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Apresentação

Educar nossos alunos e alunas para que eles se sintam estimulados a ultrapassar os
preconceitos e as falsas verdades do senso comum é uma tarefa da maior importância para
educadores.
Uma educação que se proponha, antes de tudo, formar e aguçar o senso crítico das
crianças e dos jovens, não pode deixar de trabalhar a reconstrução de valores, comporta-
mentos e a superação das desigualdades em todos os sentidos, colaborando no desenvolvi-
mento de homens e mulheres parceiros e solidários em todos os campos da vida. Identificar
as formas de discriminação é o primeiro passo para se agir sobre elas e de exercer a cidada-
nia de fato.
O objetivo desta publicação é contribuir com esse trabalho, fornecendo subsídios e
apontando perspectivas de aprofundamento sobre o tema, colaborando para que os educa-
dores e educadoras possam lidar no seu dia a dia com a construção de uma nova relação
entre homens e mulheres fundada na igualdade e no respeito.
Esperamos, com isso, dar uma contribuição decisiva à educação em nosso municí-
pio. Uma educação despojada de velhos preconceitos e voltada à construção de uma socie-
dade realmente democrática.

Marta Suplicy
Prefeita

Colegas professores,

Mais que ensinar a ler e escrever, temos a missão de fazer com que nossos
alunos se tornem cidadãos. É uma tarefa tão difícil quanto recompensadora. Um
dos aspectos mais importantes neste sentido diz respeito ao conceito de igualda-
de entre as pessoas. No nosso dia-a-dia, enquanto educadores, vivemos isso in-
tensamente. Basta lembrar a heterogeneidade dentro das classes de aula. Entre
nossos alunos, encontramos um bom número de raças diferentes, de tipos físicos
dos mais diversos, sem contar os níveis de conhecimento.
Se para os professores esta é uma questão relativamente bem resolvida, o
mesmo, porém, não se pode dizer dos alunos, que ainda estão engatinhando no
assunto. Por isso, é preciso fazê-los entender que as pessoas são diferentes entre
si e que as diferenças são importantes, pois ajudam a nos situar dentro da socie-
dade e devem ser respeitadas.
O objetivo deste caderno, produto de uma feliz parceria entre a Secretaria
Municipal de Educação e a Coordenadoria Especial da Mulher, é de ajudar os
educadores na tarefa de conscientizar os alunos sobre as diferenças entre as pes-
soas, em especial aquelas que dizem respeito ao gênero, ou seja, homem e mu-
lher, menino e menina.
Esse caderno mostra para os alunos que histórias do tipo lugar de mulher é na
cozinha, que homem não chora ou que ele trabalha e ela cuida dos filhos estão
ultrapassadas. Aborda, com uma linguagem clara e objetiva, a questão do pre-
conceito sexista. Sem dúvida, uma importante ferramenta em sala de aula quan-
do o assunto vier à tona.
Com o esforço mútuo, certamente eles aprenderão que meninos e meninos,
embora diferentes fisicamente, são iguais em muitas situações, merecendo direi-
tos, oportunidades e respeito iguais. Um princípio importante para um relacio-
namento mais harmonioso entre os jovens e que certamente irá colaborar para a
formação de cidadãos conscientes.

Maria Aparecida Perez


Secretária Interina de Educação

Educar para a igualdade


Sabemos que uma educação voltada à construção da cidadania e em defesa
dos direitos humanos tem um papel fundamental e transformador na busca de
uma sociedade verdadeiramente democrática, justa e igualitária. Assim, uma das
prioridades da Coordenadoria Especial da Mulher, no que se refere a ações para
a superação das desigualdades entre mulheres e homens na nossa sociedade, é a
educação, que, juntamente com ações em outras áreas da Administração Muni-
cipal, pretende colaborar para transformações sociais que se fazem indispensá-
veis na construção de relações igualitárias no nosso município.
Entendemos que discutir nas escolas – desmistificando a “naturalização” das
identidades masculina e feminina – e incluir essa perspectiva no processo de
formação permanente dos profissionais de educação dos diversos níveis de ensi-
no presentes na Rede Municipal, é uma forma de contribuir para a construção de
uma sociedade mais igualitária.
Nesse sentido, o Projeto Vida trouxe a oportunidade de iniciarmos uma ativi-
dade em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação. O processo de ela-
boração de materiais de discussão e de apoio para alunas e alunos – e para pro-
fessoras e professores – responde à necessidade de desenvolver recursos forma-
tivos destinados a uma educação não-sexista e à promoção da igualdade.
A meta da igualdade de gênero foi trazida para a agenda das políticas públi-
cas pelo movimento feminista. Principalmente a partir dos anos 1900, os movi-
mentos de mulheres, atuantes como um sujeito coletivo no espaço público, re-
forçam o processo de lutas contra a discriminação, opressão e subordinação das
mulheres e pela obtenção e exercício de direitos, articulando um novo espaço de
intervenção.
Uma atuação que busca, assim, contribuir ativamente para que essas políticas
levem em conta o seu papel na alteração da desigualdade entre mulheres e ho-
mens em contextos específicos.
A escola deve incorporar, em suas práticas educativas, iniciativas que intro-
duzam conscientemente, como estratégia de socialização, a meta da igualdade
de gênero e de extinção de práticas sexistas. Com esse objetivo é que nos propu-
semos dar passos nesta direção, com a produção de vídeo e textos de apoio co-
mo instrumentos práticos de intervenção pedagógica.
Este caderno de apoio pretende fornecer subsídios, às educadoras e aos edu-
cadores, que contribuam na discussão de gênero com as nossas crianças e ado-
lescentes. Neste sentido, se propõe a auxiliar também em sua formação. E rela-
ciona-se com outros materiais, como o vídeo “Um brinde à igualdade” e um ca-
derno para as alunas e os alunos, “Nem mais, nem menos: iguais”, que apresenta
alguns verbetes (igualdade, discriminação, machismo, divisão sexual do traba-
lho, violência, feminismo), atividades e curiosidades que podem colaborar para
a reflexão sobre essa temática, sempre com a intermediação das educadoras e
dos educadores.
Esperamos que esses passos nos conduzam a aprofundar parceria com a Se-
cretaria de Educação na direção de um processo formativo mais amplo junto às
professoras e professores, sobretudo porque a utilização de recursos pedagógi-
cos, contribuição relevante às práticas educativas, não pode substituir a forma-
ção de professores, agentes-chave do processo de transformação no cotidiano
escolar.
Com projetos como esse, a escola também se constitui num espaço privilegi-
ado para incluir a dimensão da igualdade de gênero no exercício da cidadania.

Tatau Godinho
Coordenadoria Especial da Mulher
Gênero e educação

Para iniciarmos nossa conversa é necessário pensarmos um pouco sobre o conceito


de gênero. Em nossa caminhada pelos bancos escolares, vimos, em algum momento, em
uma das aulas de língua portuguesa, que gênero é uma das formas de classificação das pa-
lavras, e que há dois gêneros em português: o feminino e o masculino.
Com certeza, excluindo essa remota lembrança da palavra, o conceito de gênero é
pouco conhecido pela maioria das pessoas, considerando-se que a inclusão de gênero, en-
quanto categoria histórica e analítica, é algo muito recente.1
Quando falamos em gênero ou relações de gênero, referimo-nos à construção soci-
al das identidades feminina e masculina e a forma de relação social que se estabelece entre
mulheres e homens, entre mulheres entre si e homens entre si.
Desde o nascimento do bebê, a partir do momento em que é anunciado o seu sexo,
há uma expectativa com relação a sua identidade social. Ao visitar um recém-nascido, por
exemplo, quem não ouviu algo assim: “É uma menina: será uma companhia para a mãe!”.
Dentre outros, não se espera que um menino seja companhia para a mãe, porque dele espe-
ra-se que “ganhe a estrada”.
Apesar das grandes mudanças ocorridas no século passado, neste início de século
ainda espera-se que a mulher ocupe o espaço do privado2, enquanto que ao homem cabe o
espaço público (trabalho, política, happy hour com amigos nos bares, futebol etc.). Essas
atribuições estão fundamentadas no simples fato de uma ser mulher e outro ser homem. Ou
seja, fundamentam-se em valores sócio-culturais estabelecidos por uma determinada socie-
dade, a qual atribui lugares sociais distintos a mulheres e homens.
Ainda, na nossa sociedade, são consideradas características femininas: fragilidade,
sensibilidade, meiguice, passividade, cooperatividade, meticulosidade, maior preocupação
com os problemas familiares e menor preocupação com a promoção profissional. Coragem,
racionalidade, força, competitividade, preocupação com a carreira profissional, menor par-
ticipação nos problemas familiares são consideradas características masculinas. Um menino
que não possua as características esperadas poderá ser chamado de “maricas”, “mulherzi-
nha”, “mariazinha”, dentre tantos outros adjetivos (que, por serem associados à mulher, são
tidos como pejorativos), os quais são utilizados como forma de pressão do grupo social,
para que cada um tenha o comportamento esperado. Igualmente, a menina, na maioria das
vezes, também é repreendida quando não corresponde ao padrão estabelecido para o seu
gênero.
Consideramos que as questões que permeiam as relações sociais entre os sexos
constituem-se num arcabouço ideológico e coloca as pessoas numa relação hierarquizada.
No que se refere às relações de gênero, da forma como estão configuradas na nossa socie-
dade, apesar dos avanços observados nas últimas décadas, os valores predominantes colo-
cam a mulher numa situação de subordinação, porque as diferenças biológicas são trans-
formadas em desigualdades.

CONTRAPOSIÇÃO ENTRE NATUREZA E CULTURA: ONDE COMEÇA A DESIGUALDADE

A construção de uma separação rígida entre natureza e cultura com a respectiva


identificação da mulher à natureza e do homem à cultura tem como conseqüência a “natu-
ralização” de tudo que se refere à mulher, encerrando-a a sua capacidade biológica de
procriar. Essa visão percorre ativamente o imaginário social sobre a mulher , dividindo
rigidamente reprodução de produção; trabalho doméstico de trabalho profissional ou as-
salariado etc.
Essa divisão dos espaços como feminino e masculino teve conseqüência na organi-
zação de uma divisão sexual do trabalho que interpreta as habilidades adquiridas pela
socialização das mulheres como “naturais”, portanto, não qualificadas, servindo para
justificar a má remuneração do trabalho das mulheres, sobretudo das profissões conside-
radas extensão do lar e do cuidado, referente à função de mãe, como desdobramento da
atividade procriativa, professoras, enfermeiras etc. Essa visão, apesar das mudanças, en-
tra de contrabando nos argumentos patronais que tratam mulher no trabalho, como força
auxiliar, portanto, de salário complementar, justificando salários menores.
Essa visão é uma pesada hipoteca para as mulheres no mundo do trabalho. Mas o
que se observa é que a educação faz circular ainda esses significados, passando “nas en-
trelinhas”, como uma mensagem oculta que o homem cria cultura e a mulher reproduz ou
transmite o conhecimento gerado pelo homem.

Maria Lúcia da Silveira, doutora em Sociologia pela PUC/SP

Essa desigualdade se expressa das mais variadas formas, como na propaganda de


cerveja, em que, explicitamente, a mulher é colocada como um objeto de consumo, assim
como a bebida. Esse tipo de discriminação é visível também na menor remuneração do
trabalho feminino, apesar de, no Brasil, as mulheres possuírem, em média, mais instrução
do que os homens.
A desigualdade também é visível no que se refere à divisão sexual do trabalho3. A-
pesar da crescente participação feminina na População Economicamente Ativa (PEA), a
mulher continua sobrecarregada, com um acúmulo de atividades, que a obriga a enfrentar,
muitas vezes, dupla ou até tripla jornada de trabalho, para cumprir os papéis de mãe, dona
de casa, esposa e profissional.

DIFERENÇA DE RENDIMENTO: UM RETRATO DA DESIGUALDADE

De acordo com dados do IBGE, coletados no Censo 2000, as mulheres recebem, em


média, no Brasil, 71,5% do rendimento masculino. Na região metropolitana de São Paulo,
a diferença salarial aumenta ainda mais: dados da Fundação Seade4 demostram que as
paulistanas recebem apenas 67,5% do salário dos homens
No entanto, segundo Fúlvia Rosemberg, em seu artigo “Políticas Públicas e gêne-
ro: um balanço dos anos 1990”, as mulheres constituem 53,6% dos concluintes do ensino
fundamental. O mesmo ocorre no ensino médio, no qual as mulheres representam 58,3%
dos concluintes e os homens, 41,7% destes. Tal diferença se mostra ainda maior no ensino
superior, no qual 61,4% dos concluintes são mulheres e 38,6%, homens.

Outra forma de expressão das desigualdades entre mulheres e homens, é a pequena


participação de mulheres na política e em cargos de destaque nos locais de trabalho.
No que se refere à participação política feminina, é expressiva a presença das mu-
lheres nos movimentos de bairro, nos quais elas são maioria. Entretanto, não menos signifi-
cativa é a diminuição da participação de mulheres à medida que se institucionalizam e cres-
cem as relações de poder.

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES NO BRASIL


Atualmente, em nosso país, a participação das mulheres nas Câmaras Municipais é
de 13,14%, e de 6,04% nas prefeituras, sendo 5211 prefeitos e 315 prefeitas (eleitos em
2000). Na Câmara Federal, as mulheres têm participação de 8,2% (eram 5,6% em 1998),
no Senado são 12,3% e nas Assembléias Estaduais são 12,5% (eram 10% em 1998). Na
composição dos Ministérios, não há participação feminina, sendo todos eles, portanto,
constituídos por homens5.

Podemos observar a discriminação e o preconceito contra a mulher também nas si-


tuações cotidianas (quando alguém, por exemplo, diz a uma mulher que está dirigindo um
automóvel: “Vá lavar roupa Dona Maria!” ou “Ela é boa motorista, apesar de ser mu-
lher...”)∗ ou na maior incidência de violência sexual e doméstica sobre as mulheres.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: MARIDO OU PARCEIRO SÃO OS PRINCI-


PAIS AGRESSORES

“A responsabilidade do marido ou parceiro como principal agressor varia entre


53% (ameaça à integridade física com armas) e 70% (quebradeira) das ocorrências de
violência em qualquer das modalidades investigadas, excetuando-se o assédio. Outros
agressores comumente citados são o ex-marido, o ex-companheiro e o ex-namorado, que
somados ao marido ou parceiro constituem sólida maioria em todos os casos.”6
Infelizmente, a violência faz parte da vida de muitas brasileiras, assumindo as
mais variadas formas que vão da violência psicológica - expressa através de insultos e
desqualificação da mulher - passando pelo assédio, violência sexual, física, chegando ao
assassinato.
“São muitas as crenças que justificam, para mulheres e homens, um certo grau de
violência doméstica, todas elas associadas ao modo como homens e mulheres devem se
comportar dentro do casamento e em sociedade. Uma dessas crenças é a de que o controle
faz parte do amor e do casamento. Outras ligam-se à hierarquia existente entre o casal,
onde o homem situa-se no lugar de maior poder, podendo, portanto, definir as regras e o
que é certo e errado na convivência conjugal. Os homens justificam seus atos de duas ma-
neiras: a mulher não teria cumprido com suas obrigações e, por isso, mereceria apanhar
para aprender – trata-se da "função educativa da violência"; além disso, a mulher poderia
não estar respeitando a sua individualidade, estaria cerceando os seus direitos de estar só,
de sair, de estar preocupado ou indignado. De certa forma, também aqui a mulher não
estaria cumprindo bem o seu papel de esposa, merecendo, por isso, ser punida. Neste últi-
mo caso, podemos incluir a violência sexual, que se baseia na idéia de que é o desejo mas-
culino que orienta o ato sexual, autorizando, portanto, o uso de violência quando a mu-
lher, por qualquer razão, não cede a este desejo.
Todas estas crenças e justificativas ligam-se, sem exceção, à desigualdade entre
homens e mulheres. Mais poderosos, os homens detêm a prerrogativa de mandar e contro-
lar os demais membros da família, com a concordância das mulheres, das crianças e da
sociedade em geral.”7
Assim, as diferenciações devido ao sexo, que começam desde o nascimento da pes-
soa, tomam, mais tarde, proporções exorbitantes. As mulheres acabam por sofrer a discri-
minação de variados modos, desde “brincadeirinhas” até sua forma mais evidente, a violên-
cia.
No caso das mulheres negras, a discriminação e a injustiça são ainda maiores, pois
elas sofrem preconceitos de duas ordens: de gênero e étnico-racial. Quanto ao rendimento,
por exemplo, as mulheres negras recebem 53,85% da média de salário recebida pelas mu-
lheres não-negras. Comparativamente aos homens, as mulheres negras ganham 75% do
valor médio recebido pelos homens negros e 33,34% da média dos salários dos homens
não-negros.8
Dissemos que as relações de gênero são construídas socialmente, isso significa que
elas se dão de forma diferente de uma sociedade para outra e em épocas diferentes numa
mesma sociedade.
Em algumas tribos africanas, por exemplo, os homens cuidam dos bebês durante seu
primeiro ano de vida, exceto com relação, claro, à amamentação. No entanto, nos países
ocidentais, mesmo naqueles em que a lei prevê que o casal opte por qual dos dois (pai ou
mãe) receberá a licença-maternidade para cuidar do bebê, como é o caso da Alemanha, di-
ficilmente o homem assume esse papel.
Quanto ao Brasil, na época do Império, em geral as meninas estudavam somente até
os 13 ou 14 anos, estando seus pais certos de que a educação das filhas estava então conclu-
ída, e que o próximo passo para elas era o casamento. A lei, por um lado, justificava e, por
outro, retratava essa mentalidade, admitindo – na primeira legislação relacionada à educa-
ção de mulheres, em 1827 – meninas apenas para escolas elementares, não para institutos
de ensino mais adiantado, algo atualmente incomum.
A conquista do direito de voto é um outro exemplo de como ocorre uma história dis-
tinta em cada país. Na Suíça, por exemplo, a mulher pôde votar somente a partir de 1971.
Em Portugal, a igualdade quanto ao direito de voto entre mulheres e homens se deu em
1974 e, apenas em 1978, a lei portuguesa decretou direitos iguais para ambos os sexos no
casamento. Já no Brasil, o direito a voto foi conquistado pelas mulheres em 1932 e na Nova
Zelândia, primeiro país a legitimar essa igualdade, em 1893.
Ora, se “as identidades e papéis masculino e feminino não são um fato biológico,
vindo da natureza, mas algo construído historicamente”9, isso significa que podem ser mo-
dificados. Nesse sentido, a educação tem um papel fundamental de transformação na cons-
trução de uma sociedade mais justa e igualitária para mulheres e homens.
No que se refere à Educação e Gênero, há vários aspectos a serem considerados. O
primeiro deles é o papel da educação na socialização dos indivíduos (mulheres e homens),
realizada por diversas instituições como a família, a escola, a igreja e, muito fortemente nos
dias que correm, pela mídia (representada pelos veículos de comunicação de massa). Todas
essas instituições colaboram na construção das identidades feminina e masculina, influenci-
ando nas relações de gênero.
Se pretendemos construir uma sociedade realmente democrática, onde a igualdade
entre mulheres e homens exista de fato e não apenas na lei10, mas nas relações e práticas


Preconceito: Mulher dirige mal. Fato: As seguradoras concedem desconto no valor do seguro do veículo
quando este é utilizado por mulher, pois os dados demonstram que as mulheres envolvem-se menos que os
homens em acidentes de trânsito.
cotidianas, seja no trabalho, em casa, na política ou no lazer, é preciso que estejamos aten-
tos em promover uma prática educativa não discriminatória desde a primeira infância.
A atenção a esse aspecto é fundamental, visto que as idéias e as práticas que consti-
tuem as relações de gênero estão firmemente enraizadas na sociedade em geral, e em cada
indivíduo em particular, seja homem ou mulher.

MUDANÇAS NA LEI

As atuais mudanças no Código Civil, aprovado em 2001, podem ser tomadas como
exemplo do reconhecimento legal de direitos já exercidos pelas mulheres, embora ainda
permaneça defasado no que se refere à igualdade entre mulheres e homens. O Código an-
terior, do início do século, estabelecia que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”.
Dispositivo hoje revogado, atribuía a ele a representação legal da família, a administração
dos bens comuns, o direito de fixar o domicílio da família e o direito de anular o casamen-
to se descobrisse que a mulher não era virgem. Além disso, a visão da mulher dependente
era forte: presumindo “a mulher autorizada pelo marido para a compra das coisas neces-
sárias à economia doméstica."
O Código atual declara que a direção “da sociedade conjugal é exercida em cola-
boração, pelo homem e pela mulher e ambos são vistos como responsáveis pelos encargos
da família.”
Maria Lúcia da Silveira, doutora em Sociologia pela PUC/SP

É comum fazermos coisas sem perceber seu real significado, simplesmente por a-
girmos de acordo com valores e preceitos que nos foram ensinados, e que são repassados às
gerações há séculos, sem que as pessoas se dêem conta da injustiça e da opressão que eles
impõem a todos(as) nós. Não é sempre que nossas atitudes são analisadas racionalmente,
com critérios que ultrapassem as noções de senso comum, que, por sua vez, legitimam as
ações pela “tradição” (justificadas pela frase: “Sempre foi assim”). Dessa forma, freqüen-
temente, sem percebermos, por uma simples frase, ou pelo tom de voz, além de ações obje-
tivas e concretas tratamos de forma diferenciada meninos e meninas; por exemplo, estimu-
lamos o menino a sair e a se divertir, e a menina a ficar em casa, ajudando no trabalho do-
méstico.
É comum que brinquedos e brincadeiras sejam classificados de acordo com o sexo
da criança (menino brinca com bola e carrinho, menina com boneca e panelinha). Não é
raro acontecer de um pai, uma mãe, um educador ou uma educadora demonstrarem uma
séria preocupação com o fato de seu filho procurar uma boneca como brinquedo, temendo
que essa ação possa “desvirtuar sua formação”.
É assim que, desde os primeiros anos de vida, na observação de como se dão as re-
lações de gênero dentro de casa e fora dela, na orientação que recebem quanto a brinquedos
e brincadeiras, roupas, e modos tidos como mais adequados a cada gênero, as crianças são
“treinadas” a desenvolver papéis e habilidades diferenciadas, e que irão influenciar nas suas
escolhas e possibilidades concretas ao longo da vida.
Assim, as atribuições sociais impostas, que levam à manutenção das desigualdades,
da forma como estão – mesmo que muitas vezes ainda despercebidas e/ou camufladas – são
formas de perpetuar a opressão entre os gêneros, na tentativa de manter as mulheres “no seu
lugar”, submissas, limitadas, caladas.

MUITO POR FAZER


A escola pode contribuir para a superação dos estereótipos e das desigualdades de gênero11
Os dados mostram que as mulheres brasileiras vêm obtendo melhores resultados na
escola: o tempo médio de estudo das brasileiras é de 6 anos, enquanto dos homens é de
4,9; e é o sexo feminino a maioria dos alunos do ensino médio (56%) e superior (54%).
Mas é preciso ter claros os limites dessas conquistas. Em primeiro lugar, esses da-
dos significam que os meninos e rapazes estão sendo excluídos da escola. As explicações
para isso parecem estar ligadas ao tipo de trabalho exercido pelas crianças (trabalho do-
méstico para as meninas e formas de trabalho remunerado para os meninos) e também às
expectativas diferenciadas sobre o desempenho e as características de cada sexo, tanto na
família quanto na escola.
Em segundo lugar, como essa entrada das mulheres no ensino deu-se nas últimas
décadas, existem mais mulheres do que homens analfabetos com mais de 40 anos. A maior
instrução das mulheres não tem resultado em rendimentos melhores, nem em maior acesso
ao mercado de trabalho. Um dos empregos em que mais encontramos mulheres é exata-
mente entre as professoras, uma ocupação desprestigiada e cujos salários vêm caindo nos
últimos trinta anos.
Ainda há muito que fazer para que a escola possa contribuir para a superação dos
estereótipos e das desigualdades de gênero. Antes de tudo, é preciso buscar informações,
saber como vivem as mulheres brasileiras e seus problemas, para incluir esse debate no
currículo. Não menos importante é a reflexão sobre os próprios comportamentos, as pala-
vras que usamos, as diferenças de tratamento que, sem querer, damos a meninas e meninos
em nossas salas de aula. Pensar sobre nossa prática e tomar em nossas próprias mãos a
construção da escola que queremos passa também pela revisão de nossos preconceitos
ligados ao gênero.

Marília Carvalho, professora da Faculdade de Educação da USP

Historicamente, onde há opressão, há também resistência. No que se refere às con-


quistas das mulheres não é diferente: elas foram obtidas como resultado dos questionamen-
tos e lutas dos movimentos de mulheres no Brasil e em outros países. Há mais tempo do
que se imagina, as mulheres lutam contra as diversas formas de violência, através de resis-
tência e questionamento dos códigos e práticas impostos pela sociedade.
É preciso, por meio de uma educação não-discriminatória, passar isso para as/os pe-
queninas/os que logo constituirão uma nova rede de relações, esperamos, mais justa e hu-
mana.
Falamos da educação/socialização em todos os níveis, desde a que se dá em casa,
até a escola. É essencial, para a formação dos educadores, que a reflexão sobre as questões
de gênero esteja presente nas universidades, onde ainda é pouco discutida, o que não esti-
mula e, muitas vezes, impede o questionamento de certos valores e práticas que acabam por
levar a um comportamento discriminatório.
Desse modo, visando à ruptura com essa tradição, faz-se necessário não somente o
questionamento às próprias atitudes cotidianas, bem como das pessoas ao redor, mas tam-
bém a incorporação da perspectiva de gênero na formação dos educadores.

MAGISTÉRIO: QUANTO MAIOR A PARTICIPAÇÃO DE MULHERES ENTRE OS DOCENTES, MENOR


A MÉDIA SALARIAL

Mesmo dentro do magistério (majoritariamente composto por mulheres), as profes-


soras recebem 67,55% do salário dos docentes do sexo masculino com mesma formação
que elas12.
Em recente artigo, Fúlvia Rosemberg faz uma análise dessa questão baseada em
dados nacionais do MEC/INEP, de 1997, em que encontramos uma participação de 44,5%
de mulheres na Rede de Ensino Federal, 84,7% na Rede Estadual e 89,8% na Rede Muni-
cipal, sendo, respectivamente, a média salarial em cada rede: R$ 1.527,01 (federal); R$
584,56 (estadual) e R$ 378,67 (municipal). São também analisados dados relativos à mé-
dia salarial, por níveis de ensino, onde encontramos as seguintes médias nacionais: R$
419,48 (Educação Infantil); R$ 425,60 (Ensino Fundamental I); R$ 605,41 (Ensino Fun-
damental II) e R$ 700,19 (Ensino Médio).
“(...) Nota-se, no ensino básico, que quanto maior a participação de mulheres entre
os docentes, menor a média salarial; nota-se também, intensa diferenciação no salário
médio em função dos níveis de ensino (quanto menor a idade do/a educando/a menor o
salário do/a professor/a.
(...) Pode-se, pois, concluir que a manutenção de salários tão baixos para os/as
professores/as da educação infantil e do ensino fundamental (que ocupam 3,6% da força
de trabalho formal feminina) contribui para manter o intenso diferencial nos rendimentos
de trabalhadoras mulheres brasileiras. Esta é, sem dúvida, uma tendência de discrimina-
ção de gênero que permanece no sistema educacional brasileiro (...) O magistério constitui
um caso exemplar, mas não isolado, de discriminação de gênero que persiste no mercado
de trabalho (...)”

Fúlvia Rosemberg, professora da Pontifícia Universidade Católica de SP


e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas13

No que se refere à ação educativa, é preciso uma atenção permanente quanto ao tra-
tamento em relação a mulheres e homens, meninos e meninas, às oportunidades que são
dadas a estas/es e também ao trato de questões cotidianas, que podem (ainda que tenham a
aparência de um detalhe mínimo) reforçar aspectos discriminatórios. Não separar as crian-
ças de acordo com o tipo de brincadeira e atividade (que, no fundo, são modos de socializa-
ção), já seria uma expressão do cuidado que temos com uma educação não diferenciada.

A EDUCAÇÃO DIFERENCIADA INFLUENCIANDO EM ESCOLHAS PROFISSIONAIS DISTINTAS


PARA MULHERES E HOMENS

Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 11 de abril de 2002, foram


divulgados dados do estudo realizado pela professora Eva Blay, da Universidade de São
Paulo, segundo a qual “os cursos relacionados à área de saúde, de educação e de cuidado
de outras pessoas concentrou 76% de mulheres em 2000 na USP. As áreas técnicas, por
outro lado, reuniram 73% de homens”14
Essa realidade evidencia o quanto, ainda nos dias atuais, uma educação diferenci-
ada para meninas e meninos influencia e limita as opções profissionais dos indivíduos.

Será que, quando dividimos as crianças na fila de entrada, por exemplo, estamos re-
fletindo um reforço da discriminação em função do gênero? Aliás, porque dividimos meni-
nas e meninos? O mesmo pode acontecer quando, mecanicamente, montamos times de ga-
rotas contra os de garotos: agindo assim, podemos reforçar a competitividade entre eles
que, via de regra, não deveria existir. Se prestarmos atenção, até a expressão que usamos
soa estranha: “meninos contra meninas”.
Talvez, oferecer tarefas de mesmo cunho valorativo para meninos e meninas, e pro-
curando não estigmatizar nenhum deles, seja uma maneira de colaborar com um trato mais
igualitário entre eles, e lidar com capacidades que podem até ser diferentes, mas não desi-
guais. Afinal, reforçar identidades padronizadas de meninas como organizadas, quietas,
aptas a trabalhos repetitivos e meticulosos e dar-lhes apenas tarefas de manutenção da or-
dem, por exemplo, pode vir a ser uma primeira manifestação da repressão à mulher que
quer trabalhar fora de casa e dividir igualmente o trabalho doméstico. O mesmo pode-se
dizer dos meninos, cuja bagunça, inquietude e algum possível desleixo é encarado com
maior complacência; isso sem contar que lhes são atribuídas, muitas vezes, tarefas mais
dinâmicas e extrovertidas.
Estigmatizar meninos e meninas em nada contribui para seu desenvolvimento, po-
dendo até mesmo atravancá-lo. Algumas atitudes podem representar uma resposta, por par-
te dos garotos, para chamar atenção, e podem estimular um sentimento de certa superiori-
dade sobre as meninas, que freqüentemente se encontram em atividades mais monótonas e
são menos citadas, seja na sala de aula ou em reuniões.
No que se refere aos materiais didáticos utilizados, também se faz necessário uma
atenção específica do(a) educadora. Infelizmente os materiais didáticos, particularmente os
livros didáticos, em sua maioria, revelam um forte preconceito de gênero e étnico. Maria
Otília Bocchini evidencia tais questões em estudos realizados sobre as relações de gênero
nos livros didáticos:

PRECONCEITO IMPRESSO
Livros didáticos são machistas15

Nos livros didáticos de 1a a 4a séries aprovados pelo Guia de Livros Didáticos do


governo federal, o preconceito contra a mulher se expressa, em primeiro lugar, pela exclu-
são pura e simples. Por exemplo, não há uma só menina negra representada nos quatro
livros da coleção Descobrindo o Ambiente, a que obteve melhor classificação entre os li-
vros de ciências. Nesses mesmos livros, as personagens femininas não são sequer 30% das
figuras humanas presentes nas ilustrações. Se as mulheres compõem a metade da popula-
ção, a sub-representação quantitativa de 30% expressa discriminação.
Outro aspecto insidioso do preconceito sexista nesses livros está nos estereótipos de
subalternidade para personagens femininas e uma imagem de incompetência para a ciên-
cia. Meninos aparecem lendo livros especializados, fazendo experiências, usando instru-
mentos e aparelhos, como binóculos e microscópios. Meninas aparecem ajudando o meni-
no protagonista, estendendo a ele os objetos necessários para a experiência. Enquanto o
menino usa o binóculo para observar pássaros com objetividade e postura científica, me-
ninas sem binóculo apenas se distraem com o vôo ondulado de borboletinhas que enfeitam
o cenário.

Maria Otília Bocchini, Professora da Escola de Comunicações e Artes da USP

Além da “invisibilidade” imposta às mulheres, mais fortemente as de etnia negra, a


forma como as mulheres e os homens são apresentados costuma ser estereotipada, mostran-
do a mulher como a “rainha do lar”, em lugares secundários, e o homem como o único
provedor da família. Tais representações não correspondem sequer à realidade vivenciada
pelas crianças que farão uso desse material, considerando-se o grande número de mulheres
que dividem o papel de provedora da casa com seus parceiros e outro contingente conside-
rável de mulheres chefes de família. Por exemplo, no Brasil, 24,9% das famílias são chefia-
das por mulheres, segundo dados do Censo 2000 realizado pelo IBGE, sendo que o rendi-
mento médio mensal das mulheres responsáveis por domicílios é de R$ 591,00, ou seja,
71,46% do rendimento dos homens na mesma situação, que é de R$ 827,00.
O sexismo nos materiais didáticos é uma temática que vem sendo pesquisada há
muito tempo, sem que se tenha conseguido um grande avanço no que se refere a mudanças
de padrões nas representações do feminino e do masculino presentes nesses materiais. Em
pesquisa realizada em 1982, Regina Pahim Pinto, denunciava o sexismo presente nos

“48 livros de leitura indicados anualmente para uso de 4o grau das escolas primá-
rias do Estado de São Paulo, no período de 1941 a 1975. Neste estudo, a análise das repre-
sentações das categorias sexuais foi empreendida principalmente a partir dos atributos e
dos comportamentos das personagens, em dois suportes: texto e a ilustração.
Seus principais resultados:
- praticamente todos os indicadores suscetíveis de captar uma posição de destaque
na ilustração e no texto, privilegiam as personagens masculinas em detrimento das femini-
nas;
- na ilustração e no texto as personagens masculinas são representadas mais fre-
qüentemente como profissionais (as mulheres no espaço doméstico), desempenhando uma
gama mais diversificada e prestigiada de ocupações;
- as personagens masculinas são ilustradas e descritas mais freqüentemente como
ativas, agressivas e em contexto externo; as femininas tendem a ser ilustradas e descritas
em contextos mais protegidos e em atitudes mais passivas e afetivas;
- em conclusão: “enquanto o homem aparece como um ser voltado para o mundo,
contando com espaço de atuação físico, temporal, profissional e cultural amplo, a mulher
tem uma atuação mais restrita e voltada sobretudo para a família e a vida domésti-
ca”(Pinto, 1982, p. 129).
(...)
Situação semelhante havia sido descrita para a literatura infanto-juvenil,
que , além de ser usada em contexto de lazer, vem sendo utilizada na escola como litera-
tura para-didática. Em pesquisa realizada por uma equipe da Fundação Carlos Chagas
(Rosemberg, 1985) procurou-se, também, detectar junto aos traços sexistas posturas racis-
tas nos livros infanto-juvenis. Sua conclusão: é importante acrescentar que quando associ-
ada à condição de mulher, a origem étnica e a cor de grupos não-brancos recebem trata-
mento literário e pictórico o mais discriminatório. Como exemplo citam freqüência
de personagens negras:para um total de 8075 personagens analisadas foram encontradas
apenas 3 meninas negras!”16

O que consideramos importante é salientar que a educação tem um papel essencial


no contexto da socialização, podendo interferir em determinados padrões de convivência.
Assim, todo cuidado é pouco quando se trata de relação de gênero e educação. Um ínfimo
detalhe para o/a educador/a pode ter efeitos bem maiores do que se imagina, juntando-se a
inúmeros outros pormenores que as crianças captam no dia-a-dia.
Frente a todas essas considerações, salta aos olhos o importante papel das(os) edu-
cadoras(es), particularmente aquelas(es) comprometidas(os) com a construção de uma edu-
cação democrática, com a perspectiva de uma pedagogia libertária, a qual está voltada para
a eliminação de toda forma de opressão e injustiça, constituindo-se em instrumento de
construção da igualdade. No caso específico, a de gênero.
Desse modo, a ação das(os) educadoras(es) desafeita a preconceitos nos espaços e-
ducacionais é de suma importância. Esse esforço traduz-se em atitudes e atividades que
estimulem, em meninas e meninos, as suas mais variadas formas de desenvolvimento soci-
al (liderança; prática esportiva; sociabilidade; disposição tanto de escutar, como de fa-
lar/expressar-se), para que ambos aprendam a respeitar a si mesmo e seus pares e a dividir
as tarefas e responsabilidades; enfim, que a sua ação esteja impregnada de uma intenciona-
lidade transformadora.

O QUE É SER MULHER? O QUE É SER HOMEM?


Subsídios para uma discussão das relações de gênero*

Nalu Faria e Míriam Nobre

Quando uma criança nos pergunta porque a Terra é redonda ou porque o céu é azul,
temos duas saídas. Responder “porque sim” ou pensar, procurar uma resposta, que só vai
provocar novas perguntas. Este texto é para quem prefere o segundo caminho.
O que é ser mulher? O que é ser homem? Por que mulheres e homens vivem em
condições de desigualdade? Por que se diz que algumas coisas são de mulheres e outras de
homens? Por que as mulheres são consideradas inferiores e vivem situações de injustiça por
serem mulheres? Onde é que isso tudo começa?

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE DE GÊNERO

*
Agradecemos às autoras e à Sempreviva Organização Feminista (SOF), que permitiram a publicação deste
texto, originalmente escrito para o caderno Gênero e Desigualdade, publicado pela SOF, em São Paulo, no
ano de 1997.
Vamos começar pelos bebês. As pessoas nascem bebês machos e fêmeas e são cria-
das e educadas conforme o que a sociedade define como próprio de homem e de mulher. Os
adultos educam as crianças marcando diferenças bem concretas entre meninas e meninos. A
educação diferenciada dá bola e caminhãozinho para os meninos e boneca e fogãozinho
para as meninas, exige formas diferentes de vestir, conta estórias em que os papéis dos per-
sonagens homens e mulheres são sempre muito diferentes. Outras diferenças aparecem de
modo mais sutil, por aspectos menos visíveis, como atitudes, jeito de falar, pela aproxima-
ção com o corpo.
Educados assim, meninas e meninos adquirem características e atribuições corres-
pondentes aos considerados papéis femininos e masculinos. As crianças são levadas a se
identificar com modelos do que é feminino e masculino para melhor se situarem nos luga-
res que a sociedade lhes destina. Os atribuídos às mulheres não são só diferentes dos do
homem, são também desvalorizados. Por isso, as mulheres vivem em condições de inferio-
ridade e subordinação em relação aos homens.
Usamos as expressões identidades de gênero e relações de gênero para deixar bem
claro que as desigualdades entre homens e mulheres são construídas pela sociedade e não
determinadas pela diferença biológica entre os sexos. Elas são uma construção social, não
determinada pelo sexo.
Compreender essa construção social, não significa desconsiderar que ela se dá em
corpos sexuados. Compreendemos que há uma estreita imbricação entre o social e o bioló-
gico. Como disse Guacira Lopes Louro, gênero também tem uma dimensão e uma expres-
são biológica. Assim, mulheres e homens imprimem no corpo, gestos, posturas, e disposi-
ções, as relações de poder vividas a partir das relações de gênero.
Os modelos de feminino em nossa sociedade são criados a partir de símbolos antagô-
nicos: Eva e Maria, bruxa e fada, mãe e madrasta. Essas definições propõem o que é bom
para as mulheres e culpam-nas quando não respondem a esse padrão.
A partir da consolidação do capitalismo, existe a idéia de que ocorre uma divisão en-
tre as esferas pública e privada, sendo que a esfera privada é considerada como o lugar pró-
prio das mulheres, do doméstico, da subjetividade, do cuidado. A esfera pública é conside-
rada como o espaço dos homens, dos iguais, da liberdade, do direito.
Nessa compreensão, o papel feminino tradicional estabelece a maternidade como
principal atribuição das mulheres e, com isso, também o cuidado da casa e dos filhos, a
tarefa de guardiã do afeto e da moral na família. Ela é uma pessoa que deve sentir-se reali-
zada em casa. O homem típico é considerado o provedor, isto é, o que trabalha fora, traz o
sustento da família, realiza-se fora de casa, no espaço público. Para uma mulher, ainda é
considerado mais adequado ser meiga, atenciosa, maternal, frágil, dengosa; e do homem, o
que ainda se espera, é que tenha força, iniciativa, objetividade, racionalidade.
Esse modelo de vida, em que os homens trabalham fora e as mulheres só fazem o tra-
balho doméstico, nunca existiu, de verdade, desse jeito. Na realidade, só uma parcela muito
pequena de mulheres vive essa situação.
As mulheres negras, por exemplo, sempre trabalharam fora de casa, primeiro como
escravas e depois na prestação de serviços domésticos ou como vendedoras ambulantes,
circulando por muitos espaços públicos. Para as mulheres camponesas, o que é chamado de
cuidar da casa esconde o trabalho na roça, a produção de artesanato, o cultivo da horta e a
criação de animais, trabalhos que produzem mercadorias, cuja venda contribui para o sus-
tento da família. Além disso, nas cidades, muitas mulheres vivem sozinhas com seus filhos
e são as principais responsáveis por sua manutenção. E muitas, muitas outras trabalham
fora e dividem com o marido o sustento da casa.
E por que ainda é tão forte a idéia de que mulher deve seguir o modelo de mãe e dona
de casa? E por que ainda é tão forte a idéia de que o trabalho fora de casa cabe apenas ao
homem? A persistência nessas idéias tradicionais e nunca realizadas plenamente costuma
ser justificada pela idéia de que esses papéis são naturais, isto é, homens e mulheres já nas-
cem para ser desse jeito. Dizemos que a naturalização é o principal mecanismo de justifica-
tiva dessa situação.
A naturalização dos papéis e das relações de gênero faz parte de uma ideologia que
tenta fazer crer que esta realidade é fruto da biologia, de uma essência masculina e femini-
na, como se homens e mulheres já nascessem assim. Ora, o que é ser mulher e ser homem
não é fruto da natureza, mas da forma como as pessoas vão aprendendo a ser, em uma de-
terminada sociedade, em um determinado momento histórico. Por isso, desnaturalizar e
explicar os mecanismos que conformam essas identidades é fundamental para compreender
as relações entre homens e mulheres, e também seu papel na construção do conjunto das
relações sociais.
Se os papéis femininos e masculinos são uma construção histórica, as relações entre
homens e mulheres que daí decorrem também variam ao longo da história. A nossa geração
sabe que essas relações sofreram profundas mudanças nos últimos trinta anos, em grande
parte como fruto da ação organizada das mulheres e do feminismo.

Divisão sexual do trabalho

As relações de gênero são sustentadas e estruturadas por uma rígida divisão sexual
do trabalho. O papel masculino idealizado é de responsabilidade pela subsistência econô-
mica da família e a isso corresponde designar o trabalho do homem na produção. A atribui-
ção do trabalho doméstico designa as mulheres para o trabalho na reprodução: ter filhos,
criá-los, cuidar da sobrevivência de todos no cotidiano.
O que se observa é que essa divisão entre trabalho reprodutivo e produtivo não é tão
real assim. Há homens trabalhando no campo da reprodução e há muitas mulheres na pro-
dução.
No entanto, o mito que designa um tipo de trabalho para cada gênero influencia o
real. Pode-se dizer que a divisão sexual do trabalho perpassa o conjunto das atividades rea-
lizadas por homens e mulheres. É comum ouvir dizer que tal serviço é trabalho “de ho-
mem” ou que tal tarefa é tarefa “de mulher”.
No caso das mulheres, a tentativa é sempre de considerar o trabalho realizado fora
da casa como uma extensão do seu papel de mãe. As mulheres se concentram em atividades
consideradas tipicamente femininas como serviço doméstico, professoras, enfermeiras, as-
sistentes sociais. Em 1990, 30% das mulheres que se declararam como trabalhadoras no
Censo 2000 do IBGE eram empregadas domésticas, costureiras e professoras primárias.
A maioria das professoras dá aulas para o primário, já são menos as que trabalham
no nível secundário e muito poucas as da universidade. Quando estão na universidade, elas
se concentram em determinadas áreas, como educação e psicologia, e têm menos acesso a
promoção, a títulos etc. Este exemplo mostra que, mesmo dentro de uma determinada cate-
goria, formas de divisão sexual são recriadas. Um outro exemplo: as mulheres são minoria
entre os escritores literários, mas a maioria das mulheres escritoras são autoras de literatura
infantil.
Na indústria, as mulheres são embaladoras, montadoras e costureiras, funções que
exigem habilidade manual, coordenação motora fina, paciência. As habilidades para exer-
cer essas profissões foram sendo desenvolvidas no processo de educação das meninas:
brincando de casinha, cuidando dos irmãos, bordando, ajudando a mãe no trabalho domés-
tico. As pessoas “esquecem” que as meninas precisam treinar para aprender tudo isso e
agem como se toda mulher já nascesse com essas “aptidões”, como se fosse uma dádiva da
natureza. Se é dádiva da natureza, não precisa ser reconhecida, nem devidamente remune-
rada. Porém, se os homens fossem ser treinados para realizar essas tarefas, seria necessário
um grande investimento.
O trabalho das rurais também é menos valorizado que o dos homens. A pesquisado-
ra Maria Inês Paulilo, comparando as etapas do trabalho agrícola na cana-de-açúcar, em
diferentes regiões do Nordeste, pôde perceber uma diferença significativa. Carpir, no sertão
nordestino, era uma tarefa dos homens e era considerada um trabalho pesado. Carpir, no
Brejo Paraibano, era tarefa das mulheres e era considerado trabalho leve. Como se vê, no
cultivo da cana o que caracterizava um trabalho como leve ou pesado não era a força física
necessária para executá-lo, mas o valor social de quem o fazia. Sempre que o trabalho é
considerado de mulher, ele é leve, é coisinha à-toa, é ajuda.

Desigualdade e pobreza

Como os homens é que são considerados os provedores da família, o trabalho pro-


fissional das mulheres é sempre visto como complementar às suas “responsabilidades” do-
mésticas; estas, sim, sua verdadeira ocupação. A partir dessa idéia, surgem várias conse-
qüências negativas para as mulheres. A primeira é a de que os salários delas podem ser bai-
xos, já que o que elas ganham é visto como suplementar. Quem não se lembra do Maluf
dizer que o problema das professoras de São Paulo não era o salário baixo, mas serem mal
casadas?
Em segundo lugar, os serviços públicos não se organizam para assegurar às mulhe-
res condições de trabalhar fora. Não existem serviços de apoio, como creches, abrigos para
idosos, lavanderias coletivas. Os postos de saúde e as escolas têm horários restritos, como
se todas as mães estivessem o tempo todo em casa, à disposição da família, prontas para
levar crianças e outras pessoas à escola e ao médico somente nesses horários. Dessa forma,
muitas mulheres “optam” por ocupações em que há maior flexibilidade de horários: elas
“escolhem” trabalhos em tempo parcial ou no mercado informal; “belas escolhas”, que não
garantem direitos trabalhistas e oferecem poucas perspectivas de crescimento profissional.
O resultado disso é uma enorme desigualdade na distribuição dos recursos e do po-
der na sociedade, entre homens e mulheres. Segundo a ONU, as mulheres executam 2/3 do
trabalho realizado pela humanidade, recebem 1/3 dos salários e são proprietárias de 1% dos
bens imóveis. Dos quase 1,3 bilhão de miseráveis do mundo, 70% são mulheres.
No Brasil, as mulheres recebem em média metade do salário dos homens e, as mu-
lheres negras, a metade do que ganham as mulheres brancas. Para a Organização Interna-
cional do Trabalho, a situação das mulheres está melhorando e, se o ritmo atual se manti-
ver, em 475 anos conseguiremos a igualdade salarial entre homens e mulheres!

Sexualidade
A sexualidade é uma questão bastante complexa e compreendê-la exige olhar ao
mesmo tempo várias questões. Mas, de forma geral, podemos dizer que a sociedade tenta
impor normas que refletem o que se considera mais correto de acordo com os papéis sexu-
ais definidos pela construção dos gêneros. Por isso, o controle da sexualidade das mulheres,
o controle da função procriativa e a criminalização do aborto fazem parte da opressão em
relação às mulheres. Dessa forma, a vivência da sexualidade foi desde vários séculos rode-
ada por tabus e mitos, que têm, como ponto comum, considerar pecado, desvio, doença,
exagero, falta de pudor e até mesmo crime, as manifestações da sexualidade feminina.
A partir disso, as mulheres em geral têm vivido sua sexualidade de acordo com os
padrões impostos como os mais corretos, considerando o papel social de esposas “hones-
tas” e mães dedicadas que lhes é destinado. Outras vivem como “profanas” e, portanto,
indignas de respeito: são as “piranhas”, as “usadas”, as “fáceis”, as “putas”. Uma das for-
mas de definição desse modelo passou pelo estabelecimento de um duplo padrão do que é
ou não correto em relação à sexualidade.
Para os homens, a idéia de virilidade é sinônimo de muitas relações sexuais, de pre-
ferência com muitas mulheres diferentes. As mulheres, ao contrário, devem viver a sexuali-
dade em função da reprodução, negando o prazer. A repressão à sexualidade feminina em
boa parte se dá pelo desconhecimento do corpo e pela imposição de regras rígidas do que
significa ser uma mulher “honesta”.
Mas há aí uma contradição, pois nem todas as mulheres podem ser “honestas”. Se
os homens precisam de mulheres “honestas” para o casamento e os filhos, têm que existir
as “outras”, para o livre desfrute da sexualidade sem responsabilidade, só para o prazer.
Nesse caso também se estabelece um duplo padrão de comportamento sexual para as mu-
lheres: o que uma mulher livre faz, uma esposa não pode fazer, nem desejar. Claro que esse
duplo padrão se estabelece sempre em função do desejo dos homens.

Heterossexualidade obrigatória

A sexualidade aparece como parte da “natureza humana” vinculada à reprodução, o


que leva a considerar as relações heterossexuais como a única maneira correta de viver a
sexualidade. Desta forma, a homossexualidade e a bissexualidade são consideradas como
desvios e, historicamente, há a tentativa da ciência de provar que estas outra orientações
não são “normais” e que ocorrem por algum problema biológico ou por problemas psicoló-
gicos.
As crianças desde muito cedo são levadas a incorporar os símbolos da heterossexua-
lidade e estes aparecem vinculados ao casamento e à família. No entanto, é visível que as
crianças vivem sua sexualidade a partir do interesse de explorar seu corpo e o das outras
crianças e, claro, desfrutando da sensação de prazer que encontram.
Desde cedo aparecem os mecanismos de repressão diretos ou sutis, vinculando a se-
xualidade ao namoro (com alguém do sexo oposto) e ao casamento, e essa segunda parte,
“só quando crescer”. As estórias dos contos de fadas, com seus príncipes corajosos, suas
princesas lindas e meigas, envolvidos por um fulminante amor eterno, são talvez o simbo-
lismo mais forte dessa educação.
Ainda hoje se tenta conformar a sexualidade feminina ao papel subordinado que é
destinado às mulheres. Ou seja, as regras para a sexualidade feminina são quase as mesmas
de um século atrás, mantém-se a dupla possibilidade de virtuosas e não-virtuosas, sendo
que a fronteira entre essas duas expressões é bastante tênue. Ambas se referem a como as
mulheres se manifestam: se expressam seus desejos ou se aceitam os padrões impostos de
mulheres “honestas”.
A realidade nos mostra que nem sempre a vivência da sexualidade é totalmente de-
finida por essas normas. Existe uma certa independência da sexualidade em relação às iden-
tidades e papéis de gênero. A sexualidade tem a ver com desejo e prazer. Não podemos
dizer que a experiência sexual de todas as mulheres é só tristeza e humilhação, porque mui-
tas experimentam também alegria e prazer. Muitas nunca experimentaram o prazer, mas
outras experimentaram alegria ou tristeza, dependendo do momento de vida, do relaciona-
mento. Da mesma forma, muitas se rebelaram em situações de repressão e transgrediram as
normas impostas.

Violência

A violência contra as mulheres expressa a demonstração de poder dos homens e a


idéia de que as mulheres são objeto de posse. É uma forma de reproduzir e manter o ma-
chismo e de dizer o tempo todo que a mulher é inferior.
Esse tipo de violência se manifesta de muitas maneiras: espancamento, insultos,
ameaças, estupros, assédio, assassinatos, mas também em formas sutis de desqualificação
das mulheres, como quando alguém diz que uma mulher é boa profissional “apesar de ser
mulher”.

Como se mantém a violência

E o que é que contribui para manter a violência contra as mulheres? A impunidade


dos agressores, a transformação da vítima em ré (a mulher é sempre a culpada, é quem pro-
vocou, é quem fez por onde), o silêncio das mulheres agredidas, as idéias sobre a inferiori-
dade das mulheres. Antes de existirem as delegacias de defesa da mulher, as mulheres ti-
nham muito receio de denunciar as agressões, porque depois de apanharem em casa muitas
vezes eram humilhadas e recebiam novas agressões nas delegacias.
A violência impune humilha as mulheres e destrói seu amor-próprio. É comum os
homens iniciarem sua agressões quando as mulheres estão com pouco amor-próprio e não
se sentem capazes de reagir. Então, a atitude que pode parecer um consentimento com a
situação de violência revela uma relação de dependência, uma relação em que estão presen-
tes mecanismos de coerção.
A dependência e os sentimentos de desvalorização e de culpa acabam fazendo com
que a mulher acredite que não há saída ou que a culpa é dela mesma. Em uma relação afeti-
va esses sentimentos se misturam com a esperança de que o homem vai mudar, ou com a
idéia, bastante comum nas mulheres, de que ela é responsável e poderá salvá-lo.

Avanços dos movimentos de mulheres

Na questão da violência, os movimentos de mulheres têm conseguido alguns avan-


ços, esclarecendo as mulheres sobre seus direitos, oferecendo assistência jurídica, mostran-
do a importância da denúncia.
Um avanço importante foi ter conseguido, do poder público, a instalação de delega-
cias de defesa da mulher, nas quais a mulher tem mais segurança para fazer sua denúncia e
procurar o apoio da lei para se livrar da violência e obter a punição do agressor.

Família

A sociedade estabelece um modelo padrão de família, no qual se espera que todas as


pessoas se enquadrem. O modelo considerado ideal de família em nossa sociedade é cha-
mado mononuclear, ou seja, um núcleo constituído por um pai, uma mãe e as filhas ou fi-
lhos, de preferência poucos, melhor ainda se for um casal.
A família é considerada o lugar de socialização das crianças, o lugar onde se criam e
se educam. É na família que as crianças fazem seus primeiros aprendizados para a divisão
sexual do trabalho e é nesse ambiente que elas adquirem grande parte da sua identidade de
gênero. É na família que a criança começa a aprender o que é “ser homem” e o que é “ser
mulher”.
A família é apresentada como o lugar do afeto e onde se deve garantir o equilíbrio
psicológico das pessoas. As mulheres, chamadas “esteio da família”, são consideradas res-
ponsáveis por essa suposta harmonia.
A família também é o lugar em que se dá a reprodução material das pessoas. A ren-
da que cada membro traz para casa é organizada para proporcionar o consumo de todos.
Na divisão do bem-estar e do conforto dentro da família, mais uma vez podemos
perceber a desigualdade de gênero. As mulheres geralmente trazem a maior parte dos seus
rendimentos para o consumo da família, em quanto que os homens usam parte significativa
com seus gastos pessoais. Em algumas situações, ainda se vê na família uma distribuição
desigual de recursos, até mesmo de comida: os melhores pedaços vão para os pratos dos
maridos e dos filhos homens.
O trabalho doméstico – cozinhar, cuidar da roupa, limpar a casa e a socialização das
crianças – é essencial para a existência e reprodução das pessoas, para elas poderem des-
cansar e se recompor para irem trabalhar no dia seguinte.
As tarefas chamadas domésticas são realizadas nas casas praticamente quase que só
pelas mulheres, como trabalho não-pago, que assim serve para baratear o custo da reprodu-
ção da força de trabalho. Basta ver quanto custa a comida pronta e a lavagem de roupa na
lavanderia para se começar a ter uma idéia desse barateamento.

Educação

A escola é um agente socializador dos seres humanos, tanto quanto a família, e isto
significa que, junto com o conhecimento, a escola também transmite valores, atitudes e
preconceitos.
Tradicionalmente, a escola tem reforçado a desigualdade entre mulheres e homens.
Isso ocorre, por exemplo, na forma como se lida com meninos e meninas: a divisão nas
filas, a divisão de tarefas (meninas como ajudantes da professora), o que a escola reforça
em um e no outro (“isso não é coisa de menina” ou “está até parecendo uma menina”,
“comporte-se como um menino”).
Os livros didáticos também reproduzem e reforçam a desigualdade, apresentando
estereótipos sobre o que é uma família, como são as mulheres, como vivem as mulheres
negras. Nos livros didáticos as famílias são sempre brancas, o pai tem um emprego fora de
casa e a mãe aparece sempre de avental, servindo a mesa ou costurando. O menino está
sempre brincando de caminhãozinho e bola e a menina está sempre com uma boneca, o-
lhando o irmãozinho brincando de coisas mais interessantes.
Nos livros de Ciências só os meninos aparecem fazendo experiências. Quando, vez
por outra, aparece uma menina, ela está atrás, observando, ou é a encarregada de providen-
ciar os materiais para a experiência que os meninos vão fazer. Isso tudo reforça as idéias
preconceituosas da sociedade de que as meninas não têm jeito para a ciência, de que só
homens podem ser cientistas.
Ainda nos livros didáticos, a mulher negra costuma aparecer sozinha, sem família, e
no papel da empregada que serve a mesa para a família branca, como se ainda estivéssemos
no tempo da escravidão.
As atividades na Educação Física são divididas e reproduzem preconceitos até nas
brincadeiras, como aquela que diz “quem chegar por último é mulher do sapo”.
A professora, na maioria das vezes, é tratada como a segunda mãe ou tia. Isso signi-
fica não reconhecer sua profissionalização e considerar o ato de educar como extensão do
papel de mãe.

A reprodução do machismo

Como mães e professoras, as mulheres muitas vezes reproduzem o machismo e as


idéias dominantes na sociedade, que pregam a suposta inferioridade das mulheres em rela-
ção aos homens. Não podemos nos esquecer de que as idéias dominantes na sociedade são
dominantes justamente porque estão na cabeça da maioria dos homens e das mulheres tam-
bém. Essas idéias são repetidas à exaustão na família, na escola, nas igrejas, nos meios de
comunicação, e não é de estranhar que muitas mulheres se convençam delas.
Mulheres que pensam diferente, principalmente as que se organizam nos movimen-
tos de mulheres, têm que ter muita coragem para expor suas idéias, porque os que pensam
como a maioria fazem de tudo para ridicularizá-las e diminuir a importância do que estão
dizendo.

Meios de comunicação

Os meios de comunicação têm se posicionado de maneira contraditória quanto às


mulheres. Por um lado, abrem espaço para uma maior discussão sobre a condição feminina,
talvez respondendo a anseios que estão percebendo na população. No início dos anos 80,
por exemplo, o programa TV Mulher colocava discussões modernas sobre as questão da
mulher. Atualmente, os meios têm dado alguma cobertura para a discussão sobre o aborto.
Por outro lado, como a mídia não defende interesses homogêneos, também trata as mulhe-
res nas propagandas, nas telenovelas, no noticiário, de forma a reforçar seu papel tradicio-
nal. Esse é o caso da maioria das propagandas de materiais de limpeza que tem por mote:
“como continuar bonita sendo uma boa dona de casa”.
O tratamento é diferenciado conforme o público que os meios querem atingir. Os
programas mais informativos da televisão, por exemplo, são apresentados em horários me-
nos nobres. Nas novelas, que são os programas mais assistidos, trata-se as mulheres de
forma muito estereotipada, mesclada com alguns momentos mais críticos. Nos programas
de humor, praticamente não há momentos críticos, só repetição das idéias dominantes
mesmo: mulher interesseira, loura burra, sogra horrenda.
As revistas femininas, vendidas às centenas de milhares por mês, permanecem em
assuntos estereotipados: moda, beleza, decoração, culinária, como cuidar dos filhos e como
agarrar, agradar e conservar o seu homem. Nas revistas ditas masculinas, o corpo das mu-
lheres é exposto ao desfrute, transformando-as de pessoas em objeto sexual.
As mulheres aparecem muito nas capas das revistas femininas e masculinas, mas
quase nunca na primeira página do jornal. Elas têm pouco poder político e econômico, mas
nem esse pouco aparece na primeira página, reservada aos políticos, esportistas homens,
banqueiros, empresários. As poucas mulheres que aparecem na primeira página ganham
esse espaço quando morrem (como a princesa Grace Kelly), quando vão presas (como a
Deolinda, do Movimento dos Sem-Terra) ou quando são motivo de escândalo.

A ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE MULHERES

O feminismo é um conjunto de idéias e práticas que visam superar as desigualdades


entre homens e mulheres e acabar com as situações de opressão e exclusão das mulheres. O
feminismo é uma teoria política que tem expressão social desde o fim do século passado.
As mulheres sempre lutaram por sua liberdade e em todas as épocas temos exemplos de
mulheres excepcionais, de ações de resistência e de elaboração de tratados e manifestos em
defesa da igualdade. No fim do século XIX e no início do atual, as mulheres formaram am-
plas organizações que lutaram e conquistaram o direito à educação, ao voto e ao acesso a
determinadas profissões, como magistério e advocacia.
No fim dos anos 1960, uma nova onda de feminismo agitou muitos países. Essa on-
da chegou ao Brasil, influenciada pelos movimentos feministas da Europa e dos Estados
Unidos, mas também como produto do anseio das próprias mulheres brasileiras.
Em nosso país, na década de 1970, uma parcela significativa da força de trabalho
feminina foi incorporada ao comércio, na prestação de serviços e em setores da indústria,
de forma inédita no país, pela proporção e rapidez. Apesar de ganharem com isso novas
possibilidades de realização, as mulheres entravam no mercado de trabalho em condições
subalternas, ganhando menos e não tendo seu trabalho devidamente reconhecido. Ainda por
cima, o país tinha se desenvolvido muito nos anos anteriores, mas o crescimento econômico
não havia sido igual para todos. A miséria persistiu, porque a riqueza produzida ficou na
mão de poucos. Realidade, aliás, que permanece até hoje, quando o Brasil tem uma das
piores distribuições de renda do mundo.
A retomada do feminismo na década de 1970 no Brasil, como um amplo movimento
social, junta-se com a reorganização independente dos trabalhadores e dos movimentos
populares. Foram criados diversos grupos feministas em várias cidades do país. A partici-
pação política da mulher nos diversos movimentos sociais avançou. Elas eram, e ainda são,
a grande maioria nos movimentos populares que se organizavam nos bairros, lutando por
melhores condições de vida. As mulheres participavam de diferentes movimentos: clubes
de mães organizados pela Igreja, movimento de luta por creche e contra a carestia, movi-
mento feminista pela anistia.
O debate das idéias feministas ganhou espaço na imprensa, o que influenciou um
número muito maior de mulheres e aumentou o impacto das reivindicações feministas.
No final dos anos 70, foram realizados encontros de mulheres em vários estados e
reuniões nacionais. As trajetórias das mulheres dos setores populares e dos grupos feminis-
tas se cruzaram, criando um novo sujeito social. Esse sujeito organizou-se na procura de
uma identidade comum entre as mulheres e na busca da igualdade de oportunidades.
As relações entre o mundo público e o privado foram repensadas e as mulheres
transformaram em bandeiras de luta o direito ao corpo e à livre opção pela maternidade,
lutaram pelo fim da violência e pela igualdade no mercado de trabalho.
As mulheres conquistaram visibilidade e, por sua ação, costumes começaram a ser
transformados. A intensa campanha para que as mulheres denunciassem a violência de que
eram vítimas e pela punição dos culpados modificou o senso comum, ao questionar a defe-
sa da honra como justificativa legítima para o assassinato de mulheres. O movimento de
luta por creches conquistou as primeiras creches públicas e o cuidado das crianças menores
de seis anos passou a fazer parte da agenda das políticas sociais.
A democratização do Brasil nos anos 80 contribuiu para que as mulheres participas-
sem cada vez mais de partidos políticos e apresentassem propostas de políticas públicas
para garantir a igualdade de gênero.
No início, refletindo a experiência do movimento de mulheres, foram priorizadas as
políticas de combate à violência e de atenção à saúde da mulher. Já nos anos 90, vieram as
políticas para o conjunto da cidade e as necessidades das mulheres: desde o planejamento
urbano até as lavanderias coletivas e programas de geração de renda.
As mulheres passaram a pressionar de forma mais eficiente o Legislativo. A Consti-
tuição de 1988 marcou importantes conquistas. A maternidade foi considerada uma função
social e se conseguiu ampliar a licença-maternidade de 90 para 120 dias, criar a licença-
paternidade e estender o direito à creche para os filhos de trabalhadores de ambos os sexos.
As empregadas domésticas passaram a ter direitos trabalhistas e, alguns anos depois,
fruto de muitas lutas, as trabalhadoras rurais conquistaram aposentadoria e salário-
maternidade.
No campo da saúde e dos direitos reprodutivos, a Constituição afirma que os casais
podem planejar quando ter filhos, e quantos, e que o Estado deve prover os meios e infor-
mações necessárias para isso. Infelizmente, para muitas brasileiras estas e outras conquistas
não saíram do papel.
As mulheres continuam organizadas para melhorar sua vida na realidade. Os encon-
tros feministas passaram a ser cada vez maiores e mais representativos, com a participação
de mulheres de diferentes setores. A organização das mulheres como setor cresce no interi-
or do movimento sindical, urbano e rural, e do movimento negro. O movimento de mulhe-
res vai aprendendo que é fundamental contemplar as necessidades e os direitos das diferen-
tes mulheres, conforme sua raça, classe, idade, orientação sexual, condições de vida e de
trabalho.
Toda esta diversidade se reflete em uma agenda de preocupações cada vez mais am-
pla. As mulheres participaram de forma organizada de todas as conferências promovidas
pela Organização das Nações Unidas (ONU) nos últimos anos: de direitos humanos a meio
ambiente, de populações a desenvolvimento social.
Em 1995, mulheres de todo o mundo encontraram-se na reunião paralela à 4ª Confe-
rência Mundial sobre a Mulher em Pequim, na China. No Brasil, inúmeros grupos de mu-
lheres formaram uma Articulação Nacional estruturada a partir de fóruns estaduais e, por
meio de um processo amplo de discussão, definiram uma plataforma para garantir os direi-
tos das mulheres no país.
Uma das propostas discutidas em Pequim, que tem sido cada vez mais aceita no
Brasil, é a das ações afirmativas. Ações afirmativas são todas as leis, programas e projetos
destinados a promover as mulheres, invertendo a balança “natural” que geralmente favorece
o lado dos homens. Como exemplo de ação afirmativa, desde 1991, o Partido dos Traba-
lhadores assegura que suas direções têm que ter, no mínimo, 30% de mulheres. Em 1992, a
CUT, Central Única dos Trabalhadores, tomou a mesma decisão.
No clima da Conferência de Pequim, a deputada Marta Suplicy apresentou um pro-
jeto de lei obrigando os partidos a apresentarem um mínimo de candidatas ao Legislativo.
Após negociações, o Congresso aprovou a lei determinando que os partidos deveriam apre-
sentar no mínimo 20% de candidatas mulheres às Câmaras de vereadores. Só com esta me-
dida, o número de vereadoras eleitas aumentou de 3,5% para 11% em relação à legislatura
passada. Mas elas ainda são apenas 11% do total dos vereadores.
Agora, crescem os debates em torno das ações afirmativas para aumentar e melhorar
a participação das mulheres no mundo do trabalho.
Assim, o movimento feminista continua lutando para que cada mulher seja mais in-
dependente e tenha mais autonomia. Autonomia para decidir sobre sua sexualidade e repro-
dução, para ter acesso aos meios de produção econômica, para dizer o que pensa e se orga-
nizar, para ter auto-estima e confiança em si própria.
O movimento feminista foi percebendo que é preciso ter propostas para melhorar a
vida das mulheres e que isso significa lutar por um mundo melhor para todas e todos, sem
perder a capacidade de responder às questões das mulheres. Nesse processo de reflexão foi
produzido o conceito de gênero e, posteriormente, sua articulação com os conceitos de clas-
se e raça/etnia. O conceito de gênero foi elaborado por estudiosas da questão da mulher nas
universidades e apropriado pelos movimentos como um instrumento de análise e de organi-
zação da ação.

CONCEITO DE GÊNERO

O conceito de gênero procura explicar as relações entre mulheres e homens. Ele


surgiu após muitos anos de luta feminista e de formulação de várias tentativas de explica-
ções teóricas sobre a opressão das mulheres.
A idéia de que existe uma construção social do ser mulher já estava presente há
muitos anos. Mas, permaneciam dificuldades teóricas sobre a origem da opressão das mu-
lheres, sobre como inserir a visão da opressão das mulheres no conjunto das relações soci-
ais, sobre a relação entre essa e outras opressões, como, por exemplo, a relação entre opres-
são das mulheres e capitalismo. Não existia uma explicação que articulasse os vários planos
em que se dá a opressão sobre as mulheres (trabalho, família, sexualidade, poder, identida-
de) e, principalmente, uma explicação que apontasse com mais clareza os caminhos para a
superação dessa opressão. Nesse sentido, o conceito de gênero veio responder a vários des-
ses impasses e permitir analisar tanto as relações de gênero quanto a construção da identi-
dade de gênero em cada pessoa.
O conceito de gênero foi trabalhado inicialmente pela antropologia e pela psicanáli-
se, situando a construção das relações de gênero na definição das identidades feminina e
masculina, como base para a existência de papéis sociais distintos e hierárquicos (desi-
guais).
Esse conceito coloca claramente o ser mulher e o ser homem como uma construção
social, a partir do que é estabelecido como feminino e masculino e dos papéis sociais desti-
nados a cada um. Por isto, gênero, um termo emprestado da gramática, foi a palavra esco-
lhida para diferenciar a construção social do masculino e do feminino do sexo biológico.
Gênero é um conceito relacional, ou seja, que vê um em relação ao outro e conside-
ra que estas relações são de poder e hierarquia dos homens sobre as mulheres.
Hoje em dia, esse conceito é usado praticamente pelo conjunto do feminismo, o que
proporcionou um salto coletivo na direção da discussão teórica. Ajudou a romper com as
dicotomias antes colocadas: divisões entre específico/geral, público/privado, produ-
ção/reprodução, porque busca compreender como as relações de gênero estruturam as práti-
cas sociais nas diversas esferas. Ele permite trabalhar generalizações e particularidades,
porque podemos perceber o significado de gênero na sociedade como um todo, assim como
na experiência individual ou de um grupo.

As contribuições do conceito de gênero

O conceito de gênero nos trouxe várias contribuições. Vejamos:


1º) Ao afirmar a construção social dos gêneros, coloca que as identidades masculi-
nas e femininas não são um fato biológico, vindo da natureza, mas algo construído histori-
camente e que, portanto, pode ser modificado. A construção social dos gêneros tem uma
base material (e não apenas ideológica) que se expressa na divisão sexual do trabalho.
2º) O conceito de relações de gênero nos leva à noção de práticas sociais, isto é, o
pensar e agir dentro de uma determinada sociedade, e à existência de práticas sociais dife-
rentes segundo o sexo. Mas, se as pessoas são permeáveis às relações sociais, elas também
agem, sozinhas ou coletivamente, sobre estas relações, construindo suas vidas por meio das
práticas sociais.
3º) As relações de gênero são hierárquicas e de poder dos homens sobre as mulhe-
res. Essas relações de poder são as primeiras vividas por todas as pessoas e é com elas que
começamos a apreender o mundo. Ou seja, a relação das pessoas com o mundo se inicia a
partir dessas relações de poder e se reproduz no conjunto da sociedade e das instituições.
Sendo assim, modificar essas relações implica uma nova correlação de forças, construída
pela auto-organização das mulheres e mais favorável a elas.
4º) As relações de gênero estruturam o conjunto das relações sociais e, portanto, não
existe uma oposição entre questão das mulheres (que seria específica) e questão da soci-
edade (que seria geral). Os mundos do trabalho, da política e da cultura também se orga-
nizam conforme a inserção de mulheres e homens, a partir de seus papéis masculinos e
femininos. Portanto, não existe uma luta geral e, depois, uma específica, mas, em todas
as situações que queremos modificar, temos que considerar a superação das desigualda-
des entre mulheres e homens.
5º) Gênero supera as antigas dicotomias entre produção e reprodução, público e pri-
vado e mostra como mulheres e homens estão ao mesmo tempo em todas essas esferas,
só que a partir de seu papel masculino ou feminino. Por exemplo, os homens também
vivem no espaço doméstico e, mesmo aí, a eles são destinadas tarefas que poderiam ser
interpretadas como produtivas, tais como trocar lâmpadas ou consertar um móvel que-
brado.
6º) A análise das relações de gênero só é possível considerando a condição global
das pessoas – classe, raça, idade, vida urbana ou rural, e momento histórico em que se
dá. Dessa forma, embora existam muitos elementos comuns na vivência e condição das
mulheres, nem todas foram criadas para exercerem o mesmo papel, sem nenhuma dife-
renciação. Por exemplo, em nosso país uma branca rica é ensinada para exercer o seu
papel feminino de uma maneira diferente de uma negra pobre, com relação a que tipo de
esposa cada uma deve ser, as tarefas de mãe, o cuidado com o corpo e a aparência, as
boas maneiras etc.
7º) O conceito de gênero possibilita ver o que há de comum entre as mulheres, por-
que mostra como mulheres e homens estão no conjunto da sociedade. Mostra também a
forma como cada mulher individualmente vive essa condição. Ao explicar a incorpora-
ção da identidade masculina e feminina, explica a diferença entre mulheres, porque no
caso de duas irmãs, ensinadas igualzinho pela mãe, uma é meiga, a outra agressiva, uma
aprendeu a gostar de cozinhar e a outra não. É possível olhar, na história de cada uma,
como essa identidade foi incorporada a partir da aquisição das características masculinas
e femininas. Ninguém é 100% masculino ou feminino.
Características consideradas do outro gênero estão presentes em todas as pessoas.
Só que são valorizadas de forma diferente, conforme o lugar em que cada um está. Por
exemplo, nos espaços políticos, tradicionalmente masculinos, é comum as mulheres se-
rem cobradas a deixarem um pouco de lado a sua feminilidade e demonstrarem caracte-
rísticas compatíveis com o modelo estabelecido do que é ser militante, forte e combati-
va, porque só assim os homens irão considerá-las como “fortes”, sem “frescuras”, que é
o que se espera na política, segundo a visão mais comum.

Nalu Faria é psicóloga, especialista em sexualidade e formação feminista; consultora em gênero e coordena-
dora geral da Sempreviva Organização Feminista (SOF).

Míriam Nobre é técnica da Sempreviva Organização Feminista (SOF); agrônoma, mestre pelo Programa de
Pós-graduação em Integração da América Latina (PROLAM-USP); da Coordenação Nacional e Internacional
da Marcha Mundial de Mulheres.

TEXTOS DE REFERÊNCIA
Livros

IBGE – Instituto de Geografia e Estatística. Mapa do mercado de trabalho no Brasil. Rio de


Janeiro: IBGE, 1994. 206p.
IPEA – Mapa da fome. 1993.
LOBO, Elizabeth Souza. A classe operária tem dois sexos. São Paulo: Brasiliense e Secreta-
ria Municipal de Cultura de São Paulo, 1991. 228p.
OSBORNE, Raquel. Las mujeres em la encrucijada de la sexualidad. Barcelona: Ediciones
de les Dones, 1989. 208 p.
SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Principais resultados do ano de
1992. Série Condições de Vida. São Paulo: 1993.
SOF. Não à violência contra as mulheres. São Paulo: 1992. 38p.
VANCE, Carole S. (org.) Placer y peligro – explorando la sexualidad femenina. Madrid:
Editorial Revolución, 1989. 232 p.

Artigos
BRUSCHINI, Cristina. O trabalho da mulher brasileira nas décadas recentes. Estudos Femi-
nistas, ed especial out. 1994, p. 179-199.
BRUSCHINI, Cristina e RIDENTI, Sandra. Família, casa e trabalho. São Paulo: Cadernos de
Pesquisa n. 88, 1994. p.30-36.
CASTRO, Mary G. e LAVINAS, Lena. Do feminino ao gênero: a construção de um objeto. In
Uma questão de gênero. Rio de Janeiro/São Paulo: ed. Rosa dos Tempos/Fundação Carlos
Chagas, 1992. p. 216-251.
FARIA, Nalu. Sexualidade e construção de gênero. Em Tempo, n. 265. março, 1993.
HIRATA, Helena e KERGONT, Daniele. A classe operária tem dois sexos. Estudos Feminis-
tas. vol.2, n. 3/94, p. 93-100.
IZQUIERDO, M. Jesus. Bases materiais do sistema sexo gênero. S.d, mimeo.
LOURO, Guacira Lopes. Nas redes do conceito de gênero. In LOPES, Marta Julia; MEYER,
Marques Dagmar Estermann e WALDOW, Vera Regina (org). Gênero e saúde. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996. p. 7-18.
PAULILO, M. Inês. O peso do trabalho leve. Ciência Hoje, v.5, n. 28, 1987.
ROSENBERG, Fúlvia et alii. Creches e pré-escolas no Brasil. São Paulo: ed. Cor-
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VANGE, Carole S. e SNITOW, Ann B. Sobre la posibilidad de um debate a acerca de la sexu-
alidad dentro del feminismo. In. CALDERÓN, M e. OSBORNE, R (org). Mujer sexo y poder.
Madrid: Proyecto Mujer y Poder, Instituto de Filosofia. Cisc, Forum de política femenista y
Comisión antiagresiones del movimento feminista, 1990. 92p.
EDUCAÇÃO E GÊNERO:
parceria necessária para a qualidade do ensino2

Cláudia Vianna3

Muito se fala em qualidade da educação, tema que remete a inúmeros proje-


tos educacionais e vem associado aos modelos, às concepções, às metodologias
de ensino e também às funções atribuídas à escola.
Nossa história recente registra diferentes concepções pedagógicas, métodos e
propostas de ensino que delineiam visões diversas sobre o que possa ser quali-
dade do ensino em nossa sociedade. Pode incluir a democratização do acesso ao
ensino público e a garantia da permanência do aluno na escola: os poderes pú-
blicos e suas diferentes instâncias de decisão e execução das políticas educacio-
nais, bem como os diversos atores envolvidos com as questões da educação. As
leis, as políticas educacionais relativas às condições de trabalho, salários, carrei-
ras e formação de professores também são aspectos fundamentais para a cons-
trução de um projeto de melhoria dessa qualidade.
Entretanto, cabe indagar: o que a discussão sobre qualidade da educação tem
a ver com os significados de gênero? Trata-se de uma parceria necessária?
Falar em qualidade da educação significa atribuir um sentido para
a escola. Para que ela serve? E elementos como as diferentes con-
cepções pedagógicas e a defesa da democratização do ensino público
são importantes, mas não suficientes, para a definição dessa qualida-
de. Questões relativas ao gênero devem ser consideradas se quiser-
mos construir, de fato, um ensino de qualidade4.

2
Uma versão preliminar deste artigo foi publicada em VIANNA, C. P. Sexo e gênero: masculino e feminino na
qualidade da educação escolar. In: AQUINO, J. G. (Org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práti-
cas. São Paulo: 1997, p.119-130.
3
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, na qual também é professora. É autora de de
Os nós do nós: crise e perspectivas da ação coletiva docente em São Paulo (São Paulo: Xamã, 1999) e de
vários artigos sobre diferenças e preconceitos de gênero na escola, identidade docente, feminização do magis-
tério, masculinidades e feminilidades nas relações escolares.
4
O mesmo vale para questões relativas à geração e etnia, temas não desenvolvidos neste artigo.
Isso não significa abandonar a elaboração de métodos e concep-
ções de ensino ou o debate sobre a função da educação e a importân-
cia de sua democratização e do atendimento, no âmbito das políticas
públicas educacionais. É preciso definir um projeto de qualidade que
some às reivindicações específicas (quanto à política educacional,
que fomente melhores salários, condições de trabalho, elaboração de
métodos pedagógicos etc.) o reconhecimento da importância da etni-
a, da geração e do gênero nas relações escolares e na formação do-
cente. Assim, as questões de gênero apresentam-se como um traço
marcante da qualidade da educação.

Gênero e educação
Atualmente já registramos avanços nas pesquisas sobre relações
de gênero e educação, com destaque para temáticas como educação
infantil5; livros didáticos e conteúdos escolares6; significados mascu-
linos e femininos da identidade e trabalhos docentes7; reprodução de
estereótipos nas relações e nas políticas escolares8, entre outras.
Todavia, a passagem do feminino ao gênero ainda está ausente da
maioria das pesquisas sobre educação. Estudo recente de Fúlvia Ro-
semberg (2001) sobre as possíveis relações entre educação e gênero
nas investigações brasileiras chama a atenção para a ausência de re-
flexões sistematizadas sobre a relação entre os sexos, assim como
sobre os significados de masculinidade e feminilidade com base nas
relações de gênero. Elas insistem em ver a escola como uma esfera
perpassada quase exclusivamente por diferenças de classe, desconsi-
derando dimensões como gênero, geração e etnia/raça.
A recusa ao gênero caminha na direção contrária da realidade es-
colar brasileira, na qual a presença das mulheres no ensino público
tem sido majoritária. Ao longo do século XX, a docência foi assu-
mindo um caráter eminentemente feminino, e hoje, em especial na
Educação Básica (composta da Educação Infantil, do Ensino Fun-
damental e do Ensino Médio), é grande a presença de mulheres no
exercício do magistério.
De acordo com o primeiro Censo do Professor, 14,1% da catego-
ria é constituída de homens e 85,7% de mulheres. Levantamento rea-
lizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

5
CAMPOS, 1999; ROSEMBERG, 1999, 2002.
6
AUAD, 1999; BEISIEGEL, 2001; NEGRÃO e AMADO, 1989.
7
CATANI et alli, 1997, 1998; CARVALHO e VIANNA, 1994; CARVALHO, 1999; LOURO, 1997; DEMARTINI e ANTUNES, 2002.
8
DI PIERO, 2001; VIANNA e RIDENTI, 1998; VIANNA, 1999; VIANNA, 2002.
(CNTE) com 52 mil professores e professoras brasileiros mostra que
97,4% dos docentes de 1a a 4a série do Ensino Fundamental são mu-
lheres9. Elas ocupam 80,6% das 5as até as 8as séries desse ensino e
60,8% do Ensino Médio. A pesquisa da CNTE aponta ainda que, en-
tre diretores, coordenadores e supervisores ligados à Educação Bási-
ca, 90,1% são mulheres.
Mesmo assim, insiste-se na utilização indistinta de termos aparen-
temente neutros, masculinos, sem nenhum critério definido. Não se
considera a importância do sexo das educadoras e dos educadores
não apenas do ponto de vista quantitativo, mas principalmente quan-
to ao fato de que os valores masculinos e femininos presentes nas
escolas fazem diferença na caracterização e compreensão da quali-
dade da educação.
Portanto, as diferentes maneiras de conceber a qualidade da edu-
cação estão também marcadas, entre outros determinantes, pelas re-
lações de gênero, ou seja, por formas masculinas e femininas de pen-
sar o magistério, a atuação docente, o desempenho discente e as re-
lações estabelecidas na escola. Este não é o único fator determinante
da qualidade da educação mas, com certeza, é imprescindível para a
elaboração de um projeto mais abrangente de qualidade das relações
escolares.
Cabe então perguntar: qual a contribuição de um olhar de gênero
para a construção da qualidade da educação?

Sobre as relações de gênero


Em nossa sociedade, as diferenças entre homens e mulheres são
comumente remetidas diretamente ao sexo, às características físicas
tidas como naturais e imutáveis. Com base em definições essencia-
listas do que é ser homem e/ou mulher edifica-se um sistema de dis-
criminação e exclusão entre os sexos, além de vários estereótipos.
Criam-se, assim, vários estereótipos sobre homens e mulheres: a-
gressivos, militaristas, racionais, para eles; dóceis, relacionais e afe-
tivas, para elas. Em decorrência, funções como alimentação, mater-
nidade, preservação, educação e cuidado com os outros ficam mais
identificadas com os corpos e as mentes femininas, ganhando, assim,
um lugar inferior na sociedade, quando comparadas às funções tidas
como masculinas.

9
CODO, 1998.
O feminino e o masculino são apresentados como categorias opos-
tas, excludentes e hierarquizadas, nas quais a mulher, os valores e os
significados femininos ocupam lugar inferior. E a dicotomia daí de-
corrente cristaliza concepções do que devem ser as atribuições femi-
ninas e masculinas e dificulta a percepção de outras maneiras de es-
tabelecermos as relações sociais.
O ordenamento das relações sociais assim excludente, hierárquico
e cristalizado, é respaldado por mudanças de ordem social e política
que “apoiadas na biologia arquitetam arranjos que deslocam a culpa
das evidentes desigualdades sociais, políticas e econômicas para a
natureza” (Matos, 2001, p.70). Este modo de compreensão da reali-
dade é reforçado pelas explicações oriundas da medicina e das ciên-
cias biológicas e também pelas instituições sociais como a família e
a escola. O androcentrismo impregna os pensamentos científico, fi-
losófico, religioso e político há muito tempo, levando a crer que não
há outro modo de ser. Ficamos tão presos a algumas idéias que so-
mos incapazes de refletir sobre elas e criticá-las, tornam-se verdades
inalteradas: a força do costume faz com que defendamos explicita-
mente a igualdade e pratiquemos implicitamente a discriminação de
gênero (Moreno, 1999).
Para criticar esse modelo explicativo, fundado no determinismo
biológico, feministas forjam, no final dos anos 60 do século passado,
o conceito de gênero, contrapondo-o ao sexo. O objetivo é ressaltar o
caráter cultural e histórico das diferenças entre os sexos. A adoção
do conceito de gênero, historicamente construído, é um passo impor-
tante para sairmos das explicações das desigualdades a partir de fun-
damentações que se baseiam nas diferenças físicas, biológicas. As
relações entre os sexos são construídas socialmente e, portanto, po-
dem ser mudadas, assim como a hierarquia entre homens e mulheres.
Uma segunda utilização do conceito de gênero, mais recente, tam-
bém ressalta o seu caráter eminentemente histórico-cultural e enfati-
za sua utilidade na percepção e análise, não apenas das relações entre
homens e mulheres, mas da constituição dos significados e das rela-
ções de poder socialmente constituídas (Scott, 1990 e 1992; Nichol-
son, 2000). O lugar de homens e mulheres na divisão sexual do tra-
balho, bem como o saber que se produz sobre as diferenças sexuais e
os vários significados que elas podem adquirir, caracteriza sua varia-
bilidade e natureza política: o gênero constrói a política e a política
constrói o gênero (Scott, 1992).
Como diz Joan Scott (1990), as relações de gênero são relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, mas
também estão presentes nos símbolos culturalmente disponíveis so-
bre homens e mulheres. Assim, o gênero está presente nas distintas
atribuições relativas às masculinidades e às feminilidades; nos con-
ceitos normativos que estabelecem as regras e normas no campo da
educação; nas políticas que são implantadas nas escolas e nas identi-
dades subjetivas que, muitas vezes, sustentam e, em outras, procu-
ram reverter o modelo dominante de masculinidade/feminilidade,
como um modo de dar significado às relações de poder estabelecidas
e difundidas pelas políticas educacionais nas suas mais variadas es-
feras, níveis e modalidades de ensino. Os significados e símbolos de
gênero vão além dos corpos e dos sexos e subsidiam noções, idéias e
valores nas mais distintas áreas da organização escolar. Assim, a o-
missão do gênero na discussão dessas relações pode trazer viéses pa-
ra a compreensão de toda e qualquer proposta de qualidade do ensi-
no.

Qualidade do ensino e gênero: por uma educação não-sexista


Uma das formas mais candentes de manutenção do poder na esco-
la dá-se pela reprodução das desigualdades de gênero nas relações
escolares e na organização do sistema e do cotidiano escolar. Nesse
sentido, é tarefa urgente a reflexão sobre o papel de educadoras e
educadores na garantia da qualidade do ensino, a partir da ótica das
relações de gênero.
A educação tem, entre suas funções, a transmissão de modelos culturais, va-
lores e concepções; com eles, determina padrões de conduta, modelos de pen-
samento. A escola parece ter um papel – científico, pedagógico –, considerado
neutro nesse processo, dissociado de preconceitos de gênero/sexismo, mas não
tem. Ela colabora, e muito, no esclarecimento do que é ser menino(a), muitas
vezes de forma dissimulada, por meio de gestos, posturas que transmitem siste-
mas de pensamento e atitudes sexistas.
Como as organizações do magistério, os órgãos administrativos, os centros
de pesquisa têm abordado o tema de uma educação não-sexista? Quais são as
indicações práticas para professores(as), equipe técnica e de apoio em escolas?
Essas questões nos fazem recordar algumas cenas do cotidiano es-
colar. As brincadeiras de meninas e meninos no recreio. Elas, cozi-
nheiras, cabeleireiras, fadas, mamãezinhas, enfermeiras ou dançari-
nas do Tchan ou do Funk. Eles, índios, ladrões de gado, bandidos,
policiais, super-homens, tigres ou qualquer outro elemento agressivo
em oposição à passividade das brincadeiras femininas.
Essa divisão passivas/agressivos é natural? Não, ela é ligada à visão predo-
minante do que é ser menino/menina em nossa sociedade e se reflete, muitas ve-
zes, na função social assumida pela escola e nas relações escolares. Quem não
se lembra de ter ouvido alguém propor um professor do sexo masculino para
conter aquela classe agitada, ou para representar a escola e sua maioria femini-
na?
O que essas e muitas outras cenas, práticas e concepções têm a ver
com a tarefa de garantir a qualidade da educação pela qual somos
responsáveis, tornando-a menos sexista?
A educação tem, entre suas funções, a transmissão de modelos
culturais, valores e concepções e, com eles, determina padrões de
conduta, modelos de pensamento10. Por exemplo, está contido um
padrão sexista na baixa expectativa da professora em relação ao pre-
cário desempenho de sua aluna: “Ela não precisa mesmo ser tão boa
em matemática...” “Ela já tem a letra tão bonita e escreve bem...”
Com base em relatos de professores e professoras sobre seus alunos e alunas,
em 26 escolas inglesas, Valerie Walkerdine (1995) ressalta a interferência de te-
orias do desenvolvimento na forma pela qual o conhecimento sobre a infância
pode reproduzir discriminações de gênero. Para a autora, não só a ciência repro-
duz estereótipos sobre as dificuldades de garotas quanto ao raciocínio matemáti-
co e científico, mas também a escola e seus professores e professoras reiteram e
justificam esse tipo de argumento. As citações de docentes sobre crianças de 10
anos, referidas pela autora, evidenciam uma prática escolar muito semelhante à
de nossas escolas:
“Sobre uma garota que estava no nível superior da classe: ‘Uma trabalhadora mui-
to, muito esforçada. Uma garota não particularmente brilhante... Seu trabalho duro faz
com que ela alcance o padrão.’ Sobre um garoto: ‘Ele mal pode escrever o seu nome...
Não porque ele não é inteligente, não porque ele não é capaz, mas porque não pode
sentar-se quieto, e não consegue se concentrar... Muito perturbador... mas muito bri-
lhante.” (Walkerdine, 1995, p. 214-15)
O caráter normativo e transmissor de conhecimentos da escola
pode estar ligado à produção e reprodução do sexismo, enquanto um
código secreto e silencioso que molda comportamentos de meni-
nos(as), garotos(as) e professores(as).
Nós, professores e professoras, devemos então nos perguntar: co-
mo temos tratado nossos alunos e alunas? Isso porque esses proces-
sos macro-históricos de produção dos diferentes significados mascu-
linos e femininos, que embasam nossas relações sociais, reificam-se
nas relações estabelecidas no interior da escola e da sala de aula. As
escolas – e seus professores e professoras – muitas vezes reprodu-
zem imagens negativas e estereótipos em relação às suas alunas
quando relacionam seu rendimento ao esforço e ao bom comporta-
10
As reflexões que aqui se seguem contam com a contribuição dos trabalhos de Montserrat Moreno, 1999.
mento, quando as tratam apenas como esforçadas e quase nunca co-
mo potencialmente brilhantes, capazes de ousadia e criatividade.
Mas ultrapassar o sexismo implica compreender seu significado e
seu funcionamento. Ou seja, supõe compreender que ele está ligado
ao modo como a nossa sociedade opõe, hierarquiza e naturaliza as
diferenças entre os sexos, reduzindo-as às características físicas tidas
como naturais e, portanto, imutáveis. Supõe criticar os vários estere-
ótipos que justificam a permanência da desigualdade entre os sexos.
Exige, também, superar as hierarquias que apresentam significados
masculinos e significados femininos como categorias excludentes e
que afirmam o status inferior das características femininas.
Implica, ainda, perceber que esse modo único e difundido de
compreensão é reforçado pelas explicações oriundas da medicina e
das ciências biológicas e também pelas instituições sociais, como a
escola, assim como por nós, professores e professoras ou alunos(as),
que omitimos que essas referências são construídas socialmente –
com base em imagens que a sociedade nos oferece –, não são “natu-
rais” e, portanto, são passíveis de mudanças.
Esse é o primeiro passo para sairmos do sexismo, isto é, das con-
cepções naturalizadas, polarizadas que diferenciam meninos e meni-
nas, masculinos e femininos de modo permanente, inevitável e que
atribuem a essas diferenças uma hierarquia na qual os significados
femininos são desvalorizados socialmente. Sair dessas concepções é,
antes de tudo, entender que são construídas socialmente e, portanto,
podem ser mudadas. Podem ser as concepções mais divulgadas, mas
não são as únicas.
A escola não tem um papel neutro nesse processo, mas pode cola-
borar – e muito – no esclarecimento e na crítica aos sistemas de pen-
samento e atitudes sexistas. Pode também questionar esses valores. E
as professoras e professores que trabalham na escola assumem a im-
portante função de não divulgar esses valores a-criticamente, de re-
fletir com seus alunos(as) sobre novas possibilidades de relações de
gênero. A escola pode ensinar a questionar e reconstruir essas refe-
rências.
Muitas são as possibilidades de construção de uma escola não-
sexista: introduzir o ponto de vista da mulher nos livros didáticos,
nos conteúdos escolares; não hierarquizar significados masculinos e
femininos; interferir na reprodução de estereótipos pelas crianças e
pelos jovens; analisar com alunos(as) as atribuições e significados
dominantes para cada sexo, explorando os pontos positivos e negati-
vos presentes nos modelos da TV, nos jornais e gibis; descobrir a e-
xistência de inúmeros esquemas, sentidos e ações para cada sexo que
não têm relação com capacidades inatas, comportamentos espontâ-
neos e, principalmente, trabalhar com vários modelos de meni-
no/menina, feminino/masculino.
Essa é uma tarefa difícil, mas urgente e necessária. Requer luta em
todas as esferas: na denúncia das revelações ditas científicas que
perpetuam preconceitos; nas reivindicações por direitos; na discus-
são de propostas e atividades realizadas na escola; na conscientiza-
ção do corpo docente; na análise crítica dos livros didáticos; na luta
diária contra aquilo que aprendemos como verdade, mas que nos
transmite imagens relativas à discriminação de gênero; na reconstru-
ção da história imediata, da vida cotidiana feita por homens e mulhe-
res; no preparo de menino(as), garotos(as) para novos caminhos com
o pensamento lógico, com as emoções, com o cuidado, com os sen-
timentos; com espaços e com atividades consideradas femininas;
com o questionamento dos significados femininos e masculinos do-
minantes na sociedade e nas relações escolares.
A consideração desses distintos aspectos pode, sem dúvida, auxiliar na defesa
da qualidade da educação e ajudar a estabelecer um distanciamento crítico que
permita enxergar para além das visões dominantes sobre as relações entre ho-
mens e mulheres e sobre os significados masculinos e femininos das relações
escolares. Voltando ao início, ignorar feminilidades e masculinidades da escola
seria garantir uma qualidade da educação pela metade. Construí-la por inteiro,
em suas mais diferentes nuances, requer o reconhecimento das diferenças de gê-
nero como um dos pilares de um ensino de qualidade, aliado à coragem de edu-
cadores e de educadoras para rever os estereótipos de gênero com os quais fo-
ram formados, pois, como afirma Alberto Melucci, “o jogo da diferença e da
convivência requer a todos a travessia por um desconhecido com coragem e es-
perança” (2000: 155).

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Conceituando o gênero*

Heleieth I. B. Saffioti

Todas as atividades humanas são medidas pela cultura, pois é graças a este verda-
deiro arsenal de signos e símbolos que aquelas atividades adquirem sentido e os seres hu-
manos tornam-se capazes de se comunicar. Desta sorte, ao nível da sociedade, não existem
fenômenos naturais.
Embora se pensasse superada a fase histórica de a biologia é o destino, surgiu na
década de 1980 e continua grassando atualmente um retorno assustador a posições essen-
cialistas, vinculando a mulher à natureza e o homem à cultura. O acervo de teorias, acumu-
lado em três decênios de pesquisas feministas, permite a defesa de postura que advoga a
construção social do gênero, a fim de se combater a escalada do pensamento conservador,
altamente deletério ao avanço das lutas políticas pela igualdade social, desenvolvidas por
categorias sociais discriminadas.
Não se trata de buscar qualquer outra igualdade situada fora do campo social, na
medida em que isto levaria, inexoravelmente, a uma essência masculina e a uma essência
feminina. Tampouco se trata de negar diferenças entre homens e mulheres, o que represen-
taria intolerância, mas de entendê-las como fruto de uma convivência social mediada pela
cultura. “As mulheres que escaparam do Eterno Feminino e do mimetismo com os homens
(...) defendem uma igualdade inédita entre os sexos, o primado da diferença sem hierarquia
e sem ambigüidade” (Darcy de Oliveira, 1991, p.17).
Se pensar (ou lutar por) a diferença, assim como a igualdade, isoladamente, envolve
sérias armadilhas, afirmar a primazia da diferença pode conduzir à absolutização da cultura,
hipostasiando-se ela na seguinte fórmula: a cultura é o destino. Atribui-se aqui o mesmo
valor à igualdade e à diferença, na medida em que não constituem um par dicotômico, mu-
tuamente exclusivo, mas são cada uma a condição da outra. Com efeito, poderia a diferença
tout court, sem adjetivação, realizar-se senão através da igualdade? Teria esta sentido se
não houvesse respeito às diferenças? Ademais, similaridade e diferenciação são duas di-
mensões de um mesmo processo, razão pela qual não se pode mencionar uma na ausência
da outra. Desta sorte, a diferença não é senão a outra face da identidade (Saffioti, 1991). As
pessoas situam-se nos eixos de distribuição/conquista do poder – gênero, raça/etnia e classe
social – graças às similitudes que apresentam com determinadas outras e às dessemelhanças
de que são portadoras em relação a outras criaturas. Assim, a discussão sobre as diferenças
não faz sentido isoladamente, uma vez que é apenas no contexto do insulamento que elas se
tornam apropriáveis por movimentos de cunho discriminatório. As diferenças só se inscre-
veriam no nível do essencial se se admitisse, aqui, uma essência feminina distinta de uma
essência masculina, o que está longe de ser o caso. Não se procede, pois, a uma naturaliza-
ção da diferença, como faz a sociedade. Isto ocorre em posturas intelectuais que concebem
o gênero como imutável. Ora, num discurso que admite explicitamente a des-re-construção
do gênero, este é, obviamente, cambiante. Nesta linha de raciocínio, discorda-se de Pierucci

*
Agradecemos à autora, à editora Rosa dos Tempos (do Grupo Record), à Fundação das Nações Unidas para
a Infância (Unicef) e ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Social (NIPAS) por autorizarem a publi-
cação deste texto, originalmente escrito para o livro Mulher brasileira é assim, de Heleieth I. B. Saffioti e
Mônica Muñoz-Vargas, RJ, 1994.
(1990), que enxerga ciladas só na diferença, quando a igualdade também já serviu de pre-
texto para a sujeição de vários povos a governos despóticos.
A modelagem de homens e mulheres como seres diferentes faz-se através de “tecno-
logias de gênero”, terminologia que Lauretis (1987) toma de empréstimo de Foulcaut
(1976, “tecnologias de sexo”) e que designa discursos hegemônicos, cinema, posturas epis-
temológicas, críticas, enfim, “práticas sociais e culturais” (Lauretis, p. ix). Em linguagem
althusseriana, tecnologias de gênero seriam desenvolvidas pelos aparelhos ideológicos de
Estado (Althusser, 1976) aos quais pensa-se ser necessário agregar explicitamente os apa-
relhos ideológicos privados. Obviamente, de forma implícita, estes estão compreendidos
nos primeiros, já que as determinações do Estado alcançam os mais ocultos espaços da vida
privada.
Se, por um lado, Lauretis aproveita as potencialidades da hipótese althusseriana e
envereda pelo caminho da compreensão “do gênero como (auto-)representação”, por outro,
extrapola seus limites, concebendo o sujeito feminino como estando, simultaneamente, den-
tro e fora da ideologia de gênero. O sujeito do feminismo é concebido como múltiplo e
construído através de “discursos, posições e significados freqüentemente em conflito uns
com os outros e inerentemente (historicamente) contraditório” (p. ix-x).
Isto equivale a dizer que o sujeito constituído em gênero o é também em classe so-
cial e em raça/etnia. Assim, em vez de ser unificado, é múltiplo, sendo mais contraditório
que dividido. Isto posto, o gênero caracteriza-se, para Lauretis, ao mesmo tempo, como
representação e como auto-representação, participa de sua própria construção. Esta não
depende apenas dos aparelhos ideológicos de Estado, mas é tecida também nos movimentos
de vanguarda intelectual e artística. A desconstrução do gênero interfere em sua construção,
o que significa a possibilidade de desestabilização de qualquer representação.
Lauretis situa o gênero em dois níveis: no da representação e no que chama de real.
Como se pensa que a representação é tão real quanto qualquer outro fenômeno, prefere-se
afirmar que a representação se inscreve no terreno do subjetivo, objetivando-se através da
atividade, enquanto o “real” consiste em práticas sociais e seus produtos, que se subjetivam
por um movimento oposto do sujeito. Produtos e processos sociais são igualmente impor-
tantes, uma vez que construção do gênero depende deste movimento em sua representação.
Para autora em pauta, portanto, o gênero “é tanto um construto sociocultural quanto um
aparelho semiótico, um sistema de representação que atribui significado(...) a indivíduos
dentro da sociedade.”(p.5). Ora, o devir das representações vai modelando homens e mu-
lheres, produzindo, assim, diferenças de gênero. Não somente o sujeito do feminismo, que é
um construto teórico, como também as mulheres historicamente situadas são concebidos
como simultaneamente dentro e fora do gênero, dentro e fora da representação.
É crucial reter esta ambigüidade do gênero, assim como a modalidade e a multipli-
cidade de seu sujeito. Os sujeitos históricos têm suas relações reguladas pelo gênero, con-
junto de representações absolutamente central na sociedade. Ademais, é relevante no pen-
samento de Lauretis a consideração simultânea da classe social e da raça/etnia, apreenden-
do a multiplicidade do sujeito sem fragmentá-lo e, por isto, preferindo chamá-lo de contra-
ditória a dividido. Ainda que o gênero se refira, para Lauretis, às categorias masculino e
feminino, também normatiza as relações sociais. A força da mudança social está bastante
presente em sua concepção, seja através de um sujeito que, sendo modelado pelo gênero, é,
ao mesmo tempo, capaz de tomar distância em relação a ele, seja pela capacidade desestabi-
lizadora da desconstrução. Mais do que isto, ela enxerga a dinâmica presente nas franjas
dos discursos hegemônicos e nas práticas micropolíticas no sentido da construção originária
de gênero, bem como na direção de sua desconstrução/reconstrução.
Evidentemente, o nível da subjetividade é privilegiado, ganhando relevo, desta for-
ma, a auto-representação. Nos interstícios das práticas instituídas, nas margens dos discur-
sos competentes, nas brechas da estrutura de poder/saber nascem cotidianamente novas
representações, sobretudo auto-representações, que vão construindo o gênero em outros
termos. Desta sorte, o gênero não é concebido como camisa-de-força. Pode-se afirmar que,
para esta autora, o gênero apresenta um caráter substantivo, na medida em que designa ca-
tegorias sociais, e uma dimensão adjetiva, ou seja, sua face normatizadora. É também o
caso de Welzer- Lang (1991), quando afirma que “A violência doméstica tem um gênero: o
masculino, qualquer que seja o sexo físico do(a) dominante” (p. 278) e que “No imaginário
masculino, a mulher não existe como sujeito. Ela é, seja o objeto a ser tomado, a consumir,
seja um outro homem” (p.114).
Há, todavia, autores, que prescindem do gênero enquanto designante de substância,
encarando-o exclusivamente como uma relação entre sujeitos socialmente construídos em
contextos históricos determinados. “Como um fenômeno contextual e mutável, o gênero
não denota um ser substantivo, mas um relativo ponto de convergência entre configurações
de relações, cultural e historicamente específicas” (Butler, 1990, p. 10). O conceito huma-
nista do gênero enquanto atributo de uma pessoa não serve como ponto de partida para uma
concepção relacional, na qual tanto a pessoa quanto o gênero são frutos do contexto históri-
co que os constrói.
Conceber gênero como uma relação entre sujeitos historicamente situados é funda-
mental para demarcar o campo de batalha e identificar o adversário. Nestas circunstâncias,
o inimigo da mulher não é o homem nem enquanto indivíduo, nem como categoria social,
embora seja personificado por ele. O alvo a atacar passa a ser, numa concepção relacional,
o padrão dominante de relação de gênero. Diferentemente do que se pensa com freqüência,
o gênero não regula somente as relações entre homens e mulheres, mas normatiza também
relações homem-homem e relações mulher-mulher. Deste modo, a violência cometida por
uma mulher contra outra é tão produzida pelo gênero quanto a violência perpetrada por um
homem contra uma mulher. A adequada compreensão deste fenômeno responderá pela
formulação de estratégias de luta com maior potencial de êxito, enquanto a singularização
do inimigo pode fazer perder de vista o nó constituído pelas três contradições sociais bási-
cas: gênero, raça/etnia, classe social (Saffioti et alii, 1992).
Além de se inscrever num universo conceitual relacional, o que raramente é encon-
trado em outras autoras (Whitbeck, 1983; Saffioti, 1991), Butler aponta caminhos de trans-
formação social de uma forma bastante original. Formula o conceito de inteligibilidade de
gênero, ou seja, coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática social e desejo. Em
outras palavras, o gênero culturalmente inteligível institui e mantém relações capazes de
expressar o complexo sexo/gênero pelo desejo sexual realizado na prática sexual. Obvia-
mente, esta coerência traduz o padrão hegemônico de relações de gênero ou a matriz domi-
nante de sua inteligibilidade cultural. Nada impede, entretanto, que outras matrizes de inte-
ligibilidade concorram para subverter a ordem de gênero. Neste sentido, pode-se pensar em
diversos pontos de observação (Saffioti, 1991) – os lugares de onde falam as feministas, por
exemplo – a partir dos quais são introduzidos padrões alternativos de relações de gênero.
Além disso, há que se reservar um lugar especial para a marginália, capaz das mais origi-
nais combinações para destruir a coerência e a continuidade do gênero, ou seja, sua lógica
hegemônica. Em um caso como no outro, pode-se dar uma significativa ampliação dos
limites da inteligibilidade cultural do gênero, o que permite a coexistência de várias
mites da inteligibilidade cultural do gênero, o que permite a coexistência de várias matrizes
de significações inteligíveis. No limite, ter-se-ia uma pluralidade de matrizes, propiciando,
certamente, a aproximação da utopia da androginia (Rubin, 1975).
O quadro atual, contudo, situa-se muito longinquamente da androginia, na medida
em que ser mulher não apenas é diferente de ser homem, como também implica inferiori-
dade, desvalorização, opressão. Embora não haja espaço para se discutir a polissemia do
conceito de opressão, entende-se necessário indicar, pelo menos, que o oprimido tem o seu
campo de opções reduzido, sendo objeto de um processo de dominação-exploração. É neste
contexto de relações de gênero entre desiguais que se legitimam a agressão física e emocio-
nal da mulher, assim como o abuso sexual e o estupro. A pesquisa de Gilligan (1982) reve-
lou que as mulheres imputam à desigualdade a responsabilidade pela violência, enquanto os
homens consideram a questão em termos de uma justiça falha, cega às diferenças entre as
pessoas. Isto é, o raciocínio dos homens não acusa a percepção do processo social de con-
versão das diferenças entre homens e mulheres em desigualdades. Em outros termos, a ide-
ologia de gênero procede através da naturalização das diferenças que, conforme o já expos-
to, foram socialmente construídas (Saffioti,1987;1992), podendo, por conseguinte, ser
transformadas. No contexto do pensamento ideológico, a apresentação das diferenças como
naturais constitui uma necessidade. Sem a satisfação deste requisito, o uso da diferença,
para fins discriminatórios, não alcança eficácia política. Assim, afirmar que as diferenças
encerram o perigo da naturalização é praticamente um truísmo.
Do exposto pode-se concluir ser de suma importância admitir não apenas um sujeito
múltiplo, partícipe das relações de gênero, de raça/etnia e de classe social em diferentes
posições – de dominância e de sujeição –, como também da convivência competitiva de
várias matrizes de inteligibilidade cultural de gênero. Observe-se, portanto, a riqueza pro-
porcionada pela diferenciação interna de uma sociedade, o que propicia relações sociais
substantiva e adjetivamente variadas. Neste sentido, as diversidades resultantes do processo
de diferenciação social são sempre positivas, independentemente de seus conteúdos especí-
ficos. E a humanidade tem revelado uma pronunciada tendência à diferenciação. Daí, ser
problemática a utopia de androginia, de Rubin (1975). É bem verdade que a androginia, ao
nível do gênero, poderia ser atingida pelo livre trânsito de mulheres e homens por uma i-
mensa gama de papéis sociais, sem as referências do masculino e do feminino. Sem a espe-
cialização de papéis, contudo, a indiferenciação permearia a diferenciação. Em vez de mu-
lheres e homens serem diferentes na igualdade, seriam iguais na diferença, o que pode ter
significados muito diversos.
Uma utopia mais modesta e, por esta razão, talvez mais exeqüível consiste em uma
sociedade com gênero, portanto, com diferenciação entre homens e mulheres, mas sem hie-
rarquias neste eixo de estruturação social. Este objetivo de relações igualitárias de gênero,
todavia, não apresenta viabilidade se não se desfizer o nó formado pelas três contradições
sociais básicas. Isto significa lutar por uma sociedade sem contradições entre categorias e
gênero e entre categoria étnico-raciais, assim como entre classes, o que é distinto de perse-
guir a meta de uma ordem societária sem gênero, sem relações interétnicas, sem classes. A
superação das atuais contradições é representada por um outro estágio de desenvolvimento
que, eventualmente, desse lugar a outras contradições, mas que também pudesse permitir
uma convivência mais humana entre os diferentes. Se é fácil pensar as desigualdades e as
diferenças qualitativas e, por conseguinte, pensar a reconversão das primeiras nas segundas,
o mesmo não ocorre com as desigualdades e diferenças quantitativamente definidas. Com
efeito, como se transforma uma desigualdade econômica em mera diferença? Aquele que
possui riqueza equivalentes a X não é simultaneamente diferente e desigual em relação à-
quele que possui o correspondente a 2 X? Não se trata, assim, de apenas (o que já seria tare-
fa de enorme alento) eliminar a contradição capital-trabalho? Acreditando-se que a quanti-
dade, a partir de certo ponto, se transmuta em qualidade (Marx, 1959), tende-se a imaginar
uma sociedade equânime (ou quase) com grandes variações de atividades, mas com peque-
nas diferenças no que tange ao padrão de vida, garantindo-se serviços de educação, saúde,
lazer etc. de boa qualidade. Ter-se-ia, desta forma, um único padrão de vida, embora ele
pudesse ser concretizado de muitas maneiras distintas. As utopias de igualdade chegaram a
um gigantesco fracasso porque, dentre outras razões, não admitiam diferenças. Há pois, que
reformular estas idéias, conformando-as às mais variadas diferenciações sociais. O mundo
caminha neste sentido. Haja vista o número de grupos étnicos defendendo, inclusive com
armas, suas culturas, embora, às vezes, as especificidades destas culturas tenham sido man-
tidas em silêncio por um Estado homogeneizador. Por outro lado, poder-se-ia dizer que o
mundo está crescentemente globalizado. As duas afirmações são igualmente verdadeiras.
Enquanto alguns processos (de comunicação, por exemplo) e alguns setores da sociedade (a
economia é um deles) se internacionalizam, outros tornam-se ainda mais restritos, particu-
lares e até singulares. Basta lembrar, neste sentido, as conseqüências do fundamentalismo
islâmico para as mulheres. Neste contexto, há que se cavar espaço saudável tanto para a
homogeneização, como para a diferenciação. Se se puser ênfase exclusivamente sobre a
primeira, a segunda impor-se-á pela força, como está ocorrendo em várias regiões do plane-
ta, já que o ser humano se enriquece através da diferença e não por intermédio da mesmice.
A diferença, contudo, é o locus privilegiado da constituição das relações de poder.
Scott (1990, p.16) chega mesmo a afirmar que “o gênero é o primeiro campo no seio do
qual, ou por meio do qual, o poder é articulado”. Para a postura aqui assumida, a raça/etnia
e a classe social são também filtros de percepção e apercepção, servindo, por via de conse-
qüência, de parâmetros para a organização das relações de poder. Afirmar que o gênero
vem em primeiro lugar significa atribuir-lhe primazia sobre os demais eixos de estruturação
social, o que contraria as idéias nucleares aqui expressas. Colocam-se os três eixos na
mesma posição, acreditando-se que não cabe ao cientista ordená-los em termos de sua ca-
pacidade de estabelecer ópticas de percepção e análise da realidade. A conjuntura do mo-
mento determinará qual dos três eixos deterá a preeminência nos sujeitos em interação. Há
que se pôr em relevo a reciprocidade entre, de uma parte, o gênero, a raça/etnia e a classe,
e, de outra, a sociedade como um todo. Para simplificar, toma-se apenas o gênero, ficando-
se com a mesma autora: “a política constrói o gênero e o gênero constrói a política” (Scott,
p.16).
Como as mulheres foram, nas sociedades simples, objeto de troca por parte dos ho-
mens (Lévi-Strauss, 1976) e o são, embora disfarçadamente, nas sociedades complexas, a
tarefa de estabelecer alianças ficou a cargo dos homens. As mulheres sempre foram os veí-
culos de negociações. Ora, a política – onde o poder é, por excelência, exercido – consiste
em negociar, em fazer e desfazer alianças. Esta lide treina os homens não somente na nego-
ciação, mas na percepção da oportunidade de estabelecer tal ou qual aliança com tal ou qual
facção. As mulheres não recebem este treino. Desta forma, o gênero é sim um eixo a partir
do qual o poder é articulado. Esta articulação processa-se em detrimento das mulheres.
Poucas são as que chegam aos parlamentos do mundo inteiro. Em lá chegando, mostram-se
canhestras na negociação, enfim, como não poderia deixar de ser, neófitas no exercício do
poder. O importante, porém, é frisar que tudo depende de experiência, uma vez que as es-
pecializações, ou seja, as diferenças, não se inscrevem nos planos natural ou divino e sim
no social. Em sendo este registro, convém chamar a atenção do leitor para o fato de que não
existem duas culturas: uma feminina e outra masculina, como concluem alguns a partir da
leitura do livro de Gillian. Talvez o próprio livro ofereça esta leitura. A posição aqui assu-
mida esposa a idéia de que há somente uma cultura falologocêntrica (Féral, 1990), no seio
do qual há diferenciações através das quais as mulheres se submetem ao poder (phallus) e
à razão (logos) dos homens. Não o fazem, contudo, passivamente. Não obstante sejam tra-
tadas como não-sujeitos, atuam permanentemente como sujeitos, seja ratificando o ordena-
mento social machista, seja solapando-o. As mulheres também fazem, portanto, a história.
Parafraseando Marx, não a fazem, contudo, em condições por elas idealizadas, mas em cir-
cunstâncias dadas e herdadas do passado. Mais do que isto, as três contradições básicas da
sociedade, ao se fundirem em um nó, alimentam-se mutuamente, agudizando os conflitos e
dificultando as alianças.
Dada a multiplicidade do sujeito social constituído em gênero, raça/etnia e classe –
situa-se fora de cogitação a totalidade de uma categoria ou classe. Não resta senão o cami-
nho das alianças entre desiguais, fenômeno contingente e efêmero, mas sempre renovável,
para se tentar construir uma sociedade menos iníqua e mais propiciadora do desenvolvi-
mento pleno das potencialidades de cada um: homem ou mulher, branco ou negro, mais ou
menos abastado.

Referências bibliográficas:

ALTHUSSER, Louis. Idéologie et appareils ideologiques d’Etat. In: ALTHUSSER, L. Positi-


ons. Paris: Editions Sociales, 1976. Também em La Pensée, nº 151, junho 1970.
BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and subversion of identity. New York: Routled-
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DARCY DE OLIVEIRA, Rosiska. Elogio da diferença: o feminismo emergente. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1991.
FÉRAL, Josette. The powers of difference. In: EISENSTEIN, Hester, JARDINE, Alice (org). The
future of difference. New Brunswick: Rutgers University Press, 1990.
GILLIGAN, Carol. In a different voice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982.
Também pela Editora Rosa dos Tempos. Rio. Uma voz diferente.
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LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Editora Vozes
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1992. 37 p. [Comum. apres. ao Congresso Internacional América 92: Raízes e Trajetó-
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Porto Alegre: Vol. 15, nº 2, julho/dez. 1990. p. 5-22.
WELZER-LANG, Daniel. Les Hommes Violents. Paris: Lierre & Coudrier Editeur, 1991.
WHITBECK, Carline. A different reality: feminist ontology. In: Gould, Carol C. (ed) Beyond
domination: new perspectives on women and philolosophy. Totiwa, NJ: Rowman & Alla-
nheld Publishers, 1983. p. 64-88.

Heleieth I. B. Saffioti é doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Prof.ª Titular de Socio-
logia da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP); advogada e pesquisadora.

EDUCAÇÃO: UM NOVO FAZER PEDAGÓGICO, NUMA VISÃO


QUE CONTEMPLE A DIVERSIDADE HUMANA
Marilândia Frazão17

Faz-se necessário estabelecer, na contramão


da história, um novo elo entre o indivíduo e a socie-
dade, desconstruindo a lógica da exclusão e cri-
ando um novo vínculo a partir da ética, da solidari-
edade e da consciência das relações existentes en-
tre raça, gênero e classe; isto é, desenvolver a ca-
pacidade de perceber o outro apenas como um
outro e não como um estranho. Trata-se, na verda-
de, de entender a diversidade humana como ri-
queza e parte imprescindível da biodiversidade; en-
tender as diferenças étnico-cultural, de gênero e re-
ligiosa como elementos basilares para a pluralidade
humana e a multiculturalidade. No entanto, o re-
conhecimento das diferenças não pode levar a ex-
tremos de desigualdade, visto que desigualdade é
um conceito ético, relativo à dignidade coletiva, e,
por essa razão, mulheres, homens, ocidentais, orien-
tais, negros e brancos, brasileiros, palestinos, árabes,
somos todos diferentes, mas nunca desiguais.
O movimento social dos negros vem atuando para resgatar e valorizar a
participação do negro na historiografia brasileira e, insistentemente, buscando
alternativas para minorar o legado da desigualdade sócio-racial, reeducando a
sociedade, demonstrando que, aqui, a “questão racial”, ou seja, o racismo, é
um componente estrutural e não um problema dos ou para os negros, mas algo
que diz respeito à sociedade como um todo.
A partir desse enfoque sobre a questão da desigualdade racial, precisa-
mos fomentar a estruturação de objetivos educacionais que potencializem, in-
clusive, iniciativas de novas políticas públicas e, conseqüentemente, de novas
ações sociais. Assim, estabelecer uma nova visão pluri-étnica, que divulgue
um novo modelo de sociedade que respeite a diversidade humana na sua espe-
cificidade, será contribuir com as gerações futuras e garantir a participação de
novos atores na luta.
Um novo olhar do ponto de vista pluri-étnico deve ser gerado para aten-
der os indivíduos no campo social e no campo individual. Há, contudo, uma
questão a ser respondida: a fusão desses dois campos gera, realmente, os pre-
ceitos fundamentais que orientaram a elaboração dos novos currículos, do fa-
zer pedagógico e de suas práticas, além das relações da escola com a comuni-
dade e com o mundo, frente às necessidades de uma grande parcela da popula-
ção, ou seja, as camadas populares?
É importante, também, desmistificar a democratização do ensino, con-
fundida com a igualdade de condições de acesso à escola. Lembrando que, se
por um lado, igualdade de condições de acesso não significa efetivamente i-
gualdade de condições para todos – tendo em vista o fracasso escolar identifi-
cado, basicamente, na clientela das camadas populares, revelando a seletivida-
de intra-escolar que insiste em permanecer –, por outro, nem mesmo aquele
acesso está sendo garantido: há os que correm atrás da escola e não encontram
vagas; há os evadidos, que não buscam vagas porque são obrigados a ingressar
na força do trabalho; há os que buscam ingressar e logo abandonam a escola,
em virtude da diferença existente entre seu mundo e o mundo escolar.
Para nós, a discussão sobre um ensino democrático não se limita à esfe-
ra escolar, mas a transcende, envolvendo a questão afetiva e as condições de
igualdade entre homens e mulheres. Entendemos, dessa forma, que esta ques-
tão, mais do que pedagógica, é política. E acreditamos, portanto, que a escola
e a educação podem e devem ter um papel político: o de contribuir na organi-
zação de uma nova ordem social, mais justa, mais igualitária e popular.
O indivíduo social busca, na educação, a garantia de sua identidade e a
sua manutenção cultural. No campo individual, almeja a (re)construção de sua
capacidade humana e de seu desenvolvimento intelectual e afetivo, buscando,
no cotidiano escolar, uma ação interdisciplinar, que divulgue a diversidade
cultural e humana, os diferentes saberes, sempre em uma perspectiva de se
relacionar com o outro, ou seja, com base no respeito e na valorização das
contribuições científicas de cada povo. Por isso, a educação requer mais do
que dar formação e informação sobre história e cultura da matriz africana, in-
dígena e outras, mas exige envolvimento dos administradores do sistema de
ensino, das(os) professoras(es), do alunado, das(os) coordenadoras(es) e
das(os) diretoras(es), com disposição compartilhada, como agentes de comba-
te às discriminações e ao racismo, desconstruindo a lógica do conhecimento
eurocentrista, machista e sexista, que oprime, oculta, inferioriza e infantiliza
os diferentes. Uma observação, no entanto, se faz necessária: evidentemente,
tais conhecimentos não devem ser desconsiderados, mas rechaçados e, tam-
bém, transformados pelos grupos inter-trabalhadoras(es), para que possam de-
sempenhar esse novo fazer pedagógico, no qual o legado da humanidade dos
diferentes grupos – mulheres, homens, negros, brancos, povos indígenas – seja
o fio condutor dos argumentos, das reflexões, dos projetos e das discussões
das(os) trabalhadoras(es) em educação, a fim de combater as discriminações
de raça, gênero e classe.
A educação é, também, um importante fator de referência para definir
quem sai e quem fica no mercado de trabalho. E os dados estatísticos anunci-
am o quanto os tempos atuais são desfavoráveis à massa trabalhadora, princi-
palmente negros e mulheres.
A educação como agente norteador de ações organizadas, institucionais
e científicas buscando um melhor desempenho do ser, nunca esteve tão em
evidência, estabelecendo-se um paradoxo entre a essência requerida para o
exercício e a conquista da cidadania e a dialética humana e do mundo, onde se
configuram os desejos e as necessidades de mulheres e homens.
No contexto real, onde o indivíduo histórico, social e político busca se
afirmar, a sociedade “hegemônica” diz: quanto menor a escolaridade, maior o
desemprego; e quanto maior o nível de estudo, o risco do desemprego é me-
nor. Em ambos os casos, ela remete a culpa pela perda ou pela falta de empre-
go à trabalhadora e ao trabalhador.
Será que as causas seriam só as apontadas até aqui ou a modernização
tecnológica diminui a necessidade de mão-de-obra, impõe a estagnação da e-
conomia interna e a ausência de políticas de investimento, acabando por redu-
zir drasticamente a contratação da massa trabalhadora? O sistema produtivo
sempre buscará artimanhas diferenciadas – racistas, machistas, regionalistas,
elitistas etc. – para selecionar a mão-de-obra, dividindo-a em qualificada, des-
qualificada, estável, precária, jovens, homens, mulheres, brancos e negros, fi-
cando evidente a exclusão da mão-de-obra negra do mercado. E tudo isso se
configura num projeto mais amplo, que reduz e elimina postos de trabalho.
É no campo da educação que se encontra o maior desafio do(a) traba-
lhador(a) em educação, do sindicalismo da área educacional e dos movimen-
tos sociais organizados: reconstruir uma nova realidade cultural com todas as
contribuições científicas das diferentes matrizes culturais e dos movimentos
sociais. É neste campo que movimentos sociais e trabalhadores em educação
anti-racismo vêm atuando, com o compromisso político de intensificar a dis-
cussão da luta de um novo fazer pedagógico, onde se estabeleça uma nova vi-
são pluri-étnica e popular.
Acreditamos em ações que garantam a todas as cidadãs e a todos os ci-
dadãos o direito de satisfazer suas necessidades de, continuamente, aprender e,
portanto, acompanhar e interferir na educação escolar, entendida como um
processo mais amplo e imprescindível à formação de homens e mulheres. Ca-
be aí nossa inserção negra no processo de construção da política educacional,
legitimando as particularidades culturais e fortalecendo iniciativas que des-
construam o modelo ocidental hegemônico que marginaliza as diferentes ma-
trizes, impossibilitando a interação entre o sujeito e o conhecimento.
Ação desigual, mas combinada, com os Padrões Curriculares Nacio-
nais (PCNs)

Com temas transversais, movimentos sociais e ações políticas podemos


reorganizar os currículos numa ótica pluriétnica, desconstruindo a legalização
de um único currículo.
No plano de educação formal ganha força a proposta dos temas transversais. Eles
não aparecem ao acaso, mas sim pelas exigências demandadas pelos movimentos sociais
(em particular pelos trabalhadores na educação). As iniciativas para desenvolver os temas
transversais e a diversidade cultural, que parecem ser a construção das bases para uma e-
ducação integral, ainda são insuficientes, mesmo porque a proposta está extremamente
verticalizada por parte do governo. Contudo, “de qualquer modo, podem ajudar a quebrar o
padrão monolítico e eurocêntrico da educação brasileira.” (Nogueira, [s.d.]).
Discutir currículos hoje significa implantar políticas públicas com o ob-
jetivo de pensar um novo fazer pedagógico, que transcenda o espaço da esco-
la, onde o modo de pensar e de agir seja modificado, onde se estabeleçam re-
lações democratizadas entre os diferentes saberes dos segmentos populacio-
nais que compõem o país, que não estão contemplados nos PCNs, pois o do-
cumento oficial, elaborado a partir de uma visão de mundo hegemônica e uni-
versalizante, não dá conta das nossas diferenças étnicas, de gênero e de classe.
Urge, além do mais, no contexto da transversalidade, a adequada for-
mação e informação dos(as) trabalhadores(as) em educação, no sentido de ree-
laborarem metodologias, trazendo para o campo do saber conteúdos de ensino
anti-racistas, antimachistas e anti-sexistas. Uma nova escola, que se pretenda
nova de fato, deverá ser capaz de propor metodologias educativas de combate
ao etnocentrismo, ao preconceito e ao racismo.
Este é o nosso desafio: trabalhar com as particularidades e as limitações
dos PCNs, pois elas podem desencadear oportunidades para importantes deba-
tes. Por essa razão, os PCNs devem ser desengavetados pela burocracia, di-
vulgados para os(as) trabalhadores(as) em educação, à comunidade escolar e
aos atores pedagógicos que estão no campo. Devem ser experimentados em
sala de aula, debatidos pelos sindicatos, pelos órgãos de classe, pelos movi-
mentos sociais, possibilitando a inclusão de diferentes segmentos na re-
construção de um novo fazer pedagógico verdadeiramente democrático, pluri-
étnico e multicultural – dentro e fora da escola brasileira.
Com nosso olhar crítico de trabalhadores em educação, juntamente com
os sindicalistas e os militantes dos movimentos populares, estamos nos unindo
na luta em torno do eixo educacional, não permitindo o rompimento do direito
a uma educação de qualidade, universal, gratuita, laica e popular; e garantindo
um espaço que pertence às crianças, aos jovens, aos adultos, aos pobres e aos
negros. Os dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE) revelam que 95% das crianças negras estão na escola pública. Assim,
cabe aos movimentos populares, aos sindicalistas e aos trabalhadores em edu-
cação sair em defesa da escola pública e exigir que todos que nela ingressem
permaneçam o tempo necessário.
Políticas públicas e ações sociais são necessárias no campo educacional
para se afirmar um novo fazer pedagógico, que garanta a construção de uma
escola democrática e popular, na qual dois princípios são fundamentais: a de-
mocratização dos conteúdos – onde se trabalhe uma pedagogia que valorize as
diferenças étnicas e de gênero, criando condições para novas relações entre as
diferentes classes – e grupos estruturados segundo princípios pluriétnicos e
multiculturais, que possam ser trabalhados de forma interdisciplinar pelos(as)
trabalhadores(as) em educação, o que implica, entre outras questões, no esta-
belecimento de políticas de formação permanente e em condições dignas de
trabalho e melhores salários.
O cenário futurístico de uma nova ordem mundial, com profundas
transformações e ampla destruição das forças produtivas, mostra-nos que há
grandes desafios para a esquerda, em seus diferentes setores: partidos, sindica-
tos, instituições e movimentos populares. O acirramento na luta pela incorpo-
ração do conhecimento científico e tecnológico – cada vez mais complexos –
ao saber do alunado das escolas públicas, em sua maioria pobre e negra, é uma
importante estratégia para que sua inserção no mercado seja justa e igualitária.
Não podemos nos esquecer que a complexidade da ciência mescla-se
com a vida. Ou, como dizia Gramsci, “toda a atividade prática é uma atividade
intelectual. Não existe o trabalho puramente físico. O trabalho, mesmo mecâ-
nico, exige um mínimo de atividade intelectual criadora. Esta trama da ciência
e do trabalho na indústria moderna cria a necessidade de uma escola que pos-
sibilite o acesso aos conteúdos democratizados às massas trabalhadoras”
(Gramsci, 1988).
Portanto, vamos à luta por uma escola cidadã, onde todos ingressem,
permaneçam e se apropriem dos conhecimentos necessários para o fortaleci-
mento de sua dignidade. Só assim teremos uma sociedade justa, democrática e
popular.

Referências Bibliográficas
SILVA, Maria José Lopes da. As idéias racistas, os negros e a educação. Florianópolis: Nú-
cleo de Estudos Negros, maio de 1997

GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Espaços para educação e relações interétnicas:


contribuição da produção científica e da prática docente, entre gaúchos, sobre negro e edu-
cação. In Escola cidadã no contexto da globalização. SILVA, Luiz Heronda. Petrópolis: Ed.
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NOGUEIRA, João Carlos. Trabalho, raça e desigualdades. Escola Sul- CUT. Florianópolis:
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GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Ed. Civili-


zação brasileira, 1988. 244p.

Parte II

Subsídios pedagógicos

Sugestões de Atividades

Aqui vocês encontram três propostas de atividades que po-


dem ser desenvolvidas utilizando o vídeo “Um brinde à i-
gualdade”. Essas sugestões podem ser adaptadas para o
desenvolvimento da mesma temática com outros públicos
(mães, pais, funcionários e comunidade em geral) e tam-
bém com outros vídeos similares (vide sugestões de vídeos
educativos neste caderno).

1ª Proposta:
Discussão em subgrupos a partir da exibição do vídeo

1. Exibição do vídeo.
2. Dividir a turma em grupos mistos, de 4 a 7 participantes (de acordo com a
quantidade de alunos presentes), solicitando que cada grupo eleja um relator e
discuta as seguintes questões:
2.1. Mulheres e homens são iguais?
2.2. O que é considerado pelo grupo como “serviço de mulher”? E “serviço
de homem”? Por quê?
2.3. Como o grupo define “machismo”?
2.4. O grupo considera a nossa sociedade “machista”? Por quê?
2.5. Listar alguns “sintomas de machismo” observados em nossa sociedade.
2.6. Pensem e discutam as mais variadas formas de violência contra a mulher
presentes em nossa sociedade e quais as suas causas.
2.7. Imaginem uma sociedade em que mulheres e homens são tratados de
forma justa e igualitária. Que diferenças poderiam ser percebidas no dia-a-dia, se
comparássemos tal sociedade com outra, na qual a mulher é considerada inferior
ao homem?
3. Apresentação, pelo relator, das idéias do grupo, seguida de discussão na ple-
nária que será coordenada pelo educador, responsável por fazer as pondera-
ções necessárias.

Observação: Pode ser proposta uma variação para dinamizar a atividade, solicitando, por
exemplo, que, ao término da discussão, cada grupo faça um pequeno esquete representando
uma situação de discriminação contra a mulher. Outras linguagens também podem ser utili-
zadas nessa representação, como, por exemplo a música, a mímica, a dança, etc.

2ª Proposta:
A representação de meninas e meninos sobre o masculino e o feminino

1. Dividir a turma em quatro grupos (dois de meninas e dois de meninos); cada


grupo deverá eleger um relator e receberá as seguintes instruções:
1.1. Grupo 1 (meninas): vocês deverão conversar e chegar a uma conclusão
sobre o que é ser menina. Tudo o que vocês acharem que caracteriza uma
menina deverá ser anotado, até que se esgotem as indicações.
1.2. Grupo 2 (meninas): vocês deverão conversar e chegar a uma conclusão
sobre o que é ser menino. Tudo o que vocês acharem que caracteriza um
menino deverá ser anotado, até que se esgotem as indicações.
1.3. Grupo 3 (meninos): vocês deverão conversar e chegar a uma conclusão
sobre o que é ser menina. Tudo o que vocês acharem que caracteriza uma
menina deverá ser anotado, até que se esgotem as indicações.
1.4. Grupo 4 (meninos) : vocês deverão conversar e chegar a uma conclusão
sobre o que é ser menino. Tudo o que vocês acharem que caracteriza um
menino deverá ser anotado, até que se esgotem as indicações.
2. Terminada essa primeira discussão, será solicitado, a cada grupo, que escolha dois par-
ticipantes: um para contornar o corpo da(o) amiga(o) num papel manilha (papel pardo
grande) e a(o) outra(o) para ter o seu corpo contornado. Aqueles grupos que falaram o
que é ser menina, deverão completar o desenho do contorno do corpo com sinais que
caracterizam uma menina; e aqueles que falaram o que é ser menino, deverão comple-
tar o desenho com sinais que caracterizam um menino.
3. O educador solicita que todos formem um só grupo. E que cada subgrupo apresente o
resultado de suas discussões, procurando relacionar as características físicas apontadas
nos desenhos e as características elencadas anteriormente que definam, para os grupos,
o que é ser menina e o que é ser menino.
4. A partir das colocações, o educador desencadeará, com o grupão, a discussão, proble-
matizando as questões de gênero, buscando desvincular as diferenças biológicas (ma-
cho e fêmea) das diferenças produzidas socialmente na construção das identidades fe-
minina e masculina.
5. Exibição do vídeo.
- A partir do vídeo, aprofundar a discussão da construção social das identidades de gê-
nero, atentando para como as desigualdades se expressam no dia-a-dia: na divisão sexu-
al do trabalho; nas diferenças salariais entre mulheres e homens, para mesmas funções;
na pequena participação de mulheres em cargos de comando; nas diferentes formas de
violência contra a mulher (discriminação, preconceito, violência psicológica, violência
física, violência sexual); etc.

3ª Proposta: Discussão das questões que aparecem no vídeo, a partir de uma situação-
problema
1. Exibição do vídeo.
2. Apresentar ao grupo a seguinte situação-problema: “Cristina, 11 a-
nos, mora com o pai, a mãe, dois irmãos mais velhos (Mauro, com
17 anos, e João, com 15 anos) e um irmão mais novo (Carlinhos, 5
anos). Seu pai trabalha em uma tinturaria e sua mãe em uma loja, fi-
cando fora de casa praticamente o dia todo. Mauro e João (os irmãos
mais velhos) estudam à noite, pois pretendem trabalhar durante o di-
a. Cristina estuda no período da tarde. Antes de ir à escola tem como
tarefas arrumar a casa, cozinhar, lavar a louça e levar seu irmão me-
nor para a EMEI. Seus irmãos, embora estejam em casa durante todo
o dia, não realizam nenhuma das atividades domésticas. Cristina vem
percebendo que essa divisão de tarefas é injusta e a sobrecarrega;
sente-se cansada e com dificuldades para estudar, sem tempo para
brincar ou conversar com seus colegas. Pediu que seus irmãos tam-
bém colaborassem nas atividades domésticas. Os irmãos disseram
que aquele trabalho não era para eles, pois aquilo era coisa de mu-
lher, ‘o que a vizinhança iria pensar deles se os vissem varrendo a
casa, por exemplo’. Revoltada com a situação, Cristina levou o pro-
blema aos pais.”
3. Dividir a turma em grupos mistos, de 4 a 7 participantes (de acordo
com a quantidade de alunos presentes), solicitando que cada grupo
eleja um relator e discuta as seguintes questões:
3.1. Mulheres e homens são iguais?
3.2. O que é considerado pelo grupo como “serviço de mulher”? E “ser-
viço de homem”? Por quê?
3.3. Vocês consideram justa a forma como é realizada a divisão de tare-
fas na casa de Cristina? Por quê?
3.4. Se vocês fossem os pais de Cristina, como resolveriam a questão? O
grupo considera a nossa sociedade “machista”? Por quê?
3.5. Como o grupo define “machismo”?
3.6. Listar alguns “sintomas de machismo” observados em nossa socie-
dade.
3.7. Pensem e discutam as mais variadas formas de violência contra a
mulher presentes em nossa sociedade e quais as suas causas.
3.8. Imaginem uma sociedade na qual mulheres e homens são tratados
de forma justa e igualitária. Que diferenças podem ser percebidas no dia-
a-dia dessa sociedade, quando a comparamos com outra, onde a mulher
é considerada inferior ao homem?
4. Apresentação, pelo relator, das idéias do grupo e discussão na plenária coor-
denada pelo educador, que deverá fazer as ponderações necessárias.

Gênero como tema transversal, permeando diversas disciplinas

As questões de gênero podem ser aprofundadas e ampliadas, desde que trabalhadas


de maneiras interdisciplinar e transdisciplinar, a partir de um projeto que envolva a escola
como um todo. A seguir, alguns exemplos de como poderia ser abordada a questão em al-
gumas disciplinas:

História

- O papel da mulher nas diversas culturas e sociedades, através dos tempos (estudo com-
parativo). Salientado que os papéis masculino e feminino são construídos socialmente e,
portanto, podem ser modificados.
- Mulheres que estiveram à frente do seu tempo. Um bom exemplo é Olympe de Gouges,
que, em plena Revolução Francesa, escreveu a Declaração Universal dos Direitos da
Mulher e da Cidadã, diante da exclusão das mulheres a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão. Alguns sites para pesquisa sobre o tema:

Mulheres vão à luta


http://www.educacional.com.br/reportagens/mulheres/primeiras01.asp

Presença da mulher
http://www.ubmulheres.org.br/telas/revista/com_paris_mlh_rev.asp
Dia Internacional da Mulher
http://www.usp.br/espacoaberto/arquivo/2001/espaco06mar/editorias/varieda
des.htm

Geografia

- A mulher nos diversos espaços; o trabalho da mulher (participação na PEA, remunera-


ção, escolarização, etc.). Mulheres chefes de família. Desigualdades Regionais. Estudar
o fenômeno que é considerado “feminização da pobreza”.

Língua Portuguesa

- As representações de mulher e de homem presentes na nossa língua (como uma das


representações simbólicas da nossa sociedade). Um bom exemplo de como se dão as re-
lações de gênero na nossa sociedade são as definições de mulher e de homem encontra-
das no Dicionário Aurélio (um dos mais conhecidos no Brasil), onde, para a mulher,
cabem adjetivações negativas, diferentemente do que ocorre quanto às definições de
homem.
- A produção literária de mulheres. A professora Nelly Novaes Coelho, por exemplo,
escreveu um Dicionário Crítico das Escritoras Brasileiras (Editora Escrituras), no qual
faz um registro histórico-literário da trajetória de mais de 1.400 escritoras em três sécu-
los de literatura brasileira.
- Produção de textos, poesias, fanzines etc., dentro da mesma temática.

Artes

- Estudo, leitura e análise de obras de arte (artes plásticas, música, poesia, teatro, dança,
etc.) sob a perspectiva de como a mulher aparece nessas obras.
- Estudo da vida e da obra de mulheres artistas (Tarsila do Amaral, Cecília Meireles, Ani-
ta Malfati, Chiquinha Gonzaga, Tomie Otake, Lina Bo Bardi, Cora Coralina etc.).
- Produção de músicas, pinturas, desenhos, gravuras, peças teatrais, tendo como temática
a igualdade entre mulheres e homens.

Educação Física

- Trabalhar numa perspectiva de integração entre meninas e meninos em jogos e brinca-


deiras, organizando turmas mistas nas diversas modalidades.
- Promover jogos cooperativos, com o objetivo de superar a competitividade e estimulan-
do a cooperação entre meninas e meninos.
- Estimular a prática desportiva e o desenvolvimento físico-motor e a ampla utilização
dos espaços, para ambos os sexos.

Ciências Naturais
- Salientar o papel de mulheres na Ciência, trazendo à luz nomes de mulheres cientistas.
Como, por exemplo, para termos uma referência mais remota, Hypatia de Alexandria,
que viveu entre os anos 370 e 415 d.C. e que foi uma grande filósofa, matemática e ci-
entista, a quem é atribuída a invenção do astrolábio (que revolucionou as técnicas de
navegação). Também podemos lembrar de Maria, a Judia, importante alquimista, citada
entre os alquimistas Nicolas Flamel e Paracelso. Maria viveu entre os séculos I e II, fa-
zendo grandes descobertas que foram utilizadas na Química moderna, sendo também
inventora de instrumentos de laboratório e do famoso método de aquecer em banho-
maria.
- Sobre Maria, a Judia, pode-se obter mais informações/ referências nos sites:

Moderna on-line
http://www.moderna.com.br/quimica/quimica_am/qantiga/0004

Mujeres y alquimia
http://www.levity.com/alchemy/miriam.html

- A respeito de Hypatia de Alexandria, pesquisar nos sites:

Vocabulário de Filosofia
http://www.terravista.pt/ancora/2254/lexh.htm

Vida e obra de Hypatia


http://planeta.terra.com.br/educacao/calculu/Historia/hypatia.htm

Matemática

- Pesquisa com familiares, levantando o número de horas trabalhadas semanalmen-


te, por homens e mulheres, considerando o trabalho remunerado e o trabalho doméstico.
Tabulação dos dados gerais da turma e construção de um gráfico demonstrativo-
comparativo com o número de horas trabalhadas por homens e mulheres em uma semana,
um mês, um ano etc. (Ver detalhamento a seguir, nas Sugestões de desdobramentos da ati-
vidade, e, também a atividade relacionada ao verbete divisão sexual do trabalho, no cader-
no Nem mais, nem menos: iguais, para alunas e alunos)
Sugestões de desdobramentos das atividades

1. Pesquisa∗

1.1. Levantamento, com as alunas e os alunos, através de pesquisa com pessoas que moram com elas
(es), das seguintes questões: “Na sua casa quem (mãe, pai, avô, avó, tia, tio, irmão, irmã, você)
realiza as seguintes atividades ?”

- Anotar, por pessoa, o número de horas semanais utilizadas para cada atividade, separando mulheres
e homens:

Horas semanais utilizadas


Atividades
Total de Total de
Por Mulheres Por Homens Total
horas /M horas /H
Trabalho remunerado
Cozinhar


Esta atividade está presente no caderno “Nem mais, nem menos: iguais”.
Lavar louça / limpar cozi-
nha
Arrumar as camas
Limpar a casa
Limpar banheiro
Lavar roupa
Compras (mercado açou-
gue, feira, etc.)
Levar/ buscar crianças na
escola creche
Arrumar a casa
Cuidar de crianças
Cuidar de animais domés-
ticos
Total

1.2. Tabular as informações de todo o grupo, calculando a quantidade de horas semanais (somatório)
empregada por mulheres e por homens (separadamente).
- Pode-se propor exercícios matemáticos, calculando qual o número de horas a serem empre-
gadas em um mês, um ano e assim por diante.
- Outra possibilidade é calcular a média de horas semanais empregadas por mulheres, compa-
rando-as às empregadas pelos homens.
- Também é possível fazer o exercício de elaboração de um gráfico que ilustre as informações
obtidas.

1.3. Discutir com o grupo se a distribuição é eqüitativa e justa. Por que ela é realizada dessa forma?
Pode ser diferente? (O educador deverá mediar a discussão, ponderando quanto à construção
social dos papéis feminino e masculino que, por serem construídos socialmente, podem ser
modificados, buscando a “desnaturalização” dos mesmos). E se todos os moradores comparti-
lhassem, de forma igualitária, a realização dos trabalhos domésticos?
2. Análise de ditados populares e frases:

2.1. Dar alguns exemplos de ditados populares e/ou frases que expressem preconceito de gênero. Por
exemplo: "Mulher no volante, perigo constante!"; " O homem pode não saber porque está batendo,
mas a mulher sabe porque está apanhando"; "Ela é inteligente, apesar de ser mulher...".

2.2. Solicitar que as alunas e os alunos analisem e comentem, fazendo as ponderações necessárias.

2.3. Solicitar que cada um liste (individualmente) situações vivenciadas na semana anterior, em que
houve discriminação ou preconceito contra as mulheres.

2.4. Divisão em subgrupos para partilhar situações e construir uma lista comum, contendo as ações
consideradas mais significativas.

2.5. Apresentação das listas de cada subgrupo e realização de uma plenária, a fim de discutir as
situações apresentadas, relacionando-as com as relações de gênero presentes em nossa sociedade e
apontando para possibilidades de modificação dessas relações, na perspectiva de se construir uma
sociedade democrática, justa e igualitária para mulheres e homens.
3. Construção do mural de igualdade entre mulheres e homens

3.1. Propor a construção de um mural com notícias de jornais, revistas diversos e outros materiais em
que apareçam os avanços nas relações de gênero. Exemplos: “Homens estão mais participativos no
cuidado com seus filhos”; "As tarefas domésticas também são vistas como responsabilidade
masculina”; “Mulheres conquistam espaços profissionais que até pouco tempo atrás eram
considerados exclusivamente masculinos”; “Aumenta a participação política das mulheres”.

Sugestões bibliográficas

AQUINO, Júlio Groppa. Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas.


São Paulo: ed. Sumus, 1998.
BEISIEGEL, C.R. Educaçaõ e valores democráticos (relações de gênero e etnia nos livros
didáticos). São Paulo: Fundo Nacional Cultural/ FEUSP, mimeo, s.d, 2001.
BOCCHINI, Maria Otília. Relações de gênero nos livros didáticos. Folha Feminista, nº 27,
setembro de 2001.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas
transversais. Brasília: MEC, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura/INEP. EFA 2000: educação para todos (avalia-
ção do ano 2000). Brasília: Informe nacional, 2000.
BRUSCHINI, Cristina. Trabalho doméstico, um trabalho invisível. Mulheres em Dados, nº 8,
Fundação SEADE, outubro 1997.
CARVALHO, Marília Pinto. Gênero e política educacional em tempos de incerteza. In HYPO-
LITO, Álvaro & GARDIN, Luiz A. (orgs). Educação em tempos de incertezas. Belo Horizon-
te: Editora Autêntica, 2000.
CARVALHO, Marília Pinto. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e
meninas. Revista de Estudos Feministas, CFH/CCE/UFSC , vol. 9, nº 02, 2001.
CARVALHO, Marília Pinto. Mestra sim, tia também: professoras de 1º grau na periferia de
São Paulo. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamen-
to de História da PUC-SP. São Paulo: 1994.
CARVALHO, Marília Pinto & Di Pierro, M.C. A escola brasileira e as desigualdades de Gê-
nero. Cadernos do Observatório (O Observatório Educação), nº 2, outubro 2000.
CAVALERO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar. Editora Contexto, 2000.
ESCANFELLA E COLABORADORES. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: PUC-SP, mi-
meo, 2001.
FARIA, Nalu & NOBRE, Miriam. Gênero e Desigualdade. São Paulo: SOF, Coleção Cader-
nos Sempre Viva, 1997.
FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam; AUAD, Daniela & CARVALHO, Marília (Orgs). Gênero e E-
ducação. Cadernos Sempre Viva. São Paulo: SOF, 1999.
FUNDAÇÃO SEADE. A busca pela eqüidade social. In Mulher e Trabalho, nº 3, março,
2001.
FUNDAÇÃO SEADE. Inserção das Mulheres Negras no Mercado de Trabalho da Região
Metropolitana de São Paulo. In Mulher e Trabalho nº 4 , junho, 2001.
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da USP, vol. 1, nº 2, 2o semestre, 1989.
LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Ed.
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LOURO, Guacira Lopes. Segredos e mentiras do currículo. Sexualidade e Gênero nas práti-
cas escolares. In A Escola Cidadã no Contexto da Globalização. Petrópolis: Ed. Vozes,
2000.
MADEIRA, Felicia Reicher (org). Quem mandou nascer mulher? UNICEF/Rosa dos Tem-
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MEYER, Dagmar E. Estermann. Escola, currículo e produção de diferenças e desigualdades
de gênero. In Gênero, memória e docência. Porto Alegre: Cadernos temáticos da Secretaria
Municipal de Educação, 2001.
MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Editora da Uni-
camp, 1999.
NÚCLEO DE ESTUDOS DA MULHER E RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO. Ensino e Educação
com Igualdade de Gênero na Infância e na Adolescência - guia prático para educadores e
educadoras. São Paulo: NEMGE/CECAE/USP, 1996.
NEGRÃO, Esmeralda & AMADO, Tina. A imagem da mulher no livro didático. São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, tectos, n°2, 1989.
ROSEMBERG, Fúlvia. A escola e as diferenças sexuais. Cadernos de Pesquisa nº 15, dezem-
bro de 1975.
ROSEMBERG, Fúlvia. Expansão da educação infantil e processos de exclusão. Cadernos de
Pesquisa nº 107, julho de 1999.
ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990. In Des-
dobramentos do feminismo, Cadernos Pagu n°16. Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, Uni-
camp, 2001.
ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura Infantil e Ideologia. São Paulo: Ed. Global, 1985.
ROSETTI, Josefina. La practica pedagógica discrimina a las mujeres. Efectos sobre la vida
adulta. In Educación y Género – Uma propuesta pedagógica. Santiago, Chile: Ediciones La
Morada/Ministério de Educación, 1994.
SAFFIOTI, Heleieth I.B. O Poder do Macho. São Paulo: Ed. Moderna, 1987.
SAFFIOTI, Heleieth I.B. Posfácio: Conceituando Gênero. In SAFFIOTI, Heleieth I.B. e
MUÑOS-VARGAS, Mônica (orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Ed. Rosa dos
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SILVA, Carmen Duarte. Meninas bem comportadas, boas alunas; meninos inteligentes, in-
disciplinados. Cadernos de Pesquisa, nº 107, julho de 1999.
SILVEIRA, Maria Lúcia da e SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Duas mil razões. Marcha Mundi-
al retoma debate sobre discriminação e violência contra as mulheres. Revista Educação, nº
234, ano 27, outubro de 2000.
STROMQUIST, Nelly. La búsqueda del empoderamiento: em qué puede contribuir el campo
de la educación. In LEÓN, Magdalena (compiladora). Poder y empoderamiento de las
mujeres. Colômbia: TM Editores, Facultad de Ciencias Humanas, 2000.
TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é Violência contra a Mulher. São Paulo: Ed. Bra-
siliense, Coleção Primeiros Passos, 2002.
UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO. Conheça seus Direitos: Violência Doméstica e Sexu-
al. São Paulo, 1995.
VENTURI, Gustavo & RECAMÁN, Marisol. Afinal, o que querem as mulheres?. Fundação
Perseu Abramo, Revista Teoria e Debate, ano 15, nº 50, fev/março/abril de 2002.
VIANNA, Cláudia. Sexo e Gênero: masculinos e femininos na qualidade da educação esco-
lar. In AQUINO, Júlio Groppa. Sexualidade na escola. São Paulo: ed. Sumus, 1997.
ZENTI, Luciana. Coisa de menino. Coisa de menina. Será? Revista Nova Escola, ano XVII,
número 152, maio de 2002.

Sugestões de vídeos educativos

1. Acorda Raimundo... acorda

IBASE Vídeo e ISER Vídeo. 15 min. Com Eliane Giardini e Paulo Betti.

E se as mulheres saíssem para o trabalho, enquanto os homens cuidassem dos afazeres do-
mésticos? Essa é a história de Marta e Raimundo, uma família operária, seus conflitos fami-
liares e o machismo, vividos num mundo onde tudo acontece ao contrário.
Onde encontrar: Coordenadoria Especial da Mulher (fone: 3315 9077 – ramais:
2290//2272), SOF - Sempreviva Organização Feminista (fone: 38193876), Casa Eliane de
Grammont (fones: 55490335//55499339). Está disponível para venda no Iser (fones:
0xx21-2664451 // 2862551).

2. Gênero, Mentiras e Videotape

Mostra de maneira leve e descontraída como meninos e meninas são educados para desen-
volver papéis socialmente determinados.

Onde encontrar: Coordenadoria Especial da Mulher (fone: 3315 9077 – ramais:


2290//2272), Casa Eliane de Grammont (fones: 55490335//55499339), SOF-Sempreviva
Organização Feminista (fone: 38193876).

3.Uma vezinha só

Ecos. 13 min.

Vídeo para adolescentes, aborda as relações de gênero e a sexualidade entre eles. Após uma
única relação sexual em que não adotaram métodos contraceptivos pela clássica crença de
que ‘uma vez não engravida’, a adolescente fica grávida. O adolescente então a culpa, diz
que é contra o aborto mas exige que ela o faça e nega-se a ficar com ela. Com medo de que
a família descubra e não tenha assistência, decide abortar e, aconselhada por uma amiga,
toma um remédio que lhe provoca uma séria hemorragia. No hospital, recebe tratamento e
orientação para contracepção e para evitar DSTs, assim como o garoto, que é chamado pelo
médico para receber orientação. Contém importantes informações sobre contracepção e
gravidez e aborda as relações de gênero envolvidas na questão.

Onde encontrar: ECOS (fone: 3255-1238) e Coordenadoria Especial da Mulher (fones:


3315 9077 – ramais: 2290//2272).

4. Sexo sem vergonha

Ecos. 20min.

Vídeo para o professor, trata das dificuldades deste lidar com o tema da sexualidade com os
adolescentes e jovens, sugerindo formas de abordá-lo nas diferentes áreas do conhecimento,
como Matemática, História, Educação Física. Discute a necessidade do professor buscar
informações sobre o tema, refletir sobre este, enfrentar as tentativas dos alunos de testarem
sua capacidade, fazerem brincadeiras, provocarem constrangimentos etc. Busca formas
alternativas de envolver os alunos nas atividades propostas, lidar com temas cruciais como
relações de gênero, homossexualidade, e construir uma opção da instituição escola em dis-
cutir as questões relativas à sexualidade com os alunos.
Onde encontrar: ECOS (fone: 3255-1238) e Coordenadoria Especial da Mulher (fone: 3315
9077 – ramais: 2290//2272).

Prefeitura do Município de São Paulo


Prefeita: Marta Suplicy

Secretaria Do Governo Municipal


Secretário: Rui Falcão

Coordenadoria Especial da Mulher


Coordenadora: Tatau Godinho

Secretaria Municipal de Educação


Secretária: Eny Marisa Maia

Projeto Vida
Coordenadora: Dirce Gomes

Redação
Vincenzina T. S. Basile
Beatriz Tonglet de Vasconcelos (estagiária)

Projeto Editorial
Vincenzina T. S. Basile

Edição
Rodrigo Gurgel

Editoração

Colaboração
Maria Lúcia da Silveira
Maria Luiza da Costa
Mário Rudolf
Rosa Silvia Lopes Chaves
Daniela Auad

Estagiárias
Ana Paula Lopes do Prado
Ananda Carvalho
Andréa Cristina J. Delaplace
Elisa Machado Camarote

Agradecimentos
Cláudia Vianna
Heleieth I. B. Saffioti
Marilândia Frazão
Miriam Nobre
Nalu Faria
Editora Record
Unicef
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Social (NIPAS)

Endereço eletrônico
coordenadoriadamulher@prefeitura.sp.gov.br

Homepage
www.prefeitura.sp.gov.br/coordenadoriadamulher

Dezembro de 2002
- Agradecemos à Martha Tathy Alves de Oliveira pela orientação e valiosa contribuição nas discussões.
1
No final dos anos 60, “o conceito de gênero foi trabalhado inicialmente pela antropologia e pela psicanálise,
situando a construção das relações de gênero na definição das identidades feminina e masculina, como base
para a existência de papéis sociais distintos e hierárquicos (desiguais)”. Cf. FARIA, Nalu e NOBRE, Míriam.
Gênero e Desigualdade. São Paulo: Cadernos Sempreviva, 1997.
2
Mesmo com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, as atividades ligadas aos cui-
dados com a família ainda são vistas como atividades essencialmente femininas.
3
Entendemos como divisão sexual do trabalho a segmentação realizada pela sociedade, atribuindo a mulheres
e homens atividades específicas e, muitas delas, exclusivas de cada gênero. Dessa forma, tudo o que está
relacionado à esfera do privado e da reprodução (cuidados com a casa e com a família) é considerado como
trabalho feminino. Em contrapartida, a visão do homem como provedor, ligando-o à esfera da produção e do
público, o afasta da responsabilidade social para com o trabalho doméstico.
4
FUNDAÇÃO SEADE 2000. Dados relativos à Região Metropolitana de São Paulo. Mulher e Trabalho, n.º 4,
junho de 2001.
5
Comissão Especial de Defesa de Direitos da Mulher da Assembléia Legislativa da Bahia e CFEMEA.
6
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Pesquisa Nacional – 2001, realizada pelo Núcleo de Opinião Pública.
7
PORTELLA, Ana Paula. Apresentação realizada no I Congresso IMIP (Instituto Materno-Infantil de Per-
nambuco) de Saúde da Mulher e da Criança, Recife, 12 a 15 de julho de 2000. Jornal da Rede Saúde, nº 22,
novembro de 2000.
8
FUNDAÇÃO SEADE 2000. Op. cit.
9
FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam. Gênero e desigualdade. Cadernos Sempreviva, [s. n.], 1997.
10
O Artigo 5o., parágrafo 1, da Constituição diz: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”.
11
SILVEIRA, Maria Lúcia da e Silveira, Sérgio Amadeu da. “Duas mil razões: Marcha Mundial retoma debate
sobre discriminação e violência contra as mulheres”. Revista Educação, ano 27, nº 234, outubro, 2000. Ver
também:
CARVALHO, Marília Pinto de. No coração da sala de aula: gênero e trabalho docente nas séries iniciais. São
Paulo: Xamã/Fapesp, 1999.
CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero e política educacional em tempos de incerteza. In: HYPOLITO, A. &
GANDIN, L. (orgs.). Educação em tempos de incertezas. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
12
Conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em sua Relação Anual de Informações
Sociais (Rais), e da Fundação Seade. Dezembro de 1999.
13
ROSENBERG, Fúlvia. “Políticas Educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990”. In Desdobramentos do
feminismo. Cadernos Pagu, nº 16, Núcleo de Estudos de Gênero PAGU, Unicamp, 2001.
14
NICOLETTI, André. “Por que ainda há cursos ‘masculinos’ e ‘femininos’?”. FOVEST - caderno vestibular,
Folha de São Paulo, 11/04/2002, p. 8.
15
SILVEIRA, Maria Lúcia da e Silveira, Sérgio Amadeu da. Op. cit.
Ver também:
BOCCHINI, Maria Otília. Relações de gênero em livros didáticos. Folha Feminista, SOF, nº 27, setembr, 2001.
16
ROSEMBERG, Fúlvia & Pinto, Regina Pahim. A Educação da Mulher (Década da Mulher). Editora Nobel e
Conselho Estadual da Condição Feminina, 1985, SP, pg. 136-138.
17
Psicopedagoga. Membro da Coordenação do Coletivo Anti-racismo da A-
PEOESP e membro da CAED (Comissão de Assuntos Educacionais) do Parti-
do dos Trabalhadores.

13.258 caracteres (com espaços e incluindo notas de rodapé)

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