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Arquivado sob Abramelin, Biografia, Thelema
Por Paulo Coelho – Revista Planeta nº84
Rose vem mudar por completo a vida da Grande Besta quando, no Museu do
Cairo, sente-se inspirada e aponta para a estátua de Ra-Hoor-Khuit, um dos
nomes do deus Hórus, e que tem no catálogo do museu o número 666. Rose
começa a instruí-lo sobre como invocar Hórus, através de um ritual que ele
próprio não acredita, mas que termina sendo coroado de sucesso. O resultado
é a conversa com seu Anjo Guardião, e a psicografia do Livro da Lei, ditado por
Aiwass. O Livro da Lei (3) é talvez o trabalho mais importante de Aleister
Crowley. Resumo de vários conceitos sociais, religiosos e até mesmo políticos,
em suas páginas se propõe a responder a uma série de perguntas para as
quais a humanidade não conseguiu encontrar uma solução. O próprio Crowley
afirma não entender grande parte do que lhe foi ditado, mas considera-o como
o mais importante momento de sua vida, e se propõe a estudá-lo. A principal
proposta da obra está na frase “Faça o que você quiser” (Do what Thy
will),sugerindo uma nova era de liberdade aos conceitos humanos. Nas
sociedades esotéricas derivadas ou associadas à filosofia crowleyana, o Livro
da Lei é considerado a obra máxima do conhecimento. De volta a Paris,
Crowlev procura afastar Mathers do seu caminho, proclamando-se o Grande
Mago da Golden Dawn. Mathers promete enviar fortes correntes magicas
contra o Grande Mago, e três cães de Crowley aparecem mortos. Este, por sua
vez, clama haver invocado 49 demônios que arrasarão com Mathers, mas o
duelo de magos termina apenas enfraquecendo politicamente a Golden Dawn.
Crowley então funda sua própria sociedade secreta, a Silver Star ou A:. A:.
passando a publicar o jornal Equinócio dos Deuses (que sai duas vezes por
ano, no equinócio e no solstício), e revela os livros secretos da Golden Dawn.
Desta forma, democratiza o conhecimento da magia. colocados seus segredos
ao alcance de todos. Mas a Grande Besta ainda não está satisfeita com sua
notoriedade, e procura ampliá-la ainda mais através de golpes de marketing
que fariam inveja aos comunicadores de hoje. Publica um trabalho sobre sua
obra, assinando como F. C. Füller, um general inglês; oferece, como se fosse
uma instituição, um prémio de 100 libras para o melhor ensaio a respeito
daquilo que escreveu. E com isto consegue despertar o interesse da
intelectualidade européia. Em 1910, Aleister Crowley é iniciado no uso da
mescalina e da heroína, criando uma série de sete ritos – Os Ritos de Elêusis –
para utilizar a droga como forma de se obter o êxtase religioso (4). As pessoas
que conheceram a Grande Besta nesta época são unânimes em afirmar que a
quantidade de heroína que ele consumia (11 gramas por dia) se ria capaz de
rnatar em pouquíssimo tempo qualquer ser vivo. Crowlev, entretanto, parece
dotado de superpoderes, já que, além da extraordinária tolerância à droga,
continua praticando o alpinismo. Ë desta época o relato de Showell Styles, no
livro On The Top ofthe World: “O desafio era o monte Kanchenjunga, que
deveria ser escalada pela primeira vez por cinco alpinistas – três suíços, um
italiano e um inglês chamado Aleister Crowley. Crowley, que tinha sido
escolhido para líder da expedição, era talvez o mais extraordinário praticante
do alpinismo mundial. Ele era ostensiva-mente descuidado em tudo que fazia,
como se não tivesse medo, e chamava a si mesmo de ‘A Grande Besta do
Apocalipse’. Quando atingimos os 20.400 pés, no campo VII, os suíços
convocaram uma conferência para destituir Crowley das funções de liderança,
já que este era exageradamente cruel com os guias locais. Crowley não
aceitou a idéia, e a expedição resolveu retornar, exceto pela Grande Besta, que
continuou a escalada.
Na descida, os suíços foram pegos por uma avalanche que matou quase toda
a expedição. Crowley, subindo, ouviu os gritos de socorro, mas recusou-se a
ajudar quem quer que fosse. Mais tarde escreveria para um amigo seu,
dizendo: “Acidentes em montanhas são muito desagradáveis: eu prefiro ficar
longe deles”. Os poderes de Aleister Crowley também pareciam trabalhar a seu
favor. Entre as muitas histórias narradas a seu respeito, conta-se que num
assalto, em Calcutá, ele conseguiu ficar invisível diante dos ladrões. Durante a
Primeira Guerra Mundial, a Grande Besta vai para Nova York, onde cria uma
pequena comunidade mágica em Greenwich Village. Sua força de vontade
continua imensa – era capaz de comer e beber durante dias, para depois jejuar
até que seu peso voltasse ao normal. Um escritor americano, William
Seahrook, conta que Crowley irradiava um poder semelhante ao de Gurdjieff,
com quem também tivera a oportunidade de estar. Certa vez, Seabrook pediu a
Crowley uma demonstração de poder. A Grande Besta pegou seu amigo e os
dois caminharam até uma parte relativamente deserta da Quinta Avenida, onde
Crowlev passou a seguir de longe um dos transeuntes, imitando todos os
gestos deste. A determinada altura, Crowley agachou-se e saltou para trás; o
sujeito a quem imitava fez a mesma coisa, levando um tombo e estatelando-se
no chão. Seabrook e Crowley foram ajudá-lo a levantar-se, enquanto o atônito
pedestre procurava inutilmente uma casca de banana para responsabilizar sua
queda. Apesar de todos estes poderes, a vida do Grande Mago da Golden
Dawn, da Grande Besta do Apocalipse, ou dos outros vários títulos que
Crowley atribuía a si mesmo, parecia estar entrando numa fase de declínio.
Algumas complicações de ordem física fazem com que ele escolha Cefalú na
Sicília, como sua próxima morada. Lá, resolve criar uma experiência social que
culminaria sua obra mágica: a Abadia de Thelema. Criada dentro dos padrões
do Livro da Lei, a abadia era o local onde qualquer expressão da vontade e do
desejo eram permitidas. Vários escritores, atrizes e pessoas ligadas à arte e à
cultura convergiram para os domínios de Crowley. Lá praticavam-se rituais que
iam desde as mais simples invocações até a morte de animais e os ritos de
fertilidade. Crowley escreve Diary of a Drug Friend, falando de seus
experimentos com heroína, e as pessoas começam a comentar a respeito de
orgias e drogas dentro da Abadia de Thelema. Uma mulher, Betty May, termina
abandonando Cefalù e escrevendo um artigo para o jornal inglês Sundav
Express, onde denuncia cópulas com animais e sacrifícios de sangue. As
autoridades sicilianas, desgostosas, pedem a Crowlev que abandone o local.
Daí por diante. o declínio da Grande Besta é inevitável. Expulso da Sicília,
proibido de entrar na França e na Inglaterra, a Grande Besta é abandonada
pelos amigos e aumenta seu consumo de heroína. Vem a morrer a 5 de
dezembro de 1947, com 72 anos, e parecendo “um velho coronel aposentado”,
segundo as palavras de Burt Welsh. À parte seu narcisismo exagerado e uma
certa tendência para acreditar em super-raças (que mais tarde Hitler
transformaria em ação), a obra de Crowley deixou uma marca indelével no
pensamento do início do século. Sua própria “perversidade” não passava de
um golpe publicitário, sedutor o suficiente para fazer dele uma figura notória – e
a maior parte das pessoas que o conheceram afirmam que ele poderia ser
chamado de um homem frio, mas nunca de um homem mau. Sua extensíssima
obra – tanto em literatura como em artes mágicas – tornou acessível o
conhecimento que antes era privilégio de uma elite, e ampliou a possibilidade
de se chegar ao conhecimento através de outros caminhos, além daqueles que
nos são permitidos em nossa formação ocidental. Não queremos dizer com isto
que seus passos mereçam ser seguidos – Crowley pertence a uma outra
época, e, hoje em dia, determinados exageros que ele cometeu seriam
considerados coisas sem sentido e ultrapassadas. Mas o princípio de sua
filosofia, “faça o que quiseres”, e um princípio bem antigo e bastante válido.
Cada um o utiliza dentro das suas próprias possibilidades, e Crowley o utilizou
para viver uma vida pelo menos diferente da maioria das pessoas de sua
época. Se ele conseguiu o que queria – e acreditamos que não tenha
conseguido – é irrelevante; seu nome ficará sempre ligado à quebra de tabus, e
isto, por si só, já é uma grande vantagem. William James diz que um homem
pode jogar um jogo durante vários anos, com um alto grau de técnica, sem que
consiga progredir além de determinado estágio. Até que um dia, sem qualquer
aviso, o jogo começa a jogar com o homem, e a partir dali ele não comete mais
erros. Acreditamos que Aleister Crowley não tenha visto este dia, porque se
perdeu nas próprias fantasias que criou; mas não tenham dúvidas de que
chegou muito perto.
___________
NOTAS:
Por Paulo Coelho – especial para a revista Planeta
Para quem deseja ver a magia se desenvolver na prática, bastam tempo (seis
meses e mais uma semana de invocações), paciência, persistência e muita
disciplina. É o que recomenda o incrível, misterioso, e ainda inédito no Brasil,
livro da Sagrada Magia de Abra-Melin, o Mago, Conforme Ditado por Abraão, o
Judeu, ao seu filho Lamech. Principal objetivo da sua prática. invocar e
conversar com seu Sagrado Anjo Guardião e só depois mandar virem as
legiões de demônios.
Alguns anos mais tarde, Aleister Crowley, já uma figura bastante conhecida
do ocultismo do começo do século, iria popularizar a obra em toda a cultura
esotérica do Ocidente. Crowley tentou realizar a operação descrita na Sagrada
Magia … alugando uma casa às margens do famoso Loch Ness, na Escócia, e
preparando-se para os seis longos meses de duração do ritual. Por uma série
de razões de ordem prática, ele foi obrigado a interromper o processo e
regressar a Londres, e nunca mais voltou a realizá-lo. Afirma, porém, que foi A
Sagrada Magia … que o fez entrar em contato com a voz que lhe ditou O Livro
da Lei, obra máxima da cosmogonia crowleyana.
Também fica estabelecido que só devem aventurar-se pela Sagrada Magia
… aqueles que tiverem entre 25 e 50 anos de idade; e lembra que os seis
meses de trabalho mágico devem ser realizados evitando-se ao máximo o
contato humano, apesar de não impedi-lo por completo – exceção feita à
semana final de invocações.
Os seis meses de ritual são divididos em três períodos de dois meses, e a
operação deve começar logo no dia seguinte à Páscoa. Durante os primeiros
sessenta dias, tudo que o operador tem que fazer é acordar quinze minutos
antes da aurora, banhar-se, vestir roupas limpas e entrar no oratório (que, a
partir daquele instante, fica vedado a qualquer outra pessoa).
Durante estes dois meses, apenas as duas entradas no oratório são
repetidas. Não há qualquer restrição no que se refere a relações sexuais com a
esposa (ou marido), e a única coisa que o operador não pode fazer é dormir
enquanto o sol ainda está no céu.
Nos dois últimos meses do ritual, há uma mudança drástica. Agora, o
operador deve rezar três vezes por dia: no alvorecer, ao meio-dia e no
entardecer. Cada vez que entra no oratório, usa um robe de linho branco, e
acende o incenso sagrado que ele mesmo fez. A prece muda, mas não
aumenta de tamanho. O operador deve restringir à sua esposa (ou marido) e
aos seus empregados os contatos com o mundo; ninguém mais é admitido na
casa. Ele está proibido de qualquer trabalho servil, e deve passar seu tempo
livre passeando na natureza e meditando sobre a Criação de Deus. Além disso,
são reservadas quatro horas diárias para leitura de livros sagrados.
20 de março
A única coisa que me preocupa levemente é que todas as preces a serem
realizadas durante os seis meses são para minha salvação. Portanto eu vou
começar a terminar cada-prece com o Pai-Nosso. Hoje à noite choveu. E minha
primeira visão do dia será debaixo de uma capa plástica.
1° de abril
Operação sendo mantida. Qualquer descrição das emoções e energias
envolvidas seria fútil – porque não existem termos de referência, exceto para
alguém que já fez o que estou fazendo.
17 de abril
Operação sendo mantida. Estou lendo o Novo Testamento e agora acredito no
verdadeiro Ato de Jesus.
7 de maio
Minha força está voltando. Ocasionalmente senti uma sensação de algo
queimando, junto com a dor de cabeça.
15 de junho
Tenho me torturado e me amedrontado, e pouco compreendido de tudo isto.
Tenho tido visões incríveis e lutas insuportáveis. Mas hoje à tarde entendi o
mistério do Templo de Baixo e do Templo de Cima.
16 de julho
Durante estes dias tenho pensado em mencionar algo alertando aqueles que
possam vir a ler este diário (??). No que se refere à operação, esta é a coisa
mais difícil e mais amedrontadora possível; além de coragem, requer uma
inteligência espiritual para prevenir uma inevitável autodestruição. Se alguém
está considerando realizá-la, aconselho veementemente a meditar sobre isto
no mínimo um ano antes de começá-la.
3 de setembro
A energia está “fluindo contra” mim (o mundo?) e estou tendo grande
dificuldade em controlá-la, apesar do I Ching sugerir que graça é apropriada.
Várias alucinações têm me acompanhado durante todos estes meses.
Pesadelos, coisas assim. No começo, as pessoas se aproximavam da gente –
eu e meu marido – e ficavam tremendo. Agora elas já nem se aproximam.
Terceiro dia de invocações – Estou num limbo total. O que sou eu? Onde
preciso ir e o que fazer? Quão alto (ou baixo) eu consegui me iniciar? Será que
rezar o tempo todo é uma forma de arrogância? Será que tudo isto é apenas
fantasia?
16h45: Que tola sou. Tudo ocorre da forma. que Abraão descreveu. Eu tive
uma completa conversação com meu Sagrado Anjo Guardião. Estou calma.
Tudo está claro no que se refere às conjurações. Meu Anjo Guardião é santo e
correto, me elevou e me compreendeu. Devo colocar minha mente em um
lugar alto, pra aproveitar esta conversação. Ele me explicou várias coisas que
eu queria saber, e me fez sentir embaralhada e tola diante de sua presença.
Sétimo dia de invocações – Tudo ocorreu como descrito por Abraão. Esta
manhã eu completei as conjurações e fiz todos os juramentos exigidos. Com a
ajuda de meu Anjo, submeti os príncipes e seus servidores, apesar destes
serem mais rebeldes que seus lideres. Dois deles mostraram-se difíceis, mas
logo se comportaram. Abraão avisa que alguém sempre é aprendiz no começo,
e Mestre no fim. Portanto, daqui por diante gastarei meu tempo aprendendo a
Arte. Isto é (noto o estilo medieval!) um milagre. Durante todo este tempo, nada
aconteceu errado. E agora, com um pouco de sofisticação – apesar de ainda
estar aprendendo a verdade – eu gostaria de dizer que a Confiança é a coisa
mais maravilhosa que pode acontecer com o ser humano.
NOTAS
(1) – In Politics of Ecstasy, de Timothy Leary, Granada Publishing Ltd., 1970.
(2) – The Book of The Sacred Magic oJ Abra-Melin, the Mage, as Delivered by
Abraham the Jew unto his Son Lamech, traduzido por S. L. McGregor Mathers
de um velho e raro manuscrito francês na Bibliothèque de L’Arsenal, em Paris.
Editado nos Estados Unidos por L. W. Laurence Company Inc., Chicago, 1948.
O livro não é tão difícil de se encontrar, e pode ser adquirido em várias livrarias
especializadas no assunto, em toda a América do Norte. Entretanto, é
desaconselhável tê-lo em casa desde que a pessoa não pretenda realizar o
ritual.
(3) – Para proteção da pessoa indicada, todas as informações contidas neste
início de parágrafo foram propositadamente trocadas. O diário completo da
operação, porém, será publicado brevemente.
(4) – Por motivos técnicos, tivemos que resumir esta semana de invocações,
da mesma maneira que pinçamos apenas alguns trechos do diário. Este tem
mais de duzentas páginas, datilografadas em espaço dois. Descreve
minuciosamente todas as reações físicas e psíquicas de sua autora, além de
aventurar-se por segredos relacionados com ocultismo. A linguagem, apesar
de fácil e cotidiana, sofistica-se bastante quando o diário aborda temas
místicos.