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Educar nossos alunos e alunas para que eles se sintam estimulados a ultrapassar os
preconceitos e as falsas verdades do senso comum é uma tarefa da maior importância para
educadores.
Uma educação que se proponha, antes de tudo, formar e aguçar o senso crítico das
crianças e dos jovens, não pode deixar de trabalhar a reconstrução de valores, comporta-
mentos e a superação das desigualdades em todos os sentidos, colaborando no desenvolvi-
mento de homens e mulheres parceiros e solidários em todos os campos da vida. Identificar
as formas de discriminação é o primeiro passo para se agir sobre elas e de exercer a cidada-
nia de fato.
O objetivo desta publicação é contribuir com esse trabalho, fornecendo subsídios e
apontando perspectivas de aprofundamento sobre o tema, colaborando para que os educa-
dores e educadoras possam lidar no seu dia a dia com a construção de uma nova relação
entre homens e mulheres fundada na igualdade e no respeito.
Esperamos, com isso, dar uma contribuição decisiva à educação em nosso municí-
pio. Uma educação despojada de velhos preconceitos e voltada à construção de uma socie-
dade realmente democrática.
Marta Suplicy
Prefeita
Colegas professores,
Mais que ensinar a ler e escrever, temos a missão de fazer com que nossos
alunos se tornem cidadãos. É uma tarefa tão difícil quanto recompensadora. Um
dos aspectos mais importantes neste sentido diz respeito ao conceito de igualda-
de entre as pessoas. No nosso dia-a-dia, enquanto educadores, vivemos isso in-
tensamente. Basta lembrar a heterogeneidade dentro das classes de aula. Entre
nossos alunos, encontramos um bom número de raças diferentes, de tipos físicos
dos mais diversos, sem contar os níveis de conhecimento.
Se para os professores esta é uma questão relativamente bem resolvida, o
mesmo, porém, não se pode dizer dos alunos, que ainda estão engatinhando no
assunto. Por isso, é preciso fazê-los entender que as pessoas são diferentes entre
si e que as diferenças são importantes, pois ajudam a nos situar dentro da socie-
dade e devem ser respeitadas.
O objetivo deste caderno, produto de uma feliz parceria entre a Secretaria
Municipal de Educação e a Coordenadoria Especial da Mulher, é de ajudar os
educadores na tarefa de conscientizar os alunos sobre as diferenças entre as pes-
soas, em especial aquelas que dizem respeito ao gênero, ou seja, homem e mu-
lher, menino e menina.
Esse caderno mostra para os alunos que histórias do tipo lugar de mulher é na
cozinha, que homem não chora ou que ele trabalha e ela cuida dos filhos estão
ultrapassadas. Aborda, com uma linguagem clara e objetiva, a questão do pre-
conceito sexista. Sem dúvida, uma importante ferramenta em sala de aula quan-
do o assunto vier à tona.
Com o esforço mútuo, certamente eles aprenderão que meninos e meninos,
embora diferentes fisicamente, são iguais em muitas situações, merecendo direi-
tos, oportunidades e respeito iguais. Um princípio importante para um relacio-
namento mais harmonioso entre os jovens e que certamente irá colaborar para a
formação de cidadãos conscientes.
Tatau Godinho
Coordenadoria Especial da Mulher
Gênero e educação
∗
Preconceito: Mulher dirige mal. Fato: As seguradoras concedem desconto no valor do seguro do veículo
quando este é utilizado por mulher, pois os dados demonstram que as mulheres envolvem-se menos que os
homens em acidentes de trânsito.
cotidianas, seja no trabalho, em casa, na política ou no lazer, é preciso que estejamos aten-
tos em promover uma prática educativa não discriminatória desde a primeira infância.
A atenção a esse aspecto é fundamental, visto que as idéias e as práticas que consti-
tuem as relações de gênero estão firmemente enraizadas na sociedade em geral, e em cada
indivíduo em particular, seja homem ou mulher.
MUDANÇAS NA LEI
As atuais mudanças no Código Civil, aprovado em 2001, podem ser tomadas como
exemplo do reconhecimento legal de direitos já exercidos pelas mulheres, embora ainda
permaneça defasado no que se refere à igualdade entre mulheres e homens. O Código an-
terior, do início do século, estabelecia que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”.
Dispositivo hoje revogado, atribuía a ele a representação legal da família, a administração
dos bens comuns, o direito de fixar o domicílio da família e o direito de anular o casamen-
to se descobrisse que a mulher não era virgem. Além disso, a visão da mulher dependente
era forte: presumindo “a mulher autorizada pelo marido para a compra das coisas neces-
sárias à economia doméstica."
O Código atual declara que a direção “da sociedade conjugal é exercida em cola-
boração, pelo homem e pela mulher e ambos são vistos como responsáveis pelos encargos
da família.”
Maria Lúcia da Silveira, doutora em Sociologia pela PUC/SP
É comum fazermos coisas sem perceber seu real significado, simplesmente por a-
girmos de acordo com valores e preceitos que nos foram ensinados, e que são repassados às
gerações há séculos, sem que as pessoas se dêem conta da injustiça e da opressão que eles
impõem a todos(as) nós. Não é sempre que nossas atitudes são analisadas racionalmente,
com critérios que ultrapassem as noções de senso comum, que, por sua vez, legitimam as
ações pela “tradição” (justificadas pela frase: “Sempre foi assim”). Dessa forma, freqüen-
temente, sem percebermos, por uma simples frase, ou pelo tom de voz, além de ações obje-
tivas e concretas tratamos de forma diferenciada meninos e meninas; por exemplo, estimu-
lamos o menino a sair e a se divertir, e a menina a ficar em casa, ajudando no trabalho do-
méstico.
É comum que brinquedos e brincadeiras sejam classificados de acordo com o sexo
da criança (menino brinca com bola e carrinho, menina com boneca e panelinha). Não é
raro acontecer de um pai, uma mãe, um educador ou uma educadora demonstrarem uma
séria preocupação com o fato de seu filho procurar uma boneca como brinquedo, temendo
que essa ação possa “desvirtuar sua formação”.
É assim que, desde os primeiros anos de vida, na observação de como se dão as re-
lações de gênero dentro de casa e fora dela, na orientação que recebem quanto a brinquedos
e brincadeiras, roupas, e modos tidos como mais adequados a cada gênero, as crianças são
“treinadas” a desenvolver papéis e habilidades diferenciadas, e que irão influenciar nas suas
escolhas e possibilidades concretas ao longo da vida.
Assim, as atribuições sociais impostas, que levam à manutenção das desigualdades,
da forma como estão – mesmo que muitas vezes ainda despercebidas e/ou camufladas – são
formas de perpetuar a opressão entre os gêneros, na tentativa de manter as mulheres “no seu
lugar”, submissas, limitadas, caladas.
No que se refere à ação educativa, é preciso uma atenção permanente quanto ao tra-
tamento em relação a mulheres e homens, meninos e meninas, às oportunidades que são
dadas a estas/es e também ao trato de questões cotidianas, que podem (ainda que tenham a
aparência de um detalhe mínimo) reforçar aspectos discriminatórios. Não separar as crian-
ças de acordo com o tipo de brincadeira e atividade (que, no fundo, são modos de socializa-
ção), já seria uma expressão do cuidado que temos com uma educação não diferenciada.
Será que, quando dividimos as crianças na fila de entrada, por exemplo, estamos re-
fletindo um reforço da discriminação em função do gênero? Aliás, porque dividimos meni-
nas e meninos? O mesmo pode acontecer quando, mecanicamente, montamos times de ga-
rotas contra os de garotos: agindo assim, podemos reforçar a competitividade entre eles
que, via de regra, não deveria existir. Se prestarmos atenção, até a expressão que usamos
soa estranha: “meninos contra meninas”.
Talvez, oferecer tarefas de mesmo cunho valorativo para meninos e meninas, e pro-
curando não estigmatizar nenhum deles, seja uma maneira de colaborar com um trato mais
igualitário entre eles, e lidar com capacidades que podem até ser diferentes, mas não desi-
guais. Afinal, reforçar identidades padronizadas de meninas como organizadas, quietas,
aptas a trabalhos repetitivos e meticulosos e dar-lhes apenas tarefas de manutenção da or-
dem, por exemplo, pode vir a ser uma primeira manifestação da repressão à mulher que
quer trabalhar fora de casa e dividir igualmente o trabalho doméstico. O mesmo pode-se
dizer dos meninos, cuja bagunça, inquietude e algum possível desleixo é encarado com
maior complacência; isso sem contar que lhes são atribuídas, muitas vezes, tarefas mais
dinâmicas e extrovertidas.
Estigmatizar meninos e meninas em nada contribui para seu desenvolvimento, po-
dendo até mesmo atravancá-lo. Algumas atitudes podem representar uma resposta, por par-
te dos garotos, para chamar atenção, e podem estimular um sentimento de certa superiori-
dade sobre as meninas, que freqüentemente se encontram em atividades mais monótonas e
são menos citadas, seja na sala de aula ou em reuniões.
No que se refere aos materiais didáticos utilizados, também se faz necessário uma
atenção específica do(a) educadora. Infelizmente os materiais didáticos, particularmente os
livros didáticos, em sua maioria, revelam um forte preconceito de gênero e étnico. Maria
Otília Bocchini evidencia tais questões em estudos realizados sobre as relações de gênero
nos livros didáticos:
PRECONCEITO IMPRESSO
Livros didáticos são machistas15
“48 livros de leitura indicados anualmente para uso de 4o grau das escolas primá-
rias do Estado de São Paulo, no período de 1941 a 1975. Neste estudo, a análise das repre-
sentações das categorias sexuais foi empreendida principalmente a partir dos atributos e
dos comportamentos das personagens, em dois suportes: texto e a ilustração.
Seus principais resultados:
- praticamente todos os indicadores suscetíveis de captar uma posição de destaque
na ilustração e no texto, privilegiam as personagens masculinas em detrimento das femini-
nas;
- na ilustração e no texto as personagens masculinas são representadas mais fre-
qüentemente como profissionais (as mulheres no espaço doméstico), desempenhando uma
gama mais diversificada e prestigiada de ocupações;
- as personagens masculinas são ilustradas e descritas mais freqüentemente como
ativas, agressivas e em contexto externo; as femininas tendem a ser ilustradas e descritas
em contextos mais protegidos e em atitudes mais passivas e afetivas;
- em conclusão: “enquanto o homem aparece como um ser voltado para o mundo,
contando com espaço de atuação físico, temporal, profissional e cultural amplo, a mulher
tem uma atuação mais restrita e voltada sobretudo para a família e a vida domésti-
ca”(Pinto, 1982, p. 129).
(...)
Situação semelhante havia sido descrita para a literatura infanto-juvenil,
que , além de ser usada em contexto de lazer, vem sendo utilizada na escola como litera-
tura para-didática. Em pesquisa realizada por uma equipe da Fundação Carlos Chagas
(Rosemberg, 1985) procurou-se, também, detectar junto aos traços sexistas posturas racis-
tas nos livros infanto-juvenis. Sua conclusão: é importante acrescentar que quando associ-
ada à condição de mulher, a origem étnica e a cor de grupos não-brancos recebem trata-
mento literário e pictórico o mais discriminatório. Como exemplo citam freqüência
de personagens negras:para um total de 8075 personagens analisadas foram encontradas
apenas 3 meninas negras!”16
Quando uma criança nos pergunta porque a Terra é redonda ou porque o céu é azul,
temos duas saídas. Responder “porque sim” ou pensar, procurar uma resposta, que só vai
provocar novas perguntas. Este texto é para quem prefere o segundo caminho.
O que é ser mulher? O que é ser homem? Por que mulheres e homens vivem em
condições de desigualdade? Por que se diz que algumas coisas são de mulheres e outras de
homens? Por que as mulheres são consideradas inferiores e vivem situações de injustiça por
serem mulheres? Onde é que isso tudo começa?
*
Agradecemos às autoras e à Sempreviva Organização Feminista (SOF), que permitiram a publicação deste
texto, originalmente escrito para o caderno Gênero e Desigualdade, publicado pela SOF, em São Paulo, no
ano de 1997.
Vamos começar pelos bebês. As pessoas nascem bebês machos e fêmeas e são cria-
das e educadas conforme o que a sociedade define como próprio de homem e de mulher. Os
adultos educam as crianças marcando diferenças bem concretas entre meninas e meninos. A
educação diferenciada dá bola e caminhãozinho para os meninos e boneca e fogãozinho
para as meninas, exige formas diferentes de vestir, conta estórias em que os papéis dos per-
sonagens homens e mulheres são sempre muito diferentes. Outras diferenças aparecem de
modo mais sutil, por aspectos menos visíveis, como atitudes, jeito de falar, pela aproxima-
ção com o corpo.
Educados assim, meninas e meninos adquirem características e atribuições corres-
pondentes aos considerados papéis femininos e masculinos. As crianças são levadas a se
identificar com modelos do que é feminino e masculino para melhor se situarem nos luga-
res que a sociedade lhes destina. Os atribuídos às mulheres não são só diferentes dos do
homem, são também desvalorizados. Por isso, as mulheres vivem em condições de inferio-
ridade e subordinação em relação aos homens.
Usamos as expressões identidades de gênero e relações de gênero para deixar bem
claro que as desigualdades entre homens e mulheres são construídas pela sociedade e não
determinadas pela diferença biológica entre os sexos. Elas são uma construção social, não
determinada pelo sexo.
Compreender essa construção social, não significa desconsiderar que ela se dá em
corpos sexuados. Compreendemos que há uma estreita imbricação entre o social e o bioló-
gico. Como disse Guacira Lopes Louro, gênero também tem uma dimensão e uma expres-
são biológica. Assim, mulheres e homens imprimem no corpo, gestos, posturas, e disposi-
ções, as relações de poder vividas a partir das relações de gênero.
Os modelos de feminino em nossa sociedade são criados a partir de símbolos antagô-
nicos: Eva e Maria, bruxa e fada, mãe e madrasta. Essas definições propõem o que é bom
para as mulheres e culpam-nas quando não respondem a esse padrão.
A partir da consolidação do capitalismo, existe a idéia de que ocorre uma divisão en-
tre as esferas pública e privada, sendo que a esfera privada é considerada como o lugar pró-
prio das mulheres, do doméstico, da subjetividade, do cuidado. A esfera pública é conside-
rada como o espaço dos homens, dos iguais, da liberdade, do direito.
Nessa compreensão, o papel feminino tradicional estabelece a maternidade como
principal atribuição das mulheres e, com isso, também o cuidado da casa e dos filhos, a
tarefa de guardiã do afeto e da moral na família. Ela é uma pessoa que deve sentir-se reali-
zada em casa. O homem típico é considerado o provedor, isto é, o que trabalha fora, traz o
sustento da família, realiza-se fora de casa, no espaço público. Para uma mulher, ainda é
considerado mais adequado ser meiga, atenciosa, maternal, frágil, dengosa; e do homem, o
que ainda se espera, é que tenha força, iniciativa, objetividade, racionalidade.
Esse modelo de vida, em que os homens trabalham fora e as mulheres só fazem o tra-
balho doméstico, nunca existiu, de verdade, desse jeito. Na realidade, só uma parcela muito
pequena de mulheres vive essa situação.
As mulheres negras, por exemplo, sempre trabalharam fora de casa, primeiro como
escravas e depois na prestação de serviços domésticos ou como vendedoras ambulantes,
circulando por muitos espaços públicos. Para as mulheres camponesas, o que é chamado de
cuidar da casa esconde o trabalho na roça, a produção de artesanato, o cultivo da horta e a
criação de animais, trabalhos que produzem mercadorias, cuja venda contribui para o sus-
tento da família. Além disso, nas cidades, muitas mulheres vivem sozinhas com seus filhos
e são as principais responsáveis por sua manutenção. E muitas, muitas outras trabalham
fora e dividem com o marido o sustento da casa.
E por que ainda é tão forte a idéia de que mulher deve seguir o modelo de mãe e dona
de casa? E por que ainda é tão forte a idéia de que o trabalho fora de casa cabe apenas ao
homem? A persistência nessas idéias tradicionais e nunca realizadas plenamente costuma
ser justificada pela idéia de que esses papéis são naturais, isto é, homens e mulheres já nas-
cem para ser desse jeito. Dizemos que a naturalização é o principal mecanismo de justifica-
tiva dessa situação.
A naturalização dos papéis e das relações de gênero faz parte de uma ideologia que
tenta fazer crer que esta realidade é fruto da biologia, de uma essência masculina e femini-
na, como se homens e mulheres já nascessem assim. Ora, o que é ser mulher e ser homem
não é fruto da natureza, mas da forma como as pessoas vão aprendendo a ser, em uma de-
terminada sociedade, em um determinado momento histórico. Por isso, desnaturalizar e
explicar os mecanismos que conformam essas identidades é fundamental para compreender
as relações entre homens e mulheres, e também seu papel na construção do conjunto das
relações sociais.
Se os papéis femininos e masculinos são uma construção histórica, as relações entre
homens e mulheres que daí decorrem também variam ao longo da história. A nossa geração
sabe que essas relações sofreram profundas mudanças nos últimos trinta anos, em grande
parte como fruto da ação organizada das mulheres e do feminismo.
As relações de gênero são sustentadas e estruturadas por uma rígida divisão sexual
do trabalho. O papel masculino idealizado é de responsabilidade pela subsistência econô-
mica da família e a isso corresponde designar o trabalho do homem na produção. A atribui-
ção do trabalho doméstico designa as mulheres para o trabalho na reprodução: ter filhos,
criá-los, cuidar da sobrevivência de todos no cotidiano.
O que se observa é que essa divisão entre trabalho reprodutivo e produtivo não é tão
real assim. Há homens trabalhando no campo da reprodução e há muitas mulheres na pro-
dução.
No entanto, o mito que designa um tipo de trabalho para cada gênero influencia o
real. Pode-se dizer que a divisão sexual do trabalho perpassa o conjunto das atividades rea-
lizadas por homens e mulheres. É comum ouvir dizer que tal serviço é trabalho “de ho-
mem” ou que tal tarefa é tarefa “de mulher”.
No caso das mulheres, a tentativa é sempre de considerar o trabalho realizado fora
da casa como uma extensão do seu papel de mãe. As mulheres se concentram em atividades
consideradas tipicamente femininas como serviço doméstico, professoras, enfermeiras, as-
sistentes sociais. Em 1990, 30% das mulheres que se declararam como trabalhadoras no
Censo 2000 do IBGE eram empregadas domésticas, costureiras e professoras primárias.
A maioria das professoras dá aulas para o primário, já são menos as que trabalham
no nível secundário e muito poucas as da universidade. Quando estão na universidade, elas
se concentram em determinadas áreas, como educação e psicologia, e têm menos acesso a
promoção, a títulos etc. Este exemplo mostra que, mesmo dentro de uma determinada cate-
goria, formas de divisão sexual são recriadas. Um outro exemplo: as mulheres são minoria
entre os escritores literários, mas a maioria das mulheres escritoras são autoras de literatura
infantil.
Na indústria, as mulheres são embaladoras, montadoras e costureiras, funções que
exigem habilidade manual, coordenação motora fina, paciência. As habilidades para exer-
cer essas profissões foram sendo desenvolvidas no processo de educação das meninas:
brincando de casinha, cuidando dos irmãos, bordando, ajudando a mãe no trabalho domés-
tico. As pessoas “esquecem” que as meninas precisam treinar para aprender tudo isso e
agem como se toda mulher já nascesse com essas “aptidões”, como se fosse uma dádiva da
natureza. Se é dádiva da natureza, não precisa ser reconhecida, nem devidamente remune-
rada. Porém, se os homens fossem ser treinados para realizar essas tarefas, seria necessário
um grande investimento.
O trabalho das rurais também é menos valorizado que o dos homens. A pesquisado-
ra Maria Inês Paulilo, comparando as etapas do trabalho agrícola na cana-de-açúcar, em
diferentes regiões do Nordeste, pôde perceber uma diferença significativa. Carpir, no sertão
nordestino, era uma tarefa dos homens e era considerada um trabalho pesado. Carpir, no
Brejo Paraibano, era tarefa das mulheres e era considerado trabalho leve. Como se vê, no
cultivo da cana o que caracterizava um trabalho como leve ou pesado não era a força física
necessária para executá-lo, mas o valor social de quem o fazia. Sempre que o trabalho é
considerado de mulher, ele é leve, é coisinha à-toa, é ajuda.
Desigualdade e pobreza
Sexualidade
A sexualidade é uma questão bastante complexa e compreendê-la exige olhar ao
mesmo tempo várias questões. Mas, de forma geral, podemos dizer que a sociedade tenta
impor normas que refletem o que se considera mais correto de acordo com os papéis sexu-
ais definidos pela construção dos gêneros. Por isso, o controle da sexualidade das mulheres,
o controle da função procriativa e a criminalização do aborto fazem parte da opressão em
relação às mulheres. Dessa forma, a vivência da sexualidade foi desde vários séculos rode-
ada por tabus e mitos, que têm, como ponto comum, considerar pecado, desvio, doença,
exagero, falta de pudor e até mesmo crime, as manifestações da sexualidade feminina.
A partir disso, as mulheres em geral têm vivido sua sexualidade de acordo com os
padrões impostos como os mais corretos, considerando o papel social de esposas “hones-
tas” e mães dedicadas que lhes é destinado. Outras vivem como “profanas” e, portanto,
indignas de respeito: são as “piranhas”, as “usadas”, as “fáceis”, as “putas”. Uma das for-
mas de definição desse modelo passou pelo estabelecimento de um duplo padrão do que é
ou não correto em relação à sexualidade.
Para os homens, a idéia de virilidade é sinônimo de muitas relações sexuais, de pre-
ferência com muitas mulheres diferentes. As mulheres, ao contrário, devem viver a sexuali-
dade em função da reprodução, negando o prazer. A repressão à sexualidade feminina em
boa parte se dá pelo desconhecimento do corpo e pela imposição de regras rígidas do que
significa ser uma mulher “honesta”.
Mas há aí uma contradição, pois nem todas as mulheres podem ser “honestas”. Se
os homens precisam de mulheres “honestas” para o casamento e os filhos, têm que existir
as “outras”, para o livre desfrute da sexualidade sem responsabilidade, só para o prazer.
Nesse caso também se estabelece um duplo padrão de comportamento sexual para as mu-
lheres: o que uma mulher livre faz, uma esposa não pode fazer, nem desejar. Claro que esse
duplo padrão se estabelece sempre em função do desejo dos homens.
Heterossexualidade obrigatória
Violência
Família
Educação
A escola é um agente socializador dos seres humanos, tanto quanto a família, e isto
significa que, junto com o conhecimento, a escola também transmite valores, atitudes e
preconceitos.
Tradicionalmente, a escola tem reforçado a desigualdade entre mulheres e homens.
Isso ocorre, por exemplo, na forma como se lida com meninos e meninas: a divisão nas
filas, a divisão de tarefas (meninas como ajudantes da professora), o que a escola reforça
em um e no outro (“isso não é coisa de menina” ou “está até parecendo uma menina”,
“comporte-se como um menino”).
Os livros didáticos também reproduzem e reforçam a desigualdade, apresentando
estereótipos sobre o que é uma família, como são as mulheres, como vivem as mulheres
negras. Nos livros didáticos as famílias são sempre brancas, o pai tem um emprego fora de
casa e a mãe aparece sempre de avental, servindo a mesa ou costurando. O menino está
sempre brincando de caminhãozinho e bola e a menina está sempre com uma boneca, o-
lhando o irmãozinho brincando de coisas mais interessantes.
Nos livros de Ciências só os meninos aparecem fazendo experiências. Quando, vez
por outra, aparece uma menina, ela está atrás, observando, ou é a encarregada de providen-
ciar os materiais para a experiência que os meninos vão fazer. Isso tudo reforça as idéias
preconceituosas da sociedade de que as meninas não têm jeito para a ciência, de que só
homens podem ser cientistas.
Ainda nos livros didáticos, a mulher negra costuma aparecer sozinha, sem família, e
no papel da empregada que serve a mesa para a família branca, como se ainda estivéssemos
no tempo da escravidão.
As atividades na Educação Física são divididas e reproduzem preconceitos até nas
brincadeiras, como aquela que diz “quem chegar por último é mulher do sapo”.
A professora, na maioria das vezes, é tratada como a segunda mãe ou tia. Isso signi-
fica não reconhecer sua profissionalização e considerar o ato de educar como extensão do
papel de mãe.
A reprodução do machismo
Meios de comunicação
CONCEITO DE GÊNERO
Nalu Faria é psicóloga, especialista em sexualidade e formação feminista; consultora em gênero e coordena-
dora geral da Sempreviva Organização Feminista (SOF).
Míriam Nobre é técnica da Sempreviva Organização Feminista (SOF); agrônoma, mestre pelo Programa de
Pós-graduação em Integração da América Latina (PROLAM-USP); da Coordenação Nacional e Internacional
da Marcha Mundial de Mulheres.
TEXTOS DE REFERÊNCIA
Livros
Artigos
BRUSCHINI, Cristina. O trabalho da mulher brasileira nas décadas recentes. Estudos Femi-
nistas, ed especial out. 1994, p. 179-199.
BRUSCHINI, Cristina e RIDENTI, Sandra. Família, casa e trabalho. São Paulo: Cadernos de
Pesquisa n. 88, 1994. p.30-36.
CASTRO, Mary G. e LAVINAS, Lena. Do feminino ao gênero: a construção de um objeto. In
Uma questão de gênero. Rio de Janeiro/São Paulo: ed. Rosa dos Tempos/Fundação Carlos
Chagas, 1992. p. 216-251.
FARIA, Nalu. Sexualidade e construção de gênero. Em Tempo, n. 265. março, 1993.
HIRATA, Helena e KERGONT, Daniele. A classe operária tem dois sexos. Estudos Feminis-
tas. vol.2, n. 3/94, p. 93-100.
IZQUIERDO, M. Jesus. Bases materiais do sistema sexo gênero. S.d, mimeo.
LOURO, Guacira Lopes. Nas redes do conceito de gênero. In LOPES, Marta Julia; MEYER,
Marques Dagmar Estermann e WALDOW, Vera Regina (org). Gênero e saúde. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996. p. 7-18.
PAULILO, M. Inês. O peso do trabalho leve. Ciência Hoje, v.5, n. 28, 1987.
ROSENBERG, Fúlvia et alii. Creches e pré-escolas no Brasil. São Paulo: ed. Cor-
tez/Fundação Carlos Chagas, 1993.
VANGE, Carole S. e SNITOW, Ann B. Sobre la posibilidad de um debate a acerca de la sexu-
alidad dentro del feminismo. In. CALDERÓN, M e. OSBORNE, R (org). Mujer sexo y poder.
Madrid: Proyecto Mujer y Poder, Instituto de Filosofia. Cisc, Forum de política femenista y
Comisión antiagresiones del movimento feminista, 1990. 92p.
EDUCAÇÃO E GÊNERO:
parceria necessária para a qualidade do ensino2
Cláudia Vianna3
2
Uma versão preliminar deste artigo foi publicada em VIANNA, C. P. Sexo e gênero: masculino e feminino na
qualidade da educação escolar. In: AQUINO, J. G. (Org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práti-
cas. São Paulo: 1997, p.119-130.
3
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, na qual também é professora. É autora de de
Os nós do nós: crise e perspectivas da ação coletiva docente em São Paulo (São Paulo: Xamã, 1999) e de
vários artigos sobre diferenças e preconceitos de gênero na escola, identidade docente, feminização do magis-
tério, masculinidades e feminilidades nas relações escolares.
4
O mesmo vale para questões relativas à geração e etnia, temas não desenvolvidos neste artigo.
Isso não significa abandonar a elaboração de métodos e concep-
ções de ensino ou o debate sobre a função da educação e a importân-
cia de sua democratização e do atendimento, no âmbito das políticas
públicas educacionais. É preciso definir um projeto de qualidade que
some às reivindicações específicas (quanto à política educacional,
que fomente melhores salários, condições de trabalho, elaboração de
métodos pedagógicos etc.) o reconhecimento da importância da etni-
a, da geração e do gênero nas relações escolares e na formação do-
cente. Assim, as questões de gênero apresentam-se como um traço
marcante da qualidade da educação.
Gênero e educação
Atualmente já registramos avanços nas pesquisas sobre relações
de gênero e educação, com destaque para temáticas como educação
infantil5; livros didáticos e conteúdos escolares6; significados mascu-
linos e femininos da identidade e trabalhos docentes7; reprodução de
estereótipos nas relações e nas políticas escolares8, entre outras.
Todavia, a passagem do feminino ao gênero ainda está ausente da
maioria das pesquisas sobre educação. Estudo recente de Fúlvia Ro-
semberg (2001) sobre as possíveis relações entre educação e gênero
nas investigações brasileiras chama a atenção para a ausência de re-
flexões sistematizadas sobre a relação entre os sexos, assim como
sobre os significados de masculinidade e feminilidade com base nas
relações de gênero. Elas insistem em ver a escola como uma esfera
perpassada quase exclusivamente por diferenças de classe, desconsi-
derando dimensões como gênero, geração e etnia/raça.
A recusa ao gênero caminha na direção contrária da realidade es-
colar brasileira, na qual a presença das mulheres no ensino público
tem sido majoritária. Ao longo do século XX, a docência foi assu-
mindo um caráter eminentemente feminino, e hoje, em especial na
Educação Básica (composta da Educação Infantil, do Ensino Fun-
damental e do Ensino Médio), é grande a presença de mulheres no
exercício do magistério.
De acordo com o primeiro Censo do Professor, 14,1% da catego-
ria é constituída de homens e 85,7% de mulheres. Levantamento rea-
lizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
5
CAMPOS, 1999; ROSEMBERG, 1999, 2002.
6
AUAD, 1999; BEISIEGEL, 2001; NEGRÃO e AMADO, 1989.
7
CATANI et alli, 1997, 1998; CARVALHO e VIANNA, 1994; CARVALHO, 1999; LOURO, 1997; DEMARTINI e ANTUNES, 2002.
8
DI PIERO, 2001; VIANNA e RIDENTI, 1998; VIANNA, 1999; VIANNA, 2002.
(CNTE) com 52 mil professores e professoras brasileiros mostra que
97,4% dos docentes de 1a a 4a série do Ensino Fundamental são mu-
lheres9. Elas ocupam 80,6% das 5as até as 8as séries desse ensino e
60,8% do Ensino Médio. A pesquisa da CNTE aponta ainda que, en-
tre diretores, coordenadores e supervisores ligados à Educação Bási-
ca, 90,1% são mulheres.
Mesmo assim, insiste-se na utilização indistinta de termos aparen-
temente neutros, masculinos, sem nenhum critério definido. Não se
considera a importância do sexo das educadoras e dos educadores
não apenas do ponto de vista quantitativo, mas principalmente quan-
to ao fato de que os valores masculinos e femininos presentes nas
escolas fazem diferença na caracterização e compreensão da quali-
dade da educação.
Portanto, as diferentes maneiras de conceber a qualidade da edu-
cação estão também marcadas, entre outros determinantes, pelas re-
lações de gênero, ou seja, por formas masculinas e femininas de pen-
sar o magistério, a atuação docente, o desempenho discente e as re-
lações estabelecidas na escola. Este não é o único fator determinante
da qualidade da educação mas, com certeza, é imprescindível para a
elaboração de um projeto mais abrangente de qualidade das relações
escolares.
Cabe então perguntar: qual a contribuição de um olhar de gênero
para a construção da qualidade da educação?
9
CODO, 1998.
O feminino e o masculino são apresentados como categorias opos-
tas, excludentes e hierarquizadas, nas quais a mulher, os valores e os
significados femininos ocupam lugar inferior. E a dicotomia daí de-
corrente cristaliza concepções do que devem ser as atribuições femi-
ninas e masculinas e dificulta a percepção de outras maneiras de es-
tabelecermos as relações sociais.
O ordenamento das relações sociais assim excludente, hierárquico
e cristalizado, é respaldado por mudanças de ordem social e política
que “apoiadas na biologia arquitetam arranjos que deslocam a culpa
das evidentes desigualdades sociais, políticas e econômicas para a
natureza” (Matos, 2001, p.70). Este modo de compreensão da reali-
dade é reforçado pelas explicações oriundas da medicina e das ciên-
cias biológicas e também pelas instituições sociais como a família e
a escola. O androcentrismo impregna os pensamentos científico, fi-
losófico, religioso e político há muito tempo, levando a crer que não
há outro modo de ser. Ficamos tão presos a algumas idéias que so-
mos incapazes de refletir sobre elas e criticá-las, tornam-se verdades
inalteradas: a força do costume faz com que defendamos explicita-
mente a igualdade e pratiquemos implicitamente a discriminação de
gênero (Moreno, 1999).
Para criticar esse modelo explicativo, fundado no determinismo
biológico, feministas forjam, no final dos anos 60 do século passado,
o conceito de gênero, contrapondo-o ao sexo. O objetivo é ressaltar o
caráter cultural e histórico das diferenças entre os sexos. A adoção
do conceito de gênero, historicamente construído, é um passo impor-
tante para sairmos das explicações das desigualdades a partir de fun-
damentações que se baseiam nas diferenças físicas, biológicas. As
relações entre os sexos são construídas socialmente e, portanto, po-
dem ser mudadas, assim como a hierarquia entre homens e mulheres.
Uma segunda utilização do conceito de gênero, mais recente, tam-
bém ressalta o seu caráter eminentemente histórico-cultural e enfati-
za sua utilidade na percepção e análise, não apenas das relações entre
homens e mulheres, mas da constituição dos significados e das rela-
ções de poder socialmente constituídas (Scott, 1990 e 1992; Nichol-
son, 2000). O lugar de homens e mulheres na divisão sexual do tra-
balho, bem como o saber que se produz sobre as diferenças sexuais e
os vários significados que elas podem adquirir, caracteriza sua varia-
bilidade e natureza política: o gênero constrói a política e a política
constrói o gênero (Scott, 1992).
Como diz Joan Scott (1990), as relações de gênero são relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, mas
também estão presentes nos símbolos culturalmente disponíveis so-
bre homens e mulheres. Assim, o gênero está presente nas distintas
atribuições relativas às masculinidades e às feminilidades; nos con-
ceitos normativos que estabelecem as regras e normas no campo da
educação; nas políticas que são implantadas nas escolas e nas identi-
dades subjetivas que, muitas vezes, sustentam e, em outras, procu-
ram reverter o modelo dominante de masculinidade/feminilidade,
como um modo de dar significado às relações de poder estabelecidas
e difundidas pelas políticas educacionais nas suas mais variadas es-
feras, níveis e modalidades de ensino. Os significados e símbolos de
gênero vão além dos corpos e dos sexos e subsidiam noções, idéias e
valores nas mais distintas áreas da organização escolar. Assim, a o-
missão do gênero na discussão dessas relações pode trazer viéses pa-
ra a compreensão de toda e qualquer proposta de qualidade do ensi-
no.
Bibliografia
Heleieth I. B. Saffioti
Todas as atividades humanas são medidas pela cultura, pois é graças a este verda-
deiro arsenal de signos e símbolos que aquelas atividades adquirem sentido e os seres hu-
manos tornam-se capazes de se comunicar. Desta sorte, ao nível da sociedade, não existem
fenômenos naturais.
Embora se pensasse superada a fase histórica de a biologia é o destino, surgiu na
década de 1980 e continua grassando atualmente um retorno assustador a posições essen-
cialistas, vinculando a mulher à natureza e o homem à cultura. O acervo de teorias, acumu-
lado em três decênios de pesquisas feministas, permite a defesa de postura que advoga a
construção social do gênero, a fim de se combater a escalada do pensamento conservador,
altamente deletério ao avanço das lutas políticas pela igualdade social, desenvolvidas por
categorias sociais discriminadas.
Não se trata de buscar qualquer outra igualdade situada fora do campo social, na
medida em que isto levaria, inexoravelmente, a uma essência masculina e a uma essência
feminina. Tampouco se trata de negar diferenças entre homens e mulheres, o que represen-
taria intolerância, mas de entendê-las como fruto de uma convivência social mediada pela
cultura. “As mulheres que escaparam do Eterno Feminino e do mimetismo com os homens
(...) defendem uma igualdade inédita entre os sexos, o primado da diferença sem hierarquia
e sem ambigüidade” (Darcy de Oliveira, 1991, p.17).
Se pensar (ou lutar por) a diferença, assim como a igualdade, isoladamente, envolve
sérias armadilhas, afirmar a primazia da diferença pode conduzir à absolutização da cultura,
hipostasiando-se ela na seguinte fórmula: a cultura é o destino. Atribui-se aqui o mesmo
valor à igualdade e à diferença, na medida em que não constituem um par dicotômico, mu-
tuamente exclusivo, mas são cada uma a condição da outra. Com efeito, poderia a diferença
tout court, sem adjetivação, realizar-se senão através da igualdade? Teria esta sentido se
não houvesse respeito às diferenças? Ademais, similaridade e diferenciação são duas di-
mensões de um mesmo processo, razão pela qual não se pode mencionar uma na ausência
da outra. Desta sorte, a diferença não é senão a outra face da identidade (Saffioti, 1991). As
pessoas situam-se nos eixos de distribuição/conquista do poder – gênero, raça/etnia e classe
social – graças às similitudes que apresentam com determinadas outras e às dessemelhanças
de que são portadoras em relação a outras criaturas. Assim, a discussão sobre as diferenças
não faz sentido isoladamente, uma vez que é apenas no contexto do insulamento que elas se
tornam apropriáveis por movimentos de cunho discriminatório. As diferenças só se inscre-
veriam no nível do essencial se se admitisse, aqui, uma essência feminina distinta de uma
essência masculina, o que está longe de ser o caso. Não se procede, pois, a uma naturaliza-
ção da diferença, como faz a sociedade. Isto ocorre em posturas intelectuais que concebem
o gênero como imutável. Ora, num discurso que admite explicitamente a des-re-construção
do gênero, este é, obviamente, cambiante. Nesta linha de raciocínio, discorda-se de Pierucci
*
Agradecemos à autora, à editora Rosa dos Tempos (do Grupo Record), à Fundação das Nações Unidas para
a Infância (Unicef) e ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Social (NIPAS) por autorizarem a publi-
cação deste texto, originalmente escrito para o livro Mulher brasileira é assim, de Heleieth I. B. Saffioti e
Mônica Muñoz-Vargas, RJ, 1994.
(1990), que enxerga ciladas só na diferença, quando a igualdade também já serviu de pre-
texto para a sujeição de vários povos a governos despóticos.
A modelagem de homens e mulheres como seres diferentes faz-se através de “tecno-
logias de gênero”, terminologia que Lauretis (1987) toma de empréstimo de Foulcaut
(1976, “tecnologias de sexo”) e que designa discursos hegemônicos, cinema, posturas epis-
temológicas, críticas, enfim, “práticas sociais e culturais” (Lauretis, p. ix). Em linguagem
althusseriana, tecnologias de gênero seriam desenvolvidas pelos aparelhos ideológicos de
Estado (Althusser, 1976) aos quais pensa-se ser necessário agregar explicitamente os apa-
relhos ideológicos privados. Obviamente, de forma implícita, estes estão compreendidos
nos primeiros, já que as determinações do Estado alcançam os mais ocultos espaços da vida
privada.
Se, por um lado, Lauretis aproveita as potencialidades da hipótese althusseriana e
envereda pelo caminho da compreensão “do gênero como (auto-)representação”, por outro,
extrapola seus limites, concebendo o sujeito feminino como estando, simultaneamente, den-
tro e fora da ideologia de gênero. O sujeito do feminismo é concebido como múltiplo e
construído através de “discursos, posições e significados freqüentemente em conflito uns
com os outros e inerentemente (historicamente) contraditório” (p. ix-x).
Isto equivale a dizer que o sujeito constituído em gênero o é também em classe so-
cial e em raça/etnia. Assim, em vez de ser unificado, é múltiplo, sendo mais contraditório
que dividido. Isto posto, o gênero caracteriza-se, para Lauretis, ao mesmo tempo, como
representação e como auto-representação, participa de sua própria construção. Esta não
depende apenas dos aparelhos ideológicos de Estado, mas é tecida também nos movimentos
de vanguarda intelectual e artística. A desconstrução do gênero interfere em sua construção,
o que significa a possibilidade de desestabilização de qualquer representação.
Lauretis situa o gênero em dois níveis: no da representação e no que chama de real.
Como se pensa que a representação é tão real quanto qualquer outro fenômeno, prefere-se
afirmar que a representação se inscreve no terreno do subjetivo, objetivando-se através da
atividade, enquanto o “real” consiste em práticas sociais e seus produtos, que se subjetivam
por um movimento oposto do sujeito. Produtos e processos sociais são igualmente impor-
tantes, uma vez que construção do gênero depende deste movimento em sua representação.
Para autora em pauta, portanto, o gênero “é tanto um construto sociocultural quanto um
aparelho semiótico, um sistema de representação que atribui significado(...) a indivíduos
dentro da sociedade.”(p.5). Ora, o devir das representações vai modelando homens e mu-
lheres, produzindo, assim, diferenças de gênero. Não somente o sujeito do feminismo, que é
um construto teórico, como também as mulheres historicamente situadas são concebidos
como simultaneamente dentro e fora do gênero, dentro e fora da representação.
É crucial reter esta ambigüidade do gênero, assim como a modalidade e a multipli-
cidade de seu sujeito. Os sujeitos históricos têm suas relações reguladas pelo gênero, con-
junto de representações absolutamente central na sociedade. Ademais, é relevante no pen-
samento de Lauretis a consideração simultânea da classe social e da raça/etnia, apreenden-
do a multiplicidade do sujeito sem fragmentá-lo e, por isto, preferindo chamá-lo de contra-
ditória a dividido. Ainda que o gênero se refira, para Lauretis, às categorias masculino e
feminino, também normatiza as relações sociais. A força da mudança social está bastante
presente em sua concepção, seja através de um sujeito que, sendo modelado pelo gênero, é,
ao mesmo tempo, capaz de tomar distância em relação a ele, seja pela capacidade desestabi-
lizadora da desconstrução. Mais do que isto, ela enxerga a dinâmica presente nas franjas
dos discursos hegemônicos e nas práticas micropolíticas no sentido da construção originária
de gênero, bem como na direção de sua desconstrução/reconstrução.
Evidentemente, o nível da subjetividade é privilegiado, ganhando relevo, desta for-
ma, a auto-representação. Nos interstícios das práticas instituídas, nas margens dos discur-
sos competentes, nas brechas da estrutura de poder/saber nascem cotidianamente novas
representações, sobretudo auto-representações, que vão construindo o gênero em outros
termos. Desta sorte, o gênero não é concebido como camisa-de-força. Pode-se afirmar que,
para esta autora, o gênero apresenta um caráter substantivo, na medida em que designa ca-
tegorias sociais, e uma dimensão adjetiva, ou seja, sua face normatizadora. É também o
caso de Welzer- Lang (1991), quando afirma que “A violência doméstica tem um gênero: o
masculino, qualquer que seja o sexo físico do(a) dominante” (p. 278) e que “No imaginário
masculino, a mulher não existe como sujeito. Ela é, seja o objeto a ser tomado, a consumir,
seja um outro homem” (p.114).
Há, todavia, autores, que prescindem do gênero enquanto designante de substância,
encarando-o exclusivamente como uma relação entre sujeitos socialmente construídos em
contextos históricos determinados. “Como um fenômeno contextual e mutável, o gênero
não denota um ser substantivo, mas um relativo ponto de convergência entre configurações
de relações, cultural e historicamente específicas” (Butler, 1990, p. 10). O conceito huma-
nista do gênero enquanto atributo de uma pessoa não serve como ponto de partida para uma
concepção relacional, na qual tanto a pessoa quanto o gênero são frutos do contexto históri-
co que os constrói.
Conceber gênero como uma relação entre sujeitos historicamente situados é funda-
mental para demarcar o campo de batalha e identificar o adversário. Nestas circunstâncias,
o inimigo da mulher não é o homem nem enquanto indivíduo, nem como categoria social,
embora seja personificado por ele. O alvo a atacar passa a ser, numa concepção relacional,
o padrão dominante de relação de gênero. Diferentemente do que se pensa com freqüência,
o gênero não regula somente as relações entre homens e mulheres, mas normatiza também
relações homem-homem e relações mulher-mulher. Deste modo, a violência cometida por
uma mulher contra outra é tão produzida pelo gênero quanto a violência perpetrada por um
homem contra uma mulher. A adequada compreensão deste fenômeno responderá pela
formulação de estratégias de luta com maior potencial de êxito, enquanto a singularização
do inimigo pode fazer perder de vista o nó constituído pelas três contradições sociais bási-
cas: gênero, raça/etnia, classe social (Saffioti et alii, 1992).
Além de se inscrever num universo conceitual relacional, o que raramente é encon-
trado em outras autoras (Whitbeck, 1983; Saffioti, 1991), Butler aponta caminhos de trans-
formação social de uma forma bastante original. Formula o conceito de inteligibilidade de
gênero, ou seja, coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática social e desejo. Em
outras palavras, o gênero culturalmente inteligível institui e mantém relações capazes de
expressar o complexo sexo/gênero pelo desejo sexual realizado na prática sexual. Obvia-
mente, esta coerência traduz o padrão hegemônico de relações de gênero ou a matriz domi-
nante de sua inteligibilidade cultural. Nada impede, entretanto, que outras matrizes de inte-
ligibilidade concorram para subverter a ordem de gênero. Neste sentido, pode-se pensar em
diversos pontos de observação (Saffioti, 1991) – os lugares de onde falam as feministas, por
exemplo – a partir dos quais são introduzidos padrões alternativos de relações de gênero.
Além disso, há que se reservar um lugar especial para a marginália, capaz das mais origi-
nais combinações para destruir a coerência e a continuidade do gênero, ou seja, sua lógica
hegemônica. Em um caso como no outro, pode-se dar uma significativa ampliação dos
limites da inteligibilidade cultural do gênero, o que permite a coexistência de várias
mites da inteligibilidade cultural do gênero, o que permite a coexistência de várias matrizes
de significações inteligíveis. No limite, ter-se-ia uma pluralidade de matrizes, propiciando,
certamente, a aproximação da utopia da androginia (Rubin, 1975).
O quadro atual, contudo, situa-se muito longinquamente da androginia, na medida
em que ser mulher não apenas é diferente de ser homem, como também implica inferiori-
dade, desvalorização, opressão. Embora não haja espaço para se discutir a polissemia do
conceito de opressão, entende-se necessário indicar, pelo menos, que o oprimido tem o seu
campo de opções reduzido, sendo objeto de um processo de dominação-exploração. É neste
contexto de relações de gênero entre desiguais que se legitimam a agressão física e emocio-
nal da mulher, assim como o abuso sexual e o estupro. A pesquisa de Gilligan (1982) reve-
lou que as mulheres imputam à desigualdade a responsabilidade pela violência, enquanto os
homens consideram a questão em termos de uma justiça falha, cega às diferenças entre as
pessoas. Isto é, o raciocínio dos homens não acusa a percepção do processo social de con-
versão das diferenças entre homens e mulheres em desigualdades. Em outros termos, a ide-
ologia de gênero procede através da naturalização das diferenças que, conforme o já expos-
to, foram socialmente construídas (Saffioti,1987;1992), podendo, por conseguinte, ser
transformadas. No contexto do pensamento ideológico, a apresentação das diferenças como
naturais constitui uma necessidade. Sem a satisfação deste requisito, o uso da diferença,
para fins discriminatórios, não alcança eficácia política. Assim, afirmar que as diferenças
encerram o perigo da naturalização é praticamente um truísmo.
Do exposto pode-se concluir ser de suma importância admitir não apenas um sujeito
múltiplo, partícipe das relações de gênero, de raça/etnia e de classe social em diferentes
posições – de dominância e de sujeição –, como também da convivência competitiva de
várias matrizes de inteligibilidade cultural de gênero. Observe-se, portanto, a riqueza pro-
porcionada pela diferenciação interna de uma sociedade, o que propicia relações sociais
substantiva e adjetivamente variadas. Neste sentido, as diversidades resultantes do processo
de diferenciação social são sempre positivas, independentemente de seus conteúdos especí-
ficos. E a humanidade tem revelado uma pronunciada tendência à diferenciação. Daí, ser
problemática a utopia de androginia, de Rubin (1975). É bem verdade que a androginia, ao
nível do gênero, poderia ser atingida pelo livre trânsito de mulheres e homens por uma i-
mensa gama de papéis sociais, sem as referências do masculino e do feminino. Sem a espe-
cialização de papéis, contudo, a indiferenciação permearia a diferenciação. Em vez de mu-
lheres e homens serem diferentes na igualdade, seriam iguais na diferença, o que pode ter
significados muito diversos.
Uma utopia mais modesta e, por esta razão, talvez mais exeqüível consiste em uma
sociedade com gênero, portanto, com diferenciação entre homens e mulheres, mas sem hie-
rarquias neste eixo de estruturação social. Este objetivo de relações igualitárias de gênero,
todavia, não apresenta viabilidade se não se desfizer o nó formado pelas três contradições
sociais básicas. Isto significa lutar por uma sociedade sem contradições entre categorias e
gênero e entre categoria étnico-raciais, assim como entre classes, o que é distinto de perse-
guir a meta de uma ordem societária sem gênero, sem relações interétnicas, sem classes. A
superação das atuais contradições é representada por um outro estágio de desenvolvimento
que, eventualmente, desse lugar a outras contradições, mas que também pudesse permitir
uma convivência mais humana entre os diferentes. Se é fácil pensar as desigualdades e as
diferenças qualitativas e, por conseguinte, pensar a reconversão das primeiras nas segundas,
o mesmo não ocorre com as desigualdades e diferenças quantitativamente definidas. Com
efeito, como se transforma uma desigualdade econômica em mera diferença? Aquele que
possui riqueza equivalentes a X não é simultaneamente diferente e desigual em relação à-
quele que possui o correspondente a 2 X? Não se trata, assim, de apenas (o que já seria tare-
fa de enorme alento) eliminar a contradição capital-trabalho? Acreditando-se que a quanti-
dade, a partir de certo ponto, se transmuta em qualidade (Marx, 1959), tende-se a imaginar
uma sociedade equânime (ou quase) com grandes variações de atividades, mas com peque-
nas diferenças no que tange ao padrão de vida, garantindo-se serviços de educação, saúde,
lazer etc. de boa qualidade. Ter-se-ia, desta forma, um único padrão de vida, embora ele
pudesse ser concretizado de muitas maneiras distintas. As utopias de igualdade chegaram a
um gigantesco fracasso porque, dentre outras razões, não admitiam diferenças. Há pois, que
reformular estas idéias, conformando-as às mais variadas diferenciações sociais. O mundo
caminha neste sentido. Haja vista o número de grupos étnicos defendendo, inclusive com
armas, suas culturas, embora, às vezes, as especificidades destas culturas tenham sido man-
tidas em silêncio por um Estado homogeneizador. Por outro lado, poder-se-ia dizer que o
mundo está crescentemente globalizado. As duas afirmações são igualmente verdadeiras.
Enquanto alguns processos (de comunicação, por exemplo) e alguns setores da sociedade (a
economia é um deles) se internacionalizam, outros tornam-se ainda mais restritos, particu-
lares e até singulares. Basta lembrar, neste sentido, as conseqüências do fundamentalismo
islâmico para as mulheres. Neste contexto, há que se cavar espaço saudável tanto para a
homogeneização, como para a diferenciação. Se se puser ênfase exclusivamente sobre a
primeira, a segunda impor-se-á pela força, como está ocorrendo em várias regiões do plane-
ta, já que o ser humano se enriquece através da diferença e não por intermédio da mesmice.
A diferença, contudo, é o locus privilegiado da constituição das relações de poder.
Scott (1990, p.16) chega mesmo a afirmar que “o gênero é o primeiro campo no seio do
qual, ou por meio do qual, o poder é articulado”. Para a postura aqui assumida, a raça/etnia
e a classe social são também filtros de percepção e apercepção, servindo, por via de conse-
qüência, de parâmetros para a organização das relações de poder. Afirmar que o gênero
vem em primeiro lugar significa atribuir-lhe primazia sobre os demais eixos de estruturação
social, o que contraria as idéias nucleares aqui expressas. Colocam-se os três eixos na
mesma posição, acreditando-se que não cabe ao cientista ordená-los em termos de sua ca-
pacidade de estabelecer ópticas de percepção e análise da realidade. A conjuntura do mo-
mento determinará qual dos três eixos deterá a preeminência nos sujeitos em interação. Há
que se pôr em relevo a reciprocidade entre, de uma parte, o gênero, a raça/etnia e a classe,
e, de outra, a sociedade como um todo. Para simplificar, toma-se apenas o gênero, ficando-
se com a mesma autora: “a política constrói o gênero e o gênero constrói a política” (Scott,
p.16).
Como as mulheres foram, nas sociedades simples, objeto de troca por parte dos ho-
mens (Lévi-Strauss, 1976) e o são, embora disfarçadamente, nas sociedades complexas, a
tarefa de estabelecer alianças ficou a cargo dos homens. As mulheres sempre foram os veí-
culos de negociações. Ora, a política – onde o poder é, por excelência, exercido – consiste
em negociar, em fazer e desfazer alianças. Esta lide treina os homens não somente na nego-
ciação, mas na percepção da oportunidade de estabelecer tal ou qual aliança com tal ou qual
facção. As mulheres não recebem este treino. Desta forma, o gênero é sim um eixo a partir
do qual o poder é articulado. Esta articulação processa-se em detrimento das mulheres.
Poucas são as que chegam aos parlamentos do mundo inteiro. Em lá chegando, mostram-se
canhestras na negociação, enfim, como não poderia deixar de ser, neófitas no exercício do
poder. O importante, porém, é frisar que tudo depende de experiência, uma vez que as es-
pecializações, ou seja, as diferenças, não se inscrevem nos planos natural ou divino e sim
no social. Em sendo este registro, convém chamar a atenção do leitor para o fato de que não
existem duas culturas: uma feminina e outra masculina, como concluem alguns a partir da
leitura do livro de Gillian. Talvez o próprio livro ofereça esta leitura. A posição aqui assu-
mida esposa a idéia de que há somente uma cultura falologocêntrica (Féral, 1990), no seio
do qual há diferenciações através das quais as mulheres se submetem ao poder (phallus) e
à razão (logos) dos homens. Não o fazem, contudo, passivamente. Não obstante sejam tra-
tadas como não-sujeitos, atuam permanentemente como sujeitos, seja ratificando o ordena-
mento social machista, seja solapando-o. As mulheres também fazem, portanto, a história.
Parafraseando Marx, não a fazem, contudo, em condições por elas idealizadas, mas em cir-
cunstâncias dadas e herdadas do passado. Mais do que isto, as três contradições básicas da
sociedade, ao se fundirem em um nó, alimentam-se mutuamente, agudizando os conflitos e
dificultando as alianças.
Dada a multiplicidade do sujeito social constituído em gênero, raça/etnia e classe –
situa-se fora de cogitação a totalidade de uma categoria ou classe. Não resta senão o cami-
nho das alianças entre desiguais, fenômeno contingente e efêmero, mas sempre renovável,
para se tentar construir uma sociedade menos iníqua e mais propiciadora do desenvolvi-
mento pleno das potencialidades de cada um: homem ou mulher, branco ou negro, mais ou
menos abastado.
Referências bibliográficas:
Heleieth I. B. Saffioti é doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Prof.ª Titular de Socio-
logia da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP); advogada e pesquisadora.
Referências Bibliográficas
SILVA, Maria José Lopes da. As idéias racistas, os negros e a educação. Florianópolis: Nú-
cleo de Estudos Negros, maio de 1997
CANDAU, Vera Maria (Org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002.
NOGUEIRA, João Carlos. Trabalho, raça e desigualdades. Escola Sul- CUT. Florianópolis:
Rocha gráfica editora, revista n° 1.
Parte II
Subsídios pedagógicos
Sugestões de Atividades
1ª Proposta:
Discussão em subgrupos a partir da exibição do vídeo
1. Exibição do vídeo.
2. Dividir a turma em grupos mistos, de 4 a 7 participantes (de acordo com a
quantidade de alunos presentes), solicitando que cada grupo eleja um relator e
discuta as seguintes questões:
2.1. Mulheres e homens são iguais?
2.2. O que é considerado pelo grupo como “serviço de mulher”? E “serviço
de homem”? Por quê?
2.3. Como o grupo define “machismo”?
2.4. O grupo considera a nossa sociedade “machista”? Por quê?
2.5. Listar alguns “sintomas de machismo” observados em nossa sociedade.
2.6. Pensem e discutam as mais variadas formas de violência contra a mulher
presentes em nossa sociedade e quais as suas causas.
2.7. Imaginem uma sociedade em que mulheres e homens são tratados de
forma justa e igualitária. Que diferenças poderiam ser percebidas no dia-a-dia, se
comparássemos tal sociedade com outra, na qual a mulher é considerada inferior
ao homem?
3. Apresentação, pelo relator, das idéias do grupo, seguida de discussão na ple-
nária que será coordenada pelo educador, responsável por fazer as pondera-
ções necessárias.
Observação: Pode ser proposta uma variação para dinamizar a atividade, solicitando, por
exemplo, que, ao término da discussão, cada grupo faça um pequeno esquete representando
uma situação de discriminação contra a mulher. Outras linguagens também podem ser utili-
zadas nessa representação, como, por exemplo a música, a mímica, a dança, etc.
2ª Proposta:
A representação de meninas e meninos sobre o masculino e o feminino
3ª Proposta: Discussão das questões que aparecem no vídeo, a partir de uma situação-
problema
1. Exibição do vídeo.
2. Apresentar ao grupo a seguinte situação-problema: “Cristina, 11 a-
nos, mora com o pai, a mãe, dois irmãos mais velhos (Mauro, com
17 anos, e João, com 15 anos) e um irmão mais novo (Carlinhos, 5
anos). Seu pai trabalha em uma tinturaria e sua mãe em uma loja, fi-
cando fora de casa praticamente o dia todo. Mauro e João (os irmãos
mais velhos) estudam à noite, pois pretendem trabalhar durante o di-
a. Cristina estuda no período da tarde. Antes de ir à escola tem como
tarefas arrumar a casa, cozinhar, lavar a louça e levar seu irmão me-
nor para a EMEI. Seus irmãos, embora estejam em casa durante todo
o dia, não realizam nenhuma das atividades domésticas. Cristina vem
percebendo que essa divisão de tarefas é injusta e a sobrecarrega;
sente-se cansada e com dificuldades para estudar, sem tempo para
brincar ou conversar com seus colegas. Pediu que seus irmãos tam-
bém colaborassem nas atividades domésticas. Os irmãos disseram
que aquele trabalho não era para eles, pois aquilo era coisa de mu-
lher, ‘o que a vizinhança iria pensar deles se os vissem varrendo a
casa, por exemplo’. Revoltada com a situação, Cristina levou o pro-
blema aos pais.”
3. Dividir a turma em grupos mistos, de 4 a 7 participantes (de acordo
com a quantidade de alunos presentes), solicitando que cada grupo
eleja um relator e discuta as seguintes questões:
3.1. Mulheres e homens são iguais?
3.2. O que é considerado pelo grupo como “serviço de mulher”? E “ser-
viço de homem”? Por quê?
3.3. Vocês consideram justa a forma como é realizada a divisão de tare-
fas na casa de Cristina? Por quê?
3.4. Se vocês fossem os pais de Cristina, como resolveriam a questão? O
grupo considera a nossa sociedade “machista”? Por quê?
3.5. Como o grupo define “machismo”?
3.6. Listar alguns “sintomas de machismo” observados em nossa socie-
dade.
3.7. Pensem e discutam as mais variadas formas de violência contra a
mulher presentes em nossa sociedade e quais as suas causas.
3.8. Imaginem uma sociedade na qual mulheres e homens são tratados
de forma justa e igualitária. Que diferenças podem ser percebidas no dia-
a-dia dessa sociedade, quando a comparamos com outra, onde a mulher
é considerada inferior ao homem?
4. Apresentação, pelo relator, das idéias do grupo e discussão na plenária coor-
denada pelo educador, que deverá fazer as ponderações necessárias.
História
- O papel da mulher nas diversas culturas e sociedades, através dos tempos (estudo com-
parativo). Salientado que os papéis masculino e feminino são construídos socialmente e,
portanto, podem ser modificados.
- Mulheres que estiveram à frente do seu tempo. Um bom exemplo é Olympe de Gouges,
que, em plena Revolução Francesa, escreveu a Declaração Universal dos Direitos da
Mulher e da Cidadã, diante da exclusão das mulheres a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Alguns sites para pesquisa sobre o tema:
Presença da mulher
http://www.ubmulheres.org.br/telas/revista/com_paris_mlh_rev.asp
Dia Internacional da Mulher
http://www.usp.br/espacoaberto/arquivo/2001/espaco06mar/editorias/varieda
des.htm
Geografia
Língua Portuguesa
Artes
- Estudo, leitura e análise de obras de arte (artes plásticas, música, poesia, teatro, dança,
etc.) sob a perspectiva de como a mulher aparece nessas obras.
- Estudo da vida e da obra de mulheres artistas (Tarsila do Amaral, Cecília Meireles, Ani-
ta Malfati, Chiquinha Gonzaga, Tomie Otake, Lina Bo Bardi, Cora Coralina etc.).
- Produção de músicas, pinturas, desenhos, gravuras, peças teatrais, tendo como temática
a igualdade entre mulheres e homens.
Educação Física
Ciências Naturais
- Salientar o papel de mulheres na Ciência, trazendo à luz nomes de mulheres cientistas.
Como, por exemplo, para termos uma referência mais remota, Hypatia de Alexandria,
que viveu entre os anos 370 e 415 d.C. e que foi uma grande filósofa, matemática e ci-
entista, a quem é atribuída a invenção do astrolábio (que revolucionou as técnicas de
navegação). Também podemos lembrar de Maria, a Judia, importante alquimista, citada
entre os alquimistas Nicolas Flamel e Paracelso. Maria viveu entre os séculos I e II, fa-
zendo grandes descobertas que foram utilizadas na Química moderna, sendo também
inventora de instrumentos de laboratório e do famoso método de aquecer em banho-
maria.
- Sobre Maria, a Judia, pode-se obter mais informações/ referências nos sites:
Moderna on-line
http://www.moderna.com.br/quimica/quimica_am/qantiga/0004
Mujeres y alquimia
http://www.levity.com/alchemy/miriam.html
Vocabulário de Filosofia
http://www.terravista.pt/ancora/2254/lexh.htm
Matemática
1. Pesquisa∗
1.1. Levantamento, com as alunas e os alunos, através de pesquisa com pessoas que moram com elas
(es), das seguintes questões: “Na sua casa quem (mãe, pai, avô, avó, tia, tio, irmão, irmã, você)
realiza as seguintes atividades ?”
- Anotar, por pessoa, o número de horas semanais utilizadas para cada atividade, separando mulheres
e homens:
∗
Esta atividade está presente no caderno “Nem mais, nem menos: iguais”.
Lavar louça / limpar cozi-
nha
Arrumar as camas
Limpar a casa
Limpar banheiro
Lavar roupa
Compras (mercado açou-
gue, feira, etc.)
Levar/ buscar crianças na
escola creche
Arrumar a casa
Cuidar de crianças
Cuidar de animais domés-
ticos
Total
1.2. Tabular as informações de todo o grupo, calculando a quantidade de horas semanais (somatório)
empregada por mulheres e por homens (separadamente).
- Pode-se propor exercícios matemáticos, calculando qual o número de horas a serem empre-
gadas em um mês, um ano e assim por diante.
- Outra possibilidade é calcular a média de horas semanais empregadas por mulheres, compa-
rando-as às empregadas pelos homens.
- Também é possível fazer o exercício de elaboração de um gráfico que ilustre as informações
obtidas.
1.3. Discutir com o grupo se a distribuição é eqüitativa e justa. Por que ela é realizada dessa forma?
Pode ser diferente? (O educador deverá mediar a discussão, ponderando quanto à construção
social dos papéis feminino e masculino que, por serem construídos socialmente, podem ser
modificados, buscando a “desnaturalização” dos mesmos). E se todos os moradores comparti-
lhassem, de forma igualitária, a realização dos trabalhos domésticos?
2. Análise de ditados populares e frases:
2.1. Dar alguns exemplos de ditados populares e/ou frases que expressem preconceito de gênero. Por
exemplo: "Mulher no volante, perigo constante!"; " O homem pode não saber porque está batendo,
mas a mulher sabe porque está apanhando"; "Ela é inteligente, apesar de ser mulher...".
2.2. Solicitar que as alunas e os alunos analisem e comentem, fazendo as ponderações necessárias.
2.3. Solicitar que cada um liste (individualmente) situações vivenciadas na semana anterior, em que
houve discriminação ou preconceito contra as mulheres.
2.4. Divisão em subgrupos para partilhar situações e construir uma lista comum, contendo as ações
consideradas mais significativas.
2.5. Apresentação das listas de cada subgrupo e realização de uma plenária, a fim de discutir as
situações apresentadas, relacionando-as com as relações de gênero presentes em nossa sociedade e
apontando para possibilidades de modificação dessas relações, na perspectiva de se construir uma
sociedade democrática, justa e igualitária para mulheres e homens.
3. Construção do mural de igualdade entre mulheres e homens
3.1. Propor a construção de um mural com notícias de jornais, revistas diversos e outros materiais em
que apareçam os avanços nas relações de gênero. Exemplos: “Homens estão mais participativos no
cuidado com seus filhos”; "As tarefas domésticas também são vistas como responsabilidade
masculina”; “Mulheres conquistam espaços profissionais que até pouco tempo atrás eram
considerados exclusivamente masculinos”; “Aumenta a participação política das mulheres”.
Sugestões bibliográficas
IBASE Vídeo e ISER Vídeo. 15 min. Com Eliane Giardini e Paulo Betti.
E se as mulheres saíssem para o trabalho, enquanto os homens cuidassem dos afazeres do-
mésticos? Essa é a história de Marta e Raimundo, uma família operária, seus conflitos fami-
liares e o machismo, vividos num mundo onde tudo acontece ao contrário.
Onde encontrar: Coordenadoria Especial da Mulher (fone: 3315 9077 – ramais:
2290//2272), SOF - Sempreviva Organização Feminista (fone: 38193876), Casa Eliane de
Grammont (fones: 55490335//55499339). Está disponível para venda no Iser (fones:
0xx21-2664451 // 2862551).
Mostra de maneira leve e descontraída como meninos e meninas são educados para desen-
volver papéis socialmente determinados.
3.Uma vezinha só
Ecos. 13 min.
Vídeo para adolescentes, aborda as relações de gênero e a sexualidade entre eles. Após uma
única relação sexual em que não adotaram métodos contraceptivos pela clássica crença de
que ‘uma vez não engravida’, a adolescente fica grávida. O adolescente então a culpa, diz
que é contra o aborto mas exige que ela o faça e nega-se a ficar com ela. Com medo de que
a família descubra e não tenha assistência, decide abortar e, aconselhada por uma amiga,
toma um remédio que lhe provoca uma séria hemorragia. No hospital, recebe tratamento e
orientação para contracepção e para evitar DSTs, assim como o garoto, que é chamado pelo
médico para receber orientação. Contém importantes informações sobre contracepção e
gravidez e aborda as relações de gênero envolvidas na questão.
Ecos. 20min.
Vídeo para o professor, trata das dificuldades deste lidar com o tema da sexualidade com os
adolescentes e jovens, sugerindo formas de abordá-lo nas diferentes áreas do conhecimento,
como Matemática, História, Educação Física. Discute a necessidade do professor buscar
informações sobre o tema, refletir sobre este, enfrentar as tentativas dos alunos de testarem
sua capacidade, fazerem brincadeiras, provocarem constrangimentos etc. Busca formas
alternativas de envolver os alunos nas atividades propostas, lidar com temas cruciais como
relações de gênero, homossexualidade, e construir uma opção da instituição escola em dis-
cutir as questões relativas à sexualidade com os alunos.
Onde encontrar: ECOS (fone: 3255-1238) e Coordenadoria Especial da Mulher (fone: 3315
9077 – ramais: 2290//2272).
Projeto Vida
Coordenadora: Dirce Gomes
Redação
Vincenzina T. S. Basile
Beatriz Tonglet de Vasconcelos (estagiária)
Projeto Editorial
Vincenzina T. S. Basile
Edição
Rodrigo Gurgel
Editoração
Colaboração
Maria Lúcia da Silveira
Maria Luiza da Costa
Mário Rudolf
Rosa Silvia Lopes Chaves
Daniela Auad
Estagiárias
Ana Paula Lopes do Prado
Ananda Carvalho
Andréa Cristina J. Delaplace
Elisa Machado Camarote
Agradecimentos
Cláudia Vianna
Heleieth I. B. Saffioti
Marilândia Frazão
Miriam Nobre
Nalu Faria
Editora Record
Unicef
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Social (NIPAS)
Endereço eletrônico
coordenadoriadamulher@prefeitura.sp.gov.br
Homepage
www.prefeitura.sp.gov.br/coordenadoriadamulher
Dezembro de 2002
- Agradecemos à Martha Tathy Alves de Oliveira pela orientação e valiosa contribuição nas discussões.
1
No final dos anos 60, “o conceito de gênero foi trabalhado inicialmente pela antropologia e pela psicanálise,
situando a construção das relações de gênero na definição das identidades feminina e masculina, como base
para a existência de papéis sociais distintos e hierárquicos (desiguais)”. Cf. FARIA, Nalu e NOBRE, Míriam.
Gênero e Desigualdade. São Paulo: Cadernos Sempreviva, 1997.
2
Mesmo com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, as atividades ligadas aos cui-
dados com a família ainda são vistas como atividades essencialmente femininas.
3
Entendemos como divisão sexual do trabalho a segmentação realizada pela sociedade, atribuindo a mulheres
e homens atividades específicas e, muitas delas, exclusivas de cada gênero. Dessa forma, tudo o que está
relacionado à esfera do privado e da reprodução (cuidados com a casa e com a família) é considerado como
trabalho feminino. Em contrapartida, a visão do homem como provedor, ligando-o à esfera da produção e do
público, o afasta da responsabilidade social para com o trabalho doméstico.
4
FUNDAÇÃO SEADE 2000. Dados relativos à Região Metropolitana de São Paulo. Mulher e Trabalho, n.º 4,
junho de 2001.
5
Comissão Especial de Defesa de Direitos da Mulher da Assembléia Legislativa da Bahia e CFEMEA.
6
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Pesquisa Nacional – 2001, realizada pelo Núcleo de Opinião Pública.
7
PORTELLA, Ana Paula. Apresentação realizada no I Congresso IMIP (Instituto Materno-Infantil de Per-
nambuco) de Saúde da Mulher e da Criança, Recife, 12 a 15 de julho de 2000. Jornal da Rede Saúde, nº 22,
novembro de 2000.
8
FUNDAÇÃO SEADE 2000. Op. cit.
9
FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam. Gênero e desigualdade. Cadernos Sempreviva, [s. n.], 1997.
10
O Artigo 5o., parágrafo 1, da Constituição diz: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”.
11
SILVEIRA, Maria Lúcia da e Silveira, Sérgio Amadeu da. “Duas mil razões: Marcha Mundial retoma debate
sobre discriminação e violência contra as mulheres”. Revista Educação, ano 27, nº 234, outubro, 2000. Ver
também:
CARVALHO, Marília Pinto de. No coração da sala de aula: gênero e trabalho docente nas séries iniciais. São
Paulo: Xamã/Fapesp, 1999.
CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero e política educacional em tempos de incerteza. In: HYPOLITO, A. &
GANDIN, L. (orgs.). Educação em tempos de incertezas. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
12
Conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em sua Relação Anual de Informações
Sociais (Rais), e da Fundação Seade. Dezembro de 1999.
13
ROSENBERG, Fúlvia. “Políticas Educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990”. In Desdobramentos do
feminismo. Cadernos Pagu, nº 16, Núcleo de Estudos de Gênero PAGU, Unicamp, 2001.
14
NICOLETTI, André. “Por que ainda há cursos ‘masculinos’ e ‘femininos’?”. FOVEST - caderno vestibular,
Folha de São Paulo, 11/04/2002, p. 8.
15
SILVEIRA, Maria Lúcia da e Silveira, Sérgio Amadeu da. Op. cit.
Ver também:
BOCCHINI, Maria Otília. Relações de gênero em livros didáticos. Folha Feminista, SOF, nº 27, setembr, 2001.
16
ROSEMBERG, Fúlvia & Pinto, Regina Pahim. A Educação da Mulher (Década da Mulher). Editora Nobel e
Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985, SP, pg. 136-138.
17
Psicopedagoga. Membro da Coordenação do Coletivo Anti-racismo da A-
PEOESP e membro da CAED (Comissão de Assuntos Educacionais) do Parti-
do dos Trabalhadores.