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DA LIBERDADE
DE EXPRESSÃO
Investigação sobre uma liberdade ameaçada
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Índice
A liberdade impossível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
O Criador (conflito) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
O circo da mídia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
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O adeus de um homem branco cisgênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Fraqueza da virtude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
De #Metoo a #AllVictims . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Acusado, cala-te! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Açaimando o incorreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
A coragem da nuance . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Os fortes e os fracos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
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INTRODUÇÃO -
Uma liberdade que nunca existiu
Os ataques de Charlie Hebdo em 2015 foram sem dúvida o catalisador de
uma pergunta agora incómoda: podemos dizer tudo em nome da liberdade
de expressão? Estes desenhos animados não atravessaram a linha verme-
lha? Desde então, o debate sobre esta questão tem continuado a ganhar
terreno. Se houve um tempo em que ainda era possível, como Mark Twain
escreveu, «descampar para o Ocidente» para escapar a uma certa ortodo-
xia, são agora as próprias democracias ocidentais que estão sob um desafio
a um dos seus princípios fundadores.
Não, você não leu mal. O que é tomado como certo, isto é, a liberdade de
expressão, traz em si a semente essencial de um questionamento perpétuo.
Nunca há nada de definitivo nas conquistas, e o erro, em minha opinião, está
na certeza de que a liberdade de expressão deve necessariamente triunfar.
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todo ser humano. Você realmente acha que o caçador-colector do período
Paleolítico se perguntava o que lhe era permitido dizer ou não? A liberdade
de expressão não era um direito nem um valor. Era portanto necessário
que os seres humanos se domesticassem e se organizassem numa socieda-
de real para que o problema da liberdade de expressão surgisse. Em outras
palavras, a liberdade de expressão requer códigos, requer um certo savoir-
-vivre e mesmo um certo know-how, e impõe tolerância e responsabili-
dade. Em suma, a liberdade de expressão deve ser aprendida, domada e
mantida uma e outra vez, porque é mais do que natural, é sobretudo um
facto da sociedade que tivemos de conquistar e que é precisamente nossa
responsabilidade perpetuar.
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Liberdade paradoxal, disse eu. A prova disso é que todos exigem poder ex-
pressar livremente a sua opinião, mas ao fazê-lo, todos assumem também
o direito de se oporem a qualquer forma de ofensa. É porque somos livres
de dizer qualquer coisa que somos, como resultado, responsáveis pelo que
dizemos. Até agora, este é um preceito que eu não refuto. Sim, excepto isso.
Enquanto os ocidentais afirmam a sua liberdade de expressão, estão simul-
taneamente a ajudar a pô-la em causa, correndo o risco de esvaziá-la da
sua substância e, por conseguinte, de aniquilá-la. É como se um confronto
frontal entre a sede de liberdade, por um lado, e a postura de vítima firme-
mente ancorada no neomoralismo, por outro, fosse inescapável.
Nada é mais intrigante para mim, um russo, do que a frieza com que a
liberdade de expressão é supostamente santificada hoje em dia. Quando eu
ainda vivia na URSS, a liberdade de expressão era, por turnos, impossível
e invejável. A União Soviética dos anos 70 e 80 ainda se agarrava aos seus
velhos costumes e não hesitava em ostracizar os «desviados». Ideias discor-
dantes nunca podiam sair dos confins da sala dos fundos e só podiam levar
a revoluções de poltrona. Pior ainda, a uniformização de mentalidades e
ideias tinha reforçado a auto-censura devastadora dos russos, aniquilando
a própria ideia de liberdade até às profundezas da sua consciência. Evi-
dência anedótica, mas não menos reveladora: meus pais nunca puderam
entender que eu queria ‘fazer negócios’, já que eu estava escolhendo não me
encaixar no molde da moralidade já feita.
Para os países ocidentais, a era pós Segunda Guerra Mundial foi o ponto de
viragem. O colapso das hierarquias sociais que prevaleceram até então foi
logo para dar lugar à emergência de uma classe média, uma padronização
das condições de vida, e com elas uma convergência de novas lutas. Este foi
o desafio da «sociedade aberta» de Karl Popper, ou seja, uma sociedade que
defendia a liberdade contra ideias totalitárias e ideais sociais. Um modelo
de sociedade que pretende fazer uma tabula rasa e virar a página sobre as
atrocidades do século XX de uma vez por todas. Mas defender uma socie-
dade livre significa acima de tudo defender a livre expressão de opiniões e
convicções, um princípio democrático por excelência. Em resumo, a fala
deve agora ser tanto libertadora como libertadora. E as redes sociais, em
breve, serão o adjuvante disto. Devemos, portanto, estar tranquilos, pois o
seu nome foi santificado e o seu reinado chegou.
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É claro que poderíamos ter ficado encantados com esta libertação da fala,
se ela não se tivesse transformado numa batalha de inteligência. Para os
justos, o fim justifica os meios. Hoje em dia, é nas redes sociais que os sen-
sibilizadores estão activos. O movimento «acordou» - cujos instigadores
parecem estar acordados apenas no nome - é emblemático a este respeito.
Depois de se enraizar nos Estados Unidos, o movimento espalhou-se com
alarmante ferocidade para além dos países anglo-saxónicos. As redes so-
ciais tornaram-se o teatro de um ódio crescente, cujos métodos orwellia-
nos de linchamento e cancelamento são arrepiantes. Afinal de contas, por
que alguém iria querer descampar para o Ocidente quando o mundo in-
teiro se tornou uma Disneylândia? Mas ainda ninguém tem os poderes de
Tinkerbell neste mundo Peter Pan.
Perante este fenómeno, lembro-me do famoso «não existe tal coisa como
a sociedade» de Margaret Thatcher numa entrevista de 1987 para a revis-
ta Woman’s Own. Como os lobos sempre caçam em matilhas, as lutas só
podem ser comuns. Por exemplo, contra o chamado patriarcado branco,
contra o homem dominante, diretamente de um filme de Truffaut, ou seja,
um homem de uma época que não pode mais ser visto, ou contra a vio-
lência policial ou contra o chamado racismo estatal. Mas, no final, por trás
de todas essas lutas supostamente comuns, não há apenas um agregado
disperso de pessoas com direito a falar? Estas lutas, se é que são alguma
coisa, não são apenas um pretexto em virtude do qual cada vítima exige o
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seu direito à reparação? Contudo, as lutas e os indivíduos não se misturam.
Além disso, o «poder» não se tornou um lugar vazio, um receptáculo e um
catalisador para controvérsias que às vezes são tão aquecidas quanto de
curta duração?
O absurdo deste preconceito poderia ser risível se não fosse pela própria
coesão das nossas sociedades. Na verdade, é a livre expressão que garante
que as nossas sociedades democráticas não sejam simplesmente exércitos
de Robinsons. Cícero escreveu no Tratado de Deveres: «É ensinando uns
aos outros, comunicando seus pensamentos, discutindo, fazendo julgamen-
tos, que os homens se aproximam e formam uma certa sociedade natural.
Em outras palavras, o «comércio da razão e da fala» seria esse direito na-
tural, permitindo uma sociedade natural. Assim seja. Mas será que os dias
em que a livre comunicação de opiniões ainda não tornou possível a for-
mação da sociedade?
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democracias, constitui um problema. Mas para responder a isto, temos de
fazer as perguntas certas. Isto é o que vou tentar fazer aqui, com toda a
humildade. Diante da ameaça ao nosso direito à livre expressão, a primeira
tarefa que temos é redefinir o conceito, traçar seus contornos precisos e, es-
peremos, reconquistá-lo. Isto porque a liberdade de expressão no Ocidente
deve continuar a ser invejável.
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Liberdade ameaçada,
liberdade ameaçada
Quem se desafia a definir com precisão a liberdade e a traçar os seus con-
tornos, logo se encontrará em apuros. Tenho de admitir que sou um deles.
E porquê? Provavelmente porque, como Henri Bergson escreveu em Os
Dados Imediatos da Consciência, «a liberdade é um facto» e, consequente-
mente, não pode receber nem provas nem explicações. Em suma, a liber-
dade pode, no máximo, ser experimentada, sentida, mas não explicada.
O que hoje nos parece uma conquista a ser preservada só foi realmente
alcançada no século XVIII. O Homo erectus estava a lutar pela sua sobre-
vivência, não pelas suas ideias. A menos que ele estivesse falando com um
feto - e ele obviamente não estava em risco - a liberdade de expressão era,
para os nossos antepassados pré-históricos, um não-questionário.
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os salões para a rua, o que foi possível com o surgimento dos cafés e a di-
fusão da educação. É por isso que o poder que até então era abertamente
incontestado - embora já contestado - foi gradualmente profanado por in-
vectivas e risos. O sarcástico estilo Voltairiano, que muitas vezes custou ao
seu autor o exílio ou a Bastilha, é testemunho disso.
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o lugar das mulheres em nossas sociedades. E qualquer violação das barreiras
desta prisão traz consigo a ameaça de morte, agora social. Como qualquer
presente, a liberdade de expressão não pode ser recusada, mas o presente
pode rapidamente revelar-se envenenado para aqueles que «escorregam».
A liberdade impossível
Vou, portanto, abordar a primeira destas três questões, ou seja, a questão
antropológica com a qual a liberdade de expressão nos confronta. Antes
de mais nada, devemos reconhecer que o sentimento íntimo que o homem
tem da sua liberdade não é apenas uma ilusão. Pelo contrário, este senti-
mento referese a uma realidade. Por mais íntimo e profundo que seja, é
importante notar a sua universalidade.
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necessidades fisiológicas. Portanto, não havia necessidade de se expressar,
muito menos de debater!
Mas será que a possibilidade de cada pessoa dizer alto e claro o que pensa,
sem qualquer consideração pelo seu interlocutor, não corre o risco de que-
brar a coesão necessária para a sociedade? Como disse Rousseau: «A ordem
social não vem da natureza, ela é fundada em convenções. A liberdade de
expressão, portanto, só pode ser total e completa na hipótese do estado da
natureza, em que, estando só, o homem não corre o risco de ferir ninguém
por suas palavras. Eu posso gritar que tanto e tanto é um idiota, mas se eu
estou sozinho, minhas palavras ainda são apenas vinculativas para mim.
Contudo, este Outro, que se revela necessário, também põe um fim a esta
liberdade inicialmente total, que queremos obstinadamente que seja ab-
soluta. Todos, penso eu, ouviram o ditado: a minha liberdade pára onde
começa a liberdade dos outros...
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dos direitos mais preciosos do Homem». Trata-se, portanto, de reconhecer
a natureza humana em si mesma, reconhecendo o direito do homem de
se expressar como quiser e de dizer o que pensa. Basicamente, reconhecer
esse direito é consagrar o homem como homem; e silenciar um homem já
é impedi-lo de existir.
Por outro lado, na França, quando Jean-Marie Le Pen declarou que «as câ-
maras de gás são um detalhe da história», foi condenado por negacionismo
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e revisionismo e condenado a pagar danos às onze associações que tinham
apresentado queixa. No entanto, nem a negação do Holocausto nem o revi-
sionismo têm os seus homólogos no direito penal americano. Na verdade,
apenas os atos de violência física são excluídos da definição de liberdade
de expressão pela Suprema Corte dos EUA. No entanto, a fala em sentido
estrito é constitucionalmente protegida.
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Uma ameaça permanente
Uma liberdade de expressão institucionalizada e enquadrada pela lei equi-
vale a enquadrar, da mesma forma, as relações que os indivíduos têm uns
com os outros. O limite do que é aceitável para dizer é o mesmo limite que
determina o que é aceitável para ouvir. Contudo, o facto de uma lei definir
os contornos da liberdade de expressão não impede que a própria essência
dessa liberdade resida inteiramente na aceitação de um risco.
Mas acho que cabe a nós olharmos para esta questão da perspectiva des-
tacada por Hannah Arendt. De facto, todo o conteúdo do risco de que
aqui falamos está na linha da crista, nesta tensão permanente imposta pela
liberdade de expressão. Em outras palavras, pela sua continuidade, a liber-
dade de expressão é a história, constantemente renovada, da ameaça que
ela representa para si mesma.
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Repensar «viver juntos».
Falamnos constantemente sobre a questão interminável de «viver juntos».
Um refrão que surge em todos os debates públicos de hoje. Na realidade,
a questão de «viver juntos» não é nem mais nem menos do que a ideia de
uma sociedade já presente e teorizada nos escritos de Hannah Arendt no
século XX. Basicamente, o que torna possível fazer do mundo um mundo
comum é precisamente a recusa de um único pensamento ao qual a liber-
dade de expressão estaria sujeita.
Kant, antes de Arendt, tinha feito a seguinte pergunta: o que é pensar por
si mesmo? A priori diferente, esta questão está no entanto intimamente
ligada à da liberdade de expressão. Pensar por si mesmo», escreveu Kant,
«é antes de tudo aventurar-se por caminhos que ainda não foram traçados
e confrontar-se com os limites das próprias certezas ou, no mínimo, das
próprias opiniões». No entanto, o caminho tomado pelo pensamento livre
não é totalmente arbitrário nem totalmente acidental. Em outras palavras,
o pensamento tem seus princípios. O que seria de um pensamento sem a
possibilidade de ser comunicado? A resposta do filósofo de Königsberg à
questão do que constitui o livre pensamento é «fazer uso livre e público da
própria razão». Portanto, pensar por si mesmo e ser livre para se expressar
são uma e a mesma coisa.
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Em As Origens do Totalitarismo, Arendt escreveu a este respeito que «a
principal característica do homem de massa não é a brutalidade ou o re-
tardamento mental, mas o isolamento e a falta de relações sociais». Este é o
paradoxo de um movimento como os Coletes Amarelos. Sendo as grandes
lutas de classe uma era passada, cada pessoa podia legitimamente acreditar
que era a única esquecida pela sociedade, a única abandonada à sua preca-
riedade e relegada para áreas rurais desertas. Era, portanto, necessário que
a união fosse forte. É portanto sobre esta anomia e sobre a dolorosa cons-
ciência de um hiper-individualismo deletério que o movimento foi capaz
de formar e depois prosperar.
Por que, então, há tanto debate hoje em dia sobre a liberdade de expressão?
Por que ouvimos em toda parte que a liberdade de expressão está amea-
çada, mesmo que este mundo globalizado nunca tenha permitido tanto
intercâmbio entre as pessoas? Não entendemos o que Arendt tinha a dizer?
Ou é a teoria dela que já não se aplica nas nossas democracias de hoje?
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Um presente (quase) envenenado
É também por isso que a liberdade de expressão, embora a priori benéfica,
é, no entanto, uma fonte eminente de conflito. Há uma linha ténue entre o
presente e o fardo. Dizer o que eu penso é também correr o risco de desa-
cordo com o meu interlocutor e o de um banimento moralista. E eu acho
que você vai concordar que isso nunca foi tão verdadeiro hoje.
O Criador (conflito)
Estas questões são ainda mais agudas hoje em dia, uma vez que as socieda-
des democráticas estão a viver um surto no reinado da moralidade. Para o
que é considerado indecoroso, qualquer um pode ser ostracizado por um
tribunal popular que tem a certeza de manter a verdade, ou seja, a certeza
de fazer o bem. Por outras palavras, já não é apenas nas relações entre
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cidadãos que o problema surge, mas ainda mais - e isto é provavelmente
mais perigoso - no que deveria ser entendido pela «esfera pública», ou seja,
pela «política».
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co Sakharov; foram publicados samizdat anteriormente desconhecidos, e
as revistas literárias e políticas se multiplicaram e, sobretudo, se tornaram
mais democráticas.
A era SJW é sobretudo uma era em que mesmo os mais poderosos são cha-
mados a prestar muita atenção às preocupações contemporâneas. Seja na
área do bem-estar animal, da luta contra o desperdício como consequência
de um consumo excessivo insano ou contra todas as formas de opressão,
todos são levados a rever constantemente as suas posições, modificá-las e
dobrá-las à luz do escrutínio destas sentinelas 2.0. E todas estas são oportu-
nidades de intercâmbio, debate e confronto necessário. Em suma, estes no-
vos vigilantes, apesar das críticas que lhes poderiam ser feitas, sem dúvida
nos convidam a todos a refletir. Mesmo que, por vezes, a sua preocupação
com a equidade e a justiça possa ter as suas costas...
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ca necessariamente, e mesmo aos olhos dos seus instigadores, limpar a ar-
dósia do passado e varrer uma cultura e civilização milenar com uma onda
paternalista da mão. Mais uma vez, permaneço fiel ao preceito camusiano
de que a liberdade de expressão deve ser para todos ou para ninguém.
Além disso, parece-me que numa era de certeza desenfreada sobre as teo-
rias da conspiração, há uma necessidade cada vez mais premente de rea-
firmar a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é um baluarte
contra as autoridades políticas ou religiosas, das quais, parece-me, a des-
confiança vem aumentando. Aqui novamente me refiro ao que Kant disse
em O que é o Iluminismo? É seguro permitir que os seus sujeitos façam uso
público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias
sobre uma melhor redacção da referida legislação, mesmo que sejam acom-
panhados de uma crítica franca à legislação existente.
Sabemos agora que uma liberdade que foi anexada ou reduzida a um míni-
mo já não é uma liberdade. Mas este é todo o problema imposto pela tran-
sição de um estado de natureza para um estado social em que o indivíduo
é forçado a lidar com os seus pares. Isto porque a liberdade de expressão
enquanto tal contém as sementes do conflito e tende, por definição, a di-
vidir. Isto é demonstrado pelos desenhos animados que são considerados
subversivos e ameaçam a paz social.
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Correcção política:
a liberdade é opressão
Até agora, o meu objectivo tem sido demonstrar a natureza imprecisa e flu-
tuante do conceito de liberdade de expressão. Mas é precisamente isto que
a era actual nos obriga a fazer. Isto pode parecer contraditório à primeira
vista, mas a liberdade de expressão tal como é exercida hoje nas democra-
cias modernas exige que definamos o seu perímetro.
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linguagem. Por outro lado, eu acrescentaria que, por tudo isso, estamos
agora testemunhando uma verdadeira libertação de vozes, particularmen-
te através das redes sociais. Todos são, a priori, capazes de dizer o que pen-
sam, quando o pensam, como o pensam. Até penso que, na Internet, a
temperança parece ter desaparecido de vez.
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Entre estes dois extremos, obviamente, não há nem uma zona cinzenta
nem uma via intermédia. Tudo acontece, na verdade, como se as pessoas
fossem obrigadas a não dizer nada ou a dizer tudo, de tal forma que essa
força libertadora parece transmutar-se definitivamente numa praga balbu-
ciante e estéril. É sem dúvida uma doce utopia, então, acreditar que a livre
expressão ainda pode permitir o debate e a troca de opiniões.
O circo da mídia
De facto, a este respeito, deve também ser mencionado que a proliferação
de discursos é acompanhada, simultaneamente, por uma proliferação de
canais de notícias 24 horas por dia que atingem as suas mais altas classifi-
cações graças aos debates televisivos. Mídias como FoxNews ou MSNBC,
ou o jornal francês Mediapart, fazem parte dessas acrobacias, ou devo di-
zer, facadas. São o lugar por excelência desta delirante logorreia onde tudo
deve ser dito sem reservas, e muitas vezes sem reflexão... e que às vezes me
dá a sensação de estar diante de um episódio de «A Marselhesa versus o
Resto do Mundo»!
Mas outros meios de comunicação, que podem ser vistos com mais serie-
dade, sucumbiram em grande parte à tentação do debate. O canal CNews,
por exemplo, consegue reunir um milhão de franceses em torno do seu
programa Face à l’Info em certos serões.
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A este respeito, lembro-me de uma frase escrita por Jonathan Turley no
Washington Post que, devo admitir, me fez rir: «O que ameaça a liberdade
de expressão em França não é o terrorismo, são os franceses.
Mas uma vez feita esta primeira pergunta, surge outra, ainda mais colossal:
que limites devem ser colocados à liberdade de expressão? Até que ponto
podem ser feitos compromissos sem correr o risco de ficar comprometido?
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Blasfêmia: De volta ao futuro
Deste ponto de vista, a liberdade de expressão é um verdadeiro desafio
para a lei, e o quadro legal não é apenas uma necessidade, mas também
uma salvaguarda.
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O verdadeiro problema, segundo o autor, é certamente o obscurantismo
religioso, mas neste caso é também e sobretudo que mesmo pessoas não-
-religiosas às vezes preferem renunciar à sua liberdade fundamental para
se expressarem. Grosseiramente falando, eles compram a paz social. Uma
coisa é não gostar do espírito de Charlie Hebdo, outra é reconhecer o seu
direito de se expressarem. Basicamente, não há liberdade absoluta que seja,
ao mesmo tempo, de geometria variável. A liberdade de expressão deve, de
facto, aplicar-se também àqueles de quem não gostamos, àquilo que ofende a
nossa sensibilidade e os nossos valores, àquilo que nos magoa ou nos revolta.
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nir o humor e o escárnio das nossas sociedades. Ou melhor, é para sugerir
que o humor é uma ameaça.
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Parece-me, porém, que o que se chama «politicamente correto» é, na ver-
dade, um subterfúgio bastante hipócrita que pretende alcançar a concilia-
ção. Mas a conciliação ainda não é reconciliação. Contudo, não acredito
que os defensores do politicamente correto sejam todos hipócritas hor-
ríveis cujo único objetivo é tecer uma coroa de louros para si mesmos.
Na verdade, a intenção inicial é mais do que louvável: mitigar os conflitos
abertos e ameaçadores que uma linguagem desequilibrada poderia trazer à
paz social e, com ela, à própria coesão da sociedade.
Mas, por mais louvável que seja o objectivo principal, os efeitos concretos
parecem-me largamente abertos à crítica e contrários à intenção. Observo,
portanto, com pesar, que na prática, o politicamente correto não faz ne-
nhuma tentativa de suavizar os limites do discurso para permitir a todos
a liberdade de se expressarem sem correr o risco de ofender o outro. Não!
Pelo contrário, acho que o politicamente correcto distribui as cartas. Algu-
mas pessoas são encorajadas a se expressar enquanto outras são condena-
das ao silêncio. O politicamente correto circunscreve o perímetro de forma
ainda mais severa do que a própria lei.
Em outras palavras, foi estabelecido um axioma que não deve ser transgre-
dido em nenhuma circunstância. As verdades já aconteceram, agora cabe-
-nos a nós confirmá-las. É assim que as sociedades funcionam sob a égide
do politicamente correto. É estranho como a liberdade de expressão caiu
de Charybdis para Scylla. É em nome da preservação do princípio demo-
crático da liberdade de expressão que ela está a ser confiscada.
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tudo o que possa impedir a sua uniformidade; livros, cidades, tudo. O seu
desejo de igualizar as condições é certamente alcançado, mas agora todos
estão limitados no que podem dizer, fazer ou pensar. O narrador intitula-
do Equality 7-2521 declama: ‘É pecado pensar palavras que ninguém mais
pensa’; ou ainda: ‘E sabemos bem que não há transgressão mais negra do que
fazer ou pensar sozinho’.
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Como todas as ideologias, o movimento acordado reestruturou de facto
a linguagem e até tem uma vida própria. Portanto, você nunca ouvirá um
«guerreiro da justiça social» falar em «cancelar a cultura», um termo con-
siderado demasiado pejorativo. Em vez de empatia, o acordado preferirá o
termo «outroing»; falará de «mansplaining», «sizeplaining» ou «cisplaining»
para descrever a suposta condescendência demonstrada pelos «privilegia-
dos», dependendo se ele é um homem, tem um corpo «normalizado», ou
sente que pertence à sua atribuição biológica a um ou outro dos sexos.
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destes termos: ilusão versus caricatura.
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Cancelar a cultura: canceladores
de todos os países, unir!
Que o discurso público é formatado parece-me estar fora de qualquer dú-
vida. O que é ainda mais grave é que a formatação do discurso é, na ver-
dade, uma formatação da mente. O politicamente correto tem agido defi-
nitivamente como o prisma através do qual toda a realidade deve ser vista.
Qualquer um que saia da linha corre agora o risco de ser «cancelado» sem
qualquer possibilidade de resgate.
Em seu livro French Theory: Foucault, Deleuze, Derrida & Cie. Les mu-
tations de la vie intellectuelle aux États-Unis, François Cusset relata a re-
cepção do movimento desconstrutivista importado da França através do
Atlântico. Inicialmente confinado ao mundo académico, o conceito de
«desconstrução» trazido à luz pelo filósofo Jacques Derrida ultrapassou,
de facto, as suas próprias fronteiras. Suas epígonos mais zelosos viram nela
a possibilidade de uma transformação estrutural de nossas sociedades de-
mocráticas. Muito rapidamente, era uma questão de fingir que era capaz
de se livrar de um pronto a pensar considerado estéril e mortificante, o da
política no trabalho nos anos 70 e 80.
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englobava toda a lógica ocidental, ou seja, a cultura alegadamente racista e
patriarcal. Como forma de os extra-lúcidos afirmarem: «Nós não fazemos
isso». Mas os auto-religiosos, como os ciclopes, são pessoas de um só olho
que pensam ter compreendido tudo depois de terem visto tudo. Mas eles
ainda só estão a ver com um olho. De facto, apesar de todos os aspectos
«problemáticos» das suas personalidades, Foucault e Derrida nunca serão
«cancelados».
Fraqueza da virtude
Em si mesmo, não nego que uma tal transformação de modos de pen-
sar poderia ter tornado possível dar um passo à parte e romper os velhos
grilhões. Mas os seguidores do desconstrutivismo provavelmente não pre-
viam que tal método seria adotado em breve pelo próprio poder político.
Em suma, um agregado de elétrons livres, provavelmente já uma ideologia.
A moda democrática não é mais para a maioria, mas para os militantes, ou
seja, ruidosos, minoritários.
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De #Metoo a #AllVictims
E a inversão teve de ocorrer, mesmo à custa de contradições gritantes. Fran-
çois Cusset escreve: «esta mudança (...) torna-se, dentro das paredes da uni-
versidade, um ponto tão central que as minorias são encorajadas a afirmar-
-se como tal por vários meios e a cultivar piedosamente aquilo a que Freud
chamou «o narcisismo das diferenças menores»». Isto porque, em nome dos
outros, é uma questão de defender a sua própria causa. Portanto, todos de-
vem ser vistos como a suposta vítima de uma possível agressão. A liberdade
de expressão não é mais a liberdade de falar, mas a obrigação de denunciar
e condenar. A esfera pública, o tribunal moral perante o qual se faz justiça.
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Aqui novamente, os campi americanos oferecem um exemplo impressio-
nante. Eles se tornaram verdadeiros laboratórios de «politicamente correto»
desde os anos 90, com códigos de fala para regular a liberdade de expressão.
Todo um arsenal de medidas semânticas e proto-conceptuais foi assim im-
plementado por estas novas hermenêuticas. Parece-me que a língua fran-
cesa é a primeira vítima...
Acusado, cala-te!
Em nome da tolerância, então, a afronta tornou-se resolutamente intolerá-
vel. Primeiro, em nome da moralidade; segundo, porque é a razão de ser da
mente auto-retrata, em virtude da qual a liberdade de expressão deve ser
atrofiada. E toda a resistência se torna kamikaze. Como explica o linguista
John McWhorther: «Qualquer antropólogo que andasse pelos Estados Uni-
dos de 2020 descobriria que ser acordado é a religião dos graduados brancos.
Acordaram... Estes indivíduos, por sua vez iluminados e esclarecedores,
dispensadores de lucidez, justiça e discernimento... Na realidade, a corrida
pelo certificado de boa consciência está longe de ser uma prerrogativa ape-
nas das «minorias», e opera particularmente ferozmente entre as gerações
mais jovens, especialmente as que foram formatadas nos campi.
Como a colunista do New York Times Jamelle Bouie nos lembra, «As cha-
madas1 começaram como um ideal utópico, uma forma de extrair justiça e
de fazer mudanças sem policiais ou tribunais. Mas depois veio a internet.
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O caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções e, em seu
nome, a twittosfera tornou-se impiedosa. Se as interpelações públicas (ou
chamadas de saída) ainda permitirem que o acusado faça valer o seu direito
de falar, a cultura do cancelamento pretende largar a faca após julgamentos
indefesos. A cultura do cancelamento não só sanciona, mas também açaimes.
Açaimando o incorreto
O terror despertado pelo «cancelamento», como eu disse anteriormente,
causa um verdadeiro amordaçamento de opinião. É melhor ficar calado do
que correr o risco de ter a sua reputação destruída e a sua vida arruinada.
Não é preciso muito para que uma matilha de lobos famintos leve a melhor
sobre as suas presas. A justiça é dividida em confrontos, e o julgamento é
muitas vezes final. O filósofo e acadêmico Alain Finkielkraut, convidado
em LCI para falar sobre o caso Duhamel, pagou recentemente o preço.
Este último explicou que, para além de ter sido saqueado por causa de
um extracto do seu discurso, descontextualizado e expulso no Twitter, não
teve sequer oportunidade de se explicar nos jornais. Quase todos eles - o
filósofo finalmente conseguiu se expressar nas colunas de Le Point - se re-
cusaram a publicar seu direito de resposta. Já para não falar do número de
defensores da liberdade de expressão, supostamente firmes e temerários
que, por tudo isso, não se apressaram a chegar à porta quando se tratou de
concordar em debater com Éric Zemmour, depois da controvérsia que o
exigia para ser retirado dos programas de televisão... Que oximoro!
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Quase tenho a impressão de que os jornalistas conseguem sempre convidar
aquele que vai criar um burburinho. Escorregamento sagrado! Mas a ironia
é que não é do interesse deles pedir um boicote, e estou pensando em parti-
cular em personalidades como Alain Finkielkraut ou Éric Zemmour. Não
se poderia honestamente querê-los mortos sem desistir da proliferação de
palavras atrevidas. A moralidade deve então dar lugar ao espectáculo. Pa-
rece que não sou o único a pensar assim. De acordo com uma pesquisa de
opinião, 87% dos franceses também sentem que os meios de comunicação
social estão mais interessados na luta de galos do que no debate cívico.
O caso do Twitter é, mais do que qualquer outro, eloquente sobre esta forma
contemporânea de censura. Marylin Maeso explica em seu livro, Os Cons-
piradores do Silêncio, como os métodos da cultura do cancelamento que pre-
sidem a web impedem que a contradição democrática exista plenamente.
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debate democrático no qual a maioria coloca as mentes para dormir e faz
com que as pessoas interiorizem o medo de sair do campo do Bem, cujas
fronteiras estão se tornando cada vez mais estreitas?
Portanto, e isto é sem dúvida o que constitui uma diferença entre o «século
do medo» camusiano e o nosso século de terror: a censura mudou a sua
face. Já não é tanto o poder político que é liberticida, mas sim os paragões
deste tribunal popular, inteiramente sujeito à opinião pública. Alexis de
Tocqueville, já no século XIX, considerava que a opinião pública represen-
tava uma formidável ameaça à liberdade de expressão.
Ele escreveu que «assim que a maioria fala, todos se calam». A promessa
democrática, e com ela a liberdade de expressão, foi em grande parte des-
viada de sua ambição original.
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Recuperando a liberdade
de expressão
Em On Liberty, John Stuart Mill faz o mesmo comentário que Tocqueville
sobre a liberdade de expressão. Deve ser absoluta, porque a liberdade de ex-
pressão é uma liberdade individual que é, portanto, inalienável. No entanto,
Mill, como Tocqueville, acredita que a opinião pública é uma formidável
ameaça à liberdade de expressão na era democrática. Uma vez sujeito ao
poder absoluto, o indivíduo não está livre de todo o controlo. Pelo contrário,
ele é agora confrontado com o conformismo e a mediocridade da maioria.
Stuart Mill escreveu: «Há uma diferença extrema entre presumir que uma
opinião é verdadeira, que sobreviveu a todas as refutações, e presumir a sua
verdade para não permitir que ela seja refutada». Como podemos ver, o ris-
co é o de uma opinião apresentada como um axioma irrefutável, uma visão
segundo a qual qualquer coisa que se desvie do dogma arbitrariamente
aceite seria vista como um erro, ou pior, como uma falha.
A este respeito, existem agora inúmeras contas no Twitter que foram sus-
pensas por causa de comentários considerados demasiado violentos ou
legalmente repreensíveis. O «Team Patriot», um grupo privado de quase
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duzentos utilizadores da Internet, agora reunido em Telegramas - depois
de ter sido censurado no WhatsApp - não poupa palavras quando fala so-
bre os problemas que as nossas sociedades enfrentam. É «por meio de um
estado militar para pôr fim aos bobos progressistas» que os seus membros
afirmam querer superar as dificuldades. Um deles escreveu: «para ter uma
arma de fogo, já». E isso é tudo...
A coragem da nuance
No entanto, não creio que o politicamente correto possa ser combatido
com o politicamente incorreto. Não se pode, de boa fé, opor-se à invectiva
e ao insulto ao pensamento correcto. E permita-me jogar com as palavras
aqui, mas o adversário não é um inimigo. No entanto, tudo sugere que se
não estás do lado da Génération Identitaire, estás necessariamente do lado
do Place Publique. Como podemos sair deste maniqueísmo ruinoso? Não
é mais possível entrar em diálogo sem ser categoricamente rotulado e cor-
rer o risco, em defesa própria, de colocar o outro em uma caixinha?
Penso que todos nós tivemos a experiência daquele famoso jantar de famí-
lia onde, embora prometemos não iniciar um debate zangado, alguém o fez
por nós. No entanto, apesar dos desentendimentos (há sempre desenten-
dimentos políticos nos jantares familiares!), ninguém de repente deixava a
mesa e atirava anátemas ao seu adversário.
No entanto, não creio que tenhamos de nos esconder atrás das muralhas
da micro-sociedade familiar para podermos realizar uma troca. Correndo
o risco de ser rotulado de utópico feliz, eu quero acreditar que a sagacidade
ainda é possível. Como Roland Barthes disse: «Eu quero viver pela nuance».
O autor de Mitologias, mais do que ninguém, tem enfatizado a importância
da linguagem na discussão.
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Como tal, ele irá defender esta categoria, que ele conceitualmente chama
de «Neutra». O neutro, ou seja, o lugar onde se defende de escolher um
termo contra outro, onde se recusa a adotar uma postura arrogante. Bar-
thes escreve: «Eu recolho sob o nome de arrogância todos os ‘gestos’ (de fala)
que constituem discursos de intimidação, subjugação, dominação, afirmação
e soberba. Para combater a arrogância, devemos, com Barthes, aprender a
considerar-nos como um «sujeito incerto».
O movimento «Boogaloo», por exemplo, que está muito presente nas ma-
nifestações anti-racistas nos Estados Unidos, reúne tanto libertários como
neonazis. O que eles têm em comum é que todos os «Boogaloo boys» de-
fendem tumultos e revolução, e defendem o direito de portar armas de
fogo com unhas e dentes. Devemos provavelmente ver isto como uma es-
pécie de «bloco negro» ao estilo americano que, sob o pretexto de serem os
vigilantes de um mundo considerado profundamente iníquo, são motiva-
dos apenas pela própria subversão.
2 «Sua identidade racial é a coisa mais importante, tudo tem que ser visto através do prisma
da raça.
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e rebaixam a capacidade de discernimento dos indivíduos antes da liberda-
de de expressão. Portanto, a liberdade de expressão está fadada a morrer se
ela só responder a uma agitação gregária.
Mas é isso que está em jogo. Como os lutadores cantaram em 1792, é «li-
berdade ou morte». É a isto que se resume, e o que eu temo: seremos ca-
pazes de continuar a nos expressar, isto é, de continuar a afirmar o que
somos, isto é, seres livres? Na situação actual, nada me pode tranquilizar.
Especialmente porque, ao contrário dos combatentes de 1792, os novos
guerreiros já não têm de pôr as suas vidas em risco para se expressarem
livremente. Em outras palavras, não há mais salvaguardas para conter os
seus impulsos bélicos.
À luz do que Eric Hoffer escreve em The True Believer, «Toda grande causa
começa como um movimento, torna-se um negócio, e eventualmente degene-
ra em uma raquete», não seria mais sábio e construtivo confiar na inteli-
gência de uns poucos para tirar as massas de seu atordoamento? Acho que
não. «A multidão é, portanto, hermética a qualquer forma de argumentação
inteligente e não conhece nem a dúvida nem a incerteza. Roland Barthes
seria, portanto, apenas um utópico...
Mas, por mais perigoso que seja, recuso-me a acreditar que o enterro das
massas é um fenómeno irreprimível. A partir daí, a questão não é tanto o
que pode ser dito, mas sim quem o pode dizer?
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Ficar calado: o novo luxo dos «oprimidos
Não posso deixar de achar esta ideia de que o povo, ou seja, a massa dos
oprimidos, seria definitivamente excluído da esfera pública, risível. Risos,
de facto, porque na realidade é um bom pretexto para os adeptos do pro-
gressivismo justificarem as suas pretensões ilusórias. Em resumo, as pes-
soas pobres têm um bom costas! É de facto em nome da defesa dos oprimi-
dos que a verdadeira discriminação tem lugar.
Onde está essa «violência simbólica» que deve ser combatida para devolver
ao povo soberano o seu poder? Não tenho a certeza de que o reformado ou
o trabalhador da linha de montagem do extremo sul do país francês ou in-
glês possa compreender uma palavra dos neologismos conceptuais que os
acordados usam. Sinto que estou a apanhá-los no acto de condescendência,
de econoplainamento e talvez até mesmo de branqueamento de capitais. E
isso já está a começar a ser muito...
Claramente, penso que é urgente acabar com esta visão demagógica da de-
mocracia de que todas as opiniões são iguais. Quando confrontado com
uma doença, a opinião do seu vizinho do lado ou do seu padeiro conta tanto
quanto a do seu médico? A resposta parece tão óbvia que é de senso comum.
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Os fortes e os fracos
Mais uma vez, parece haver uma contradição em acreditar que a liberdade
de expressão deve ser total, negando ao mesmo tempo o crédito às opiniões
de alguns. Em outras palavras, este paradoxo nos leva a repensar em pro-
fundidade a própria noção de liberdade de expressão e seu alcance. A ques-
tão que se coloca aqui é basicamente se as nossas democracias modernas
são realmente compatíveis com o exercício de uma liberdade de expressão
que é, como a maioria gostaria, absoluta?
Pelo contrário, Nietzsche acredita que os «fracos» são de fato mais inte-
ligentes que os próprios fortes, pois são mais capazes de se organizar e,
portanto, sabem como travar uma «guerra da mente», para usar as palavras
de Patrick Wotling3. Nietzsche então afirmou: «Por estranho que pareça, os
fortes devem estar sempre armados contra os fracos», ou seja, os mais fortes
devem ser poupados das explosões dos mais fracos. E a fraqueza reside
precisamente nesta explosão, como um eco do nosso tempo...
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O que Nietzsche chama de «fraco» é basicamente nada mais do que o en-
terro de uma massa que está a desabafar. Exemplos: o ódio no trabalho em
redes sociais, movimentos como a Black Lives Matter, os Blocos Negros,
etc. Diante disso, parece-me mais sábio e construtivo considerar que so-
mente aqueles indivíduos capazes de autocontrole e, portanto, de reprimir
seus próprios impulsos são também os mesmos a quem é dada legitimida-
de para se expressar. Em outras palavras, ser capaz de suspender a própria
reação é ser capaz de reflexão. E só esta última é necessária.
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programas criados nas escolas secundárias em zonas educativas prioritá-
rias para permitir a entrada de jovens de meios desfavorecidos nas escolas
de prestígio (que os franceses adoram!). Sciences Po pode se gabar de ter
30% de bolsistas (entenda: 30% de anomalia sociológica).
Por outro lado, quando Emmanuel Macron foi eleito, as manchetes logo o
chamaram de «filósofo-rei». Isto porque nas nossas democracias moder-
nas, fundadas na transferência de soberania do povo para os seus repre-
sentantes, a legitimidade é agora procurada do lado da ciência. Só a perícia
do cientista é que ganha a votação. De facto, existem inúmeras comissões
e comissões especializadas neste ou naquele domínio e encarregadas de
emitir pareceres sobre esta ou aquela questão.
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algumas pessoas encontra alguns limites, já que se baseia na subtracção da
consulta democrática, ou seja, trata-se de ignorar pura e simplesmente a
opinião do maior número. Em outras palavras, ainda está alimentando os
«fracos» de acordo com Nietzsche. Na verdade, ignorar deliberadamente
a opinião das massas é dar-lhes todas as razões para não se manifestarem,
mas para se vangloriarem.
De acordo com uma pesquisa da IFOP realizada em 2020, 74% dos mu-
çulmanos franceses com menos de 25 anos afirmam colocar suas crenças
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religiosas à frente das leis da República, 61% deles acreditam que o Islã é
«a única religião verdadeira» e 45% consideram que «o Islã é incompatível
com os valores da sociedade francesa».
A liberdade de expressão foi posta de lado? Espero que não, mas tenho a
desagradável sensação de que os nossos anciãos estavam mais apegados a
ela do que nós e as gerações vindouras! Por um lado, temos uma geração
mais jovem na qual uma minoria sempre crescente considera a liberdade
de expressão um obstáculo; por outro lado, temos indivíduos que, por uma
questão de conforto, parecem dispostos a renunciar a uma liberdade de
expressão que se tornou perigosa.
A verdadeira liberdade:
o direito de cometer erros
Se a expressão de todas as opiniões é a condição necessária para um debate
público construtivo, e se só por ela podemos reivindicar a produção de
verdades, o facto é que a verdade se tornou em grande parte corrompida
pela moralidade. O que é verdade é agora o que está na maioria, mas talvez
tenhamos atravessado um limiar inexorável.
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se expressar também é ser livre para estar errado ou para dizer coisas va-
zias. Essa é a sua força. Como disse o escritor do absurdo, Samuel Beckett:
«Sempre tente, sempre falhe, não importa». Tenta outra vez, falha outra vez,
falha melhor.
Conclusão
Recuperar a liberdade de expressão exige, na minha opinião, o abandono
desta candura ingénua com que oscilamos entre a moralidade e os ideais.
Sim, a liberdade de expressão é, em essência, uma guerra permanente de
todos contra todos, e só esta guerra pode assegurar o progresso social e
permitir a exaltação intelectual. E certamente a igualdade deve ser vista
como uma condição de liberdade e não como um «Bem» em si mesmo.
Infelizmente, nenhum compromisso baseado em «respeito» ou «valores
morais» pode ser eficaz.
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