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Pressupostos
Com o advento e instauração das perspectivas pós-modernas, passou a ser
sedutora a aposta na estratégia antirracionalista. Estratégia de (por meios diversos
e em intensidades distintas) denegrir os feitos e os protocolos da chamada ciência
moderna. E as variadas formas que assume essa estratégia possuem, caso a caso,
conexões com alguns episódios marcantes nem tanto da história da ciência pro-
priamente, mas da história de seu exame “a distância”; isto é, junto aos estudos
de segunda ordem. E, em especial com o desenvolvimento, há cerca de setenta
anos, de novas interpretações sobre a prática científica – primeiramente, sob uma
salutar e bem-vinda perspectiva de análise sociológica; contudo, em seguida, ob-
sessivamente carregada de um viés sociopolítico mais soturno que elucidativo.
Seria, a propósito, conveniente enunciar duas premissas importantes; e que,
a bem dizer, se coordenam: (1a) a prática científica não está imune à dimensão
política; [na mesma proporção em que...] (2a) a prática científica não é submissa a
seu poder de influência.
Essa enunciação de partida se justifica porquanto viabiliza o que poderíamos
chamar “fuga dos dois extremos”. Quer dizer: se por muito tempo a análise filosó-
fica sobre as ciências foi indiferente aos aspectos contextuais do fazer científico,
isso não significa que a (enfim) consideração de sua ambientação social devia
suprimir a natureza também internalista deste mesmo fazer. Ou, em outras pala-
vras: só porque discordamos de uma visão extrema das coisas, não quer dizer que
devemos adotar, por consequência, a visão extrema oposta. Seria simplesmente
manter uma visão (de novo) enviesada demais.
Nos últimos anos vimos testando modelos que envolvem estruturas de lin-
guagem; procurando desenvolver estudos de Epistemologia que, se aproximan-
do das tradições de uma Filosofia da Ciência de cepa anglo-americana (mais ana-
lítica), consigam balancear a importância dos aspectos internalista e externalista.
Por eles, queremos manter conjugadas aquelas duas premissas, no sentido de
não sacrificar qualquer dos ângulos do problema.
O contra-ataque
Haveria resposta. Nomes respeitáveis, formados numa tradição de pesquisa
racionalista, emitiriam argumentos num sentido de salvaguarda do patrimônio
da ciência moderna. Para citar dois notórios exemplos dentro do movimento de
contrarreação: Richard Dawkins e Steven Pinker. O primeiro, cientista natural, re-
conhecido há muito por seus feitos em vulgarização da ciência, e pelo famoso
acento cáustico com que repreende os inimigos da razão. O segundo, especialista
em ciências cognitivas, recentemente notabilizado pelo best-seller Enlightenment
Now: the case for reason, science, humanism, and progress (2018) e pela assídua
frequentação de tribunas midiáticas. Cada um a seu feitio promove os valores
iluministas. Dentre a série de livros assinados por Dawkins, um merece particu-
lar destaque aqui: Science in the Soul: selected writings of a passionate rationalist
(2017) – ali, numa prazerosa narrativa literária, em estilo de crônica, o britânico
aponta as contradições presentes nos discursos obscurantistas ou oportunistas;
e se/nos pergunta “who would rally against reason?”. Já Pinker, na obra referida,
municia-se de dados e gráficos, demonstrando o quanto a humanidade mais
ganhou do que perdeu com o modelo de ciência ocidental; por esse aspecto, o
norte-americano parece mirar especialmente o discurso pessimista – bastante
presente, por sinal, na chamada “esquerda acadêmica”2.
Bem sabemos que uma postura pessimista soa sempre mais inteligente. Por-
que otimistas tendem mesmo a nos parecer ingênuos; efeito, talvez, de uma im-
pressão de que estariam, “na verdade”, mal informados. “Bem informados” mes-
mo, conscientes, são aqueles que levantarão o tom da voz para nos advertir dos
problemas que não somos capazes de reconhecer; e, por isso mesmo, carecemos
de seu notável auxílio para desvendar os olhos.
2 Nessa linha de análise, vale ler a coluna que Pinker publicou no The Chronicle of Higher Edu-
cation, em 13 de Fevereiro de 2018, intitulada “The Intellectual War on Science. It’s wreaking havoc
in universities and jeopardizing the progress of research”. (https://www.chronicle.com/article/The-
-Intellectual-War-on/242538).
3 Acerca do caso INPE ver “Governo contesta dados de desmatamento, mas diz que não iria alar-
dear se julgasse corretos”, G1, 01 ago. 2019 (https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/01/
governo-contesta-dados-de-desmatamento-mas-diz-que-nao-iria-alardear-se-julgasse-corre-
tos.ghtml). Sobre o caso Fiocruz ver “O embargo de um estudo inédito da Fiocruz sobre drogas”,
Nexo, 28 mai. 2019 (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/28/O-embargo-de-um-
-estudo-in%C3%A9dito-da-Fiocruz-sobre-drogas).