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ANAIS DO �º CONGRESSO

Crises da
Democracia

Grupo de
pesquisa
ANAIS DO �º CONGRESSO

Crises da
Democracia

Grupo de
pesquisa
����, Grupo de Pesquisa Politeia

Coordenadores da publicação: Maria Clara Santos e Pablo Leurquin


Editoração gráfica: Ivan Bretas Vasconcelos

GRUPO DE PESQUISA POLITEIA


Raoni Macedo Bielschowsky (Coordenador ‒ UFU)
Felipe Araújo Castro (UFERSA)
Lucas Costa dos Anjos (UFJF-GV)
Luiz Felipe Monteiro Seixas (UFERSA)
Luiz Filipe Araújo Alves (UFV)
Marcelo Corrêa Giacomini ( UFJF-GV)
Maria Clara Oliveira Santos (UFSJ)
Nara Pereira Carvalho (UFJF-GV)
Pablo Georges Cícero Fraga Leurquin (UFJF-GV)
Paulo César Pinto de Oliveira (UFV)
Tayara Talita Lemos (UFJF-GV)

Editora XXXX

Ficha catalográfica
Apresentação
O �º Congresso “Crises da Democracia” foi uma iniciativa do
Grupo de Pesquisa Politeia: cultura política, teoria e identidade
constitucional em parceria com o Centro de Referência em Direitos
Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora - campus
Governador Valadares (UFJF-GV), que nos abriu suas portas em
acolhida à primeira edição deste espaço criado para ampliar as
discussões entre os membros do grupo de pesquisa.
Ocorrido entre os dias � e � de abril de ����, na cidade de
Governador Valadares, o evento marcou o compromisso do
Politeia com a interiorização do conhecimento acadêmico e com
o fomento das discussões em diversos níveis. Importa frisar que o
Politeia é um grupo interinstitucional de pesquisa, registrado
desde ���� no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, e que
envolve pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU), da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), da Universidade Federal de
São João del Rei (UFSJ) e da própria UFJF-GV.
Durante o evento, os professores membros do grupo de
pesquisa Felipe de Araújo Castro, Maria Clara Santos e Raoni
Bielschowsky ministraram palestras, que marcaram o início e o
encerramento das atividades dos dias de trabalho. As tardes foram
tomadas por discussões de discentes e docentes da UFJF-GV, e
pesquisadores da comunidade externa, em grupos de trabalho.
Além disso, vários discentes e docentes da UFJF-GV, bem como
membros externos à instituição, participaram dos grupos de
trabalhos que tratavam sobre assuntos pertinentes ao tema de
reflexão da primeira edição. Alguns dos textos compõem estes
Anais do �º Congresso “Crises da Democracia”, que reúnem
trabalhos completos enviados após a ampliação das discussões,
como também alguns resumos expandidos que foram
apresentados para seleção e discussão.
No intuito de fazer perdurar as discussões e reflexões
daquelas tardes, publicamos agora em ���� os presentes Anais,
que chegam em meio à pandemia de Covid-��, momento da vida
democrática onde as crises anteriores se somam ainda a uma
intensa crise sanitária, com todos os problemas de saúde pública
decorrentes da sindemia que nos assola e que faz ampliar o fosso
das desigualdades, da inoperância política e do esvaziamento
institucional que já tratamos em ���� quando da edição do
evento.
Por esta razão, os debates que ocorreram no �º Congresso
“Crises da Democracia” ainda se mostram bastante pertinentes e
servem também como chave de interpretação do momento atual,
um porque carregam em muitos de seus textos um olhar para
marcas históricas da formação democrática brasileira, e dois
porque apresentam um retrato das aflições democráticas em um
Brasil pré-colapso. O objetivo desta publicação, que se soma às
demais do Grupo de Pesquisa Politeia, é resgatar aquelas análises
realizadas em ����, com intuito de revelar as atualidades das
constatações de outrora, e mirando na ressignificação das leituras
a fim de semear novas e outras interpretações das múltiplas
facetas das crises da democracia.

Grupo de Pesquisa Politeia


http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/����������������
Sumário
Trabalhos apresentados

Acesso à informação via WhatsApp e seu uso como ferramenta


político partidária .........................................................................................�

Da justiça à precaução contra a política: A organização judiciária


entre Rui Barbosa e Oliveira Vianna........................................................��

O discurso neoliberal e o ataque às ações afirmativas: um risco ao


princípio da igualdade...............................................................................��

A efetivação da igualdade material de gênero no processo civil......��

Crise, Estado e trabalho: um estudo sobre o pluralismo


metodológico nas interpretações acerca da atual crise brasileira...��

Litigância de interesse público e processo estrutural: A decisão


simbólica de criminalização da LGBTfobia ...........................................��

Resumos expandidos apresentados

O processo estrutural e a efetivação da igualdade material de


gênero no processo civil............................................................................��

A política do “contra tudo isso que está aí” - Uma análise da


democracia brasileira em tempos de ascensão do autoritarismo...��

A atuação dos trabalhadores no queremismo .....................................��

Os usos históricos da justiça do trabalho e a efetivação de direitos


sociais............................................................................................................��
Trabalhos
apresentados
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

ACESSO À INFORMAÇÃO VIA


WHATSAPP E SEU USO COMO
FERRAMENTA POLÍTICO PARTIDÁRIA

Thaís Machado Botelho

Resumo:
Esse trabalho tem como objetivo a análise dados acerca
das formas de acesso a internet no Brasil, e principais atividades
online. Com destaque à predominância da conexão via
smartphone, em especial o uso do aplicativo de mensagens
Whatsapp, um dos mais populares no país. Ademais, serão
observados as características de tal aplicativo e seu papel na
disseminação de informações, no que tange ao seu emprego meio
de mobilização político ideológico, e utilização como estratégia
eleitoral durante as eleições presidenciais de ����.

Palavras-chave: Palavras chave: informação; whatsapp; eleições


information; whatsapp; elections

�. Metodologia
Para análise foram utilizados pesquisa bibliográfica, além
de dados sobre uso internet da pesquisa TIC Domicílios ����,
realizada anualmente pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Com considerações sobre a popularidade do aplicativo Whatsapp,
e pesquisa sobre formas de conexão e estratégias de mercado que
favorecem sua prevalência frente a outros empregos da internet.
Foram utilizados também dados do relatório Poder
Computacional: Automação no uso do WhatsApp nas Eleições,
elaborado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro, que buscou mapear redes de conexão entre grupos,
atuação coordenada e uso de automação em grupos criados com
fins políticos e de acesso via link público.


Trabalhos apresentados

�. Acesso à internet no Brasil e o fenômeno Whatsapp


Segundo a pesquisa TIC Domicílios ���� (CGI.br. ����),
realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, ��% dos
domicílios brasileiros possuem acesso à internet. No entanto,
entre esses ��% utilizou a internet via telefone celular, e em ��%
dos casos a conexão ocorreu exclusivamente pelo celular. Cabe
salientar os fatores fatores socioeconômicos que permeiam a
conexão da internet, uma vez que o acesso sem computador
ocorre principalmente nos domicílios mais pobres e entre os
usuários com menor grau de escolaridade.
Quanto às atividades realizadas online, ��% dos usuários
utilizam a internet para a troca de mensagens por Whatsapp,
Skype ou chat do facebook (CGI.br. ����). Ademais, o whatsapp é
o aplicativo de “rede social” mais utilizado pelos usuários de
internet brasileiros (CONECTAí, ����). Contando em ���� com
cerca de ��� milhões de usuários no país (CANALTECH, ����).
A popularidade do aplicativo se deve em parte ao
Whatsapp ser destinado ao envio de mensagens gratuitas, sendo
uma alternativa ao SMS, o qual normalmente é um serviço pago.
Ademais o whatsapp oferece também as opções de envio de mídia
e chamadas de áudio e vídeo, protegidos com criptografia, e
gratuitamente, sendo necessário apenas conexão com a internet.
Quanto a forma a forma de acesso entre os smartphones,
��% dos usuários utilizam a internet móvel (CGI.br. ����). E nessa
forma de conexão o whatsapp apresenta vantagens frente a
concorrentes, pois quatro grande operadoras de telefonia móvel
do Brasil (TIM, Vivo, OI, Claro), possuem planos pré pagos com a
prática de zero-rating em relação ao Whatsapp (BLASI, ����),
estratégia similar pelas mesmas operadoras em relação aos
planos pós pagos (PCWORLD, ����). Zero-rating ocorre quando o
provedor de internet aplica tráfego zero aos dados a um aplicativo,
normalmente por acordo comercial, isto é, há um incentivo ao uso
de determinados aplicativos sem desconto da franquia de dados,


Anais do �º Congresso Crises da Democracia

prática que ameaça a concorrência e a neutralidade de rede (IRIS,


����).
A partir de tais dados observa-se que o principal meio de
acesso a internet no Brasil ocorre via smartphone. Com a
finalidade mais recorrente para troca de mensagens, em especial
o uso do whatsapp, dentro de contexto comercial que incentiva o
uso desse aplicativo.
E apesar de ser denominado por alguns como uma rede
social, a próprio plataforma Whatsapp se afirma como aplicativo
de mensagens. Como observado em sua estrutura a qual
pressupõe certa proximidade entre os usuários, visto que a lista de
contatos é baseada no número de telefone celular, informação
normalmente mais restrita, além da ausência de ferramenta de
busca de usuários para além da lista de contatos.
Outro fator é a experiência e interação limitados, pois a
plataforma destina-se a troca de mensagens ou arquivos de mídia,
sem possibilidade de curtir, comentar publicações, com ausência
inclusive de uma timeline. A simplicidade no uso conquistou o
público, e atingiu inclusive grupos pouco familiarizados com as
tecnologias de informação. Além da função de grupos que
permite a criação de salas de debates com até ��� membros,
criadas para conversa livre ou destinadas a fins específicos. Além
do mais:
As formas de construção de redes de
comunicação por meio de aplicativos de
mensagens instantâneas como WhatsApp
são distintas das observadas nas mídias
sociais. Estas últimas privilegiam a abertura
das conexões para expandir a sua rede. Isso
quer dizer que a rede se torna mais forte e
consegue indicar novas conexões na medida
em que mais usuários se conectam através
dela. O uso do WhatsApp, por outro lado,
depende da ação dos usuários ao
conhecerem seus interlocutores,

��
Trabalhos apresentados

adicionando seus números, ou sendo


adicionado por seus contatos, a grupos de
discussão. O WhatsApp também
implementou um recurso que permite aos
usuários entrarem em grupos de discussão
ao clicarem em links públicos, que foi
amplamente utilizado no processo eleitoral
brasileiro. (MACHADO e KONOPACKI, ����, p.
�).

O Whatsapp traz essa atmosfera de simplicidade e


proximidade os usuários, no entanto, especialmente nas funções
de grupos, o compartilhamento de mensagens tornou o aplicativo
um grande meio para fluxo de informações. Contudo, tais dados
são protegidos para manutenção da privacidade do usuário. E
uma vez não passível de controle torna-se um instrumento
poderoso disseminação de qualquer fonte de informação,
inclusive as falsas ou sem embasamento.

�. Eleições presidenciais de ����


As eleições presidenciais brasileiras de ���� ocorreram
num cenário peculiar, uma vez que as redes sociais se tornaram
um canal intensamente explorado para propaganda eleitoral.
Como destacado no relatório elaborado pelo Instituto de
Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, em os meios
tradicionais de comunicação perderam o protagonismo. A título
de exemplo a coalizão do PSDB, que dispunha de quase ��% de
tempo na tv aberta alcançou apenas �% dos votos, enquanto que
partidos políticos com pouca tradição, como o PSL, conseguiram
votações expressivas explorando como principal veículo de
propaganda a internet (MACHADO e KONOPACKI, ����).
O engajamento político online não é fato típico do ano
eleitoral mas fruto de esforços nos últimos anos para para
aumentar a relevância e a base de apoiadores de determinadas
posicionamentos ou candidatos. Essa nova forma de propaganda

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

política ocorre pelo recrutamento de voluntários, os quais agem


de forma coordenada para reafirmar as teses defendidas por seus
candidatos e, ao mesmo tempo, combater posicionamentos
divergentes (MACHADO e KONOPACKI, ����).
No cenário internacional por sua vez, houveram escândalos
envolvendo a empresa Cambridge Analytica, a qual forneceu
indevidamente dados de usuários do facebook para uso de
propaganda eleitoral direcionada nas eleições presidenciais
estadunidenses de ���� e no Brexit. (MACHADO e KONOPACKI,
����).
Diante disso, o Tribunal Superior Eleitoral regulamentou via
Resolução ��.���/���� o uso das mídias digitais durantes as
eleições. Estabelecendo regras como a vedação ao uso de bots,
notícias falsas e a difamação como estratégia de alavancagem
política. Tal política que atingiu principalmente redes sociais
como Facebook e Twitter, redes em que o conteúdo das
publicações é de acesso livre, ou de pouca restrição.
Contudo, a Resolução ��.���/���� do TSE perde
efetividade em relação ao whatsapp, especialmente por não se
tratar de uma rede social social, mas sim um aplicativo voltado à
comunicação interpessoal, logo o conteúdo das mensagens não é
de acesso público, com manutenção da privacidade dos usuário
via criptografia ponta a ponta, “o que significa que terceiros,
incluindo o WhatsApp, não podem lê-las nem ouvi-las”
(WHATSAPP, ����). Logo, o aplicativo mais popular do Brasil, e
pelo qual passam um intenso fluxo de informações, não é
monitorável. Ademais:
Por outro lado, ferramentas de mensagem
instantânea e interpessoal como o WhatsApp
passaram a ser instrumentos relevantes para
a difusão de conteúdo político e eleitoral,
sem a mesma capacidade de escrutínio
público sobre o conteúdo trocado por seus
usuários. [...]

��
Trabalhos apresentados

O uso intenso de ferramentas de mensagem


instantânea como veículo de propaganda de
campanhas políticas tornou-se, assim, um
terreno propício para a proliferação de
notícias falsas, pela ausência de ações
específicas que fossem capazes de realizar
qualquer tipo de fiscalização ou de medidas
de mitigação com relação aos conteúdos
trocados dentro destes canais. (MACHADO e
KONOPACKI, ����, p. �).

Visto a impossibilidade identificar ou fiscalizar propaganda


política no aplicativo, os autores Machado e Konopacki (����)
elaboraram o relatório sobre o uso do whatsapp nas eleições
partindo da seguinte metodologia. Primeiro, monitoramento de
��� grupos de acesso via link público disponibilizados online no
período da pesquisa, com a metodologia bola de neve, em que as
referências iniciais levam as referências posteriores.
Foram analisadas cerca de vinte e seis mil mensagens no período
de � dias entre o primeiro e segundo turno das eleições
presidenciais. E buscou-se identificar: se há comportamento
automatizado, via exame da atividade dos dez usuários comuns
mais ativos; se existe ação coordenada e de cunho profissional; e
por fim identificar o grau de conexão entre grupos, por membros e
administradores em comum.
Quanto aos resultados, Machado e Konopacki (����),
identificaram uma expressiva superposição de membros. Em
números, �� pares de grupos compartilham mais de �� usuários
entre si, e ��� pares de grupos tem mais de �� usuários em
comum. Quanto aos usuários, �� deles são membros de �� grupos
ou mais, com o usuário mais conectado como membro de ��
grupos. Os autores concluem:
Isso significa que os grupos políticos de
WhatsApp não são compostos por bolhas
isoladas com baixo grau de comunicação,

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

mas sim uma rede de grupos, com muitos


usuários recebendo e compartilhando
conteúdo em múltiplos meios, com
coordenação entre eles. Isso emula o
modelo de “broadcast”, mesmo
considerando a arquitetura originalmente
descentralizada do Whatsapp. (MACHADO e
KONOPACKI, ����, p. ��).

No que trata a conexão entre grupos por administradores,


foram identificadas ��� conexões de grupos que compartilham ao
menos � administrador. E em �� grupos os administradores são ao
menos �� vezes administradores de outros grupos, com o caso de
os mesmos � administradores moderando outros �� grupos.
(MACHADO e KONOPACKI, ����). A importância da análise dos
administradores advém de esses ditarem as regras do grupo, com
poder para incluir ou excluir usuários. Com base na forte conexão
os autores compreenderam que os grupos não se encontram
isolados, mas há uma estrutura coordenada na disseminação das
informações.
Machado e Konopacki (����) também analisaram o
comportamento dos usuários disseminadores de informação.
Para tal usaram uma amostra dos dez usuários mais ativos entre
os grupos. Foi observado que estes �� usuários emitem �� vezes
mais mensagens que a média geral, e as mensagens são enviadas
em intervalos muito curtos que variam de � a �� segundos.
Ademais, nos usuários mais ativos, � entre �� perfis não
apresentam nomes, usam fotos impessoais e não possuem
nenhum status ou mantêm o status padrão do Whatsapp. O
conteúdo das mensagens por sua vez consiste em retransmissão
de arquivos de mídia, com pouca ou nenhuma mensagem
produzida pelo usuário. Tais características demonstram a
impessoalidade presente nesses perfis e são forte de indício da
presença de automação, total ou parcial, para a difusão de
conteúdo (MACHADO e KONOPACKI, ����).

��
Trabalhos apresentados

Segundo os autores Machado e Konopacki (����), os ��


usuários mais ativos estão distribuídos entre os diferentes grupos
analisados, dificilmente havendo mais de um disseminador por
grupo, o que os autores consideram uma possível alocação
estratégica. E seguem:
Vale notar que essa amostra serve para
ilustrar a penetração de usuários
disseminadores de informação nos grupos
políticos e como esses usuários
compartilham grupos entre si. Essa análise
sugere que membros-chave conectam-se a
múltiplos grupos que compõem os espaços
de debate do WhatsApp para catalisar a
difusão de informação e conteúdo,
propiciando o efeito de “broadcast” de um
determinado conteúdo que se deseja
transmitir. (MACHADO e KONOPACKI, ����, p.
�� e ��).

�. O problema da desinformação
As mídias sociais possibilitaram uma maior difusão das
informações e modificaram, portanto, a forma de fazer
campanhas eleitorais. Logo, para além de propaganda eleitoral na
televisão, ou santinhos e panfletos de candidatos que são
distribuídos, a vida online e o comportamento do candidato
e base de seguidores influi no resultado das urnas.
E como um meio de propaganda eleitoral, o que é publicado
online deve atender a regras para manutenção de um jogo político
limpo. Para tanto, as discussões acerca da veracidade dos
conteúdos na internet estão em alta, e expressões como fake news
e bots se tornaram populares. De mesmo modo que há iniciativas
visando coibir tais práticas, via regulamentação governamental ou
por iniciativa das próprias plataformas.
Diante disso, é necessário fazer alguns apontamentos. Primeiro, é
evidente a necessidade de algum controle sobre o conteúdo de
propaganda eleitoral, contudo, tal ato toca em direitos básicos

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

como a liberdade de expressão, ou mesmo elementos da


linguagem como a ironia e metáforas. Por exemplo, a imprensa ou
um usuário de rede social pode utilizar tais figuras de linguagem
como técnica para provocar humor ou criticar posicionamentos e
candidatos. Tais conteúdos não se propõem a ser verídicos, e cabe
a discussão acerca do limite de intervenção na busca de um
conteúdo falso, e os próprios critérios para definir o que é uma
fake news.
Outro fator parte da própria definição do que é verdade, fatos são
complexos e permitem a coexistência de diversas versões
distintas. Estabelecer uma verdade pode ser uma forma de
censurar conteúdos sob uma aparência de legalidade. Basta
recordar quantos governos já omitiram suas ações da discussão
pública, uma denúncia a respeito poderia ser taxada como fake
news e retirada da internet. “Uma dica aos governos autoritários:
caso queiram se safar da censura virtual, apenas tagueiem como
fake news os artigos de que não gostarem e ninguém no ocidente
jamais reclamará. (MOROZOV, ���� p. ���).
Não se trata de criticar o trabalho no combate às notícias falsas,
como o realizado pela agência de checagem de fatos, mas refletir
sobre a quem pertence a versão oficial. Ademais, que nível de
monitoramento é aceitável sem ferir a privacidade dos usuários,
especialmente em relação ao whatsapp em que as informações
são de cunho privado.
Outra questão é as fake news são altamente rentáveis, Machado e
Konopacki (����) citam o artigo "The science of fake news", que
afirma que as fakes news possuem maior alcance e propagação
mais rápida que notícias verdadeiras. Morozov (����) afirma que o
problema não são as fakes news em si, pois boatos falsos para
difamar candidatos são estratégia política antiga. O problema
reside na capacidade de disseminação dessas informações,
possibilitada pelo capitalismo digital que torna altamente rentável
notícias que atraem cliques.
Ademais, em cenários polarizados, a versão oficial torna-se
menos relevante. Sergio Branco (����) traz o conceito de pós

��
Trabalhos apresentados

verdade do dicionário Oxford. Essa é definida por circunstância e


fatos objetivos serem menos influentes na opinião pública frente
aqueles que reafirmam crença pessoal ou apelam à emoção. Em
suma, o conteúdo que reafirma o posicionamento já defendido se
sobressai ante a verdade.

�. Considerações finais
Diversos fatores permitiram a popularidade do whatsapp no
Brasil, e por ser o aplicativo mais utilizado no país se tornou um
meio atrativo para disseminação de informações. Porém se trata
de de uma plataforma destinada a comunicação interpessoal,
marcado por conteúdo privado, proximidade entre os usuários,
organização descentralizada e linguagem de fácil acesso. E o seu
uso de maneira coordenada e em rede como meio de propaganda
política se torna um problema à medida que existem limites à
propaganda eleitoral, mas não há meios viáveis para se fiscalizar
as atividades no Whatsapp, por conta da criptografia ponta a
ponta, e pela manutenção da privacidade dos usuários.
Ademais, foi destacado que os problemas não são as fakes news
em si, mas a forma como elas se propagam. E que o discurso de
combate as notícias falsas passam pelo problema da definição da
verdade e podem ser usados como forma de censura.
Enfim, a tecnologia proporcionou uma revolução na forma de se
acessar conteúdos, mas enquanto meio pode ter usos adequados
e inadequados. O próprio problema do whatsapp adveio do
desvirtuamento de sua função original. No momento cabe refletir
sobre as opções de como lidar com essa nova forma de
propaganda eleitoral sem violar direitos dos usuários e sob o viès
democrático.

REFERÊNCIAS:
BLASI, Bruno De. Pré-pago com WhatsApp ilimitado: conheça
preços de Claro, Oi, TIM e Vivo. TechTudo, �� de dez. de ����.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/����/��/


pre-pago-com-whatsapp-ilimitado-conheca-precos-de-claro-oi-
tim-e-vivo.ghtml. Acessado em: �� de out. de ����.
BRANCO, Sérgio. Fake News e os Caminhos para Fora da Bolha.
Interesse nacional, agosto‒outubro ����. pág ��-��. Disponível
em: <https://itsrio.org/wp-content/uploads/����/��/sergio-
fakenews.pdf>. Acessado em: �� de out. de ����.
CANALTECH. Um a cada �� usuários do WhatsApp é brasileiro.
�� de Maio de ����. Disponível em: https://canaltech.com.br/
apps/um-a-cada-��-usuarios-do-whatsapp-e-brasileiro-�����/.
Acessado em: �� de dezembro de ����.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL ‒ CGI.br. Pesquisa
sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação
nos domicílios brasileiros: TIC Domicílios ����. Núcleo de
Informação e Coordenação do Ponto BR - São Paulo : Comitê
Gestor da Internet no Brasil, ����. Disponível em: https://
www.cetic.br/media/docs/publicacoes/�/
tic_dom_����_livro_eletronico.pdf. Acessado em: �� de out. de
����.
CONECTAí. WhatsApp é o app de rede social mais usado pelos
internautas brasileiros. �� de ago. de ����. Disponível em:
https://conectaibrasil.com.br/noticias/confira-o-ranking-dessa-
categoria. Acessado em �� de out. de ����.
IRIS, Governança global da internet, conflitos de leis e
jurisdição. Fabrício Bertini Pasquot Polido, Lucas Costa dos Anjos,
Luiza Couto Chaves Brandão, organizadores. ‒ Belo Horizonte:
Instituto de Referência em Internet e Sociedade, ����.
MACHADO, Caio; KONOPACKI, Marco. Poder Computacional:
Automação no uso do WhatsApp nas Eleições. Instituto de
Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, ����. Disponível em:
https:// itsrio.org /wp -content /uploads/����/��/Poder-
Computacional-Relatorio-Whatsapp-Eleicoes-ITS.pdf. Acessado
em: �� de out. de ����
MOROZOV, Evgeny. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte
da política. Traduzido por Cláudio Marcondes. São Paulo: Ubu
Editora, ����.

��
Trabalhos apresentados

PCWORLD. Melhores planos pós-pagos e controle para se ter


no Brasil, de acordo com pesquisa. PCWorld - Tecnologia no seu
dia a dia, �� de ago. de ����. Disponível em: https://
pcworld.com.br/melhores-planos-pos-pagos-e-controle-para-se-
ter-no-brasil-de-acordo-com-pesquisa/. Acessado em: �� de out.
de ����.
WHATSAPP. Sobre o Whatsapp. ����, WhatsApp Inc. Disponível
em: https://www.whatsapp.com/about/. Acessado em: �� de out.
de ����.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

DA JUSTIÇA À PRECAUÇÃO CONTRA A


POLÍTICA: A ORGANIZAÇÃO
JUDICIÁRIA ENTRE RUI BARBOSA E
OLIVEIRA VIANNA

Ana Silva Rosa

RESUMO
De refreadouro dos caprichos do poder político à vanguarda
iluminista, o Poder Judiciário aparece como ator relevante na cena
política brasileira. É por vezes prestigiado, em celebração que lhe
agrega outras funções para além das de intérprete e aplicador das
normas jurídicas, como a de poder da moderação. O discurso
político que encontra no Judiciário as bases de sustentação da
República tem raízes profundas no Pensamento Político Brasileiro
e pode ser mapeado até figuras que disputaram nos anos iniciais
da Primeira República os sentidos em torno da organização da
justiça, e traduzido pelo termo judiciarismo. Resgatar essas
disputas e traçar as bases sobre as quais o judiciarismo se
estenderá é o que este trabalho se propõe, através da análise das
produções de Rui Barbosa e Oliveira Vianna. Indicando o primeiro
como espécie de pai fundador do judiciarismo liberal e o segundo
como uma expressão conservadora desse tipo de discurso, o
artigo pretende assinalar as influências das proposições do jurista
baiano quanto à função do Poder Judiciário na República no
pensamento do sociólogo fluminense, através da análise dos
discursos políticos que produziram sobre o tema da organização
da justiça.
Palavras-chave: Judiciarismo; Pensamento Político Brasileiro;
Rui Barbosa; Oliveira Vianna.

ABSTRACT

��
Trabalhos apresentados

From restraining the whims of political power to the illuminist


avant-garde, the judiciary appears as a relevant actor in the
Brazilian political scene. It is sometimes prestigious, in celebration
that adds functions other than that of interpreter and enforcer of
the legal norms, such as the power of moderation. The political
discourse that finds in the Judiciary the bases of support of the
Republic has deep roots in the Brazilian Political Thought and can
be mapped to figures who disputed in the early years of the First
Republic the meanings around the organization of justice, and
translated by the term judiciarism. Rescuing these disputes and
laying the foundations on which the judiciary will extend is what
this work proposes, through the analysis of the productions of Rui
Barbosa and Oliveira Vianna. Indicating the frist as a kind of
founding father of liberal judiciarism and the latter as a
conservative expression of this type of discourse, the article
intends to point out the influences of the Bahian jurist's
propositions regarding the functionof the Judiciary in the Republic
in the thought of the Rio de Janeiro sociologist, through analysis of
the political discourses they produced on the theme of the
organization of justice.
Key words: Judicial Activism; Brazilian Political Thought; Rui
Barbosa; Oliveira Vianna.

�. Introdução
Antigo conhecido nosso, o judiciarismo dá conta de
momentos em que do descrédito da política e de seus atores
tradicionais surge espaço para novos ‒ ou mesmo antigos ‒
personagens, que vêm a público na tentativa de regenerar a
prática política, assumindo posturas que se querem heroicas. Se
expressa na defesa do Judiciário como poder capaz de regenerar
a política. Atento à dinâmica política e nela inserto como ator
ativo, o Judiciário seria, nessa perspectiva, uma espécie de
substituto republicano do Poder Moderador monárquico, capaz
de equilibrar o jogo de poder na República, salvaguardando suas
instituições da política (LYNCH, ����).

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

O artigo procura explorar duas diferentes manifestações do


discurso judiciarista no Pensamento Político Brasileiro, pelas
vozes de Rui Barbosa e Oliveira Vianna, indicando que, ainda que
por vieses ideológicos distintos, ambos compartilham das
mesmas perspectivas quanto à necessidade de se organizar a
justiça e dotá-la de autonomia como forma de investir o Poder
Judiciário na função de moderador da República.
Nesta seção a perspectiva de Oliveira Vianna sobre o
pensamento de Rui Barbosa será apresentada para indicar as
críticas do primeiro ao segundo e dar dimensão das diferenças das
posições assumidas pelos autores nas disputas em torno da
interpretação do país. O tema do judiciarismo vem no segundo
capítulo, com o debate sobre as formulações dos autores quanto
ao papel do Poder Judiciário e a necessidade de organização da
justiça. Na parte final do artigo os pontos de diálogo entre o
judiciarismo de Rui e o de Oliveira Vianna serão explorados,
indicando como este trabalha e reconhece as influências daquele.
Tomando o Pensamento Político Brasileiro pela perspectiva
das principais ideologias que o compõem, Rui Barbosa e Oliveira
Vianna aparecem em polos que por vezes se opõem. Rui, espécie
de patrono do liberalismo brasileiro, tem por companheiros
Tavares Bastos, Joaquim Nabuco e Pedro Lessa; enquanto Oliveira
Vianna, descende de outro ramo e compartilha das reflexões de
Visconde do Uruguai, Sylvio Romero e Alberto Torres, como parte
dos intelectuais que pensaram o Brasil sob ponto de vista
conservador.
Ao olhar as tradições do pensamento político nacional
Oliveira Vianna conclui que nossos pensadores foram homens
marginais. Expatriada do ponto de vista intelectual, a inteligência
brasileira viveria entre duas culturas; a nacional, formadora do
subconsciente coletivo e a de seus sonhos, europeia ou norte-
americana, “que lhes dá as idéias [sic], as diretrizes do
pensamento, os paradigmas constitucionais, os critérios do
julgamento político” (����, p. ���). Daí o termo “marginalismo”
para caracterizar o pensamento de parte de nossos intelectuais e

��
Trabalhos apresentados

a proposição de que do marginalismo decorria a histórica


discordância entre construções jurídicas e realidade social em
nosso meio (VIANNA, ����, p. ���).
O sociólogo chama a esses intelectuais de “idealistas
utópicos”, afirmando que as bases do pensamento que
desenvolviam estaria fora da realidade nacional. Sua crítica se
dirigia aos liberais; seriam eles, sobretudo, os acometidos pelo
idealismo utópico - “quimera sem objetivação possível”,
construção etérea sobre o sonho, que despreza realidade, história
e povo brasileiros (VIANNA, ����, p. ���).
Marginais, os liberais dos tempos do Império e da República
padeceriam de “sonambulismo judicial”. Cegos em relação à
realidade que os cercava, excessivamente crentes e apegados às
leis e formas escritas, nossos intelectuais caminhariam como se
lhes faltasse a vista, “andando aos encontrões contra os dados e
fatos do nosso meio e do nosso povo” (VIANNA,����, p. ���).
É Rui Barbosa que aparece na descrição de Oliveira Vianna
como o mais vivo exemplo do liberal marginal. Sua mentalidade
inglesa, a metodologia que adotava para pensar o Direito, sua
condição de homem público do Império e da República, o fariam
um perfeito marginal. Distante da realidade nacional, a prática e o
pensamento jurídico do jurista baiano se restringiriam ao manejo
da letra fria da lei. “É que, para ele, o direito era [�] uma
tecnologia, e não uma ciência social”, comenta Oliveira Vianna, e
conclui: “o que lhe importava era o texto legal e o seu confronto
com outros textos legais; era a exegese e a doutrina dos outros
códigos estrangeiros” (VIANNA, ����, p. ���).
Afora as duras críticas que faz ao complexo marginalista que
dominaria o pensamento ruiano, seus textos também lhe
oferecem concessões e elogios. Oliveira Vianna comenta que nas
reflexões de Rui e em sua ação política haveria o perecível e o
eterno. O eterno estaria, principalmente,
na sua concepção e na sua doutrinação do
Poder Judiciário, no primado que êle [sic]
advogou deste poder, na intangibilidade do

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

seu prestígio, na sua competência revisora


dos atos do Legislativo e do Executivo: - e
nisto êle [sic] esteve e estará, não apenas
com o Brasil, mas com a América toda, na
unanimidade de todos os Estados livres
(VIANNA, ����, p. ���).

“O que constitui a glória de Rui [continua Oliveira Vianna] são os


ideais, a que consagrou a sua vida e o seu gênio. É a sua obra
doutrinária e forense de defesa da Justiça, do Direito e da
Legalidade (VIANNA, ����, p. ���)
Da incessante luta de Rui em nome da independência,
soberania, federalização e organização do Poder Judiciário como
defensor e representante da justiça, a combater arbítrios e abusos
- seja dos demais poderes republicanos, seja dos potentados
locais - como sustentáculo da República e da democracia, se
apoderou Oliveira Vianna. Crítico e admirador de Rui Barbosa, o
sociólogo fluminense também reservou em suas reflexões sobre a
política brasileira lugar de destaque para o Poder Judiciário.
Nas páginas que se seguem o diálogo entre ambos no que
diz respeito a necessidade de organização da justiça como
corolário para a garantia das liberdades individuais, políticas e da
própria democracia, será explorado. Idealista orgânico, conforme
se queria, Oliveira Vianna compartilha do judiciarismo do marginal
liberal Rui, afinidade que pode dizer respeito às especificidades de
uma época em que o Direito era a principal linguagem pela qual a
política se expressava.

�. Judiciarismo à la Rui, Judiciarismo à la Oliveira Vianna

�.� Democracia jurídica como sustentáculo da República


Se Oliveira Vianna apresenta Rui Barbosa como idealista
utópico, liberal marginal, adepto de visão restritiva do Direito,
trazer à tona as palavras do próprio Rui acerca de sua concepção

��
Trabalhos apresentados

sobre o que seria o Direito vale por acrescentar perspectiva ao


debate e indicar as bases de seu judiciarismo.
O Direito aparece no pensamento de Rui como
materialização da justiça, bem supremo a sustentar o regime
republicano, as liberdades e a democracia. Disciplina e corrige a
vida social e política, figurando como ideal irrealizável na política
concreta. Em seu pensamento o Direito transcende os tribunais.
Não há instituições que o possam abrigar. Para ele, o Direito lhes é
superior, pois constituído de máximas e fundamentos frutos do
próprio desenvolvimento humano, enquanto que elas são obras
de arranjos políticos (BARBOSA, ����, p.���-���).
Como na filosofia política kantiana, em Rui Barbosa a
política se subordina aos fundamentos morais e o Direito aparece
como instrumento de harmonização entre ambos, aconselhando
à astúcia das serpentes a sinceridade das pombas. Kant entende
política e moral como faces do Direito e, como o político moral do
ideal kantiano, Rui pensa o Direito como mecanismo de direção e
freio da política rumo à realização da justiça e da liberdade (KANT,
����).
Então, dentro da lógica de organização dos poderes seria o
Judiciário a instituição que encarnaria o ideal de justiça e de
moderação da vida política. Poder sem espada e sem tesouro, o
Judiciário, compromissado com a lei e não com o poder político,
se incumbiria de frear os excessos do Executivo e das maiorias
legislativas (BARBOSA, ����, p. ���).
Rui pensa a justiça como precaução contra a política ao
perceber que a República que tinha diante de si em muito se
afastava da que havia idealizado e contribuído para arquitetar. Em
sua Plataforma Eleitoral de ���� e no discurso “O Supremo
Tribunal Federal e a Constituição”, de ����, suas preocupações se
mostram claras. A República como império da lei, da liberdade e
da justiça não viera. Em seu lugar tinha-se um arranjo oligárquico,
dirigido não pela ideia de bem comum, mas pelos desejos dos
vários que haviam se apossado do poder. Diante desse quadro
crítico Rui Barbosa fala pela necessidade de fortalecimento e

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

organização do Judiciário como frente de regeneração da


República.
É que a configuração da justiça se encontrava entregue a
uma lógica não unificada. Vulnerável ao arbítrio dos potentados
locais, a magistratura nos estados e municípios não tinha forças
para se portar como guardiã e garantidora da lei. Mesmo o
Supremo Tribunal Federal (STF) via-se podado em algumas de
suas funções constitucionais. Rui contra isso se levantava e
advogava pela necessidade de federalização da justiça, com
extensão à toda magistratura das garantias de que gozavam os
magistrados federais, autonomização do Judiciário e investidura
do STF no controle da constitucionalidade dos atos do Executivo e
do Legislativo, função que a Constituição lhe atribuía.
A política invadiu as regiões divinas da
justiça, para a submeter aos ditames das
facções. Rota a cadeia da sujeição à lei,
campeia dissoluta a irresponsabilidade.
Firmada a impunidade universal dos
prepotentes, corrompeu-se a fidelidade na
administração do erário. Abertas as portas
do erário à invasão de todas as cobiças,
baixamos da malversação à penúria, da
penúria ao descrédito, do descrédito à
bancarrota. Inaugurada a bancarrota, com o
seu cortejo de humilhações, agonias e
fatalidades, vê a nação falidas até as
garantias da sua existência, não enxergando
com que recursos iria lutar amanhã, ao
menos pela sua integridade territorial, contra
o desmembramento, o protetorado, a
conquista estrangeira. E, enquanto este
inevitável sorites enlaça nas suas tremendas
espirais a nossa pátria, todos os sinais da sua
vitalidade se reduzem ao contínuo crescer
dos seus males e sofrimentos, sob a

��
Trabalhos apresentados

constante ação dos cancros políticos que a


devoram, das parcialidades facciosas que a
corroem, dos abusos, por elas entretidos,
que a lazaram de uma gafeira ignóbil
(BARBOSA, ����, p.���-���).

Deste trecho de um dos discursos de Rui percebe-se que


seu raciocínio é de que longe da autoridade da lei, a República se
perdia por completo. Aberta a porta da justiça à política, caiam por
terra os freios e contrapesos que buscavam o alinhamento entre a
vida pública e as máximas da moral. O Judiciário aparece como
figura central. Perdendo-se ele, perde-se também a República,
salvando-o das ingerências da política, seria possível também
salvá-la. Seu ideal é o da democracia jurídica (CINTRA, ����),
domínio da justiça e da lei (BARBOSA, ����, p. ���).
É no exemplo da República norte-americana em que Rui
Barbosa busca inspiração para pensar soluções para a
degenerescência da vida pública nacional. À luz da engenharia
política dos Estados Unidos, conclui pela necessidade de se
encarar o Judiciário como espécie de moderador, vez que no
sistema presidencialista estão ausentes os mecanismos de
contenção do poder experimentados pelo parlamentarismo.
Para Rui esse era o motivo de a Constituição brasileira de
���� haver armado “a justiça federal da mesma autoridade em
que a investe a Constituição dos Estados Unidos”, com “garantias
ainda mais numerosas e cabais, para arrostar as facções
acasteladas no Executivo e no Congresso Nacional" (BARBOSA,
����, p. ���).
Contudo, num cenário político corrompido, era necessário
ir além do que fixava o texto constitucional e a ele acrescentar
reformas que devolvessem a República aos retos caminhos. Daí é
que na plataforma de sua candidatura à presidência da República
em���� prevê reformas nesse campo. Propõe nova organização e
unificação do sistema judicial quanto à legislação sobre processo
e à magistratura (BARBOSA, ����, p. ���).

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

Primeiro dos tópicos da reforma constitucional ruiana, a


unificação do direito de legislação sobre processo foi pensada
para conservar e melhorar o construto de ����, conforme
defendia. O segundo ponto pregava ao Judiciário a prerrogativa
de auto organizar-se, a fim de emancipar a magistratura da ação
política. Era Rui desenhando sua democracia jurídica:
Mas, retirando aos estados a composição da
magistratura, cumpre, ao mesmo tempo,
subtraí-la à ação do governo central. É o
meio de lhe assegurar a independência
correspondente à sua missão, num regímen
onde se impõe aos tribunais o dever de
negarem execução aos atos ilegais da
administração e aos atos inconstitucionais
do Poder Legislativo. Aos tribunais
superiores é que deverá caber, não só o
processo e suspensão dos magistrados, mas
ainda a sua escolha. Deste modo viremos a
satisfazer uma aspiração eficazmente
regeneradora, advogada entre nós, desde
����, no programa da opinião radical, e que
acabará por emancipar da ação política a
nossa magistratura (BARBOSA, ����, p. ���-
���).

Eis uma das frentes do projeto político de Rui Barbosa:


organizar a justiça para resgatar a República. A leitura que fazia
daquele tempo, em que o arranjo entre Executivo nacional e
Executivos estaduais já dominava a vida política, expresso na
política dos governadores, mostrava-lhe que a recente República
havia sido apropriada por práticas oligárquicas logo em seus
primeiros anos de vida. As liberdades civis e políticas, causas de
suas lutas tão ferrenhas, já não eram garantidas. O arbítrio e o
abuso de poder dominavam a vida pública e invadiam, inclusive, o
Judiciário, aquele que deveria ser o santuário da justiça e da lei, na

��
Trabalhos apresentados

figura dos juízes e delegados nomeados e controlados pelos


mandões locais.
Percebendo que, restritas ao cenário da magistratura
federal, as previsões da Constituição de ���� não davam conta da
degeneração política que ameaçava o Judiciário, o jurista advoga
pela federalização da justiça, estendendo as garantias de que
gozavam os juízes do STF a todos os níveis da magistratura.
Apenas garantida a inafastabilidade, vitaliciedade e
irredutibilidade de vencimentos o Judiciário se veria plenamente
independente para exercer seu papel de garantidor das liberdades
individuais e fiel da balança de poder na República. Assim, era
necessário deixar ao próprio Poder a prerrogativa de se organizar,
conforme raciocinava Rui Barbosa,
Pois, se da política é que nos queremos
precaver, buscando a justiça, como é que à
política deixaríamos a última palavra contra
a justiça? Pois, se nos tribunais é que
andamos à cata de guarida para os nossos
direitos, contra os ataques sucessivos do
Parlamento ou do Executivo, como é que
volveríamos a fazer de um destes dois
poderes a palmatória dos tribunais?
(BARBOSA, ����, p. ���).

Da justiça, como soberania do Direito, viria a precaução


contra a política corrompida.

�.� Organizar a justiça para concretizar a democracia


Se o liberal Rui Barbosa fala pela justiça e seu projeto
político passa pelo protagonismo do Poder Judiciário, o realista
Oliveira Vianna também flerta com o tema, reservando tanto em
“Problemas de Política Objetiva” (����), quanto em “Instituições
políticas brasileiras” (����) páginas dedicadas à questão da
organização da justiça e da função moderadora do Judiciário na
República.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

No primeiro livro Oliveira Vianna expõem suas concepções


sobre a questão da liberdade no Brasil, delimitando que na ação
do Judiciário se encontrava os mecanismos de combate aos
entraves que se impunham à plena liberdade em nosso meio.
Contra os liberais, o sociólogo afirma que o problema da liberdade
no país dizia respeito às liberdades civis, não à liberdade política.
“Agitadores”, os liberais erravam por não entender que a liberdade
civil era condição prévia da liberdade política, que não podia ser
exercida na ausência dos direitos individuais (VIANNA, ����, p.
��).
Uma das causas das nossas deficiências no campo da
liberdade estaria na desorganização da justiça. Oliveira Vianna
volta à experiência histórica para dizer que da configuração do
Judiciário nos períodos colonial e imperial decorreria a ausência
de liberdade civil e a carência de espírito cívico de nossa
sociedade. Desorganizado e fraco, o Judiciário seria incapaz de
garantir ao povo o amparo necessário para o desenvolvimento de
consciência cívica, combatividade eleitoral e independência
política. Sem organização da justiça não haveriam homens livres,
tampouco cidadãos ativos (VIANNA, ����, p. ��).
Justiça acessível, segura e eficiente é a máxima de nosso
autor (VIANNA, ����, p. ��-��). Em suas palavras também se
encontram reflexão acerca da necessidade de conferir
independência ao Judiciário. Subordinada aos sabores da
política, a justiça se encontrava presa aos mandos e desmandos
do “espírito de facção”. “O que se deve fazer é por no grande
Tribunal o direito de organizar-se a si próprio e, não só a si próprio,
mas as outras judicaturas do paiz” [sic], escreve Oliveira Vianna,
dando ao problema da reforma judiciária a mesma solução
proposta por Rui Barbosa anos antes, conexão que o sociólogo
reconhece numa das notas de página do livro em questão
(VIANNA, ����, p. ��).
Exaltando o legado do jurista, Oliveira Vianna registra que
ter compreendido esta função primacial do
Poder Judiciário em nosso país e em nossa

��
Trabalhos apresentados

democracia; ter exaltado o seu papel até


quase sublimá-lo; ter colocado este Poder
fora do alcance da subordinação e
dependência dos Executivos e dos
Parlamentos, sempre partidários e
Instituições Políticas Brasileiras facciosos -
esta é a maior glória de Rui. (VIANNA, ����,
p.���).

Em “Instituições Políticas Brasileiras” (����) resgata o


debate sobre liberdade política e liberdade civil argumentando
que desde os tempos coloniais as liberdades individuais estiveram
entre nós sempre expostas ao arbítrio dos poderes locais (VIANNA,
����, p. ���). Exemplo dos complexos constitutivos de nossa
moralidade política o “juiz nosso”, o “delegado nosso” prestavam
desde a colônia um desserviço à causa das liberdades individuais
e, por consequência, entravavam o próprio desenvolvimento da
liberdade política. Servindo às vontades dos senhores locais e não
ao império da lei, a magistratura assim organizada não cumpria
um de seus principais papeis na concepção de Oliveira Vianna;
deixava de ser freio aos mandos e desmandos dos potentados
locais, dos chefes de clãs, das oligarquias que dominavam a cena
política e passava a contribuir com a perpetuação de abusos e
violências contra o povo.
Segundo sua construção teórica os complexos constitutivos
da identidade política brasileira não poderiam ser abolidos por
pura engenharia legal. Contudo, poderiam ser minimizados a
partir de reformas realistas. Contra eles Oliveira Vianna pensa a
ação do Poder Judiciário federalizado: "Esta [a federalização da
justiça] ‒ a reforma imperiosa, que deveríamos operar nas nossas
instituições políticas no sentido de realizarmos, aqui, uma
verdadeira democracia realmente liberal, reforma que os fatos e a
ciência política estão aconselhando como necessária" (VIANNA,
����, p. ���-���).

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

Para que a democracia no Brasil se tornasse concreta era


preciso antes das reformas em relação à liberdade política, libertar
o povo-massa do domínio dos coronéis. Era federalizar a justiça e
lhe conceder o direito de auto-organização para que o povo
gozasse de liberdade civil e, liberto, participasse da vida pública.
Diante da exposição dos males do país Oliveira Vianna
recomenda o mesmo remédio que Rui: reforma da organização
judiciária, federalização da justiça, autonomia para todos os
estratos da magistratura, ação moderadora do Poder Judiciário.
Conter o arbítrio dos grandes, eis a função de um Poder Judiciário
reorganizado, livre, federalizado. Em seu pensamento organizar
esse poder e universalizar o acesso à justiça aparece como
pressuposto para uma democracia real. Sua proposta é a de que
este Poder tenha pelo Brasil todo a
penetração, a segurança, a acessibilidade
que o ponha a toda hora e a todo momento
ao alcance do jeca mais humilde e
desamparado, não precisando ele - para tê-
lo junto a si de mais do que um gesto da sua
mão numa petição ou de uma palavra de sua
boca num apelo (VIANNA, ����, p.���).

Enquanto estivesse aparelhada pelos poderes privados a


justiça não poderia cumprir suas funções e o povo continuaria
sujeito à violência dos potentados. Oliveira Vianna a isso
compreende e pensa a reforma judiciária como instrumento de
combate ao poder local. Seria sobretudo contra o poder privado
que ela se levantaria, o poder que no Brasil historicamente,
segundo sua interpretação, perpetraria abusos e seguiria
irrefreado. Por isso seu projeto passava por livrar o Judiciário das
garras do mandonismo local, como o poder capaz de efetivar as
garantias às liberdades civis; aquele que faz valer o já inscrito nas
Constituições e concretiza o direto formal. Era voltar à doutrinação
de Rui e à pureza da Constituição de ���� para progredir (VIANNA,
����).

��
Trabalhos apresentados

�. Conclusão
Pensadores de espectros ideológicos que se antagonizam,
Rui e Oliveira Vianna compartilham de certo judiciarismo.
Tomando Rui como referência, Oliveira Vianna dedica em suas
reflexões sobre a política brasileira lugar de destaque ao
Judiciário. Ambos propõem reformas semelhantes e insistem na
função moderadora da justiça frente aos demais poderes
republicanos.
A utopia de Rui é pela democracia jurídica, primado da
justiça e da lei, a de Oliveira Vianna, por uma democracia real, que
garanta direitos civis ao povo, tomando como amparo da
liberdade civil o Poder Judiciário. Apesar de partirem de
concepções diferentes do que o Direito seria, compartilham da
percepção de sua função moderadora. As reformas que propõem
visam elevar a magistratura à condição de corretora das
corrupções do mundo da política.
Rui se levanta contra o governo central. Como político
liberal, investe sua voz contra os abusos do Poder Executivo e das
maiorias legislativas. Oliveira Vianna, com leitura diversa da
realidade brasileira, elege como inimigo o poder local. É contra os
excessos dos potentados locais que deseja armar a justiça. Porém,
também em Rui Barbosa é possível identificar a batalha contra as
oligarquias locais que se apossavam do Poder Judiciário nos
primeiros anos da República.
Ambos partem, ainda, de premissas semelhantes ao
responderem às críticas daqueles que se opunham a suas
propostas de organização da justiça. Ainda que seus projetos
inflasse na prática os poderes e prerrogativas da magistratura,
argumentam que tal não representaria um risco tão grave para a
República quanto os males que um judiciário reformado seria
capaz de combater. Mais perigoso do que a ditadura da toga seria
o poder do exército, do executivo, do legislativo, o poder
econômico, das oligarquias e dos mandões locais. Preferível lhes
era o império da justiça, a supremacia da lei.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

Assim, o liberalismo de Rui e o conservadorismo de Oliveira


Vianna se encontram no judiciarismo, reconhecido por este como
a maior obra daquele. Dele se apodera para dar contornos à sua
teorização a respeito da realidade brasileira, marcada pela política
de clã e pelos excessos do poder local. Ambos compartilham das
mesmas perspectivas quanto à necessidade de se organizar a
justiça e dotá-la de autonomia como forma de investir o Poder
Judiciário na função de moderador da República.
Ao apontar tal diálogo, este trabalho procurou esboçar duas
das diferentes faces do judiciarismo no Pensamento Político
nacional como pauta tanto dos debates liberais, na voz de Rui
Barbosa, quanto das reflexões do realismo ou do
conservadorismo, na contribuição de Oliveira Vianna.
Investigações mais profundas a respeito da gênese do
judiciarismo e suas manifestações como liberalismo judiciarista
ou judiciarismo conservador ficam como agenda para pesquisas
futuras.

�. Referências
BARBOSA, R. O justo e a justiça política. Obras Completas de Rui
Barbosa, "A Imprensa", v. XXVI, tomo IV, ����.
BARBOSA, R. O Supremo Tribunal Federal e a Constituição, ����.
In: Fundação Casa de Rui Barbosa (Org.). Pensamento e ação de
Rui Barbosa. Brasília: Senado, ����.
BARBOSA, R. Plataforma eleitoral de ����. In: Fundação Casa de
Rui Barbosa (Org.). Pensamento e ação de Rui Barbosa. Brasília:
Senado, ����.
CINTRA, W. A. Liberalismo, justiça e democracia: Rui Barbosa e a
crítica à primeira República brasileira (����-����). Lua Nova, São
Paulo, ��: ���-���, ����.
KANT, I. Para a paz perpétua. Instituto Galego de Estudos de
Segurança Internacional e da Paz, ����.
LYNCH, C. Ascensão, fastígio e declínio da “revolução judiciarista”.
Insight Inteligência. nº ��, ����.

��
Trabalhos apresentados

VIANNA, F. J.O. Instituições Políticas Brasileiras. �ªEd. Rio de


Janeiro: José Olympio, ����.
VIANNA, F. J.O. O idealismo da Constituição. �ªEd. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, ����.
VIANNA, F. J.O. Problemas de Política Objetiva. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, ����.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

O DISCURSO NEOLIBERAL E O
ATAQUE ÀS AÇÕES AFIRMATIVAS: UM
RISCO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

João Pedro Teixeira de Faria Viana


Lucas Teixeira Aguiar

Resumo: O presente artigo enfoca, à luz do princípio


constitucional da igualdade, as ações afirmativas enquanto
políticas de alocação de recursos em benefício de pessoas
pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão
socioeconômica no passado ou no presente, além de apontar os
traços do discurso neoliberal como um risco a essas ações.
Partindo da apresentação e dos fundamentos de criação dessas
ações afirmativas, busca-se analisar a questão das cotas de
ingresso ao ensino superior desde a aprovação da Lei de Cotas
como tentativa de demonstrar a efetividade dos resultados
gerados dentro das universidades como justificativa para sua
manutenção e fomento, uma vez que estas ações passam por
críticas e desvalorização por um discurso neoliberal caracterizado
por uma atomização das relações através de um
discurso meritocrata. Assim, apontando pesquisas que confirmam
o rendimento de alunos cotistas dentro das universidades,
demonstra-se que as ações afirmativas contribuem para uma
busca pela igualdade por meio de um processo de emancipação,
colocando em questionamento os ataques do discurso
neoliberal.

Palavras-chave: Ações Afirmativas. Democracia. Igualdade.

Abstract: This article focuses in the light of the constitutional


principle of equality on affirmative actions as policies for the
allocation of resources for the benefit of people belonging to

��
Trabalhos apresentados

groups discriminated against and victimized by socioeconomic


exclusion in the past or present, in addition to pointing out the
traces of neoliberal discourse as a risk to these actions. Based on
the presentation and the grounds for creating these affirmative
actions it seeks to analyze the issue of entry quotas to higher
education since the approval of the Quota Law as an attempt to
demonstrate the effectiviness of the results generated within
universities as a justification for their maintenance and promotion,
since these actions go through criticism and devaluation by a
neoliberal discourse characterized by an atomization of relations
through a meritocrat discourse. Thus, pointing out research that
confirms the income of student quota holders within universities,
affirmative actions contribute to a search for equality through an
emancipation process, questioning the attacks of neoliberal
discourse.

Key words: Affirmative Actions. Democracy. Equality.

�. Metodologia
A partir da leitura de textos, artigos e da realização de uma
pesquisa por meio de um formulário online com alunos do curso
de Direito da UFJF, campus avançado Governador Valadares,
buscou-se uma fundamentação teórica para lançar luz sobre a
temática a ser abordada por meio de um método qualitativo.
Trabalhou-se com bibliografias e análise de pesquisas de campo já
realizadas por instituições de fomento para comprovação e
afirmação dos objetivos pretendidos com o estudo bibliográfico,
além da extração de novos dados específicos, a fim de expor os
resultados de maneira relacional com o tema em questão.

�. Desenvolvimento
A partir da análise da modernidade e dos movimentos
constitucionalistas, à luz de Carlos Nelson Coutinho em
“Cidadania e Modernidade”, nota-se que o autor traz uma ideia de

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

articulação entre essa época e a questão da efetivação da


cidadania. Partindo do direito à educação pública e universal,
enquanto um direito à cidadania de terceira dimensão proposto
por Marshall, uma breve análise sobre o Brasil pode ser feita no
intuito de demonstrar uma busca pela redução das
desigualdades com a aprovação de ações afirmativas para
promover maior igualdade no ingresso ao ensino superior e como
forma de reparação de desigualdades sociais desenvolvidas
historicamente na sociedade. Assim, após uma série de fatos
históricos que marcam a evolução do constitucionalismo
brasileiro, com suas constituições elaboradas em períodos
caracterizados por rupturas da ordem social e governamental do
país, a mais recente carta constitucional traz em seu corpo um rol
de direitos fundamentais, como a igualdade.
A Constituição Federal de ���� pode ser vista como um
marco no processo de redemocratização na história do Brasil,
sobretudo após um período ditatorial que suprimiu uma série de
direitos com a imposição dos atos institucionais que violaram
direitos humanos sob uma justificativa de manutenção da
ordem. Conhecida como “Constituição Cidadã”, esta permanece
num constante processo de (re) construção de identidades em
meio às diferenças por meio de direitos fundamentais e garantias.
O princípio da igualdade, em uma construção atual por parte da
doutrina constitucional passa por uma redução à premissa de
“tratar os iguais de maneira igual, e os desiguais na medida de sua
desigualdade”�, enunciado presente desde o pensamento
aristotélico. A partir do direito fundamental à igualdade surgem
discussões a respeito das ações afirmativas enquanto “políticas
focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes
a grupos discriminados e vitimados pela exclusão
socioeconômica no passado ou no presente” e que contribuem
para a redução de desigualdades num país marcado pelo
subdesenvolvimento. Em um cenário onde a luta de grupos tidos
como “minorias” tenta ganhar voz, a reserva de vagas em
universidades através de programas governamentais ou

��
Trabalhos apresentados

programas internos têm cada vez mais recebido visibilidade e


dando a esses grupos a possibilidade de romper com a ideia de
uma estratificação.

�. O ataque neoliberal como tentativa de deslegitimação das


cotas
Em ����, a Lei das Cotas (nº ��.���) foi aprovada como
política pública de ação afirmativa na Educação Superior,
determinando que as Universidades, Institutos e Centros Federais
reservem ��% das suas vagas para estudantes oriundos de escola
pública, com uma outra reserva percentual especial destinado a
estudantes negros (autoidentificados como de cor “parda” ou
“preta”) e indígenas. Essa política de cotas possui um caráter
transitório e emergencial, tendo em vista que busca uma redução
de danos e precisa ser adaptada conforme o contexto social de
determinado período.
É de grande relevância abordar a reserva de cotas raciais,
tendo em vista que se trata de um assunto discutido socialmente,
por vezes, de forma a não levar em consideração sua importância
e objetivos. A tentativa de ingresso ao ensino superior pela
população negra cada vez mais tem ganhado destaque no cenário
brasileiro, haja vista que o reconhecimento intelectual e acesso ao
mercado de trabalho são pautas pelas quais o movimento negro
tem lutado para uma reconfiguração do quadro histórico e social
a que este grupo se viu marginalizado e discriminado até
então, contribuindo para a redução da desigualdade e do
processo de exclusão que se mantém no Brasil.
No que diz respeito ainda às cotas raciais, esse discurso de
individualização e meritocracia que busca privilégios, ascensão
social e poder contribui ainda mais para a permanência das
diferenças sociais. A busca pela movimentação da máquina
capitalista além de comercializar o indivíduo, massifica ainda mais
uma questão estrutural grave e presente na sociedade brasileira: o
racismo. Mesmo após séculos do fim da escravidão, este problema
é comum e se perpetua de forma intrínseca nas vivências

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

cotidianas, de modo que muitas vezes sequer é percebido.


Deslegitimar a eficácia da política de cotas raciais, nesse sentido,
é uma maneira de não permitir que o movimento negro alcance a
Academia e as instituições políticas, o que historicamente se
configura como um posto de homens brancos.
Além das cotas raciais, a reserva de vagas para transexuais
têm recebido muitas críticas, a falta de uma legislação que
comtemple essa ação torna ainda mais complexa. Em ����
algumas universidades reservaram vagas nas cotas sociais para
pessoas trans, o que gerou, por um lado, ações populares de
repressão, e por outro, uma esperança à comunidade LGBT de
alcançar direitos até então não concedidos. No entanto, o discurso
introduzido nesses ambientes de que “é preciso buscar mais para
alcançar mais” faz com que essas pessoas, mesmo tendo acesso
ao ambiente acadêmico, tenham que provar diariamente que são
capazes de produzir conhecimento e ciência. Desse modo, um
lugar na universidade não é somente um fim, mas se torna um
exemplo de representatividade para que outras pessoas consigam
chegar naquele espaço.
Em contraposição a essa luta e aos argumentos da
efetividade das ações afirmativas, o discurso neoliberal se
apresenta como tentativa de deslegitimar a eficácia dessas
políticas. Partindo da análise feita por Dardot e Laval na
Introdução à Edição Inglesa de “A nova razão do mundo” é
possível identificar os traços desse discurso sustentado pelo
neoliberalismo nas questões políticas e sociais da atualidade,
uma vez que “antes de ser uma ideologia ou uma política
econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente uma
racionalidade e, como tal, tende a estruturar e organizar não
apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos
governados”. Desse modo, essa racionalidade, marcada pela
generalização da concorrência, pouco se atém a questões sociais
de emancipação de coletividades tidas como minorias (mesmo
que majoritariamente presentes na sociedade), e acabam

��
Trabalhos apresentados

tentando deslegitimar direitos sociais que visam a proteção


desses grupos.
Historicamente o Brasil vivenciou grandes lutas pela
conquista e permanência de direitos como, por exemplo, a
educação e a defesa das universidades, o que demonstra que
esses direitos não foram dados, mas frutos de resistência e luta
dos grupos afetados. O que pretende o discurso neoliberal é
introduzir um padrão de competitividade e individualização, uma
vez que o a movimentação do mercado e a acumulação de capital
é mais importante que qualquer quebra de divisão social. Isso se
torna mais claro à medida que se percebe o governo
estabelecendo reformas e projetos que, com a justificativa de
avanço econômico, reduz e até elimina direitos.

�. A efetividade da política de cotas nas universidades


As discussões em torno das ações afirmativas têm como
base o conflito entre igualdade em sentido material e formal, no
entanto, mais que isso, é preciso analisar a efetividade e os efeitos
que estas ações produzem. É um tanto quanto atentatório afirmar
que as cotas para ingresso em ensino superior são uma forma de
contribuir para a desigualdade, quando na realidade elas têm o
intuito justamente de atingir um fim oposto a este. As reservas de
vagas buscam justamente tornar a universidade em um espaço
plural, reafirmando o objetivo da positivação do direito à
educação. Além disso, pesquisas em diversas universidades
brasileiras comprovam que o rendimento acadêmico entre
cotistas e não cotistas não têm grandes diferenças. No entanto, em
um cenário político marcado por uma série de ataques às
Universidades Públicas, o discurso neoliberal norteia contra-
argumentos sobre a importância destas cotas.
Deve-se dar atenção aos dados que se tem de pesquisas já
realizadas sobre o rendimento dos alunos cotistas nas faculdades
públicas, inclusive pertencentes ao curso de Direito. Dados
mostram que, na Universidade de Brasília (UNB) mais de �/� dos
cotistas estavam no patamar superior ao índice de rendimento

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

acadêmico, juntamente com aqueles alunos que não possuem


cotas e passaram nas primeiras posições no vestibular. Já na
UFBA, especificamente no curso de Direito, que reserva mais vagas
para cotas, tem-se como resultado que os alunos não-cotistas
ficaram abaixo dos cotistas quanto ao rendimento nos semestres
letivos.
Por conseguinte, na mesma pesquisa realizada na UNB, foi
apontado que no vestibular tradicional, a chance de aprovação
dos candidatos negros era de apenas ��% das vagas ofertadas,
porém, as notas dos estudantes eram virtualmente idênticas.
Estatísticas como essa mostram a disparidade entre cotistas e
não-cotistas antes do vestibular, quadro que é totalmente
invertido após o ingresso na universidade pública, como foi
mencionado.
Seguindo este raciocínio, é visto que a necessidade de que
as cotas continuem garantindo o ingresso de todos os tipos de
alunos nas universidades é grande, haja vista que após o ingresso,
não se tem constatado como já foi alegado outras vezes, que os
alunos cotistas não possuíam competência para se graduar. Desse
modo, fica evidente o benefício quanto a reserva de vagas para
garantir o direito de igualdade relacionado ao acesso a educação,
alvo de críticas e ataques do discurso neoliberal.
Por fim, deve-se mencionar ao fato de que além das cotas
garantirem a inserção na academia, as universidades têm
garantido também aos alunos cotistas a integração com o meio
urbano ao qual pertencem. Na UFJF campus sede, tem-se um
projeto de extensão que dedica a promover o convívio de alunos
cotistas com a cidade de Juiz de Fora, garantindo que sua inserção
ao nível superior não se limite apenas ao perímetro universitário.
Ademais, essa realidade não precisa ser analisada somente
com dados de pesquisas já realizadas. Nesse sentido, foi realizado
uma sucinta pesquisa no campus avançado da UFJF em
Governador Valadares, com alunos do curso de direito,
majoritariamente dos períodos iniciais, pode-se tirar algumas

��
Trabalhos apresentados

conclusões sobre o rendimento de alunos cotistas frente aos não-


cotistas.
De acordo com os dados extraídos, dentre os alunos
entrevistados, exatamente a mesma quantidade de alunos
cotistas e não-cotistas possuem seu Índice de Rendimento
Acadêmico (IRA) no intervalo compreendido entre �� e ���, que
representa o valor mais alto. Foi constatado também que a
porcentagem de alunos ingressantes pelo sistema de cotas que
possuem seu IRA acima da média geral do curso (��) é maior do
que a porcentagem de alunos ingressantes na ampla
concorrência.
Esses dados retratam justamente o contrário daquilo que o
discurso neoliberal alega, que os alunos cotistas não teriam
bagagem e domínio suficientes para estudar em universidades
públicas se comparados aos demais alunos, combatendo essa
ideia de que eles não são capazes. Além disso, ao se comparar o
comprometimento dos alunos com atividades extras oferecidas
pela UFJF (projetos de pesquisa, extensão e monitoria), pode-se
perceber que os alunos oriundos do sistema de cotas não ficam
muito atrás daqueles de ampla concorrência, revelando mais uma
vez a capacidade e integração desses alunos com o ambiente
acadêmico.
Em suma, foi perguntado aos alunos cotistas quais são as
dificuldades enfrentadas por eles na Academia, e então a principal
queixa foi de que o ensino público não os prepara da mesma
forma que o ensino particular. Todavia, esse déficit educacional
não foi capaz de tirá-los a oportunidade de se envolver em
atividades extracurriculares, como as anteriormente
apresentadas, e de impactar expressivamente no rendimento
acadêmico desses alunos, que se encontra acima dos demais.

�. Conclusão
A partir da análise bibliográfica e de pesquisas sobre a
efetividade das ações afirmativas, os resultados demonstram que
estabelecer reserva de vagas pode contribuir para uma maior

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

garantia do direito de igualdade relacionado ao direito de acesso


à educação, de forma que as universidades têm cumprido o papel
de garantir a aplicação da ciência por meio da pesquisa e
extensão, preparando os estudantes para retribuir à sociedade o
esforço e financiamento feito por esta. Ademais, em um Estado
Democrático de Direito é importante buscar cada vez mais a
redução de desigualdades, sobretudo em tempos de ataques de
um discurso neoliberal que busca introduzir uma competitividade
e mercantilização. Respeitar o princípio da igualdade parte do
reconhecimento de privilégios de forma a perceber que o país se
configura de forma desigual e que nem todos possuem os
mesmos meios para alcançar seu espaço, principalmente nas
universidades, logo, o discurso de méritos se torna apenas mais
uma forma de desrespeitar a igualdade de condições e acesso. Por
fim, cabe ressaltar que a educação e todo seu processo histórico
no Brasil, assim como uma série de outros direitos, não foi algo
dado, mas fruto de lutas para que fosse garantida e que, uma
tentativa de retirada de direitos já conquistados ou tentar coloca-
la em categoria de mercadoria é atentar diretamente à
democracia.

�. Referências:
BRASIL. Decreto n. ��.���, de �� de agosto de ����. Dispõe sobre
o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais
de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo:
Introdução à edição inglesa (����). �. ed. São Paulo. Boi Tempo.
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alunos cotistas. ����. Disponível em: <https://www�.ufjf.br/
noticias/����/��/��/pesquisa-sobre-politica-de-cotas-
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em �� de outubro de ����.

��
Trabalhos apresentados

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RÔMANY, Ítalo. Trans conseguem cotas e cursos em
universidades, mas geram reações adversas. Disponível em:
<https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/����/��/��/trans-
conseguem-cotas-e-cursos-em-universidades-mas-geram-
reacoes.htm> Acessado em �� de Janeiro de ����.
SILVA, Gracielle da Costa. A relevância das cotas raciais como
ferramenta de transformação da realidade social da população
negra brasileira. REIA- Revista de Estudos e Investigações
Antropológicas, ano �, volume �(�):��-��, �� p. ����.
VELLOSO, Jacques. Cotistas e não-cotistas: rendimento de
alunos da universidade de Brasília. ����. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/cp/v��n���/v��n���a��.pdf>. Acessado em ��
de dezembro de ����.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

A EFETIVAÇÃO DA IGUALDADE
MATERIAL DE GÊNERO NO
PROCESSO CIVIL

Maria Eduarda Fiorilo Rocha Baquim


Jéssica Galvão Chaves

RESUMO
Este artigo tem por objetivo evidenciar algumas situações nas
quais a desigualdade de condições entre mulheres e homens fica
evidente no Direito Processual Civil Brasileiro. Assim, busca refletir
sobre situações nas quais a mulher é colocada em posição de
vulnerabilidade, como em casos de violência doméstica, para
defender, nessas situações, a inaplicabilidade de audiências
preliminares de conciliação e mediação, cuja realização é
obrigatória nas ações de Direito de Família, segundo o Novo
Código de Processo Civil, de ����. Para tanto, é realizada uma
breve análise do conceito de igualdade, com ênfase ao direito à
igualdade material, e segundo uma perspectiva constitucional.
Ainda, são analisadas algumas conquistas trazidas pelo
movimento feminista em relação à tutela dos direitos das
mulheres, em consonância com a Constituição Federal de ����.

ABSTRACT
This article aims to highlight some situations in which the
inequality of conditions between women and men is evident in
Brazilian Civil Procedural Law. Thus, it seeks to reflect on situations
in which women are placed in a position of vulnerability, as in
cases of domestic violence, to defend, in these situations, the
inapplicability of preliminary conciliation and mediation hearings,
whose realization is mandatory in Family Law actions, according to
the New Code of Civil Procedure of ����. For this purpose, a brief
analysis of the concept of equality is carried out, with emphasis on

��
Trabalhos apresentados

the right to material equality, and according to a constitutional


perspective. Also, some conquests brought by the feminist
movement in relation to the protection of women's rights are
analyzed, in accordance with the Federal Constitution of ����.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil, igualdade material, gênero.

KEY-WORDS: Civil procedure, material equality, gender.

�. Introdução

No Direito Processual Civil é possível verificar inúmeras


situações nas quais a mulher se encontra em situação de
desigualdade em relação ao homem. Muito embora importantes
direitos tenham sido assegurados à mulher em relação à lei, ao
longo da história, sobretudo como resultado das lutas feministas,
vários desses direitos não são de fato efetivados.
Assim, uma questão muito problemática no contexto do
processo civil é a da desigualdade material de gênero. Inúmeros
fatores acarretam desequilíbrio entre mulher e homem na prática
dos atos processuais, estando atrelados a várias funções
desempenhadas pela mulher, como a maternidade, a lactação e a
responsabilidade por chefiar famílias monoparentais.
A obrigatoriedade da tentativa de realização de audiência
de conciliação ou mediação nas ações de família, disciplinada no
Novo Código de Processo Civil, nos artigos ��� a ���, apesar de
muito relevante em inúmeras situações, deve ser afastada nos
casos em que a mulher solicitar, nos autos, a dispensa de
audiência de conciliação ou mediação, em razão de ter sofrido
violência doméstica. Isso porque, nessas situações, a audiência
conduziria a uma nova vitimização e exposição da vítima, em face
do reencontro com o agressor.
Várias medidas precisam ser adotadas pelo magistrado e
por outros operadores do Direito a fim de contornar essa situação
de desigualdade, provendo meios para que a mulher possa

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

exercer seus direitos em condição de igualdade material, e não


meramente formal, em relação ao homem, ao postular em juízo.
Dentre essas medidas, é possível citar o estabelecimento de
negócios jurídicos processuais em que as partes, e principalmente
a mulher, possam dispor sobre os dias em que as audiências
deverão ocorrer, de forma a não coincidir com a data prevista para
o parto, quando for parte uma gestante; e disponibilização de
espaço físico adequado para amamentação e para que os filhos
menores das partes possam aguardar enquanto a audiência
ocorre.
Neste contexto é que se faz necessária a adoção de novas
medidas, técnicas e procedimentos no Direito Processual Civil
Brasileiro, que sejam capazes de assegurar direitos e interesses
não efetivamente abarcados pela técnica civil processual atual.
Dessa forma é que, em consonância com importantes normas
legais, dentre as quais o próprio Código de Processo Civil (artigos
�° e ���), que prevêem a paridade de tratamento entre as partes, a
igualdade material de gênero pode ser assegurada no processo
civil.
Assim, no intuito de compreender o significado do conceito
de igualdade material, de suma importância para a discussão da
desigualdade de gênero no processo civil, passamos a uma breve
análise do conceito de igualdade.

�. O princípio da igualdade no Constitucionalismo moderno


Segundo Ingo Sarlet, o princípio da igualdade está presente
em constituições e declarações de direitos desde o
estabelecimento do moderno constitucionalismo, como se
verifica na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
����. Após a Segunda Guerra Mundial, o princípio da igualdade
passou a estar presente na maioria das constituições dos Estados,
momento em que o conceito de igualdade passou a se concretizar
como base de defesa aos Direitos Humanos.

��
Trabalhos apresentados

No contexto internacional tem destaque a Declaração de Direitos


Humanos da ONU, de ����, que traz o conceito de igualdade
material em seu artigo �°:
Todos são iguais perante a lei e
têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção
contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal
discriminação. (Art. �º, DUDH/
����).
Conforme aponta Ingo Sarlet, o princípio da igualdade
apareceu pela primeira vez em uma carta constitucional brasileira
na Constituição Imperial de ����, que tutelou a igualdade perante
a lei. Todas as Constituições brasileiras desde então consagraram
a igualdade perante a lei.
A Constituição de ����, conhecida como Constituição Cidadã,
concretizou importantes avanços na tutela de direitos
fundamentais, dentre os quais o direito à igualdade. Importante
citar o artigo �°, I, que preceitua a igualdade entre mulheres e
homens em direitos e obrigações e os artigos �°, IV, e �°, XXX, que
proíbem a discriminação pelo sexo.
De acordo com Sarlet, existiriam três fases de verificação do
princípio da igualdade.
A primeira fase identifica o conceito de igualdade como o
direito que todas as pessoas têm de receber igual tratamento
descrito na lei; trata-se da igualdade formal. Essa fase se identifica
com o estado liberal.
Na segunda fase, como forma de suprir as injustiças que a
igualdade formal é incapaz de sanar e de tutelar direitos sociais, se
delineou o conceito de igualdade material. A partir de então, a
igualdade passou a ser exigida não apenas perante a lei, mas no
conteúdo da lei. Então, surgiu o conceito de igualdade material.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

A terceira fase é marcada pela busca de compatibilizar o


conceito de igualdade com uma obrigação de compensar
desigualdades nos campos econômico, social e cultural. Essa
igualdade é denominada igualdade social.
No contexto de busca pela tutela da igualdade de gênero, Flávia
Piovesan discorre que as ações afirmativas são políticas
compensatórias que precisam ser adotadas com urgência, de
forma a ser possível alcançar, de fato, a igualdade material. Para
tanto, essas políticas visam a suprir discriminações sofridas ao
longo da história por grupos vulneráveis socialmente. Um
exemplo dessas ações afirmativas é a previsão legal da
obrigatoriedade do atendimento a um quórum mínimo de
candidaturas de mulheres em um partido.

�. O movimento feminista e as lutas pela efetivação da


igualdade material de gênero
No Brasil, o movimento feminista se fortaleceu ao final da década
de ����, junto a movimentos contrários à ditadura militar.
Sobretudo nas décadas de ���� e ����, o movimento teve grande
importância para que os direitos das mulheres fossem
assegurados, ainda que apenas formalmente. Neste contexto, foi
promulgada a Constituição Federal de ����, que consagrou a
igualdade de gênero como direito fundamental.
Assim, a Constituição Federal, já no seu artigo �°, que consagra os
direitos e garantias fundamentais, tutela a igualdade material
entre homens e mulheres, em seu primeiro inciso:
Art. �º. Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: I - homens e

��
Trabalhos apresentados

mulheres são iguais em direitos e


obrigações, nos termos desta
Constituição.
Os avanços em termos de direitos alcançados pela Constituição
Federal e pelas legislações infraconstitucionais, dentre as quais
tem destaque a Lei Maria da Penha, são enfraquecidos, contudo,
ao se verificar que a mulher é o grande alvo de inúmeros casos de
violência doméstica, sendo o Brasil um dos países com os maiores
índices de feminicídio no mundo.
Apesar do reconhecimento formal dos direitos das mulheres não
ter sido acompanhado da eficácia plena desses direitos, a sua
normatização tem enorme importância, uma vez que obriga o
Estado, no sentido negativo e positivo dos direitos, e os
particulares ao respeito às garantias e aos direitos fundamentais.
Neste ponto, ainda cabe ressaltar, na legislação
infraconstitucional, os avanços trazidos pelo Código Civil de ����,
com a supressão de privilégios do homem em relação à mulher
quando da partilha dos bens dos cônjuges e de expressões como
“pátrio poder”, alterada pela expressão “poder familiar”, que inclui
a mulher no planejamento familiar. Também, importante
evidenciar a alteração feita no artigo ��� do Código Penal pela Lei
Federal n° ��.��� de ����, com a previsão do feminicídio como
circunstância que qualifica o crime de homicídio.

�. O direito à igualdade material de gênero


A igualdade material é assentada em um reconhecimento, pelo
ordenamento jurídico, da existência de desigualdades entre os
sujeitos- parte de um processo. Ela pode ser identificada como o
conteúdo do direito à igualdade na lei.
O reconhecimento da existência de significativas diferenças entre
as partes torna possível a busca e a implementação de medidas
capazes de superar as desigualdades existentes entre mulheres e
homens no debate processual. Neste ponto, Mauro Capelletti e
Brayant Garth argumentam que a ideia de uma perfeita igualdade
entre as partes é utópica e abstrata, uma vez que “as diferenças

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

entre as partes não podem jamais ser completamente


erradicadas”. Assim, é necessário o questionamento de até em
qual medida se justifica a busca pelo estabelecimento de uma
igualdade entre as partes.
É importante ressaltar que a relação jurídica processual é
construída não apenas pelas partes litigantes, autor e réu, mas
também pelo juiz, terceiro imparcial. Sendo assim, a igualdade
das partes se constroi não apenas mediante a equiparação das
partes em relação à lei, mas também equiparando-se as partes em
relação ao lugar ocupado pelo juiz, enquanto terceiro imparcial. O
juiz, desta forma, tem a função de garantir que as partes tenham
condições igualitárias de litigar. Ele tem a obrigação de atuar em
prol de assegurar que as partes tenham condições de litigar em
paridade de armas.
Em situações nas quais as partes inicialmente estejam
posicionadas em situação de desigualdade, a elas devem ser
submetidas consequências jurídicas diferentes, pelo
ordenamento jurídico. Deste modo é que as partes serão tomadas
em condições equivalentes de participação no processo.
Em casos de violência doméstica, mulher e homem, autor e réu,
não dispõem de igual liberdade de acesso à Justiça. A
desigualdade relativa à mulher vítima de violência doméstica deve
ser vista e tratada de forma diferenciada pelos órgãos
jurisdicionais. É necessário que seja dispensado um tratamento
diferenciado à mulher a fim de que seja reduzida a diferença
existente entre ela e o homem em relação às condições de
participação no processo.
Se a prática, de forma plena, dos atos processuais onera mais uma
parte em função das condições próprias do seu gênero, é preciso
que sejam empregadas medidas capazes de retomar a situação de
equilíbrio entre os sujeitos processuais, de modo que ambos
tenham condições de exercer os seus direitos em igualdade.
Neste contexto, as decisões liminares, que regulam de modo
provisório a questão tratada em juízo, são medidas que
desempenham importante papel na redução da diferença das

��
Trabalhos apresentados

condições do autor e do réu ao início do processo, de modo a dar


lugar a posições de equivalência para as partes, em termos de
chances de obter sucesso com a demanda jurisdicional, ao final
do processo.
A igualdade das partes, tal como abordado por Eduardo Couture,
não deve, assim, ser reduzida a uma igualdade em termos de
números, mas deve se concretizar em uma igualdade de
condições de agir segundo o direito de ação e de defesa.

�. A inaplicabilidade dos métodos consensuais de solução de


conflitos em ações envolvendo violência doméstica
O Novo Código de Processo Civil, de ����, pautado em princípios
como a celeridade e a economia processual, aderiu aos métodos
consensuais de solução de conflitos, principalmente à conciliação
e à mediação.
Os métodos se apresentam como alternativa viável a
buscar o desafogamento das instituições judiciais, que contam
com enormes e insustentáveis números de demandas
processuais.
Ainda, fomentam a construção de decisões participadas,
deixando o magistrado de ter o condão de decidir as demandas de
forma isolada. Há a preocupação com a vontade das partes e com
a inclusão dos sujeitos no processo de formação das decisões.
Assim, os métodos se pautam pelo incentivo à autonomia
das partes e ao diálogo. Eles fogem à lógica adversarial tradicional,
ainda vigente nos dias atuais, em que apenas uma das partes sai
vitoriosa do processo, vendo a sua demanda atendida.
Na medida do possível, busca-se atender ao interesse de
ambos os sujeitos envolvidos e compreender as razões que os
levaram a postular em juízo, quando há a propositura de uma
ação, ou a buscar meios extrajudiciais de solucionar as suas
demandas.
Desta forma, os métodos consensuais de solução de
conflitos, como a conciliação e a mediação, encontram
importante aplicação em diversas ações. Eles são caros às ações

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

de Direito de Família, como prevê o Código de Processo Civil de


����, uma vez que muitas dessas ações envolvem relações
continuadas, que se projetam, portanto, para o futuro. Assim, é
importante que as partes mantenham o diálogo entre si e possam
buscar decisões que atendam aos seus interesses.
Contudo, há casos em que o emprego da conciliação e da
mediação, além de outros métodos, não é benéfico à relação
processual, porque não se verifica a existência de equivalência de
condições entre as partes, pressuposto necessário à aplicação dos
métodos.
Nos processos que envolvem casos de violência doméstica,
a equivalência de condições, entre as partes, de participação no
debate processual não se verifica e o reencontro da mulher, vítima
da violência, com o agressor a conduz a um quadro de
revitimização e de alta exposição. Nessas situações em que a
mulher informa nos autos ter sofrido violência doméstica, a
obrigatoriedade da tentativa de realização de audiências de
conciliação e mediação deveria ser afastada. Nesses casos, não é
razoável pressupor que as partes tenham condições de construir,
de forma conjunta e autônoma, decisões que atendam aos
interesses de ambas. A igualdade entre as partes fica prejudicada.
Os altos índices de violência doméstica e de feminicídio são
resultado de um longo processo histórico e cultural em que a
mulher ocupava posição de inferioridade e de desigualdade em
relação ao homem. No Código Civil de ����, as mulheres eram
consideradas relativamente incapazes e deviam, legalmente,
obediência aos homens. Apesar de importantes conquistas em
termos de direitos terem sido alcançadas pelas mulheres, como o
sufrágio universal, e a inserção da mulher no mercado de trabalho,
a presença, ainda atualmente, de diversos desses fatores
histórico-culturais impedem que a mulher seja considerada, em
diversos espaços, em sociedade e no âmbito processual, em
posição de igualdade material em relação ao homem.
As funções histórica e culturalmente delegadas à mulher
impedem que ela tenha as mesmas condições de acesso à Justiça

��
Trabalhos apresentados

que os homens. A sua participação no debate processual é


prejudicada, muitas vezes, em razão do atendimento a essas
funções, como a maternidade, a lactação e a responsabilidade por
chefiar famílias monoparentais. Assim, a mulher tem se
encontrado sozinha no esforço de buscar contornar esses
problemas a fim de conseguir desenvolver as suas faculdades e
deveres processuais.
Algumas medidas podem ser adotadas no intuito de
contornar os fatores que acarretam desigualdade entre as partes,
tornando possível que a mulher possa exercer os atos processuais
de forma equânime e integral.
Em casos, por exemplo, em que há a necessidade de uma
mulher grávida ou lactante comparecer em audiência de instrução
e julgamento realizada em comarca afastada da sua residência, ao
noticiar nos autos tais circunstâncias, deveriam ser propiciadas
condições para que a mulher pudesse participar da audiência em
condições de isonomia. Assim, por exemplo, deveriam ser criados
espaços para que as crianças pudessem aguardar enquanto a mãe
estivesse participando da audiência e para que a mulher pudesse
amamentar seus filhos.
Ainda, deveria ser prevista a possibilidade da mulher,
juntamente com a outra parte no processo e o magistrado, fixarem
as melhores datas para as audiências, de acordo com os dias em
que a mulher pudesse deixar os filhos com outra pessoa ou
conforme os dias que melhor se adequassem às atividades
suplementares exercidas pela mulher.
Por fim, nas ações envolvendo a propagação não
autorizada de imagens íntimas, a exposição cinematográfica da
prova documental em audiência, de acordo com a previsão do
artigo ��� do Código de Processo Civil de ����, enseja um quadro
de novo constrangimento e exposição para a vítima, que fica
exposta na presença dos advogados, do magistrado e de outras
pessoas, quando o processo não transcorre em segredo de justiça.
Nestes casos, é necessário que a regra prevista no artigo ���
seja flexibilizada, de modo que o juiz possa assistir ao vídeo

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

isoladamente. Caso contrário, várias mulheres continuarão a


deixar de pleitear as suas demandas em juízo, em razão da
situação de vulnerabilidade e de falta de isonomia a que ficam
sujeitas.

�. Conclusão
A fim de buscar caminhos para o alcance da igualdade material de
gênero no processo civil é importante, em primeiro lugar, que seja
noticiado nos autos os fatores que acarretam desequilíbrios
efetivos que a mulher precisa enfrentar para que possa praticar os
atos próprios ao seu direito de ação.
Nos casos em que a mulher não tenha noticiado esses fatores de
desequilíbrio nos autos, o juiz e outros profissionais do Direito
devem se atentar a esses fatores e noticiá-los nos autos, de modo
que seja possível falar, de fato, em uma isonomia de direitos no
processo civil. É preciso, assim, que os profissionais do Direito
assumam um compromisso com a igualdade material de gênero
no processo civil.
Então, o juiz deverá analisar a veracidade dos fatores noticiados
nos autos. Caso as alegações sejam comprovadas, é necessário
que profissionais de diferentes áreas, a começar pelos advogados
e pelo juiz, além de psicólogos, atuem em conjunto no intuito de
contornar os fatores que acarretam desequilíbrio em relação à
mulher no processo. Dessa forma, será possível que as mulheres
pratiquem os atos processuais de forma isonômica e integral.
Além disso, em razão dos inúmeros fatores de desigualdade e de
vulnerabilidade a que a mulher fica sujeita ao pleitear em juízo, e
tendo em vista a necessidade de serem buscados mecanismos
para contornar esses fatores, é necessário, além de outras
medidas, afastar a realização de audiências de conciliação e
mediação, nas ações envolvendo casos de violência doméstica.
Uma vez que a participação das mulheres nessas audiências as
leva a novas situações de revitimização e exposição, não deveria
ser razoável a opção de pleitear as suas demandas e direitos por
intermédio de métodos que, nesses casos, não apresentam

��
Trabalhos apresentados

condições de satisfazer, de modo justo e igualitário, as demandas


das mulheres.
Por fim, tal como exposto, é necessário que os profissionais do
Direito se mantenham atentos e assumam o compromisso de
buscar meios para a efetiva implementação da igualdade material
de gênero. Neste contexto, é preciso que sejam observadas as
condições necessárias e adequadas aos desafios enfrentados
pelas mulheres ao pleitear em juízo, sendo esses atrelados, muitas
vezes, às funções que histórica e injustificadamente foram
designadas às mulheres, no contexto de sociedades patriarcais,
além da exposição a diversos tipos de violência. Deste modo será
possível trilhar um caminho para alcançar, de fato, a igualdade
material de gênero no processo civil.

�. Referências
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Federativa do Brasil. [S. l.: s. n.], ����.
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Anais do �º Congresso Crises da Democracia

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Rio de Janeiro, p. ���-���, Maio a Agosto ����.

��
Trabalhos apresentados

CRISE, ESTADO E TRABALHO: UM


ESTUDO SOBRE O PLURALISMO
METODOLÓGICO NAS
INTERPRETAÇÕES ACERCA DA ATUAL
CRISE BRASILEIRA

Larissa Rosado Fernandes Caldas


Matheus Fernandes Sales

PALAVRAS-CHAVE: Pluralismo metodológico; Crise brasileira;


Crise de ����
KEYWORDS: Methodological pluralism; Brazilian crisis; Crisis of
����

�. Introdução
Ao longo dos dois últimos séculos, diversos foram os
autores que interpretaram e contribuíram para a construção da
ciência econômica. Eles possuíam diferentes formas e métodos de
interpretá-la não sendo possível afirmar que há somente um
modo de se pensar a economia, mas vários. Segundo Corazza
(����, p. ���-���), há duas formas de se interpretar a evolução do
pensamento econômico:
A primeira, seguindo uma visão
convencional, sustenta uma evolução linear,
uma acumulação progressiva e positiva do
conhecimento, cada vez mais abrangente e
mais verdadeiro sobre a realidade
econômica. A segunda, inspirada em
Schumpeter, afirma que a ciência econômica
não progride de modo uniforme e linear, mas
por saltos, momentos de revolução, de
consolidação e de dominação de teorias,

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

seguidos de momentos de crises e novas


revoluções no pensamento econômico.
Entretanto, diferente da concepção schumpeteriana, nas
décadas mais recentes vem ocorrendo uma homogeneização do
pensamento, voltada para as teorias neoclássicas,
fundamentadas em modelos matemáticos (Hard Science), teorias
de equilíbrio geral e axiomas que desconectam a teoria com a
realidade. Como dito por Goulart et al. (����), tem-se uma teoria
que descreve um mundo real e imprevisível como se este pudesse
ser compreendido por um processo matemático mensurável e
previsível. Mesmo contendo falhas e não conseguindo explicar
toda a realidade econômica, o mainstream�, muitas vezes, é
relutante na busca de um maior diálogo e aproximação com
teorias alternativas. Apesar da grande diferença entre o que os
neoclássicos propõem para a economia e o que acontece de fato,
a formalização propiciada pelo uso extensivo da matemática faz
acreditar que sua teoria é melhor do que as demais, que utilizam
métodos de interpretação histórico ou social, por exemplo. Se tem
se imposto como argumento dominante na ciência econômica é
que a teoria mainstream oferece algo que, sobretudo para as
ciências sociais, acusadas de vaguidão conceitual e
inoperacionalidade analítica, parece significar um instrumento
metodológico poderoso (DE PAULA et al., ����).
O presente trabalho parte de uma percepção crítica,
entendendo que o pluralismo metodológico, isto é, a construção
do conhecimento a partir do diálogo entre as várias visões
existentes sobre um determinado fenômeno, é um caminho
profícuo para as análises sobre a economia e a sociedade. O
objetivo foi acompanhar e sistematizar a literatura publicada em
periódicos nacionais que se debruça sobre a crise brasileira
recente, com vistas a identificar se há espaço para o pluralismo
nessa discussão. Considerando que a crise no Brasil deve ser
apreendida em suas múltiplas dimensões, econômica, política e
social, e que ela apresenta movimentos contraditórios com
diferentes graus de intensidade, acredita-se que uma maior

��
Trabalhos apresentados

abertura ao pluralismo é benéfica para a construção de políticas


voltadas para a retomada do crescimento econômico e redução
das desigualdades sociais.
Para tanto, foi construída uma recuperação do processo
histórico recente, destacando os principais elementos políticos,
econômicos e sociais que caracterizam a atual conjuntura
nacional. Por conseguinte, foi realizado um mapeamento da
massa de conhecimento já construída sobre a temática. Nesse
sentido, foram sistematizadas as interpretações entorno da atual
crise brasileira, identificado padrões de interpretação e rastreado
possíveis consequências para o Estado, para as políticas públicas
e para o mundo do trabalho.

�. Elementos para se compreender a crise brasileira


O primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (����-
����) foi marcado por políticas que facilitaram e conduziram o
país para uma recessão econômica. Uma agenda
neodesenvolvimentista para atender as demandas da grande
burguesia foi instaurada e as consequências dessas decisões
foram apenas a ponta do iceberg que o país estava caminhando
para colidir-se. Conhecida como “Nova Matriz de Política
Econômica” ou “Agenda Fiesp” (nome justificado em razão das
medidas que procuravam atender às inquietações da burguesia
industrial), o “ensaio neodesenvolvimentista” foi um conjunto de
decisões que tentavam responder de forma mais rápida à
proteção e recuperação da economia brasileira no pós-crise
mundial de ����.
As primeiras medidas da Nova Matriz colocadas em prática
foram a redução dos juros e a desvalorização do real, ambas foram
categorizadas como urgentes e fundamentais. Nesse momento foi
reduzido a taxa Selic de ��,�% a �,��%, num curto espaço próximo
de dois anos (agosto de ���� ‒ abril de ����). Consequentemente,
no câmbio, ocorreu uma leve desvalorização, posteriormente
sendo necessário entrar com medidas que agiam diretamente no
controle do mercado de câmbio, o Banco Central impôs uma

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

alíquota de �% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras)


sobre aplicações que derivam de câmbio acima de �� milhões de
dólares, mirando o eixo da especulação cambial que ocorria em
decorrência da apreciação do real (CARVAHO, ����). Em agosto de
����, o real estava em torno de R$ �,�� em relação ao dólar e, em
meados de ����, estava na casa de R$ �,��. O objetivo dessas
primeiras políticas implementadas era chegar a números
próximos do mercado internacional para que a indústria brasileira
tivesse vigor para disputar internamente, pois os números
relacionados às importações estavam cada vez mais significativos.
Em agosto de ����, o governo Dilma lançou o Plano Brasil
Maior, com o intuito de apostar na indústria brasileira. As medidas
vão desde redução do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) em alguns setores, concessão de créditos pelo BNDES e as
famosas desonerações tributárias. Esse último item ganhou
espaço a partir de ����. Bastos (����, p. ��) resumiu de forma
sucinta o que de fato representavam essas medidas: “[...] o custo
de conter o impacto inflacionário da depreciação cambial e de
reforçar a competitividade privada foi trazido para as contas
públicas”. Todas essas medidas anteriores foram acompanhadas
de uma retração nos investimentos públicos.
Em ����, uma onda de protestos ganhou as ruas das
cidades brasileiras, a causa inicial era o aumento no valor das
passagens de ônibus em São Paulo e Rio de Janeiro, porém logo
se tornou uma forma dos cidadãos demonstrarem seu
aborrecimento com os serviços públicos e o caminho que a
economia estava tomando. Nesse mesmo período, os industriais
começaram a dar sinais de que iriam pular do barco. Singer (����),
afirma que as convergências entre governo e industriais eram
evidentes, e mesmo assim os empresários foram paulatinamente
se afastando de Dilma, aliando-se à oposição (bloco rentista). Eles
entenderam que o mandato era “intervencionista” e isso
dificultava investimentos e não trazia confiança.
Uma nova onda de desaceleração da economia aconteceu
em ���� e os motivos que tentam justificar ou ao menos dar um

��
Trabalhos apresentados

norte para essa dinâmica são variados. A dívida pública bruta


passou a crescer em meados deste ano, saiu, em termos de
participação no PIB, de ��,�% em ���� para ��,�% em ����. Esses
dados são decorrentes do déficit primário e de um ritmo menor de
crescimento do PIB. Para Bastos (����), a desaceleração foi
fortalecida pelo abalo do ciclo de elevação dos juros iniciado em
abril de ����. Outro motivo especulado seria a queda nos
números das exportações. O preço internacional das commodities
deixou de crescer consideravelmente desde ����, mas os efeitos
disso foram sentidos mais vigorosamente no último ano do
primeiro mandato do governo Dilma. Por fim, os investimentos no
setor de construção civil e infraestrutura tiveram uma
desaceleração em decorrência da elevação dos preços de imóveis,
porque as licitações e concursos para as obras relacionadas aos
megaeventos esportivos realizados no país, como a Copa das
Confederações de ���� e a Copa do Mundo de ����, já haviam
passado.
Foi nesse contexto que as eleições de ���� ocorreram. A
economia, que em ���� tinha fechado o ano com média de �% de
crescimento, em ���� teve uma piora considerável e cresceu
apenas �,�%. Dilma e Aécio Neves foram os candidatos à
presidência que chegaram ao segundo turno. O oponente do
Partido dos Trabalhadores (PT) deu o tom de sua campanha
focando nos números da inflação. Já a candidata que estava
pleiteando um segundo mandato respondeu às acusações
culpando a crise internacional. Simultaneamente, a Operação
Lava Jato estava estourando. Foram realizadas as primeiras
prisões e os conglomerados de mídia agiram, de maneira geral, de
forma parcial.
Após a vitória apertada, o novo governo do PT parecia
começar a executar as promessas de campanha do seu oponente.
Ainda em novembro de ����, Dilma Rousseff anunciou Joaquim
Levy para o Ministério da Fazenda, um economista com uma visão
pró-mercado. Anderson (����), enxerga essa mudança de

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

comportamento do governo como uma forma de acalmar a


imprensa:
O escândalo da Lava Jato estourou de fato na
primavera de ���� e sucessivas prisões e
acusações chegaram às manchetes durante
a corrida presidencial no outono. A virada
econômica de Dilma, tão logo eleita, pode
ser vista em parte como conduzida pela
esperança de aplacar a opinião neoliberal o
suficiente para que a mídia moderasse seu
discurso sobre o PT, que estava sendo
tratado como uma gangue de ladrões. Mas se
foi isso de fato, ela foi em vão. (ANDERSON,
����, p. ��)

Os primeiros reparos propostos pelo novo ministro


envolviam uma série de ajustes fiscais com a promessa de que o
país não registraria no próximo ano um déficit nas contas públicas.
A expectativa era de um superávit acima de �% já em ����.
Acompanhando esses ajustes, foram realizadas ainda mais
medidas recessivas. O investimento público ficou em jogo
novamente e os preços administrados foram recalculados
subindo em torno de ��%. Nesse momento, os setores de
construção civil, infraestrutura e petróleo estavam em uma crise
profunda em consequência da Lava Jato, a inflação acelerou de
forma rápida, o câmbio desvalorizou ainda mais e houve queda
nos preços dos produtos de exportação. Em julho de ����, o
governo muda o discurso, e reduz a meta do superávit de ����,
passando de �,�% para �,��%. E por fim, o ano fechou com �,�%
de déficit público. O país nesse momento começa a colidir-se com
o iceberg. A classe média toma as ruas e os panelaços passam a
ser constantes, almejando o impeachment da presidente. Michel
Temer, vice de Dilma e filiado ao então PMDB, apresenta o
programa “Uma Ponte Para o Futuro” para industriais em São
Paulo e, um tempo depois, a Fiesp divulga o slogan “Não vamos

��
Trabalhos apresentados

pagar o pato”, em apoio às manifestações e requisitando o


impeachment.
É importante salientar que já estavam em curso as
movimentações, envolvendo os industriais, o mercado financeiro
e o Congresso, para a derrubada da presidente eleita. Por um lado,
muitos políticos negociaram a ascensão de Michel Temer pois
viam nele uma tábua de salvação ‒ o homem que pararia as
investigações da Lava Jato ‒ por outro, a elite brasileira não estava
confortável com as conquistas, ainda que limitadas, que a classe
trabalhadora havia alcançado nos anos anteriores. Com o cerco se
fechando cada vez mais, e sem espaço político para Dilma reagir,
o impeachment ocorreu em agosto de ����.
Se antes o país já tinha se colidido com o iceberg, a partir
das medidas adotadas por Michel Temer, não houve mais chance
de desvio. O país ficou em frangalhos. Houve um
desmantelamento de alguns progressos de um certo estado de
bem-estar social brasileiro, conquistados em um passado
próximo. Dentre várias outras medidas, Temer, alinhado com as
expectativas daqueles que realizou a flexibilização de leis
trabalhistas, impôs uma Reforma do Ensino Médio segundo
interesses do mercado, congelou os investimentos públicos pelos
vinte anos seguintes e desindexou os benefícios previdenciários
do salário mínimo. O resultado dessas políticas se pode ver a
olhos nus: crescimento das taxas de desemprego, do trabalho
precário, da informalidade, da miséria, entre tantos outros.

�. A academia brasileira e as interpretações sobre crise


Em meio a esse cenário de crise econômica e política, com
drásticos efeitos sociais que se acentuaram com a deposição da
presidente, observa-se que a academia brasileira se dedicou a
interpretar e analisar suas raízes e refletir sobre possíveis formas
de enfrentamento, a partir de variados campos de conhecimento
e tradições teóricas. Se a visão conservadora e neoclássica tem
sido majoritariamente incorporada pelos atuais policymakers,

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

principalmente a partir de ����, essa dominância não parece


ocorrer na academia brasileira.
Diferente da esfera política, há mais espaço para o debate
heterodoxo nas universidades. Isso é possível de ser visto por meio
da análise dos artigos que debatem a crise brasileira atual.
Pensadores pós-keynesianos, desenvolvimentistas e marxistas
têm apontado diferentes problemas que levaram o país à crítica
situação econômica e, principalmente, formas de se superar a
crise. Por outro lado, a dominante escola neoclássica pouco tratou
da crise e do agravamento social e econômico observado após a
adoção de medidas de ajuste já no começo do segundo mandato
de Dilma. De outra parte, os autores heterodoxos defendem que
tais medidas aprofundaram e vêm aprofundando as dificuldades
da economia brasileira desde então.
Esta seção do trabalho se dedica a uma análise preliminar
das proposições e diagnósticos levantados pelas quatro tradições
teóricas, detectadas a partir da leitura do portfólio bibliográfico
construído nesta pesquisa e que buscam explicar a crise brasileira
recente em suas dimensões econômica, política e social. As
tradições são a neoclássica, a pós-keynesiana, a
desenvolvimentista e a marxista.
Os neoclássicos brasileiros têm debatido a crise
considerando-a como fruto do excesso de intervencionismo dos
governos petistas e da falta de políticas eficientes que
favorecessem o desenvolvimento industrial. Segundo Bacha
(����), o principal problema da economia brasileira é a sua baixa
inserção no comércio mundial. O Brasil, sendo a �ª economia do
mundo seria apenas o ��º maior exportador. As soluções seriam
políticas que incentivassem a indústria nacional, reduzindo o que
o autor chama de “custo Brasil” que se daria por reforma fiscal
(simplificação do sistema de taxação direta e reforma da
previdência), reforma trabalhista e melhorias na infraestrutura.
Além disso, seria necessário reduzir as taxas de câmbio, ou seja,
deixar o real mais desvalorizado e procurar acordos comerciais
com outros países e blocos. Para contribuir com a proposta de

��
Trabalhos apresentados

Bacha (����), Lacerda (����) aponta que deve-se, também,


garantir uma inflação estável, pois isso geraria maior estabilidade
e confiança para os investidores.
Boa parte dos textos sobre a interpretação da crise é feita
por autores pós-keynesianos. No que tange à crise brasileira,
vários autores entendem que a redução do nível de investimento
público em favor de uma agenda favorável à expansão do
investimento privado, a exemplo das desonerações na folha de
pagamentos, não foi uma política eficiente. Segundo Carvalho
(����) teria sido mais eficiente aumentar os gastos com
investimentos públicos em infraestrutura. Além disso, as políticas
de austeridade fiscal feitas no segundo Governo Dilma só
pioraram a situação econômica brasileira.
Ainda no âmbito da corrente pós-keynesiana, Gentil et al.
(����) também apontam que a política tributária, mais
conservadora, não foi eficiente para estimular o crescimento
industrial. Sobre o fracasso desse setor, Singer (����) diz que a
burguesia produtivista não aderiu ao ensaio desenvolvimentista
de Dilma e acabou optando por manter parte de seus lucros no
setor financeiro, havendo uma coalização entre as burguesias
produtivista e rentista. O problema principal do Brasil seriam as
altas taxas de juros. Nesse tocante, Dowbor (����) compara as
taxas de juros brasileiras com as das principais economias
mundiais e conclui que as nacionais são muito maiores, o que
eleva a dívida nacional, dificultando o investimento público e
desincentiva a tomada de empréstimos para desenvolvimento
industrial e consumo. Para o autor, as soluções no curto e no
médio prazos para a economia brasileira concentram-se no
mercado interno, no consumo das famílias, nas atividades
empresariais e nos investimentos públicos em infraestruturas e
políticas sociais, portanto, a manutenção dos juros elevados seria
um entrave para o crescimento brasileiro.
Há também uma discussão teórica sobre as diferentes
perspectivas do que é o desenvolvimentismo. Para Carneiro
(����), o novo-desenvolvimentismo seria o desenvolvimento

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

econômico pelo manejo apropriado dos preços relativos ‒ juros,


câmbio e salários ‒ por parte do Estado; o mercado faria o resto. O
governo evitaria ao máximo intervir na economia, mas faria o
possível para que não fosse tomado empréstimos no exterior, para
evitar a dependência. Já o social-desenvolvimentismo defende
que o desenvolvimento viria pela melhor condição das massas, ou
seja, redistribuição de renda. Se os salários forem maiores, o
consumo irá se elevar, crescendo, também, os investimentos para
garantir uma boa oferta. Com a produção aumentando, os salários
seriam maiores, criando um círculo virtuoso. Para o autor, o novo-
desenvolvimentismo estaria associado no Brasil ao PSDB, e o
social-desenvolvimentismo ao PT (dentro da esfera brasileira de
dominação das duas siglas até a eleição de ����). Carleial (����)
corrobora essa hipótese, trazendo dados do governo petista, em
que houve ganhos salariais de ��% e queda na taxa de
desemprego de ��,�% para �,�% no período ����-����.
Porém, alguns autores não concordam que entre ���� e
���� o Brasil passou por um período desenvolvimentista. Almeida
(����) conclui que o desenvolvimentismo brasileiro nada mais é
do que um “modelo capitalista neoliberal reformado”. Segundo
ele, o Governo Lula conciliou políticas liberais com benefícios
sociais, em uma forma de tentar agradar ambos os lados.
Medeiros (����) discute que o que foi feito no primeiro governo
Dilma não foi desenvolvimentismo, pois não possui as
características primordiais do modelo (foco total na
industrialização, modernização tecnológica e aceleração do
crescimento), e que, talvez, o único período desenvolvimentista
no Brasil, no século XXI, tenha sido entre ���� e ����, com a
realização do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e de uma
política exterior voltada para a aproximação com os países do Sul
e com os BRICS.
Por fim, os marxistas fazem uma interpretação do
fenômeno da crise a partir do viés da totalidade. Nesse sentido, no
que diz respeito às suas raízes econômicas, as análises focam na
atuação dos trabalhadores e na centralidade do trabalho na

��
Trabalhos apresentados

sociedade burguesa, considerando a crise como condição


estrutural do próprio modo de produção capitalista. Quanto ao
movimento das lutas de classes, questionam e estudam ausência
dos movimentos sindicais e sociais no período de crise brasileira,
bem como o que ocorreu para que esses fossem enfraquecidos.
No que tange a seguridade social, Castilho (����) propõe a
reflexão crítica sobre a crise do capital, suas inflexões no mundo
do trabalho na conjuntura brasileira e os impactos na regressão de
direitos. Analisa as contrarreformas implementadas a partir da
década de ���� e os sucessivos desmontes desferidos contra a
política de Seguridade Social. Por sua vez, Braga et al. (����)
tentam entender a posição passiva dos sindicatos nas
manifestações de ����, já que esses foram muito pacíficos frente
ao desmanche político e social dos últimos anos.
De forma geral, a conclusão é que as políticas conciliatórias
do governo Lula “amansaram” os trabalhadores organizados e os
militantes de esquerda, que passaram a se preocupar mais com o
bom funcionamento do Estado e não mais com a denúncia e o
objetivo estratégico de revolucionamento da totalidade do
sistema capitalista. Assim, quando a realidade nacional mais
precisou da atuação desses, não conseguiram ser eficientes.
Conclui-se, de acordo com Viana et al. (����), que com a crise,
todos os ganhos sociais do século XXI estão ameaçados, para a
manutenção do lucro da burguesia brasileira, agravando ainda
mais o caótico cenário social desigual vivenciado no país.

�. Reflexões finais
Como conclusão, é possível afirmar que, não obstante a
existência de interpretações heterodoxas dos problemas
econômicos do país, o discurso e as medidas adotadas nos
círculos políticos não vão ao encontro dessas ideias,
contrapondo-se ao movimento que defende o pluralismo em
economia.
A crise brasileira mostra que a dominância da visão
neoclássica é maléfica para o debate econômico, pois o

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

mainstream encontra dificuldades em prever crises e em sair


dessas, por se tratar de um método muito distante da realidade
social, e que há muitas teorias bem fundamentadas e até mais
eficientes do que as que estão no mainstream. Hermann (����)
afirma que países emergentes, a exemplo do Brasil, precisam
repensar seus modelos nacionais de desenvolvimento para não
ficarem tão à mercê do mercado internacional.
Percebe-se também uma análise social que aponta para a
diminuição dos direitos trabalhistas, o enfraquecimento de
políticas sociais e a instabilidade política das instituições
representativas. Para Carvalho (����), a classe política parece
aproveitar da aflição das pessoas com a crise, para introduzir
políticas antidemocráticas, que aumentam ainda mais a perda de
direitos e uma piora no padrão de vida.

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Anais do �º Congresso Crises da Democracia

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��
Trabalhos apresentados

LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO


E PROCESSO ESTRUTURAL: A
DECISÃO SIMBÓLICA DE
CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA

Edílson Lucas Duarte da Costa


Jéssica Galvão

Resumo: Este artigo pretende analisar a decisão prolatada pelo


Supremo Tribunal Federal que criminaliza a LGBTfobia utilizando-
se da Lei do Racismo n. �.���/��, bem como a sua (in)efetividade,
tendo como horizonte o litígio estrutural. Primeiro, apresentamos
as principais características das espécies de litigância enfrentadas
pelo Judiciário na atualidade. Em seguida, há uma análise
pormenorizada da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, incluindo- se os votos de cada ministro, bem como a
adoção pela suprema corte de uma postura mais progressista ou
conservadora. Por fim, discutimos a necessidade de um processo
verdadeiramente estrutural pelo Judiciário. Concluímos que a
decisão proferida em sede da Ação Direita de
Inconstitucionalidade por Omissão n.��, é incapaz de promover a
igualdade a minoria LGBT, sendo, por conseguinte, uma decisão
tão somente simbólica.

Palavras-chave: litigância de interesse público, processo


estrutural, Criminalização da LGBTfobia.

�. Introdução
Busca-se analisar com a presente pesquisa a possível
(in)efetividade decisão proferida pelo STF que criminaliza a
homofobia e transfobia, determinando-se a aplicabilidade da Lei
do Racismo n. �.���/��, partindo-se do problema acerca da
efetividade das decisões judiciais que envolvem a litigância de

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

interesse público, visto que são conflitos levados ao judiciário que


impactam grupos, subgrupos e instituições públicas e privadas da
sociedade, sendo este um dos pressupostos para um processo
estruturante.
Tendo como marco teórico a teoria do processo
jurisdicional democrático e a partir de uma pesquisa qualitativa
exploratória, utilizando-se o método de pesquisa bibliográfico,
documental e estudo de caso, entende-se que a promoção da
igualdade material pretendida na criminalização da LGBTfobia,
pelo Supremo Tribunal, consubstanciada no respeito da
diversidade, à igualdade e equidade de gênero, por meio de uma
análise do litígio estrutural não será alcançada, tendo em vista que
a atuação da Suprema Corte se deu de forma meramente
simbólica, sendo ineficiente.
O processo estrutural tem como objeto um conflito de alta
complexidade, no qual a simples dualidade entre as partes (autor
e réu), se mostra insuficiente, devido a necessidade da reforma da
estrutural social, a indispensabilidade de restruturação da
instituição pública e o monitoramento constante da execução da
medida estruturante. No litígio estrutural pretente- se a
implementação de um direito fundamental pela via judicial,
cabendo ao Judiciário no controle jurisdicional da política pública
em diversos casos uma atuação contramajoritaria.
Assim, a estrutura tradicional de atuação do Judiciário nos
litígios individuas e coletivos mostra-se ineficaz para aqueles que
sofreram o dano, visto que em se tratando de litígio estrutural é
necessário uma mudança comportamental de uma instituição
seja ela, pública ou privada na implementação do valor público
visado pela decisão judicial (VITORELLI, ����).
O valor público pretendido na criminalização da LGBTfobia,
pelo Supremo Tribunal, é a promoção ao respeito da diversidade,
efetivando tutela de direitos fundamentais como o direito à
igualdade e equidade de gênero, emanado da Constituição
Federal, da Declaração Universal de Direitos Humanos e Tratados

��
Trabalhos apresentados

Internacionais ao qual o Brasil é signatário usufruindo de força


constitucional.
No que tange a Tratados Internacionais sobre Direitos
Humanos de que o Brasil é signatário e que, de alguma forma,
como Ministra Pereira e Bahia (����), tratam da igualdade, bem
como da proibição de discriminação, podemos citar: a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de ����, especialmente o Art. �o,
�., o Pacto de San José da Costa Rica; e a Declaração sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação
Fundadas na Religião ou nas Convicções (Resolução da ONU), de
����.
Tal direito à igualdade é colocado em pauta na decisão do
Supremo, que por � (oito) votos a � (três), permitiu a
criminalização da LGBTfobia. Os ministros julgaram que atos
preconceituosos contra a população LGBT devem ser
enquadrados no crime de racismo, estando sujeito à pena de � a �
anos, além de multa e de � a � anos de pena, além de multa se
houver divulgação ampla do ato. Segunda a decisão da suprema
corte a aplicação desses institutos é validada até que o congresso
nacional regule lei sobre o tema.
Um procedimento adequado de debate judicial de políticas
públicas, se faz mister, a aplicação do contraditório que impõe a
garantia de influência, ou seja, a participação das partes
processuais na formação das decisões. O direito de influir se
efetiva com participação da coletividade por meio de técnicas de
representação adequada como as audiências públicas e
participação do amicus curiae, que possa permitir a efetiva
construção da decisão que busca realizar a alteração substancial
de determinada prática ou intituição (ARENHART, ����).
A decisão estruturante busca uma análise do passado, para
que que haja uma mudança no futuro, de forma a tutelar direitos
fundamentais por meio de políticas públicas pela via judicial.
A partir de tais premissas, conclui-se em última análise, que
a decisão do Supremo Tribunal foi uma decisão simbólica, visto
que não promoveu efetivo debate, possibilitando a participação

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

das partes na formação de decisão. Observa-se, por conseguinte,


que a decisão é ineficaz, visto que não promove a proteção da
população LGBT, especialmente pela inexistência de políticas
públicas de conscientização e respeito a diversidade que
possibilitasse uma reestruturação social .

�. Da inaplicabilidade do processo individual e coletivo para


a litigância estrutural

Na atualmente há diversas modalidades litígios,


notadamente em razão da alta complexidade da sociedade de
consumo e da atuação do Judiciário na litigância de interesse
público. Sabe-se que se tratando da litigância de interesse público
as normas processuais atinentes ao litígio individual e ao litígio
coletivo são insuficientes.
O litígio de interesse juridicamente relevante individualista
e bilateral, no qual o autor demanda a atuação do Estado por meio
da jurisdição em face de determinado réu (réus) não é mais o
principal objeto de estudo do direito processual civil. Nesse esteio,
tem-se que o litígio individual atinente à um direito fundamental
empobrece à discussão sobre a implementação da respectiva
política pública e privilegia aquele indivíduo que possui melhores
condições de requer a atuação do Estado por meio do exercício da
jurisdição.
O Judiciário é provocado a dirimir conflitos que afetam a
determinados grupos (litígio coletivo) e, por fim, a efetivar o
controle jurisdicional de implementação da política pública.
Tendo como pressuposto a existência de diversas
modalidade de litígios Vitorelli (����) empreende esforços na
conceituação e consequente diferenciação do litígio coletivo,
litígio de interesse público e litígio estrutural.
Entende-se por litígio coletivo aquele em que um grupo de
pessoas é lesada (VITORELLI, ����) e de igual maneira às normas
relativas às ações coletivas são insuficientes para o litígio
estrutural, em razão de não permitir a efetiva representação da

��
Trabalhos apresentados

coletividade e por ser procedimentalizada de acordo com os


ditames do processo individual (litígio individual) (ARENHART,
����).
Pode-se traduzir a litigância de interesse público na
atuação do Judiciário na efetivação de políticas públicas, em
razão da omissão do respectivo órgão estatal que regra geral
integra a estrutura do Poder Executivo.
Por sua vez o litígio estrutural impõe uma atuação
jurisdicional prospectiva capaz de fomentar uma alteração de
uma prática ou um modo de agir de determinada instituição
pública ou privada. Na lição de Vitorelli o litígio estrutural
necessita para a sua resolução a implementação de modificação
no funcionamento de instituições públicas e privadas, por se tratar
de litígios irradiados, visto que a lesão afeta de forma diferentes a
todos os envolvidos (����).
Nesse sentido, é imprescindível a adoção de um
procedimento diverso do empregado nos litígios individuais e
coletivos. Necessita-se que a decisão seja resultado da construção
participada de todos os envolvidos no conflito.
O contraditório, a flexibilização procedimental, a realização
de audiências públicas, a participação do amicus curie, a
implementação paulatina de ações que busquem a efetividade da
decisão, a monitorização da execução da decisão e até a divisão
em fases da execução da decisão judicial de litígio estrutural
evidenciam as particularidades que devem ser observadas pelo
Judiciário e por todos os envolvidos no litígio para a construção de
uma decisão efetivamente participada e passível de efetivo
cumprimento.

�. Atuação do Supremo Tribunal Federal da criminalização


da LGBTfobia
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. ��,
aprovada pelo plenário, teve como relator, o ministro Celso
Antônio de Mello, apresentando três teses. A primeira delas prevê
o enquadramento penal, para as condutas homofóbicas e

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes


previstos na Lei �.���/���� até que o Congresso Nacional edite lei
específica, constituindo também no caso de homicídio doloso,
constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo
torpe.
A segunda tese levantada, trata-se do possível conflito da
temática de criminalização da LGBTfobia e liberdade religiosa.
Esclarecendo-se que é assegurado o direito de divulgar
livremente, seu pensamento, bem como ensinar segundo sua
orientação teológica, desde que tais manifestações não
constituam discurso de ódio, de forma a exteriorizar e incitar a
discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em
razão de sua orientação sexual, ou identidade de gênero.
Por fim a última tese levantada pelo ministro, conceitua o
racismo, projetando para além de aspectos biológicos ou
fenótipos e sim em uma construção de índole histórico-cultural
motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao
controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à
negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles
que, por integrarem grupo vulnerável, no caso, o grupo LGBTQI+, e
por não pertencerem ao estamento que detém posição de
hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados
estranhos e diferentes, a uma injusta e lesiva situação de exclusão
do sistema geral de proteção do direito.

�.� Dos Votos


A ministra Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela
procedência dos pedidos consubstanciados nas � teses
apresentadas. No entanto, destacou que houve inércia do
legislativo brasileiro após tantas mortes, ódio e incitação contra
homossexuais, afirmando que tal omissão é inconstitucional. “A
reiteração de atentados decorrentes da homotransfobia revela
situação de verdadeira barbárie. Quer-se eliminar o que se parece
diferente física, psíquica e sexualmente”, disse.

��
Trabalhos apresentados

Já o ministro Ricardo Lewandowski, apesar de reconhecer a


mora legislativa e a necessidade de dar ciência dela ao Congresso
Nacional, assim como a ministra Cármen Lúcia, descorda sobre o
enquadramento da LGBTfobia na Lei do Racismo. Para
Lewandowski, é indispensável a existência de lei para que seja
viável a punição penal de determinada conduta:
A extensão do tipo penal para abarcar situações não
especificamente tipificadas pela norma incriminadora parece-me
atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui uma
garantia fundamental dos cidadãos que promove a segurança
jurídica de todos.
Ademais após a presente afirmação, segundo o ministro a
Constituição Federal somente admite a lei como fonte formal e
direta de regras de direito pena.
Por fim, o ministro Gilmar Mendes, em seu voto, além de
também identificar a inércia do Congresso Nacional, manifestou
de forma consonante ao enquadramento, apresentado pelos
relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os
integrantes da comunidade LGBT é compatível com a Constituição
Federal.
Em seu voto, Mendes lembrou que a criminalização da
homofobia é necessária em razão dos diversos atos
discriminatórios ‒ homicídios, agressões, ameaças ‒ praticados
contra homossexuais e que a matéria envolve a proteção
constitucional dos direitos fundamentais, das minorias e de
liberdades.

�.� Decisão progressista x decisão conservadora


Um outro ponto, em discussão da atuação do Supremo Tribunal
Federal, na ADO n.��, é a sua atuação progressista e ao mesmo
tempo conservadora. O STF vem em suas decisões se
manifestando de forma progressista sobre a perspectiva moral,
como demonstrado nas ADI
�.��� e ADI n. �.���.

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

O primeiro exemplo de uma manifestação progressista,


pela perspectiva moral por parte do STF é a Ação Direta de
Inconstitucionalidade VII n. �.���, conhecida como o caso da
vaquejada. A presente decisão traz a controvérsia entre a proteção
das manifestações culturais, conforme dispõe o artigo ���, § �° e
a preservação do meio ambiente, conforme dispõe o artigo ���,
§�º, inciso VII, ambos da Constituição Federal (CF), tinha de um
lado o direito às manifestações esportivas e culturais e, de outro, o
direito à proteção da fauna e a consequente vedação de práticas
que impliquem em extinção de espécies ou submetam os animais
à crueldade.
O Supremo julgou a lei inconstitucional por uma apertada
maioria, o resultado da decisão foi de seis votos a cinco. Em suma,
entendeu-se que a prática cultural de entretenimento conhecida
como vaquejada, cuja regulamentação a lei atacada propunha-se
realizar, submete o animal bovino à crueldade, ainda a
regulamentação buscasse impedir o seu sofrimento.
Outro exemplo de decisão que demonstra a perspectiva
liberal do STF é também a ADI �.��� que em suma, conclui que as
pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à
vida, tampouco a dignidade da pessoa humana. Esses
argumentos foram utilizados pelo ex-procurador-geral da
República Claudio Fonteles em Ação Direta de
Inconstitucionalidade ajuizada com o propósito de impedir essa
linha de estudo científico. O relator da presente decisão foi o
ministro Carlos Ayres Britto.
Como demonstrado, o STF vem tomando decisões
progressistas sobre a perspectiva moral, mas na presente Ação de
Inconstitucionalidade por Omissão, a decisão se torna ambígua
pois apresenta tanto o caráter progressista, quanto conservador. O
caráter progressista se apresenta no reconhecimento da minoria
LGBTQI+, como entes detentores de direitos que são violados por
uma maioria. Mas também apresenta um caráter conservador
sobre a perspectiva penal, na medida punitivista que criminaliza a

��
Trabalhos apresentados

conduta LGBTfóbica, que vai na contramão de uma teoria


despenalizadora minstrada por Salo de Carvalho.

�. Criminalização da LGBTFOBIA e o processo estrutural


Evidencia-se a partir do presente estudo que o processo
individual e o processo coletivo, nos quais predomina a
racionalidade bipolarizada é incapaz de promover um adequado
debate judicial das políticas públicas na reestruturação para o
futuro de determina prática ou instituição.
A decisão do Supremo Tribunal Federal que criminalizou a
LGBTfobia demanda alteração institucional de órgãos públicos e
privados na promoção ao respeito da diversidade, para a
conseguente efetivação dos direitos fundamentais como o direito
à igualdade e equidade de gênero, emanado da Constituição
Federal, da Declaração Universal de Direitos Humanos e Tratados
Internacionais ao qual o Brasil é signatário usufruindo de força
constitucional.
Uma decisão de combate a LGBTfobia versa sobre valores
amplos da sociedade, não apenas um conflito entre partes ou
omissão estatal. Demanda uma atuação para o futuro no âmbito
da sociedade, buscando uma efetiva alteração de conduta social e
institucional por meio de conscientização e promoção do respeito
da diversidade e equidade de gênero.

�. Conclusão
Um procedimento adequado de debate judicial onde há
uma coletividade, como na ADO n.��, se faz mister, uma devida
aplicação do contraditório, que impõe a garantia de influência, ou
seja, a participação das partes processuais na formação das
decisões. O direito de influir se efetiva com participação da
coletividade por meio de técnicas de representação adequada
como as audiências públicas, a participação de especialistas no
tema objeto do processo estrutural.
A decisão estruturante busca uma análise do passado, para
que que haja uma mudança no futuro, de forma a tutelar direitos

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

fundamentais por meio de políticas públicas pela via judicial. Em


uma última análise, a decisão do Supremo Tribunal foi uma
decisão ineficiente, simbólica, não promoveu um debate, uma
participação das partes na formação de decisão, não atingindo o
objeto da ação que é promover uma proteção a população LGBT,
especialmente pela inexistência de políticas públicas de
conscientização e respeito a diversidade que possibilitasse uma
reestruturação social.

�. Referências
ARENHART, Sérgio Cruz. Processos Estruturais no Direito
Brasileiro: reflexões a partir do caso da ACP do carvão.Revista de
Processo Comparado. Vol. �, ����.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. ����, DF. Ação Direta De
Inconstitucionalidade. Lei De Biossegurança. Relator: Min. Ayres
Britto. Brasília, �� de maio de ����.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. �.���, DF. Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Relator: Min Celso de Mello. Brasília, ��
de maio de ����.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO n.��, DF. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, �� de
junho de ����.
CARVALHO, Salo. Sofrimento e clausura no Brasil
contemporâneo. Empório do Direito, ����.
CHUEIRI, Vera Karam de; MACEDO,José Arthur Castillo de. Teorias
Constitucionais Progressistas, Backlash e Vaquejada. Revista
Seqüência, n. ��, Florianópolis ����.
Didier, F. JR.; ZANETI, H. JR.; OLIVEIRA R. F. Notas sobre as
decisões estruturantes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM,
Marco Félix (Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPODIVM,
����.
JOBIM, Marco Félix. Reflexões sobre a necessidade de uma
teoria dos litígios estruturais: bases de uma possível
construção. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org.).
Processos estruturais. Salvador: JusPODIVM, ����.

��
Trabalhos apresentados

OSNA, Gustavo. Nem ʻʻTudo’’, nem ʻʻNADA’’ - Decisões


Estruturais e efeitos Jurisdicionais Complexos.In: ARENHART,
Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org.). Processos estruturais.
Salvador: JusPODIVM, ����
PEREIRA, G. R.; BAHIA, A. G. M. F. Direito fundamental à
educação, diversidade e homofobia na escola: desafios à
construção de um ambiente de aprendizado livre, plural e
democrático. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. ��, p. ��-��,
jan./abr. ����. Editora UFPR
SALET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais Sociais e Mínimo
Existencial - notas sobre um possível papel das assim chamadas
decisões estruturantes na perspectiva da jurisdição
constitucional. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix
(Org.). Processos estruturais. Salvador: JusPODIVM, ����.
SOUTO, João Carlos. Suprema Corte Dos Estados Unidos
Principais Decisões. �ªED. Ed. Atlas (����)
VITORELLI, Edilson. Litígios Estruturais: decisão e
implementação de mudanças socialmente relevantes pela via
processual. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org.).
Processos estruturais. Salvador: JusPODIVM, ����.

��
Resumos
expandidos
apresentados
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

O PROCESSO ESTRUTURAL E A
EFETIVAÇÃO DA IGUALDADE
MATERIAL DE GÊNERO NO
PROCESSO CIVIL
Maria Eduarda Fiorilo Rocha Baquim
Jéssica Galvão Chaves

Palavras- chave: Processo Civil, igualdade material, gênero.

Key- words: Civil procedure, material equality, gender.

�. Exposição do conteúdo da pesquisa e de seus resultados


O presente trabalho tem por objetivo evidenciar as condições
que obstaculizam a implementação da igualdade material de
gênero no Direito Processual Civil, apesar de ser reconhecida a
igualdade formal. Para tanto, conclui-se que as audiências
preliminares de conciliação e mediação não deveriam ser
exigíveis em casos envolvendo violência doméstica, uma vez que
a realização dessas conduziria a vítima a um quadro de grande
exposição e vulnerabilidade.

�. A busca pela implementação da igualdade material de


gênero no processo civil, por intermédio do processo
estrutural
O modelo de processo civil que vige no Direito brasileiro
coloca as partes em litígio em uma posição de adversariedade.
Como resultado do processo, uma das partes sai vitoriosa e tem o
seu interesse tutelado, em detrimento da outra, que, dentro dessa
lógica adversarial é tida como a parte vencida e deve suportar os
ônus do processo.
Os processos coletivos, que chancelam interesses difusos, e não
de um particular, em separado, seguem procedimentos muito

��
Resumos expandidos apresentados

semelhantes aos empregados em processos individuais. A lógica


do processo individual, contudo, é insuficiente para atender às
demandas de um processo coletivo.
Neste contexto, é iminente a necessidade de uma nova
configuração do processo civil, que seja capaz de tutelar
importantes interesses coletivos. O processo estrutural surge,
nesse cenário, como uma alternativa capaz de viabilizar a
participação ativa das pessoas envolvidas e afetadas pelo
processo, oferecendo meios para que elas possam expor as suas
demandas, e da sociedade de uma forma geral, na construção do
processo e das decisões judiciais, por meio do fortalecimento do
contraditório e da ampla defesa.
Assim, o processo estrutural defende a necessidade de
reestruturação de instituições e das práticas por ela empregadas,
com vista à implementação de decisões continuadas. Para tanto,
as técnicas processuais atuais se mostram insuficientes para
solucionar litígios envolvendo o interesse público e precisam ser
repensadas.
Uma questão que precisa ser enfrentada no processo civil é
a da desigualdade material de gênero. Inúmeros fatores
acarretam desequilíbrio entre mulher e homem nas práticas
processuais, estando atrelados a várias funções desempenhadas
pela mulher, como a maternidade, a lactação e a
responsabilidade por chefiar famílias monoparentais.
A obrigatoriedade de tentativa de realização de audiência
de conciliação ou mediação nas ações de família, disciplinada no
NCPC nos artigos ��� a ���, apesar de ter grande importância em
inúmeras situações, deve ser afastada nos casos em que a mulher
solicitar nos autos a dispensa de audiência de mediação, em
razão de ter sofrido violência doméstica. Nessas situações, a
audiência conduziria a uma nova vitimização da vítima, em face
do reencontro com o agressor, o que enseja um quadro de
desigualdade entre as partes na relação processual.
Outra situação que faz reproduzir no processo civil a
violência da relação de poder existente entre os sexos em

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

sociedade é a exibição, em audiências de instrução e julgamento,


de vídeos em que a mulher é exposta de forma íntima. Nestas
ações, se verificada pelo juiz a necessidade de reprodução desses
vídeos para julgar a causa, seria importante que o magistrado
pudesse assisti-los de forma separada.
Várias medidas precisam ser adotadas pelo magistrado e
por outros profissionais do Direito a fim de contornar a situação
de desigualdade a que a mulher é sujeita no processo. Dentre
essas medidas, é possível citar o estabelecimento de negócios
jurídicos processuais em que as partes, e principalmente a
mulher, possam dispor sobre os dias em que as audiências
deverão ocorrer, de forma a não coincidir com a data prevista para
o parto, quando for parte uma gestante.
Neste contexto é que se faz necessária a construção de um
novo modelo de processo, como o processo estrutural, que seja
capaz de implementar direitos e interesses públicos que não são
efetivamente abarcados pela técnica civil processual atual. Desta
forma é que a igualdade material de gênero pode ser assegurada
no processo civil.

�. Referências
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero Patriarcado e Violência. São Paulo:
Expressão Popular, ����.
JOBIM, Marco Felix; ARENHART, Sérgio Cruz. Processos
Estruturais. �. Ed.: Jus Podivm, ����.
HILL, Flávia Pereira. Uns mais iguais que os outros: Em busca da
igualdade (material) de gênero no processo civil brasileiro.
Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, Rio de Janeiro, p.
���-���, Maio a Agosto ����.

��
Resumos expandidos apresentados

A POLÍTICA DO “CONTRA TUDO ISSO


QUE ESTÁ AÍ” - UMA ANÁLISE DA
DEMOCRACIA BRASILEIRA EM
TEMPOS DE ASCENSÃO DO
AUTORITARISMO
Eduardo Ribeiro Santiago

RESUMO: o resultado eleitoral de ���� surpreendeu ao mostrar


que o brasileiro está disposto a uma mudança radical no cenário
político. Uma mudança capaz de atingir seus próprios interesses
enquanto cidadão. Desse modo, pretende-se discutir as razões
pelas quais uma mudança tão brusca, capaz de afrontar as
instituições democráticas, foi possível. Em rápida análise
bibliográfica, percebe-se que muitos autores discutem o êxito da
democracia. A partir de tais obras, portanto, será feito uma análise
deste sistema no Brasil. Chegar-se-á à conclusão de que o Brasil,
assim como outros países, passa por um crescente autoritarismo
que, se não freado pelas instituições democráticas, levará o país a
reviver tempos sombrios.

�. Crise democrática (?) e a ascensão autoritária no brasil


Após ����, a população não estava satisfeita unicamente
com o impeachment de Dilma, eram necessários mais culpados, e
o aparato persecutório não podia, tão logo, ter fim. E se houve algo
capaz de sustentar a política de combate a corrupção, esse papel
foi bem desenvolvido pela operação "lava jato".
Assim se deram as eleições de ����, momento em que
políticos de carreira tentavam emplacar como novidade, prontos
a atacar “tudo isso que está aí”. Contudo, é preciso entender que
não foi uma corrida presidencial comum. Foi sobretudo uma
eleição do medo, um medo produzido. É ponto importante, desse
modo, compreender as razões pelas quais uma maioria política

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

decide eleger um candidato de viés tão radical. Alguns dirão que


“o pânico coletivo brota quando sentimos nossa segurança física,
patrimonial, de orientação sexual ou status social ameaçado.
Pode ser instantâneo, diante de situações objetivas de crise, ou
fabricado” (MENDES, ����, p. ���).
Outros autores apontam um paradigma já há muito
existente na política brasileira: nacionalismo e religião. "Jair
Bolsonaro pavimentou a vitória ao vincular sua candidatura ao
que seriam os interesses maiores da nação. Sem propostas claras
de governo, bancou uma ousada disputa ideológica. Tocou fundo
em aspectos afetivos, históricos e identitários da população"
(MARINGONI, ����, p. ��).
Nesse sentido, a corrida presidencial consegui atingir
diversos temores do “cidadão comum”, que foram fortemente
sustentados pelas chamadas Fake News, capazes de disseminar
informações falsas e imprecisas de modo nunca antes vista. As
eleições ocorreram sem nenhum filtro eficiente, capaz de
assegurar o andamento democrático da disputa presidencial."
A guinada à contestação de “tudo isso aí”, se reflete em uma
crise já bem delineada por diversos autores e, mais atualmente,
bem especificada por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, que
dispõem de alguns requisitos para apontar eventuais perigos ao
Estado democrático. Ainda que importar parâmetros de outros
países seja uma tarefa delicada, trata-se de importante exercício
comparativo afim de encontrar precedentes para entender nossa
própria realidade. Assim, os requisitos são: �) Rejeição das regras
democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas); �)
Negação da legitimidade dos oponentes políticos; �) Tolerância ou
encorajamento à violência e; �) Propensão a restringir liberdades
civis de oponentes, inclusive a mídia
Com quase um ano de governo, repleto de polêmicas,
Bolsonaro reviveu a discussão sobre o período da ditadura militar;
atacou a atuação da OAB por diversas vezes; mudou quatro, dos
sete integrantes, da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos
durante o regime militar, levando à Comissão deputados

��
Resumos expandidos apresentados

saudosos do período militar. As mudanças foram contínuas, de


modo a aparelhar as instituições estatais à ideologia do governo.
Houve. ainda, ingerência na Policia Federal, no Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais, no IBAMA, no Banco do Brasil, na
Petrobras, no COAF, entre outras dezenas de instituições.
Em conclusão, observa-se que constante são os flertes
autoritários do atual governo, que abrange não só o presidente,
mas também seus descendentes. Alguns autores chamam o
recente fenômeno, de ascensão de governos com viés autoritário,
de autocracia eleitoral, situação em que, mesmo havendo
eleições, os elementos do sistema democrático têm sido
destruídos ou manipulados. Significa dizer que a democracia em
nosso tempo tem servido para legitimar governos que não prezam
pela democracia que os elegem. Esse desrespeito, demonstra que
o sistema democrático, considerado como o mais adequado a
garantir o desenvolvimento social, tem sido usado por populistas,
como nos EUA, na Turquia e, mais recentemente, no Brasil, apenas
como instrumento para chegar ao poder, tendo, após o êxito
eleitoral, os seus pilares destruídos pelos próprios agentes
políticos.

PALAVRAS-CHAVE: “democracia”, “crise”, “autoritarismo”.


KEY-WORDS: “democracy”, “crisis”, “authoritarianism”.

�. Referências
ABRANCHES, S. et al. Democracia em risco?: �� ensaios sobre o
Brasil hoje. São Paulo : Companhia das Letras, ����.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem.
Rio de Janeiro: Zahar, ����.
PACEWICZ, Piotr. Na Polônia Também Teve Vaza Jato ‒ Lá Ela
Derrubou O Vice-Ministro Da Justiça. Entrevista concedida à: Paula
Bianchi e Rafael Moro Martins. Disponível em: <https://
theintercept.com/����/��/��/entrevista-brasil-polonia-piotr-
pacewicz/>. Acessado em: �� out. ����.
MARINGONI, Gilberto. A santíssima trindade: nação, Deus e os
inimigos disso daí. Revista Le Monde Diplomatique Brasil. São

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

paulo, edição ���, fev. ����.

��
Resumos expandidos apresentados

A ATUAÇÃO DOS TRABALHADORES


NO QUEREMISMO
Otávio Lopes de Souza

�. Introdução
O processo de construção da memória nacional sobre
Getúlio Vargas atravessa as décadas de ����, ����, ���� e ����,
sem restringir seus efeitos à sua morte, em �� de agosto de ����.
Sem dúvidas, trata-se de uma figura complexa e ambígua, já que
possuía capacidade de conjugar as características de um “homem
comum” e, ao mesmo tempo, de um estadista que foi responsável
pela promoção de direitos sociais e supressão de direitos políticos
(GOMES, ����; FERREIRA, ����).
Por um lado, têm-se explicações bastante simplistas para
esses acontecimentos do Brasil sob Vargas, na medida em que
normalmente o atrelam diretamente às premissas que as
“massas” acreditariam nas promessas irrealizáveis e eleitoreiras
de políticos que conseguiam manipulá-las a seu bel-prazer
(FERREIRA, ����).
Por outro lado, entretanto, percebem-se explicações que
trazem consigo ideias que vencedores e vencidos podem ter
interesses convergentes, estabelecer negociações e, dependendo,
até mesmo estruturem um pacto social entre si, não havendo
“coisificação” de pessoas. Todavia, convém ressaltar que isso não
elimina a situação de (extrema) desigualdade durante esse
processo de comunicação política, amplamente permeado por
conflitos e negociações, inclusive no que diz respeito à lógica
material (legislação social e seus desdobramentos econômicos) e
seu vínculo estreito com a lógica simbólica (elementos da tradição
política-operária dos trabalhadores) (GOMES, ����).
Em razão disso, premissas como da invenção do
trabalhismo permitem analisar processos que são incongruentes,
contraditórios e paradoxais, como o queremismo, que

��
Anais do �º Congresso Crises da Democracia

representou o apoio dos trabalhadores ao ditador após o


encerramento da ditadura do Estado Novo, entre fevereiro e
dezembro de ����, sem entendê-los como absolutamente
manipulados, cooptados, desviados ou traídos, justamente
porque são analisados como aqueles que possuíam suas próprias
ideias, crenças, valores, sensibilidades, tradições, códigos
comportamentais, auto-imagem, tendo reais condições de
interpretar e ressignificar mensagens oficiais e, a partir disso, agir
dentro de seus horizontes de possibilidades (MACEDO, ����).

�. Metodologia
Propõe-se retomar a visão que os periódicos “O Jornal” e “O
Radical” tinham da atuação dos trabalhadores durante o
queremismo, relacionando-a com suas respectivas percepções
acerca da propaganda política do Governo Vargas.

�. Considerações finais
Em suma, utiliza-se da premissa que é possível
compreender e superar certas concepções do populismo,
sobretudo porque “a aceitação das mensagens e dos modelos
opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de
reempregos singulares” (CHARTIER, ����, p. ���-���).
Especificamente quanto ao queremismo, acredita-se que se trata
de um movimento que teve início como meio de protesto de
trabalhadores que tinham receio de perder os direitos sociais
conquistados durante o Governo Vargas, caso seu meio maior líder
não estivesse mais no poder, e, mais tarde, como uma
reivindicação de uma Assembleia Nacional Constituinte,
demonstrando que havia outras formas de lutas, sendo a
institucionalização do Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PTB)
uma das principais. E, ao contrário das perspectivas tradicionais,
leva-se em consideração que tudo isso se deu mediante
percepção de que há um lapso entre tentava e efetiva capacidade
de subjugá-los (FERREIRA, ����).

Palavras-chave: trabalhismo; queremismo; direitos sociais

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Key-words: trabalhismo; queremismo; social rights

�. Referências
CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações.
Tradução de Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil S.A, ����.
FERREIRA, J. A transição democrática de ���� e o movimento
queremista. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. A. N. (Org.). O tempo da
experiência democrática. Da democratização de ���� ao golpe
civil-militar de ����. Coleção O Brasil Republicano, vol. �. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, ����.
GOMES, A. M. C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV,
����.
MACEDO, M. O movimento queremista e a democratização de
����. Trabalhadores na luta por direitos. �ª. ed. Rio de Janeiro:
�Letras, ����.

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Anais do �º Congresso Crises da Democracia

OS USOS HISTÓRICOS DA JUSTIÇA


DO TRABALHO E A EFETIVAÇÃO DE
DIREITOS SOCIAIS
Otávio Lopes de Souza

�. Introdução
Desde a sua instalação em ����, um dos principais
propósitos da Justiça do Trabalho, que passou a compor a
estrutura do Poder Judiciário tão somente com a promulgação da
Constituição de ����, era o de garantir a proteção dos
“economicamente mais fracos”, a partir da aplicação das leis
trabalhistas, inclusive de algumas que tiveram sua origem na
Primeira República (GOMES; PESSANHA; MOREL, ����).
Entre suas demandas mais recorrentes, encontravam-se
aquelas das mulheres que perdiam seus vínculos empregatícios
por estarem grávidas, sendo que sempre lançavam mão de
estratégias de lutas para reivindicar direitos e elaboração de
táticas de resistência. Em larga medida, isso comporta a indicação
que a política de propaganda do Estado Novo conseguia
conscientizar os trabalhadores com relação aos seus próprios
direitos, sem que se possa pensar em manipulação, cooptação,
demagogia, traição e desvio absolutos (FERREIRA, ����).
Apesar disso, destaca-se que o acesso à Justiça do
Trabalho, marcada pela oralidade, simplicidade e gratuidade, não
era garantido a todos, uma vez que ficava restrito àqueles
trabalhadores urbanos que tinham emprego e Carteira de
Trabalho, restando excluídos os trabalhadores rurais (GOMES,
PESSANHA, MOREL, ����; CORRÊA, ����).

�. Objetivo geral e metodologia


Para verificar parte dos usos históricos da Justiça do
Trabalho e, consequentemente, a tentativa de efetivação de
direitos conquistados pelos trabalhadores, propõe-se a análise

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demandas trabalhistas individuais ajuizadas durante o Estado


Novo, a partir do acervo do Centro de Memória do Tribunal
Regional do Trabalho da �ª Região.

�. Considerações finais
Em suma, acredita-se que a Justiça do Trabalho era um
ambiente de busca por direitos por parte dos trabalhadores (e não
apenas por eles) (GOMES, ����). Isso porque buscaram efetivá-los
pela legalidade para frear abusos dos patrões, em atos de
resistência e ousadia (CORREA, ����). Nesse sentido, Ângela de
Castro Gomes (����), ao demonstrar a importância da Justiça do
Trabalho para a população em geral, ressalta que é esse o motivo
pelo qual “vem sendo defendida, tanto contra críticas que
apontam a sua lentidão e impropriedade (a Justiça Comum
poderia ser acionada), quanto contra avaliações que entendem
que a ação dos tribunais do trabalho, historicamente, impediu a
formação de uma classe trabalhadora mais combativa” (GOMES,
����, p, ��). Ou seja, apesar de não ser única via de luta por
direitos, era uma das principais e os trabalhadores, mais do que
ninguém, sabiam muito bem disso.

�. REFERÊNCIAS
GOMES, A. C. G.; PESSANHA, E. G. F.; MOREL, R. L. M. (ORGS.).
Arnaldo Süssekind: um construtor do direito do trabalho. Rio de
Janeiro: Renovar, ����.
CORRÊA, L. R. A tessitura dos Direitos: patrões e empregados na
Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, ����.
GOMES, A. M. C. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, ����.
GOMES, A. M. C.; SILVA, F. T. O nó na madeira: a expansão nacional
da Justiça do Trabalho no Brasil. In: DROPPA, A.; LOPES, A. E. M,;
SPERANZA, C. G. (ORGS). História do Trabalho revisitada:
justiça, ofícios, acervos. Jundiaí: Paco Editorial, ����.
FERREIRA, J. A transição democrática de ���� e o movimento
queremista. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. A. N. (Org.). O tempo da
experiência democrática. Da democratização de ���� ao golpe

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Anais do �º Congresso Crises da Democracia

civil-militar de ����. Terceira República (����- ����). Coleção O


Brasil Republicano, vol. �. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
����.

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