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Marcia Regina de Oliveira Lupion. Doutoranda em História, Cultura e Política com ênfase em História,
Cultura e Narrativas. Trabalhos desenvolvidos nas áreas de História Oral, História das Sensibilidades e
História das Religiões e religiosidade, Micro-história e História Regional e de Cidades. Atuações na Rede
pública de ensino fundamental, médio e superior e faculdades privadas.
Submetido à corrente historiográfica que tem na cultura seu campo de
investigação, discute-se os túmulos como espaços de Topofilia e transcendência
presentes nas manifestações ocorridas nesses locais. Ou seja, um local que se tornou
objeto de afeto entre a pessoa e lugar e, portanto, um espaço de transcendência onde se
acredita que possa ocorrer a comunicação com os inumados.
A discussão parte da percepção acerca das sensibilidades apresentadas pelos
visitantes do túmulo de Bernardo Cnudde, padre conhecido por promover curas e
exorcismos na cidade de Maringá, no Paraná, e como estes operam sua relação no pós-
morte com aquele que foi seu conhecido e com o qual puderam contar em momentos de
alegria e de aflição. O trabalho de campo realizado nas dependências do cemitério
municipal foi essencial para observação das formas de agir dos visitantes que,
posteriormente, foram analisadas segundo pressupostos antropológicos e históricos
acerca dos gestuais humanos e suas simbologias.
O elo representado pelo túmulo foi verificado quando em trabalho de campo
realizado junto ao jazigo do padre, observou-se a forma como os vivos se manifestavam
diante da sepultura. Uma vez junto ao túmulo, o que se viu foram pessoas adultas, sós ou
em coletividade, na faixa etária dos cinquenta anos ou mais, em posturas gestuais de
contrição como as mãos sobre o peito, a cabeça baixa e até ajoelhadas.
Figura 1: O toque.
O toque das mãos na foto que orna a sepultura e no próprio coração acompanhado
de orações silenciosas é uma das manifestações que se repete à exaustão entre os
visitantes. Somam-se a esse gestual, orações e um número expressivo de objetos que
são colocados sobre o túmulo e na lápide, configurando-se numa cultura material religiosa
investida de léxico cuja compreensão é comum entre visitantes e defunto.
Outra manifestação que ocorre frequentemente são orações realizadas pelo grupo
carismático adotado pelo padre quando este ainda era pároco de uma das igrejas
católicas de Maringá. Desde sua morte em 20 de novembro do ano 2000, o grupo
costuma realizar, nessa data, orações junto ao jazigo homenageando o padre, dois outros
casais e um segundo pároco, todos pertencentes à comunidade.
No dia de finados esse mesmo grupo é responsável pela liturgia da missa que
acontece nas dependências cemiteriais, quando relíquias, ou seja, objetos pertencentes
aos falecidos são levados para o altar durante a apresentação dos dons, um dos
momentos da homília das celebrações católicas. Nessa ocasião, é conduzida até o altar
uma estola pertencente ao monsenhor e, por vezes, pessoas que acreditam ter recebido
milagres de cura de suas mãos são as responsáveis pelo translado do objeto.
Além desses três momentos de intensa demonstração pública de afetos, foi
possível observar em dias não comemorativos a presença de pessoas em oração junto ao
túmulo. Indagadas sobre os motivos da visita, a maioria admite estar em busca de algum
tipo de graça ou estar agradecendo por perdidos concedidos pelo padre. É comum se
referirem a ele como “um homem muito bom”, “alguém que sabia ouvir” e “que não fazia
distinção entre as pessoas”. Muitos gostam de lembrar sua escolha em ser enterrado no
cemitério municipal para poder “estar junto ao seu bom e amado povo”, frase que,
segundo muitos, o padre costumava repetir com frequência.
Não foram apenas as manifestações ocorridas junto ao túmulo do padre que
instigaram a pesquisa, e sim, sua própria biografia marcada pelo atendimento massivo e
pelos relatos de cura exaustivamente citados mesmo quando ele ainda estava vivo. A
partir dessa pesquisa de maior vulto é que seu túmulo passou a ser investigado
considerando as manifestações dispensadas e um possível caráter de transcendência.
Condição esta que, somada às emoções presentes nessas ocasiões, permitiu refletir
acerca do sentido topofílico dos túmulos quando as afetividades se tornam visíveis, quer
seja pelos presentes deixados no local, quer seja pelos olhares saudosos ou pelos relatos
informais daqueles que conviveram com o padre.
O Padre Bernardo
Esse pedido foi problematizado inferindo-se que o padre buscou uma forma de
escapar do controle da instituição a qual pertencia e ainda facilitar o acesso daqueles que
o conheciam ao seu túmulo, pois ao longo da pesquisa observou-se que o padre sabia
qual seu papel junto à comunidade local e internacional e procurou uma forma de manter
esse contato. Ressalta-se, porém, que o cemitério do Centro de Espiritualidades é aberto
ao público em geral, mas desconhecido da grande maioria da população maringaense,
sendo este outro elemento que pode ter contribuído para o pedido do monsenhor.
É fato, porém, que os relatos de cura e recepção de graças por meio de suas mãos
e orações parecem ser inesgotáveis. Em conversas informais ocorridas junto ao túmulo, a
maior parte dos visitantes afirma conhecer alguém ou ter recebido uma graça ou uma
cura pelas mãos do monsenhor. Artigos por vezes ocupando meia página de jornais locais
registram o fato que podia ocorrer tanto durante celebrações eucarísticas quanto em
horários agendados na secretaria da paróquia ou nas próprias residências daqueles que o
procuravam. Afinal, segundo os memorialistas, o monsenhor não fazia distinção quer seja
de pessoas, credos, horários ou locais para seus atendimentos.
REFERÊNCIAS
FONTES
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