Você está na página 1de 7

UNITRI

AGENILDO DOS SANTOS VELOSO

Uberlândia

2019
1- Introdução

Com a ascensão dos meios de comunicação virtuais, a informação nunca


esteve tão acessível como está hoje, o que vem gerando constantes debates sobre
o equilíbrio entre o direito a privacidade e a liberdade de informação. Tal debate tem
tomado a atenção de legisladores ao redor de todo o globo, a União Eupopéia, por
exemplo, criou uma legislação específica sobre o assunto, a “General Data
Protection Regulation”, mesmo exemplo seguiu o Brasil, que, inspirado naquela,
criou sua própria, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que entrará em vigor
em agosto do próximo ano.

Dentro desse universo de informações disponíveis a todos em um click,


existem dados referentes a determinados fatos da vida pregressa de uma pessoa
que podem causar constrangimentos para essa pessoa se acessível às outras
pessoas. Assim, para proteger contra tal constrangimento surge o mecanismo
denominado de “direito ao esquecimento”.

Para Ortega (2016), o direito ao esquecimento é o direito que assegurado a


uma pessoa de não permitir que um fato, mesmo que verídico, ocorrido em dado
momento de sua vida, seja disponibilizado ao público geral, causando-lhe sofrimento
ou transtornos.

Segundo Mendes e Branco (2018, p. 855), o direito ao esquecimento


enquadra-se como direito fundamental implícito, inclusive na seara penal, derivado
da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da
razoabilidade.

Esse assunto já foi levado à discussão doutrinária na VI Jornada de Direito


Civil, chegando ao enunciado de nº 531: “A tutela da dignidade da pessoa humana
na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Esse texto é fundado
na justificativa de que o direito ao esquecimento é parcela importante do direito à
ressocialização do ex-dentento, porém não atribui o direito a ninguém de reescrever
a história, apenas assegura a possibilidade de discutir a forma de usar os fatos
pretéritos.
Entretanto, em contraste com o direito ao esquecimento existem outros
direitos assegurados a todos, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o
direito à informação, criando, assim, um conflito aparente entre ambos.

2- A liberdade de Informação

A liberdade de imprensa pode ser incluída na própria liberdade de informação,


por esta ser mais ampla, enquanto aquela é reservada para um determinado grupo
profissional.

A Declaração Universal de Direitos Humanos em seu artigo XIX garante que


“todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

No mesmo sentido encontra-se textos parecidos em outros diplomas de


notória importância, como no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
recepcionado pela legislação nacional no Decreto nº 592/92, em seu art. 19:

“1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.


2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer
natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente
ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio
de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará
deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar
sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente
previstas em lei e que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.”

Para Viviane Maldonado tais diplomas dividem o direito de informação em


duas vertentes: o direito de informar e o direito de ser informado. A magistrada a lei
não só protege direito de informar como o direito garantido à imprensa, que na
verdade aparece como um verdadeiro dever, mas também todos os indivíduos,
assegurando-lhes o direito de buscar e acessar informações.

“Verifica-se, pois, que, se, de um lado, garante-se a liberdade de informar


aos jornalistas, e o que representa a própria liberdade de imprensa, na outra
ponta encontra-se o direito de ser informado, e cuja titularidade está
assegurada a todos os cidadãos. A estrutura desta dupla abordagem do
conceito da liberdade de informação, aqui contemplados o direito de
informar e o direito de ser informado, ostenta singular relevância no que
tange ao específico exame do direito ao esquecimento.” (MALDONADO)
3- O Direito à privacidade

De encontro à liberdade de informação encontra-se o direito a privacidade,


que pode ser descrido como o direito de ficar sozinho ou estar sozinho, salvo
razoável interesse público nas atividades pessoais.

“Dada a crescente capacidade do governo, da imprensa e de outras


agências e instituições de invadirem aspectos pessoais da atividade
humana, os juristas argumentaram acerca da necessidade de que a lei
devesse prever resposta às mudanças tecnológicas existentes à época,
entre as quais o advento de dispositivos mais modernos capazes de gravar
e de reproduzir sons e imagens.
Consequentemente, com vistas a garantir tais direitos da personalidade,
notadamente em face de práticas comerciais modernas e invenções
invasivas, concluíram que um remédio legal haveria de ser desenvolvido
para o fim de estabelecer limites entre vida pública e privada.”
(MALDONADO)

O direito à privacidade, é, assim como o direito a informação e o direito a


liberdade de imprensa, resguardado pela Carta Maior brasileira, em seu art. 5º, X:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”.

O Código de Direito Civil também mantém expresso em seu art. 21 que “A


vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado,
adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a
esta norma”.

O direito à privacidade abrange, também, o direito a reabilitação do réu que


cumpriu a pena, dispondo o Código Penal sobre o tema: “Art. 93 - A reabilitação
alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao
condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.”

Assim, mesmo que seja assegurado o livre trânsito de informações entre


aquele que deve informar, a imprensa, e aquele que busca a informação, sendo este
qualquer pessoa, essa liberdade não pode ultrapassar os limites da privacidade no
indivíduo, nem ferir sua honra sou sua imagem.

4- O direito à reabilitação

O direito à reabilitação é expresso no Código Penal entre os artigos 93 a 95:


“ Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença
definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu
processo e condenação.
        Parágrafo único - A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da
condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na
situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo.
        Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos
do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua
execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do
livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o
condenado:
        I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;
        II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante
de bom comportamento público e privado;
        III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a
absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba
documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.
        Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a
qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos
comprobatórios dos requisitos necessários.
        Art. 95 - A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por
decisão definitiva, a pena que não seja de multa.”

Porém a aplicabilidade prática de tais artigos encontra-se mitigada, pois o art.


202 da Lei de Execuções Penais trás um texto mais benéfico, sem a exigência do
período de 2 anos para o requerimento, além de se tratar de uma legislação
especializada, tendo precedência, assim, sobre a genérica. É o texto do art. 202 da
LEP:

“Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou


certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça,
qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo
pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.”

Para Greco (2017, p. 833), é muito mais vantajosa a aplicação imediata do


art. 202 da LEP após cumprida ou extinta a pena aplicada ao condenado do que
aguardar os dois anos do dia que foi extinta a pena, ou finda sua execução, para
solicitar a reabilitação.

5- O Direito ao esquecimento

De acordo com Maldonado, o direito ao esquecimento tem sua origem na


França, onde resta assegurado ao condenado criminalmente o direito de objeção à
publicidade de informações e de fatos após o cumprimento da sentença
condenatória. Isso advém de que uma vez a pessoa tenha obtido sua reabilitação,
deve estar livre da possibilidade de que seu passado obscuro macule sua reputação.
O direito ao esquecimento, em um ponto, garante aos indivíduos que estes
possam pedir a outros que se desfaçam de suas informações, quando estas
deixarem de serem relevantes à sociedade, se tornando desnecessárias.

Em outra visão, o direito baseia-se na premissa de que as pessoas podem


evoluir e mudar o seu comportamento, não devendo, assim, estarem conectados a
fatos que já não condizem com a atual postura da pessoa, e lhe podem ser
prejudiciais.

Para o primeiro ponto de vista o fator tempo é basilar. Assim, uma informação
que tem uma determinada relevância pública deve estar disponível para todos, por
sua importância, mas com o passar do tempo, essa informação poderá perder sua
relevância.

Enquanto pelo outro entende-se que os erros cometidos no passado não


devem acompanhar a pessoa em toda sua vida, pois ao contrário acarretaria em
uma pena perpétua, diferente do que roga a imposição legal.

6- Conclusão

Este tema é um tanto quanto instável, colocando em conflitos direitos


fundamentais, quais sejam o direito à informação, que inclui a liberdade de imprensa
e o direito à privacidade, e a dignidade da pessoa humana, que abrange o direito ao
esquecimento.

Para solucionar o conflito aparente dos princípios deve-se atentar ao caso


concreto, observar a relevância social da informação, o tempo decorrido do fato e o
dano que esta pode causar cara a vida da pessoa. Há de sempre se analisar o caso
no óbice da dignidade da pessoa humana, fonte de todo o direito.

Por fim, com a facilidade de obtenção de informação o direito ao


esquecimento pode ser uma ferramenta importante no combate ao preconceito
referente à vida pregressa das pessoas, e ao constrangimento que determinados
fatos ultrapassados trazes à vida das pessoas. Porém necessita, o tema, de um
debate ainda mais profundo, à luz das novas tecnologias e de ferramentas jurídicas
modernas que visem proteger, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.
Bibliografia

BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal,


Brasilia, 7 Dezembro 1940.

BRASIL. DECRETO No 592, DE 6 DE JULHO DE 1992, Brasília, 06 jul. 1992.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Planalto, 2


Maio 2019. Disponivel em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte geral. 19. ed. Niterói, RJ: Impetus, v. I,
2017.

MALDONADO, V. N. O direito ao esquecimento. TJSP. Disponivel em:


<http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/ii%207.pdf?
d=636680444556135606>. Acesso em: 2019 out. 20.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 13ª. ed. São


Paulo: Saraiva, 2018.

ORTEGA, F. T. O que consiste o direito ao esquecimento? Jusbrasil, 2016.


Disponivel em: <https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-
consiste-o-direito-ao-esquecimento>. Acesso em: 2019 out. 20.

STF. Direito ao Esquecimento. Boletim de Jurisprudência Internacional, 2018.


Disponivel em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaBoletim/anexo/BJI5DIREITOAOESQ
UECIMENTO.pdf>. Acesso em: 2019 out. 20.

Você também pode gostar