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2. A sociologia é importante para cada dia de nossas vidas, pois fornece instrumentos para
entender as forças externas que regulam nossos pensamentos, percepções e ações.
4. O nome sociologia foi proposto pelo pensador francês, Auguste Comte, que acreditaxia que
a ciência da sociedade poderia competir com as ciências naturais. Comte também sentia que o
descobrimento das leis da organização social humana poderia ser usado para reconstruir a
sociedade de uma forma mais humana.
6. Ëmile Durkheim adotou as idéias de Spencer, mas deu continuidade à tradição francesa de
enfatizar a importância das idéias culturais para a integração da sociedade. Como Spencer, ele
era um funcionalista e acreditava que as leis da organização humana poderiam ser
descobertas, mas acrescentou à teoria de Spencer a importância de se descobrir as causas e
funções dos símbolos que buscam integrar a sociedadc.
7. Karl Marx, um alemão que foi expulso de sua terra natal e que acabou se estabelecendo na
Inglaterra, enfatizou a natureza contraditória da sociedade, inspirando uma teoria conhecida
como a teoria do conflito ou sociologia do conflito. Na opinião de Marx, as desigualdades na
distribuição de meios de produção armam o palco para a transformação da sociedade, pois as
pessoas sem os meios de produção se organizam para entrar em conflito com aquelas que
controlani a produção, que detêm o poder, e que manipulam os símbolos culturais para
legitimar seus privilégios. Ao contrário de Comte, Spencer e Durkheim, Marx não acreditava no
desenvolvimento de leis gerais para a organização humana.
8. Max Weber, outro importante fundador alemão da sociologia, engajou-se num diálogo
vitalício mas silencioso com Marx, enfatizando que a desigualdade é multidirnensional e não
exclusivamente baseada na economia, que o conflito é contingente em condições históricas e
não é o resultado inevitável e inexorável da desigualdade, e que a mudança poderia ser
causada pelas “idéias” assim como a base material e econômica de uma sociedade. Ele
também realçou que a sociologia deve olhar tanto para a estrutura da sociedade como um
todo para os significados que os indivíduos conferem para essas estruturas. Como Marx, ele
duvidava de que houvesse leis gerais da organização humana, mas, ao contrário de Marx, ele
sentia que é necessário que sejam isentas de juízos de valor, ou objetivas, na descrição e
análise dos fenômenos sociais.
9. A sociologia norte-americana antiga adotava as idéias européias para problemas específicos
associados com a urbanização e a industrialização, mas de fato iniciou duas importantes
tendências: a) o uso ampliado das técnicas estatísticas, quantitativas; e b) a proposta teórica
conhecida como Interacionismo, em que a ênfase é dada aos processos que sustentam e
transformam a sociedade, através de interações face a face.
1(1. A sociologia é agora uma área ampla e diversa que analisa todas as facetas da cultura, da
estrutura social, do comportamento e interação e da mudança social.
A NATUREZA DA CIÊNCIA
Uma segunda característica única das teorias científicas é que elas são sujeitas a provas. lá foi
inclusive dito que as teorias científicas existem para serem refutadas (Popper, 1959, 1969),
posto que o objetivo da ciência seja submeter suas teorias a tantas provas quantas forem
necessárias para se ter a segurança de que a teoria não é facilmente refutada, e e, portanto,
plausível. Pois se uma teoria permanece intacta após repetidas confrontações de dados
empíricos, então é considerada por ora como a melhor explicação da “maneira” que as coisas
são. Quando as teorias resistem à prova de tempo — isto é, esforços repetidos de contestação
—, então se tornam provisoriamente aceitas como verdade, como a “maneira” que as coisas
realmente são (Popper, 1969).
Esse é o modo de funcionamento de toda ciência. Não é um processo eficiente, mas éum meio
de mantermos nossas teorias presas a fatos reais. Nós defendemos ceticamente as teorias e
constantemente as verificamos contra os fatos. Compare essa proposta a formas alternativas
para a compreensão do mundo. Em interpretações religiosas, os poderes dos deuses e as
forças sobrenaturais são tidos como controladores do fluxo de acontecimentos, e há uma
suposição de que as coisas deveriam ocorrer; e, se essa visão não corresponde àmaneira real
pela qual os acontecimentos se desdobram, as crenças no poder dos deuses ou a verdade das
suposições não são contestadas, como seriam no caso de uma teoria científica. Melhor, uma
nova interpretação é oferecida para sustentar as crenças. Similarmente, os preconceitos
pessoais são freqüentemente mantidos quando os fatos os contradizem; de fato, nós nos
apegamos aos nossos preconceitos e percepções porque eles nos confortam e porque estamos
acostumados a eles. As ideologias políticas têm essa mesma qualidade; as pessoas apóiam-se
em suas crenças políticas até mesmo quando os programas defendidos em nome dessas
crenças fracassam. Em contrapartida, as teorias científicas são finalmente refutadas ou
transformadas quando elas não correspondem aos fatos empíricos.
As teorias não são casualmente testadas, embora freqüentemente comecemos apenas com a
intuição de que os dados correspondem à teoria. Eventualmente a teoria deve ser avaliada de
um modo sistemático, em termos de alguns procedimentos genéricos, geralmente
denominados de método científico. A idéia geral por trás dos métodos da ciência é
desenvolver procedimentos imparciais para coletar dados e então especificar claramente o
percurso escolhido. Dessa forma, outros dados podem surgir e verificar que fomos honestos e
não cometemos quaisquer erros bobos ou impusemos preconceitos. Sem dados nos quais
possamos acreditar, ou ter confiança, não sabemos se temos registros precisos dos
acontecimentos nem sabemos se os dados realmente se sustentam na teoria que estamos
testando.
1. A ciência não busca avaliar o que deveria, 5. A ciência usa métodos de coleta de dados ou
não deveria, existir ou ocorrer. que podem ser contestados por outros
Assim, a ciência encontra a sociologia à medida que nós usamos teorias para explicar o mundo
social e, ao mesmo tempo, verificamos essas teorias com fatos reais. Como as teorias são
desenvolvidas e testadas, acumula-se conhecimento e sabemos mais sobre o mundo social
que nos cerca.
AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Seria bom nesse momento apresentar as grandes realizações da teoria sociológica para
explicar o comportamento humano, a interação e a organização. Mas atualmente há pouco
consenso sobre quais teorias são as melhores, e tampouco existe entre os pesquisadores a
iniciativa de testar cada uma de nossas muitas teorias e ver qual parece melhor. De fato, a
sociologia revela uma tendência infeliz, para os teóricos, de criar teorias que não são muito
acessíveis aos testes e, para os pesquisadores, de coletar e analisar os dados sem prestar
muita atençao a teoria (Turner e Tumer, 1990). Assim, é triste mas verdadeiro que os teóricos
e pesquisadores tendem a seguir caminhos isolados. O lado cético das teorias evidencia para a
sociologia uma série de propostas teóricas, interessantes apesar de muitas vezes nao
verificadas empiricamente, para interpretar os fatos no mundo social (Ritzer, 1975, 1988; J.
Turner, 1991). Deixe-me esboçar amplamente algumas das mais importantes dessas
propostas, deixando para capítulos posteriores as teorias específicas que foram desenvolvidas
dentro dessas amplas perspectivas. Nós já encontramos algumas dessas perspectivas quando
discutimos a emergência da sociologia no capítulo anterior. Aqui seremos mais explícitos nos
elementos fundamentais dessas amplas propostas (1. Turner, 1991).
Teorização Funcional
A teoria funcionalista foi criada por l-lerbert Spencer e retomada por Êmile Durkheim no
século XX. Durante certo período dos anos 50, esse tipo de teoria dominou a sociologia; agora,
representa apenas uma das diversas propostas. Todas as teorias funcionalistas examinam o
universo social como um sistema de partes interligadas (Turner e Maryanski, 1979). As partes
são então analisadas em termos de suas conseqüências, ou funções para o sistema maior. Por
exemplo, a família seria vista como uma instituição social básica, que ajuda a manter a
sociedade maior, regulamentando o sexo e unindo os adultos, e socializando os jovens para
que eles possam se tornar membros competentes de uma sociedade. Alem disso, pode-se
examinar qualquer estrutura — isto é, sua atual faculdade ou universidade em termos
funcionalistas basta fazer uma única pergunta: como algum aspecto de sua escola
— conjunto de estudantes, grêmios e~ (issociações, diretório acadêmico, classe, corpo
docente, administradores etc. — contribui para o funcionamento do sistema global?
Há muitos problemas com teorias funcionalistas. Um dos mais importantes é que elas
freqüentemente vêem as sociedades como demasiadamente bem integradas e organizadas
(Dahrendorf, 1958, 1959). Assim, se toda parte do sistema tem uma função ou preenche uma
necessidade, as sociedades pareceriam ser máquinas de movimento suave e bem lubrificadas.
Todos nós sabemos, é claro, que isso não é verdade, pois o conflito e outros processos
“disfuncionais” também existem. Contudo, teorias funcionalistas ainda têm um atrativo
porque elas nos levam a ver o universo social, ou qualquer parte dele, como um todo sistêmico
cujos elementos constitutivos funcionam em conjunto; ou seja, o funcionamento de cada
elemento tem conseqüências sobre o funcionamento do todo.
Teorias do conflito
Karl Marx e Max Weber foram as origens intelectuais de teorias sobre o conflito, embora
outros sociólogos antigos também vissem o mundo social segundo suas contradições. Ao
contrário das teorias funcionalistas, que enfatizam a contribuição das partes para um todo
maior, as teorias do conflito vêem os todos sociais cheios de tensão e os contradições (Collins,
1975). Embora haja muitas teorias distintas sobre o conflito, todos partilham um ponto em
comum: a desigualdade é a força que move o conflito; e o conflito é a dinâmica central das
relações humanas. De fato, seria difícil não notar as tensões e os conflitos que emanam da
desigualdade. Por exemplo, em sua aula de sociologia há uma contradição inerente entre voce
e seu professor sobre um elemento básico: sua nota. O professor controla a nota, e isso
significa que ele tem poder sobre você. Você está, então, numa situação de grande
desigualdade, e a tensão está apenas sob a superfície. Se não consegue a nota que você
queria, você pode ficar contrariado, e, se você pudesse, faria algo para reverter a situação. A
mesma força básica funciona em todas as relações sociais entre atores distintos, como
indivíduos, grupos étnicos, escritórios e pessoal num escritório, classe social, ou nações.
Teorias íuteraccionistas
Ë bom falar sobre “partes”, “todos”, “funções”, “desigualdades” e “conflitos”, mas o que dizer
das pessoas reais que devem se encarar e lidar umas com as outras? As teorias interacionistas
tentam responder a essa questão, como veremos em detalhe no Capítulo 5 quando
retornamos ao trabalho de George Herbert Mead (1934, 1938) e todos aqueles que foram seus
discípulos. Por ora, deixe-me esboçar a posição básica das teorias interacionistas.
Teorias Utilitaristas
Esse conjunto final de teorias fornece hipóteses para a compreensão dos homens da moderna
economia, que, por sua vez, adotavam as idéias centrais dos filósofos escoceses, tais como
Adam Smith (1776) durante a Era da Razão (Camic, 1979). Aos olhos dos teóricos utilitaristas,
os homens são racionais até o ponto em que eles têm objetivos e finalidades; eles calculam os
custos de várias alternativas para atingir esses objetivos e escolher a alternativa que maximize
seus benefícios (ou o que os economistas chamam de “utilidade”) e minimizar seus custos.
Dessa forma, nós somos seres que tentam tirar algum proveito de uma situação, ao
reduzirmos nossos custos (Ilechter, 1987; Coleman, 1991). Por exemplo, você pode calcular
quanto trabalho você está disposto a dispender (seu “custo”) a fim de receber determinada
nota (seu “benefício”) neste curso ou, se eu posso ser idealista por um momento,
conhecimentos que você pode usar durante toda a sua vida (a longo prazo, um benefício muito
mais compensador). Assim, todas as situações envolvem uma “troca” de recursos: você abre
mão de alguns recursos (seu custo) a fim de receber algo que você percebe ser mais valioso
(sua utilidade).
Assim, para os teóricos do utilitarismo, todas as relações sociais são, em última análise, trocas
entre atores que incluem custos a fim de obter benefícios uns dos outros, ou seja, que
calculam a relação custo-benefício. Seu professor incorre num custo (energia e tempo para
preparar as aulas, conversar com os alunos, correção de provas etc.) a fim de receber um
salário (da universidade) e, talvez, sua lealdade e admiração. Da mesma forma, você vai as
aulas, lê, pensa e se submete às pmvas (seus custos) para receber notas, conhecimento, e
talvez uma mesada de alguém como seus pais (seus benefícios ou utilidades). Nós não fazemos
os cálculos conscientemente, na maioria das vezes eles estão implícitos. Apenas quando não
temos certeza do que fazer numa determinada situação é que tomamos consciência dos
cálculos flexíveis de custo-benefício. Mas, finalmente, os utilitaristas argumentam que em
instituições escolares você troca tempo, energia e dinheiro por notas, diplomas e
conhecimento, que você calcula serem ainda mais valiosos do que vias alternatix’as para
dispender seu tempo, energia e dinheiro.
A sociologia tem muitas partes de teoria, tipicamente inspiradas pelos fundadores, mas a
maioria não foi sistematicamente testada e aceita como a melhor explicação do mundo social.
Para alguns, os objetivos da ciência na sociologia são ilusórios, e o sonho de Comte de uma
ciência da sociedade é apenas um sonho. Para muitos outros, a sociologia ainda não se tornou
uma ciência madura, mas seu potencial está presente nas idéias teóricas que foram elaboradas
através destas quatro perspectivas: funcionalista, de conflito, interacionista e utilitarista. Além
disso, há muitas teorias “menores” ligadas a essas quatro e outras propostas mais genéricas,
que nos ajudam a entender muitos processos sociais, como veremos.
A sociologia, como as demais ciências, passa hoje por uma crise provocada pelas
transformações que estão atingindo o contexto social da vida humana. E uma realidade de
mudanças confusas e, às vezes, incontroláveis, que provocam a alteração do papel social da
mulher, modificam as relações de trabalho, fortalecem o sistema capitalista e aumentam a
flexibilidade no gerenciamento. A globalização une os espaços e varre as distâncias,
modificando o papel do Estado-Nação e o comportamento das classes sociais. Essa nova
ordem social exige o repensar das categorias sociológicas. Diz lanni (1997:14): “Diante das
metamorfoses do objeto da sociologia, a teoria logo se vê desafiada, posta em causa no que se
refere a conceitos e interpretações. Não se trata apenas de acomodar e reformular conceitos e
interpretações. Trata-se de repensar alguns fundamentos da própria reflexao sociológica. Há
metamorfoses do objeto da sociologia que desafiam as categorias de tempo e espaço, micro e
macro, holismo e individualismo, sincronia e diacronia, continuidade e descontinuidade,
ruptura e transformações. Nesse contexto, algumas categorias básicas da reflexão sociológica
abalam-se, parecem declinar ou emergem, desafiando a imaginação”. Para Ianni, talvez um
dos maiores expoentes da Sociologia brasileira, a crise dos paradigmas provocada pela
metamorfose das relações sociais força um repensar das análises e categorias sociológicas.
MÉTODOS NA SOCIOLOGIA
Na ciência, os dados no mundo real precisam ser sistemática e cuidadosamente coletados para
que os procedimentos possam ser confirmados por alguém. F’ois, se nós simplesmente
descrevemos alguns dados sem dizer aos outros conto e por quc esses dados foram coletados,
ninguém pode nos checar para ver se os nossos “fatos” são realmente verdadeiros. Assim, na
ciencia uma proposta de procedimento comum — o n11’tl)llo cít’uttWco — direciona a
pesquisa, ou a coleta e análise de informações sobre o mundo.
Experimentos
(1)0 grupo experimental, o qual recebe o estímulo ou é exposto a uma situação de interesse; e
(2) o grupo de controle, o qual não recebe o estímulo ou não é exposto à situação. As
diferenças entre os dois grupos permitem que o investigador determine quanto o estímulo ou
a situação afetou os indivíduos. Esse esquema clássico é raramente usado na sociologia, mas o
objetivo de controlar as influências externas ainda orienta a pesquisa. Um procedimento
experimental mais típico na sociologia isola os indivíduos do mundo externo, e então observa
suas respostas a um estímulo ou a uma situação particular de interesse para os investigadores.
Isolando temporariamente os indivíduos, algum controle sobre as influências externas
éconseguido e torna-se possível registrar as respostas das pessoas a um estímulo ou situação.
Por exemplo, digamos que queremos examinar os efeitos de colocar indivíduos numa situação
de poder Nós isolaríamos um grupo de indivíduos num laboratório, planejaríamos uma tarefa
para eles executarem, e criaríamos uma situação em que um indivíduo tivesse poder
Observando e relatando as respostas, poderíamos examinar os efeitos de ter poder Assim éa
natureza dos experimentos na sociologia.
Levantamento
A técnica de pesquisa mais usual na sociologia são os levantamentos, em que as pessoas são
indagadas sobre um tema de interesse do pesquisador (Rossi et ai., 1985). Essas perguntas
podem ser feitas por um entrevistador que se senta com o entrevistado ou, mais tipicamente,
por um questionário que o entrevistado simplesmente preenche. A validade dessa técnica
depende de alguns fatores. Primeiro, os entrevistados são a população inteira de interesse ou,
mais habitualmente, uma amostra representativa desta população? Segundo, todos os
entrevistados concordam em responder as perguntas? Terceiro, os entrevistados respondem
precisamente às mesmas perguntas? Porém, na prática, esses três aspectos são geralmente
difíceis de ser congregados. Pode ser impossível de perguntar a toda a população, ou ela pode
ser de difícil acesso. Pode ser difícil de conseguir que todos respondam, porque estão
ocupados, desinteressados, esquecidos, ou até mesmo adversos a intromissões em suas vidas.
Pode ser que itens de um questionário sejam interpretados diferentemente pelos vários
entrevistados, ou, em se tratando de entrevistas, os entrevistadores façam as perguntas num
tqm diferente ou a “química” da interação entre o entrevistador e o entrevistado produza
respostas diferentes. Se as amostras são suficientemente grandes, muitos desses problemas
são eliminados, ou se neutralizam. Contudo, ao ser usada extensivamente, essa técnica revela
outros prohlemas (Cicourel, 1964): ela revela apenas o que as pessoas dizem, não o que elas
podem realmente pensar e fazer; estrutura as respostas dos entrevistados em vez de deixar
que eles se comuniquem àsua maneira; fica facilmente sujeita a mentiras e deturpações; não
examina facilmente os fenômenos que não podem ser confrontados com perguntas. Os
sociólogos, entretanto, empreendem essa técnica, porque é rapidamente administrada e
favorável à aplicação de estatística (Collins, 1984; Lieberson, 1985, 1992). Além disso, os
sociólogos estão freqüentemente interessados no que as pessoas pensam, sentem e
acreditam; e uma entrevista ou questionário é uma maneira relativamente fácil de conseguir
conhecimentos, percepções, sentimentos e emoções superficialmente.
Observações
Levantamento Histórico
As vezes queremos saber o que aconteceu no passado. Pode-se, é claro, perguntar às pessoas
nas entrevistas sobre seu passado, mas geralmente queremos observar a longos alcances da
história. É nesse ponto que a história e a sociologia convergem. Todos os fundadores da
sociologia — Spencer, Marx e Weber, em particular — usaram a História para desenvolver ou
ilustrar suas idéias; e em décadas recentes ressurgiu o interesse pelo levantamento historico
para verificar e ilustrar teorias, ou para descrever o encadeamento dos acontecimentos nas
sociedades passadas. A pesquisa histórica pode extrair seus dados da pesquisa prévia de
historiadores que investigaram arquivos empoeirados, ou dos dados dos arqueólogos que
“escavaram” o passado; e, em outras épocas, os sociólogos vão eles próprios aos registros ou
ao sítio arqueológico. A diferença principal entre a história e a sociologia histórica é que, na
maioria dos casos, a pesquisa sociológica está interessada em usar a historia para verificar ou
ilustrar uma teoria mais genérica, ao passo que o historiador busca apenas descrever os fatos
de uma época específica no passado. Embora isso seja uma distinção vaga, captura o sentido
das diferenças entre a história e a sociologia. O grande problema em usar os registros
históricos é que eles sempre estão incompletos e sujeitos a diferentes interpretações (as quais,
é claro, garantem “empregos” aos historiadores); e, como conseqüência, a história raramente
pode fornecer uma “prova” definitiva e conclusiva de uma idéia teoruca.
Uma vez que os dados são coletados por uma dessas técnicas de pesquisa, eles são
submetidos à análise. O tipo de análise depende da técnica de pesquisa e da natureza dos
dados, mas o objetivo é ser meticuloso, sistemático e imparcial. Da análise virão nossas
conclusões sobre o que descobrimos; e, portanto, seria melhor estarmos atentos, pois outros
nos tomarão como ponto de partida e, conseqüentemente, verificarão nossas conclusões.
\ Formular uma
Interesses
Esses passos podem parecer simples bom senso, mas sao muito mais: eles nos obrigam a ser
sistemáticos, permanecer imparciais (ou pelo menos reduzir nossos preconceitos) e deixar
outros saberem o que descobrimos e como descobrimos. Sem as diretrizes do método
científico, não poderíamos acreditar nas descobertas um do outro e não saberíamos como
x’erificá-las e reavaliá-las. Disso resultaria um conhecimento por “puro acaso” e geralmente
inexato; e não acumularíamos conhecimentos válidos sobre o mundo.
Meus colegas sociólogos geralmente proclamam que a sociologia é “uma forma de arte
Esse abismo aparentemente intransponível entre a intuição, por um lado, e a pesquisa, por
outro, é desnecessário. Nossas idéias, sentimentos e intuições são fontes maravilhosas de
dados sociológicos. Embora geralmente enfatizemos os problemas metodológicos de tais
dados — preconceitos e julgamentos pessoais, impossibilidade de verificação empírica, por
exemplo—, deveríamos também reconhecer a grande vantagem que eles nos dão sobre os
cientistas naturais. Visto que somos homens estudando homens e suas estruturas de
organização social, podemos usar nossa intuição para obter informação. Nós geralmente
temos profunda intimidade com a nossa matéria numa medida que um geólogo ou um tisico
nunca pode ter. Em resumo, nossa intuição e nosso sentimento podem nos dar uma
verdadeira percepção sobre o que está acontecendo. Contudo, não deveríamos ir fundo nessa
questão, como muitos sociólogos fazem.
Nossa intuição pode estar errada, ou apenas parcialmente certa. E se propomos soluções
baseadas em informações incorretas ou partidárias (isto é, naquilo que pensamos
que dt’z’crio ocorrer), podemos, potencialmente, fazer mais mal do que bem. De fato,
podemos machucar as pessoas e criar situações sociais ainda mais difíceis para aqueles que
estamos tentando ajudar. Assim, precisamos qualificar o nosso entusiasmo pela intuição e pela
informação, reunidas e interpretadas à luz de nossas experiências reais na esfera social. Nós
não deveríamos desprezar essa vantagem intuitiva ou suprimi-la, tampouco deveríamos
reprimir nossos interesses humanistas e desejos de ajudar as pessoas e fazer um mundo
melhor Mas precisamos complementar isso. Essa complementação surge com o
reconhecimento de que a ciência é o que pode mobilizar e canalizar a intuição e os
preconceitos ideológicos com finalidades construtivas.
Se queremos exercitar nosso humanismo — e esse motivo é o que faz a maioria de nós se
iniciarem sociologia—, precisamos ser hábeis ao reunirmos e interpretarmos informação sobre
as situações que queremos mudar e sobre as pessoas que queremos ajudar. Nós também
precisamos entender por que e conto as situações funcionam. E precisamos ser capazes de
antecipar as conseqüências de quaisquer mudanças que iniciamos e coletar informação precisa
dessas mudanças. Nós não podemos confiar na intuição e em nossas ideologias pessoais
nessas questões. Nós precisamos de teoria que tenha contrariado esforços para contestá-la
para nos dizer como e por que as coisas funcionam, e precisamos usar essa teoria
determinando o que precisa ser feito para melhorar uma situação. Nós também precisaremos
coletar informação precisa e analisá-la cuidadosamente para saber exatamente o que existe
numa situação e exatamente quais são as conseqüências de nossas ações teoricamente
concebidas.
Se não temos teoria, não temos estrutura para entender e interpretar o mundo social. Daí, não
sabemos o que fizemos ou o que esperar. Se não temos métodos, não podemos ter confiança
em nossas teorias, visto que elas não foram verificadas empiricamente, e não podemos saber
exatamente o que precisa ser mudado numa dada situação. Nós podemos usar nossa
familiaridade com uma situação e nossa intuição criativa para fazer valer teorias importantes e
desenvolver formas sistemáticas de coletar informação. Mas nossa intuição não pode
substituir a teoria, métodos meticulosamente construídos e análise detalhada. Por isso a
ciência é uma importante ferramenta para aproximar as questões sociais e os problemas de
interesse dos humanistas.
Como mencionei no Capítulo 1, o fundador da sociologia, Auguste Comte, acreditava que uma
ciência da sociedade pudesse servir para melhorar uma sociedade. Ele observou que, se a
sociologia podia desenvolver e provar leis teóricas como aquelas nas ciências físicas e
biológicas, seria possível alcançar um nível de entendimento sobre a organização humana que
facilitaria a construção de novas formas sociais. Assim, Comte viu que a ciência e o humanismo
não são opostos: uma vez que haja entendimento de como e por que o mundo social funciona,
esse conhecimento pode ser usado para construir um mundo melhor. Em estilos inteiramente
diferentes, Karl Marx e Émile Durkheim sentiam da mesma forma. Eles desejavam usar seus
conhecimentos conceituais de como o mundo funciona para coustruir unta sociedade melhor.
engenharia, ela pode ser usada para fins bons e maus — devendo “bom~~ e “mau”, é claro, ser
definidos. Assim, não deveríamos ver a sociologia científica como uma atividade misteriosa e
secreta, pois na realidade está sendo usada para mudar nossas vidas diárias; e é provável que
seja usada ainda mais no futuro.
RESUMO
1. A ciência é o esforço sistemático para compreen~er o universo, partindo de idéias teóricas
que receberam sólido apoio com pesquisas meticulosamente desenvolvidas.
3. A teoria na sociologia não é tão bem desenvolvida como nas ciências naturais. Atualmente,
quatro perspectivas teóricas genéricas orientam a teoria na sociologia: (a) o funcionalismo, em
que o interesse é compreender como os fenômenos sociais funcionam a fim de atenderas
necessidades do todo social no qual eles estão inseridos; (b) teorias do conflito, em que a
ênfase está nos efeitos de desigualdades que produzem conflito; (c) o interacionismo, em que
a atenção está voltada para o uso de gestos na comunicação face a face e adaptações de
indivíduos um para com o outro; e (d) o utilitarismo, em que a ênfase está no cálculo de
custos-benefícios na busca dos objetivos.
4. os dados no mundo empírico são coletados sistematicamente de acordo com os dogmas do
método científico. Esses dogmas incluem: (a) estabelecer uma problemática de pesquisa; (b)
formular uma hipótese; (c) coletar dados ou promover experimentos, entrevistas e
questionários, observações ou levantamento histórico; (d) analisar os dados; e (e) tirar
conclusões com respeito à validade da teoria, pesquisa exploratória, ou interesses particulares
de um cliente.
6. O acúmulo de conhecimento sociológico será usado para construir e reconstruir as relações
sociais. Tais esforços não são obrigatoriamente anti-humanistas; na verdade, eles podem ser
feitos em nome do humanismo. Daí, a ciência e o humanismo não serem, por definição,
contradi tórios.
UM MUNDO DE SÍMBOLOS
Os homens, assim como outros animais, podem fazer algo surpreendente: podem representar
facetas do mundo, suas experiências e praticamente qualquer coisa com sinais arbitrários. Nós
chamamos esses sinais de símbolos quando as pessoas chegam a um consenso quanto ao que
um sinal significa e o que representa. As palavras que você está agora lendo são sinais (marcas
pretas numa página) com cujo significado nós concordamos; e daí cada palavra é um símbolo.
Essas palavras são organizadas em sentenças, parágrafos e capítulos. Elas são parte de
um sistema organizado de símbolos.
O que é verdadeiro no caso da língua é verdadeiro para quase tudo o que podemos pensar.
Bandeiras, cruzes, punhos fechados, franzir as sobrancelhas, livros, bíblias e programas de
computador, todos são sinais que carregam significados combinados. Em geral, eles pertencem
a sistemas de símbolos, pois eles invocam outros símbolos e significados
relacionados. É através de tais sistemas de símbolos que lembramos do passado, tomamos
conhecimento do presente e prevemos o futuro. Sem essa capacidade surpreendente, nosso
mundo seria feito de impressões banais e irrelevantes. Nós seríamos escravizados no aqui e
agora. Não teríamos a música, a arte, a matemática, a piada, o juramento, a leitura, a
adoração, ou quaisquer outras coisas que nós, como homens, aceitamos como verdade. Nossa
vida seria chata e rotineira, mas não “saberíamos” isso, visto que seríamos incapazes de
representála com símbolos.
Os sistemas de símbolos humanos não são geneticamente programados. Eles são criados no
imaginário, usados e transformados à medida que nos defrontamos uns com os outros e com
as condições de nosso meio ambiente. Mas, na prática, eles equivalem aos códigos genéticos
dos insetos sociais, pois eles moldam nossas ações e, sobretudo, nossos padrões de
organização social. O conjunto desses sistemas de símbolos de uma população humana é
geralmente denominado pelos sociólogos de cultura (Kroeber e Kluckhohn, 1973; Parsons,
1951). No dia-a-dia, freqüentemente usamos o termo cultura para nos referirmos a outras
coisas, como um bom vinho, um bom whisky, um tempero gostoso ou uma cerveja especial,
mas isso em si não é cultura, e sim produtos materiais cuja existência é decorrente da cultura.
Trata-se de coisas criadas simbolicamente a fim de organizar as pessoas para produzirem
novas coisas. Todavia esses produtos também podem ser símbolos culturais em si mesmos se
eles “dizem algo” sobre nós aos outros. Então, servir uma cerveja especial e não uma marca
qualquer pode significar algo, ainda que de maneira sutil, em sua relação com os outros, assim
como dirigir um automóvel Mercedes-Benz, Lexus ou BMW. Dessa forma, os produtos
culturais (que resultam de símbolos culturais, quando eles organizam a produção) podem se
tornar símbolos e influenciar o comportamento, a interação e a organização entre as pessoas.
Assim, o ponto de vista enfatizado aqui salienta o fato de que nosso mundo éconstruído e
mediado por símbolos. Praticamente tudo o que experimentamos, fazemos, desejamos e
vemos está preso a símbolos. Assim, entender a nós mesmos e o mundo social mais amplo
requer um conhecimento maior da cultura. Nós precisamos reconhecer que os simbolos
estruturam nosso mundo, embora em menor medida do que no caso das formigas, das
abelhas e dos cupins geneticamente pré-programados. Em resumo, não deveríamos
subestimar o poder dos simbolos culturais para ditar nossas percepções, nossos
conhecimentos e nossos comportamentos, tampouco deveríamos superestimar seu poder Os
homens os criam e podem recriá-los à medida que transformam suas relações uns com os
outros quando reorganizam seus mundos sociais ou quando lidam com novas condições
ambientais.
Essa perspectiva pode oferecer subsídios para uma certa compreensão da cultura brasileira. Se
analisarmos a sociedade brasileira, podemos perceber as transformações dos últimos
cinqüenta anos. Entretanto, ainda estamos saindo da cultura de favores marcada por traços
autoritários, em que predominam o coronelismo e o populismo, para uma cultura de direitos,
com ênfase nos valores da cidade e da democracia. Souza Neto (1993) destaca a trajetória
dessas mudanças sociais nas conquistas das crianças e dos adolescentes no Brasil e no mundo.
SÍMBOLOS E SOCIEDADE
De certo modo, a cultura e seus produtos são simples recursos que nos possibilitam fazer as
coisas. Sem a linguagem, nossa comunicação é limitada. Sem a tecnologia (informação sobre
como manipular o meio ambiente) não poderíamos comer e nos abrigar. Os simbolos, então,
intermedeiam nossa adaptação ao meio ambiente, nossa interação com os outros, nossa
interpretação de vivências e nossa própria organização em grupos.
Entretanto, os simbolos são mais que uma intermediação conveniente. Também nos dizem o
que fazer, pensar e perceber Parafraseando Marshall McCluhan, nossa mediação simbólica
também carrega uma mensagem, ou um conjunto de instruções. Como vimos, eles não nos
acorrentam da mesma forma que a informação nos genes das formigas, abelhas e cupins, mas
realmente limitam nossas opções. Até mesmo um recurso simbólico aparentemente neutro
como a língua carrega uma mensagem escondida (Hall, 1959). Por exemplo, a língua dos norte-
americanos nativos Hopi difere do inglês no sentido em que trata a noção de tempo (Carroll,
1956). Em inglês, “tempo”é um substantivo, que significa que pode ser modificado — morto,
economizado, gasto, perdido, desperdiçado. (Por exemplo, você pode estar passando “tempos
difíceis” lendo meu livro, ou você pode considerar tudo isso “um desperdício de tempo”. Mas
para os Hopi, “tempo”é um verbo e como tal não pode ser modificado ou manipulado como
um substantivo; o tempo simplesmente flui e os homens seguem esse caminho. (Um Hopi
provavelmente reclamaria menos deste livro.) Assim, as respectivas opiniões da pessoa que
fala hopi ou inglês variarão, assim como seus comportamentos e estruturas da organização
social. No caso brasileiro temos a palavra “saudade”, que não encontra uma tradução perfeita
em outras línguas. A cultura, então, éraramente um recurso neutro. A cultura é uma restrição,
e é esse aspecto coercitivo da cultura que mais interessa aos sociólogos.
SISTEMAS DE SÍMBOLOS
Os simbolos são organizados dentro de sistemas que os tornam bastante complexos. Embora
haja uma enorme diversidade nos sistemas de simbolos e entre as populações humanas, estes
sistemas são de diversos tipos básicos.
Sistemas de Linguagem
Um primeiro tipo é o sistema de códigos de linguagem que pode classificar desde palavras
faladas e as palavras escritas nesta página até complexas representações matemáticas e
algoritmos de computador. Os tipos básicos de códigos de linguagem de uma população
influenciam amplamente sua organização. Por exemplo, se uma população tem apenas a
língua falada, seus modos de organização serão limitados, ao passo que, se essa população
pode desenvolver também uma língua escrita, pode armazenar informação de forma eficaz,
conseqüentemente, elaborar outros modos de organização social. E, se novas linguagens —
matemática, lógica, algoritmos de computador e outros códigos simbólicos — podem ser
desenvolvidas, as possibilidades de adaptação dessa população ao seu meio ambiente podem
aumentar, e a natureza das relações sociais de seus membros e seus modos de organização
social serão fortemente alterados. Pense, por exemplo, no que a linguagem de informática
tem feito para a velocidade, proporção e distância das relações do mundo moderno, e você
pode ver o poder da linguagem para transformar a sociedade.
Sistemas de Tecnologia
podemos produzir mais, ficar maiores e mais complexos. Assim, a tecnologia é uma das forças
motrizes da organização humana, age como uma jamanta cultural, transformando nossos
modos de vida, nossos relacionamentos com os outros e nossas formas de organização social
(Lenski, 1966; Lenski, Lenski, e Nolan, 1991). De fato, quase todo aspecto de sua vida diária —
sua roupa, seu transporte, seus planos de vida, suas percepções, suas aspirações, seus modos
de comunicação — está circunscrito pelos produtos oriundos de novos conhecimentos ou
tecnologia. De fato, nem podemos imaginar a vida sem telefone, televisão, carro,
apartamento, roupas fáceis de passar, redes de informática, conversa por e-mail, CD’s, e assim
por diante. Se as relações pessoais se perdem nessa “dança” tecnológica, não deveríamos nos
surpreender.
Sistemas de Valores
Os valores possuem um aspecto especial: eles são abstratos dentro de sua generalidade de
aplicações. Eles podem servir a muitas situações diversas (Kluckhohn, 1951). Sem esta
qualidade abstrata, que nos permite adequar os valores a situações específicas, as pessoas
teriam dificuldade de se comunicar e relacionar-se, porque elas não teriam qualquer padrão
moral comum para avaliar as ações dos outros bem como suas próprias. Imagine uma conversa
entre dois indivíduos que defendem conjuntos de valores bem diferentes. Eles não
concordariam no que deveria ocorrer, o que seria justo, e o que seria um comportamento
adequado. O que é notável na maioria das populações humanas é o fato de terem, no mínimo,
algum consenso sobre os valores. Esse consenso é raramente perfeito, devo advertir, pois uma
das mais interessantes dinâmicas de uma sociedade é o conflito sobre os valores. Mas uma
sociedade sem um mínimo de consenso de valor seria caracterizada pelo conflito e tensão. É
impressionante que numa sociedade tão grande como a brasileira ou a dos Estados Unidos,
espalhada sobre uma imensa área geográfica, haja algum acordo sobre o que é bom, ruim,
adequado e inadequado. Em grande parte, esse consenso geral sobre os valores é o que nos
faz tipicamente “brasileiros”, e o que nos possibilita como indivíduos nos adaptarmos dentro e
fora de novas situações sem grande tensão. Quando partilhamos valores básicos, podemos
interagir, embora possamos discordar em muitas coisas.
Quais são alguns dos valores comuns (Williams, 1970)? No Brasil ou na América, concordamos
com valores como êxito (fazer bem, tentar fazer bem), “atuação” (tentar dominar e controlar
situações), liberdade (não ter limites na busca de nossos sonhos), progresso (aprimorar nós
mesmos e o mundo ao nosso redor), materialismo (adquirir objetos materiais, criteriosamente,
é claro) e eficiência (fazer as coisas de maneira racional e prática).
Essas idéias, assim como outras, nós partilhamos e elas nos servem como padrões morais para
avaliar nós mesmos e os outros nas situações mais concretas. Nós não concordamos com
todos esses valores; de fato, algumas pessoas rejeitam todos eles. Mas há um grau
surpreendente de consenso sobre eles dentre a maioria das pessoas. Enquanto você e eu
poderíamos, por exemplo, atribuir a esses valores prioridades diferentes, nós provavelmente
concordamos sobre eles de maneira geral. Como conseqüência, podemos interagir sem
grandes dificuldades.
Com a mesma relevância, o todo social e seus elementos — economia, sistema político,
sistema educacional, padrões de coletividade, e assim por diante — são influenciados por
esses valores. Dessa forma, há alguma “cola” para manter a sociedade junta e lhe dar algum
grau de coesão.
Os valores operam, é claro, nos indivíduos quando eles tomam decisões de se comportar de
certas maneiras. Por exemplo, um aluno norte-americano ao ler este livro éorientado pelos
valores centrais de sua sociedade: “atuação” (dominarei este livro), êxito (terei êxito em
compreendê-lo), progresso e materialismo (tenho de conseguir um diploma que me certifique
como qualificado para um bom emprego) e eficiência (não vou desperdiçar tempo relendo).
Todos esses valores orientam a conduta do aluno num sistema educacional organizado em
torno dessas premissas morais. Além disso, o ingresso na escola marcou uma aceitação
implícita desses valores pelos alunos e desejo de perpetuar o sistema educacional organizado
em torno da “atuação”, do êxito, do individualismo e do materialismo. O que vale para a
escola também vale para quase todas as situações. Uma das facetas dos valores de um sistema
de valores é orientar as percepções e a conduta dos indivíduos na sociedade.
Sistemas de Crenças
Ainda outro tipo de sistema de símbolo gira em torno das crenças, que são as cognições e as
idéias das pessoas em determinadas situações — educação, trabalho, família, amizades,
política, religião, vizinhança, esporte, lazer e todos os tipos básicos de situações sociais numa
sociedade (Turner e Starnes, 1976). Algumas crenças representam a aplicação de valores
básicos de situações específicas. Numa faculdade ou universidade, por exemplo, os alunos
deveriam obter boas notas (êxito), trabalhar arduamente (“atuação”, eficiência),
evoluir nos conhecimentos (progresso). Quase todas as situações — trabalho, diversão,
amizades, esporte etc. — envolvem crenças que nascem da aplicação desses e outros valores
comuns. Até mesmo num relacionamento pessoal imaginamos quão “bem estamos fazendo”
(êxito), se estamos progredindo no relacionamento (progresso) e o que precisamos “fazer para
melhorá-lo” (“atuação”). Dependendo do tipo de relacionamento — namoro, relacionamento
filial, coleguismo, amizade — aplicam-se crenças bastante diferentes, mas todas elas invocam
as mesmas premissas de valor Fazendo isso, elas nos orientam e nos deixam confiantes de que
estamos fazendo a coisa certa.
Outras crenças são, aparentemente, mais concretas. Elas são idéias que defendemos sobre “o
que é e o que existe” numa situação. “Sabendo o que existe” nos sentimos confiantes para
enfrentar determinada situação e agir nela. Também defendemos crenças sobre situações que
não vivemos, que ainda temos que viver, ou que jamais vivemos —trabalho, casamento,
velhice, pobreza, e outras situações distantes. Membros de uma população podem ser vistos
como “ligados” nos mundos sociais uns dos outros dessa forma. Possuindo as crenças de
outros cenários e contextos sociais, nós vicarialmente sabemos sobre” esses cenários e
podemos potencialmente “agir” neles. Por esta razão, novas situações não são totalmente
desconhecidas. Temos valores comuns e algumas crenças para nos orientar quando
inicialmente nos atrapalhamos.
Entretanto, nossas crenças concretas não são sempre precisas. Elas são muito influenciadas
por valores e outras crenças sobre o que deveria ocorrer ou existir numa determinada
situação. Mas estamos convencidos de que realmente conhecemos outros contextos sociais,
sentimos um companheirismo vicário com os outros e a sensação de que poderiamos operar
nesses outros contextos. Por exemplo, a maioria dos norte-americanos acredita que há
oportunidades de emprego para qualquer um que realmente queira trabalhar e que muitos
beneficiários da previdência social são preguiçosos e deturpam sua necessidade (Kluegen e
Smith, 1986; Smith, 1985). Essa crença invoca valores como “atuação”, êxito, progresso e
eficiência para o mundo do trabalho e do bem-estar Também contém alguns dados
supostamente neutros: há muitos empregos lá fora e muitas pessoas demasiadamente
preguiçosas para pegá-los. E carrega uma presunção: se eu estivesse pobre e sem trabalho, eu
pegaria qualquer emprego e preservaria minha dignidade. Assim, sentimo-nos conhecedores
de um mundo que, na realidade, é provável que não vivamos. Mas os “dados” nessas crenças
podem estar errados: a maioria das pessoas inscritas na previdência social não podem
trabalhar — elas são velhas demais, incapazes demais e doentes demais, e praticamente
metade delas trabalham período integral ou foram despedidas (1. Tumer, 1993b); assim, os
“dados” mais precisos são que a economia não tem empregos suficientes para todos os
cidadãos e que os salários para muitos empregos não são suficientemente altos para manter
as pessoas fora da pobreza (Beeghley, 1983; Ropers, 1991). Portanto, nossas crenças sobre o
que realmente existe e ocorre podem ser influenciadas pelos nossos julgamentos de valor. Isso
não é ruim; é inevitável em questões humanas.
De fato surgiu, na sociedade moderna, uma verdadeira indústria para apurar as ações e as ?
piniões públicas — que são, na essência, expressões de crenças. A indústria da opinião publica
vai alem das apurações de eleição e levantamentos de opinião gerais, como fazem os institutos
Gallup e Harris; ela também envolve as pesquisas de mercado. A percepção de que o
comportamento das pessoas — desde a hora de votar para presidente até comprar um
produto — é influenciado por suas atitudes, que, por sua vez, são moldadas por seus valores e
crenças comuns, mudou amplamente a maneira de os políticos concorrerem à eleição, assim
como a maneira de as empresas negociarem.
No Brasil, até há pouco tempo, a classe dominante brasileira e mesmo a classe dominada
acreditava que a pobreza era de responsabilidade exclusiva do indivíduo. O pobre era
naturalmente um “vadio”. Essa crença fez com que a pobreza no Brasil fosse tratada como
uma questão de policia e não de políticas sociais.
Sistemas Normativos
Valores e crenças são genéricos demais para regular e orientar o comportamento de maneira
precisa; eles nos dão apenas uma visão e perspectiva comuns, habilitando-nos aos
comportamentos gerais (Blake e Davis, 1964). Mas eles não nos dizem precisamente o que
fazer. As normas compensam essa deficiência dos outros sistemas, informando-nos o que
éesperado e apropriado numa situação especifica. Imagine-se vir à aula sem conhecer as
“regras” e as expectativas para o comportamento de um aluno. Você é mobilizado a alcançar
sua metas com êxito, a ser ativo e progredir intelectualmente, mas você não sabe o que fazer
— onde sentar, como agir, o que fazer com suas mãos, pemas, boca e intelecto. Isso pode ser
dificil de imaginar se você não conhece bem as regras gerais do comportamento escolar Na
realidade, se nunca esteve numa sala de aula, se nunca teve seus próprios livros e se nunca
assistiu a uma aula de faculdade, essa nova situação pode lhe parecer desconfortável. De fato,
você pode se encontrar observando como os outros se sentam na sala de aula e como tomam
notas. Assim, pode-se conhecer as normas gerais elementares de determinadas situações — o
que alguns sociólogos chamam de normas institucionais —, mas cada pessoa deve aprender
normas complementares para adequar o comportamento num ambiente especial.
As normas variam desde as institucionais, que são concepções gerais para o comportamento
nas esferas sociais básicas (trabalho, escola, amizades, casa etc.) às mais especificas, que nos
dizem precisamente como atuar num ambiente concreto. Todos temos conhecimento das
normas institucionais mais importantes, e conseqüentemente podemos entrar em novas
situações com alguma orientação. Uma vez lá, podemos aprender as normas complementares,
através da leitura de gestos dos outros. Nós devemos também aprender como criar novas
normas em algumas situações quando interagimos com os outros, e esse processo pode
tornar-se muito difícil, especialmente se as pessoas defendem diferentes crenças e invocam
variações de normas que se contradizem. Quando as pessoas se casam, por exemplo, elas
geralmente precisam negociar novos acordos sobre como elas vão comportar-se, porque as
opiniões sobre o papel dos homens e das mulheres estão sofrendo transformações e as
normas sobre as atividades da esposa e do marido podem diferir enormemente. À luz desse
fato, não é surpreendente que a taxa de divórcio nos Estados Unidos seja mais alta no primeiro
ano de casamento (Collins e Coltrane, 1991). A maioria dos recém-casados possuem crenças
extremamente românticas, conhecem apenas as normas institucionais gerais sobre o
casamento, e se apóiam no exemplo dos casamentos de seus pais e de seus amigos para
orientar suas relações. Porém, para sua realização, o casamento exige outras normas, sem as
quais fracassa.
Estoques de C’ouhecimento
Assim, cada um de nós tem um estoque de conhecimento, moldado pelas experiencias vividas.
Usamos esses estoques para nos guiar nas situações; e, quando as pessoas partilham estoques
semelhantes de informação, elas podem construir uma visão comum de uma situação. Até
mesmo quando não falamos a mesma língua isso é possível; alguém que viajou para um país
estrangeiro pode comprovar como, pelos gestos, podemos freqüentemente consegui ir que os
estrangeiros tirem de seus estoques de conheci mcii ti) informações p rox~ mas
às nossas, especialmente com respeito às situações comuns. Essa capacidade de usar esses
sistemas implícitos de símbolos dá aos homens uma enorme flexibilidade em sua adaptação a
novas situações.
VARIAÇÕES CULTURAIS
Os homens criam sistemas de símbolos culturais porque precisam deles. Eles sao
desenvolvidos para facilitar a interação e a organização, como argumentam os teóricos do
funcionalismo. E, porque as pessoas vivem e agem em diverso meio ambiente, a cultura
naturalmente também se diferenciará. E, como enfatizaria a teoria do conflito, as variações
culturais são uma fonte de constantes contradições e tensão numa sociedade. Exatamente
como as línguas, outros sistemas culturais também diferem, tais como a tecnologia, os valores,
as crenças, as normas e os repertórios de conhecimento. Esse fato tem enormes implicações.
Deixe-me revisar algumas delas.
seu comportamento
Interações ou adaptações em micro-nível que as pessoas produzem nos contatos face a face
Conflito Cultural
Os sistemas culturais como os valores e crenças são um conjunto “de lentes” ou um prisma
colorido através do qual vemos o mundo. Nossas percepções são tão influenciadas pela
cultura, que percebemos algumas coisas mas ficamos inconscientes quanto a outras. E por isso
que a ciência foi criada como um esforço consciente para a redução dos preconceitos
inerentes de cada cultura. A ciência é um tipo de sistema de crença e, como outros aspectos
da cultura, surgiu para lidar com os problemas humanos. No caso da ciência, o desejo de
coletar informação precisa e verificar as idéias empiricamente levou ao desenvolvimento da
crença de que o conhecimento é gerado por teorias que são constantemente verificadas com
dados sistematicamente coletados. lnicialmente, as crenças sobre a ciência, e mais tarde o
desenvolvimento de normas de comportamento para os cientistas, encontraram grande
resistência por parte de outros tipos de sistemas de crenças — religião, filosofia e ideologia,
para citar apenas as mais importantes. E alguns destes ainda vêem a ciência com grande
antipatia. Tal antipatia pode criar conflitos culturais entre indivíduos que concomitantemente
mantêm um número de crenças diferentes, assim como conflitos maiores entre grupos de
indivíduos que aderem a diferentes crenças. Os fundamentalistas religiosos questionam a
ciência quando suas conclusões violam seus dogmas. Marxistas, de direita ou de centro,
geralmente se recusam a aceitar o conhecimento cientificamente fundamentado. Até mesmo
nos Estados Unidos, onde a ciência é uma crença cultural dominante, o conflito vem à tona
quando questões com forte fator emocional, como o ensinamento da evolução darwiniana no
lugar da Criação divina, são debatidas.
Quando as diferenças nas crenças culturais se tornam a base da organização política e da ação,
conflitos culturais tornam-se mais intensos. Por exemplo, o conflito atual sobre
o aborto envolve não apenas o desacordo entre as crenças sobre maternidade, vida e
concepção mas um verdadeiro combate entre vários grupos organizados (Luker, 1984). Tais
conflitos são difíceis de resolver porque as crenças dos “combatentes” são muito diferentes e
energicamente defendidas. Conflitos semelhantes ocorreram inúmeras vezes nos Estados
Unidos e em todas as sociedades complexas em que o consenso absoluto sobre os simbolos é
simplesmente impossível.
Subculturas
A cultura hegemônica brasileira concebe a cultura das classes populares ou subalternas como
inferior. Essa ótica ganha visibilidade quando observamos as relações cotidianas das chamadas
“minorias”, como é o caso da mulher, da criança, do idoso, do nordestino, do índio, do homem
que vive na rua, que são tratados como coisas. Isso contraria o pressuposto de que a cultura é
a forma de ser de um povo, de um grupo, e que sua desvalorização é a desvalorização da
própria pessoa.
Contradições Culturais
Não apenas os subgrupos podem possuir crenças culturais diferentes e outros símbolos, mas
os componentes culturais podem eles próprios ser de alguma forma incoerentes e
contraditórios. Nós em geral possuímos valores, crenças e normas incoerentes; e como
conseqüência experimentamos as contradições culturais. Felizmente, a inteligência humana
permite apaziguar, ainda que receosamente, muito dessa incoerência. Assim, os biólogos
podem aderir ao darwinismo quando pesquisam e podem acreditar na Criação em seu dia-a-
dia; os brancos podem acreditar na igualdade e liberdade enquanto possuem estereótipos
discriminatórios sobre os negros; os alunos podem acreditar no aprendizado e ainda colar nas
provas; e os professores podem acreditar numa busca imparcial pela verdade e odiar aqueies
cuja pesquisa contradiz a sua própria. Mas há limites para essas “ginásticas da inteligência”.
Incoerência demais pode criar um problema para o indivíduo e, se muitas pessoas numa
sociedade enfrentam contradições culturais, patologias pessoais surgem e se espalham pela
sociedade. Ou contradições culturais podem levar as pessoas a mudar a sociedade, como foi o
caso nos dias que precederam à guerra civil norte-americana, quando os abolicionistas
reagiram contra as crenças das pessoas que afirmavam tanto que “todos os homens são
iguais” (as mulheres também, esperemos) quanto que a escravidão era aceitável. Assim,
importantes contradições nos valores, crenças e normas geralmente criam distúrbio tanto
pessoal como social. Eles san a essência da mudança e reorganização numa sociedade.
Etnocen trism o
Finalmente, todos os sistemas culturais fazem com que as pessoas vivam numa sociedade
etnocêntrica — isto é, os indivíduos tendem a ver seu sistema de \alores, crenças e normas
como melhores do que os dos outros. Esse etnocentrismo leva à intolerância, e a intolerancia
leva, por sua vez, ao conflito e as tensoes.
Assim a crenca dos Estados Unidos em sua superioridade moral pode levá-los a interferir nas
questões das outras nações cujos caminhos são, sob uma visão etnocêntrica, inferiores. Várias
outras sociedades fizeram isso, e portanto nz~o deveríamos nos punir. O etnocentrismo
também existe no interior de uma sociedade: membros de certas suhculturas podem ver como
interiores os de outras .suhculturas, e isso também pode levar ao conflito.
RESUMO
1. A informação que orienta grande parte da atividade humana é simbólica e não genética. Ao
contrário dos insetos sociais, os homens criam os códigos que orientam seus comportamentos,
interações e modos de organização social.
2. A cultura é o sistema de símbolos que uma população cria e usa para organizar-se, facilitar a
interação e para regular o comportamento.
3. Há muitos sistemas de simbolos dentre uma população, mas entre os mais importantes
estão: (a) sistemas de linguagem que as pessoas usam na comunicação; (b) sistemas de
tecnologia que incorporam o conhecimento sobre como dominar o meio ambiente; (c)
sistemas de valores que dizem respeito aos princípios de bom e mau, de certo e errado; (d)
sistemas de crença que organizam as cognições das pessoas sobre o que deveria existir e
realmente existe em situações e espaços específicos; (e) sistemas normativos que dão
expectativas gerais e específicas sobre como as pessoas devem se comportar em diversas
situações; e (f) estoques de conhecimento, que dispõem de informação implícita que as
pessoas inconscientemente usam para compreender as situações.
4. A cultura varia dentro e entre as sociedades, e essa situação geralmente leva ao conflito
entre aqueles que possuem valores, crenças ou normas diferentes. Alguns conflitos
permanecem no nível simbólico, mas o conflito geralmente surge do combate aberto entre
partes com crenças diferentes.
5. As subculturas surgem e persistem em sociedades complexas, cada uma revelando alguns
sistemas de simbolos distintos. As vezes, o conflito é evidente entre as subculturas,
especialmente quando algumas subculturas são capazes de impor seus símbolos às outras.
7. O etnocentrismo é um subproduto inevitável das diferenças culturais, com indivíduos que
vêem como inferiores aqueles símbolos culturais distintos dos seus. O etnocentrismo produz
preconceitos que geralmente vêm à tona em conflitos declarados.
ATORES E INTERAÇÃO
Shakespeare uma vez escreveu: O mundo é um palco, e todos os homens e as mulheres sao
apenas atores: eles têm suas entradas e saídas; e desempenham muitos papéis de cada vez”.
Muito da vida humana é de fato realizado num palco, mas, ao contrário da vida teatral, nosso
palco é montado pelos simbolos culturais e estrutura social. Num sentido real, todos nós
somos atores num palco e atuamos diante de uma platéia formada pelos presentes e por
aqueles que podemos imaginar Ao mesmo tempo que tentamos interpretar comportamentos
culturais, estamos num palco construído pela estrutura social. A vida social envolve cada um
de nós como atores que, ao interpretar, interagem com os outros. Este processo é
fundamental para a vida social, para a compreensão de nós mesmos e daqueles ao nosso redor
No começo do século XX cientistas sociais não entendiam como a interação humana ocorre.
Tudo levava a crer que a interação entre as pessoas é o processo fundamental dentro do
mundo social, mas como e por que isso ocorre? Quais são os mecanismos específicos e os
processos envolvidos? Um filósofo da Universidade de Chicago, George Herbert Mead (1934),
desvendou o mistério desse processo, como observei no Capítulo 1. Mead não teve nenhuma
idéia genial; ao contrário, ele pegou pedacinhos dos trabalhos de outros e os combinou de
maneira a fazer sentido.
Quando esses três estágios se passaram, então a interação ocorreu. Note que sinais e gestos
são o veículo crítico de interação e que esses sinais não necessitam ser simhólicos no sentido
cultural. Isto é, o gato pode não ser capaz de ler ou interpretar os gestos do cachorro, nem o
cachorro necessariamente entende o pânico do gato. Mas “essa conversa gestual”, como
Mead colocou, é, todavia, interação.
Mead também pensava que os homens interagem num modo único e especial. Os sinais que
os homens enviam, lêem, recebem e respondem são simbólicos na medida em que eles
significam a mesma coisa para o corpo que envia e para o corpo que recebe. Em resumo, eles
são culturais. Os sinais nesta página significam mais ou menos a mesma coisa para nós dois;
como conseqüência, a interação é especial porque é mediada por sinais que sao dados pela
definição cultural. Na realidade, com nossa inteligência, podemos ligar significados comuns,
combinados praticamente com todos os nossos movimentos — fala, gestos faciais, expressão
corporal, distância relativa dos outros, vestuário, corte de cabelo, ou quase qualquer sinal ou
gesto que fazemos. É por isso que nos sentimos “num palco” em frente aos outros, pois
implicitamente sabemos que os outros estão lendo nossos gestos e interpretando nossa
atuação. Mesmo que alguns animais possam também interagir simboIicamente, eles não
podem fazê-lo na mesma medida que os homens (Seboek, 1968; Aitchison, 1978; Maryanski e
Turner, 1992).
Mead observou que a capacidade de ler gestos simbólicos permite que os homens absorvam
papeis ou assumam o papel do outro. O que ele queria dizer é que, pela leitura dos gestos
alheios, podemos nos imaginar em seu lugar; podemos assumir seu ponto de vista e ter uma
percepção do que é provável que eles façam. Assim, se alguém vem até você encarando, mãos
fechadas, e chamando você de nomes obscenos, você pode imaginar-se na situaçao dele e
adequar suas reações. Todos nós assumimos papéis em toda situação, mas geralmente não
temos a consciência desse processo até que nos encontremos numa situação complicada em
que hesitamos a cada palavra e gesto emitidos pelos outros. Imagine-se tendo um encontro
pela primeira vez com alguém, ou indo a uma festa onde você não conhece ninguém, ou
entrando na escola ou alojamento pela primeira vez, ou estando em qualquer número de
situações novas em que você dispõe apenas de normas institucionais básicas para se orientar.
Você enfrenta — isto é, você aprende as normas mais específicas para a situação — assumindo
o papel ou observando os outros e usando o que voce ve para orientar suas reações. Isso é
interação simbólica, e é o meio pelo qual nos ligamos dentro da cultura e seus valores, crenças
e normas. Contrariamente, ao tornar-se consciente de símbolos culturais, podem-se assumir
papeis e assim relacionar-se com os outros em variados status de estruturas sociais
específicas. Como um teórico funcionalista poderia argumentar, a função de assumir papéis é
ligar as pessoas umas às outras e àcultura como um todo, desse modo facilitando sua
cooperação e, finalmente, a integração da sociedade. E então, se fôssemos incapazes de usar
símbolos culturais e assumir papéis, a interação seria muito complicada de fato, e a sociedade
desmoronaria.
Por sermos tão hábeis nesse processo, geralmente somos inconscientes de seu
funcionamento. Mas pense novamente sobre uma situação em que você se sentiu
emharaçado ou inseguro. Lembre-se de como você ensaiou seus caminhos e antecipou qual
seria a reação dos outros. Naturalmente não se pode estar sintonizado o tempo todo; isso
seria exaustivo demais. Mas todos nós estamos sempre envolvidos em ler gestos, assumir
papéis, e secretamente (em nossa mente) imaginando as conseqüências de reações diversas.
Pois, se as pessoas não pudessem entrar nesses processos, a interação não poderia ser flexível
e não poderia envolver mais do que duas pessoas.
Ainda outro processo essencial envolvido na interação é o que Mead rotulou de eu. De acordo
com Mead, cada um de nós vê a si mesmo como um objeto em cada situação em que nos
encontramos, exatamente como vemos outros objetos — pessoas, carros, cadeiras, casas etc.
Quando nos comunicamos com alguém, lemos gestos: assim fazendo, conseguimos uma
imagem de nós mesmos como um objeto. Assim, os gestos dos outros tornam-se um tipo de
“eu refletido” (Cooley, 1909) ou espelho no qual nós o vemos refletidos. Todos nós estamos
num sentido, implicitamente dizendo “Espelho, espelho meu”, só que nosso espelho não está
na parede do nosso quarto mas nos gestos de outros. Em cada situação obtemos uma imagem
de nós mesmos, mas também apresentamos para cada situção uma imagem mais estável e
tolerante de nós mesmos como um certo tipo de objeto ou pessoa. Cada um de nós tem uma
auto-imagem, e é a nossa percepção dos gestos de outros, e não seus gestos reais, que molda
nossos comportamentos a fim de não violar essa imagem. Assim, nossas ações na maioria das
situações revelam uma coerência através da qual buscamos sustentar nossa auto-imagem.
Passamos a nos comportar de modos previsíveis, e devido a nossa coerência os outros são
capazes de harmonizar suas reações com nossos comportamentos. Da mesma forma,
ajustamos nossas respostas aos outros nos moldes dessa interação.
Em síntese, o homem se revela e se reconhece nas relações com o outro e com as coisas por
meio de sím bolos.
Quando você diz coisas do tipo “Desculpe, eu não estou sendo eu mesmo”, você está
reconhecendo que os outros não o verão da forma usual porque você agiu contrariamente a
sua auto-imagem. Ou, quando você diz “Eu não posso entender como ele pôde fazer isso”,
você está realmente dizendo duas coisas: sua percepção foi ineficaz, e você não pôde ver
coerencia, como ditado pela auto-imagem dele, nas reações dele. Daí você não saber como
reagir.
Assim, George Herbert Mead viu a interação como um processo de emissão e recepção de
gestos, e, no caso dos homens, a emissão definiu culturaimente símbolos que carregam
5ignificados comuns. Esses gestos são usados para interpretar os significados e ajudar os
homens a se tornarem conscientes das intenções dos outros e suas possíveis linhas de
conduta. Com as capacidades cognitivas fornecidas pela “mente”, podemos ensaiar
alternativas, imaginar seu impacto, inibir reações inadequadas, e selecionar um modo de
conduta que facilitará a interação (ou, de um ponto de vista utilitarista, que maximizara os
benefícios ou recompensas). Além disso, podemos nos ver como objetos em situações e lhes
dar uma autoimagem estável, que nos dá uma bússola para orientar nossas reações de modos
característicos e coerentes. Tal é a natureza de “interação simbólica” como visto por Mead, e
suas visoes neste processo primordial representam o ponto de partida para pesquisas futuras.
Visto que todos nos somos atores num palco, orquestramos nossas emissões de gestos para
nos representar sob uma certa luz, como um certo tipo de pessoa, e como um indivíduo que
espera certas reações dos outros. Alguns de nós são, é claro, melhores atores do que outros.
Mas todos nós somos intérpretes que manipulam a emissão de gestos. Essa visão de interação
é conhecida como teatraliza ção, um termo que se tornou popular pelo recente sociólogo
Erving Goffman (1959, 1967).
Goffman utilizou nossa analogia do teatro para distinguir os espaços de interação entre palco e
bastidores (Goffman, 1959). No palco, as pessoas constantemente manipulam e orquestram os
gestos de modo a trazer à tona reações desejadas dos outros — reações que sustentam sua
auto-imagem e que correspondem às exigências normativas da situação. Nos bastidores, as
pessoas relaxam um pouco e tiram suas mascaras. Os bastidores permitem alguma privacidade
com companheiros que partilham as dificuldades de subir ao palco. Para Goffman, muita
interação acontece nas idas e vindas entre os bastidores e o palco. Se você duvida disso,
examine suas próprias rotinas diárias. Você está nos bastidores quando está se preparando
para ir à escola, no banho, com escova de dentes, secadores de cabelo, bobs, maquiagem,
desodorantes e gel para cabelo. Você está no palco quando está se sentando na classe,
participando de uma reunião de estudantes ou flertando numa festa.
Sem os bastidores, a vida seria extremamente estressante. E ainda, sem o palco, a organização
social seria problemática. Como um funcionalista argumentaria, a sociedade exige que as
coisas sejam feitas e as ações sejam coordenadas; esse fato, por sua vez, exige que os homens
ajam e obedeçam. Nós seguimos regras; dizemos a coisa certa; e nos conduzimos de forma
apropriada. Se as pessoas se recusassem a fazer assim, a realidade social seria desordenada e
caótica.
Outro “adereço” são objetos no espaço — mesas, cadeiras., paredes, portas, divisórias, bancos
e qualquer coisa que seja um objeto físico que comunique alguma coisa sobre uma interação.
Quando uma pessoa se senta à mesa ou vira uma cadeira para colocar os pés, esse gesto
comunica informalidade. Um professor que se senta sobre a mesa interage muito
diferentemente do que o que permanece de pé atrás de uma tribuna. Ou, na interação mais
personalizada, nós geralmente colocamos ou tiramos barreiras físicas para comunicar distancia
ou proximidade.
Ainda, outro “adereço” é o vestuário, que diz muito aos outros e, como consequência,
estrutura o fluxo de nteraçao. Reagimos e respondemos muito diferentemente a um professor
usando paletó e gravata do que a um vestido informalmente. Os vários tipos de vestuário—
emblema> de associações, distintivos atléticos, dizeres em camisetas etc. —todos influenciam
de modo sutil o fluxo de interação.
Usando um dos exemplos de Garfinkel (1967), tente imaginar sua reação se você fosse o
sujeito desta interação fictícia:
E\ni RI\1I \TA1R)R: O que você quer dizer com o pneu furou?
SL Iii o: O que você quer dizer com o que você quer dizer? O pneu furou quer dizer que o
pneu furou. É isto o que quis dizer Nada especial. Que pergunta louca!
Obviamente, essa interação está perdendo sua continuidade e ordenação, mas por quê? A
razão é que o indivíduo 2 violou uma técnica implícita e combinada em todas as interações:
não perguntarmos o óbvio e presumirmos (o que não deve ser desafiado) que partilhamos
certas experiências de vida. Os teóricos da etnometodologia denominaram esse método
específico de princípio et cetcra porque comunicamos com nossos gestos a ordem implícita de
não se questionar certas coisas. Deixe-me agora reconstruir para você um diálogo que eu tive
com um aluno (novamente, imagine-se nesta interação).
As pessoas freqüentemente usam a frase “você sabe” em diálogos. Quando esta pequena frase
é usada, o princípio et cetera, ou técnica, está sendo invocado. O locutor está, na essência,
afirmando que devemos aceitar o pronunciamento dele, mesmo que “não saibamos” o que
significa. Balançando a cabeça ou dizendo “Sim, eu sei”, criamos um sentido compartilhado e
ordenamos a interação.
Uma maneira de descobrir o universo sutil não pronuncie nenhuma palavra e tente
dos métodos é verificar, você mesmo, não mexer seu rosto ou como. Se você seguir
uma ruptura. E isso é muito fácil, porque alguma dessas sugestões, uma interação
estão algumas sugestões: na próxima vez que Outra boa idéia seria agir como um convialguém
usar a frase “você sabe” diga que dado na casa de seus pais: pergunte se você
você não sabe, ou tome a afirmação mais pode usar o banheiro, peça permissão para
óbvia que uma pessoa faz (“Estou atrasado pegar algo para comer, pergunte se você
para a aula”) e pergunte o que a pessoa pode se deitar, e assim por diante, como se
quer dizer (“O que você quer dizer com afta- você fosse um convidado. Seus pais imagisado?”),
ou, ainda melhor, permaneça narão”oqueestáerrado” etentarãoreconsindiferente quando
alguém fala com você, truir um sentido de ordenação.
Ainda, os códigos culturais e o status de alguém em uma estrutura social são, no melhor dos
casos, caracterizações gerais (R. Turner, 1962). Há sempre muito espaço para manobras; é
sempre possível apresentar-se de um modo específico (como aluno atleta, aluna “rainha da
beleza”, membro da associação estudantil, membro do grêmio, aluno intelectual, aluno louco,
aluno arroz-de-festa etc.). Isso é o que Goffman denominou de manipulação de percepções,
parte da qual envolve gestos orquestrados para avaliar que papel social vamos desempenhar
Na realidade, os outros estão esperando ler nossos gestos para descobrir esse papel social.
Como parte de nossos estoques de conhecimento (Schutz, 1932), todos nós carregamos
dentro de nós mesmos idéias gerais de vários papéis sociais —o de aluno, mãe, pai, namorado,
trabalhador, estudioso, atleta, “caxias”, cômico, paquerador, professor, motorista, gerente,
calouro, amigo, colega, e assim por diante. Para cada papel social provavelmente temos muitas
concepções sobre os comportamentos adequados. A interação é bastante facilitada pela
habilidade de armazenar papéis sociais em nossa memória porque, uma vez que o papel social
de alguém é estabelecido de acordo com essas idéias, podemos antecipar, pelo menos até
certo ponto, como aquela pessoa reagira conosco. A vida é muito menos estressante quando
somos capazes de colocar alguém em um papel social, pois podemos então assumir o papel
social recíproco e, de certa forma, continuar no piloto automático. E quando não conhecemos
o papel social de um indivíduo te temos de trabalhar na interação. Temos de ler gestos mais
ativamente, absorver um papel mais cautelosamente, olhar fixamente e com atenção através
cio “eu refletido”, permanecer mais mentalmente alertas e fazer muitos exercícios mentais
cansativos. A vida é muito mais fácil quando os outros orquestram seus gestos para informar
que papel social e4ão desempenhando.
Esses processos de interaçao s~o dados em sua mais articulada expressão pelo sociologo Ralph
li. Tu rner (190 19ó8 1980). Turner argumentou que não apenas assumimos papéis perante os
ocitros (para ver qual é o papel social deles) mas também criamos papéis. Como parte de
nossa representação teatral, nós consciente e inconscientemente manipulamos gestos —
palavras, postura, inflexão de xoz, vestuario, expressões faciais — para dizer aos outros que
papel estamos desempenhando, xisto que os outros estão buscando nesses gestos um sinal de
nosso papel. Além disso, eles assumem que os nossos gesto)s ser~o coerentes e quis nossos
respectix’os papéis 5~o todos coerentes; e assim, uma vez que eles tenham lido alguns gestos
e colocado uma pessoa em um papel, eles esperam que outros gestos sejam coerentes com
esse papel. E as pessoas estão) constantemente x’erificando e reveri ficando os papéis umas
das outras apenas para certiticar-se de que elas os desempenharam de modo certo.
Tente agora lembrar-se de algumas situações pessoais em que essas dinâmicas de papéis
funcionaram. Você lembrou de situações em que foi~” malcompreendido” e colocado em um
papel errado; ou lidou com pessoas que “x’ocê não poderia compreender” porque seus
comportamentos não revelavam um papel que você conhecia; ou você se viu ou viu outros
indivíduos tentando fazer um papel para si mesmos que eles simplesmente não podiam
representar e nos quais eles não poderiam ser levados a sério. Se essas situações
i.aracterizassem toda a vida social, a interação seria embaraçosa e difícil. Felizmente, na
maioria das interações desempenhamos papéis, criamos papéis e verificamos papéis sem
dificuldade. Como conseqüência, nossas interações acontecem facilmente.
As interações obviamente variam em seu grau de categorização mútua. Além disso, quando
elas são sustentadas, elas tendem a se desenx’olver no tempo desde o altamente
estereotipado ao) mais particular. Entretanto, esse processo deve acontecer durante o
decorrer do) tempo). Se alguém “avança rápido demais”, “se atira sobre você”, ou “invade seu
espaço”, vo)cê percebe desde o movimento muito rápido) de uma interação estereotipada ate
uma que é mais pessoal e íntima. Um primeiro namorado que confessa setis mais íntimos
sentimentos está violando o papel de “recém-conhecido” e o estereotipando como um
“primeiro namorado”. Nessa situação a pessoa se sente embaraçada. Um médico que faz a
você perguntas muito) íntin)as e revela seus sentimentos pessoais está provavelmente
“provo)cando uma reação em você” (sua nova designação do papel do médico) e, como
conseqúência, está violando seu estereótipo de médico.
Até certo ponto, as normas nos dizem catita as situações íntimas ou estereotipadas devem ser.
Mas também, to)dos temos idéias implícitas sobre essas questões. Nós raramente damos
ouvidos aos estereótipos, a menos que eles sejam violados, forçando-nos a agir de forma mais
interpessoal do que queremos.
MOLDURAS DE INTERAÇÃO
Molduras são criadas de muitas formas. A fala é, naturalmente, a mais óbvia: “Mãos à obra”,
“Estou apaixonado”, “Estou com dor de cabeça”, “Precisamos conversar”, e assim por diante.
Mas além das palavras faladas, usamos outros gestos e “adereços” também (J. Turner, 1988).
Por exemplo, o número de pessoas e seu enquadramento em uma situação, como é o caso
para uma aula em que os corpos são alinhados em fileiras e este alinhamento enquadra a
situação, em termos do que pode, e não pode, ocorrer. Ou a distância física entre as partes
para uma interação enquadra a situação, tornando evidente a movimentação de alguém
dentro de nossa “área pessoal”. Ao lado do enquadramento corporal, nossa conduta —
expressão corporal, por exemplo — faz muito do trabalho de moldura, visto que se abaixar
contra uma parede e permanecer em pé e se jogar para frente significam duas coisas opostas.
Estruturas físicas também enquadram interações; por exemplo, os alunos podem rapidamente
notar quando vão do corredor em que estavam conversando para a sala do professor.
As molduras podem ser trocadas, ou reencaixadas nos termos de Goffman (1974). Quando
alguém diz “Não vamos mais conversar sobre isso”, está mudando de moldura. De fato,
qualquer interação que resiste pode experimentar diversas trocas de molduras —por exemplo,
fofoca geral para trabalhar como relatos sobre confidências pessoais, de volta à fofoca geral, e
assim por diante. Uma vez que entendemos os palpites para a troca de molduras, torna-se
possível mover-se sem dificuldades através da essência sempre mutante da interação. Além
disso, podemos assentar interações em múltiplas molduras, assim as pessoas em um ambiente
de trabalho (uma moldura) conversam informalmente como amigos (outra moldura dentro da
primeira), com alguns se tornando bons amigos ou companheiros (outra moldura dentro da
última) e com outros se tornando namorados (ainda outra moldura). Assim, a interação é
assentada e laminada em molduras, e podemos ir de uma para a outra um tanto facilmente —
como denota uma simples frase como “Bem, de volta ao trabalho, eu espero”.
Sem enquadrar, a interação seria muito mais trabalhosa. Em nossos “estoques de
conhecimento” nós adquirimos discernimentos sobre os significados dos gestos com relação a
molduras, e molduras reencaixadas. Como temos essa facilidade, podemos facilmente
determinar o que é relevante e apropriado para uma situação, e então atuar sem muitas
preliminares. Se nossa facilidade no enquadramento é fraca, entretanto, pareceremos
perdidos e “fora dela”, expressando afirmações e comportando-nos de maneiras que pareçam
estranhas aos outros.
RITUAIS DE INTERAÇÃO
Nós todos provavelmente já passamos por algum conhecido e dissemos “Oi”, e não recebemos
nenhuma resposta. E uma experiência muito incômoda, até mesmo se não conhecemos bem a
pessoa. A razão para esse desânimo, talvez até mesmo raiva ou aborrecimento, é que um
ritual de interação foi violado. Muito da interação humana émediada pelos rituais
interpessoais; isto é, cada indivíduo está comprometido com um comportamento altamente
estereotipado (Goffman, 1967). E interações entre as pessoas, que estão mutuamente
estereotipadas, são quase todas ritualizadas. Por exemplo, “Como vai você hoje?”, “Muito
bem”, “O tempo está bom”, “Sim”, “Tenha um bom dia”, “Tchau”, e “Até logo” são todos
rituais de interação. O mesmo é verdade para o caso das molduras, em que rituais são
freqüentemente usados para enquadrar inicialmente, e então reenquadrar uma situação. Nós
estamos comprometidos nesses rituais de interação porque eles nos dão uma sensação de ser
uma linha dentro do tecido social.
É mais provável que a interação seja ritualizada sob certas condições (Collins, 1975):
entre estranhos e entre pessoas de status muito diferentes. As pessoas que não se conhecem
bem conx’ersam com base em estereótipos, sentindo-se cada qual distante, e fazendo contato
sem compromisso. Aqueles de poder, prestígio e riqueza desigual interagem em padrões
ritualizados para esconder a tensão latente entre as diferenças. Aqueles em status
subordinados procuram não demonstrar suas dificuldades, ao passo que as pessoas de alto
status geralmente desejam reconhecimento de seu status imponente, sem provocar rancores
e sem ter que controlar o respeito dado pelos indivíduos de baixo status. Lembre-se, por
exemplo, de uma conversa que você pode ter tido com um professor: toda a sua informalidade
aparente é altamente ritualizada, pois a interação é entre as pessoas de status muito
diferente. Assim a teoria do conflito enfatiza um importante aspecto de interação:
Assim, os rituais nos permitem conservar nossas máscaras e manter nossa dignidade e ao
mesmo tempo reforçarmos nossos sentimentos de pertencer a um todo social maior. Os
rituais mais críticos são estes do dia-a-dia, que desempenhamos rotineiramente e não
acidentalmente a íueuas que alguém não participe. E neste caso vemos como eles são
importantes, pois nosso sentimento de continuidade social é interrompido.
Na realidade, interações cotidianas são estruturadas por rituais (J. Turner, 1986a, 1988, 1989;
Turner e Collins, 1989). Há rituais de abertura (“Oi, como vai você”) e rituais de fechamento
(“Até logo”); e no meio dessa abertura e fechamento há rituais para reparar rupturas (“Oh,
desculpe-me, eu não sabia”), para enquadrar e reenquadrar (“Isto ébastante”), para dar
seqüência à conversa (“Isto é realmente interessante, mas você pensou em ... ‘)e que
organizam o fluxo da interação. Aqueles que não podem usar esses tipos de rituais
interpessoais, ou que os usam de um modo errado, parecem embaraçados e difíceis; a
interação torna-se convulsiva, e falta continuidade e fluxo.
Assim, rituais são essenciais à interação. Se você tem dúvida disso, viole apenas um ritual, tal
como não dando uma abertura ou fechamento onde é pedido ou violando qualquer um dos
muitos rituais que você implicitamente entende. Se você fizer isso, a interação se tornará
forçada de repente, indicando como os rituais são importantes à estrutura social.
Henry David Thoreau implicitamente capturou uma importante dinâmica da interação humana
quando escreveu: “Se um homem não acompanha os passos de seus companheiros talvez seja
porque ele ouve um tambor diferente. Deixe-o ater-se à música que ele ouve, apesar do ritmo
e da distância”. Em todas as interações, lidamos não apenas com aqueles imediatamente
presentes, mas com muitos “tambores distantes”. Podemos simultaneamente interagir com
pessoas presentes e com pessoas ausentes. Esse processo é, às vezes, óbvio com filhos jovens,
os quais, quando brincam juntos, invocam seus pais (“Olha, o meu pai diz ...“ ou “O que sua
mae vai achar disso?”). Todos nós também interagimos com pessoas importantes que nao
estão presentes — um cônjuge, um namorado, um pai, um filósofo, ou qualquer um que
consideramos significatix’o para nós. Em geral, a reação percebida ou introduzida desses
indivíduos distantes é bem mais importante do que as reações daqueles bem a nossa frente.
Todos nós gostamos de pensar em nós mesmos (especialmente nos Estados Unidos), como
individualistas convictos que somos, e assim disfarçamos ou evitamos saber o quanto, ao
interagir com o “outn)” ausente, nossa conduta é orientada.
O fato de que a interação geralmente envolve pessoas distantes e grupos de referência pode
potencialmente criar tensões com aqueles que não sabem sobre esses tambores distantes. O
que eles podem ver é alguém que perde os palpites ou que viola as normas da atual situação.
Normalmente, somos bastante bons em reconciliar nossos comportamentos com aqueles
tanto próximos quanto distantes. Mas às vezes temos dificuldade, e, como conseqüência,
dizemos e fazemos coisas estúpidas, pelo menos no ponto de vista daqueles a nossa frente.
Outras vezes, reconhecemos que andamos em direção a diferentes tambores e ritualizamos
nossas interações. Por exemplo, atletas e intelectuais, negros e brancos, hispânicos e anglo-
saxônicos, velhos e jovens, ricos e pobres, educados e mal-educados, todos ritualizam seus
encontros iniciais para evitar as tensões e embaraços criados por nossa interação com pessoas
distantes não familiares e grupos de referência (Merton e Rossi, 1968).
Finalmente, a sociedade é mantida unida pelas pessoas em contato face a face. Naturalmente,
os indivíduos criam um universo de símholos culturais e estruturas de grande porte que
limitam o que eles podem fazer quando se encaram e quando emitem sinais e interpretam
gestos mutuamente. De fato, os sistemas de símbolos e matriz de estruturas sociais têm x’ida
própria, sendo dirigidos pelas dinâmicas que podem esmagar os indivíduos; e, ainda, são as
pessoas que ocupam status em estruturas sociais, desempenham papéis, têm simbolos que
orientam suas vidas, e sustentam a cultura e estrutura da sociedade. Assim, o processo de
interação fortalece as organizaçoes sociais e eu 1 turais.
RESUMO
A interação envolve conscientização de, e adaptações para, expectativas dos outros e ponto de
vista de grupos não fisicamente presentes numa situação. Tais grupos de referência e outros
8. Interação, estrutura social e cultura são inter-relacionadas. Cada uma não poderia existir
sem a ou tra.