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DIRECTÓRIO
ESPIRITUAL
Dos
Sacerdotes do Coração de Jesus
Introdução histórica
pelo Pe. G. Manzoni, scj
Abreviaturas bibliográficas
AD = Arquivo Dehoniano (Cúria Geral, Roma)
B = Boite = Arca ou Contentor
C = Correspondência
CB = Congregationis Bibliotheca = Biblioteca da Congregação
(Cúria Geral, Roma)
CF = Cahiers Falleur (apontamentos do Pe. Falleur, sobre as
conferências do Pe. Dehon aos primeiros noviços)
Cst = Constituições
DE = Directório Espiritual (referências I §3 = parte I, paragr. 3. II,
cap. III, §3 = parte II, capítulo III, paragrafo 3)
EF = Edições e Fontes
LC = Lettere Circolari (Cartas Circulares) do Pe. Dehon
NHV = Notes sur L’Histoire de ma Vie (memórias do Pe. Dehon)
NQ = Notes Quotidiennes (Diário do Pe. Dehon)
St Deh. = Studia Dehoniana
Th. = Thesaurus (livro de orações)
VI – E = Vie Intérieure – Exercices
VI – P = Vie Intérieure – Principes
3
Sumário
Introdução .................................................................................................... 19
A finalidade do nosso Instituto .................................................................. 19
§ 1. A oração ................................................................................................ 73
§ 2. Oração mental ou meditação .............................................................. 73
§ 3. Ofício divino .......................................................................................... 74
§ 4. A Santa Missa ....................................................................................... 75
§ 5. A Eucaristia e a comunhão reparadora .............................................. 77
§ 6. A reparação eucarística ....................................................................... 78
§ 7. A Primeira sexta-feira do mês e as outras práticas de reparação .. 80
§ 8. A Sagrada Escritura e as leituras piedosas ....................................... 81
§ 9. O Sacramento da Penitência ............................................................... 82
§ 10. Os exames de consciência ............................................................... 83
§ 11. Os três santos Corações .................................................................. 83
§ 12. A união aos mistérios de Nosso Senhor: Nazaré - o Calvário - a
agonia ............................................................................................................... 83
§ 13. O rosário e a devoção a Maria .......................................................... 84
§ 14. Meses de devoção e novenas .......................................................... 84
6
§ 1. A fé viva ................................................................................................. 87
§ 2. A confiança ........................................................................................... 87
§ 3. O puro amor de Deus ........................................................................... 88
§ 4. A acção de graças ................................................................................ 89
§ 5. A caridade para com o próximo .......................................................... 90
§ 6. A humildade .......................................................................................... 91
§ 7. A simplicidade ...................................................................................... 92
§ 8. A fidelidade ........................................................................................... 93
§ 9. A vigilância ............................................................................................ 94
§ 10. A ordem nas pequenas coisas ......................................................... 94
§ 11. A regularidade, a exactidão .............................................................. 96
§ 12. A recta intenção ................................................................................. 99
§ 13. O bom exemplo................................................................................ 100
§ 14. A perseverança ................................................................................ 101
§ 15. Abnegação, desapego e renúncia ................................................. 101
§ 16. O recolhimento ................................................................................ 102
§ 17. Fidelidade à graça e zelo pela própria santificarão ..................... 103
§ 18. A mortificação .................................................................................. 104
§ 19. O abandono e a conformidade com a vontade de Deus .............. 104
§ 20. A alegria nas provações e o amor à cruz ...................................... 105
§ 21. A união a Nosso Senhor e a vida Interior...................................... 106
§ 22. A devoção à Eucaristia ................................................................... 106
§ 23. O Zelo ............................................................................................... 107
§ 24. Amor à Igreja .................................................................................... 107
A primeira redacção
Edições posteriores
efeito, num caderno, transcrição quase total do primeiro caderno das «Notas
sobre o espírito da obra», o Pe. Dehon escreve de seu punho este
esclarecimento: «Estas directrizes estão de acordo com as luzes de oração da
Ir. Maria de S. Inácio. Sem as reproduzir à letra, oferecem a doutrina. (AD, B 3,
3). Neste caderno lemos as primeiras duas partes do actual Directório
Espiritual: «O espírito da nossa vocação» e «Os modelos (e padroeiros da
nossa vocação)» com insignificantes variações. Estas duas partes reflectem,
portanto, de modo particular as luzes de oração da Ir. Maria de S. Inácio. O
mesmo podemos afirmar, embora com menor intensidade, da quinta e sexta
partes: «Os exercícios de piedade» e «As virtudes próprias da nossa vocação».
Bem pouca é, ao contrário, a influência na terceira parte: «Os Votos e a vida
religiosa»; ao passo que parece faltar qualquer influência directa na quarta
parte: «As regras». Numa carta escrita pelo Pe. Dehon à Ir. Maria de S. Inácio a
9 de Dezembro de 1919, lemos: «Envio-lhe alguns volumes: no Directório
poderá reconhecer as luzes...» (C XXVII, 671).
Os cadernos completos, contendo as luzes ou iluminações de oração da
Ir. Maria de S. Inácio, encontram-se no Santo Ofício. O Pe. Dehon recuperou-os
em parte através duma cópia parcial do jesuíta Pe. A. Modeste, que, por sua
vez a recebera da «Chère Mère», Maria do Coração de Jesus, fundadora das
Servas, em Fevereiro de 1917: «Transcrevo-a – escreve o Pe. Dehon no seu
Diário – e vislumbro melhor todo o modo de proceder de Nosso Senhor a
respeito da nossa obra» (NQ XL, 100). O caderno transcrito pelo Pe. Dehon
conserva-se no Arquivo Dehoniano (B 34, 8).
Sabemos de outra recolha das «luzes de oração» da Ir. Maria de S.
Inácio (AD, B 34/7), transcrita pelo Pe. Dehon nas suas Memórias (cf NHV XIII,
74-99). Acrescentemos os três trechos das «luzes de oração» transmitidos pelo
Pe. Dehon ao P. Eschbach, superior do Seminário francês de Santa Clara, em
Roma (AD, 36/2).
O Pe. Dehon, a quarenta anos de distância dos factos sucedidos nos
primórdios da Congregação, reconhece que: «Fazia-nos falta um noviciado
para a vida de vítima. Nosso Senhor encarregou-se disso. Dispunha de um
instrumento bem preparado, a Ir. Maria de S. Inácio... A partir de 2 de Fevereiro
(1878) recebeu luzes de oração sobre a nossa obra e a nossa vocação. O ano
de 1878 foi para nós um verdadeiro noviciado. Os mistérios de Nosso Senhor, o
ecce venio, o ecce ancilla, a vida oculta, a paixão, a formação de S. João foram
os temas daquelas luzes de oração que nos forneciam um verdadeiro directório
sobre as virtudes da nossa vocação» (NQ XL, 97-99: Fevereiro de 1917).
Pode ser útil cotejar o texto do Directório com as «luzes de oração» da Ir.
Maria de S. Inácio, como em parte foi feito na biografia do Pe. Dehon do Pe.
Dorresteijn (Vita e Personalità di P. Dehon, Note e Studi, pág. 616-620).1 Trata-
se de um trabalho crítico meritório, que deveria ser aprofundado.
O valor do Directório Espiritual, como apresentação da espiritualidade
típica dos Sacerdotes do Coração de Jesus, permanece todavia intacto, visto
que é todo do Pe. Dehon, mesmo nas partes em que fez sua, de modo muito
convicto e pessoal, a doutrina contida nas «luzes de oração» da Ir. Maria de S.
Inácio.
1
Edição italiana, EDB, Bologna 1978.
11
O Directório de 1919
O carisma do fundador
Pacto de amor
demasiado envolvido na vida activa. Deu-no-las através da Ir. Maria de S. Inácio (NQ
XLIV,107: Maio de 1924).
Como S. João Eudes foi ajudado pela Ir. Maria des Vallées e o venerável Olier por
Maria Rousseau, assim eu fui ajudado pela Ir. S. Inácio (NQ XLIV, 138: Outubro de 1924).
Para um estudo mais completo deste assunto, cf. H. Dorresteijn, Vita e Personalità di
Pe. Dehon, págs. 603-632 da edição italiana; e também Espiritualidade do Directório neste
volume, pág. 269.
3
Bastará recordar as célebres Paillettes d’or, publicadas como anónimas pelo cónego
Mons. Adriano Sylvain (1826-1914), que conheceram enorme difusão, com uma tiragem de
500.000 exemplares por ano, após 58 anos de existência. Escritas em estilo simples e
popular, abordando um assunto que atingia o espírito, a imaginação ou o coração,
propunham um mote, uma reflexão, uma lembrança, uma cena, uma representação.
4
Dignai-Vos, Senhor, conceder ao Vosso mínimo discípulo a Vossa preciosa amizade.
Faça-se! Faça-se!
15
lo em tudo e em tudo fazer a sua vontade. Com o auxílio da sua graça, estou
pronto a fazer e a sofrer tudo aquilo que Ele quiser. Tenho a minha regra, o
meu director e os acontecimentos providenciais que me dirão o que devo fazer.
Renuncio à minha vontade e à minha liberdade. Peço a Nosso Senhor que
aceite esta oferta, este dom que Lhe faço, e que não permita que lhe seja infiel.
Rogo à Santíssima Virgem, ao meu Anjo da Guarda e aos meus santos
protectores que me ajudem a cumprir este pacto até ao último instante da
minha vida» (cf. Vita e Personalità di Pe. Dehon, pág. 174).
Testamento Espiritual
calvário, encontrou esta interpretação e com ela tomou corpo: expiar é pagar
com a dor; imolar-se é pôr-se à disposição da justiça punitiva de Deus; vítima é
aquele que é atingido...
A teologia ocidental inspirou-se, neste caso, na cultura latina e na sua
acentuada predilecção pelo direito. Nada a dizer sobre a legitimidade de tal
recurso. Aquilo que hoje nos deve preocupar saber é se é, de facto, este o
sentido da Escritura ao utilizar a linguagem do sacrifício. A exegese actual
responde claramente que não. Tal contexto legal não transparece no pano de
fundo do sacrifício hebraico e cristão. Para a Bíblia, «expiar» não significa
submeter-se à justa condenação, mas eliminar o obstáculo do pecado que
impede a comunhão com Deus e re-activar a capacidade do homem de
responder a Deus; a expiação é gratuita obra divina de salvação que atinge o
homem sobretudo no sacrifício. O mesmo podemos dizer relativamente a outros
termos sacrificais. Com isto, no entanto, não é de modo algum excluída a
componente da dor (imolação) do sacrifício espiritual da vida cristã, como
também não o foi do sacrifício de Cristo. Dizemos apenas que, segundo a Bíblia
e a Liturgia, a presença da imolação não se deve a motivos de justiça punitiva
sancionada por Deus. Provém, ao fim e ao cabo, do próprio homem que
encontra resistência por parte do seu egoísmo radical; ao passo que em Cristo
foi uma libérrima escolha do seu amor de solidariedade com a nossa condição.
No tocante a expressões de espiritualidade do século XIX que se
inspiravam no Coração de Jesus, a ideia «penalista-vitimista» teve um peso
muito grande. Mas no Pe. Dehon ela aparece mais raramente e em termos
muito discretos. Aquilo que o fascina, ao contrário, é a vida de oblação, a
oblação de amor. Por isso, não tardou em reduzir a este único aspecto
dominante da sua espiritualidade também as outras expressões: imolação,
vítima de expiação, sacerdote-vítima, que para ele nada acrescentam de
especificativo, mas quase só se reduzem a variantes linguísticas da oblação,
assumidas como obséquio à linguagem corrente do seu tempo e nada mais.
Esta inclusão das expressões sacrificais na oblação de amor aparece
claramente nalguns textos de comentário ao título oficial do Instituto que, como
sabemos, foi inicialmente o de «Oblatos do Coração de Jesus», título, aliás, a
que o Pe. Dehon permaneceu sempre muito ligado, a ponto de pedir
novamente à Santa Sé o seu uso em 1892, o que não lhe foi concedido.
No primeiro e único capítulo que ainda possuímos das mais antigas
Constituições (1881) lê-se: «O seu nome de Oblatos foi escolhido para exprimir
esta vida de imolação» (Testo A, cit. por M. Denis, Le Projet du P Dehon, St.
Deh. 4, pág. 10).
Numa carta dirigida ao Pe. Guillaume (18 de Fevereiro de 1913), o Pe.
Dehon aproveita a oportunidade para exprimir-se com maior desenvolvimento:
«Quis fazer uma obra de reparação e de vítimas. Nunca adoptei o nome de
Vítimas; adoptei o de Oblatos, que dizia a mesma coisa... Nós somos
Sacerdotes vítimas. O nosso espírito próprio é «spiritus amoris et
immolationis»... Viva bem o seu acto de oblação e será uma boa... vítima do
Coração de Jesus» (cit. por M. Denis, Le Projet... pág. 338-339). Na mesma
carta: «Não tomei o nome de Vítimas; adoptei o de Oblatos que me dizia a
mesma coisa. Poderíamos chamar-nos Vítimas em Marselha (sul de França);
17
DIRECTÓRIO ESPIRITUAL
DOS SACERDOTES
DO CORAÇÃO DE JESUS
Introdução
Estas páginas exprimem o espírito da nossa obra,
tal como o concebemos desde o início (1877-1881),
com o contributo de algumas almas privilegiadas
e com a graça do Coração de Jesus.
pelas obras, reservar todos os dias o tempo prescrito para as suas práticas de
piedade e, particularmente, para a adoração reparadora.
21
Primeira parte
O ESPÍRITO
DA
NOSSA VOCAÇÃO
Como são raras as almas que amam a Nosso Senhor com amor puro e 7
desinteressado! Quantas almas, mesmo consagradas, que Nosso Senhor
diariamente cumula de benefícios e que, apesar disso, são ingratas, pensam
pouco n'Ele, passam o tempo a ocupar-se de si próprias, das suas satisfações
corporais e espirituais; ou então ocupam-se das criaturas, procurando agradar-
lhes e satisfazê-las.
E quando se ocupam um pouco mais de Nosso Senhor, como o fazem, por
exemplo, ao domingo, o dia que Lhe é consagrado, acaso são capazes de
estar muito perto d'Ele com todos os seus pensamentos, com todo o seu
coração e com uma intenção pura e sobrenatural?
Poderá o Esposo das nossas almas ficar totalmente satisfeito e convencido
do amor e da fidelidade das suas esposas, quando estas, cumprindo embora
os seus deveres O tratam com indiferença, insensibilidade e frieza?
Haec est virgo sapiens quam Dominus vigilantem ínvenit. Esta é a Virgem
sábia que o Senhor encontrou vigilante (Comum das Virgens). Nosso Senhor
encontra-nos vigilantes e fiéis, quando temos o hábito de manter
continuamente a nossa intenção, as nossas inclinações, os nossos
pensamentos e as nossas aspirações orientados para o objecto do nosso
amor. É a disposição da esposa do Cântico dos Cânticos: Dormio sed cor
meum vigilat. Eu durmo, mas o meu coração vigia: (Cant. 5, 2).
Mas mesmo que o corpo esteja ocupado com outra coisa, legitimamente
entregue ao sono, ao repouso, nem por isso o coração, o espírito e a vontade
estão dispensados de dirigir-se para Nosso Senhor que é o nosso fim último, a
meta suprema, o centro de todas as coisas.
Nosso Senhor pede-nos precisamente este amor constante, que não se
move, não opera e não age senão n'Ele, por Ele e para Ele; e nós tantas vezes
Lho retiramos, depois de Lho termos dado por alguns instantes: Praebe, fili mi,
cor tuum mihi. Meu filho, dá-me o teu coração (Prov 23, 26), o teu amor, a tua
vontade, as tuas intenções, que dão valor, aos olhos de Deus, às grandes
acções como às mais pequenas. É o que S. Agostinho queria exprimir por
estas palavras: «Ama e faz o que quiseres».
§ 3. A oferta de si mesmo
Nestas palavras: Ecce venio, Deus ut faciam voluntatem tuam: Eís que 8
venho, ó Deus, para fazer a tua vontade (Heb 10, 7), e nestas outras: Ecce
ancília Domini, fiat mihi secundum verbum tuum: Eis a serva do Senhor. faça-
se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38), encontram-se toda a nossa
23
5
O texto original tem Nosso Senhor. Aqui e ali substituímos tal expressão por Jesus ou
por Cristo, a fim de variar as expressões sem contudo prejudicar o sentido (N. do T.).
24
§ 5. A recta intenção
6
No texto original a frase é atribuída a S. Paulo. Com frequência o Pe. Dehon cita de cor
a S. Escritura. O passo paralelo de S. Paulo é: “Fostes comprados por um grande preço” (1
Cor 6,20; 7,23). (N. do T.).
25
das almas.
Um coração assim consola o Coração de Jesus, satisfá-l'O e alivia a sua 13
sede de amor puro e verdadeiro. Embora desprezado e ignorado perante o
mundo, mas vivendo, sofrendo e imolando-se unicamente pelo seu Deus, pode
satisfazer o Coração do Senhor melhor do que uma obra exterior, por mais
grandiosa que seja, mas na qual as intenções, em vez de se orientarem
exclusivamente para a glória de Deus, estivessem misturadas com motivos
humanos. Uma coisa dividida não pode ser agradável a Nosso Senhor, que Se
deu sem divisões e ainda Se dá completamente a nós.
Não é evidente que, se alguém deseja de todo o coração algo a que tem
pleno direito, não pode ficar satisfeito se lhe dermos tudo excepto exactamente
aquilo que tão ardentemente deseja? Fica reconhecido por tudo o que lhe
damos e recompensa-o, mas o seu desejo não fica satisfeito. Não se pode
afirmar que amamos a Jesus acima de tudo, quando Lhe recusamos
precisamente aquilo que pede. Damos-Lhe, afinal, o que já possui em
abundância e que pouco aprecia.
§ 6. A abnegação e o abandono
Como o divino Coração de Jesus quis derramar o seu Sangue até à última 14
gota e conceder a todos os homens o fruto da sua paixão e da sua morte;
como a todos amou com amor infinito, do mesmo modo quer ser amado e
honrado por todos. Mas é precisamente àqueles que se chamam seus amigos,
seus discípulos, suas esposas, que compete esforçarem-se por proporcionar
ao Coração do seu Deus, do seu Redentor e Mestre, a consolação, o amor, as
homenagens, o direito e o domínio sobre as almas, que Lhe são devidos.
As nossas igrejas, as nossas capelas, estão todas dedicadAs à glória de
Deus e à sua adoração, todavia cada uma delas é erigida em honra de algum
mistério, atributo ou graça divina, ou em memória de algum santo. A finalidade
principal é sempre a glorificação de Deus, quer nos seus Santos, quer em
algum dos seus mistérios, como a Trindade, a lncarnação, a Redenção, a
Santa Cruz, o Precioso Sangue, o Coração de Jesus. Em cada um destes
edifícios consagrados a Deus, vê-se, consoante os ornamentos, as festas e
cerimonias, a que benefício, mistério divino ou santo é particularmente
dedicado. Do mesmo modo, entre nós, Nosso Senhor quer corações que
pertençam de preferência ao seu divino Coração; que se sacrifiquem
totalmente ao seu serviço, ao seu beneplácito; ao seu amor e aos seus
desígnios; que procurem afastar d'Ele toda a desonra, todo o ultraje e toda a
ofensa ou, pelo menos, reparar tudo isso e oferecer-Lhe compensação.
Eis o que Nosso Senhor nos pede: uma vida de abnegação, de sacrifício, de 15
renúncia à nossa vontade e inclinações naturais e de total abandono de todo o
nosso ser.
Não devemos procurar senão o amor e a vontade de Nosso Senhor,
consolar o seu Coração e oferecer-Lhe reparações mediante uma fé viva e
autêntica, um amor puro e desinteressado, sacrificando tudo e esquecendo-
nos de nós próprios com confiança filial. Abandonemo-nos à sua vontade e à
26
sua misericórdia, deixando que Ele é que faça tudo. Sejamos como o
instrumento nas mãos do artista, deixando-nos guiar segundo a sua vontade.
É assim que devemos trabalhar para a expansão do Reino de Deus e
salvação das almas, mediante o espírito de sacrifício e de imolação. Com o
nosso empenho na oração e pureza de intenção, devemos implorar a bênção
do Alto para aqueles que, através de obras exteriores, trabalham na
propagação do Reino de Deus, por aquilo que falta à pureza das suas
intenções, do seu amor e do seu zelo. Devemos fazer o possível por reparar o
Coração do nosso Deus que olha unicamente para a boa vontade, a
disposição, a intenção e amor do coração.
§ 7. A santidade sacerdotal
§ 8. A reparação
§ 9. A reparação sacerdotal
nem pelas promessas, nem pelas ameaças, nem pelo louvor, nem pelo
aplauso, nem pelo insulto, o escárneo, e a perseguição. Não se deixa desviar
dos seus propósitos, nem da vontade divina, uma vez reconhecida, nem da
sua vocação. Não tem em vista senão o beneplácito e a satisfação de Nosso
Senhor. Procura conformar-se com a sua vontade e corresponder ao seu
amor. Pouco lhe importa ser considerado como insensato.
As vítimas do Coração de Jesus não deveriam deixar-se superar nesta 24
atitude. Deveriam, sim, alegrar-se e sentir-se felizes por serem tratadas como
o seu modelo, o seu Deus e Salvador. Nosso Senhor foi considerado
demente. O seu amor pelas almas reduziu-O a tal estado. Foi o desejo de
reparar a glória do Pai celeste, de salvar as almas, de torná-las felizes, de ser
correspondido por elas no amor que O levou a abraçar com ardor a loucura da
cruz. Também esta loucura da cruz é o distintivo dos seus verdadeiros
discípulos, das vítimas que Lhe são consagradas.
Aqueles, porém, que hoje não compreendem absolutamente esta vida e a
têm pela maior loucura clamarão também um dia: Este é aquele de quem nós
outrora fizemos escárnio, considerávamos a sua vida uma loucura e a sua
morte uma vergonha, mas agora é contado entre os filhos de Deus e tem a sua
sorte entre os santos (cf. Sab 5, 4-5).
Mais uma vez, o que Jesus pede, antes de tudo, são corações que tenham a
firme vontade de O amar acima de tudo e que estejam prontos a sacrificar tudo
por este amor, ainda aquilo que lhes seja mais querido. Corações que não
conheçam desejos próprios, interesses pessoais, mas que tenham uma só
coisa em vista: amar, consolar e desagravar o Coração de seu Deus, do seu
Mestre e do seu esposo, conquistar para Ele todos os corações e inflamámos
do seu amor.
São também indispensáveis meios naturais para atingir este objectivo.
Nosso Senhor saberá encontrámos e enviá-los no tempp oportuno: Procurai,
antes de mais, o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado
por acréscimo (Mt 6, 33).
Tenho feito sérios esforços por agir em tudo por puro amor ao Coração de 25
Jesus?
O motivo de todos os meus pensamentos, palavras, acções e omissões não
terá porventura sido a minha satisfação pessoal ou outra consideração relativa
às criaturas?
Fiz tudo com a preocupação de agradar ao Coração de Jesus, de cumprir a
sua vontade e corresponder à finalidade da minha vocação?
Passei muito tempo, perdendo tudo isto de vista, sem pensar no Coração de
Jesus, sem O amar, sem trabalhar e sofrer por Ele?
Posso oferecer tudo ao Coração mais santo, mais puro, que tudo conhece,
ao Coração mais amante e digno de todo o amor, ao Coração do meu Deus e
do meu Jesus?
Tudo aquilo que faço pode ser-Lhe agradável, pode consolá-l'O, oferecer-
31
Lhe reparação?
Era isto que o Coração de Jesus esperava de mim, tendo em conta que me
dei e consagrei totalmente a Ele?8
8
A tradução dos parágrafos 1 1 e 12 foi feita a partir do texto do “Thesaurus Precum” de
1902 (ver pág. 63 e 27), para o qual remete a edição definitiva do “Directório Espiritual” de
1919.
32
Segunda parte
OS MODELOS
E OS PADROEIROS
DA NOSSA VOCAÇÃO
CAPÍTULO I
Jesus
e o seu divino Coração
§ 2. O «Ecce venio»
Jesus tinha vindo para realizar a grande obra da reconciliação. Mas por que 28
motivo passou uma longa vida de trinta anos, escondida, desconhecida,
aparentemente inactiva e inútil? Porque devia esperar em tudo a hora fixada
pelos decretos divinos. O Redentor fora prometido ao género humano,
anunciado pelos profetas. Os sinais que deviam revelá-l'O estavam marcados.
Era esperado pelos justos com um desejo ardente. Contudo poucas pessoas
conhecem a sua chegada e o mistério da Incarnação.
No seu nascimento, dão-se prodígios na natureza, a qual se alegra pela
vinda do Rei. Os Magos do Oriente reconhecem a estrela misteriosa que
anuncia a vinda do Rei-Salvador esperado por todos os povos. Mas bem cedo
tudo recai no silêncio. Tudo se encontra de novo sepultado na obscuridade.
Aqueles que de verdade acreditavam, que seguiam o impulso da graça, a
voz dos Anjos e a inspiração do Espírito Santo, conservavam estes mistérios
nos seus corações, e adoravam no silêncio, na esperança e na submissão os
33
§ 3. Nazaré
Herodes procura o Menino para o matar (Mt 2, 13), diz o Anjo a José. 33
Herodes procurava afastar com a morte esta criança que vinha precisamente
para dar a vida a todos. Como príncipe ímpio e invejoso, queria reinar e
brilhar; o outro Príncipe, Jesus, fugiu para Se esconder, para obedecer, para
35
§ 4. A Paixão
§ 5. A Eucaristia
CAPÍTULO II
§ 1. O «Ecce ancilla»
pelo Salvador.
Maria estava predestinada para ser Mãe do seu Deus. Foi dotada e
adornada de todas as graças e dons. Contudo, as suas graças e os seus
méritos aumentaram de dia para dia em consequência da sua fiel cooperação,
da sua pureza, do santo e puro amor com o qual cumpriu à sua missão.
§ 3. Maria no Calvário
CAPÍTULO III
São José
S. José foi uma vítima com Jesus e Maria. Foi-o especialmente no coração. 54
Que rudes provas lhe advieram do privilégio de ser o esposo de Maria e o pai
adoptivo de Jesus! Submeteu-se, da forma mais perfeita, à vontade e aos
desígnios de Deus, mesmo quando lhe eram incompreensíveis ou difíceis de
executar. Era um instrumento na mão de Deus, para dar cumprimento aos
seus desígnios, e, por conseguinte, um modelo perfeito da vida de vítima.
S. José é um modelo também para o sacerdote-vítima, embora não tenha
recebido a dignidade sacerdotal na verdadeira acepção da palavra. Ninguém,
aliás, segurou Nosso Senhor com mãos tão puras, nem apresentou de maneira
mais digna o Cordeiro sem mancha destinado ao sacrifício. Ninguém tratou a
Jesus com mais respeito, mais amor, com fé mais viva e com intenção mais
pura.
Na Apresentação no Templo, é pelas mãos de José e de Maria que Nosso
Senhor Se oferece ao Pai do céu como vítima de expiação pelos pecados do
mundo. Nesse grande dia, as disposições e os sentimentos de S. José eram
os de uma vítima, em união com o sacrifício de Jesus e de Maria.
A missão de S. José era uma espécie de sacerdócio e toda a sua vida foi
uma vida de vítima.
CAPÍTULO IV
antecipada, mas sim uma longa vida, penosa, laboriosa, confiante, uma vida de
abandono por amor.
S. João era, assim, o primogénito da Igreja. Representava-a nesse 58
momento em que ela nascia. Com ele, os filhos da Igreja foram adaptados por
Maria como seus filhos, e por Deus Pai como os irmãos e os co-herdeiros do
seu Filho único e estremecido.
Saí, ó filhas de Sião e vede o rei... com o diadema com que o coroou sua
mãe (a ímpia sinagoga) no dia das suas núpcias (Cant. 3, 11). Os inimigos de
Nosso Senhor diziam também, no Calvário, escarnecendo: Vede, estas são as
núpcias do filho de rei.
Ignoravam que, na realidade, Nosso Senhor desposava, na cruz, a Igreja,
sua esposa, com um amor eterno.
Desposava-a no meio de sofrimentos e torturas. Adornava-a com o seu
Sangue precioso, enriquecia-a com o tesouro infinito dos seus méritos, a fim de
os atribuir aos seus filhos, dar-lhes a vida, a força e o crescimento, alimentá-los
com as suas chagas, sobretudo com a do seu Coração aberto, hospedá-los
naquela mansão divina, aquecê-los na fornalha ardente do seu amor, sagrado,
puro e celeste.
O Calvário foi o berço da Igreja. 59
O tempo entre a tomada de hábito e a profissão não foi longo. No entanto,
S. João passou por um noviciado, por um termo de provação, durante o qual
aumentou a sua instrução, avançou mais em virtude, pureza e perfeição e
sofreu no coração e na alma mais do que a razão humana possa imaginar.
Aprendeu a compreender até que ponto chega o verdadeiro, santo e puro
amor de Deus. Aprendeu que a medida deste amor é amar sem medida, como
ele próprio deixou escrito: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
vida pelos seus amigos (Jo 15, 13).
Na noite da instituição do sacramento do altar, viu como Nosso Senhor Se
deu inteiramente, duma forma maravilhosa e misteriosa. E, no dia seguinte, foi
testemunha da oferta dolorosa da vítima ensanguentada sobre a cruz.
Com a sua presença, fidelidade e constância, testemunhou abertamente que
conhecia a Cristo, que era e queria permanecer seu discípulo.
Naquela hora tão solene e sublime, fez, no seu coração a transbordar de
amor, de gratidão, de compaixão e de zelo, as mais santas promessas para o
futuro. Tomou a firme resolução de não abandonar nunca, em circunstância
alguma, Nosso Senhor e a sua doutrina, de viver e de morrer para Ele. Estas
promessas, esta profissão pública de que era discípulo de Cristo, fê-las
perante o Cordeiro-Vítima agonizante, que Se imolava por amor.
Teve parte na herança do Coração do seu Senhor e do seu Deus, esse 60
Coração que depois da morte quis ainda deixar-Se ferir e abrir, a fim de poder
derramar a última gota de Sangue pela sua Esposa, a Santa Igreja.
Sobre a cruz, com efeito, o Coração de Cristo ardia de amor como mais
tarde o manifestou à sua serva Margarida Maria. Lá foi ferido e aberto,
deixando jorrar sangue e água. Foi cingido de espinhos, devido aos vexames,
dores e tormentos com que foi saturado pela ingratidão e cegueira do seu
povo, pela infidelidade e cobardia dos amigos e dos discípulos, pela ingratidão
47
das almas que até ao fim do mundo não haveriam de querer reconhecer este
imenso amor, dele tirar proveito e a ele corresponder com gratidão e amor
recíproco.
No cimo do Calvário, S. João viu como Nosso Senhor era, ao mesmo tempo,
sacrificador e vítima como deve sê-lo todo o verdadeiro sacerdote, de acordo
com estas palavras: Fazei isto em memória de Mim (Lc 22, 19). S. Paulo
exprime a mesma ideia, ao dizer: «Cada vez que comerdes deste pão e
beberdes deste cálice, anunciarei a morte do Salvador, até que Ele venha» (1
Cor 11, 26), isto é, deveis anunciá-l'O não só com as palavras, mas também
em união com o Sacerdote eterno, o verdadeiro Mediador e Reconciliador
entre Deus e os homens.
Ecce sacerdos magnus: Eis o grande sacerdote. A igreja emprega estas 61
palavras, quando celebra a memória dos seus sacerdotes e pastores. No
Antigo Testamento, os sacerdotes eram apenas sacrificadores; no Novo, são
sacerdotes e vítimas, como o Sacerdote por excelência que é o seu modelo.
Devem unir-se ao Cordeiro sem mancha que quer ser imolado pelas suas
mãos. Como S. Tomé, podem, por assim dizer, meter os dedos nas chagas,
as mãos no lado aberto do Salvador. Não só podem penetrar no tesouro
infinito do amor e da misericórdia do Salvador, mas também, dele beber de
modo superabundante, para si mesmos e para os outros, para todos aqueles
que lhes estão confiados, para o bem da Igreja militante, da Igreja purgante e
para glória da Igreja triunfante.
S. João formava-se, pois, no Cenáculo e no Calvário, como o primeiro dos
sacerdotes-vítimas do Sagrado Coração de Jesus.
perfeita, que ele devia estudar e reproduzir, para ser um verdadeiro discípulo
de Jesus, um autêntico sacerdote-vítima.
No dia da Reconciliação, no dia da Paixão e da Morte do Homem-Deus, do
Cordeiro Pascal que Se oferecia e sacrificava, este regulamento de vida, esta
doutrina, esta santa Regra brilhou com o maior esplendor. No Calvário
encontrou a sua plena realização, todo o seu valor e perfeição. Fora-lhe
aplicada a última chancela.
S. João compreendeu no Calvário, melhor do que no Cenáculo, até onde
chega o amor do seu Deus. Vendo pagar o resgate das almas, compreendeu-
lhes o valor aos olhos de Deus. Começou a compreender que reino viera o
Messias fundar: um reino de amor; e que regras, leis, constituições haviam de
ser observadas nesse reino, com tal rei. O Espírito Santo prometido havia de
completar o que ele não fora ainda capaz de compreender. Ou melhor: S.
João compreendeu estas regras formuladas nas últimas sete palavras do
Salvador sobre a cruz, como o testamento saído do Coração de Cristo e
pronunciado pelos seus lábios agonizantes.
- Meu Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (Lc 23,34). Nestas 64
palavras de um Deus perseguido cruelmente pelas suas criaturas,
atormentado, martirizado, desprezado, ultrajado, condenado à morte, há uma
regra completa, uma lei, para os seus discípulos, para os seus imitadores, para
as suas vítimas: amor, perdão, doçura, amor para com os inimigos,
esquecimento de si mesmo. Jesus nunca injuriou os que O injuriavam, não
ameaçou os que O faziam sofrer, mas sim rezou pelos seus inimigos e fez bem
àqueles que O odiavam e O perseguiam.
- Hoje, estarás comigo no paraíso (Lc 23, 43). A segunda palavra foi dirigida
ao ladrão arrependido. Suspenso ao lado do Senhor, recebeu as primícias da
sua Paixão e da sua Morte. É novamente o amor, a misericórdia e a bondade
que não excluem ninguém, nem o maior pecador, se ele confessa a sua falta,
se é humilde e contrito, se reconhece que há lugar para a esperança enquanto
houver vida. Deus não quer a morte do pecador, mas antes que se converta e
viva. No entanto, um Apóstolo entregou-se ao desespero, ao passo que um
famigerado ladrão se convertia num santo.
- Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua mãe (Jo 19, 26 s.). O alcance
destas palavras e o que queriam dizer já foi explicado. É, uma vez mais, o
testemunho de um amor generoso, que tudo sacrifica, que nada retém, nem
mesmo aquilo que lhe é mais querido, um amor que se desapega de tudo, de
tudo se despoja e só conserva os sofrimentos, a cruz e a morte. É um amor
que se faz pobre, a fim de enriquecer os outros. Jesus confiou como filho à
Virgem das virgens o discípulo virgem, e, ao discípulo casto, como mãe, o lírio
mais puro. Trata-se também de uma sublime lição de pureza.
- Tenho sede (Jo 19, 28). Mas sede de quê? Da glória do Pai que está nos 65
Céus, da reparação, do cumprimento da vontade divina, da salvação e da
redenção das almas.
Jesus desfalecia e suspirava pelo amor dos corações, desejava ser
conhecido e amado pelos homens; mas o seu coração tinha ainda mais sede
49
de ultrajes e de injúrias pela salvação das almas. Pode a sede das suas
vítimas ser diferente da do seu Coração? Não devem elas procurar aliviar,
matar esta sede do Coração de Jesus? Felizes os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados (cf. Mt 5, 6).
- Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste? (Mc 15, 34). Quem é
vítima não o pode ser só parcialmente, mas em tudo.
Deve reparar, expiar, não só no corpo, mas em todas as faculdades do
coração e do espírito, deve aceitar tudo o que a justiça de Deus houver por
bem enviar-lhe. Também o abandono da parte de Deus, o maior de todos os
sofrimentos, deve aceitá-lo resignadamente das mãos ou, antes do Coração do
seu Deus, deve suportá-lo com puro amor e em espírito de reparação e de
expiação. Não é o servo maior do que o seu Senhor nem o discípulo maior que
seu Mestre (cf. Jo 13, 16).
Se é tão doloroso ser abandonado pelos homens, pelos amigos, pelos
irmãos, muito mais doloroso é ter a sensação de ser abandonado, esquecido
pelo próprio Deus. Permanecer fiel e constante em tal circunstância mostra o
verdadeiro e puro amor. Só este tem valor aos olhos de Deus. Só a este puro
amor é dado reconciliar a justiça divina ofendida e consolar o Coração do
nosso Mestre e nosso Esposo.
- Tudo está consumado (Jo 19, 30). O amor do Salvador tudo havia
realizado, cumprido, sofrido e dado.
Há também, para as almas e para as obras, um Consummatum est.
- Meu Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23, 46). As primeiras
palavras de Cristo foram o Ecce venio (Heb 10, 7). Mas que fez Ele, desde o
primeiro instante da lncarnação até à Morte? Cumpriu a vontade do Pai
celeste, sacrificou-Se, sofreu sempre por amor e com amor, um amor divino,
infinito, terno, incompreensível.
Vós, também, abandonai, entregai o vosso espírito com todas as suas
faculdades, o vosso corpo, o vosso ser, o vosso futuro e o vosso passado nas
mãos de Deus, no Coração do vosso Deus e do vosso Mestre, do vosso
Modelo, do vosso Redentor, do vosso Amigo, do vosso Pai, Irmão e Esposo.
Tal é o abandono completo das vítimas do Coração de Jesus, semelhante,
ao da primeira, mais santa, mais pura, mais agradável das vítimas: o Cordeiro
pascal da Nova Aliança, sacrificado e imolado por amor à glória do Pai dos
Céus e pelas salvação das almas, pela redenção do género humano.
Estas Regras foram dadas a S. João, quando se encontrava aos pés da 66
cruz. Ele prometeu segui-las com amor puro e por gratidão para com o seu
Mestre. Sacrificabo hostiam laudis et nomen Domini invocabo: Oferecerei um
sacrificio de louvor, Invocando o nome do Senhor (Sl 116,17).
S. João renovava muitas vezes o seu voto, a sua promessa, a sua profissão;
transmitia com um zelo infatigável à Igreja recém-nascida, a esposa do seu
Deus e seu Mestre, estes ensinamentos, a lei da verdade e do amor. De todas
as suas palavras, das suas Cartas, do seu Evangelho, emana este amor que
ardia no seu coração, aceso sobretudo no Cenáculo e aos pés da cruz, no
Gólgota. E este amor era nele tão ardente, que a sua sagrada e pura chama
ultrapassou e extinguiu o calor do azeite a ferver, no qual foi imerso, pelo nome
50
§ 4. Os Apóstolos
CAPÍTULO V
Maria Madalena
e as Piedosas Mulheres
S. Maria Madalena é o modelo de um amor sincero e autêntico, nascido do 71
mais perfeito arrependimento.
Desde o momento da conversão, ela é generosa. Lança-se aos pés de
Jesus, derrama abundantes lágrimas, enfrenta o respeito humano, unge o
Senhor com perfumes de grande preço. É uma alma que ama. Dá-se sem
reservas a Nosso Senhor e, para o futuro, há-de segui-l'O e servi-l'O fielmente.
Jesus é tudo para ela. Prostra-se a seus pés e não faz outra coisa. Em
Betânia, não se agita para servir o Mestre: contempla-O e escuta-O. Quem tem
Jesus tem tudo.
Quando Lázaro morreu, de que fé e confiança em Jesus ela dá provas!
Enquanto Marta se perturba, Maria diz somente: «Mestre, se Tu estivesses cá,
o meu irmão não teria morrido» (Jo 11, 32).
Marta e Maria são duas pessoas que amam, mas cada uma demonstra o
seu amor de maneira diferente. Marta é activa e Maria é contemplativa. Ambas
são modelo para nós. Todos nós devemos unir a contemplação à acção.
Marta e Maria têm atenções assíduas para com Jesus e os Apóstolos.
São fiéis a Jesus nas provações. São vítimas com Ele. Seguem-n'O até ao
Calvário, participam nas suas dores, são humilhadas e insultadas por causa de
Jesus.
Maria desconhece o medo e a hesitação. Está junto à cruz com a SS.
Virgem e S. João. Está salpicado do sangue de Jesus e recolhe esse sangue
precioso. Ajuda a sepultar o Mestre; traz o sudário e os perfumes. No sábado
solene mantém-se afastada do sepulcro, mas lá regressa logo às primeiras
horas do dia depois do sábado. Procura o seu Jesus crucificado.
Maria Madalena e as Santas Mulheres são nossos modelos na procura de 72
Jesus. Procuremo-l'O sempre; procuremo-l'O em toda a parte. Procuremo-l'O,
não para gozar já da sua presença, para receber graças não merecidas e
extraordinárias, mas para compreender o seu amor, para imitar os seus
exemplos, para nos imolarmos com Ele. O Anjo diz às Santas Mulheres: Não
tenhais medo, vós procurais Jesus crucificado (Mt 28, 5).
Também nós já não temos nada a temer. Se procurarmos a Jesus
crucificado, não nos podemos enganar.
Noli me tangere: Não Me toques - diz Jesus (Jo 20, 17). Ele pede o puro
amor, o amor desinteressado. Quer que aceitemos a aridez e que,
procurando-O, saibamos renunciar à suavidade proporcionada pela sua
presença.
Procuremos a Jesus com um amor solícito, como Maria Madalena. Não
podemos estar sempre em oração perto de Jesus. Saibamos também servi-l'O
na pessoa dos seus irmãos. Jesus diz a Maria: «Vá ter com meus irmãos para
52
CAPÍTULO VI
Santo lnácio
S. Francisco Xavier
S. João Berchmans
S. lnácio é para nós um protector. A nossa Obra é filha da sua. A sua festa 73
não deve ser esquecida na Congregação. Nosso Senhor compraz-se em dar-
nos sempre alguma graça nesta festa.
S. lnácio é um modelo de zelo ardente pela glória de Deus. Tudo fazia para
reparar a glória subtraída a Deus e para conquistar-Lhe almas que O
honrassem e O amassem.
Também nós devemos inflamar-nos no desejo de desagravar o Coração de
nosso Salvador, servindo-O com fervor e conquistando-Lhe almas.
S. Francisco Xavier é um poderoso protector para os nossos missionários. 74
Não nos esqueçamos de rezar-lhe por eles.
S. João Berchmans é um modelo para os jovens religiosos, como S. Luís de 75
Gonzaga e S. Estanislau Kotska. Não calcou aos pés coroas principescas,
como S. Luís e S. Estanislau. Santificou-se, fazendo tudo, mesmo as coisas
mais comuns, de uma maneira não comum, por motivos sobrenaturais, com
espírito de fé viva, por puro amor a Deus, com a intenção mais pura, na
presença de Deus e em união íntima e ininterrupta com Nosso Senhor. Em
tudo isto tornou-se para nós um magnífico exemplo A sua vida tão breve e,
entretanto, tão rica de virtudes e méritos, subiu até ao trono de Deus como um
agradável holocausto no cumprimento fiei do seu dever e do seu puro e
generoso amor. É um modelo para todos os que se preparam para a sublime
dignidade do sacerdócio, como também para todos aqueles que receberam
como herança a grande felicidade de serem chamados à vida religiosa. Que
sentimentos de gratidão lhe inspirava a sua vocação! Como a apreciava e
amava! Com que amor e com que abandono filial se mostrava apegado à sua
santa Ordem! Compreendeu estas palavras que Nosso Senhor dirigiu um dia
aos seus discípulos: Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos
escolhi a vós (Jo 15, 16).
S. João Berchmans deve ser honrado no noviciado e nas escolas 76
apostólicas. Os Irmãos também devem tomá-lo por modelo nos seus trabalhos
e ofícios. Lembrem-se como ele cumpria pontual e alegremente, com amor e
zelo, as acções mais ordinárias e se sentia feliz, considerando-se mesmo
53
CAPÍTULO VII
Os santos
do Coração de Jesus
Terceira parte
OS VOTOS E A VIDA
RELIGIOSA
CAPÍTULO I
Noções gerais
O voto é uma promessa deliberada que se faz a Deus, em ordem ao 78
cumprimento de um acto melhor, de um acto que não é exigido pela simples
vida cristã.
Os votos religiosos constituem um estado de vida. As famílias religiosas são
corpos de elite, grupos escolhidos no meio do povo cristão.
Nosso Senhor anunciou a sua fundação na resposta ao jovem rico que Lhe
perguntou o que devia fazer para ser perfeito: Se queres ser perfeito - disse-lhe
- vai, vende o que tens, dá-o aos pobres..., depois vem e segue-Me (Mt 19,
21). O estado religioso é um estado de perfeição ou, pelo menos, um estado
no qual se procura a perfeição. Nosso Senhor aponta as condições: deixar a
família e viver em castidade, despojar-se dos bens para viver na pobreza,
obedecer a Nosso Senhor ou a quem O representa.
Jesus chama, com uma vocação particular e pessoal, aqueles que destina a
este estado. A vocação religiosa é uma grande graça, é a manifestação de
uma escolha, de uma preferência de Nosso Senhor. É a sua guarda de honra.
É uma cavalaria na Igreja.
A profissão religiosa é, pois, uma honra, mas é também um acto grave que
deve ser preparado e reflectido, visto que impõe deveres e responsabilidades.
Professar é consagrar-se totalmente a Deus, sem divisões nem reservas, é
assumir a obrigação de seguir Jesus Cristo através da prática dos conselhos
evangélicos.
Estes conselhos opõem-se às três concupiscências que arrastam o homem
ao pecado. Eles são, ao mesmo tempo, uma defesa e uma reparação.
Os votos de pobreza, de castidade e de obediência, que constituem
formalmente o estado religioso, são comuns a todos os Institutos, mas
diversificam-se pela sua aplicação prática, consoante o fim específico que se
propõe cada Instituto religioso.
Os Sacerdotes do Coração de Jesus compreenderão que devem fazer
consistir a perfeição que lhes é própria na perfeita observância das prescrições
que determinam para eles o sentido, o alcance e a prática dos seus votos de
acordo com a finalidade da sua vocação. Os votos devem ser emitidos e
vividos no espírito de amor e de imolação que lhes é peculiar.
55
CAPÍTULO II
O voto de pobreza
§ 1. Excelência da pobreza
§ 2. Prática da pobreza
§ 4. Observações Importantes
- Convém que cada um faça o seu testamento antes dos primeiros votos, a 84
fim de dispor dos bens que possui ou que venha a adquirir.
- É somente por altura dos votos perpétuos que se pode dispor do domínio
radical dos bens mediante doação entre vivos*.
- Nenhum professo pode conservar a administração dos seus bens. Deve
cedê-la aos superiores ou à família. Pode dispor dos lucros, mas só com
licença dos superiores. Tudo isto vale também para os bens que lhe possam
advir por herança, legado ou mediante doação legal entre vivos.
- As ofertas que o religioso recebe à mão pertencem à sua comunidade.
- O mesmo se diga quanto ao fruto do ministério ou do trabalho pessoal.
- O religioso em viagem deve, no regresso, prestar contas das suas
despesas e entregar o restante.
- Os teólogos fixam ordinariamente em cinquenta francos a soma que
constituiria matéria grave, no caso de um religioso prejudicar a sua
comunidade.
- Os religiosos não devem conservar dinheiro consigo, a não ser que para tal
tenham sido autorizados.
- A pobreza deve reinar também no quarto de cada religioso, onde a mobília
deve ser muito simples. A cama terá apenas um colchão de zostera**.
Conservarão no quarto poucos livros, apenas os necessários para o uso
quotidiano, e terão com eles o máximo cuidado.
CAPÍTULO III
O voto de castidade
§ 1. Excelência da castidade
*
Esta disposição sofreu alterações posteriores a 1919. Actualmente tal renúncia só é
possível com o consentimento do Superior Geral e voto deliberativo do respectivo conselho,
após dez anos, pelo menos, de profissão (Cst. 45 d). (N. do T.).
**
Planta marinha, cujas folhas secas são usadas para embalar objectos frágeis e
também, nalgumas regiões, para encher colchões (N. cb T).
58
§ 2. Prática da castidade
CAPÍTULO IV
Voto
e virtude de obediência
§ 1. Excelência da obediência
§ 2. As obrigações da obediência
CAPÍTULO V
A profissão de amor
e de imolação
dolorosamente sofrido?
A máxima preferida dos Sacerdotes do Coração de Jesus é o Ecce venio 98
(Heb 10,7), que deverá encontrar-se sempre nos seus lábios e, sobretudo, nos
seus corações.
Carregar a cruz exteriormente e por necessidade não basta. E preciso
abraçá-la com amor, carregá-la com alegria e coragem, desejá-la com ardor
como o maior e o mais seguro dos tesouros.
Ainda que nem todos sejam chamados ao estado de vítima mística, vocação
de algumas almas privilegiadas, todos podem e devem ser vítimas práticas,
mediante a docilidade à graça, a fidelidade no cumprimento do dever e a
generosidade na prática do sacrifício.
CAPÍTULO VI
A vida religiosa
§ 1. O hábito
§ 2. A profissão
§ 3. Os superiores
Quarta parte
AS REGRAS
Estas Regras são extraídas passim das nossas Constituições,
particularmente do capítulo 26º sobre a disciplina9, e as Regras Comuns que
temos adoptado nos nossos Capítulos Gerais e que se encontram insertas no
Thesaurus.
§ 2. A regularidade exterior
Para começar pela regularidade exterior, que mais directamente promove a 105
edificação, todos terão na conta de um dever contribuir para ela com todos os
seus esforços, mediante a pontualidade às práticas comunitárias e a fidelidade
na observância do horário quotidiano estabelecido para cada casa, e que, na
medida do possível, será semelhante ao quadro indicado nas nossas Regras
comuns, no Thesaurus.
Este horário será afixado em cada casa, de modo que, os hóspedes o
possam conhecer. Um toque de campainha dá o sinal para os exercícios. A
9
Trata-se, aliás, do cap. 16 das Constituições de 1906 (cf. nota 14, pág. 319).
66
§ 3. O silêncio
De Jesus diz o Evangelho que fez tudo bem (cf. Mc 7, 37). É a condição da 107
santidade.
A vida de Nazaré foi uma vida de trabalho, em que cada um se ocupava com
zelo segundo os desígnios da Providência.
Dêem todos grande importância às tarefas e ofícios que lhes são confiados
e desempenhem-nos com constante fidelidade. Habituem-se a considerar os
deveres inerentes às suas funções como uma dívida sagrada e o zelo em
cumprimos como o mais seguro penhor da sua dedicação ao Instituto.
Apressar-se-ão em instruir-se em tudo quanto se refere ao seu ofício e à
maneira de o desempenhar com perfeição. No retiro mensal relerão as normas
relativas ao seu cargo.
Terão o cuidado de estar sempre em dia com as contas, apontamentos e
correspondência, a fim de poderem transmitir o seu cargo em qualquer altura,
sem delongas e sem causar transtornos.
A preguiça, a inércia, a negligência dão ao demónio pretexto para nos tentar
e preparam todas as quedas.
67
§ 6. Recreios e conversas
§ 8. A mortificação
Sabemos quanta limpeza o Levítico exigia dos sacerdotes da Antiga Lei em 112
tudo o que se relacionava com o culto.
Todos os religiosos tenham cuidado com a limpeza tanto das suas pessoas,
como dos seus quartos. Façam a cama cuidadosamente e de manhã cedo.
Varra cada um o seu quarto, excepto aqueles que o superior julgue dever
dispensar por motivos de saúde ou de ocupações urgentes.
É de louvar uma casa que tenha entre os seus usos o do lava-pés semanal
e os banhos completos periódicos, de modo especial no Verão.
Quem se sentir doente deve avisar o enfermeiro e o superior, os quais têm
por dever proporcionar-lhe os cuidados e medicamentos necessários. Não
devem, por sua própria iniciativa, dirigir-se a um médico nem procurar
medicamentos. Aos doentes devem-se cuidados cheios de dedicação e
caridade.
Que a vossa modéstia - diz S. Paulo - edifique todos aqueles que vos vêem 113
(Fil 4, 5).
Nas relações com as pessoas de fora, procure-se tratar com modéstia,
doçura e caridade dos assuntos que determinaram a visita ou o encontro.
Evite-se pedir conselho a pessoas de fora, como também tomar a cargo
alguma tarefa, mesmo piedosa, ou prometer ocupar-se dela sem licença do
superior.
No tocante a assuntos profanos de qualquer espécie, será necessário que
nos afastemos ainda mais, visto que nos distraem da nossa vocação e são
nocivos às coisas espirituais.
Não se pode sair de casa sem autorização. Não se vai sós a passeio.
As férias passam-se nas nossas casas. Um horário especial favorecerá o 114
repouso e os exercícios higiénicos.
Muitas vocações se perderam nas visitas prolongadas à família. Além disso,
tais visitas abrem sempre uma grande brecha na piedade, na regularidade, no
fervor.
§ 11. A hospitalidade
O superior deve chamar de vez em quando os seus religiosos e manter com 119
eles relações de confiança e de fraternidade.
lnterrogá-los-á sobre a saúde, os seus trabalhos, as suas necessidades e
sobre os seus desejos tanto para si mesmos como para o bom andamento da
casa.
Pedir-lhes-á paternalmente e com caridade aquilo a que chamamos
prestação de contas acerca da regularidade. Não é a manifestação da
consciência, que se faz ao director espiritual. Esta prestação de contas acerca
da regularidade refere-se principalmente à vida exterior.
Eis um modelo que o Superior não é obrigado a utilizar todas as vezes. O
71
religioso simples e piedoso fará bem, se o tiver presente, para poder responder
ponto por ponto, mas o Superior limitar-se-á a alguns pontos que considere
mais úteis:
- fidelidade à Regra, aos exercícios de piedade;
- exactidão na observância dos Regulamentos e dos usos da comunidade,
no referente ao levantar, ao deitar, às refeições, etc.;
- comportamento com os Superiores, os confrades, o próximo, os alunos;
amizades particulares, confidências indiscretas, espírito de crítica;
modo como cumpre os deveres do seu ofício, perdas de tempo, silêncio;
- observância do regulamento escolar;
- correspondência epistolar com pessoas de fora, visitas;
- práticas de mortificação, licenças que um superior pode dar (cf. Pe. Cotel
e Pe. Meynard).
de meditação seguimos;
7. se nos exercícios de piedade experimentamos consolações ou devoção
ou então aridez, divagação de espírito e como nos comportamos neste caso;
8. que fruto tiramos da Sagrada Comunhão, da Confissão, do exame
particular e de outros exercícios de piedade;
9. se, depois da última direcção, fizemos algum progresso e como tendemos
à perfeição;
10. como observamos as Regras comuns e as do nosso ofício;
11. como procedemos no que se refere a penitências e mortificações; se
estamos dispostos a suportar e até mesmo a desejar injúrias e cruzes;
12. como nos comportamos nas conversas; se delas tiramos algum proveito
espiritual;
13. se sentimos familiaridade ou aversão para com alguém e consideração
pelos superiores;
14. se nos abrimos com algum confrade a respeito das nossas tentações,
especialmente contra a vocação.
73
Quinta parte
OS EXERCÍCIOS
DE PIEDADE
§ 1. A oração
Como poderão as nossas orações ser actos de amor e de reparação, se não 122
forem recolhidas e fervorosas?
Nosso modelo na oração é, antes de qualquer outro, Jesus, particularmente
no Jardim das Oliveiras, onde reza na solidão e no recolhimento. Reza com
respeito: Exauditus est pro sua reverencia: foi atendido pela sua piedade (Heb
5, 7); reza com ardor: Cum clamore valido: com grande clamor (Heb 5, 7); reza
com emoção, com lágrimas, com compunção: Pater mi... non mea voluntas sed
tua fiat Meu pai... não como Eu quero, mas como Tu queres (Mt 26, 39). Reza
com perseverança. No Getsémani, repete por três vezes a mesma oração.
Depois de Jesus, temos em Maria outro modelo de oração. A sua vida é
uma vida de silêncio, de recolhimento, de oração. Ela é, pela sua união com
Deus, o jardim fechado e a fonte selada. Louva o Senhor, agradece,
abandona-se à sua vontade: Magnifícat anima mea Dominum: a minha alma
glorifica ao Senhor (Lc 1, 46). Ecce ancilla Domini: Eis aqui a serva do Senhor
(Lc 1, 38).
Também S. José, cuja conversação é com os anjos, é um modelo de
oração. Pelo seu recolhimento, pela sua docilidade e pelo seu abandono a
Deus, é modelo dos Sacerdotes-Vítimas do Coração de Jesus.
A oração é a nossa vida. A nossa alma deve rezar incessantemente; de 123
outro modo, como teríamos nós vida de união, de amor e de imolação que
constitui a finalidade do nosso Instituto?
Como a pomba, devemos elevar-nos acima da terra pela oração. Como ela,
a nossa alma deve amar a pureza, a simplicidade, a doçura. A alma que reza
esconde-se, suspira e geme como a pomba. Também ela descansa nas
fendas da rocha (cf. Cant 2,14). O nosso lugar de repouso na oração é o
Coração de Jesus, são os seus.mistérios de amor e de imolação.
O nosso Thesaurus tem um título muito certo: é um verdadeiro tesouro pela
beleza das orações que contém e pelas orientações que dá. Deve ser para
nós um autêntico Vade-mecum. Aquele que o leva sempre consigo e segue as
suas prescrições bem depressa se tornará santo.
As orações vocais feitas em comum devem ser recitadas pausadamente e
com devoção, como se faz no noviciado.
Sem uma real necessidade, nunca faltarão a este exercício que terá a
duração mínima de uma meia hora, sem considerar o tempo das orações
vocais.
Se acontecer não poderem fazer a meditação na hora estabelecido, devem
fazê-la noutra hora do dia.
Devem também preparar-se para a oração mental desde a véspera e ater-se
ao método explicado no noviciado ou ao que eventualmente tiver sido
aconselhado pelo director espiritual.
O Thesaurus propõe uma oração preparatória e um método sucinto, que
será bom seguir de vez em quando, como por exemplo no retiro mensal.
A seguir à meditação, o Thesaurus propõe também uma bela oração pelos
superiores e pela comunidade, um acto de bom propósito segundo a nossa
vocação e uma consagração ao Coração de Jesus. Estes actos são vivamente
recomendados.
Recordemos agora, em poucas palavras, o método indicado no Thesaurus: 125
- colocar-se na presença de Deus; fazê-lo com calma e sem pressas: toda a
meditação depende disso;
- trazer à memória e representar-se o mistério ou assunto sobre que se quer
meditar;
- exercitar sobre cada ponto a memória para o recordar, a inteligência para
reflectir sobre ele, o coração e a vontade para formular afectos e tomar
resoluções;
- se recebemos alguma iluminação ou boa impressão, detenhamo-nos,
enquanto perduram;
- sirvamo-nos de uma boa recolha de meditações segundo o espírito da
nossa vocação;
- os mistérios de Nosso Senhor serão sempre o melhor alimento para a
nossa alma;
- é muito útil anotar brevemente aquilo que nos impressionou na meditação.
Assim procedia S. Luís Gonzaga: Notabo lumina et proposita - Anotarei as
luzes e os propósitos.
§ 3. Ofício divino
lmmola Deo sacrificium laudis: Oferece a Deus um sacrifício de louvor (Sl 126
50, 14).
O Ofício divino é correlativo à Santa Missa. É como que a sua preparação e
prolongamento. É simultaneamente um sacrifício de louvor, de amor, de
reparação, de súplica e de acção de graças. É uma das mais nobres
ocupações e um dos mais eficazes meios da nossa missão reparadora.
Mas não podemos esquecer que aquilo que se destina a ser oferecido e
consagrado à divina Majestade, ao Cordeiro-Vítima imaculado, ao Coração
divino mais puro e sagrado, como compensação e reparação, deve tanto
quanto possível ser puro e perfeito. Com que atenção, com que zelo deve ser
prestado este serviço ao Rei dos reis!
À hora estabelecido para este ofício de guarda-de-honra, para esta função
75
sagrada, tudo o mais deve cessar e tudo deve ser realizado, nesta acção
sagrada, com extrema solicitude. Todo o tempo destinado ao serviço do Rei
deve ser bem utilizado. Não devemos deixar-nos pertubar por nada e por
ninguém, de casa ou de fora. Ninguém que saiba o que é devido ao Rei a
quem honra, que consideração e que zelo no seu serviço Lhe são devidos se
admirará ou levará a mal esta fidelidade do servidor ao seu dever.
Isto, no entanto, não significa que não podem dar-se casos em que a
verdadeira caridade para com o próximo e a própria glória de Deus exijam uma
interrupção ou adiamento. Em tais casos, é preciso proceder com a liberdade
dos filhos de Deus. Deus não é um patrão cruel e injusto, mas sim um pai
cheio de amor e de misericórdia.
Todavia, com que tibieza, irreverência e fé imperfeita tantas vezes se serve
o Rei dos reis! Qualquer bagatela, qualquer acontecimento insignificante,
qualquer pretensa necessidade pessoal são considerados suficientes para
justificar o afastamento ou a dispensa de tão santo dever; ou então cumpre-se
esse dever com atitudes e com um comportamento que denunciam indiferença
condenável, desatenção, preguiça, ausência do espírito e do coração. A
principal causa das nossas ofensas à divina Majestade reside na falta de fé
viva e autêntica.
São estes ultrajes cometidos contra o divino Coração de Cristo que os 127
Sacerdotes do Coração de Jesus devem reparar. Esta intenção deve ser
renovada sempre com fé viva, zelo autêntico e puro amor.
Nas casas do Instituto, o Ofício divino deve ser recitado no coro, ao menos
em parte (Vésperas e Completas). Aqueles que, por motivo das suas
ocupações ou da sua missão, se encontrem impedidos de participar nessa
oração pública devem recitá-la particularmente com igual fervor e com a
mesma intenção.
A Congregação segue a liturgia romana, com alguns ofícios próprios
escolhidos de acordo com a sua finalidade e o seu espírito e com a aprovação
da Sagrada Congregação dos Ritos.
Convém que a reza do Breviário seja seccionada em três partes: as horas
menores de manhã, Vésperas e Completas na parte da tarde, Matinas do dia
seguinte depois das 16 horas.
É indispensável ler sempre o Ordo (calendário litúrgico), para não errar.
O Thesaurus tem uma bela oração de preparação para o Ofício que é
preciso ler ao menos de vez em quando. Essa oração exprime a intenção de
reparação que convém à nossa vocação. Há uma forma abreviada para a
oferta quotidiana de cada parte do Ofício.
§ 4. A Santa Missa
O adorável sacrifício dos nossos altares é o dom por excelência do Coração 128
de Jesus e do seu amor. É, no dizer de S. Francisco de Sales, o centro da
religião, o coração da devoção, a alma da piedade, o mistério inefável que
contém o abismo da caridade divina e pelo qual Deus nos comunica com
suprema liberalidade as suas graças e benefícios.
76
Pela divina Eucaristia Jesus habita em nós, e as nossas casas assemelham- 131
se a Belém, a Nazaré e a Betânia.
Na santa Eucaristia encontramos o Coração de Jesus vivo, amante, ferido.
Jesus-Eucaristia é, em cada uma das nossas casas, como que o Superior e
o Mestre, o pai de família e o Esposo das nossas almas. É preciso que Ele seja
de verdade a vida das nossas casas e como que o sol, o lar, o alimento e o
remédio das nossas almas.
Está presente como o Cordeiro imolado sobre o altar, para ser oferecido a
seu Pai e, ao mesmo tempo, para receber as nossas homenagens e o nosso
amor.
Os Sacerdotes do Coração de Jesus devem ser assíduos junto da divina
Eucaristia. Os actos de amor e de reparação, que constituem a sua vida,
poderão acaso cumprir-se em qualquer outra parte melhor do que junto da
santa Eucaristia?
Os Sacerdotes do Coração de Jesus devem experimentar perante a
Eucaristia uma dupla sede: a de visitá-la e a de recebê-la. Uma sede mais
ardente do que a do veado sequioso que procura uma nascente refrescante.
Visitá-la-ão em todas as oportunidades e com a frequência consentido pelas
suas ocupações quotidianas.
Todas as casas principais da Congregação procurarão obter autorização 132
para expor solenemente o Santíssimo Sacramento. Sempre que o número de
adoradores o justifique, terão lugar exposições nocturnas.
Convém que a divina Eucaristia se encontre no seu trono, para receber as
nossas adorações reparadoras.
Tais adorações serão consideradas como uma missão pública, ao mesmo
tempo honrosa e carregada de responsabilidade; missão que, para ser
cumprida, tanto exige zelo como pureza e fidelidade.
No Instituto, todas as comunhões devem ser oferecidas em reparação, o que
não impede que se reze por intenções especiais que se unem à intenção
reparadora. Nada se perderá com isso. Não é verdade que Nosso Senhor
retribui cem vezes mais aquilo que se Lhe dá?
Em todas as casas a adoração será regulada e organizada.
Meia hora de adoração é o mínimo, não considerando as cerimónias e a
*
Na comunhão (de toda a Igreja), expressão com que começa uma das orações da anáfora I,
que precedem a consagração (N. do T.).
78
§ 6. A reparação eucarística
a boa e recta intenção. Tantas vezes, porém, o coração não está presente e,
sem ele, todos os outros dons não têm valor; ou, então, o coração está
ocupado com os seus interesses naturais, com as suas inclinações, com os
seus prazeres ou com as criaturas.
Durante as procissões (por exemplo), preocupamo-nos com o calor e com o 136
cansaço, ou pensamos em restabelecer as forças ou no descanso. Até o
ostensório se afigura pesado demais. Entretanto, aqui e ali, entre a multidão,
não falta alguma alma amorosa, desconhecida e menosprezada; e é
precisamente essa que melhor consola o Coração de Jesus.
Deus é espírito e aqueles que O adoram devem adorá-l'O em espírito e
verdade.
O dia do Corpo de Deus assemelha-se muito à entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém. O caminho está ornamentado e atapetado de flores; prestam-se
todas as homenagens exteriores. Clama-se: Bendito o que vem em nome do
Senhor (Mt 21, 9). Mas, poucos dias depois, se não no próprio dia, ouve-se o
Tolle, tolle, crucifige: Tira-O, tira-O, crucifica-O (Jo 19, 15).
Renovam-se todos os ultrajes da Paixão. 137
Há ainda os Judas que atraiçoam Nosso Senhor, dando-Lhe o beijo da
dissimulação e da hipocrisia. Há Pedros, suficientemente cobardes para
renegá-l'O, que se comportam como se nunca O tivessem conhecido e que,
por curiosidade, por conveniência humana ou para seu prazer, frequentam
ambientes ou grupos, onde não se reúnem senão os inimigos de Nosso
Senhor, os inimigos da Cruz.
Há ainda discípulos que, por respeito humano, por medo de serem
desprezados e perseguidos, abandonam o Senhor, escondem-se perante o
perigo, olhando com medo para o Jardim das Oliveiras e para o Calvário;
procuram em segredo e com angústia informações sobre o seu Mestre,
oprimido pelos ultrajes e insultos, mas não têm coragem de segui-l'O pelo
caminho da Cruz.
Todavia, não faltam também aqueles que, como S. João, seguem até à cruz
o seu Senhor e seu Deus, O reconhecem perante todo o universo e que estão
prontos a partilhar a sorte do seu querido e divino mestre. Há ainda mulheres
generosas que, como as piedosas mulheres atrás de Maria, seguem as
pegadas sangrentas do seu Redentor e sobem ao Calvário com o Cordeiro-
Vítima.
No Santíssimo Sacramento Nosso Senhor é ainda maltratado por um grande 138
número de pessoas. É preso e amarrado, no sentido em que Lhe atam as
mãos repletas de graças, impedindo-O de as distribuir. É coberto de escárnios,
considerado como sedutor e mentiroso por aqueles que, por falta de fé, se
comportam como se Ele não merecesse confiança.
É como que arrastado na lama pelas mãos e corações impuros e revestido
com o manto da irrisão por aqueles que profanam a dignidade do seu santo
estado. Recaem sobre ele a desonra e a vergonha dos escandalosos. É
encerrado nos corações entenebrecidos e contagiados pelo pecado e pelas
paixões. Aí é abandonado nas mãos de lodosos seus inimigos. É flagelado
pelos desejos e pecados da carne, coroado de espinhos pelo orgulho, pela
80
A primeira sexta-feira do mês deve sempre ser solenizada entre nós. É, ao 141
81
Estas leituras não devem ser feitas nos momentos de cansaço, mas de
manhã cedo, quando ainda estamos frescos e bem dispostos.
Requer-se cerca de vinte minutos para fazer uma leitura útil.
A escolha dos livros deve ser aprovada pelo superior ou pelo confessor.
O Rodrigues é sempre um livro fundamental para a vida religiosa. As obras
de S. Francisco de Sales, de S. Afonso Maria de Ligório, de S. Gertrudes, do
Pe. Saint-Jure, do Pe. Grou, são tesouros riquíssimos.
Para a nossa vocação especial, recomendamos o Reíno do Sagrado
Coração, extraído dos escritos de S. Margarida Maria Alacoque pelo Pe.
Yenveux; a vida da Madre Verónica; os livros do Pe. André; os do Pe. Giraud
sobre a vida de vítima; do Pe. Buathier sobre o Sacrifício, etc., etc.
Muitos Institutos publicaram catálogos de livros espirituais para uso das suas
casas, como, por exemplo, os Irmãos das Escolas Cristãs e a Sociedade de
Maria. O dos Irmãos das Escolas Cristãs pode ser encontrado na Procuradoria
Geral, Rue Oudinot, 27, Paris.
§ 9. O Sacramento da Penitência
Os três santos Corações de Jesus, Maria e José são modelos das vítimas
de amor e de imolação. O nosso pensamento deve dirigir-se habitualmente
para eles. Os sentimentos que os animavam em Nazaré devem ser também
os nossos. Devemos estudá-los sobretudo na oração. Devemos aprofundar
os seus sentimentos, os seus pensamentos, desejos, alegrias, tristezas e
vontades, e conformar continuamente com eles os nossos pensamentos,
palavras, acções e toda a nossa vida.
Peçamos a S. José a graça de participar na sua fé, na sua simplicidade, no
seu abandono.
A Maria peçamos a graça de tomar parte na sua humildade e pureza, para
nos podermos elevar até à vida de amor e de imolação do Coração de Jesus.
À sexta-feira o nosso pensamento dirigir-se-á de preferência para o Coração
de Jesus; ao sábado pensaremos no Coração de Maria e será Ela que nesse
dia nos assistirá em todas as necessidades.
À quarta-feira dirigir-nos-emos a S. José, invocá-lo-emos e ele nos assistirá.
O nosso Directório não pode omitir esta bela devoção, a que, aliás, nos é 151
mais querida a seguir à devoção ao Coração de Jesus.
A reza do terço é de regra para nós. Muitos gostam de rezar todos os dias o
rosário completo.
Honramos de modo particular a Santíssima Virgem sob alguns dos seus
mais belos títulos: a Virgem lmaculada, Nossa Senhora de Lourdes, a Virgem
Mãe, Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Celebramos com alegria e devoção o mês de Maria e o mês do Santo
Rosário. Consagramos o mês de Agosto ao Coração de Maria.
A Santíssima Virgem está unida ao Salvador em todos os mistérios da vida
oculta em Belém e Nazaré, e no mistério da Paixão no Calvário.
A devoção a Maria, tal como a ensina o Beato Grignon de Monfort, é-nos
muito querida. Encontraremos a forma de a praticar no livro do Pe. André:
"L'Année avec Marie".
Leva, Jerusalem, oculos tuos et vide potentiam Regis: ecce Salvator venit 153
solvere te a vinculo: Levanta, Jerusalém, os teus olhos e vê o poder do Rei. eis
que o Salvador vem libertar-te das cadeias (cf. ls 49, 18... ; 60, 4... ).
Estas palavras são utilizadas no santo tempo do Advento, mas aplicam-se
também muito especialmente aos dias dos exercícios espirituais, que são dias
de grandes graças.
Levanta os olhos, Jerusalém, e vê o poder do Rei.
Também nós devemos erguer os olhos do nosso espírito, orientá-los para
além de tudo o que é terrestre, ocupar-nos unicamente com o que se refere à
nossa alma, à nossa perfeição, e procurar aprofundar o espírito da nossa
vocação, o nosso fim, para conhecer e cumprir cada vez mais e melhor a
vontade de Deus e os seus desígnios.
Devemos contemplar o poder deste Rei dos corações, deste Rei do amor
que quer reinar sobre nós e em nós. Devemos entregar-nos ao seu poder, ao
poder do seu amor, ao qual resistimos tão frequentemente: Eis o vosso
Salvador que vem libertar-vos das cadeias. Ele concede-vos este tempo de
graça e ao mesmo tempo os meios para quebrar e despedaçar todos os laços
que impedem ainda os vossos corações no seu impulso para o Senhor vosso
Deus, a fim de que vivais doravante para Ele, livres e desapegados de tudo
aquilo que é terreno, natural e efémero.
Para o futuro conservam somente os laços do amor de Deus, laços que
prendem e unem a alma da forma mais íntima ao seu Deus, a ponto de poder
afirmar com o Apóstolo S. Paulo: Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim (Gal 2, 20) e eu n'Ele.
Ele entregou-Se totalmente por mim e eu entrego-me completamente e sem
reservas ao seu beneplácito, à sua vontade. Sou sua vítima, o seu servidor, a
sua serva que não procura nem conhece senão o cumprimento da vontade do
Senhor, a sua satisfação, os seus interesses, pronto a obter-Lhe tudo isso à
custa da minha vida, da minha honra, das minhas forças e da minha saúde.
Dirupisti vincula mea, tibi sacrificado hostiam laudis et nomen Domini 154
invocabo: quebrastes as minhas cadeias. Oferecer-Vos-ei um sacrifício de
acção de graças e invocarei o nome do Senhor (Sl 116, 16-17).
Despedaçastes as cadeias que me retinham afastado de Vós, por isso
oferecer-Vos-ei um sacrifício de acção de graças; quero exaltar a Vossa
bondade e misericórdia para comigo, das quais era tão pouco merecedor.
Quero agradecer-Vos e unir-me unicamente a Vós, Deus e Senhor do meu
coração. Quero prestar-Vos homenagem somente a Vós, servir-Vos e amar-
Vos acima de tudo, sacrificar por Vosso amor tudo o que não sois Vós mesmo.
E quando esses laços desregrados, esses laços que me escravizam às
criaturas e à natureza corrompida tentarem enredar-me novamente, invocarei o
Vosso santo nome, no qual somente é possível encontrar socorro e
86
assistência.
Sim, invocarei o nome do meu Redentor, que Se deixou manietar e conduzir
pelas suas criaturas de maneira tão cruel, para dar-me a liberdade,. para atrair
todos os corações com os doces vínculos do seu amor, para libertá-los de
todas as pesadas cadeias da escravidão do pecado.
Invocarei com fé, com confiança e com amor o nome d'Aquele que Se
deixou amarrar e arrastar como um cordeiro que é levado ao matadouro sem
soltar o mínimo lamento.
Este Cordeiro, quero segui-l'O pelo caminho que Ele mesmo percorreu.
Esforçar-me-ei por imitar as disposições do seu Coração. Quero viver, sofrer e
morrer com Ele e por seu amor.
Buscai o Senhor, enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está
perto (Is 55, 6).
No tempo do retiro Nosso Senhor deixa-Se encontrar de modo particular por 155
aqueles que O procuram sinceramente e que O invocam com humildade e
confiança, implorando as suas luzes, as suas graças, o seu perdão.
Mas é também o tempo em que Nosso Senhor procura. E que pretende
encontrar? Corações que O conheçam, que O amem, que O sirvam e se Lhe
queiram entregar totalmente.
Também chama, para ser escutado, recebido, acolhido nos corações que
ama tão profundamente, que salvou e resgatou, que escolheu como sua
morada, sua propriedade especial, como é o caso dos corações das suas
esposas, a quem pede que O amem.
Estou à porta, bato e chamo. Abre-me, minha irmã, minha amiga, pomba
minha, imaculada minha, porque a minha cabeça está coberta de orvalho, e os
caracóis dos meus cabelos cheios de gotas da noite (Cant 5, 2).
Mais: eles estão embebidos do meu Sangue que derramei por ti. Foi a
ingratidão, a infidelidade, a insensibilidade dos meus amigos, do meu povo
eleito que Me provocaram este suor de sangue; é para Me consolar e
desagravar desta dor e desta falta de amor que procuro corações dispostos a
proporcionar-Me esta consolação, que queiram, com a ajuda da minha graça,
fazer todos os sacrifícios que lhes peço.
87
Sexta Parte
AS VIRTUDES PRÓPRIAS
DA NOSSA VOCAÇÃO
§ 1. A fé viva
Beati qui crediderunt et non viderunt : Bem-aventurados os que, sem terem 156
visto, acreditam (Jo 20, 29). São as palavras de Nosso Senhor ao Apóstolo S.
Tomé. Nosso Senhor gosta da fé viva, da fé pura e sem ambiguidades, que
não procura consolações e que sabe agir tanto na aridez como na alegria
espiritual. A fé pura é uma verdadeira imolação do coração.
Exemplo de fé viva e autêntica é Abraão, disposto a imolar o filho da
promessa. Fé viva, foi a dos Magos que acreditaram no presságio da estrela e
persistiram no seu objectivo, mesmo depois do desaparecimento da estrela.
Exemplo de fé viva e verdadeiramente admirável, a S.José, que acreditou nos
mistérios da redenção, apesar de todas as contradições e dificuldades.
Aceitou todas a mensagens angélicas. Foi testemunha de todas as
humilhações de Nosso Senhor em Belém, no Egipto, e Nazaré.
José permanece sempre fiei à sua fé. Morre antes dos grandes milagres de
Jesus, antes da sua ressurreição; contudo morre na fé mais viva e meritória.
É sobretudo no momento das provações que a fé deve ser firme e
perseverante. É nestas crises que alcança a fé as suas mais belas vitórias e
prepara o sucesso das obras. Deus castiga as dúvidas contra a fé. Temos
disso numerosos exemplos na Sagrada Escritura.
Nada devemos temer, mesmo quando não compreendemos os desígnios de
Deus.
Ele pedir-nos-á o sacrifício de Moriah, um sacrifício que parecerá destruir as
suas promessas. A nossa humilde submissão será recompensada por uma
superabundância de favores divinos.
§ 2. A confiança
Amice, commoda mihi tres panes: Amigo, empresta-me três pães (Lc 11, 5). 157
Peçamos a Maria e a José estes três pães: a fé, a confiança e o amor. Eles
não no-los recusarão. Nada se recusa a um amigo que pede com insistência.
Temos necessidade de confiança. É a fonte do abandono tão necessário à
nossa vocação. Precisamos de uma confiança filial, que não se desmente nem
se perde nas provações. Que tememos? Jesus, Maria e José são a nossa
salvaguarda, os nossos padroeiros. São como um baluarte, um muro de
protecção para as nossas almas, para as nossas casas, para a nossa Obra.
Podemos duvidar da bondade de Nosso Senhor, da sua solicitude, da sua
misericórdia? Ele, que Se fez homem e que por nós morreu, poderá acaso
descuidar-se de alguma coisa que nos possa ser vantajosa? É para nós como
88
uma mãe.
Quomodo si mater blandiatur, ita ego consolabor vos: Como uma mãe
consola o filho, assim Eu vos consolarei (Is 66, 13).
Maria, que nos adoptou na pessoa de S. João ao pé da cruz, poderá acaso
abandonar-nos?
Também S. José é para nós um pai, um pai amoroso, vigilante e dedicado.
Temos Jesus, Maria e José: que podemos temer?
Confiemos-lhes as nossas almas, as nossas casas, as nossas obras.
As suas imagens estão expostas nas nossas casas, os seus nomes estão
nos nossos lábios e nos nossos corações; nada podemos temer; estamos bem
guardados.
Sejamos confiantes também nas provações. Por vezes Jesus parece que
dorme; deixa que a tempestade se levante; mas vigia e intervém no momento
oportuno. Permite as provações porque são úteis, necessárias para a nossa
purificação, santificação e progresso das nossas obras.
Nosso Senhor saberá fazer com que as provações redundem em nosso
benefício. Coloquemos n'Ele toda a nossa confiança. ln Te, Cor Jesu, speravi,
non confundar in aeternum: Eu esperei em Vós, Coração de Jesus: não serei
eternamente confundido.
O amor de Nosso Senhor deve animar toda a vida dos Sacerdotes do 158
Coração de Jesus. A sua vida deve ser uma vida de amor. O amor de Nosso
Senhor deve ser o motivo de todas as suas acções. Devem fazer tudo por
puro amor para com o Coração de Jesus.
Jesus mesmo quis revelar a devoção ao seu Sagrado Coração para
conquistar o amor dos homens. Porque este Coração divino, que nos amou a
todos e a todos nos ama sempre com amor infinito, quer a correspondência do
nosso amor. Ora não é àqueles que são de modo particular consagrados ao
Sagrado Coração de Jesus que compete oferecer ao Coração do seu Deus, do
seu Redentor e Mestre, esta consolação, este direito de reinar por amor nos
seus corações?
Esforçar-se-ão, portanto, quanto lhes seja possível, com o auxílio da graça
por corresponder ao amor de Jesus com um amor puro, desinteressado,
ardente e generoso até à imolação, visto que foi assim que o Coração de
Jesus os amou. Quanto Lhe custou este amor! Que humilhação, que pobreza,
que fadiga e quantas dores suportou, para obter este amor! Durante trinta
anos suportou todas as canseiras de uma vida pobre, penosa, desprezada e
desconhecida! E quis terminar essa vida com a morte mais dolorosa e
ignominiosa, para satisfazer o seu amor, para demonstrá-lo a todos nós da
maneira mais constante e assim conquistar os nossos corações! E todos estes
prodígios de caridade, quis aumentá-los e perpetuámos na Eucaristia.
Mas onde irão os nossos sacerdotes haurir este amor que, em troca, Lhe 159
devem dar? Ao próprio Coração de Jesus. É uma fonte inesgotável: Haurietis
aquas in gaudio de fontibus Salvatoris: Tirareis água com alegria das fontes da
89
salvação (is 12, 3). Fixarão continuamente o olhar em Jesus, vê- l'O-ão em
tudo e em toda a parte: nos seus mistérios que meditarão incessantemente, na
sua Eucaristia em que Ele está presente, na sua providência que governa
todas as coisas. Reconhecerão em toda a parte a sua bondade. Deste modo
manterão aceso o fogo do amor no seu coração e alimentá-lo-ão sem cessar.
Manterão a todo o momento a atenção, as inclinações, os pensamentos, as
aspirações orientadas para o objecto do seu amor. Mesmo quando estiverem
ocupados com outros deveres ou se entregarem a um legítimo descanso,
devem igualmente orientar o coração, o espírito, a vontade para Nosso Senhor.
Ele pede este amor, um amor puro e fiel, que tudo faz exclusivamente para
Aquele a Quem se ama.
Infelizmente, quantas almas, mesmo consagradas, recusam este amor!
Como são pouco reconhecidas e pouco pensam em Jesus! Passam o seu
tempo a ocupar-se de si mesmas, das suas satisfações pessoais, físicas e
espirituais, ou então ocupam-se com as criaturas, procuram agradar-lhes e
satisfazê-las. Quantas, mesmo entre as melhores, deixam muitas vezes
passar bastante tempo sem pensar no Coração de Jesus, sem O amar,
trabalhar e sofrer por Ele! Como podem assim oferecer essas acções, esses
dias totalmente contaminados de vida natural ao Coração de Jesus que é tão
santo e tão puro, ao Coração de Jesus que tanto as amou e merece todo o seu
amor? Nada disso pode agradar-Lhe, nem pode consolá-l'O, nem compensá-
l'O da indiferença, da ingratidão de tantas almas.
O que Nosso Senhor nos pede é um amor puro e desinteressado. E nós 160
devemos, tanto quanto possível, fazer tudo para agradar-Lhe e cumprir a sua
santa vontade. É o nosso coração que Ele pretende, o nosso amor, a nossa
vontade, a nossa recta intenção de agradar-Lhe.
Não devemos apegar-nos nem à alegria nem ao sofrimento, mas somente à
vontade de Deus e àquilo que nos pede.
Para ser vítima não precisamos nem de saúde nem de forças. Temos
sempre um coração para amar, um corpo para agir e sofrer. É quanto basta!
O nosso amor a Jesus deve ser tanto mais fiel e puro, quanto é certo que
tomámos o compromisso de oferecer-Lhe reparação pelas faltas de amor, pela
ingratidão e pela indiferença de tantas almas. O puro amor é a nossa vida e o
nosso objectivo.
Jesus conduzir-nos-á à Santíssima Trindade. Com Ele, com o seu divino
Coração, ofereceremos à Santíssima Trindade os nossos sacrifícios habituais
de adoração, de amor, de reparação e de oração.
§ 4. A acção de graças
Ubi sunt novem alii?: Onde estão os outros nove? (Lc 17, 17). Onde estão 161
aqueles que deveriam agradecer?
Esquecemo-nos demasiado de agradecer a Deus, de louvá-l'O e glorificá-l'O
por todos os seus benefícios, particularmente de ordem espiritual. E, no
entanto, as ocasiões são constantes. Deus como que nos persegue com os
seus dons, mediante a acção incessante da sua graça, com os frutos da
90
Diligamus invicem sicut Christus dilexit nos: Amemo-nos como Jesus nos 162
amou (Cf. Jo 13, 34), isto é, com generosidade, com fidelidade e
desinteressadamente, se necessário, até ao sacrifício da vida.
Hoc est praeceptum meum: Este é o meu mandamento (Jo 15, 12): é o
mandamento predilecto do Sagrado Coração de Jesus.
A caridade é paciente, é amável, não pensa o mal e não o faz; detesta a
ambição, a inveja e o egoísmo; é confiante e compassiva (cf. lcor 13, 4-7).
Felizes os que são mansos, porque conquistarão todos os corações.
Felizes os que amam a paz: são os verdadeiros filhos de Deus.
A caridade não conhece diferenças de línguas: Non est judaeus neque
graecus: já não há judeu nem grego (Gal 3, 28). Entre nós, as diferenças de
nacionalidade não devem prejudicar a união.
A caridade perdoa as injúrias: Pater, dimitte illis: Pai, perdoa-lhos... (Lc 23,
34).
A caridade imola-se na paciência. Encontra uma ocasião de imolação nas
dificuldades e nos aborrecimentos da vida comum, nas contrariedades, nos
desgostos causados pelo próximo, na suportarão dos feitios maçadores e
desagradáveis: Cum patientia, supportantes invicem in caritate: Com paciência,
suportando-vos uns aos outros com caridade (Ef 4, 2).
Se a caridade fraterna é sempre indispensável na vida religiosa, não o será 163
sobretudo entre os amigos e discípulos do Coração de Jesus? Se alguém
pretende amar a Deus e não ama os seus irmãos, mente, diz o Apóstolo S.
João (cf. lJo 4, 20).
Esta virtude deve ser-nos particularmente querida. Ela manifestar-se-á por
toda a espécie de deferências, pela harmonia e paz nas nossas relações, pela
suportação e pela rápida solução das divergências que possam surgir. Com a
ajuda de Nosso Senhor, devemos formar um só coração e uma só alma no
Coração de Jesus.
91
Na prática, para conservar esta perfeita caridade através da união dos 164
corações e do espírito de família, os nossos sacerdotes evitarão qualquer
amizade particular e amar-se-ão todos em Deus, como irmãos em Jesus
Cristo, unidos ao seu divino Coração; e, porque o orgulho é muitas vezes o
escolho contra o qual a caridade se desfaz, cada um deles terá os olhos
abertos para os seus próprios defeitos e fechados para os dos outros.
Terão como lei não tecer considerações sobre os defeitos, que crêem
vislumbrar nos outros, mas procurarão desculpá-los e só falar deles nos casos
em que a caridade e o dever o exijam. Estimar-se-ão uns aos outros,
respeitar-se-ão sinceramente e evitarão contristar-se mutuamente com atitudes
ou com palavras.
Estarão atentos para aproveitar todas as oportunidades para se anteciparem
na ajuda recíproca, para prestarem uns aos outros todos os gestos de uma
caridade terna e afectuosa, a fim de cultivarem a união dos corações e o
espírito de família. Em suma, evitarão com cuidado as divisões que podem
nascer da diversidade de opiniões políticas ou até mesmo teológicas.
A grande lição de caridade que brotou do Coração de Jesus - o discurso
depois da Ceia, referido por S. João - deverá ser relido de vez em quando por
cada um, para alimentar nos corações o fogo da caridade.
Caso aconteça, por efeito da fragilidade humana, que a caridade seja
afectada por algum incidente desagradável entre dois ou mais confrades, os
culpados nada têm de mais urgente do que restabelecer, externamente, a boa
harmonia e edificação, mediante a apresentação de humildes desculpas e de
uma sincera reparação; além disso, procurarão sufocar interiormente todo o
gérmen de azedume e ressentimento. Em caso de necessidade os superiores
deverão interpor a sua autoridade para obter o cumprimento perfeito do
conselho do Apóstolo: Não se ponha o Sol sobre a vossa ira (Ef 04, 26).
§ 6. A humildade
humildade.
Longe de ambicionar cargos honrosos, aceitarão de bom grado os encargos
mais humildes.
Os nossos religiosos renunciarão às dignidades eclesiásticas e só as
aceitarão por ordem dos superiores ou do Papa.
Estarão dispostos a aceitar com doçura e calma as afrontas, as injúrias e, se
lhes acontecer serem rejeitados, vexados, desprezados, sem que a tal tenham
dado azo com acções que os tornem culpados perante Deus, devem alegrar-se
e agradecer ao Coração de Jesus, como se de um precioso favor se tratasse.
Contudo, estando em jogo a glória de Deus e as suas obras, não devem
deixar de agir por falsa humildade, mas sim agir sem procurar a sua própria
glória.
Também não é faltar à humildade querer tornar-se santo. Deus quer ser
louvado nos seus Santos e por eles. Tornamo-nos santos, amando a Deus e
glorificando-O cada vez mais. Toda a santidade procede d'Ele e da sua graça.
D'Ele será toda a honra.
§ 7. A simplicidade
repousarei (Sl 55, 7). A pomba voa e repousa. A pomba do dilúvio repousou
na arca. Onde repousará a nossa alma? Não encontrará repouso, a não ser
junto de Jesus e no seu Sagrado Coração. Unicamente aí encontrará a luz, a
paz, a confiança e a força.
O nosso repouso encontra-se em Jesus, junto do nosso Salvador, do nosso 167
Pai, Irmão, Amigo. Mas Jesus quereria encontrar também o seu repouso em
nós. E não o pode encontrar senão em corações amorosos, fiéis,
compassivos, dedicados.
Quais são os lugares de repouso para Jesus na terra? O seio de Maria, a
manjedoura, Nazaré, Betânia, o Calvário, a Eucaristia, os corações. É aí que é
preciso segui- l'O e repousar com Ele.
No seio de Maria, Jesus humilha-Se, aniquila-Se e pronuncia o seu ecce
venio (Heb 10, 7). Maria adora e agradece. Na manjedoura Jesus humilha-Se
e suporta a recusa de Belém. Demonstra o seu desprezo pelas riquezas e
comodidades da terra, Maria e José, com os pastores e os Magos, contemplam
as humilhações voluntárias de Jesus e oferecem-Lhe as suas adorações e o
seu amor.
Em Nazaré, Jesus vive no silêncio, na oração, no trabalho. Encontra
repouso ocupando-Se com o Pai celeste, com Maria e José.
Em Betânia Jesus consola e instrui os seus amigos. Estes partilham as
alegrias e os sofrimentos de Jesus; oferecem-Lhe as suas consolações e
rodeiam-n'O de atenções.
No Calvário, Jesus consuma o seu sacrifício. Repousa sobre a cruz. É um
leito de dor e de sangue, onde Jesus Se imola inteiramente, por amor ao Pai e
para nossa salvação.
E que faz Ele na Eucaristia? Aniquila-Se ainda, humilha-Se, esconde-Se
sob as mais humildes aparências, adora, reza, ama e dá graças. Este é o Seu
repouso.
Por fim, nos corações, espera as homenagens do nosso amor e oferece-nos
as suas graças. Expõe-Se generosamente à nossa ingratidão e ao nosso
esquecimento.
Tais são os diversos repousos de Jesus. Meditando-os continuamente e
unindo-se-lhes, a alma simples encontrará, como a pomba, um repouso
reparador.
Vamos incessantemente e com simplicidade ao Coração de Jesus, vivo em
todos os seus mistérios. Retiremo-nos para as fendas da rocha. Aí
encontraremos o nosso repouso, aí beberemos na fonte de todas as graças e
de todas as virtudes.
§ 8. A fidelidade
§ 9. A vigilância
Onde não há ordem não há virtude. Uma coisa realizada no devido tempo e
lugar é boa e meritória, mas se sai fora dos limites da ordem, é fruto dos
sentidos, da natureza corrompida, que procura as suas comodidades, a sua
satisfação e prefere a sua própria vontade à dos outros.
É a ordem estabelecido pelo Criador às leis da natureza que conserva o
universo. Não tem cada criatura, mesmo inanimada, o seu lugar e destino
determinados por Deus? E como esta ordem é regularmente observada! Com
que tranquilidade as estrelas seguem o seu percurso no firmamento! Não nos
dá a Lua regularmente a sua luz? E o Sol, atrasa-se acaso na sua função de
iluminar e aquecer a terra? Se ficasse ausente um só dia que confusão e que
desordem daí resultariam!
O que é que constitui o bem, a felicidade de um reino, de um estado, senão
também a ordem? O mesmo acontece numa paróquia, numa família: a
felicidade, a paz, a prosperidade dependem da ordem. Isto não é menos
verdadeiro para uma família espiritual. Não é a obediência ao chefe visível e,
através dele, ao chefe invisível da Igreja; não são a unidade e a ordem
mantidas através da obediência que imprimem à Igreja católica, apostólica,
romana, de maneira irrecusável, o selo da verdade, da infalibilidade, da
santidade e da divindade?
Do mesmo modo a ordem é indispensável a toda a casa espiritual, a toda a
obra, a todo o coração humano, a toda a alma que pretende alcançar a
finalidade da sua existência e cumprir os deveres do seu estado. Para chegar
a este ponto é indispensável uma grande fidelidade, mesmo nas coisas mais
pequenas e mais insignificantes, sobretudo quando constituem uma ordem
formal, uma manifestação da vontade dos superiores, do próprio Deus que fala
pela boca dos seus representantes. Coisa alguma, em tal caso, pode ser
considerada pequena. O que é que na realidade é pequeno ou grande aos
olhos dum Deus omnipotente, infinitamente sábio, bom, misericordioso e justo,
que não tem necessidade de nada e a quem nada falta? Todas as coisas em
si nada são diante d'Ele.
Todavia este Deus tão grande pede alguma coisa aos homens, suas
criaturas: pede-lhes o coração, o amor, a vontade, com os quais podem servi-
l'O, a fim de obterem a recompensa e a felicidade que quer oferecer-lhes.
Qualquer resistência voluntária a Deus retém a torrente de graça que
deveria, segundo a sua vontade e os seus decretos, derramar-se sobre toda a
criatura. Por tal motivo, não devem evitar-se somente as grandes infracções,
as culpas graves que acontecem raramente de improviso, mas às quais nos
expomos acumulando muitas pequenas culpas, que consideramos coisas de
nada e que cometemos sem qualquer receio, sem darmos atenção.
Uma grande pedra lançada numa nascente límpida que irriga uma pradaria é 172
facilmente notada, porque impede a água de correr, e então preocupamo-nos
imediatamente com remediar o mal. Se se trata apenas de uma pequena
pedra, ela impede pouco o curso da água. Todavia, se diariamente e a toda a
hora se vão juntando outras pequenas pedras e logo depois se agarram a um
pedaço de madeira, a uma raiz ou a um pouco de terra, bem cedo a água já
não poderá correr, e teremos dificuldade até em remover tal obstáculo, tão
96
infidelidades.
Encontramo-nos, então, frios e sem fervor na oração e na meditação; fracos
e relaxados em toda a boa acção que exija esforço e sacrifício. Admiramo-nos
e entristecemo-nos, por vezes, sem querermos reconhecer que a causa está
em nós. Daí provêm, então, a tibieza, na qual se cai, a distracção, a
dissipação, da qual já não conseguimos libertar-nos ao longo do dia. Mesmo
quando os sentidos externos são obrigados a conter-se nem por isso o
coração, o espírito e a imaginação estão mais recolhidos.
A morte subiu pelas nossas janelas, diz o profeta (Jer 9, 21). Sim, pelas
janelas escancaradas dos sentidos entra a morte na alma. A princípio
permitimo-nos talvez apenas uma palavra, um olhar, mas raramente nos
ficamos por aí, se não nos apressamos a reconhecer humildemente a nossa
falta, a confessá-la, a repará-la. Neste caso, então, o bem resultante é
superior ao mal. Se o mal é imediatamente descoberto, e se recorremos aos
meios para combatê-lo, o perigo é afastado.
Há também uma exactidão que não é pura, que não provém de uma boa 175
intenção e que não tem senão a aparência exterior da ordem e da fidelidade.
Se alguém, por exemplo, cede à tentação de ficar mais tempo na cama e de
satisfazer a sua sensualidade e, apesar disso, sabe arranjar maneira de chegar
pontualmente, com os outros, à oração comunitária, para não parecer irregular,
claro que obedece apenas exteriormente aos seus superiores e às Regras.
Não quer passar por humilhações nem perder a estima geral; quer passar por
virtuoso e mostrar-se recolhido, edificante, amigo da ordem; mas uma
semelhante regularidade não tem mérito nem duração. Não estando baseada
em motivos sobrenaturais, não pode proporcionar a paz e a alegria do coração
nem aumentar os méritos e a graça.
A esses dirá Nosso Senhor: lde embora, já recebesses a vossa recompensa.
Não vos conheço! (cf. Mt 6, 2; 25, 12).
Oh! como estas virtudes tão pequenas na aparência contribuem para o 176
aumento da caridade, do respeito, da estima, da confiança e da edificação; e
para a conservação da paz do coração e da paz para com o próximo!
É uma grande virtude comportar-se sempre de modo a não constituir um
peso para o próximo. Tem-se então oportunidade de praticar a caridade, a
humildade, a obediência. Deus permite que se cometa alguma omissão,
alguma falta de atenção, mas é preciso que não sejam a leviandade, a
preguiça, a inveja ou outro defeito a sua causa. A confiança e a estima
recíproca dependem muito de tudo isto.
A exactidão, a observância conscienciosa, mesmo das mais pequenas 177
regras, é que lhes confere pureza e eficácia. E também um apoio e um alívio
na responsabilidade tão pesada dos superiores. Quando os superiores,
solicitados pelo dever de orientar e de corrigir, prevêem que as suas
prescrições e exortações não serão observadas ou serão observadas
imperfeitamente, a sua situação torna-se penosa. Sentem o dever de manter a
ordem, e encontram pela frente a resistência dos seus religiosos.
Têm a temer, por um lado, o castigo e a justa indignação de Deus e, por
outro, o descontentamento, as murmurações, as queixas daqueles que lhes
98
estão confiados e dos quais deverão também um dia dar contas a Deus. De
tais religiosos não se podem esperar no futuro grandes sacrifícios e uma séria
ajuda nas obras, se não demonstram saber aplicar-se conscienciosamente às
pequenas coisas e aceitar os pequenos sacrifícios. Com efeito, só aquele que
é fiei e constante nas pequenas coisas saberá sê-lo também nas grandes.
Quem não aprendeu a submeter-se e a dominar-se nas coisas de menor
importância, como pode enganar-se a si e aos outros, julgando ser capaz de o
fazer nas grandes e difíceis?
Quantas vezes não se ouve dizer com mágoa que o fervor e a coragem dos 178
primeiros anos, dos anos de noviciado se desvaneceram; que a alegria e o
gosto pelas coisas espirituais e pelo serviço divino, as luzes, as graças e as
consolações se perderam!
No que respeita às consolações sensíveis é preciso saber que às crianças
mais crescidas se retiram as guloseimas, os alimentos delicados e ligeiros,
para dar-lhes alimentos mais fortificantes e nutritivos. No que respeita ao
fervor, à coragem, ao amor e ao cumprimento dos deveres do próprio estado,
se vêm a esmorecer, é porque muitas vezes se deixou de meter lenha no fogo
do fervor. Haverá então razão para admirar-se se brilha com menos
intensidade ou se chega mesmo a extinguir-se de todo? Só a lenha da
renúncia a si próprio, da mortificação, do sacrifício, a lenha da cruz podem
alimentar e manter o fogo do amor divino, a chama da graça para o exercício
das virtudes e para o cumprimento dos deveres.
Quando somos um pouco mais idosos, cremos estar autorizados a nos 179
permitirmos excepções e a nos afastarmos da exactidão nas pequenas coisas,
que deixamos para os principiantes e noviços. Esquecemos que a ninguém,
grande ou pequeno, mestre ou discípulo, superior ou inferior, é permitido furtar-
se às prescrições, aos usos, às regras do Instituto, sem nos privarmos das
graças que lhes estão inerentes. Esquecemo-nos de que todos devem praticar
a fidelidade, o zelo, o fervor, a observância conscienciosa das Regras, cada
qual segundo a sua situação, as suas faculdades, as suas graças e os talentos
que recebeu, e que frequentemente um só religioso é capaz de impedir as
graças do céu ou de afastá-las da casa e da comunidade.
A exactidão e a ordem favorecem não só o bem espiritual de cada um dos
membros da comunidade e da própria comunidade, mas também o bem
temporal e físico. E, ainda que este seja secundário, contribui todavia para o
bem geral e cresce também a sua influência sobre as forças e faculdades
espirituais.
Tanto para o bem material, como para o bem espiritual, é preciso observar a
regularidade, obedecer à chamada da campainha, à voz dos superiores, a
todas as prescrições das Regras. Quer se trate da oração ou do recreio, da
mesa ou da capela, do trabalho ou do descanso, Deus quer, Deus chama; e
isso deve bastar para levar a renunciar à própria vontade, ao capricho e às
inclinações pessoais e seguir a voz de Deus com alegria, fervor e amor.
99
O esposo diz à esposa no Cântico dos Cânticos: Feriste o meu coração com 183
um olhar, com um simples cabelo, minha irmã, minha amiga, minha esposa (cf.
Cant. 4, 9). O olho é um órgão importante, o cabelo não tem valor; mas o
esposo coloca-os no mesmo plano. Quer com isto dizer que uma obra
pequena ou grande, feita por seu amor fere-O no coração com o amor de
correspondência. De igual modo, as omissões, a negligência tanto nas
pequenas como nas grandes coisas, ofendem o esposo e ferem o seu coração
com a seta dolorosa da ingratidão, da infidelidade e do desamor.
Aquele que ama deveras não deixa passar uma única oportunidade de
mostrar o seu apego ao objecto do seu amor. E quanto mais frequentes forem
tais ocasiões, mais feliz se sentirá. Onde estiver o vosso tesouro aí estará
também o vosso coração (cf. Mt 6, 21), a vossa atenção, a vossa inclinação, o
vosso amor.
E aquilo que se faz com amor e por amor faz-se sempre bem e tem grande
valor, ainda que seja insignificante.
Ao coração que ama de verdade não lhe basta aproveitar com alegria todas
as ocasiões que se lhe deparam para agradar ao objecto do seu amor e ser-lhe
útil, mas mostra-se também engenhoso no modo como sabe procurar tais
ocasiões. E por mais pequena que seja a ocasião, ela serve-lhe sempre para
demonstrar quanto, com que atenção e com que ternura o ama.
Com efeito, sentimo-nos mais comovidos e compensados pela
correspondência de amor, por muitas provas de dedicação, pequenas mas
contínuas, dadas a cada instante e em toda a parte, do que por grandes
manifestações que se repetem apenas de longe a longe. Quem dá sempre e
em todo o tempo demonstra mais abundantemente a sua benevolência e a sua
bondade, do que aquele que dá de tempos a tempos uma soma importante.
Cabe sobretudo aos superiores e aos mais idosos o dever de dar o exemplo 184
da regularidade e da pontualidade. Quanto mais uma pessoa for elevada em
dignidade ou amadurecido pela idade, mais atrai os olhares e a atenção dos
demais. Se bem que não seja da competência dos subordinados julgar ou
discutir a ordem recebida, não há dúvida de que, se o exemplo estiver unido à
ordem que se dá, os frutos serão maiores.
É precisamente a esta falta de edificação que se devem atribuir as faltas de
respeito e de obediência dos inferiores. Claro que há casos frequentes em que
os Superiores e outros religiosos, por motivos dos seus cargos, da idade ou
das circunstâncias, não podem ser os primeiros na pontualidade, como tanto
desejariam; mas em tais casos todos o sabem. O que não se deve é cair na
negligência habitual.
Há muitos casos em que os Superiores, apesar dos seus esforços, de todo 185
o zelo e canseiras que têm, são criticados, pouco estimados e tratados sem o
devido respeito, e isso muitas vezes precisamente devido ao seu zelo em
manterem a disciplina e a ordem, porque o seu exemplo constitui uma
repreensão, uma tácita lição contra a tibieza e leviandade no serviço de Deus.
101
Todavia, nem por isso devem calar-se ou deixar de cumprir o seu dever. Terão
de suportar os seus sofrimentos em espírito de reparação e de expiação, e
entregar-se a Deus que perscruta o coração e os rins (cf. SI 7, 10) e que
ajudará no momento oportuno.
Tal como se deve aceitar e escutar com respeito toda a palavra saída da
boca dos Superiores, também estes devem ter o cuidado e preocupação de
serem sempre considerados como pessoas que falam em nome de Deus e
estimados como tais. Não façam promessas, por mais pequenas que sejam,
se não têm intenção de as manter, caso contrário os religiosos perderão a
estima e a confiança necessárias para serem verdadeiramente obedientes.
Acontece, por vezes, que, mudando as circunstâncias, se deve mudar aquilo
que se prometeu. Em tal caso, os religiosos farão exercício de renúncia e de
abnegação.
§ 14. A perseverança
Àqueles a quem Nosso Senhor dá muito, também, pede muito. Uma 186
vocação privilegiada exige naturalmente uma grande fidelidade.
A indiferença e a ingratidão das almas privilegiadas ofendem mais ao
Senhor do que os pecados das almas vulgares. Nosso Senhor é paciente e
misericordioso. Suporta por algum tempo as almas infiéis à sua vocação, as
almas que abusam das graças, mas depois acaba por rejeitá-las.
Uma alma caminha para a perdição, quando falta à união e franqueza para
com os seus superiores. Em geral, o pior sinal de uma consciência que está a
corromper-se é precisamente a falta de abertura para com aqueles que nela
deveriam poder ler como num livro aberto. Isto é particularmente verdadeiro
nesta nossa obra, em que a união e a confiança são muito especialmente
exigidas pelo autêntico espírito do Sagrado Coração de Jesus.
A dissimulação, a tibieza, a desobediência põem em perigo a vocação.
Numa obra totalmente dedicada ao Coração de Jesus e à reparação, as almas
que vivem no pecado ou mesmo numa vida meramente natural e tíbia não têm
lugar. Ainda que os Superiores as suportem, Nosso Senhor permitirá
circunstâncias que as levarão a desistir ou que exigirão o seu afastamento.
Nosso Senhor quer purificar a sua eira e eliminar a cizânia.
Para pertencer a Jesus Cristo, não basta morrer para a vida dos sentidos 187
pela prática de uma generosa e contínua mortificação; é preciso também
morrer para si mesmo pela abnegação interior. É esta a maior e a mais
comum ocupação da vida religiosa: Se alguém quiser vir após Mim - diz Jesus
Cristo - renegue-se a si mesmo (Mt 16, 24).
A mortificação propriamente dita exerce-se mais precisamente sobre o
corpo; a abnegação sobre o espírito, a vontade e o coração.
O desapego e a renúncia são condições indispensáveis para a união com
Nosso Senhor. Se o coração é dominado por algum apego a si próprio ou às
102
criaturas, Nosso Senhor não encontra nele lugar. Estes apegos são inúmeros:
é a estima de nós próprios, é a nossa própria vontade, são as nossas
comodidades, é a sensualidade, são as amizades naturais, é a família.
O primeiro e melhor remédio é procurar apegar-se a Nosso Senhor, tendo
sempre em consideração a sua amabilidade e bondade. O desprendimento de
nós e das coisas é então uma consequência espontânea.
Basta sondarmos o nosso coração, para nos convencermos de que há dois
princípios diferentes que actuam em nós: a graça e a natureza.
As inspirações da graça vêm de Deus, as da natureza procedem do nosso
íntimo viciado e corrompido. Temos que combater a natureza com as suas
inclinações perversas, a fim de fazermos triunfar em nós a graça. Temos que
despojar-nos do homem velho e revestirmos do novo, de modo a podermos
dizer como S. Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gal 2,
20).
Mas em quê e de que maneira o religioso do Coração de Jesus praticará 188
esta renúncia, esta morte para si mesmo? Se ama sinceramente a Nosso
Senhor, o Espírito Santo sugerir-lho-á, a graça far-lho-á sentir com seus toques
secretos.
1º Morrer para o próprio espírito: pensamentos, pontos de vista, mudanças
de opinião, reflexões inúteis.
2º Morrer para o próprio coração: desejos, afectos, apegos demasiado
naturais.
3º Morrer para a própria vontade: vivacidade, indocilidade, resistências,
repugnâncias, gostos, descontentamentos, delicadezas espirituais, satisfações,
procura de si próprio.
4º Morrer também, na medida do possível, para as consolações da virtude,
para a felicidade que se sente no serviço de Deus, e que é o último objecto de
que nos desprendemos.
Ao religioso o desprendimento é facilitado pela Regra e pela vida
comunitária. Todavia, a natureza procura sempre retomar o seu domínio.
Importa sobretudo que o religioso evite as relações demasiado naturais com a
família. Reze, sim, pelos pais, mas não procure férias, visitas ou estadias
prolongadas junto da família, a não ser por extrema necessidade. Nosso
Senhor como que tem ciúmes dos nossos corações, do nosso tempo, da nossa
solicitude.
É para esta perfeição de renúncia que devem tender os nossos sacerdotes,
para serem dignas vítimas do Sagrado Coração de Jesus. Porventura não
renunciou livremente este Coração adorável, aqui na terra, às supremas
consolações que Lhe advinham por direito da sua união hipostática com a
divindade? Eis o triunfo do puro amor.
§ 16. O recolhimento
§ 18. A mortificação
Per crucem redemisti mundum: pela cruz redimiste o mundo. A cruz é o 192
instrumento da salvação. Foi o meio de reparação escolhido por Jesus.
Mediante os sofrimentos da sua infância, Jesus foi, por assim dizer, instruído à
sombra da cruz.
Quais são os materiais do edifício da reparação? A cruz, os cravos, a lança,
os espinhos, os flagelos, tudo cimentado pelo Sangue de Jesus, pelas suas
lágrimas, pelos escarros dos algozes.
Para a Obra e para cada um de nós, a cruz, a mortificação, o sacrifício são
imprescindíveis. Neles se encontram a vida e a fonte de toda a graça e
progresso.
A cruz é um dom de Jesus. Se não houvesse habitualmente na Obra
alguma alma sofredora e crucificada, como seria ela purificada, como poderia
progredir?
S. Paulo dizia: Sofro com Jesus pela sua Igreja (cf. Col 1, 24).
Carreguemos generosamente a cruz da paciência, do abandono, da
mortificação em prol da Obra do Coração de Jesus.
Mas não só o abandono; também faz falta a mortificação voluntária. O
nosso Corpo é, por natureza, desregrado e tende obstinadamente para a
satisfação dos seus cegos instintos, procura o bem sensível, o seu bem. É um
animal que se domina só com pancadas: Castigo corpus meum: Trato
duramente o meu corpo (1 Cor 9, 27). É preciso mantê-lo à força sob o
domínio do dever, da vontade e da graça de Deus: Et in servitutem redigo: e
mantenho-o em servidão (lbid.).
Os Sacerdotes do Coração de Jesus devem ser animados pelo espírito de
mortificação. Não têm muitas penitências impostas pela Regra, mas
acrescentam-lhes, sob a direcção da obediência, as que sejam proveitosas
para o seu progresso espiritual. Observam fielmente as Constituições, o
"Directório" e as regras de modéstia, em espírito de mortificação e sempre
segundo o espírito de amor, de reparação e de imolação.
§ 19. O abandono
e a conformidade com a vontade de Deus
Existe uma arte para ser vítima do divino Coração. É esta arte que devemos 193
aprender e nela progredir sem cessar. O seu segredo é a conformidade com a
vontade de Deus, o abandono e a resignação com esta. santa vontade.
Para ser vítima não se requer nem saúde nem força; o que importa é a
renúncia, o abandono, a aceitação da vontade divina, quer proporcione alegria,
105
Alegrai-vos no Senhor (Fil 4, 4). Estas palavras podem aplicar-se a nós 195
mesmos nos tempos de provação. As provações e os sofrimentos não são
acaso motivo de santa alegria? São como passos que nos conduzem à meta.
Aproximam-nos cada vez mais do Coração do nosso Deus e tornam-nos mais
semelhantes a Ele. São inevitáveis, indispensáveis: é preciso que aconteçam.
Não deveríamos nós regozijar-nos ao ver chegar o momento que nos traz
tantas graças e favores?
S. Paulo diz: Que a vossa mansidão seja notória a todos os homens (Fil 4,
5). Mas, para nós, é preciso acrescentar: a vossa paciência, a vossa
generosidade, o vosso amor ao sofrimento e ao sacrifício, todas as virtudes
que deveriam caracterizar as vítimas do Coração de Jesus. Perseveremos na
oração, no louvor, na acção de graças, na paz de Deus, essa paz que
ultrapassa todo o sentimento e que é um fruto da abnegação e do sacrifício,
paz que o mundo não conhece, porque não ama a cruz.
A cruz é boa para nós, porque nos prepara o céu, cêntuplo de alegria na
terra e a realização dos nossos melhores desejos.
A cruz é boa para os nossos irmãos. É pela cruz que melhor podemos
cooperar na obra da redenção.
106
A Eucaristia diz-nos todo o amor de Nosso Senhor para conosco. Jesus 198
encontra-se presente como vítima, como amigo, como benfeitor, como
consolador. Está também como nosso Rei e convida-nos a irmos até Ele:
venite ad me omnes: Vinde a Mim, todos vós (Mt 11, 28).
Deseja entregar-Se a nós: Desejei ardentemente comer esta Páscoa
convosco (Lc 22, 15). Na Eucaristia, Jesus está presente com todas as graças
e pede que Lhe permitamos reparti-Ias. Está no seu trono de misericórdia,
espera as nossas homenagens, mas também as nossas orações e súplicas.
A Eucaristia é o mistério do amor.
Se David amava tanto os altares da Antiga Lei, nos quais se imolavam só
107
vítimas carnais, como não devemos nós amar os altares eucarísticos! Passer
invenit sibi domum, altaria tua, Domine virtutum: Até os pássaros encontram
morada... junto dos vossos altares, Senhor dos exércitos (SI 84, 4).
Vamos à Eucaristia com fé, confiança, abandono, amor. Jesus no
tabernáculo é o nosso Deus: adoremo- l'O. É o nosso Pai, nosso amigo:
amemo- l'O, visitemo- l'O, consultemo- l'O. Vamos a Ele nas nossas dúvidas,
nos nossos temores, nas nossas necessidades. Abandonemo-nos à sua
Providência paternal. Nada nos faltará, se n'Ele depositamos a nossa
confiança.
§ 23. O Zelo
Devemos amar a Igreja e ser-lhe submissos, como filhos. Ela é tão amada 200
pelo Coração de Jesus! Ela é a sua esposa! A sua união é celebrada no
Cântico dos Cânticos. S. João exalta a Igreja no Apocalipse. Foi por ela que o
Senhor deu a vida. Para ela instituiu a Eucaristia.
Jesus vive na Igreja. Deixou-lhe toda a sua autoridade e todas as suas
graças.
Amemo-la em si mesma, no seu chefe visível, nos seus ministros, nos seus
ensinamentos, na sua liturgia, nas suas leis. Veneremo-la como nossa mãe.
108
REGRAS COMUNS
1. As Regras comuns indicam a aplicação das Constituições, nos casos 201
concretos das acções de cada dia.
Tal como as Constituições, as Regras não impõem, por si mesmas, qualquer
obrigação sob pena de pecado. Dizemos por si mesmas, visto que a sua
transgressão raramente é isenta de pecado, quer no que respeita à matéria,
como quando se trata dos votos, quer no que respeita ao motivo da
transgressão, como, por exemplo, o orgulho, a vaidade, a preguiça, o respeito
humano, quer ainda no que respeita às consequências, como o mau exemplo.
3. HORÁRIO QUOTIDIANO
Utilizem todos, com o maior cuidado, diante de Deus, o tempo que lhes é 204
destinado para fazer o exame de consciência duas vezes ao dia, para a
oração, a meditação e a leitura espiritual.
5. SANTA MISSA
Os nossos religiosos terão como acto principal do dia o Santo Sacrifício da 205
Missa. Os Sacerdotes preparar-se-ão cuidadosamente e, na celebração,
empregarão cerca de meia. hora. É sobretudo na Missa que podem e devem
entrar no espírito de sacrifício e de reparação que é próprio da sua vocação.
6. OFÍCIO DIVINO
Recordem sempre que, depois da Santa Missa, nada têm de mais sagrado 206
do que o Ofício divino. No Noviciado e nas casas onde tal seja possível, recitá-
lo-ão comunitariamente no coro, todo ou em parte.
Recitando-o individualmente, façam-no, tanto quanto possível, perante o SS.
Sacramento, dedicando-lhe todo o tempo necessário, com toda a atenção e
fervor exigidos por este grande acto de oração pública.
7. ADORAÇÃO
Durante o dia, cada qual faça uma meia hora de adoração do Sagrado 207
Coração de Jesus no SS. Sacramento do altar, além da bênção e de outros
eventuais exercícios de piedade.
8. HORA SANTA
9. RETIRO MENSAL
11. SILÊNCIO
Fora dos tempos fixados para o recreio, todos farão o possível por observar 211
o silêncio em todos os ambientes, mas sobretudo na capela, na sacristia, no
refeitório, no dormitório, nos corredores.
Observarão esta regra ainda mais fielmente durante o grande silêncio, isto é,
desde as orações da noite até depois da meditação da manhã.
Nos casos em que haja necessidade fale-se em voz baixa e com poucas
palavras.
12. CONVERSAS
Todos, mesmo durante os recreios, falem com tom de voz moderado como 212
convém a religiosos. Evitem as discussões. Se alguém é de parecer diferente
dos outros e julga dever manifestá-lo, exponha as suas razões com modéstia e
caridade, no único intuito de tornar conhecida a verdade e não para prevalecer
sobre os demais.
A caridade seja absolutamente observada nas palavras. De modo particular,
nunca se censurem os sacerdotes seculares e as outras Congregações.
Evitem, como causa de ruína, toda e qualquer palavra de crítica contra os
nossos.
13. CONFISSÃO
14. HOSPITALIDADE
15. Com as pessoas de fora não se fale daquilo que se faz ou deve fazer em 215
casa, a não ser que se saiba que os superiores o aprovam.
Sem o conhecimento dos superiores não se tragam cartas nem recados de
fora para alguém de casa, nem vice-versa.
Procurem-se aproveitar as relações com as pessoas de fora para as edificar
em Nosso Senhor e levá-las à piedade e às boas obras.
111
16. LIMPEZA
Todos tenham cuidado com a limpeza tanto das suas pessoas como dos 216
seus quartos. Faça cada um a sua cama e arrume o resto no tempo
estabelecido. Varram os seus quartos, excepto aqueles que o Superior julgar
oportuno dispensar, por motivo das suas enfermidades, ou das suas
ocupações mais importantes.
17. POBREZA
18. QUARTO
A pobreza deve reinar também nos quartos, cujo mobiliário será simples. A 218
cama terá um único colchão de zostera.
Conservarão no quarto apenas os livros necessários para o uso diário.
19. DINHEIRO
Os religiosos não devem ter dinheiro em seu poder, a não ser que a tal 219
sejam obrigados em razão do seu ofício.
21. Que todos observem uma grande modéstia, mesmo nos seus quartos. 221
Esforcem-se por fazer reviver na sua pessoa o belo modelo que é proposto nas
regras de modéstia de S. lnácio anexas a esta Regra.
22. MORTIFICAÇÃO
Ninguém coma nem beba fora das refeições. Quanto aos jejuns e
abstinências, além de observar tudo o que é prescrito pela Santa Igreja, o
Instituto segue ainda as suas regras especiais.
Quem adoecer deve avisar o enfermeiro e o Superior, os quais, por sua vez,
112
têm o dever de procurar-lhe os cuidados necessários. Mas não deve, por sua
iniciativa, dirigir-se a um médico nem procurar medicamentos.
23. OBEDIÊNCIA
24. Ninguém se informe com curiosidade acerca daquilo que os Superiores 224
deverão fazer na administração; mas cada um, ocupando-se de si mesmo e do
seu cargo, espere das mãos de Deus tudo o que for estabelecido a seu
respeito pelos Superiores.
Cada qual terá o cuidado de dar aos Superiores, em todas as circunstâncias, 225
provas sinceras do seu respeito e da sua dependência, cumprimentando-os
quando os encontra, falando-lhes com grande respeito, escutando-os com
humildade e sem interrompê-los, sobretudo quando for repreendido.
Um religioso não deve entrar no quarto de outro sem uma autorização geral 226
ou particular do Superior; a porta ficará entre-aberta enquanto estiverem
juntos.
Todos atribuam grande importância às tarefas e ofícios que lhes são 227
confiados e desempenhem-nos com constante fidelidade. Habituem-se a
considerar os deveres inerentes às suas funções como uma dívida sagrada e o
zelo em cumprí-los como o mais seguro penhor da sua dedicação ao Instituto.
Apressar-se-ão em instruir-se em tudo quanto se refere ao seu ofício e à
maneira de o desempenhar com perfeição. Terão o cuidado de estar sempre
em dia com as contas, apontamentos ou correspondência, a fim de poderem,
em qualquer altura, transmitir o seu cargo, sem provocar embaraços.
29. Nas relações com as pessoas do mundo, procure-se tratar, com 229
modéstia, doçura e afabilidade, dos assuntos que determinaram a visita.
Não se pode sair de casa sem autorização.
31. TENTAÇÕES
Se alguém souber que outro passa por qualquer tentação perigosa, deve 231
prevenir o Superior, a fim de que este possa procurar o remédio conveniente.
Mas é proibido comunicar a outros os defeitos ou as imperfeições de que se
tenha sido testemunha.
32. RECREIOS
Cada religioso tenha em seu poder estas Regras bem como as do seu ofício 233
e familiarize-se com elas recordando-as, lendo-as ou ouvindo-as ler todos os
meses.
Não se volte a cabeça com leviandade para todos os lados, mas faça-se-o
com gravidade, quando for necessário. Não sendo necessário, mantenha-se a
direita e um pouco inclinada para a frente, sem incliná-la nem para um lado
nem para outro.
Mantenham-se os olhos ordinariamente baixos, evitando levantá-los
demasiado ou voltá-los para aqui e para ali.
A serenidade exterior do rosto seja um sinal da serenidade interior.
Todo o rosto exprima antes alegria do que tristeza ou qualquer outro
sentimento menos ordenado.
As roupas tragam-se limpas, como convém a religiosos.
As mãos estejam decentemente paradas, a menos que sirvam para segurar
o hábito talar.
Caminhe-se pausadamente, com passo regular e evite-se a precipitação, a
não ser que se verifique uma necessidade urgente. Neste caso, porém, tenha-
se em conta, na medida do possível, a conveniência religiosa.
Enfim, todos os gestos e movimentos sejam bastante ordenados, a fim de a
todos poderem edificar.
Se muitos se encontrarem juntos, caminhem dois a dois ou três a três,
segundo a ordem estabelecido pelo Superior.
Sendo necessário falar, lembrem-se da modéstia e da edificação que devem
dar, quer no que respeita ao assunto das conversas, quer no que respeita ao
modo de exprimir-se e ao tom da voz.
115
APÊNDICES
Avisos e conselhos
do Pe. Dehon
aos seus religiosos
I. A caridade, a cortesia, o bom espírito
1. Pouco tempo antes de morrer, Nosso Senhor quis recomendar com 235
renovada insistência a caridade recíproca aos seus discípulos: Filhinhos, ainda
estou um pouco convosco... Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis
uns aos outros, assim como Eu vos amei, vós também vos deveis amar uns
aos outros (Jo 13, 33-35).
Palavras solenes e eficazes, que impregnaram toda a Igreja do espírito de
caridade.
Os Apóstolos estão possuídos deste espírito. S. João exorta-nos à caridade
do modo mais impressionante e comovedor: Caríssimos, amemo-nos uns aos
outros, porque o amor vem de Deus... Nisto consiste o amor: não fomos nós
que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho como
vítima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou,
também nós devemos amar-nos uns aos outros... Se nos amarmos uns aos
outros, Deus está em nós... Nisto conhecemos que estamos n'Ele e Ele em
nós, porquanto nos deu o seu Espírito (1 Jo 4, 7-13).
S. Pedro dá os mesmos conselhos: mas acima de tudo - diz ele - "ante
omnia" mantende entre vos uma mútua e constante caridade, não só de
passagem, mas sempre: charitatem continuam habentes (1 Ped 4,8).
S. Paulo nunca se cansa de falar do mesmo assunto.
Aos Coríntios escreve: O caminho mais perfeito é o da caridade:
excellentiorem viam (1 Cor 12, 31): a caridade é paciente, afável, benigna (cf. 1
Cor 13, 4). Aos Efésios: Recomendo-vos... que andeis de uma maneira digna
do chamamento que recebestes, com toda a humildade e mansidão, com
paciência, suportando-vos uns aos outros com caridade; solícitos em conservar
a unidade de espírito mediante o vínculo da paz (4, 1-3).
Aos Filipenses: Tomai completa a minha alegria com a união dos vossos
espíritos, com a mesma caridade, com uma só alma e um mesmo sentir (2,2).
Aos Colossenses: Não há mais grego nem judeu... mas Cristo que é tudo
em todos. Revestí-vos, portanto... de sentimentos de misericórdia, de
benignidade, de humildade, de mansidão, de paciência... Mas, acima de tudo,
revesti-vos da caridade que é o vínculo da perfeição (3, 11-12.14).
Tudo o que se encontra no Antigo Testamento - ensina S. Paulo - foi escrito 236
para nossa instrução (cf. 2Tim 3, 16). E que lições tão sábias lá encontramos
sobre a caridade fraterna!
No princípio, há Caim e Abel. Escolhei! Aquele que falta à caridade é
tremendamente amaldiçoado. José é objecto de inveja, criticado e vendido
116
pelos irmãos. Há dois que lhe são um pouco favoráveis: Rúben e Judá.
Rúben, contudo, perderá o direito de primogénito devido a outra falta. Não
soube guardar respeito ao pai. Judá tornar-se-á o chefe da tribo real que nos
virá a dar o Messias.
Sede caridosos entre vós e sereis abençoados!
Da minha parte, posso dizer como Nosso Senhor: o meu tempo está
contado: adhuc modicum vobiscum sum: Ainda estou por pouco tempo
convosco (Jo 7,33). Como Ele, recomendo-vos a caridade, a doçura, a
paciência.
2. Da cortesia cristã fazem parte o respeito e a caridade para com os outros. 237
Exclui toda e qualquer familiaridade vulgar. Devemos considerar todos os
nossos irmãos como se fossem nossos superiores - diz S. Paulo aos Filipenses
(2, 3). É indispensável, portanto, proceder para com eles com toda a
humildade, sem contendas nem pretensões, superiores sibi invicem
arbitrantes: considerando os outros superiores a vós mesmos (Fil 2, 3). Se
devemos considerar os nossos confrades como superiores, é evidente que as
nossas conversas com eles não podem descer à trivialidade das discussões de
colégio ou de caserna. Note-se que em França o tratamento por tu é
intolerável.
S. Pedro dá-nos as regras positivas: Se alguém fala, fale palavras de Deus:
Si quis loquitur, quasi sermones Dei (1 Ped 4, 1 1).
S. Paulo, por sua vez, dá-nos as regras negativas ou proibitivas. Aos
Efésios escreve: A imoralidade e qualquer impureza ou ganância, nem sequer
sejam mencionadas entre vós... ; nem ainda palavras torpes, nem loucas, nem
chocarrices: stultiloquium aut scurrilitas (5, 3-4).
Aos Gálatas: Toda a lei se encerra num só preceito: ‘Amarás ao teu próximo
como a ti mesmo'. Mas, se mutuamente vos mordeis e devorais, vede que não
acabeis por vos destruirdes uns aos outros! Quod si invicem morde et
comeditis, videte ne ab invicem consummamini (5, 14-15).
Que mau hábito têm certos membros das comunidades, procurando sempre
mostrar-se espirituosos à custa dos outros! Frequentemente há um membro
da comunidade que é o objecto comum das brincadeiras e dos gracejos. É
uma verdadeira barbaridade!
3. O bom espírito compreende o respeito para com os que nos são iguais, 238
mas sobretudo para com os Superiores.
Vós formais um único corpo moral - diz S. Paulo aos Efésios: Sois
chamados a viver juntos na caridade, tanto aqui na terra, como no céu (cf. Ef
4, 11-16).
Que horrível figura fazem, na História Sagrada, aqueles que troçam dos
superiores ou que murmuram contra eles! Cam troçou de seu pai: foi
amaldiçoado. Os Israelitas murmuraram contra Moisés: não entraram na Terra
Prometida.
Coré, Dathan e Abiram, sacerdotes, murmuraram contra Aarão: a terra
engoliu-os.
Este pecado atinge directamente Nosso Senhor, porque é como se Lhe
117
2. Nas nossas casas. - A casa de Nazaré não era rica, mas nela havia com 243
certeza o mais delicado asseio. Todas as regras religiosas recordam o dever
dos superiores e dos ecónomos de velar pelo asseio. Mas o seu zelo não é
suficiente. Todos os membros da comunidade devem ter esse cuidado. É
119
preciso que, desde a soleira da porta até aos recantos mais escusos da casa,
tudo esteja limpo e asseado. É preciso que cada coisa esteja no seu lugar.
Os ambientes destinados aos exercícios comuns devem ser mantidos com
grande asseio, assim como os quartos e as celas.
Há regras de higiene a observar. Todos os ambientes da casa precisam de
estar bem arejados.
As nossas casas foram benzidas. Deixam-se, acaso, objectos benzidos na
sujidade? Elas são morada dos Anjos: poderão estes encontrar nelas apenas
pó e negligência?
O próprio Nosso Senhor habita nelas com seu Espírito, com a sua acção
divina, com o trabalho da sua graça. Preparemos-Lhe uma "Nazaré" agradável
e bem cuidada.
É preciso que, em cada casa, tudo se organize para manter o asseio das
salas comuns e também o das celas.
S. Agostinho, após a morte da mãe, toma um banho para acalmar a sua dor
(cf. Confiss., I. IX, c. XII, nº. 32).
3. A direcção espiritual - Ah! como somos faltosos neste ponto! A direcção 250
espiritual fazemo-la bem feita no noviciado. No escolasticado ainda a vamos
fazendo. Mas depois muitos a descuram. É um erro grosseiro, um autêntico
contra-senso.
Todos têm necessidade de um conselheiro, de um director. Não nos adverte
o próprio Senhor que não nos apoiemos na nossa prudência, mas que
tenhamos uma pessoa sábia com quem nos aconselhemos em todos os
assuntos importantes? (cf. Prov. cap. III e IV).
Todos os Santos, por mais iluminados que fossem nos caminhos de Deus,
julgaram necessário serem ajudados por um director espiritual. Se todos os
Santos assim procederam, se os mais eminentes Padres da Igreja afirmaram a
sua necessidade, teremos nós a insensatez de lhe ignorar a importância?
"Escolhei - diz S. Basílio - um conselheiro que vos oriente em todos os
vossos caminhos" (Ser. de abb. rerum, cf. PG 32, 1363-1366).
Por mais sábios que sejais ensina S. João Crisóstomo - necessitais de um
conselheiro, de um director: só Deus não precisa de conselhos (Hom. De
ferendis reprehens. et de mutat. nominum, III, PG 51,133).
"Aquele que a si mesmo se toma por guia - diz S. Bernardo - faz-se discípulo
dum insensato" (Ep. 87 ad Ogerium, PL 182, 215).
Seremos acaso mais sábios que os doutores e os santos?
Relede aquilo que no nosso Directório Espiritual se diz acerca da Direcção
Espiritual. Não vos admireis com a abundância de pormenores que vos dá.
Isso não quer dizer que a direcção deva ter sempre a mesma amplitude.
Ordinariamente é mais sintética, mais simples. Sobre isso, entender-vos-eis
com o vosso director. Mas não demoreis mais de uma semana a colocar-vos
nas suas mãos: Vade ad Ananiam!: Vai ter com Ananias (cf. Act 9, 10-18; 22,
12-16).
O director pode ser o próprio confessor. Mas também pode ser outra
pessoa. Pode pertencer à nossa Congregação ou a outro Instituto Religioso.
123
2. Que é uma vítima? - Em sentido geral, é uma criatura viva oferecida a 252
Deus em sacrifício, com os seguintes fins: adorar, agradecer, implorar, expiar.
Há uma única Vítima que em Si mesma é digna de Deus Jesus Cristo. Mas
Ele digna-Se associar-nos às suas reparações: quere-o; faz disso uma
condição de salvação.
Uma vítima do Coração de Jesus é uma pessoa unida ao sacrifício de Nosso
Senhor, para os fins ordinários (do sacrifício) e especialmente para contribuir
para a expiação dos pecados do povo e para ajudar a compensar, com um
amor ardente, a indiferença e a ingratidão dos homens. Que bela vocação!
Para expiar o pecado é preciso carregar com a cruz; é preciso aceitar o
fardo quotidiano que nos é imposto pela Providência, pelas circunstâncias da
vida, pelas Regras e pelos deveres de estado.
Para compensar a ingratidão dos homens é indispensável amar ternamente
124
V. Tornar-se santo
1. "Eu não tenho a pretensão de tornar-me santo!", dizem alguns religiosos. 256
Funesta resolução! Expressão de uma falsa humildade, atrás da qual se
esconde a preguiça e a tibieza.
É forçoso que nos façamos santos. É o nosso dever. Deus quere-o.
126
2. Mas que devemos fazer para sermos santos? Será muito difícil? Não. 257
Basta-nos servir a Deus com ardor, conforme a nossa vocação.
Todos, religiosos, sacerdotes ou fiéis, devem ter um regulamento de vida.
Observai-o com fervor e sereis santos.
Para um religioso, é ainda mais fácil. Tem as Regras e o Directório. Todo o
operário trabalha de acordo com um projecto ou modelo. Um religioso tem o
seu projecto, que é a santidade de Nosso Senhor adaptada a ele pelo seu
Directório.
As ocupações de cada dia estão todas estabelecidas, desde o levantar até
ao deitar: Orações, exercícios diversos, trabalhos, refeições, recreios. Tudo se
deve fazer na sua hora, no seu minuto, conforme as disposições do Directório.
Mas há uma condição que tudo domina e que é o cerne da santidade: A união
127
com Jesus.
É preciso fazer tudo nesta união: união de presença, união de vontade,
união de coração. É preciso fazer tudo na presença do Senhor, de acordo com
a sua vontade, que é a nossa regra, e em união com o seu divino Coração que
nos pede que vivamos em espírito de amor e de reparação.
É a esta união que S. Paulo chama caridade e que ele considera o vínculo
da perfeição (Col 3, 14).
Ser santo é, por conseguinte, viver pacífica e corajosamente sob o olhar de
Deus, observando bem todos os nossos regulamentos, oferecendo cada uma
das nossas acções em espírito de amor e de reparação.
Oh! como é preciso, para o conseguir, que se evite a agitação! É preciso 258
saber controlar o nosso modo de viver e manter um profundo recolhimento.
O começo e o fim de cada actividade têm, por isso, uma importância capital.
Por isso mesmo os usos cristãos nos aconselham, para tais momentos, uma
breve oração, e é indispensável que essa oração seja acompanhada por uns
momentos de calma e de reflexão: há uma acção para oferecer a Deus
segundo a nossa vocação ou, então, uma acção que termina com um rápido
exame acompanhado de sentimentos de acção de graças ou, se for caso
disso, de um acto de reparação.
A intensidade da união trar-nos-á a recordação mais frequente de Nosso
Senhor e o uso crescente de actos de amor e de orações jaculatórias.
É no nosso coração que esta união deve dar-se. Nosso Senhor habita nele
pela sua graça, e nele quer encontrar o seu repouso a sua alegria, a sua
satisfação.
Segundo os conselhos do nosso Directório, faremos do nosso coração uma
Nazaré, de manhã; um Calvário à tarde; um Cenáculo, à noite. Trabalhamos
com o Menino Jesus, de manhã, tal como faziam Maria e José em Nazaré. De
tarde conservamo-nos no Calvário, com Maria, com S. João, com a Madalena.
Aí compreenderemos o preço da cruz, o valor da mortificação e das provações.
À noite, com S. João, repousaremos sobre o Coração de Jesus, no Cenáculo,
e rezaremos com Jesus no Getsémani.
Jesus comprazia-se no coração de S. Gertrudes, porque nele encontrava os
mesmos sentimentos de amor, de fidelidade, de compaixão, de dedicação que
tinha encontrado nos seus amigos de Belém e de Nazaré, de Betânia e do
Cenáculo, do Getsémani e do Calvário.
Se quisermos, Jesus encontrará complacência também no nosso coração.
É preciso que nos façamos santos.
Já estamos atrasados. Mãos à obra! Vamos restabelecer a união com
Nosso Senhor e viver unicamente com Ele e para Ele.
Purifiquemos, pelo sacramento da Penitência e por meio de generosas
resoluções, o nosso coração. Queremos oferecê-lo sem reservas a Nosso
Senhor. Tendamos, pois, para a união com Deus, com a lembrança da sua
presença, com o cumprimento da sua vontade e com a oferta de todas as
nossas acções ao Sagrado Coração de Jesus em espírito de amor e de
reparação.
128
1. Aprendei de Mim, que Eu sou manso e humilde de coração (Mt 11, 29). 259
Com estas poucas palavras, Jesus dava-nos por modelo o seu maravilhoso
carácter, todo resplandecente de doçura, de humildade, de paciência, de
caridade.
S. Paulo desenvolvia este conselho, ao escrever a Timóteo: Tu, ó homem de
Deus, foge de todas estas coisas (as invejas, as discórdias, as maledicências,
as suspeitas injustas... o apego ao dinheiro); segue a piedade, a justiça, a fé, a
caridade, a paciência e a mansidão (1 Tim 6,11).
Em Jesus não havia lugar para defeitos de carácter. Os Santos, por sua
vez, não estão isentos deles, mas corrigem-nos à medida que avançam na
santidade.
Os religiosos deveriam corrigir os seus defeitos de carácter no noviciado.
Mas, em muitos a natureza retoma a preponderância e estraga muitos
aspectos da sua vida.
Os defeitos de carácter provêm, a maior parte das vezes, dos vícios capitais,
cujo germe todos trazemos em nós. Outros provêm do nosso próprio
temperamento.
S. João reduz a três as más tendências da natureza: o orgulho, a
concupiscência da carne e o apego aos bens exteriores.
laboriosas abelhas.
Lendo isto, meus caros confrades, não vades procurar-lhe aplicação prática
nos outros. Examinai antes se não sereis vós mesmos vítimas de um ou outro
destes defeitos, o que é muitíssimo provável.
Estes conselhos são úteis para os professores, que devem observar e
corrigir os defeitos dos alunos, e para os orientadores de almas, que podem
prestar os mais preciosos serviços, indicando-lhes caridosamente os seus
defeitos.
5. A união com Nosso Senhor é o remédio mais eficaz para todos os 263
defeitos.
Sejamos sempre homens de Deus (cf. 1 Tim 6, 1 1), como diz S. Paulo,
discípulos e imitadores de Jesus.
Membros de uma comunidade, sejamos religiosos sempre e em toda a
parte.
Nas conversas, conservemos um sábio equilíbrio entre uma taciturnidade
macambúzia e uma inconsiderada tagarelice.
Evitemos toda a palavra de crítica, de maledicência, de troça, sobretudo em
relação aos Superiores, o que acabaria por introduzir o mau espírito.
Lestes, em S. Margarida Maria, como ela viu religiosas sofrerem um longo
Purgatório, precisamente por causa das suas palavras de crítica e de
maledicência.
Lendo os escritos do Venerável Huchans, encontrei esta sábia reflexão: "Se
o Padre P. fosse mais político, edificaria como um santo". Mas será preciso
ser-se político? Sim, no bom sentido da palavra. Esta máxima pagã: "Quem
não sabe dissimular não sabe reinar", tomada em sentido cristão, é muito
sábia. Quando levantais descontroladamente a voz, ou então, tentais
demonstrar aos outros que não têm razão e que se enganam, indispondes
contra vós os vossos confrades, a não ser que tenham uma eminente
santidade. Sentir-se-ão magoados e vexados. É preciso sermos sempre
homens de Deus e mostrar-nos doces, humildes, agradáveis, serviçais sem
alarde, silenciosos, complacentes, modestos, afáveis, alegres, obedientes...
Então serão também para convosco bons e afáveis, segundo esta bela
sentença do Pe. Saint-Jure: "Quereis encontrar satisfação numa comunidade?
Proporcionai-a aos outros".
1
A aparição de La Salette teve lugar a 19 de Setembro de 1846 (N. do T).
131
Vítimas.
Em 1858, a Santíssima Virgem, em Lourdes, como antes em La Salette,
pedia ainda penitência.
Em 1856, a Madre Verónica fundava, em Lião, outro Instituto de Irmãs
Vítimas do Coração de Jesus.
No mesmo ano, o Papa Pio IX estendia a toda a Igreja a festa do Sagrado
Coração de Jesus com um ofício todo impregnado do espírito de reparação.
As Servas do Coração de Jesus foram fundadas em 1867, em Estrasburgo,
com a característica do espírito de vítimas.
Em 1877, os Sacerdotes do Coração de Jesus, com a mesma
espiritualidade, começam a sua Obra em Saint-Quentin.
A Santa Sé abençoou e encorajou todos estes Institutos. As almas piedosas
devem unir-se-lhes por qualquer forma de filiação, a fim de viverem esta
mesma espiritualidade.
1. Toda a paternidade vem de Deus, nos Céus como na terra (Ef 3, 15). A 270
autoridade, qualquer que ela seja, é uma derivação da paternidade.
S. Paulo não faz senão repetir aqui o que Nosso Senhor nos disse muitas
vezes: Aquele que vos ouve, ouve-Me a Mim; aquele que vos despreza,
despreza Aquele que Me enviou (Lc 10, 16).
O apóstolo e o sacerdote representam a autoridade divina: Dai a Deus o que
é de Deus e a César o que é de César (Mt 22, 21). Honra teu pai e tua mãe
(Mt 19,19).
Os Apóstolos repetem e ampliam os ensinamentos do Mestre. Repetem-nos
que, obedecendo aos nossos Superiores, obedecemos a Deus e ao Salvador
Jesus que faz as vezes de seu Pai junto de nós, e que é representado pelos
nossos Superiores. Obedecei - diz S. Paulo - àqueles que têm autoridade e
sede-lhes submissos, pois eles velam pelas vossas almas, das quais terão de
dar conta; assim, farão isto com alegria e sem gemidos, o que vos seria
pernicioso (Heb 13, 17).
Com efeito, o quarto Mandamento do decálogo, o preceito da obediência
aos pais e aos superiores, é garantia de Bênçãos. É isso que indica a própria
palavra de Deus a Moisés: Honrai o vosso pai e a vossa mãe, e tereis uma
vida longa (e abençoada por Deus) (Deut 5, 16).
S. Paulo confirma que este mandamento é o que mais bênçãos nos traz:
Filhos, obedecer aos vossos pais no Senhor.. Honra teu pai e tua mãe... para
que sejas feliz e gozes de longa vida na terra (Ef 6, 1-3). Servos, obedecei aos
vossos patrões... como a Cristo (Ef 6, 5).
S. Pedro desenvolve mais longamente o mesmo pensamento: Obedecei ao
133
príncipe, aos vossos chefes, aos vossos patrões, sem vos desculpardes com
os seus defeitos de carácter (cf. 1Ped 2, 13 ss.).
Torna-se, portanto, bem claro que a autoridade vem de Deus através de
Cristo. Todo o tratado sobre a obediência deriva desta verdade.
Nenhum preceito tem um fundamento mais sólido: é forçoso obedecer a
todos os nossos superiores, porque Deus neles delegou uma parte da sua
autoridade.
273
134
PACTO DE AMOR
(do Servo de Deus Pe. João Leão Dehon)
Meu Jesus, perante Vós e perante o vosso Pai Celeste, na presença da
Imaculada Virgem Maria, minha Mãe, e de S. José, meu protector, faço voto de
consagrar-me por puro amor ao vosso Sagrado Coração, de dedicar a minha
vida e as minhas forças à obra dos Sacerdotes do vosso Coração, aceitando
de antemão todas as provações e todos os sacrifícios que Vos aprouver
enviar-me.
Faço voto de dar a todas as minhas acções a intenção do puro amor a Jesus
e ao seu Sagrado Coração. Suplico-Vos que movais o meu coração e o
infiameis no vosso amor, a fim de que eu não somente tenha a intenção e o
desejo de Vos amar, mas também a alegria de sentir, por acção da vossa
santa graça, todos os afectos do meu coração concentrados exclusivamente
em Vós.
Renovação diária
TESTAMENTO ESPIRITUAL
Meus caríssimos filhos! 276
Deixo-vos o mais maravilhoso de todos os tesouros: o Coração de Jesus.
Ele pertence a todos, mas tem ternuras particulares para com os Sacerdotes
que Lhe são consagrados, que são inteiramente dedicados ao seu culto, ao
seu amor, à reparação que Ele pediu, desde que sejam fiéis a esta bela
vocação.
Nosso Senhor amava todos os seus Apóstolos, mas não amou porventura
com especial ternura o Apóstolo S. João, ao qual confiou a sua Mãe e o seu
divino Coração?
O belo decreto de Leão XIII, de 25 de Fevereiro de 1888, dizia: “Este
Instituto será como um ramalhete de flores para o Coração de Jesus, se os
seus membros viverem unidos em tudo e dedicados ao Sagrado Coração e se
fizerem reinar o seu ardente amor em si mesmos e entre os povos que hão-de
evangelizar”.
Parafraseando uma palavra de David, podemos dizer: O Coração de Jesus é
a parte da minha herança. Oh! Como é bela a parte que me coube na herança
comum! (cf. Sl 16, 5).
Deveis compreender que uma vocação assim tão bela exige um grande 277
fervor e uma generosidade ilimitada.
136
ESPIRITUALIDADE
DO DIRECTÓRIO
OBSERVAÇÕES E NOTAS
Pelo Pe. A. Bourgeois, SCJ
Um texto fundamental
E nas suas “Memórias”: “Faço hoje setenta anos... É para mim uma
ocasião para vos recordar aquilo que quis fazer sob a inspiração da graça
divina e para repetir-vos aquilo que espero de vós, ou antes, aquilo que o
Coração de Jesus vos pede... E como que o meu testamento espiritual” (LC n.°
331: 14 de Março de 1912). Por fim, em 1917, em Bruxelas, antes de se dirigir a
Roma, chamado por Bento XV, o Pe. Dehon estava a trabalhar na última edição
(a 5ª em trinta anos) do nosso “Directório Espiritual” definitivo: “Antes de partir,
— anota no Diário — completo dois manuscritos: um “Manual de Oração para
os nossos Associados” e uma nova edição do nosso “Directório”. Serão
publicados depois da guerra. Possa deles derivar um grande bem!” (NQ XLI,
25: Out. de 1917).
O “Directório” foi, de facto, publicado em 1919, em Lovaina. A edição de
1936 (última edição oficial em francês) é a reprodução fiel do texto de 1919.
Apenas se acrescentaram, a seguir às “Regras comuns”, os “Avisos e
conselhos”, os votos do Pe. Dehon aos seus religiosos para o Natal de 1919, o
seu “Testamento espiritual” (de 1914) e um excerto da carta circular dirigida
pelo Pe. Dehon aos seus religiosos, após o oitavo Capítulo Geral, realizado em
Maastricht, de 29 a 31 de Julho de 1919.
Nesse Capítulo, particularmente importante depois da guerra (1914-
1918), fez-se a revisão completa do espírito e da vida da Congregação: “a vida
espiritual, a administração e as obras”. Da carta circular ressalta que o “novo
Directório”, ainda manuscrito, foi o livro inspirador da reflexão. Mas não foi
votado o texto do “Directório”, como aconteceu naturalmente com o texto das
Constituições.
A edição de 1919 apresenta-se, tal como as anteriores de 1905 e de
1908, baseada na missão e na autoridade do Fundador10.
E o facto merece ser relevado, uma vez que se respeita o carácter
autêntico do texto. Texto que o Capítulo acolheu, na medida em que teve
conhecimento dele, confiando plenamente na “graça” e na “missão” do
Fundador: “a graça e a missão de enriquecer a Igreja com um Instituto religioso
apostólico, que vivesse da sua inspiração evangélica”, como afirmam logo no
1.° número as Constituições elaboradas pelo Capítulo Geral de 1979 e
aprovadas pela Santa Sé em 1982.
O “Directório” não é, portanto, um texto capitular; mas sim um texto, de
algum modo, ainda “fundador”, após quarenta anos de existência e de
maturação do Instituto. E é precisamente a uma espécie de maturação que se
assiste, durante os quarenta anos da elaboração do “Directório Espiritual”,
através das várias edições (de 1885/86, 1891, 1905, 1908 e 1919). Mais ainda
do que nas diversas edições das Constituições, é nas do “Directório” que
10
As edições de 1905 e 1908 foram publicadas com o título: “Directório espiritual —
para uso dos Sacerdotes do Coração de Jesus — do Rev.mo Pe. Dehon — Superior Geral
dos Sacerdotes do Coração
de Jesus”.
A partir de 1919, desaparece o nome do autor e o título é Simplificado, como para um
livro oficial: ‘Directório espiritual — dos Sacerdotes do Coração de Jesus. Nova edição revista
e aumentada”.
141
espírito da obra” (cf. AD, B 3, 1). Na primeira página diz-se mais explicitamente
estas Notas...” (de 1917), expõem o espírito da obra, tal como tinha sido
concebido desde o início com o contributo das nossas Irmãs”.
Acerca deste “contributo das nossas Irmãs” na fundação e inspiração do
Instituto, o próprio Pe. Dehon e, depois dele, os seus biógrafos disseram o que
de facto aconteceu e aquilo que não deve ser afirmado a tal respeito (cf. M.
Denis, SCJ, Le Projet du Père Dehon, St. Deh. 4, pág. 97 e ss.; ou também H.
Dorresteijn, SCJ, Vita e Personalitá di P. Dehon, edição italiana, pág. 603-646).
Aquilo que é seguro, para o nosso objectivo e para a história do
“Directório”, é que o Pe. Dehon em 1917, para a preparação do novo e último
“Directório” retoma quase textualmente algumas notas sobre as “luzes de
oração” da Ir. Maria de S. lnácio.
Efectivamente, o Pe. Dehon nota no seu Diário de Fevereiro de 1917:
“Algumas cópias (das “luzes”), que estavam em poder do Pe. Modeste, chegam
até nós. A Providência permite que a “chère Mère” (Madre Maria do Coração de
Jesus, fundadora das Servas) mas empreste nestes dias. Copio-as e vejo
melhor todo o projecto de Nosso Senhor para com a nossa obra” (NQ XL, 100).
Temos em nosso poder esta cópia: trata-se de um simples caderno
escolar de setenta páginas (cf. AD, B, 34, 8) que o Pe. Dehon intitula “Luzes de
oração da Irmã Maria de S. Inácio sobre a obra das vítimas do Coração de
Jesus: 1878 e seguintes — As virtudes próprias da nossa vocação”.
Reconhece-se o mesmo título da sexta parte do nosso “Directório”. A quase
totalidade do texto deste documento encontra-se quase à letra nas “Notas” de
1917 e na edição do “Directório” de 1919. Na realidade, como explicaremos na
nota crítico-histórica unida a este estudo, não é só um, mas três os documentos
da mesma fonte original (as “luzes de oração” da Ir. Maria de S. Inácio), que
são total ou parcialmente utilizados pelo Pe. Dehon na última edição do nosso
“Directório”: uma achega que representa, na recolha de 1919, 48 páginas num
total de 195 do texto impresso (excluindo as Regras Comuns) e, em especial,
12 das 24 páginas da primeira parte e 21 das 50 da segunda parte; as restantes
15 páginas encontram-se na terceira, quinta e sexta partes do “Directório” de
1919.
Não é aqui o lugar para estudar e exprimir juízos, no plano histórico e
teológico, sobre a legitimidade de tais contributos tomados de empréstimo,
segundo o modo de ver do Pe. Dehon e para a validade do “Directório”.
O Pe. Dehon explicou-se muitas vezes e demoradamente; e, no tocante à
doutrina, observou — não sem humorismo, sabendo como sabemos que estas
“luzes de oração” lhe custaram tantas dores de cabeça e dissabores — que
tudo estava aprovado pela Igreja. “As Constituições, as orações, o Directório
estão todos imbuídos das luzes de oração da Ir. Maria de S. Inácio e, apesar de
tudo, têm a aprovação de Roma. As Constituições estão aprovadas, as orações
e o Directório têm o “imprimatur” (NO XXXIV, 182). Esta anotação do Diário é
de Dezembro de 1912. O “Directório” de 1908, edição então em vigor, era, sem
dúvida, muito mais discreto na utilização dos textos da Ir. Maria de S. Inácio.
Todavia, poderia dizer-nos o Pe. Dehon, também a edição de 1919 tem o
“imprimatur”.
144
Como se pode verificar nas notas dos últimos anos, o Pe. Dehon, sem
qualquer escrúpulo, não só doutrinal mas também jurídico, refere-se às “luzes
de oração” da Ir. Maria de S. Inácio; cita-as e transcreve-as. E pressente-se
nisso a sua alegria e como que a sensação de reencontrar a graça das origens,
o carisma e a sua missão de fundador, toda a frescura e o entusiasmo dos
primeiros tempos. Renova-se, para ele, a constatação vital de uma Presença e
de uma assistência. Tudo isto explica a sua Sinceridade e segurança. Através
desta segurança de fundador, podemos estar certos de que não falta a estes
textos um certo valor e uma autoridade carismática
Seja como for, o texto de 1919 é-nos dado como sendo o nosso
“Directório” — “Directório Espiritual dos Sacerdotes do Coração de Jesus”.
Recebendo-o como tal, não devemos silenciar o nosso sentido crítico literário
ou doutrinal; todavia, recebemo-lo como um dom, uma palavra de Deus. Neste
“Directório Espiritual” perpassou certamente algo do Espírito; não só, mas deve
continuar a passar em cada um de nós. Depois de ter seccionado e analisado
os Evangelhos, a fim de conhecer historicamente a sua “formação” e a
“redacção”, acolhemos o livro dos Evangelhos como nos é dado pelo Espírito e
pela Igreja, para nele encontrarmos o Senhor na fé e no amor. O mesmo,
salvas as devidas proporções, vale para o nosso “Directório”. 11
A RECOLHA DE 1919
***
***
12
O projecto de Constituições de 1891 (cf. Edições e Fontes”, nota 1, pág. 333)
apresenta um longo Prefácio” de cinco páginas, das quais esta nota introdutória do
“Directório” e como que um brevíssimo resumo.
147
***
13
Acerca deste assunto, ou seja, do documento B 34/8, cf. “Ediç. e Fontes”, pág. 338,
com a advertência de Mons. Sallua, comissário do Santo Oficio, reproduzida pelo Pe. Dehon.
Quanto ao assunto das revelações ou luzes de oração” da Ir, Maria de S. Inácio, o Pe. M.
Denis, SCJ, em Le Projet du Pe. Dehon., St. Deh. 4, pag. 98-120, recolheu documentação
que completa utilmente a que se encontra nas Memórias do Pe. Dehon (NHV) e
especialmente diversos depoimentos relativos a tais “luzes de oração”. O Pe. Dehon,
pessoalmente, sempre as considerou, independentemente do nome que se lhes dê, como um
dom do Coração de Jesus à sua obra, e sobre elas fundamenta também, de certa maneira, a
própria autoridade do “Directório” que as reproduz Jesus mesmo ditou, “mediante luzes de
oração, o espírito que devia animar-nos e que se encontra formulado no nosso Directório”
(NQ XLIV, 68: Dezembro de 1922). “Nosso Senhor havia-nos dado o Directório, mediante as
luzes de oração da Irmã Inácio. Tudo isto devia ser suficiente, se eu tivesse sido bastante
fieI.. (NQ XLIV, 93-94: Outubro de 1923). E, nas “Cartas Circulares”, escreveu “Lede e tornai
a ler com frequência o Directório. Não é um livro meramente humano; inspira-se em luzes de
oração de almas favorecidas por diversas graças” (29 de Junho de 1922; LC, nº 289). “Peço-
vos que redobreis o zelo e o fervor, a fim de viverdes como bons religiosos, observando
escrupulosamente os nossos piedosos usos e o nosso “Directório”, que nos foram inspirados
pelo Sagrado Coração de Jesus” (Dezembro de 1923; LC, n.° 296).
148
OS MODELOS E OS PADROEIROS
***
Jesus no completo abandono expresso por aquele brado final: “Meu Deus, Meu
Deus, porque Me abandonaste?” (Mt 27, 46).
“Faremos com que Jesus reine nas almas por meio da cruz, da
abnegação, do sacrifício e do abandono” (Parte II, cap. I, § 4). Tudo isto vai
muito mais longe do que à primeira vista possa parecer. A nossa “profissão de
imolação, o dom do nosso coração” interessa ao “reino de Jesus nas almas”.
Nada disto é desenvolvido; mas a perspectiva fica aberta. Depende de nós
avançar.
***
***
***
em nós” (I, § 4), do qual algumas ideias são depois retomadas no parágrafo
terceiro da sexta parte — “O puro amor de Deus”.
Poderão confrontar-se com utilidade a primeira parte, §2, sobre o “amor
puro e fiel” e a sexta parte, §3, sobre o “puro amor de Deus”; a primeira parte,
§3, acerca da oferta de si mesmo” e a sexta parte, § 19, acerca do “abandono e
a conformidade com a vontade de Deus”. Este último parágrafo (VI, § 19) é
retirado das “luzes de oração” da Ir. Maria de S. Inácio.
No entanto, é preciso dizer que não se trata de meros duplicados. As
“virtudes” consistem em pôr em prática e no exercício do “espírito”. Com efeito,
os parágrafos da sexta parte são de carácter mais completo. Retomam as
primeiras elaborações das edições de 1885-86; 1891; 1905; 1908. Os
parágrafos sobre o “espírito” apresentam se mais inspirados e, em geral, têm
um movimento e um estilo mais oratório. Na verdade, não lhes falta vivacidade.
O primeiro parágrafo — “Amor, imolação, sacrifício” (Parte I, § 1) —
apresenta-se particularmente bem composto, equilibrado e com um ritmo
próprio.
Dá a impressão de que o Pe. Dehon o elaborou bastante, levado, sem
dúvida, pela força sugestiva dos símbolos e, ao mesmo tempo, dos temas
tratados. Esta página é uma bela “ouverture”, eloquente e sintética, e faz-nos
compreender como um cântico da alma este início do “Directório”. Na verdade,
esta “ouverture” atinge toda a sua força e o seu significado em virtude da
continuação que lhe é dada; poder-se-á compreendê-lo melhor, retomando-a
como conclusão, depois de ter meditado tudo o resto.
O “ECCE VENIO”
Em suma, este ecce venio não é uma simples fórmula genérica, não é
um mero “afecto”; é um compromisso do nosso profundo, que nos agarra pela
raiz do ser; e, claro, para avaliá-lo no seu justo valor, é indispensável confrontar
este nosso parágrafo com aquilo que S. Inácio propõe no começo dos seus
Exercícios como “princípio e fundamento”: “O homem foi criado para louvar,
reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor e assim salvar a sua alma; e as
157
demais coisas sobre a face da terra foram criadas para o homem e para ajudá-
lo a alcançar o fim para que foi criado. De onde se segue que o homem deve
usá-las quando o ajudam a conseguir esse fim e prescindir delas quando o
impedem; razão pela qual é necessário tornar-se indiferentes a todas as coisas
criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio e não lhe
é proibido, de modo a não querer, da nossa parte, saúde mais do que doença,
riqueza mais do que pobreza, honra mais do que ignomínia, vida longa mais do
que breve, e assim por diante em tudo o resto, somente desejando e
escolhendo aquilo que melhor nos conduz ao fim para que fomos criados”
(Primeira Semana, lI, 2).
O texto de S. Inácio é rigoroso, austero, aparentemente quase só racional
e como que filosófico. Sabemos que o Pe. Dehon, apreciando embora o vigor e
o valor dos “Exercícios” de S. Inácio, não se dava por completamente satisfeito,
dadas as exigências da sua alma: Há neles “algo que não condiz com o meu
temperamento nem com a minha graça”, escreve nas Memórias (NHV IV, 125).
Citámos, no entanto, este passo de S. Inácio, dado que nos ajuda a
iluminar o parágrafo que estamos a examinar, ou seja, o terceiro da primeira
parte, acerca da “oferta de si mesmo”.
No trecho dos “Exercícios” que transcrevemos, dizem os comentadores, o
objectivo não é propriamente uma meditação sobre as coisas criadas, mas sim
ajudar quem faz os exercícios a colocar-se na atitude da indiferença espiritual,
que é uma forma de total disponibilidade para Deus. “Tal atitude é fundamental
para progredir na vida espiritual (cf. Exercices, CoII. Christus, n.° 5, Pág. 28,
nota).
A mesma “indiferença” é também “fundamental” para a vida de
“abandono total”, do “absoluto deixar fazer”, que o ecce venio exige juntamente
com a “oferta de si mesmo” no nosso “Directório”.
Todavia, a perspectiva e a inspiração mudaram profundamente. A
“indiferença” já não é a conclusão de um raciocínio ainda que teológico, mas é
explicitamente uma exigência de fé e de amor. O nosso abandono é exigido
pelo nosso olhar para “Aquele que nos precedeu por este caminho”. O motivo
não é só “o fim para o qual fomos criados”. Além deste objectivo, há a relação
especial, expressa por aquele termo “vítima” que sempre nos surpreende, e
que, no nosso texto, substitui a palavra “criatura” dos “Exercícios” de S. Inácio:
“O homem foi criado...”. Trata-se de um plano bem diferente, de um novo título
para a “indiferença”, requerido pelo abandono total do ecce venio: “uma vítima
sabe que nada tem a escolher ou a desejar para si. A sua escolha está feita, o
seu futuro está marcado. Quando e como se realizará o seu sacrifício, em que
circunstâncias, que duração terá, tudo isso é deixado à livre escolha d’Aquele a
quem ela pertence inteiramente” (Parte I, § 3).
O leitor terá notado a repetição (que sublinhámos) da palavra “escolha”:
“De modo a não querer, da nossa parte, saúde mais do que doença..., mas a
desejarmos e a escolhermos unicamente aquilo que melhor nos conduz ao fim
para que fomos criados” (Primeira semana, 11, 2). Escolhe-se não escolher,
mas é sempre uma “escolha”. A acentuação é posta, portanto, sobre a escolha
do homem; e uma autêntica e excelente pedagogia será descrita em seguida
158
— a prática desta vida de amor... com um amor tanto mais fiel e puro,
quanto é certo que tomámos o compromisso de corresponder-lhe com a
reparação... em cada instante mediante a atenção e a pureza de intenção, com
a oferta de todas as nossas acções..., sendo o puro amor a nossa vida e a
nossa finalidade...;
— a dimensão trinitária desta vida de amor, dado que Jesus nos conduz
à Santíssima Trindade”.
Esta brevíssima referência à Trindade — que raramente é mencionada
no Directório — constitui toda a perspectiva propriamente doutrinal do
parágrafo. Podemos lamentar que não seja mais amplamente desenvolvida,
visto que convida a ultrapassar o plano meramente devocional e ascético da
vida de amor, do amor (ou da caridade) como virtude (“a primeira e mais
essencial virtude”). A alusão à Trindade introduz-nos no próprio mistério de
Deus-amor. Antes de ser uma “virtude”, o amor é o mistério de Deus em Si
mesmo e na sua relação com o mundo. Deste mistério depende a natureza e a
dinâmica da “nossa vida de amor” e de uma boa teologia da caridade depende
a própria autenticidade da nossa devoção e da nossa ascese. As novas
Constituições (de 1979) remetem-nos, por isso, à primeira Carta de S. João,
para “reconhecer o amor do nosso Deus”... uma vez que “o amor vem de
Deus.., sendo Deus amor” (cf. Cst. n. 9 e 1Jo 4, 7.16).
Reconhecemos neste texto um ponto de ligação doutrinal em ordem ao
aprofundamento de uma autêntica fidelidade dinâmica. As observações e os
conselhos do Directório sobre a vida de amor, aliás, conservam todo o seu valor
para a devoção e para a ascese, e o vínculo entre a vida de amor e a vida de
oblação é notavelmente sublinhado. O parágrafo 3.° da Parte VI sobre “O puro
amor de Deus”; como “virtude própria da nossa vocação”, pode parecer, até na
expressão, como um duplicado, retirado de diversos parágrafos da primeira
parte sobre “o espírito da nossa vocação”. Seja como for, ele confirma aquilo
que resultava da sequência de tais parágrafos: a vida de oblação, o dom de nós
mesmos, que é “toda a nossa vocação, a nossa finalidade, o nosso dever, as
nossas promessas” (DE 1, 3), ou seja a expressão daquela vida de amor que
deve ser “toda a vida dos Sacerdotes do Coração de Jesus”, mas uma vida de
“puro amor”. Conhecemos a importância que o Pe. Dehon atribuía a esta última
expressão (cf. Denis, Le projet.. St. Deh. 4, pág. 262, nota 1).
***
UMA IMOLAÇÃO
***
16
Poderá notar-se, por exemplo, a substituição na edição de 1905 relativamente a de
1908 (no demais praticamente idênticas) da palavra “disposição” pela palavra “profissão”, a
respeito da imolação (cf. 1905, pág. 34 e 1908, pág. 12). Mas a palavra “profissão” será
retomada na edição de 1919. Sobre as mudanças da expressão nas diversas edições das
Constituições e do Directório, cf. H. Dorresteijn SCJ: “De spiritualitat P L. Dehon, pág. 113-
115, com amplos desenvolvimentos doutrinais sobre a excelência, as obrigações e a
perfeição da vida de imolação e sobre as suas aplicações relativamente aos “méritos” e ao
“acto heróico” (Pag. 116-133); ou ainda todo o capítulo II (Pág. 25-43) sobre “o espírito de
amor e de imolação”. Este opúsculo do Pe. H. Dorresteijn é excelente para consulta e estudo.
Sobre a “profissão de imolação” e o voto de vítima, o Pe. M. Denis fornece muitas
informações históricas (cf. Le Projet du P Dehon, índice: “profissão de imolação”).
163
17
Esta “referência” às noções teológicas relativas ao sacrifício e à vitima” aparece no
“Directório Espiritual” de 1905, cuja sistematização tinha sido confiada ao Pe. André Prévot
(ct. “As fontes”, nota 2). Através do Pe. Prévot, esta definição foi introduzida em nota, nas
edições de 1905 e 1908 e, depois, no próprio texto, em 1919. O texto encontra-se no começo
da 14ª meditação das “Fleurs nouvelles” do Pe. Prévot (1904) sobre o “espírito de vítima em
união com o Sagrado Coração”. Notemos apenas a correcção significativa introduzida no
“Directório”. “A vitima é um ser vivo...; o sacrifício e a oblação de uma coisa ou de uma
pessoa..:’. As palavras em itálico são acrescentadas pelo “Directório” de 1905 e de forma
seguramente intencional, tanto da parte do Pe. Prévot, como da parte do Pe. Dehon que reviu
a edição publicada em seu nome.
164
***
18
A fim de não compreender mal estas reflexões em sentido “dolorista”, convém ter
presente que, na espiritualidade do Pe. Dehon, segundo o ensinamento e o exemplo de
Cristo, a dor, a cruz, a imolação não são fim em si mesmas, mas sim provas de amor e têm
por alma o amor. Tenham-se também presentes, mais adiante, as considerações sobre a
afirmação do “Directório”: “Não há amor sem dor” (11, cap. 1, § 4) (N. do T.).
165
pés da cruz, no Gólgota. Sempre assim será também para nós, para a Obra em
geral e para cada um em particular”: é “a graça da imolação” (II, cap. IV, § 1).
Os dois grandes desenvolvimentos (II, cap, IV, § 2 e 3), acerca da “formação” e
da “profissão” do Apóstolo, que é “necessariamente o padroeiro e o modelo dos
Sacerdotes do Coração de Jesus”, mostram-no-lo “no Cenáculo e no Calvário”:
“Sobre o Coração abrasado de amor do seu divino Mestre e aos pés da cruz,
tornou-se vítima do Coração de Jesus, vítima de amor e de reparação” (II, cap.
IV, § 2).
Para o Pe. Dehon, bem o sabemos, não se tratava apenas de piedosas e
fervorosas considerações, mas correspondia à realidade da sua vida profunda.
Poderíamos prolongar a análise dos textos e confirmar-nos-íamos nesta
orientação de fundo relativamente ao sentido que o Pe. Dehon atribui à palavra
“imolação”: uma vida de união “sem reservas” à oblação de Cristo, que se
realiza plenamente no Calvário, na união à imolação de Jesus na cruz: “Não
basta carregar a cruz exterior e forçadamente; é preciso abraçá-la com amor,
levá-la com coragem e alegria; desejá-la com ardor, como o maior e mais
seguro tesouro” (cap. III § 3).
Tudo isto nos confunde um pouco nas nossas certezas e convicções.
Não gostamos nada destes vocábulos “vítima” e “imolação”, e reivindicamos
com razão o direito de contemplar a Cristo, também e sobretudo na sua vida
pública, no ímpeto da sua actividade e, acima de tudo, de nos unirmos a Cristo
ressuscitado que nos convida a continuar a sua missão, e vive no coração dos
homens e do mundo.
O Pe. Dehon bem o sabia. Renunciou de bom grado à denominação de
“sacerdotes-vítimas” para a sua Congregação: “Poderíamos chamar-nos
vítimas em Marselha, em S. Quintino teria parecido rematada loucura”, escreve
ele ao Pe. A. Guillaume (18 de Fevereiro de 1913, cf. M. Denis, Le Projet du P
Dehon, St. Deh. 4, pág. 338). Mas, da sua parte, nunca renunciou a utilizar a
palavra “vítima” sobretudo para exprimir a realidade espiritual e de vida que
esta palavra evoca para ele e para a Congregação.
“Eu não pretendi criar uma obra de consoladores sem reparação. Quis
fazer uma obra de reparação e de vítimas. Não tomei o nome de vítimas;
escolhi o de oblatos que, para mim, exprimia a mesma coisa...”.
“As nossas Constituições são hoje, substancialmente, as mesmas de
1877. Nós somos Sacerdotes-vítimas. A nossa espiritualidade é “spiritus amoris
et immolationis” (ou ‘Victimae”, se se quiser)” (Carta ao Pe. Guillaume, cf. M.
Denis, o.c., pág. 338).
Não estamos certamente obrigados a usar o termo “vítima”, mas não
podemos ignorar de ânimo leve a realidade da imolação, como se se tratasse
de um aspecto marginal ou secundário. Na verdade, é um elemento integrante
do ecce venio, que gostamos de considerar “o nosso lema e a nossa máxima
preferida” (III, cap. V, § 2). Quereríamos até ir mais além da expressão do
“Directório”; o espírito de imolação aparece-nos como algo mais do que “uma
piedosa resolução” e do que “uma obrigação de conveniência”; literalmente o
texto insinua isso mesmo: “ao menos uma obrigação de conveniência” (III, cap.
V, § 2), quer dizer, no fundo e na realidade, “muito mais”.
166
19
Cf. a respeito deste assunto a resposta dada pelo Pe. Gennaro Bucceroni SJ,
professor de moral na Gregoriana, às objecções levantadas em 1906 por alguns consultores
do Santo Ofício, contra a “vida de amor e de imolação”, resposta resumida por Mons.
Philippe; ‘Se quereis dar aos Sacerdotes do Coração de Jesus o direito de cidadania na
Igreja, é indispensável permitir-lhes que vivam e actuem de acordo com o espírito da devoção
ao Coração de Jesus” (cf. M. Denis, o.c. pág. 205).
20
Esta expressão é retomada da “Table des vues d’oraison de Sr. Marie de S. lgnace”
(AD, B 34/7, pág. 1 v. 15 de Março).
167
***
21
A propósito deste texto de 1885, o Pe. M. Denís observa; “Este Directório possui
uma boa vivacidade, se bem que a linguagem já não seja a nossa. O seu interesse consiste
no facto de constituir uma reflexão pessoal de Pe. Fundador, numa altura em que as
provações amadureceram o seu projecto inicial e o libertaram da influência que pesava em
demasia sobre a sua delicadeza respeitadora das ajudas que considerava providenciais; de
acordo com o parecer do seu director espiritual” (o. c. Pág. 262). Mas fica por fazer um
estudo sobre a composição dos próprios textos (Constituições de 1885 e Thesaurus de
1886); como também sobre os textos de 1891. Por fim, é preciso constatar que a edição de
1919, redigida pelo Pe. Dehon em pessoa (cf. “As fontes”: documento 6 3/1-2) voltou de
forma abundante àqueles “contributos providenciais”.
22
No Capítulo Geral de 1886 havia sido proposto “rever na regra a parte respeitante
às dez virtudes (do cap. VIII das Constituições de 1885-86), as quais podiam ser reduzidas a
seis”.
As seis virtudes são as seguintes: 1. A caridade, “esta virtude abrange o amor a Jesus
Cristo e a caridade fraterna”; 2. A humildade; 3. A conformidade com a vontade divina e a
pureza de intenção; 4. A vida interior; 5. O zelo; 6. A imolação que “encerra a abnegação e o
amor à cruz” (manuscritos 6 e C das Const. de 1885-86).
O texto é o mesmo, mas com diferente distribuição, mais lógica e mais sintética e uma
nova introdução também ela muito interessante; “Nosso Senhor indicou-nos, Ele mesmo, as
principais virtudes do seu divino Coração. No seu ensinamento assinalou-nos três e outras
três resumem a sua vida mortal. Pôs em primeiro lugar a caridade e a humildade: Aprendei
de Mim que sou manso e humilde de coração (Mt 11, 29). Revelou em terceiro lugar a
conformidade com a vontade divina, quando em diversas situações repetiu o pensamento do
profeta: Eis que Eu venho.., para fazer, ó Deus, a tua vontade (Heb 10, 7; cf. SI 40, 8-9)”. O
Pe. M. Denis observa: “A vida interior, o zelo, a imolação resumem toda a vida mortal de
Nosso Senhor: a sua vida oculta (vida interior), a sua vida pública (zelo), o sacrifício do
calvário continuado na Eucaristia (imolação)” (o. c., pag. 264).
Encontramos o texto sobre as “dez virtudes” no Thesaurus de 1886 (pág. 110-153) e
no texto A das Constituições de 1885-86, aprovado por Mons. Thibaudier (cf. St. Deh. 2, pág.
45-70).
173
tanto reduzida (uma página em vez das três de 1885-86). O último parágrafo,
felizmente acrescentado, “Amar a Igreja”, ocupa apenas uma dúzia de linhas.
Ao contrário é necessário reconhecer o interesse do método, que
consiste em multiplicar as aproximações de uma mesma virtude fundamental,
sob aspectos diferentes mas complementares. Tudo isso favorece a meditação
e a penetração progressiva e, além do mais, não se pode esquecer que o
“Directório” não é um tratado de teologia, mas apenas o esboço de uma
pedagogia da oração e da própria vida.
A partir de uma breve citação da Escritura, desenvolve-se uma reflexão
que é uma pequena meditação sobre cada virtude (§1, 2, 4, 5, 6, 7, 18, 20). Nos
restantes parágrafos descobrimos uma exortação bem estruturada (cf. § 3, 10,
11, 12, 13, 15, 16, 17). Dá a impressão de que o Pe. Dehon retoma os seus
apontamentos de conferências, os completa, ordena e estrutura.
Convidará os superiores de comunidade, nas suas exortações e
conferências, a “valerem-se da leitura do Directório” (§12). Põe nisso toda a sua
experiência espiritual, toda a sua experiência prática de fundador e de superior.
E esta composição, por vezes um pouco recheada de pormenores, é, para o
leitor atento, de uma grande riqueza. Não se cairá no erro de pedir a estas
páginas aquilo que não podem dar; mas não se poderá deixar de reconhecer
que, em geral, não têm falsas ressonâncias e que muitas vezes sabem falar ao
coração, para uma boa revisão de vida e, por vezes, até para mais do que isso.
Compete a cada um saber descobrir aquilo que lhe convém, procurando e
retendo com humildade, simplicidade, fidelidade, vigilância, perseverança, etc.,
todas aquelas “virtudes” — e sente-se-o bem — que têm mais a ver com a
disposição do coração do que com a rectidão das acções.
Em suma, esta sexta parte sobre as “virtudes próprias” é um bom
complemento do primeiro parágrafo da primeira parte sobre o “espírito da nossa
vocação”. Apresenta-nos “a vida de amor e de imolação” sob diversas facetas e
torna-a acessível com orientações e recomendações mais concretas e práticas,
a fim de que o “espírito” se transforme em “vida”.
***
23
Em boa verdade, trata-se do capitulo 16º das Constituições de 1906 então em vigor,
as quais não têm o capítulo 26º. Este pequeno lapso foi escrupulosamente conservado nas
edições de 1928 e de 1936. Não deixa de ser uma prova da sua fidelidade!
175
espírito de amor e de imolação que lhes é peculiar” (III, cap I; cf. Cst. 1885-86,
n. 111-112).
De modo mais pormenorizado, no que se prende com o espírito e a
virtude da pobreza, o Pe. Dehon esclarece: “Os sacerdotes do Coração de
Jesus não podem contentar-se com uma observância meramente exterior da
pobreza. É indispensável que tenham o espírito de pobreza, o gosto e o amor
da pobreza, se querem tornar-se pessoas de vida interior autêntica e levar uma
vida de amor e de imolação... A pobreza suportada com amor e por amor será
sempre fecunda para a reparação” (III, cap. II, § 3).
O mesmo deve dizer-se da castidade que é “particularmente a virtude das
vítimas..., daqueles que têm relações tão íntimas com Nosso Senhor... e são
como que a sua família espiritual” (cap. III, § 1); o mesmo se pode afirmar
relativamente à obediência “também para as verdadeiras vítimas uma virtude
muito querida” (III, cap. IV, §1).
Por outro lado, toda esta doutrina é retomada depois, no capítulo sobre
“A profissão de amor e de imolação” (cf. III, p. V), como já vimos. Encontramos
aí uma profunda unidade, tanto de inspiração como de movimento. Poder-se-ão
renovar, enriquecer e aprofundar as “noções gerais” e as “aplições
particulares”, o conceito dos votos e a prática dos conselhos; mas tudo isto
deverá ser sempre para nós uma forma da nossa “vida de amor e de imolação,
em espírito de reparação”. Esta torna-se mais rica e aprofunda-se, renovando
as “noções gerais” e mediante uma autêntica actualização teológica e prática
da nossa vida religiosa apostólica.
***
***
DO DIRECTÓRIO ESPIRITUAL...
ÀS NOVAS CONSTITUIÇÕES
***
178
***
24
Por exemplo, a propósito da expressão e da ideia de “reino de Nosso Senhor”,
tratado no “Directório” (I, § 4), é evidente que a palavra “reino” não tem aqui toda a
ressonância nem todo o conteúdo que tem no pensamento e na vida do Pe. Dehon.
Havia no termo “reino” a fórmula não só de uma atitude interior, mas de uma autêntica
espiritualidade apostólica, conforme o título da “revista” fundada em 1889. Numerosos artigos
mostram claramente as convicções e a prática do Pe. Dehon acerca do “reino”. O ano com o
Coração de Jesus também dirá alguma coisa com uma série de meditações de 8, 12, 13, 14,
16, 17 de Janeiro no clima do mistério da Epifania. A “realeza de Jesus” ou a “realeza do
Coração de Jesus” é um reino interior mediante o amor e a imitação, e também um reino
social, que não se manifesta só com a consagração das nações ou a construção de um
templo nacional, mas com a realização do reino de Deus, na justiça e na caridade contra os
erros do liberalismo e do laicismo.
“Nesta recolha de meditações de “O ano com o Coração de Jesus” (terminada em
1909 e publicada só em 1919) — observa o Pe. M. Denis — como em todas as suas obras
espirituais, o Pe. Dehon tinha em vista sobretudo os seus religiosos, uma vez que pretendia
exprimir a sua doutrina espiritual nos seus escritos” (cf. o. c., pag. 347-348).
E em “O Ano com o Coração de Jesus”, destinado ao grande público, onde aqui e ali
encontramos trechos do Directório mais ou menos adaptados, encontramos também, de
modo genérico, a mesma perspectiva e orientação.
180
***
EDIÇÕES E FONTES
DO
DIRECTÓRIO ESPIRITUAL
Nota preliminar
2. Thesaurus de 1891
25
Este “projecto” de 1891, manuscrito, que se encontra nos arquivos da Congregação,
são as Constituições de 1885-86 revistas e corrigidas consoante as observações feitas pela
“Santa Sé”, por ocasião do Decreto de Louvor de 1888.
Foi-lhe acrescentado um prefácio de cinco páginas, que explica os motivos da
fundação e a missão do Instituto na Igreja. É uma espécie de introdução ao primeiro capítulo
sobre “a finalidade e o espírito da Congregação”. Alguma coisa será retomada em breve
resumo de poucas linhas na “Introdução” ao “Directório” de 1919.
Entre as Constituições (francesas) de 1885-86 e as (latinas) de 1902, o “projecto” de
1891 representa uma etapa intermédia de elaboração. E modificada a ordem dos capítulos,
que se distribuem por três partes:
Primeira parte (sem título): I. Finalidade e espírito da Congregação; lI. Os votos; III. Os
exercícios de piedade e as práticas de perfeição.
Segunda parte: A organização e administração do Instituto.
Terceira parte: Regras particulares: I. Regras comuns; II. Regras de modéstia; IIl.
Regras dos colégios.
O Pe. Dehon acrescentou de seu punho no “índice”: “Regras para o relatório de
consciência — Ritual — Directório — Regras administrativas”.
São, sem dúvida, os textos reproduzidos no “Thesaurus” de 1891 (cap. XVI), que
correspondem ao título “Directório” do projecto de 1891. Aliás, é a única versão que
possuímos.
Será o Pe. Dehon em pessoa o autor das modificações introduzidas e relativamente
importantes para este XVI capítulo? No estado actual das investigações é difícil pronunciar-
se.
O que é certo é que, em 1919, o Pe. Dehon transcreveu alguns textos omitidos nas
edições de 1905 e de 1908 (cf. Índice de 1919).
184
I: Directório para os votos: pág. 6-16 (ed. de 1905); 4-15 (ed. de 1908).
II: Directório para as virtudes próprias dos Sacerdotes do Sagrado
Coração de Jesus: pág. 17-45 (ed. de 1905); 15-43 (ed. de 1908).
III: Directório para os exercícios de piedade p. 45-50 (ed. 1905); 44-49
(ed. 1908).
26
Os acabamentos deste ‘Directório” (de 1905) foram confiados pelo Pe. Dehon ao Pe.
André Prévot. Este, com efeito, refere-se a isso numa carta (sem data) citada pelo Pe. Jorge
Bertrand na sua “Vie du P. A. Prévot” (pág. 235):
«Ainda mais um encargo: pôr em ordem o Directório (Regras práticas), depois o livro
das Constituições.
O rev.mo Padre Geral (Pe. Dehon), confia-me esse encargo e eu sou tão indolente!
Quem me dera poder fazer o “Directório” e “O Ano com Maria”!».
“O Ano com Maria” foi publicado em 1902: é, portanto, do “Directório” de 1905 que se
trata. O parêntese “Regras práticas” parece restringir esta colaboração do Pe. Prevot,
limitando-a às aplicações práticas: no capítulo primeiro sobre os votos ou também no capitulo
segundo, § Xl O zelo pela própria santificação”, que é, afinal, o embrião, da que virá a ser,
em 1919, a quarta parte sobre “As regras” (cf. particularmente os parágrafos acerca da
“Avaliação de regularidade” (§13) e da “Direcção (espiritual)” (§14) introduzidos no
“Directório” em 1905 (§Xl).
Mas a marca do Pe. André Prévot encontra-se, aqui e ali, nos textos mais gerais,
como por exemplo, nas “Noções teológicas sobre o sacrifício e a vítima” no “Directório” de
1905 (cap. 1, § IV, nota 1, pág. 14) e no “Directório” de 1919 (III, cap. V § 1); cf. nota 8 da
presente edição (cf. pág. 303) e bem assim o texto de 1885-86 acerca do “Amor da cruz”
185
4. O “Directório” de 191927
1) AD, B 34/8:
28
Um texto do caderno B 34/8 (Pág. 50-57) é largamente utilizado e adaptado em O
ano com o Sagrado Coração, a 9 de Janeiro, sobre a “vida oculta”.
O prefácio de “O Ano...” tem a data de 3 de Outubro de 1909 e o editor Casterman, a
5 de Outubro, aceita publicar a obra (cf. carta in B 21/1). A impressão parece só ter
187
2) AD, 8 34/7:
começado em Janeiro de 1913; depois foi interrompida por causa da guerra e só veio a lume
em 1919.
O texto do caderno B 34/8 que inspira a meditação de 9 de Janeiro encontrava-se,
portanto, à disposição do Pe. Dehon muito antes da cópia das “luzes de oração” da Ir. Maria
S. Inácio de que fala no Diário (cf. NQ XL, 100: Fevereiro de 1917) (cf. “Espiritualidade do
Directório”, pág. 272).
Além de algumas páginas reproduzidas no caderno B 34/7 (e nas “Memórias” (NHV),
cf. nota 5) que haviam chegado ao Pe. Dehon antes ou depois da morte do Pe. Modeste em
1891, o Pe. Dehon pôde com certeza utilizar também antes de 1909, alguns textos das “luzes
de oração” da Ir. Maria S. Inácio, que haviam sido entregues a “Chère Mère”. O ano de 1917
é, por outro lado, apontado apenas como a data da cópia do caderno B 34/8, em vista do
“Directório”. Por aqui se vê como é ainda bastante difícil seguir o itinerário destes
documentos.
29
Este caderno B 34/7 está muito usado e foi com certeza muito manejado. Os
“índices” iniciais e finais estão escritos com letra menos cuidada do que as “Notas” e o
“Sumário”, os quais se apresentam como a passagem a limpo de um texto previamente
redigido. É a estes textos, reproduzidos em grande parte nas “Memórias” (cf. NHV XIII), que o
Pe. Dehon faz alusão: “Remeti para o Santo Ofício o texto de todas estas comunicações (as
“luzes de oração” da Ir. Maria de S. Inácio). Pessoalmente já não os tenho. No entanto,
chegaram-me às mãos algumas páginas, porque o Pe. Modeste, S.J., que tinha em seu
poder uma cópia ma enviou” (NHV XIII, 73).
188
3) AD, B 36/2:
AD, B 3/1-2:
B 3/1:
B 3/2:
que toca ao plano geral (a sequência das partes ou dos parágrafos); mas
também no que concerne aos conteúdos.
A terceira parte, sobre os votos, aparece profundamente renovada e
completada. Além disso, surge uma nova parte, a quinta, sobre “As regras”.
Mas, em geral, o texto do “Directório respeita o texto das “Notas” (por exemplo
a respeito das virtudes e dos exercícios). Por vezes só o título do parágrafo é
que é o mesmo enquanto o texto é quase completamente novo (cf. IV, § 7 das
“Notas” e IV, § 10 do “Directório”, ou IV, § 11 das “Notas” e V, § 12 do
“Directório”).
O texto sobre “As virtudes” foi transcrito tal e qual, quase por inteiro, no
“Directório”, salvo o § 21 sobre “A união com Nosso Senhor”, que é
completamente diferente e tomado das Constituições de 1885-86 (VIII, § 2) e do
“Directório” de 1908.
Em geral, aliás, é voltando aos textos primitivos de 1885-86 ou de 1891
ou de 1905 e 1908 que o Pe. Dehon corrige e completa o texto das “Notas”
destinado ao “Directório”.
192
2. Mois du Sacré-Coerr de Jésus, sur les litanies du S.-C 276 pág., Haton,
Paris, 1900.
3. Mois de Marie, sur les litanies de la Ste Vierge, 266 pág., Haton, Paris,1900.
11. La vie intérieure: vol. 1, Ses principes, ses voies diverses et ses pratiques,
274 pág., Téqui, Paris, 1919; vol. II, Facilitée par des exercises spirituels, 210
pág. Desclée, Bruges, 1919.