promoção da Saúde (OPAS, 1992) contou com a
participação de 21 países e contextualizou a promoção da saúde na América Latina, com enfoque
nas estratégias e compromissos da região. A Declaração de Bogotá lançou a promoção da saúde
120

na América, reconhecendo a relação mútua entre saúde e desenvolvimento. O desafio da


promoção da saúde na América Latina é a iniqüidade que aumenta com a crise econômica e
pol´ticas de ajuste macroeconômico que deteriora as condições de vida, de saúde e diminui os
recursos para enfrentar estes problemas. Conciliar os interesses econômicos e os propósitos
sociais de bem-estar para todos, promover a solidariedade e a eqüidade social são fundamentais
para a promoção da saúde e o desenvolvimento. (OPAS, 1992). Mais recentemente, a III
Conferência Latino Americana de Promoção da Saúde e Educação para a Saúde foi realizada em
São Paulo em 2002. Promovida pela IUHPE, FSPUSP, OPAS e MS, contou com participantes de
18 países e teve como tema "Visão Crítica da Promoção da Saúde e Educação para Saúde:
Situação Atual e Perspectivas".
Na VI Conferência Internacional de Promoção da Saúde (OMS, Bangkok, 2005),
ressaltaram-se as mudanças no contexto global da promoção da Saúde desde a Carta de Ottawa.
A Carta de Bangkok aponta para iniqüidades crescentes entre paises e em cada pais, novos
modalidades de consumo e comunicação, urbanização e mudanças ambientais globais como
fatores críticos atuais que afetam a saúde. Mudanças sociais, econômicas e demográficas rápidas
também tem sido fundamentais para as condições de trabalho, padrões de famílias, para
coerência de políticas, investimento, e parcerias entre governos, agências internacionais, a
sociedade civil e o setor privado para quatro compromissos: inserir a promoção da saúde como
central na agenda global de desenvolvimento; como responsabilidade de todo governo como
enfoque chave de comunidades e da sociedade civil e como requisito de boa prática corporativa.
Tecnologia de informação e comunicação e melhores mecanismos para a gestão global a o
intercâmbio criam novas oportunidades para a cooperação para melhorar a saúde e diminuir os
riscos globais.
Nestas duas décadas desde a primeira conferência em Ottawa, o conceito de promoção da
saúde entrou para a saúde publica e seu reconhecimento institucional é evidente nos nomes de
programas e institutos. Uma das principais questões hoje é até que ponto as práticas da promoção
da saúde se sustentam perante exigências de rigor científico e resultados explícitos a partir de
avaliações. A preocupação atual no campo é com evidencias, melhores práticas, e investimento
(Mc Queen). Assim, o Relatório Health Promotion Evaluation: Recommendations to
Policymakers (1998) foi publicado pelo Escritório Regional para a Europa da Organização
Mundial da Saúde (OMS). Como o processo de capacitar pessoas e grupos para aumentar o seu
controle para melhorar a sua saúde depende de ações que sejam empowering, participativas,
holísticas, intersetoriais, equânimes, sustentáveis e multi-estratégicas, precisamos de estratégias
avaliativas apropriadas e distintas das tradicionalmente usadas em saúde pública (com enfoque
no biológico, na redução de riscos e doenças).
121

Deste modo, o grupo de trabalho, que elaborou o citado Relatório, estabeleceu quatro
aspectos imprescindíveis em uma avaliação. Primeiro, a avaliação deve incluir, de forma
adequada, em cada estágio todos aqueles que têm interesse legítimo na iniciativa que está sendo
avaliada. Segundo, múltiplos métodos devem ser usados, de forma interdisciplinar, através de
diversos procedimentos que procuram avaliar tanto o processo quanto os resultados. Em terceiro
lugar, a avaliação deve aprimorar a capacidade de indivíduos, organizações e governos trabalhar
com a promoção da saúde. Assim, a avaliação participativa não é apenas um exercício científico
com fins em replicar as experiências bem sucedidas e descartar as mal sucedidas, mas também
também a análise crítica de porque uma intervenção foi efetiva ou não em um contexto
específico (Ackerman). Finalmente, a avaliação deve se adequar a natureza da intervenção e seu
impacto em longo prazo (OMS, 1998).

A Promoção da Saúde no Brasil


O Brasil encontra em sua principal política de saúde, o SUS, um contexto favorável para
a promoção da saúde, pelo menos em termos do seu histórico e dos princípios subjacentes.
Visando a promoção, proteção e recuperação da saúde, o SUS trabalha com o conceito ampliado
de saúde. Assim, o SUS reconhece a necessidade do trabalho intersetorial e da participação
social para a construção de políticas públicas que criem condições de vida saudáveis para todos.
Isto requer o enfoque nos determinantes do processo de adoecimento tais como violência, fome,
desemprego, subemprego, falta de saneamento básico, habitação inadequada ou ausente,
dificuldades de acesso e permanência na escola, problemas de urbanização, poluição
compreendendo que para tal é fundamental ampliar a autonomia e a co-responsabilidade de
sujeitos e coletividades no cuidado integral à saúde e minimizar e/ou extinguir as desigualdades
de todas quaisquer ordens (étnicas, raciais, sociais, regionais, de gênero, de orientação/opção
sexual dentre outras) (MS, 2005).
Nesta perspectiva ampliada de saúde, do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, do
SUS e da Promoção da Saúde, os modos de viver e qualidade de vida não se restringem as
decisões e opções por estilo de vida de indivíduos. Tais opções são percebidas como construídas
de forma coletiva a partir do contexto sócio-econômico, político, cultural e afetivo (Campos et
al.; 2004 IN PN - MS). Assim o Programa Nacional de Promoção da Saúde propõe a ampliação
do escopo de atuação em saúde para as condições de vida determinantes da saúde de modo a
promover a ampliação de escolhas saudáveis.
Desde 1998, o Ministério da Saúde vem trabalhando com novos modos de produção da
saúde, procurando investir em abordagens mais humanizadas, intersetoriais, descentralizadas,
integrais, democráticas e participativas. Procurando fortalecer o componente da promoção da
122

saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde investiu na formação dos
trabalhadores e gestores da saúde no paradigma da promoção da saúde entre 1998 e 2002 dentre
outras ações culminando numa versão preliminar para uma política de promoção da saúde no
SUS. Tais ações se ampliaram a partir de 2003, fomentando o processo para a construção e a
implementação da Política Nacional de Promoção da Saúde no Brasil.
Como resultado, a coordenação da Política Nacional de Promoção da Saúde se transferiu
da Secretaria Executiva para a Secretaria de Vigilância em Saúde, situando-se atualmente na
Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (CGDANT) no Departamento de
Análise de Situação em Saúde (DASIS). O desafio que se coloca é de traçar uma política
transversal, integrada e intersetorial, que faça dialogar as diversas áreas do setor sanitário, os
outros setores do Governo, os setores privado e não governamental e a sociedade, compondo
redes de compromisso e co-responsabilidade quanto à qualidade de vida da população em que
todos sejam partícipes no cuidado com a vida (Ministério da Saúde, 2005). A lógica de tal ação
supõe implementar uma nova institucionalidade social (CEPAL, 1998 in Buss) que dificilmente
se atinge dentro desta estrutura atual do governo.
A coordenação da Política Nacional de Promoção da Saúde tem por objetivo construir
projetos e diretrizes mais claros para Estados e Municípios quanto ao componente da promoção,
integrando as várias direções e iniciativas dispersas no SUS. Propõe-se a criação do Comitê
Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde constituído pelas áreas técnicas que possuem
seus objetos de trabalho e atividades em interface com as estratégias de promoção da saúde no
Brasil. Este Comitê, a partir de uma agenda de trabalho integrada, contribuirá para a efetividade
e a qualificação da atenção integral à saúde da população.
A AGENDA NACIONAL DA PROMOÇÃO DA SAÚDE (2005-2007) tem como
objetivos: (1) estimular e contribuir na elaboração de políticas, estratégias e ações integradas e
intersetoriais que ampliem o acesso aos modos de viver mais favoráveis à saúde e à qualidade de
vida e fortaleçam as ações de prevenção e controle de doenças e agravos não transmissíveis
(DANT) e transmissíveis; (2) definir mecanismos e instrumentos para o monitoramento,
acompanhamento e avaliação das estratégias de promoção da saúde e a vigilância da DANT no
Brasil; (3) fomentar e desenvolver estudos e pesquisas para a produção de conhecimentos,
evidências e práticas no campo da promoção da saúde e doenças e agravos não transmissíveis
(DANT); (4) sensibilizar e qualificar gestores, trabalhadores e usuários de saúde quanto à
promoção da saúde, vigilância e prevenção de DANT; (5) favorecer a preservação do meio
ambiente e a promoção de entornos e ambientes mais seguros e saudáveis e; (6) superar a
fragmentação das ações e aumentar a efetividade e eficiência das políticas específicas do setor
123

sanitário mediante o fortalecimento da promoção da saúde como eixo integrador/articulador das


agendas dos serviços de saúde e a formulação de políticas públicas saudáveis. MS/PN, 2005)

Promoção da Saúde e a Formação do Psicólogo


O marco conceitual e propostas do campo da promoção da saúde introduzem um novo
referencial, contrário ao da biomedicina, com seu enfoque individual, no biológico e na doença
e como um sistema médico que politicamente age no sentido de favorecer a vigilância, controle,
e responsabilização do individuo e com fortes influências do mercado. O investimento em
capacitação tem sido apontado desde a Carta de Ottawa e envolve a formação do profissional de
saúde de diversas áreas a partir da graduação.
A formação do psicólogo encontra muitas dificuldades semelhante às dos médicos para o
trabalho em promoção da saúde. Seu aporte teórico e técnico estabelece normas universais sem
considerar o grupo e seu contexto cultural, social, econômico e político, estabelecendo como
patologia qualquer desvio da norma e atuando para a crescente medicalização do individuo.
Assim, a psicologia compartilha da função disciplinar da medicina. . Historicamente, seu
compromisso é com as camadas e ideologia dominantes, contribuindo para a reprodução das
estruturas e desigualdades sócio-econômicas e políticas. Falta uma reflexão política sobre a
atuação do psicólogo e sua responsabilidade social.
O currículo tem um enfoque estreito na produção em psicologia, geralmente importada da
Europa e América do Norte (Dimenstein, 2000). A inter ou transdisciplinariedade, característica
básica da promoção da saúde é ausente. O currículo em psicologia é predominantemente da área
clínica, com um foco no individuo e tendo como um dos seus objetivos “a solução de problemas
de ajustamento” (Lei nº 4.119, de 27/08/1962 de regulamentação profissional) a partir de seu
conhecimento universalista e essencialista da natureza humana. Tais modelos teóricos
encontram dificuldades de aplicação a contextos específicos, principalmente dos países do sul.
Ao considerar apenas determinantes psíquicos e ou parentais, os referenciais da psicologia
ignoram os determinantes sócio-econômicos e ambientais da saúde, apesar da crescente
produção científica apontando para os demais determinantes do comportamento e da saúde
mental como a alimentação e a contaminação ambiental, invalidando inclusive modelos teóricos
e intervenções da psicologia.
Tal currículo reflete a representação social da profissão no Brasil que é referencia para os
alunos que procuram a psicologia. Os estudantes e a sociedade pensam no psicólogo clínico e no
ideal liberal da psicoterapia individual de base psicoanalítica com a classe média urbana em
consultório particular (Dimenstein, 2000, 2003). A partir das limitações do mercado para esta
atuação, muitos transferem a prática clínica para seu trabalho institucional. A identidade e
124

cultura profissional apresentam resistências às outras possibilidades de atuação (Dimenstein,


2003l), sendo que o trabalho no campo social é percebido como da esfera do Serviço Social.

A Formação do Promotor da Saúde


A formação do psicólogo enquanto promotor da saúde exige uma reformulação de sua
função social, onde o compromisso com o maior segmento da população brasileira, os excluídos
e pobres, é prioritário. Exige a ampliação de seus modelos explicativos de modo a incluir a
produção de outros campos de saber e a possibilitar a prática intersetorial. E requer um
realinhamento ideológico, onde o conhecimento e práxis da psicologia estarão a serviço de um
saber crítico sobre tais segmentos e sobre sua realidade (Martin Baró). Além disso, a capacidade
de fazer uma análise sócio-econômica, política e ambiental complexa é vital para um diagnóstico
social que dê conta dos determinantes da doença e da elaboração de estratégias para criar
comunidades e instituições saudáveis e potenciadoras das capacidades físicas, psicológicas e
sociais das pessoas. A esfera de atuação do psicólogo promotor da saúde inclui um repertório
maior de intervenções, locais e modos de atuação, mas, valoriza, sobretudo, a participação do
grupo ou comunidade e o processo de facilitar seu controle sob suas condições de vida e
promoção de sua saúde.
Tais mudanças no currículo dificilmente poderiam ser implementadas de forma eficaz
sem uma mudança pedagógica. Consolidado internacionalmente em escolas de medicina e mais
recentemente em outras áreas, o método da aprendizagem baseada em problemas, centra o
processo de aprendizagem no aluno, promovendo a construção coletiva e ativa do conhecimento
a partir de problemas, orientado à comunidade (Lima et al, 2003). Como filosofia educacional, o
PBL reflete o construtivismo onde o conhecimento é construído e a partir do conhecimento
acumulado e visão de mundo de cada aluno (Camp, 1996). Unindo teoria e prática, este modelo
motiva o aluno, formando-o para pensar e atuar críticamente. Pesquisas em psicologia do
aprendizado em adultos indicam que sua motivação é maior se participam ativamente no
processo, recorrem a experiências prévias e quando o conteúdo aprendido tem aplicação direta
em situações reais (Colegiado do Curso de Medicina, 1998; Kaufman, 1998). O modelo
pedagógico do PBL apresenta a possibilidade de inovar em educação na área da saúde
facilitando rupturas e processos mais amplos de mudança (Cyrino e Toralles –Pereira, 2004).
O modelo de ensino baseado em problemas foi primeiro implementado pela Faculdade de
Medicina da Universidade de McMaster no Canadá nos meados da década de 60. Esta iniciativa
foi reproduzida em seguida pelas Escolas de Medicina da Universidade de Limburg em
Maastricht na Holanda, pela Universidade de Newcastle na Australia, e pela Univerdade do
Novo Mexico nos Estados Unidos, adaptando o modelo de McMaster (Camp 1996; Komatsu,
125

1999). A partir daí este movimento educacional cresceu e até 1993, Norman & Schmidt (1993)
indicam que mais de 60 escolas ou universidades adotaram a metodologia PBL em todo o
mundo. A Escola de Medicina de Harvard adotou em 1984, uma proposta curricular em ABP,
em paralelo ao currículo tradicional, voluntário para estudantes de Medicina e para professores
(Moore, 1991). Após uma avaliação comparativa entre o processo educacional tradicional e o
novo currículo, Harvard passou a desenvolver um currículo único que "tinha como estratégias a
ABP, o processo ensino-aprendizagem centrado no estudante e o resgate da relação médico-
paciente como elemento agregador de conteúdos biopsicossociais"(Aguiar, 2001, p. 164).
Mesmo não sendo a proposta mais radical entre as experiências da época, em função de
seu prestígio, a iniciativa de Harvard teve impacto em outras instituições (Aguiar, 2001). A
psicologia, no entanto, não tem seguido este movimento educacional de forma tão significativa
(Stedmon, 2004). No Brasil, as primeiras instituições a implantar o método foram a Faculdade
de Medicina de Marília em 1997 (Komatsu, 1999) e o curso de Medicina da Universidade
Estadual de Londrina (UEL) em 1998 (Colegiado do Curso de Medicina, 1998; Vargas 2001)
Trabalhando em pequenos grupos tutoriais com o professor como facilitador e com muito
estudo, o aluno “aprende a aprender” e trabalha não apenas com o conhecimento, mas também
com a análise de suas atitudes, preconceitos e princípios éticos. As etapas fundamentais incluem
o confronto do problema, o estudo independente e o retorno ao problema (Wilkerson & Feletti,
1989) onde a finalidade é que o problema integre os conteúdos específicos relacionados (Vargas,
2001). A aprendizagem integrada e interdisciplinar favorece a interação comunitária e a
associação entre teoria e prática.
Assim, o currículo PBL resolve também outros problemas do currículo universitário atual
em qualquer área como a fragmentação do conhecimento em disciplinas isoladas, a dissociação
entre teoria e prática, a desconexão do trabalho profissional futuro, a pressão da explosão do
conhecimento científico e de seus meios de divulgação que limitam a aprendizagem e colocam o
aluno no papel de receptáculo da informação (Vargas 2001), no estilo de educação bancária
criticada por Paulo Freire.
Pesquisas sobre este modelo pedagógico indicam resultados positivos, referentes à
preferência dos estudantes pelo PBL em relação ao método tradicional de aulas expositivas
(Albanese & Mitchell, 1993; Norman & Schmidt, 1992; Vernon & Blake, 1993; Moore et al.,
1994). Além de sua satisfação, os alunos no currículo PBL em comparação com os do currículo
tradicional apresentaram maior capacidade para reter e integrar o conhecimento; melhor
transferência de conceitos aprendidos para problemas novos; maior motivação para o
aprendizado e capacidade para auto-aprendizado. Os estudantes de PBL Também consideraram o
ambiente de aprendizagem mais estimulante e mais humano (Norman & Schmidt, 1992).
126

Pesquisa sobre o uso do estudo de caso para o ensino da ética médica também encontrou
aumento significativo no desenvolvimento do raciocínio moral e decisões de alunos da medicina
envolvendo valores (Self, Baldwin & Wolinsky, 1992).
Concluindo, a promoção da saúde oferece uma proposta conceitual e uma práxis em
sintonia com a psicologia social comunitária, mas que é relevante para todo o campo da saúde. A
adoção desta proposta exige a capacitação de equipes interdisciplinares a partir de uma formação
que valorize as camadas populares e sua participação, buscando a transformação social como
compromisso maior. A formação do psicólogo é contrária a tais propostas. Deste modo, uma
reformulação pedagógica a partir da aprendizagem por problema, seguindo a inovação de um
movimento grande nas escolas de medicina e outros departamentos espalhados pelo mundo,
poderá atender a formação do psicólogo como promotor da saúde proposta aqui.

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128

PROJETO EDUCAÇÃO, SAÚDE E CIDADANIA:

TRANSFORMANDO A EDUCAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM NATAL/RN

Magda Dimenstein

Angelo Giuseppe Roncalli

Introdução
O modelo de ensino superior brasileiro tem se pautado, historicamente, em uma lógica de
mercado, tendo como base a reforma universitária de 1968, que veio organizar um modelo
educacional fragmentado em departamentos acadêmicos, com clara dicotomia entre básico-
clínico, teoria-prática etc. Suas estruturas curriculares são, no mais das vezes, engessadas e
centradas em processos de ensino-aprendizagem tradicionais. Isso, contudo, não tem impedido
que iniciativas inovadoras e propostas alternativas estejam sendo colocadas em prática em
algumas instituições de ensino no País.
No Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), uma destas iniciativas se concretizou através do Projeto Educação Saúde e Cidadania
(PESC), que teve início no ano de 1999, visando à formação de um novo profissional de saúde,
capaz de participar da transformação do modelo de atenção vigente. O PESC tem, como um de
seus objetivos, inovar no processo de ensino-aprendizagem a partir de uma abordagem
problematizadora, do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, desenvolvido na
ação/reflexão/ação com a estratégia da integração ensino, serviço e comunidade. No segundo
semestre do ano de 2000 inicia-se, como parte desse Projeto, a disciplina “Saúde e Cidadania –
SACI”, oferecida aos alunos de primeiro ano dos cursos de Nutrição, Enfermagem, Medicina,
Farmácia, Fisioterapia, Odontologia e Psicologia.
Em desenvolvimento desde então, percebe-se, a partir de alguns indícios, que esta
proposta tem sido desencadeadora de algumas mudanças no pensar e no agir de importantes
atores nos processos de reformulação curricular dos cursos do CCS/UFRN. O presente trabalho
teve como objetivo verificar e discutir estes indícios, ou seja, contribuir para a compreensão do
grau em que a disciplina SACI tem catalisado as mudanças em curso e, desse modo contribuir,
também, para o entendimento do efeito de ações estratégicas inovadoras inseridas em estruturas
marcadamente conservadoras.
129

Situando a Saúde e Cidadania no contexto das experiências UNI

A disciplina “Saúde e Cidadania - SACI” encontra-se vinculada ao Departamento de


Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN, e faz parte do
Programa “Educação, Saúde e Cidadania - PESC” do UNI-Natal. O Programa UNI (Uma Nova
Iniciativa) é composto por uma rede de 19 projetos distribuídos na América Latina e Caribe
tendo como objetivo a formação de recursos humanos para a Saúde Coletiva. Tais projetos
recebem financiamento por parte da Fundação Americana W. K. Kellogg. No Brasil existem
projetos sendo desenvolvidos nas cidades de Londrina, no Paraná, Marília e Botucatu em São
Paulo, Salvador, na Bahia e Natal, no Rio Grande do Norte. O UNI-Natal, em funcionamento
desde 1993 com a participação de diferentes profissionais, tem como missão instigar o processo
de constituição de sujeitos sociais comprometidos com a saúde enquanto campo de luta política e
conduzir as experiências locais para a adoção de uma perspectiva intersetorial.

Além disso, busca-se estimular a organização comunitária visando ampliar o poder da


população local para a vigilância e intervenção nas políticas públicas. Nosso cenário é o da
construção social da saúde, a qual está fundamentada em alguns princípios básicos, a saber: ação
sobre determinantes do processo saúde/doença, intersetorialidade, participação social,
sustentabilidade e a formulação de políticas públicas saudáveis(8). Esse paradigma está em franca
oposição ao paradigma dominante na saúde – o modelo biomédico, o qual “vê a saúde desde um
ponto de vista biologista, centrado na doença, na hegemonia médica, na atenção individual e na
utilização intensiva da tecnologia” (1). Valoriza, por outro lado, o fortalecimento do cuidado e da
democracia participativa com a crescente autonomia das populações em relação à saúde.

Nesse sentido, estimular o compromisso da universidade pública brasileira com pesquisas


e com a formação de recursos humanos que possam contribuir para a mudança cultural das
práticas sanitárias e para a construção de sistemas de saúde ancorados numa perspectiva
ampliada de saúde, enquanto qualidade de vida tornou-se um imperativo. O PESC vem
configurando-se, pois, como uma experiência de construção de um projeto político pedagógico e
de gestão inovadores no Centro de Ciências da Saúde (CCS), tendo como diretrizes principais

(8)
Políticas públicas saudáveis são aquelas, segundo a OMS, que valorizam a saúde dos cidadãos como resultante
de sua qualidade de vida, a qual é definida, entre outras coisas, por um conjunto de determinantes tais como
habitação, alimentação, saneamento, violência, desemprego, etc. Portanto, uma políica pública para a saúde
precisa levar em conta todos esses fatores, priorizando uma visão social e não só biológica da saúde e ações
intersetoriais, preconizando a integração das diversas políticas públicas para a promoção do bem-estar da
coletividade.
130

uma reforma ampla no ensino de graduação e pós-graduação e a integração da extensão com o


ensino e a pesquisa.

A disciplina Saúde e Cidadania inserida no contexto do PESC foi pensada enquanto


alternativa para viabilizar mudanças na universidade e na formação profissional. Ou seja, é um
novo cenário de aprendizagem e de construção de novos conhecimentos, habilidades e atitudes
no sentido de transgressão da ordem estabelecida. Lima e Ribeiro (2) assinalam com base em
Bourdieu, que “na educação é necessário transgredir para avançar....essa transgressão é um
movimento absolutamente responsável, capaz de gerenciar as conseqüências produzidas”
(p.46). Com base nesse princípio, podemos dizer, então, que a SACI tem como objetivos
principais: (a) o desenvolvimento de habilidades no campo das relações interpessoais que
possibilitem trabalhar com grupos e em equipe multiprofissional e interdisciplinar; (b) auxiliar o
aluno na identificação e priorização de problemas de uma dada comunidade, assim como na
reflexão e composição de um quadro explicativo amplo sobre tais determinantes, visando à
construção de conhecimentos contextualizados com a realidade local; (c) realizar sucessivas
aproximações do aluno com o cotidiano de uma unidade básica de saúde, no sentido de construir,
conjuntamente com profissionais e usuários, alternativas para os problemas identificados; (d)
construir princípios e valores para nortear uma prática profissional comprometida com a
eqüidade, a cidadania e a justiça social; (e) desenvolver habilidades de comunicação em saúde
para a abordagem a diferentes pessoas e grupos sociais; (f) desenvolver um trabalho articulado
com a comunidade na perspectiva de busca de uma maior autonomia/emancipação(9) com relação
à tomada de decisão sobre seus problemas.

Para alcançar esses objetivos, trabalhamos os seguintes conteúdos temáticos: saúde e


qualidade de vida, educação e cidadania, vigilância à saúde, humanização e ética na atenção à
saúde e comunicação em saúde. A escolha desses conteúdos foi um desafio para a equipe de
professores e técnicos envolvidos no processo na medida em que escapam daqueles presentes
nos modelos curriculares clássicos, sem direcionalidade social. Em outras palavras, buscamos
desenvolver novas maneiras de aprender e produzir conhecimento, mas principalmente,
recuperar os valores da solidariedade, da parceria, da cooperação, visando a construção de novas
subjetividades.

(9)
Estamos nos referindo à idéia de Santos (3) de que a “emancipação não é mais do que um conjunto de lutas
processuais, sem fim definido” (p.277). Emancipação, portanto, está voltada para o sentido de uma re-politização
da prática social em quatro espaços políticos: espaço da cidadania; espaço doméstico; espaço da produção e o
espaço mundial. Em todos esses espaços existem relações de poder, formas de opressão e dominação, que
precisam ser desocultadas e transformadas.
131

A SACI está caracterizada como uma disciplina optativa que pode ser integralizada como
atividade complementar de ensino no currículo dos cursos de graduação existentes no
CCS/UFRN. É ofertada aos alunos do primeiro ano dos cursos da área de saúde (Enfermagem,
Odontologia, Nutrição, Fisioterapia, Farmácia e Medicina), bem como ao curso de Psicologia
que está alocado no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, sob o nome de
Psicologia Comunitária. A escolha pela oferta da referida disciplina aos alunos de primeiro ano
deveu-se ao entendimento de que é preciso promover mudanças o quanto antes no perfil
profissional hegemônico, o qual se encontra inadequado à realidade da Saúde Pública do país. A
construção de inovações no processo de formação profissional na saúde é uma realidade na
América Latina, promovida, em parte, pelos projetos UNI (4).

Tais autores assinalam que os novos modelos acadêmicos (novas metodologias de ensino,
organização de conteúdos e cenários de aprendizagem) estão baseados numa concepção crítica
reflexiva sustentada na construção do conhecimento a partir da problematização da realidade, na
articulação teoria-prática e na participação ativa do aluno no processo aprendizagem. Tais
modelos foram gerados e estão se consolidando na interface entre universidade, serviços de
saúde e comunidade.

Corroborando essa perspectiva, entendemos que conhecer e trabalhar com alguns


problemas concretos e complexos da realidade local, assim como estar inserido em espaços
multiprofissionais, são formas de dar direcionalidade às transformações desejadas e de ampliar
as possibilidades de impacto sobre o perfil do futuro profissional de saúde, de acordo com o
ideário da Reforma Sanitária brasileira e do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS pode ser
considerado uma das principais inovações da reforma do Estado brasileiro. É fruto de um amplo
processo de discussão em relação à situação de saúde do país, o qual envolveu o governo,
profissionais de saúde progressistas e a população.

Nesse contexto, precisamos empreender tanto mudanças no modelo assistencial


biomédico, condicionado pelo paradigma cartesiano, o qual, por sua vez, está alicerçado na
dicotomia saúde-doença, quanto intervir na forma neoliberal de produção dos serviços de saúde.
De acordo com Campos (5), tal funcionamento está atrelado a enormes interesses empresariais e
de ampla parcela de profissionais de saúde que transformam a assistência numa mercadoria e a
saúde em um valor de mercado. Segundo Feuerwerker e Sena (1),

“ir aos serviços de saúde ou à comunidade com os estudantes com uma


agenda definida unilateralmente pelo professor é completamente
diferente de ir a esses mesmos lugares com uma agenda construída em
conjunto, que leve em conta não somente as necessidades de ensino-
132

aprendizagem, mas também os problemas identificados pelos serviços e


pela comunidade. Assim como pensar a organização dos serviços
levando em conta as prioridades identificadas pela população ou suas
necessidades de atenção é inteiramente distinto da prática predominante
de pensar os serviços a partir de sua própria lógica de prestação”(p.51).

Dentro dessa perspectiva, a SACI está ancorada nas idéias da interdisciplinaridade e


multiprofissionalidade, assim como articulação teoria-prática. Além disso, adotou para seu
desenvolvimento os princípios pedagógicos da escola crítica com uma abordagem
problematizadora já que ela propicia sucessivas aproximações do aluno com a realidade
concreta, reflexões teóricas e a elaboração de hipóteses de soluções sobre esta dada realidade.
Essa metodologia instiga a participação ativa do aluno da construção do seu próprio
conhecimento, e estabelece o papel do professor/tutor como mediador/facilitador do processo de
ensino-aprendizagem, bem como de aproximação das diversas formas de intervenção dos alunos
junto à comunidade. Esta, por sua vez é compreendida e tratada como sujeito ativo do processo e
objeto/agente da intervenção.

Maguerez, citado em documento do Ministério da Saúde (6), apresentou a pedagogia da


problematização em um diagrama que denominou o método do ARCO (Figura 1).

Funcionamento da disciplina

Todo o trabalho, desde o primeiro encontro com os alunos, é desenvolvido na


comunidade, utilizando o serviço de saúde como ponto de ancoragem. Atualmente, funcionam
07 GIMs (Grupo Interdisciplinar e Multiprofissional), distribuídos no Distrito Sanitário Oeste de
Natal, área de atuação do Projeto UNI, cada um sob a orientação de 02 profissionais, sendo um
da universidade e outro do serviço de saúde.

A nossa experiência vem se realizando desde agosto de 2000 no Distrito Sanitário Oeste
de Natal (Figura 2). A Escolha dessa região como área de atuação do Projeto Uni-Natal deu-se
por a mesma se configurar como área carente da capital e apresentar graves indicadores sociais:
maior índice de mortalidade infantil da cidade (21,42%); maior índice de gravidez precoce e
maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. De acordo com informações
colhidas pelo IBGE (7), aproximadamente, 30% dos chefes de família são analfabetos e 16,86%
têm somente de um a três anos de estudo. Além disto, segundo pesquisa realizada pelo Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular, a partir de matérias de jornais locais, a Zona Oeste
apresenta o maior índice de homicídios, além de um nível bastante alto de transgressões
133

cometidas pela população jovem. A violência atinge a população jovem da Zona Oeste em forma
de abusos sexuais, abandono, tráfico / consumo de drogas e exploração do trabalho infantil (7).

Nesses cinco semestres letivos estiveram vinculados à disciplina cerca de 450 alunos dos
diferentes cursos participantes (90 alunos por semestre em média). A disciplina tem carga
horária de 60 horas semestrais e está orientada de forma a contemplar as etapas propostas no
diagrama acima apresentado. A primeira unidade intitulada “aprendendo a trabalhar em e com
grupo” consiste na elaboração coletiva de uma concepção sobre trabalho em grupo e na
discussão dos conceitos de multiprofissionalidade e interdisciplinaridade. Culmina com a
construção de um “contrato de convivência” que norteia o trabalho do grupo durante todo o
semestre.

A unidade seguinte se chama: “vivenciando a realidade”. Ela é conduzida de forma que o


aluno passe a observar o contexto e conhecer o território da área de abrangência da unidade de
saúde (residências, escolas, unidades de saúde, creches, igrejas, centros comunitários),
levantando os principais problemas de saúde da comunidade que vive nessa área com base no
seu perfil epidemiológico (etapa 2 do arco). A terceira etapa “selecionando e trabalhando o
problema” ocorre após esse diagnóstico local (levantamento de problemas). Inicia-se um
processo de discussão e negociação com os profissionais do serviço de saúde e com a
comunidade no sentido de estabelecer um consenso sobre os problemas prioritários, e
posteriormente de escolha de um problema para ser estudado enquanto alvo de intervenção
(etapa 3 do arco). Tal escolha deve ser norteada por critérios que levem em conta as facilidades e
dificuldades existentes para sua execução, recursos materiais e humanos disponíveis, bem como
os possíveis resultados.

Em seguida, inicia-se um processo de investigação teórica acerca dos determinantes do


problema escolhido, bem como o planejamento e execução da intervenção para o seu
enfrentamento (etapas 4,5 e 6 do arco).

Procedimentos Metodológicos
Foram aplicados questionários a atores-chave no processo de implantação da SACI, quais
sejam, os orientadores da disciplina (profissionais do serviço e professores dos cursos da área de
saúde da UFRN), os coordenadores do cursos participantes, os diretores das unidades de saúde
envolvidas e representantes das Pró-Reitorias de Graduação e de Extensão da UFRN. Com
relação à visão dos alunos egressos, foi realizada uma análise de algumas questões colocadas no
instrumento de avaliação da turma 2001.1.
134

Análise dos dados:


Alunos egressos: avaliação quantitativa pós-categorizada das respostas a algumas
questões do instrumento avaliativo aplicado aos alunos da turma 2001.1 e análise qualitativa
destas respostas. Coordenadores de Curso, Pró-Reitores de Graduação e de Extensão, Diretores
das Unidades de Saúde participantes e Orientadores da Disciplina: avaliação quantitativa pós-
categorizada das respostas ao questionário específico e análise qualitativa destas respostas.

Resultados e Discussão

1. A SACI na perspectiva do corpo discente

Na análise dos questionários avaliativos preenchidos pelos alunos do período 2001.1, as


respostas dadas à pergunta “você considera que as atividades desenvolvidas estão relacionadas
com sua formação enquanto profissional da área de saúde?” foram avaliadas em função dos
cursos aos quais os alunos estavam vinculados. A distribuição percentual destas respostas está
ilustrada na Figura 3. Pode-se perceber uma avaliação bastante positiva da disciplina por parte
dos alunos, na medida em que, à exceção do curso de Fisioterapia, a grande maioria considera
que as atividades desenvolvidas estão totalmente relacionadas com a formação.
Esta avaliação positiva também é referendada pela análise das principais contribuições,
atribuídas à disciplina, que são referidas pelos alunos. Há poucas diferenças com relação à
distribuição das respostas entre os cursos e observa-se que a principal contribuição citada é uma
“maior aproximação com a realidade” (Figura 4). Desse modo, a estratégia de trabalhar em
outros campos, situados fora do ambiente da Universidade, se revelou apropriada e entendida
como um ganho no processo ensino-aprendizagem na perspectiva do aluno. Outras categorias
entre as mais citadas foram uma “nova concepção da prática e da profissão” e a “relação entre
saúde e cidadania”. Percebe-se, no discurso dos alunos, que a visão a respeito da prática
profissional moldada pela representação da profissão na sociedade é modificada, inserindo-se
novos elementos, entre eles a postura ética, a participação cidadã e o atendimento humanizado.

2. A visão dos Coordenadores de Curso


• A proposta metodológica, o conteúdo e o perfil do aluno

Há um consenso entre os coordenadores pesquisados que a proposta metodológica da


SACI é adequada aos perfis profissionais propostos em cada um dos cursos, bem como aponta
para uma nova perspectiva de ensino-aprendizagem no âmbito da saúde. Boa parte das opiniões
135

convergem para alguns pontos importantes, entre eles a idéia do trabalho interdisciplinar e
multiprofissional. Além disso, a interação com a comunidade, logo no início da formação, e
ainda o desenvolvimento de habilidades e competências na área do trabalho em equipe e de uma
atenção à saúde mais ética e humana, foram questões bastante ressaltadas na fala dos sujeitos.
No que diz respeito ao conteúdo da disciplina, nota-se que este apresenta-se como
adequado à proposta do curso na medida em que traz questões relativas à Saúde Pública, à
Epidemiologia e aos problemas que são identificados na área afeta ao desenvolvimento da
disciplina. Em função disso, considera-se que a SACI contribui de forma significativa para a
formação de um profissional da saúde mais comprometido e com responsabilidade social. Do
ponto de vista do próprio conteúdo, o fato de a disciplina trabalhar com um grau de flexibilidade
que permite ter como referência um conjunto de temas básicos a partir do qual são conduzidas as
discussões, a coloca dentro de uma perspectiva inovadora para alguns respondentes.

• A SACI enquanto geradora de novas demandas dentro dos cursos

O fato da disciplina ainda ser muito recente, faz com que a avaliação do impacto de seu
funcionamento sobre novas demandas nos cursos envolvidos seja apenas preliminar, parcial e
incompleta. De todo modo, a SACI tem provocado novas demandas particularmente em função
do aumento no número de alunos que procuram a disciplina. Há também um aumento na
demanda por projetos de pesquisa e extensão por parte dos alunos que participaram da disciplina,
no intuito de dar continuidade às intervenções planejadas no decorrer da SACI. Contudo, muitos
destes projetos não puderam ser viabilizados em função da sobrecarga de trabalho dos docentes
envolvidos na disciplina e de recursos financeiros da UFRN.

3. O que pensam os orientadores

No que diz respeito às contribuições da SACI para a formação do futuro profissional da


área de saúde, foram identificadas algumas categorias na fala dos orientadores da disciplina, as
quais destacamos: (a) uma maior aproximação com a realidade concreta; (b) trabalho
multiprofissional e interdisciplinar e (c) construção de valores éticos.
Para os orientadores, estas abordagens permitiriam ao aluno, em primeiro lugar,
desmistificar alguns lugares-comuns tipo a relação entre pobreza e marginalidade, entre
felicidade e condição de vida, entre a TV e o real. Permitiria também, ao aluno, inserir outros
aspectos desta realidade no seu cotidiano, como a pobreza e a marginalidade, mas também
aspectos positivos que estavam no mais da vezes ausentes, como o sentido de solidariedade. Do
136

ponto de vista da formação, essa aproximação gera no indivíduo uma visão mais ampla dos
fatores determinantes das condições de vida e saúde da população, gerando um posicionamento
mais crítico diante deste quadro. Um desdobramento inevitável deste encontro com um mundo
supostamente novo é uma concepção ampliada de saúde, que contempla aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais. Esta categoria, muito identificada na fala dos orientadores, foi
também muito referida pelos alunos egressos, conforme discutimos anteriormente.

4. Saltando os muros da universidade: a perspectiva dos serviços na fala dos diretores

Entre os diretores das unidades de saúde que participam da SACI, foi também ressaltada
a maior aproximação com a realidade, no sentido de uma articulação teoria-prática mais
coerente. Além disso, e talvez este seja o ponto mais importante considerando os autores da fala,
os diretores destacam que a SACI tem permitido uma maior dinamização no processo de
articulação entre a comunidade e o serviço.
Como antes mencionado, os cursos da área de saúde, historicamente, têm-se pautado em
uma prática distanciada dos serviços de assistência à saúde, visando a formação de profissionais
com perfil voltado para uma prática eminentemente clínico-individual, a despeito de algumas
propostas pedagógicas apontarem (embora que apenas formalmente) para uma formação
profissional de caráter coletivo e de promoção de saúde. Desse modo, a experiência da SACI tem
permitido que o contato com a Saúde Coletiva por parte dos alunos ocorra de forma concreta,
contribuindo para o exercício pleno do papel social da universidade e para a formação cidadã do
alunado.

5. A SACI numa perspectiva institucional: o que pensa a classe dirigente da UFRN


As Pró-Reitorias de Extensão Universitária (PROEX) e de Graduação (PROGRAD)
Com relação à proposta metodológica, o entendimento é que a SACI se constitui na
materialização da idéia de flexibilização curricular, na medida em que integra pesquisa, ensino e
extensão e articula ações intersetoriais na triangulação serviço-comunidade-academia. Uma outra
característica importante é o fato de se poder trabalhar com a realidade concreta e intervir de
forma planejada coletiva e participativamente. Isso gera, como consequência, uma transformação
dos processos e dos sujeitos na universidade e nos serviços.
Com relação à participação da Pró-Reitoria na concretização da proposta da SACI, foi
ressaltado que a PROEX é um espaço institucional de formalização da Saci, além de ser um elo
de ligação com a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) que é, de fato, a instância reguladora
da disciplina. É do entendimento de ambas as Pró-Reitorias que experiências como essa se
137

tornem obrigatórias em diversos cursos da UFRN e que há uma necessidade de inserção da SACI
nos projetos políticos pedagógicos dos cursos envolvidos e de sua estruturação na forma de
créditos curriculares flexíveis, não necessariamente como disciplina.

Considerações Finais
Considerando os objetivos deste trabalho, pode-se concluir que a experiência de
implantação da SACI em dois semestres letivos foi suficiente para produzir efeitos importantes
no âmbito do CCS-UFRN no que diz respeito ao desenvolvimento de novas estratégias de
ensino-aprendizagem e aos processos de discussão relativos às reestruturações curriculares.
Foram percebidos diferentes graus de influência nos diversos cursos a depender da articulação
destes com as experiências desenvolvidas pelo Projeto UNI e das iniciativas individuais de
alguns membros do corpo docente. Ficou bastante evidente que a SACI, enquanto estratégia de
desenvolvimento do PESC tem atingido os diversos níveis de sua área de atuação, ou seja, os
serviços de saúde, a comunidade e a Universidade. Neste sentido, os atores envolvidos no
processo apresentam diferentes níveis de contribuição, na dependência de sua posição estratégica
para a consolidação da proposta.
Com relação ao “efeito” da SACI sobre os alunos participantes até o momento, a análise
dos dados apontou para importantes mudanças no pensar e no fazer dos alunos, uma vez que a
concretização de uma disciplina “diferente” que funciona com outra abordagem metodológica,
outros espaços de trabalho e outras formas de intervenção que vão além das tradicionais, foi
apontada como positiva. Desse modo, ao serem incorporadas novas perspectivas de ensino, ao
mesmo tempo em que se desenvolve uma postura crítica nos alunos, se vislumbra a possibilidade
de as mudanças se darem também de “dentro para fora” ou seja, novas demandas serem criadas
para os cursos a partir do próprio corpo discente.
Finalmente, do ponto de vista das perspectivas futuras para a SACI e para o PESC, tem-
se claro que a possibilidade de incorporação de propostas inovadoras de ensino-aprendizagem
dentro de estruturas aparentemente tradicionais e conservadoras parece ser inteiramente viável e,
mais importante ainda, pode servir como mecanismo catalisador de mudanças mais profundas.
Neste sentido, o PESC está se consolidando como um núcleo dinamizador de transformações nos
cursos do CCS-UFRN na experimentação de novas tecnologias educacionais, na construção de
projetos pedagógicos inovadores, na educação permanente de saúde dos docentes.
138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas falas de profissionais de saúde, agentes comunitários e estudantes da


UFRN em termos das suas contribuições, acreditamos que a disciplina Saúde e Cidadania - SACI
tem avançado no seguinte sentido:

1. Em termos da relação professor-aluno, rompe com a hierarquia e a verticalidade


presentes nos modelos tradicionais de ensino-aprendizagem;
2. O aluno é visto como sujeito ativo no processo de construção do conhecimento e
assim passa a ocupar uma posição mais crítica diante das metodologias
tradicionalmente utilizadas na academia;
3. Os estudantes desenvolvem habilidades para construir um trabalho em grupo
respeitando as diferenças, partilhando emoções, construindo vínculos afetivos que
transformaram a disciplina num espaço prazeroso de trabalho;
4. Essas experiências revitalizam o serviço de saúde na medida em que abrem espaço
para o debate, para a convivência com o aluno, desnaturaliza o cotidiano e práticas já
cristalizadas;
5. Participa na construção de uma nova subjetividade entre orientadores, alunos,
profissionais do serviço, mediada por um compromisso ético com a qualidade do
cuidado e com a construção de uma abordagem integral da saúde;
6. Há uma valorização das experiências prévias do aluno possibilitando um
redimensionamento do seu lugar enquanto aluno, pessoa, cidadão;
7. Abre-se a universidade para o mundo da vida, às demandas sociais, para interesses e
objetivos concretos das comunidades e serviços, redefinindo seu papel e sua
responsabilidade social;
8. Necessidade de diversificar cenários de ensino-aprendizagem e de qualificação
permanente dos professores em uma pedagogia problematizadora e em diferentes
modalidades de avaliação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Feuerwerker L, Llanos M, eds. Educação dos profissionais de saúde na América Latina:
teoria e prática de um movimento em mudança. São Paulo: Hucitec, Buenos Aires: Lugar
Editorial, Londrina: Ed. UEL, 1999: 17-46.

Brasil, Ministério da Saúde. Capacitação pedagógica para instrutor 1: supervisor. Brasília:


Ministério da Saúde; 1989.
139

Feuerweker LCM Sena R. A construção de novos modelos acadêmicos de atenção à saúde e de


participação social. In: Almeida M, Feuerwerker L, Llanos M, eds. Educação dos
profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento em
mudança. São Paulo: Hucitec, Buenos Aires: Lugar Editorial, Londrina: Ed. UEL, 1999:
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Lima VV, Ribeiro EC. Desafios na construção de novo modelos pedagógicos nos cursos de
medicina e enfermagem. Olho Mágico 2002; (9) 1: 45-47.

Projeto Global Engenho de Sonhos (2001). Construção Coletiva de Uma Estratégia de Combate
à Pobreza com Protagonismo Juvenil na Região Oeste de Natal – RN / Brasil. Mimeo.

Santos B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,
2000.
140

Figuras

4. Teorização

3. Pontos 5. Hipóteses
Chaves de solução

2. Problema 6. Prática

1. Realidade

Figura 1. Método do Arco. Fonte: Maguerez (1989)

Rio Grande
Brasil do Norte

Distrito Natal
Norte Forte
Reis Magos

Nordeste Salinas
Quintas Praia
do Meio

Dix-Sept Distrito
Bom Leste
Pastor Rosado
Parque
Felipe Nazaré Distrito das Dunas
Camarão Oeste
Cidade da
Esperança
Pr
Po aia
nt de
Cidade a
Ne
Nova Distrito gr
Guarapes a
Sul

Distrito
Sanitário
Oeste

Figura 2. Área de atuação da disciplina Saúde e Cidadania (SACI). Natal, RN. Brasil,
2001.
141

100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Pouco relacionada
30%
Em grande parte
20%
Totalmente
10%
0%
Odontologia Fisioterapia Enfermagem Nutrição Psicologia
Figura 3. Distribuição percentual, de acordo com os cursos, das respostas dadas por alunos egressos da
SACI à pergunta “você considera que as atividades desenvolvidas estão relacionadas com sua formação enquanto
profissional da área de saúde?”. Natal, RN. 2001.

Aproximação com a realidade

Nova concepção da prática e da profissão

Relação entre saúde e cidadania

Conceito ampliado de Saúde

Trabalho multiprofissional
Enfermagem
Protagonismo na construção do conhecimento
Fisioterapia
Visão mais realista do Setor Público Nutrição
Odontologia
Construção de vínculos afetivos
Psicologia
Articulação teoria-prática

0 50 100 150 200 250 300 350 400

Figura 4. Distribuição percentual das respostas dadas por alunos egressos da Saci com
relação às principais contribuições atribuídas à disciplina. Natal, RN. 2001.
142
143

Sobre os autores

Tânia Maciel - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Instituto de Psicologia. Programa de Pós
Graduação em Estudos Interdisciplinares em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social
(EICOS/IP/UFRJ).

Anamélia Lins e Silva Franco - Mestre em psicologia do desenvolvimento, UNB; Doutora em saúde
pública, UFBA; Professora da Faculdade Ruy Barbosa e da Universidade Católica de Salvador

Paloma Silva Silveira - Psicóloga graduada Faculdade Ruy Barbosa

Laís Oliveira Rodrigues - Psicóloga graduada Faculdade Ruy Barbosa

Marcos Silva - Prof. do Departamento de Psicologia da UFSJ, Doutor em Psicologia pela PUC-SP.
Coordenador do LAPIP – Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da UFSJ.

Cecília de Mello e Souza - Professora Adjunta do Programa EICOS, Departamento de Psicologia Social,
Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Jorge Castellá Sarriera - Doutor em Psicologia Social e Prof.visitante na UFRGS

Marli Appel da Silva - Doutoranda em Psicologia da PUCRS.

Kátia Biehl - Doutoranda em Psicologia da PUCRS.

Zuleika Zandonai - Mestranda em Psicologia Social e da Personalidade da PUCRS.

Enrique Saforcada - Profesor Consulto Titular de Salud Pública/Salud Mental – Facultad de Psicología –
Universidad de Buenos Aires

Sheila Gonçalves Câmara - Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/Canoas


Magda Dimenstein - Profa. Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN

Ângelo Roncalli - Prof. Programa de Pós-Graduação em Odontologia Social da UFRN

Maria de Fátima Quintal - Profa. Universidade Federal do Paraná

Cristiane Paulin Simon – Universidade Federal de Uberlândia

Rosalina Carvalho da Silva – Universidade de Ribeirão Preto

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