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Linguagem e letramento em foco

Linguagem e letramento em foco

A coleção “Linguagem e Letramento em Foco”, que abriga também


a série “Trocando em Miúdos a Teoria e a Prática”, compõe-se de
27 fascículos (26 impressos e um em arquivo eletrônico), distribuídos
Surdos na escola
em seis diferentes áreas. Esses volumes foram especialmente desen-
volvidos para os cursos do Cefiel - Centro de Formação Continuada de
Letramento e bilingüismo
Professores do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Es-
tadual de Campinas (Unicamp) -, parte da Rede Nacional de Formação
Continuada de Professores (SEB/MEC). Para informações detalhadas,
consulte o fascículo Para saber mais..., volume introdutório da coleção.

As áreas da coleção são as seguintes:


Ivani Rodrigues Silva
Linguagem na Educação Infantil
Wilma Favorito
Linguagem nos anos iniciais

Língua portuguesa

Línguas estrangeiras

Ensino na diversidade

Letramento digital
Linguagem e letramento em foco
Ensino na diversidade

Surdos na escola
Letramento e bilingüismo

Ivani Rodrigues Silva


Doutora em Lingüística Aplicada (Educação Bilíngüe) pelo IEL/
Unicamp.
Professora do Curso de Fonoaudiologia da Unicamp.
Pesquisadora da área de educação bilíngüe para surdos.
Supervisora do Curso de Aprimoramento da Fundap
(Escolaridade e Surdez) no Cepre/FCM/Unicamp.

Wilma Favorito
Doutora em Lingüística Aplicada (Educação Bilíngüe) pelo IEL/
Unicamp.
Professora do Curso Bilingüe de Pedagogia do Instituto
Superior Bilíngüe de Educação - Instituto Nacional de Educação
de Surdos (ISBE/INES).
Pesquisadora da Área de Educação Bilíngüe para Surdos.
© Cefiel/IEL/Unicamp
É proibida a reprodução desta obra sem a prévia autorização dos detentores dos direitos.

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Presidente: LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
Ministro da Educação: FERNANDO HADDAD
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Cefiel – Centro de Formação Continuada de Professores do Instituto de Estudos da


Linguagem (IEL) *
Reitor da Unicamp: Prof. Dr. José Tadeu Jorge
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Coordenação da coleção: Marilda do Couto Cavalcanti
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Projeto gráfico, edição de arte e diagramação: A+ comunicação
Revisão: REVER - Produção Editorial

* O Cefiel integra a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica.

A Rede é formada pelo MEC, Sistemas de Ensino e Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da

Educação Básica.

Impresso em maio de 2009.


ISBN 978-85-62334-03-0
Sumário
Introdução – Quem é o aluno surdo hoje? / 5

1. Breve história da educação de surdos / 9


Um pouco da história / 10
A interdição oficializada / 14
O oralismo / 15
A comunicação total / 17
A educação bilíngüe / 20

2. Aquisição da linguagem por crianças surdas / 23

3. Contextos educacionais (os surdos na escola) / 29


Os surdos incluídos em classes regulares sem a presença de
intérpretes de LIBRAS / 33
A sala de aula regular com a presença de intérpretes de LIBRAS / 34
As classes especiais / 39
A sala de aula da escola de surdos / 40

4. O surdo e a escrita / 44

5. O estatuto lingüístico das línguas de sinais / 57

6. Perguntas freqüentes sobre a surdez (mitos) / 65

Sugestões de leitura / 73

Sites de interesse / 80
Introdução
Quem é o aluno surdo hoje?

E ste fascículo da coleção “Linguagem e Letramento em Foco”


direciona seu olhar para um grupo de alunos que nos últimos
anos vêm gradativamente ocupando mais espaço nas escolas pú-
blicas regulares: os surdos.
Apesar das relevantes mudanças ocorridas nos tempos atuais,
as condições oferecidas aos surdos para uma escolarização con-
seqüente ainda são insatisfatórias. A inclusão de alunos surdos
na rede regular de ensino convive ainda com muitos problemas e,
por haver um grande desconhecimento em relação ao aluno surdo
e à surdez, há, nesse espaço, tentativas sistemáticas de um apa-
gamento de suas diferenças.
Você já pensou o que significa para o aluno ser surdo e estar
numa escola repleta de pessoas ouvintes que se comunicam por
meio de uma língua que ele não entende e não consegue ouvir?
Essa é a situação vivenciada por alunos surdos em todo o Brasil­ –
daí a necessidade de fornecer à escola e a seus professores algu-
mas informações sobre o surdo e a surdez.
O objetivo deste nosso trabalho é contribuir para que o aluno
surdo possa ter uma escola que lhe seja mais eficaz, tanto do pon-

·5·
to de vista dos conteúdos curriculares, quanto em relação ao seu
acolhimento como uma pessoa diferente.
É muito difícil para o aluno surdo aprender a ler e a escrever em
uma língua de modalidade oral-auditiva, como o português. Isso se
explica, entre tantos outros fatores, porque o português não é uma
língua da qual ele tenha domínio. Também é difícil para o surdo es-
tar numa sala de aula para ouvintes porque ele não vai encontrar,
em geral, parceiros com quem possa se comunicar de forma satis-
fatória. A língua de sinais que o indivíduo surdo usa é desconhecida
da maioria dos brasileiros e mesmo pouco compreendida pelas
famílias cujos filhos surdos a utilizam. Os índices de repetência e
evasão escolar de alunos surdos são grandes e a conseqüência
disso é que muito poucos surdos conseguem ingressar nos cursos
de nível superior (menos de 1% da população).
É preciso compreender, no entanto, que o mundo do surdo é
heterogêneo assim como o mundo dos ouvintes, ou seja, não existe
um surdo igual ao outro. É muito comum as pessoas que conhece-
ram um indivíduo surdo compará-lo com outro surdo que conhecem
em outra ocasião. Exemplo dessa situação é a professora que diz:

“Eu tive uma aluna surda que era excelente, muito inteligente, não
dava trabalho, mas a deste ano é muito difícil”.

Em geral, as diferenças apontadas por essa professora estão


relacionadas ao fato de a primeira aluna surda apresentar uma
perda auditiva moderada, o que não a impedia de falar e, diferente-
mente, a segunda aluna ser uma pessoa com surdez profunda, que
não fala e tem mais dificuldade para entender o funcionamento da
escrita do português.
O surdo como categoria homogênea deve ser algo a ser repen-
sado pelo professor pois, como já dissemos, um surdo será dife-
rente do outro, a depender de:

·6·
a) sua própria perda auditiva;
b) sua história lingüística – se é filho de pais surdos ou de pais
ouvintes;
c) sua relação com a língua oral; sua relação com a língua de
sinais;
d) suas características pessoais e culturais, como qualquer ou-
tro indivíduo.

Assim, o surdo reflete sua história com a família, com a(s)


língua(s) que o cerca(m) e com as oportunidades que terá na es-
cola. Pode-se dizer que, do ponto de vista da linguagem, para o
surdo ter uma história de êxito em sua vida acadêmica, afetiva
e social ele deve ser visto como um sujeito que faz parte de um
grupo de minorias lingüísticas, daí a importância de esse grupo de
alunos ter uma língua forte, significativa – sua língua de sinais –, e
aprender também a língua dominante na sociedade (em sua forma
escrita ou oral).
Nos dias atuais, a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – vem
sendo muito divulgada e já aparece muito na mídia, o que ajuda na
sua popularização. São comuns hoje, na televisão, programas po-
líticos e religiosos que se estruturaram para colocar, em um canto
da tela, uma janela em que uma intérprete de LIBRAS faz, para as
pessoas surdas, a tradução simultânea do que está sendo dito.
Essa ampla divulgação é positiva para a pessoa surda, que passa
a ser vista como alguém que possui uma língua diferente da do
indivíduo ouvinte, mas com potencial equivalente.
Importa dizer, também, que há pesquisadores trabalhando com
a descrição da LIBRAS, o que também ajuda a dar a visibilidade
que ela hoje tem na comunidade ouvinte – afinal trata-se de uma
língua como outra qualquer, com regras e restrições.
Neste fascículo, primeiramente apresentamos um histórico so-
bre a educação dos surdos, mostrando como a língua de sinais

·7·
teve papel importante na sua vida social, afetiva e acadêmica
desde os idos de 1750, e como essa língua agora, em tempos
mais atuais, é considerada um importante traço identitário do
indivíduo surdo.
Em seguida trazemos informações sobre a aquisição da lingua-
gem da criança surda, mostrando que há, sem dúvida, especifici-
dades, mas há também muita coisa em comum entre a criança
ouvinte e a criança surda, no que tange ao processo de aquisição
de língua(gem).
Além disso, fornecemos informações sobre os contextos edu-
cacionais do aluno surdo na atualidade e mostramos como esses
espaços se utilizam da língua desse grupo de alunos para o ensino
e para a interação entre eles e com eles.
Fazemos, também, uma pequena reflexão sobre o processo de
aquisição da escrita pelo aluno surdo e, por fim, uma descrição da
LIBRAS, mostrando um pouco de sua estrutura de funcionamento,
e respondendo às perguntas mais freqüentes a respeito desse
grupo de alunos.
Nosso objetivo, ao elaborar este fascículo, foi trazer informa-
ções sobre o surdo e a surdez com o intuito de desnaturalizar os
conceitos já arraigados existentes em relação a essa parcela da
população, dando aos alunos surdos a oportunidade de serem vis-
tos a partir de uma nova visão: a da diferença.

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1. Breve história da educação
de surdos

C omo ocorre com todas as minorias, os surdos e as propostas


de educação voltadas para eles inscrevem-se em um território
de lutas de imposição e contestação de significados.
Os surdos têm sido descritos na base de estereótipos que os
marcam na vida social e escolar. Mas que mecanismos, meios
de construção de significados constituem esses sujeitos como
incapacitados, inferiores e usuários de uma língua menor? Como
determinadas interpretações sobre os surdos e a surdez tenta-
ram se impor como verdades e que discursos resistem a esses
significados? Se fizermos uma rápida panorâmica histórica, vere-
mos como as múltiplas vozes de cada época produziram enun-
ciados que constituem diferentes significados sobre a surdez e
sobre os surdos.
Assim como há relações desiguais entre classes sociais, há
nas sociedades processos de construção de significados em que
alguns grupos têm o poder de caracterizar os demais seguindo
uma suposta referência de normalidade. Assim, o diferente, em de-
terminados discursos, é sempre o desviante do padrão ou daquilo
que certos grupos desejam fixar como padrão. Logo, a constituição

·9·
das identidades como legítimas ou não é um processo de luta que
mantém ou contesta significados.

Um pouco de história

Da Antiguidade clássica até finais do século XVI, os surdos


eram, de modo geral, considerados incapacitados para o ensino e
estavam impedidos de exercer seus direitos legais. Para o pensa-
mento da época, quem não tinha desenvolvido a fala naturalmente
não era considerado cidadão: não tinha acesso à instrução, nem
autonomia perante a lei.

Estamos nos referindo ao fato de se acreditar que a palavra oral era


algo superior, crença que reflete a concepção aristotélica, isto é, a idéia
de superioridade do mundo das idéias, da abstração e da razão repre-
sentada pela palavra.

De acordo com a literatura especializada, desde o final da Ida-


de Média há alguns registros de educação de surdos, realizada
por tutores que atendiam apenas filhos de família nobres. Entre
esses tutores que desenvolveram métodos, porém não os divul-
garam, o mais conhecido é o monge beneditino Pedro Ponce de
Leon, que viveu entre 1510 e 1584 na Espanha e é considerado
o primeiro professor de surdos da história. Embora não tenha dei-
xado registros de seu método de ensino, depoimentos escritos
de seus alunos revelam que seu trabalho privilegiava a escrita.
Ele inventou um alfabeto manual como instrumento de acesso à
escrita gráfica e à leitura, e somente após essa etapa trabalhava
a fala.
Com base no método de Ponce de Leon, que se tornou re-
ferência para a educação de surdos naquela época, Juan Pablo
Bonet publicou, em 1630, uma obra intitulada Reducción de las
letras y arte para enseñar a hablar a los surdos, que o tornou

· 10 ·
famoso. Essa publicação teve forte repercussão na Europa e
grande influência sobre as três principais referências da educa-
ção oral: Pereire, nos países de línguas latinas, Amman, nos pa-
íses de língua alemã, e Wallis, nas ilhas Britânicas. Esses três
educadores acreditavam que a oralização era o meio necessário
para humanizar os surdos.
Essa crença de que os surdos estariam fora da condição huma-
na pela falta da audição e da fala começa na Antiguidade, atraves-
sa os séculos e ainda persiste em nossos dias (Moura, 2000).
A primeira grande mudança no que diz respeito à educação
dos surdos nasce na França com o abade Michel de L’Epée (1712-
1789). É na França iluminista que se reconhece o potencial educa-
tivo dos sinais dando início ao gestualismo. L’Epée começou a se
interessar pelos surdos com o objetivo de realizar um trabalho de
catequização. Para isso, passou a observá-los nas ruas de Paris
e aprendeu a linguagem gestual pela qual se comunicavam. Ele
acreditava que os surdos que não podiam falar deveriam usar sua
linguagem natural para se expressar. Com base nesse pressupos-
to, elaborou um método, usado até meados do século XIX, que ele
denominou sistema de sinais metódicos. Esse método consistia
no uso dos sinais na ordem gramatical do francês aos quais eram
agregados morfemas da língua oral e sinais inventados para pala-
vras do francês que ele julgava não possuírem representação na
língua de sinais.
L’Epée fundou uma escola de surdos em 1755 e treinou profes-
sores que levaram seu modelo de ensino para outras localidades
da França e para outros países da Europa, o que resultou na cria-
ção de outras escolas de surdos. Duas décadas depois, publicou
um livro e conseguiu reconhecimento público de seu trabalho, o
que fez com que sua escola, o Instituto Nacional de Jovens Surdos
de Paris, se tornasse a primeira escola pública de surdos do mun-
do. Pela primeira vez na história, o ensino individual ministrado por

· 11 ·
preceptores cedeu lugar à educação coletiva1. Isso permitiu que as
crianças e adultos surdos pudessem interagir, constituindo-se como
pares. L’Epée teve muitos seguidores que fundaram centenas de
escolas semelhantes ao Instituto de Paris em todo o mundo.
A importância de L’Epée deve-se, sobretudo, ao espaço que, de
alguma forma, a língua de sinais passou a ter em sua escola, tanto
como meio de instrução quanto como meio de interação entre os
alunos surdos. Alguns deles tornavam-se gradualmente professo-
res da escola, como foi o caso de Laurent Clerc, que foi contratado
por Thomas Hopkins Gallaudet para organizar a educação de sur-
dos nos Estados Unidos.
No livro publicado por L’Epée, em 1776, em que descrevia seu
método, ele “refuta os ataques feitos contra a língua de sinais
que afirmavam que os sinais passavam apenas idéias concretas e
ataca o ensino da fala e o uso isolado do alfabeto digital” (Moura,
2000: 24). O Abade entendia que o treinamento da fala ocupava
um tempo precioso que deveria ser utilizado na transmissão de
conteúdos escolares, em oposição a seus contemporâneos, defen-
sores da oralização sem o uso da língua de sinais, especialmente
Jacob Pereire (1715-1780), na França, e Samuel Heinecke, funda-
dor da primeira escola para surdos na Alemanha.
A concepção oralista defendida por Heinecke e outros educado-
res crescia na Alemanha e em muitos outros países europeus. De
acordo com essa perspectiva, os alunos surdos deviam ser subme-
tidos à oralização e as línguas de sinais deveriam ser reprimidas
nas escolas, fato que no final do século XIX (1880) se legitimaria a
partir do Congresso de Milão, conhecido como marco do banimen-
to das línguas de sinais da educação de surdos.
É importante salientar que entre meados do século XVIII e a
1
A passagem da educação particular para uma educação coletiva e pública a cargo do
Estado ecoava os ideais de liberdade e igualdade, lemas da Revolução Francesa, de
uma sociedade que reivindicava instrução pública para todos.

· 12 ·
primeira metade do século XIX as experiências educativas através
do uso da língua de sinais eram habituais: os surdos alcançaram
direitos e cidadania, novas escolas de surdos foram fundadas, hou-
ve a promoção da formação de professores surdos que assumiram
grande parte dessas instituições. Depois desse período, uma his-
tória de predomínio absoluto da língua oral na educação de surdos
foi uma realidade por quase cem anos.

Segundo Sacks (1990) até 1850 a proporção de professores surdos


de crianças surdas alcançava o percentual de 50%. Entre 1780 e 1870
houve também uma grande produção artística e científica de surdos. Os
estudantes surdos se instruíam por meio da língua de sinais, havia es-
colas em que o ensino estava organizado dessa forma e o treinamento
articulatório era dado apenas para os surdos que pudessem se benefi-
ciar dessas técnicas.

Pode-se observar, portanto, que a escolariza-


Oralismo diz respeito a uma
ção dos surdos foi marcada, desde seu início, das metodologias de ensi-
pelo conflito entre duas tendências no ensino no presentes na educação
de surdos. Seus principais
– a oralização sem uso da língua de sinais e a
objetivos são o treinamento
instrução via língua de sinais para aprendizagem auditivo e o aprendizado da
de leitura, escrita e gramática –, às quais estão fala, ou oralização, como
condição para a aprendi-
subjacentes diferentes representações da surdez
zagem. Nessa abordagem
que se mantêm até hoje. educacional, a língua de
Um ano após a morte de L’Epée, em 1789, o sinais é vista como obstá-
culo à aquisição da fala e
Abade Sicard (1742-1822) assumiu a direção do
seu uso, portanto, é deses-
Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris, dan- timulado. Em razão desses
do continuidade ao trabalho do primeiro. Após a objetivos e procedimentos,
morte de Sicard, a disputa pelo poder de admi- o oralismo é apontado,
em boa parte da literatura,
nistrar a instituição reflete a oposição cada vez como um conjunto de prá-
mais acentuada ao papel das línguas de sinais ticas e representações cal-
na educação de surdos. A escola, já bem maior, pas- cadas em uma visão clínico-
terapêutica da surdez.
sa a ser dirigida pelos defensores do oralismo,

· 13 ·
interrompendo uma importante fase da história da educação de
surdos no mundo.

A interdição oficializada

No final do século XIX, as línguas de sinais e seus defensores


enfrentam um contexto histórico bastante adverso: os fortes movi-
mentos de consolidação dos estados nacionais. Vários países eu-
ropeus viviam esse processo no qual a unidade lingüística desem-
penhava um dos papéis mais importantes para a construção da
coesão nacional. A idéia de nação, originada na Europa do século
XVIII, se constrói com base em discursos e práticas que represen-
tam a nação a partir de uma identidade nacional única, apelando
para a necessidade de pertencimento e para uma (imaginária) ho-
mogeneidade étnica, religiosa, lingüística e cultural. Nessa política
de significação da nação, as diferentes línguas e culturas existen-
tes em cada território são tratadas como ameaças ou como proble-
mas a serem superados.
Embora possa parecer que a surdez esteja longe de questões
de nacionalidade, a imposição de uma língua comum parece inter-
ferir no modo como os surdos foram tratados. É nesse contexto
que ocorre, em 1880, um evento de triste memória – o Congresso
de Milão –, em que se decretou a proibição do uso das línguas de
sinais na educação de surdos em favor da oralização, isto é, em
favor das línguas majoritárias.

“Houve reações por parte dos surdos às decisões do Congresso de


Milão. Em fevereiro de 1889 ocorreu em Paris um Congresso Interna-
cional de Surdos para o qual nenhum professor ouvinte foi convidado.
Outros dois congressos internacionais, realizados em Chicago (1893)
e em Genebra (1896), apontaram o método combinado como o mais
adequado. Ainda houve um último congresso, em 1900, em Paris, mas
em todos esses eventos as opiniões dos surdos foram ignoradas pelos
sistemas educativos.” (Moura, 2000)

· 14 ·
O oralismo

Os argumentos usados para sustentar a proibição das línguas


de sinais visavam respaldar a equação entre desenvolvimento da
fala e desenvolvimento intelectual da criança surda. Assim, a lín-
gua de sinais deveria ser completamente abolida para permitir o
êxito do processo de oralização.
A orientação da educação de surdos voltada unicamente para
a aprendizagem da língua oral já havia sido defendida em vários
momentos da história da surdez, como já relatado, mas é com o
Congresso de Milão que essa abordagem se radicaliza2. A partir
daí, as línguas de sinais tornam-se focos de repressão física e/
ou psicológica e qualquer outro objetivo pedagógico é sacrificado,
secundarizado em favor da oralização.

Todo o ensino passa a estar condicionado à (improvável) aquisição da


língua oral, tornando-se esta condição para a aprendizagem dos conteú-
dos escolares. Os adultos surdos não participam mais do processo es-
colar e as comunidades surdas passam a ser consideradas “hordas pe-
rigosas para o desenvolvimento oral da criança surda e desapareceram
como realidade da instituição escolar e, portanto, de percepção coletiva
dos ouvintes”. (Skliar, 1997: 110)

Durante esse momento histórico, predomina e se fortalece,


perdurando até hoje, um modelo clínico-terapêutico da surdez, que
impõe uma visão audiológica de surdez, relacionada com a pa-
tologia do ouvido e que, na educação, se traduz em estratégias
e recursos de cunho reparador, corretivo. A surdez passa a ser
representada como um mal que afeta a competência lingüística

2 
O presidente do Congresso, padre Giulio Tarra, assim se manifestara sobre a língua de
sinais: “...sei que os meus alunos têm apenas sinais imperfeitos, os rudimentos de um
edifício que não devia existir, algumas migalhas de pão sem consistência e que nunca
serão suficientes para alimentar a alma” (citado por Lane, 1992:110).

· 15 ·
das crianças surdas, derivando daí a crença de que o desenvolvi-
mento cognitivo das crianças surdas depende do conhecimento
da língua oral3.
Esse modelo mantém sua hegemonia até os dias de hoje, sen-
do o surdo definido por suas características negativas e a edu-
cação se convertendo em terapêutica com o objetivo de dar ao
surdo o que lhe falta: a audição e a fala. Os alunos surdos são
considerados doentes reabilitáveis e o discurso pedagógico passa
a ser habitado por termos como “reabilitar”, “restituir”, “adestrar”,
“treinar”, “reforçar” (Skliar, 1997).
A partir desse momento, inaugura-se uma nova era na velha po-
lêmica entre o uso de sinais/gestos e a palavra oral na educação
de surdos. A força conquistada pelo projeto oralista reforça a ten-
dência que já ganhava corpo desde as experimentações de Itard4:
a medicalização da surdez. Esse “novo” olhar aos poucos vai se
tornando um paradigma com a transformação dos institutos edu-
cativos pedagógicos em espaços de técnicas terapêuticas e com
a exclusão dos professores surdos das escolas. Não surpreende,
portanto, que desde o Congresso de Milão (1880) até a década
de 60 do século XX não haja registro da participação de surdos no
debate científico e cultural (Skliar, 1997).
A representação dos surdos como anormais, como sujeitos
deficientes que devem ser submetidos a tratamento, vai se for-
talecendo e sendo incorporada pelos educadores. As falhas nos

3
A abordagem educacional denominada oralista opera com essa concepção de surdez
que, traduzida para a educação de surdos, estabeleceu a equivocada equivalência entre
desenvolvimento cognitivo e eficiência na oralidade, argumentando que a língua de si-
nais limitaria o surdo a seu mundo e impediria a aprendizagem.
4
Jean-Marc-Gapard Itard (1774-1838) era médico, especialista em otologia. Atuou no Ins-
tituto Nacional de Jovens Surdos de Paris sob a convicção de que a surdez precisava
ser “erradicada” ou diminuída a fim de que os surdos pudessem ter acesso ao conheci-
mento. Os métodos que utilizava para alcançar tais objetivos são questionados de modo
contundente em boa parte da literatura da área de educação de surdos.

· 16 ·
resultados educacionais são atribuídas à deficiência auditiva,
como até hoje se verifica. Em decorrência dessa concepção, os
surdos também eram olhados como sujeitos infantilizados, condi-
ção desejável para que se tornassem pacientes com os longos e
árduos treinamentos fono-articulatórios que, segundo os antigos
e atuais defensores dos métodos orais, os transformariam em
pessoas normais.
Dentro da metodologia oral, a ênfase era colocada na técnica
terapêutica para se chegar à fala, em detrimento do conhecimento
e da aprendizagem. As questões ligadas à aquisição e ao desen-
volvimento das habilidades de leitura e escrita eram colocadas em
um plano secundário, devendo ou não seu aproveitamento ser cre-
ditado ao próprio surdo. Os fracassos – que eram muitos – eram
atribuídos ou às técnicas mal empregadas ou à criança pouco es-
timulada, e o sucesso do surdo em outras áreas (afetiva, social,
escolar) era creditado sempre à sua maior ou menor oralização –
daí a ênfase em terapias de fala, no uso de aparelhos sofisticados
para amplificar os sons e nas técnicas para aproveitar ao máximo
o resíduo auditivo, além da leitura orofacial.
Mesmo nos Estados Unidos, onde prevalecia o método combi-
nado – e cujo representante (Thomas Gallaudet) no Congresso de
Milão votara contra as resoluções que afirmavam a superioridade
da fala sobre as línguas gestuais –, uma década após esse evento,
a quantidade de professores surdos havia se reduzido da metade
para um quinto na altura da Primeira Guerra Mundial e reduziu-se
para um décimo nos dias de hoje.

A comunicação total

Na década de 1960, em vários países do mundo, inicia-se uma


série de críticas aos métodos orais, pois a abordagem oral não
era capaz de dar conta das questões escolares do surdo – uma

· 17 ·
vez que sua grande ênfase era a fala – nem das questões da
linguagem oral, propriamente dita, uma vez que era escasso o
sucesso nessa empreitada. A algumas crianças surdas era per-
mitido ingressar no processo de alfabetização formal depois de
estarem “totalmente oralizadas”, ou seja, muitas vezes com 12
anos de idade, quando as crianças ouvintes já estavam, em geral,
em outra fase escolar. Isso representava um tempo muito grande
gasto com a oralização em detrimento dos conteúdos escolares e
mesmo assim os surdos não conseguiam aprender a falar, o que
gerava insatisfação.
Enquanto os fracassos com os métodos orais ficavam cada vez
mais evidentes, pesquisas sobre as línguas de sinais iniciadas nos
Estados Unidos pelo lingüista Stokoe revelavam que a língua de
sinais era uma língua natural (veja adiante, neste fascículo) como
as línguas orais. Nessa ocasião, em busca de resultados mais
positivos, surgem os métodos combinados dentro do que ficou am-
plamente conhecido como movimento da Comunicação Total, que
nada mais era do que poder usar todos os meios para consolidar
a comunicação entre surdos e ouvintes.
Nesse sentido, a oralização deixava de ser o objetivo maior
do trabalho com o surdo, para se transformar em apenas um dos
canais a ser estimulado com o objetivo de que a comunicação flu-
ísse mais entre surdos e ouvintes. A ênfase, nesse momento, era
a possibilidade de a criança surda desenvolver uma comunicação
efetiva com seus pares ouvintes. Dentro desse espírito, tudo o que
melhorasse a comunicação poderia ser utilizado com o surdo: o de-
senho, a escrita, a pantomima, a língua de sinais, a fala, o alfabeto
manual, gestos naturais etc. É claro que a língua de sinais, nesse
período, foi utilizada de diferentes maneiras. Havia métodos que a
utilizavam obedecendo à ordem da língua oral (o português sina-

· 18 ·
liado5, por exemplo) até seu uso com recursos importados das lín-
guas orais, resultando em vários métodos que eram utilizados nas
escolas, com maior ou menor adesão, com o objetivo de ensinar ao
surdo a gramática da língua oral. Acreditava-se que a comunicação
deveria ser privilegiada e não uma língua em particular.
Apesar de essas práticas todas serem reunidas sob o nome
de Comunicação Total (CT), havia diferenças entre os vários mé-
todos, com cada um enfocando mais um ou outro aspecto da
comunicação. Entretanto permanecia uma grande insatisfação em
relação ao rendimento escolar do aluno surdo. Os sinais eram
utilizados meramente como apoio da fala e os professores ouvin-
tes serviam-se da língua de sinais cada um à sua maneira, o que
resultou em críticas, pois tal funcionamento significava pouca au-
tonomia da língua de sinais, que era utilizada de forma, por vezes,
muito artificial.
A CT teve grande repercussão no Brasil nos anos 1980. Talvez
sua grande importância tenha sido a revitalização das línguas de
sinais utilizada pela comunidade surda, banida das escolas desde
o final do século XIX. Apesar de as línguas de sinais continuarem
existindo nos recreios e espaços sociais onde havia surdos, elas
ainda carregavam o estigma de atrapalhar a aprendizagem da fala
e, por isso, ainda nessa época muitas famílias e profissionais evi-
tavam o seu uso.
De qualquer forma, os estudos sobre as línguas de sinais ocor-
ridos durante o movimento da CT favoreceram um maior contato
5
Português sinalizado, ou bimodalismo, é o uso simultâneo de fala e de sinais, que leva o
léxico da língua de sinais a ser usado na ordem frasal do português. Essa superposição
de modalidades resulta numa interação bastante truncada entre ouvintes e surdos,
uma vez que simula a equivalência entre dois sistemas lingüísticos. Assim como não
é possível fazer uma tradução termo a termo entre português e inglês para o par de
frases “Quantos anos você tem?/How old are you?”, também não há como enunciar
em LIBRAS essa forma interrogativa seguindo a mesma ordem dos constituintes em
português (veja, também, a página 64 deste fascículo)

· 19 ·
com essas línguas e o movimento seguinte na educação dos sur-
dos veio a reincorporar a língua de sinais na educação de surdos e
dar a ela um papel fundamental. Foi a chamada Educação Bilíngüe
para surdos.

Educação bilíngüe

O fenômeno do bilingüismo tem sido tratado na literatura por


duas abordagens distintas: uma visão idealizada, que envolve mais
línguas de prestígio, caracterizada pelo “mito do bilingüismo per-
feito”, que concebe de modo abstrato o indivíduo bilíngüe; e uma
vertente sócio-funcional em que o bilingüismo é examinado em cor-
relação com fatores políticos, econômicos e sócio-interacionais.
O ensino bilíngüe para surdos aparece no Brasil por volta dos
anos 1990 e defende um espaço mais efetivo para a língua de
sinais nas propostas de ensino para surdos. Nessa abordagem
educacional, propõe-se que sejam ensinadas
Veja mais sobre esse duas línguas ao aluno surdo: a primeira seria a
assunto, no volume
O índio, a leitura e a escri-
língua de sinais e a segunda seria a língua oral,
ta... o que está em jogo?, de em sua forma escrita e/ou oral. Nessa proposta
Marilda do Couto Cavalcan- educacional, o surdo é visto como parte de mino-
ti e Terezinha de Jesus M.
Maher, desta coleção.
rias lingüísticas e de uma comunidade bilíngüe e
bicultural. Esses estudos trazem à área um con-
ceito que até então estava mais associado às línguas de prestígio,
como o inglês ou o francês: a educação bilíngüe.
A educação bilíngüe para surdos defende as línguas de sinais
como um direito lingüístico dos surdos e afirma a necessidade do
uso dessas línguas na construção dos conhecimentos escolares.

· 20 ·
“Assim sendo, os surdos [...] requerem educação [...] bilíngüe. O tipo
de bilingüismo é o diglóssico, isto é, o uso em separado de duas línguas,
mesmo que de modalidade diferente, cada uma em situações distintas.
A língua de sinais será usada em todas as situações em que uma lín-
gua materna é usada nas escolas, exceto no que se refere à escrita e à
leitura, onde ela pode ser o meio, mas não o objetivo. A língua oral será
ensinada enquanto segunda língua e será o veículo de informação da
tradição escrita.” (Ferreira-Brito, 1989:98)

Esse modelo educacional foi iniciado pelos suecos já em mea-


dos da década de 1970, quando, naquele país, as questões lingüís-
ticas do surdo saíram da alçada médica – pela primeira vez desde
que a língua de sinais fora banida no século anterior – para serem
tratadas como questões próprias de minorias lingüísticas. Depois
de algumas décadas, tais questões começam a ser incorporadas
ao universo brasileiro e o fracasso escolar do surdo começou a ser
visto de um outro ângulo, não mais como algo inerente à surdez,
mas como uma questão que afeta as minorias lingüísticas em ge-
ral, cuja língua materna não coincide com a do sistema escolar.
Como eram conceitos novos, eles ainda não estavam assimi-
lados pela prática escolar, mas, nessa época, vários trabalhos
já apontavam para a importância da língua de sinais na vida do
indivíduo surdo e a necessidade de os professores aprenderem
mais sobre essa língua (veja Sugestões de Leitura no final deste
fascículo).
As experiências com a educação bilíngüe na área da surdez ain-
da são recentes. No Brasil, apenas no ano de 2005 foi assinado
o decreto que oficializa a LIBRAS e torna obrigatório o seu ensino
nos cursos de formação de professores, o que demonstra que há
ainda muito a fazer se quisermos realmente oferecer ao aluno sur-
do um ensino bilíngüe de qualidade.
A proposta de uma educação bilíngüe para surdos envolve,
portanto, em primeiro lugar o reconhecimento de que as pessoas

· 21 ·
surdas utilizam uma língua legítima e, portanto, devem ter seus di-
reitos respeitados e assegurados. Além de ter que enfrentar o mito
de que todos os alunos compartilham uma mesma e única cultura,
a educação bilíngüe para surdos – diferentemente do que ocorre
com outras minorias – tem que responder ao de-
Para uma visão pa- safio da promoção de uma primeira língua não
norâmica sobre dife-
rentes experiências de edu- garantida pelas famílias, em sua grande maioria
cação bilíngüe para surdos ouvintes. Como diversos defensores de um pro-
em diversos países, consul- jeto de educação bilíngüe para surdos apontam,
te Skliar (1999), Atualidade
da Educação Bilíngüe para
a aquisição e a manutenção da língua de sinais
surdos: processos e projetos por essa minoria são cruciais para o desenvolvi-
pedagógicos (v. 1 e 2). mento emocional, social, lingüístico, cognitivo e
cultural dos indivíduos surdos.
A educação bilíngüe, porém, não se confunde com nem se limita
a questões lingüísticas. O desenvolvimento de um projeto de edu-
cação bilíngüe para surdos que de fato represente uma transforma-
ção pedagógica deveria ter como norte a oposição aos discursos
e às práticas clínicas hegemônicas e o reconhecimento político da
surdez como diferença.

· 22 ·
2. Aquisição da linguagem por
crianças surdas

É importante destacar, logo de início, que existem dois grupos de


crianças surdas:
P aquelas que nascem em famílias ouvintes;

P aquelas cujos pais também são surdos.

O processo de aquisição de linguagem nesses dois grupos


pode ser diferente, a depender da maior ou menor exposição des-
sas crianças à língua de sinais da comunidade surda.
Estudos realizados com os dois grupos de crianças surdas de-
monstram que o processo de aquisição de linguagem por crianças
surdas filhas de pais também surdos e sinalizadores é um proces-
so muito semelhante ao das crianças ouvintes que adquirem a lin-
guagem naturalmente vendo seus pais e outros adultos à sua volta
usarem a língua de forma contextualizada. Por meio da língua(gem)
as crianças constroem sentidos das/nas trocas comunicativas
com outros interlocutores e se constituem como falantes daquela
língua, sem que necessitem serem ensinadas formalmente.
Em suma, a criança surda que tem acesso à língua de sinais
dentro da própria família poderá desenvolver muito precocemente
essa língua, pois estará exposta ao fluxo da linguagem de modo

· 23 ·
muito natural, vendo seus pais se comunicando por meio de sinais.
A partir disso, passa a construir sentidos naquela língua e a usá-la
quando quer chamar a atenção dos pais ou quando necessita de
algo – mas apenas a criança surda dentro desse ambiente propício
poderá iniciar, desde o nascimento, sua construção da língua de
sinais interagindo com sua própria família. Nessa situação a crian-
ça surda começa a perceber que os movimentos das mãos comu-
nicam algo e, aos poucos, vai se constituindo sujeito dessa língua
de sinais – assim como as ouvintes compreendem muito precoce-
mente que os sons que ainda não dominam significam algo e num
curto período de tempo são usuárias desse sistema de símbolos e
passam a usar a linguagem oral dentro de seu grupo social.
Dessa forma, uma grande diferença entre a criança surda e
a criança ouvinte na fase inicial de seu desenvolvimento da lin-
guagem está no fato de ela ter nascido ou não perto de surdos
sinalizadores. Estando em ambiente propício, isto é, com pais si-
nalizadores, a criança surda vai perceber a linguagem por meio dos
olhos (visão) e vai se expressar por meio de sinais (feitos com as
mãos) no espaço.
Por estar exposta a uma língua que lhe é eficaz (a língua de
sinais), essa criança passará pelos mesmos estágios previstos na
literatura para a aquisição de língua(gem). No período pré-lingüísti-
co6 ela balbuciará como qualquer outra criança, inclusive com sons
do aparelho fonador; depois os sons desaparecem, mas permane-
ce o balbucio manual, até que a criança alcance o período denomi-
nado lingüístico, etapa em que aparecerão as primeiras palavras
(sinais). Logo em seguida, ela alcançará o estágio de combinações
de palavras, até que chegue ao estágio de múltiplas combinações,
em que já apresenta maior desenvoltura na produção dos sinais e

6
Os autores definem “período pré-lingüístico” como aquele que vai do nascimento
até por volta do aparecimento das primeiras palavras.

· 24 ·
os combina entre si para expressar suas necessi- Quadros, R. & Kar-
dades ou desejos, o que acontece já por volta de nopp, L.B., no artigo
3 ou 4 anos de idade, quando a criança surda já “Educação Infantil para sur-
dos” (In Roman, E., Steyer,
está no fluxo da língua de sinais – inclusive con-
V.E. (orgs.) A criança de 0 a
tando a seus pais histórias e fatos que ocorrem 6 anos e a educação infan-
na ausência deles. til: um retrato multifacetado.
Canoas, 2001, p. 214-230),
É preciso ressaltar que a criança surda usa
indicam que há duas for-
as mãos, os olhos, enfim o seu corpo todo e sua mas de balbucio manual re-
expressão facial para produzir significações e, alizado pelo infante surdo:
portanto, uma grande diferença entre as línguas o balbucio silábico e a ges-
ticulação. O balbucio ma-
orais e as línguas de sinais é o meio através do nual silábico seria aquele
qual a língua(gem) é veiculada: as línguas orais composto por combinações
necessitam do meio oral/auditivo para serem que já fazem parte do sis-
tema lingüístico das línguas
produzidas e as línguas de sinais do meio visual/ de sinais e a gesticulação
manual (ou viso-espacial). seria composta apenas de
Essa é uma grande vantagem das crianças gestos, sem organização
interna.
surdas que nascem em lares com pais também
surdos em relação às crianças surdas que são fi-
lhas de pais ouvintes: a possibilidade de estarem expostas à língua
de sinais desde o seu nascimento. E o que acontece com o outro
grupo de crianças surdas – as que têm pais ouvintes?
Em primeiro lugar, o grande problema desse grupo de surdos que
nasce em famílias ouvintes e que é a maioria – aproximadamente
95% dos casos de surdez – é ter pais que, por desconhecerem a
surdez, não se sentem preparados para lidarem com essa situação
de forma rápida. Os pais ouvintes, ao receberem o diagnóstico da
surdez, quase sempre ficam desorientados, pois não sabem o que
exatamente isso significa. Além disso, ao ouvirem o diagnóstico
dado pelo profissional médico, esses pais ouvintes, em sua maio-
ria, associam a surdez a algo patológico que poderá ser curado,
uma vez que são encaminhados pelo médico para a protetização e
para terapias fonoaudiológicas. A família, dessa forma, se empenha

· 25 ·
em procurar recursos para que o filho surdo aprenda a falar para
se “normalizar” e, nessa busca pela cura, passa por centros de
reabilitação, adquire aparelhos de amplificação e, não raro, busca
na medicina a solução para o “problema”, ou seja, se inscreve em
programas que fazem o implante coclear com o objetivo de curar a
surdez. Em suma, pais ouvintes têm mais dificuldade de aceitar a
surdez e de lidar com ela do que pais surdos. Estes últimos acei-
tam-na com naturalidade – afinal, eles próprios são surdos.
Outro grande problema para as crianças surdas filhas de pais
ouvintes é a dificuldade de adquirir uma língua que lhes seja aces-
sível. Por serem surdas, não conseguem adquirir a língua oral que
a família usa (o português, no caso do Brasil) e, por terem pais ou-
vintes que desconhecem a existência de uma língua de sinais, têm
mais dificuldade de acesso à língua de sinais (a LIBRAS) utilizada
pela comunidade surda brasileira. Em geral, só vão ter contato com
essa língua mais tarde, na escola, se encontrarem ali outras crian-
ças surdas sinalizadoras, ou em outros espaços freqüentados por
surdos (igrejas, associações de surdos etc.).
Essa é a grande desvantagem das crianças surdas filhas de
pais ouvintes: não terem a oportunidade de conviver com outros
surdos e não terem acesso à língua de sinais – conseqüentemen-
te, contam com poucas chances de perceber o funcionamento da
LIBRAS e, mais importante ainda, de compreender que fazem parte
de grupos de minorias lingüísticas e não de crianças com proble-
mas a serem remediados.
Alguns autores afirmam que a língua de sinais é a língua mater-
na ou a primeira língua dos surdos, não importando o momento em
que ela “entra” em suas vidas – se imediatamente ao nascer ou
em anos posteriores. Isso significa que a língua de sinais é aquela
que é mais acessível ao surdo.
Ao tratar desse tema, Behares e Pelluso (1997) dizem que
o conceito de primeira língua faz referência a fatores temporais

· 26 ·
ou cronológicos: seria aquela com a qual o infante tem contato
num primeiro momento, ao nascer, e, no caso de crianças surdas,
“quando se afirma que a língua de sinais é a língua materna do
surdo faz-se referência ao fato de que, na presença dela, o acesso
do surdo é imediato”, seja porque sua estrutura viso-manual lhe
facilita a compreensão, seja porque essa é a língua da comunidade
surda. Por isso, no caso da surdez, os conceitos de língua natural
e de primeira língua (ou língua materna) parecem sobrepor-se sem
maiores dificuldades; mas não deveria ser assim. Dizem eles:

“A distinção entre uma língua natural e uma segunda língua neste


caso está calcada na experiência psicolingüística de outras situa-
ções, a saber, aquelas em que uma pessoa que fala uma língua (a
qual se chama materna, ou primeira língua, ou simplesmente L1)
adquire uma segunda língua (estrangeira, de instrução, de imersão
em outra comunidade falante etc.)”.7 (Behares e Pelluso, p. 40)

Mais recentemente, com o avanço das pesquisas acerca das lín-


guas de sinais e das especificidades educativas de alunos surdos,
surge uma melhor compreensão do importante papel da língua de
sinais na vida acadêmica, social e lingüística do indivíduo surdo; daí,
um cuidado maior dos profissionais em encaminharem as famílias
ouvintes que têm filhos surdos para cursos de LIBRAS. Isso tam-
bém acontece em relação aos professores, que mais recentemente
têm sido orientados a aprenderem a língua de sinais para atuarem
de forma mais eficaz com crianças surdas na escola regular.

Behares, L.E. e Pelluso, L. A língua materna dos surdos: reflexões sobre o sentido da
7 

aquisição da linguagem pelo surdo. Revista Espaço. Rio de Janeiro: INES, 1997. p. 40-
48.

· 27 ·
É importante frisar que embora as línguas de sinais comecem
a conquistar mais visibilidade – sobretudo nos espaços educacio-
nais –, seu lugar como língua curricular de fato ainda está por se
estabelecer. Mesmo usufruindo do status de uma língua, compro-
vação legitimada por vários pesquisadores de diferentes países,
as línguas de sinais permanecem como sistemas lingüísticos pe-
riféricos ou auxiliares na maioria dos contextos educacionais. Em
todo o mundo, educadores, estudiosos e os próprios surdos orga-
nizados em associações têm lutado pela centralidade das línguas
de sinais na educação de surdos. Os contextos escolares em que
há estudantes surdos refletem os avanços e resistências nesse
campo de significados e práticas.

· 28 ·
3. Contextos
 educacionais
(os surdos na escola)8

A escolarização de alunos surdos pode seguir uma orientação


monolíngüe ou bilíngüe. No primeiro caso, os alunos surdos
estão imersos em classes regulares de ensino – ou mesmo em
escolas de surdos – nas quais a língua de instrução corresponde
à língua materna da maioria do alunado – o português –, e não há
intérpretes de LIBRAS.
Nos diferentes cenários bilíngües onde, além do português,
também circula a LIBRAS, os alunos surdos podem estudar:
P em escolas da rede regular de ensino (em turmas de ouvin-
tes com a presença de intérpretes de LIBRAS ou em classes
especiais); ou
P em escolas de surdos.

Dependendo do projeto educacional, da concepção de surdez e


de educação de surdos, e do grau de proficiência dos professores
em LIBRAS, as línguas em jogo nos cenários escolares assumem
diferentes papéis. E este é um ponto crucial, já que, como vimos,
para a maioria dos surdos a LIBRAS, além de ser importante traço

8
Releitura de Freire & Favorito, 2007.

· 29 ·
identitário, é a língua que lhes permite acessar e compartilhar in-
formações de modo significativo.
Nesse sentido, é sem dúvida altamente positiva a recente inser-
ção oficial9 da LIBRAS no mundo escolar, uma vez que não só pode
contribuir para que os surdos tenham acesso significativo às infor-
mações, como amplia a visibilidade dessa comunidade lingüística.
Porém, o simples ingresso da LIBRAS nas atividades escolares não
garante por si só a possibilidade de construção de conhecimentos.
Se a LIBRAS for utilizada como mero instrumento de comunicação
ou de simples transmissão de conteúdos, seu efeito na escolariza-
ção pode ser muito reduzido.
Não obstante o papel crucial da língua de sinais na educação
de surdos – seja para contemplar os processos de aquisição de
uma língua natural, seja como meio de instrução e interação e de
construção de conhecimentos –, a simples presença da LIBRAS em
sala de aula não basta para dar conta de um projeto educativo de
qualidade. Se assim fosse, o ensino para ouvintes brasileiros mi-
nistrado por professores brasileiros, em que se utiliza uma língua
comum a todos os pares da interação, não apresentaria os tími-
dos índices de avaliação, medidos por organismos internacionais e
pelo próprio Ministério da Educação e freqüentemente divulgados
na mídia.
É preciso, portanto, compreender as especificidades lingüísti-
cas e culturais dos surdos para que possamos elaborar projetos
educativos de qualidade para eles e com eles.
Em primeiro lugar é necessário considerar que, diferentemente
das crianças ouvintes, a maioria das crianças surdas depende da
escola para que, em contato com pessoas surdas proficientes, pos-
sam adquirir a língua de sinais, uma vez que aproximadamente 95%
9
A LIBRAS foi oficializada pelo Decreto-lei nº 10.436 de 24/04/2002, cujo texto foi
regulamentado pelo Decreto nº 5.626, publicado em 23/12/2005, no Diário Oficial
da União, nº 246 (págs. 28, 29 e 30).

· 30 ·
das crianças surdas têm pais ouvintes. Isso também ocorre com
muitos alunos surdos jovens e adultos que não raro chegam à esco-
la em condições lingüísticas semelhantes. Ambos os casos deman-
dam da escola uma política lingüística que lhes garanta a constitui-
ção de uma primeira língua do modo mais natural possível. Logo,
aqui já se desenha um primeiro compromisso da escola: propiciar
contextos de aquisição natural da LIBRAS para esses estudantes.
Em segundo lugar, é preciso pensar o que significa assumir a
LIBRAS também como língua de instrução. Entender a língua de si-
nais em seu papel curricular significa compreender a surdez como
experiência visual, isto é, significa de fato elaborar projetos edu-
cacionais em que haja não só profissionais (ouvintes e surdos)
competentes em LIBRAS, como também currículos e orientações
didáticas que contemplem as especificidades cognitivas, lingüísti-
cas e culturais das pessoas surdas.
É bastante comum, em conversa com estudantes surdos, as-
sim como em artigos, livros e pesquisas baseadas em entrevistas
com surdos, a demanda por um ensino que explore a imagem. Para
ser ter uma idéia dessa forte solicitação, compartilhamos com o
leitor opiniões e sugestões de dois alunos surdos do ensino médio
de uma escola de surdos:

“A língua de sinais, embora fundamental, não é suficiente, ainda


que o professor seja fluente; é preciso que se acrescente a ima-
gem, por exemplo: primeiro a professora daria aula em língua de
sinais, depois passaria um filme, por exemplo, o que permitiria que
o aluno surdo fizesse ligações entre o que o que foi “dito” e o fil-
me e, por último, seria apresentado o texto em português. São as
imagens que ficam na memória, são esses textos visuais que são
recuperados nas nossas conversas.” (Favorito, 2006:190)

· 31 ·
Em propostas de educação bilíngüe na qual a LIBRAS é assu-
mida como primeira língua, o português, seja no ensino formal da
disciplina Língua Portuguesa, seja nas demais áreas curriculares,
terá o papel de segunda língua. E aí se configura um segundo com-
promisso da escola: pensar estratégias específicas para o ensino
de português como segunda língua, bem como levar em conta que
um ensino totalmente centrado em textos escritos será de difícil
acesso para os surdos. Esse campo de pesquisa e de trabalho
didático ainda é muito novo no Brasil, mas já há algumas boas
contribuições e experiências divulgadas em artigos e livros nos
quais as escolas podem se basear para pensar seus projetos (veja
Sugestões de Leitura). Além disso, seria muito proveitoso que as
próprias escolas se engajassem em projetos de pesquisa basea-
dos em observação e registros de dados da sala de aula.
É preciso ter em mente, portanto, que, ao reconhecer a condi-
ção bilíngüe dos surdos, as escolas que trabalham com uma orien-
tação bilíngüe de ensino precisam discutir e organizar uma política
lingüística voltada para os aspectos lingüísticos e culturais desses
alunos, como parte do projeto político-pedagógico da instituição. É
interessante também saber que ensino bilíngüe em contextos de
minorias lingüísticas, embora sem tradição e pouco encorajado em
nosso país, não é uma demanda somente das comunidades sur-
das usuárias da LIBRAS. As comunidades indígenas, por exemplo,
legitimaram seu direito à educação bilíngüe garantindo-o na Cons-
tituição Federal em 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases em 1996
(veja, sobre esse assunto, o volume O índio, a leitura e a escrita:
o que está em jogo, de Marilda do Couto Cavalcanti e Terezinha de
Jesus M. Maher, nesta coleção). Nesses dois documentos legais,
está assegurada às comunidades indígenas a educação escolar bi-
língüe com currículos e programas específicos, conteúdos culturais
correspondentes às respectivas comunidades e material didático
específico e diferenciado.

· 32 ·
No momento atual, em razão de uma longa luta da comunidade
surda brasileira, a LIBRAS foi oficializada e tornou-se, por força
de decreto-lei, disciplina obrigatória nos cursos de formação de
professores e licenciaturas. Além disso, o mesmo decreto, entre
outras disposições, recomenda que todas as instituições de en-
sino proporcionem serviços de tradutor-intérprete de LIBRAS e de
língua portuguesa, a fim de garantir aos alunos surdos o aces-
so à informação e à educação. Entretanto, diferentemente do que
ocorreu com as comunidades indígenas, os surdos ainda não con-
quistaram legalmente o direito a uma escola bilíngüe própria para
surdos. Por esse motivo, a maioria dos surdos, na prática, têm sido
atendidos dentro de programas regulares de ensino, cujos projetos
são pensados para estudantes ouvintes. Ainda que alguns estabe-
lecimentos já contem com a presença de intérpretes, o que de al-
guma forma atenua as limitações de uma sala de aula monolingüe
em português, o direito a ser educado em LIBRAS seria apenas o
primeiro passo em direção à criação de uma política lingüística que
ofereça condições para que os surdos possam desenvolver suas
potencialidades com relação à aquisição de uma primeira língua, à
identidade com seus pares, à participação no debate lingüístico e
educacional, à vida comunitária e ao desenvolvimento de proces-
sos específicos de aprendizagem e produção cultural construídos
histórica e socialmente pelas comunidades surdas.
Tendo em mente as considerações feitas até aqui, descrevere-
mos e discutiremos a seguir os principais contextos que caracteri-
zam a escolarização de surdos no país.

Os surdos incluídos em classes regulares sem a presença


de intérpretes de LIBRAS

Neste contexto, ainda predominante no Brasil, os surdos estão


expostos a processos de instrução centrados na língua portuguesa

· 33 ·
como qualquer outro estudante no país. O desafio que lhes é im-
posto é quase sobre-humano: interagir com os conteúdos curricu-
lares apresentados e compreender o que dizem alunos e professo-
res ouvintes através da leitura labial10, reconhecidamente limitada
na possibilidade de acesso à informação.
Os casos isolados de sucesso documentados indicam que
o êxito escolar, nesse contexto, está condicionado a um in-
tenso apoio extra-escolar que inclui a oralização, em alguma
medida, bem como ao apoio ao aprendizado dos conteúdos
curriculares. Além disso, inúmeros relatos de adultos surdos
denunciam a profunda sensação de isolamento que essa expe-
riência pode causar, interferindo negativamente na auto-estima
desses alunos.

A sala de aula regular com a presença


de intérpretes de LIBRAS

A presença de intérpretes de LIBRAS nas salas de aula das


escolas regulares tem sido sistematicamente apontada como so-
lução para o contexto acima descrito.
Visando capacitar profissionais para atuação com surdos em
escolas regulares, a Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação (SEESP/MEC) constituiu, em 2002, um projeto intitu-
lado “Apoio à Educação de Alunos com Surdez”. O projeto oferece
cursos de LIBRAS para instrutores surdos e professores ouvintes,
e de interpretação LIBRAS/Português, visando melhorar a educa-

10
A leitura labial é um recurso para habilitar o indivíduo a relacionar movimentos
dos lábios aos fonemas produzidos no curso da fala. Segundo especialistas, os
melhores leitores labiais do mundo podem identificar em torno de 25% do que se
diz. Tal reconhecimento, no entanto, só é possível se, em alguma medida, o surdo
adquiriu a linguagem oral (o português), ainda que não seja considerado “um bom
falante” de português.

· 34 ·
ção de aproximadamente 50 mil11 alunos surdos matriculados na
educação básica. O objetivo é capacitar surdos como instrutores
da LIBRAS para que estes treinem professores ouvintes que vão
atuar como intérpretes nas escolas.
Analisando essa situação, é possível levantar pelo menos três
questões:

a) As crianças surdas nascidas em lares ouvintes12 – condição


da maioria dos surdos – não conhecem a língua de sinais e,
portanto, a simples presença do intérprete em sala de aula
não lhes vai garantir o acesso à informação, questão que
ultimamente vem merecendo a atenção de alguns pesqui-
sadores brasileiros (veja Sugestões de Leitura). Além dis-
so, não seria conveniente nem justo que as crianças surdas
tivessem como único “modelo” lingüístico de sua primeira
língua um ouvinte (no caso, o intérprete) para quem a língua
de sinais é uma língua estrangeira. Não é demais lembrar
que a maioria das crianças surdas e mesmo muitos adultos
surdos chegam à escola sem terem constituído um sistema
lingüístico satisfatório, em virtude de não terem tido a chan-
ce de serem expostos a um processo de aquisição natural.
Nesse contexto, pode-se estabelecer uma situação dupla-
mente “exótica”: a criança não tem acesso nem ao que diz a
professora, nem ao que lhe passa o intérprete.
b) No caso de os alunos já serem proficientes em língua de
sinais, a presença do intérprete não garante ao aluno surdo
o direito de negociar significados com o professor, o que em
tese é possível aos estudantes ouvintes. A construção do
11
Dados obtidos no portal da SEESP/MEC: http://portal.mec.gov.br/seesp (acesso em
22 de setembro de 2005).
12
Toda a literatura aqui pesquisada aponta que 95% dos surdos são filhos de pais ou-
vintes (veja, por exemplo, Lane, 1992).

· 35 ·
conhecimento demanda um processo de trocas discursivas
entre os participantes (professores e alunos) e, nesse es-
quema interacional (professor/intérprete/aluno), a participa-
ção do aluno surdo está impedida ou sofre muita restrição.
Os alunos surdos precisam fixar os olhos no intérprete para
não perderem informações e, na prática, é muitas vezes difí-
cil concatenar o fluxo das interações entre ouvintes com as
interrupções desse fluxo para atender às possíveis interfe-
rências dos alunos surdos.
c) E
 m qualquer sala de aula, não há garantia de que os alunos
compartilhem de conhecimentos prévios necessários aos
tópicos trabalhados. No caso dos alunos surdos, se o intér-
prete for sensível e puder fornecer informações extras, terá
que fazer discursos paralelos ao do professor para auxiliar
os alunos a acompanhar os temas tratados em aula. Essa
dupla tarefa de traduzir simultaneamente a fala do professor
e as interações dos alunos ouvintes com o professor e ainda
oferecer subsídios para o entendimento dos tópicos ensina-
dos provoca um descompasso entre ouvintes e surdos já su-
ficiente para obstruir o fluxo da interação, isolando mais uma
vez o aluno surdo do processo interacional da sala de aula.

Mesmo que o intérprete escolar seja “atento, ativo e participante, não


transforma o projeto educacional ouvinte em um projeto educacional que
pensa também as questões dos sujeitos surdos. O aluno surdo continua
à deriva, apreendendo aquilo que lhe é possível, em meio às adversida-
des”. (Lacerda, 2000: 82)

Com base nessas reflexões, mais duas outras questões tão im-
portantes quanto as anteriores podem ser formuladas em relação
às especificidades sociolingüísticas dos alunos:

· 36 ·
a) Como ensinar português como segunda língua em uma sala
de aula em que a imensa maioria dos alunos lida com o por-
tuguês como língua materna?
b) De que forma se contemplará o processamento visual de co-
nhecimento, característico dos surdos, nesse contexto pen-
sado e voltado para ouvintes? Junto aos alunos ouvintes,
como contemplar a surdez como experiência visual?

Skliar (2003)13 argumenta que a experiência visual dos surdos


ainda não se tornou um objeto de estudo importante nos projetos
escolares, já que os aprendizes surdos continuam sendo pensa-
dos do ponto de vista da limitação auditiva, localizados no dis-
curso da deficiência. Por essa razão, segundo o autor, quando se
comenta que os surdos são sujeitos visuais, esse reconhecimento
muitas vezes está restrito ao simples fato de as línguas de sinais
serem produzidas e percebidas visualmente. Para ele, no entan-
to, a experiência visual dos surdos vai muito além dos modos de
produzir e compreender sinais: “envolve, na verdade, todo tipo de
significações comunitárias e culturais” e é crucial nos processos
de escolarização.
Alguns exemplos dessa experiência visual citados pelo autor
seriam: as formas de nomeação dos outros através de sinais que
caracterizam traços visuais das pessoas; metáforas visuais; hu-
mor visual; a definição de categoria de tempo na língua de sinais
por meio de figuras visuais; a sugestão pelos próprios surdos de
didáticas e estratégias visuais de ensino, como acima exemplifica-
do; a rotação do corpo nas tomadas e trocas de turno nos diálogos
e para marcação de diferentes personagens em narrativas; litera-

13
SKLIAR, Carlos Bernardo. “Perspectivas Políticas e Pedagógicas da Educação Bilíngüe
para Surdos”. In: SILVA, Shirley & VIZIM, Marli (orgs.). Educação Especial: múltiplas leitu-
ras e diferentes significados. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura
do Brasil – ALB, 2003.

· 37 ·
tura visual em língua de sinais (por exemplo, narrativas, poesias,
lendas...) etc.
De acordo com essa visão, alguns pesquisadores brasileiros14
já levantam a hipótese de se considerar a possibilidade de um
letramento visual, salientando a importância de os profissionais
envolvidos com a educação de surdos refletirem sobre o papel da
imagem na apropriação do conhecimento.
Nas palavras da professora e pesquisadora surda brasileira Gi-
sele Rangel:

[fazer uso de recursos visuais na comunicação] “significa para nós,


sujeitos surdos, um resgate cultural, uma possibilidade de recriar-
mos no interior do currículo nossa cultura, nossa língua, nossa
comunidade, principalmente, representar a surdez enquanto uma
diferença cultural e não uma deficiência. Isso significa olhar a sur-
dez a partir de seus traços culturais, afastando-se do olhar pato-
lógico, da enfermidade e da normalização.” (Rangel15, 1998: 81)
[grifos da autora]

Em um projeto educativo que gira em torno da palavra escrita,


os surdos estarão sempre em desvantagem, com poucas condi-
ções de desenvolverem suas potencialidades.
Instala-se assim um verdadeiro paradoxo: os discursos favo-
ráveis à inclusão de surdos em salas de aula junto aos ouvintes
defendem a remoção de barreiras e ambientes o menos restritos

14
Veja também, a respeito da importância do letramento visual para o surdo, discussão em
Reily, L.H. “As imagens: o lúdico e o absurdo no ensino de arte para pré-escolares sur-
dos”. In: Silva, I.S., Kauchakje, S. & Gesueli, Z. Cidadania, surdez e linguagem: desafios
e realidades. São Paulo: Ed. Plexus, 2003:161.
15
RANGEL, Gisele. “Surdos: novos passageiros no mundo da Geografia”. In: Anais do Semi-
nário Surdez, Cidadania e Educação: refletindo sobre os processos de exclusão e inclusão.
Rio de Janeiro: INES, 1998 (81-82).

· 38 ·
possível, mas acabam por legitimar espaços em que o aluno, no
caso do surdo, se sente limitado: nem pode compreender por si
próprio o que dizem seus colegas e professores, nem tem a chan-
ce de desenvolver sua língua e cultura em um ambiente que possi-
bilite contato com seus pares.

As classes especiais

O aluno surdo incluído na escola regular pode também ser en-


contrado em classes especiais (do 1º- ao 5º- ano). Esse quadro é
tão preocupante quanto o exposto anteriormente, pois nem sem-
pre existe um padrão de organização para essas classes: elas po-
dem ser formadas só por alunos surdos; por alunos portadores
de diferentes “deficiências” e patologias; podem ser seriadas ou
multisseriadas. Na maioria das vezes, o professor responsável por
essas classes não tem uma formação específica e se sente total-
mente desprovido de instrumental teórico ou prático para vencer o
desafio que tem pela frente. E, mais uma vez, o que resta ao surdo,
como aos demais alunos nesse contexto, é um nível de escolarida-
de baixíssimo e... o fracasso. A tentativa de dar tratamento igual
às evidentes diferenças que aí se (des)encontram impede a cons-
trução de conhecimentos, inviabiliza qualquer projeto de ensino.
Uma vez mais as condições inadequadas de aprendizagem não só
impedem os surdos de desenvolverem suas potencialidades, como
acabam por reforçar o estereótipo de que os surdos apresentam
dificuldades inerentes à surdez.
Gostaríamos, porém, de frisar que a chamada “classe especial”
pode ser uma boa solução, sobretudo no caso dos surdos, desde
que seus pressupostos e objetivos sejam repensados: é possível
criar turmas de alunos surdos, na escola regular, desde que haja
investimento na formação do profissional que irá atuar com eles e
também que a escola busque se aproximar da comunidade surda,

· 39 ·
principalmente estabelecendo parceria com educadores surdos.
Em nossa realidade educacional, contudo, mesmo após o reconhe-
cimento da LIBRAS, ainda não contamos com políticas públicas
que favoreçam e estimulem essas necessárias mudanças. Incor-
poramos, então, em nossa discussão, as palavras abaixo, a respei-
to do incentivo a programas de formação maciça de intérpretes e
professores surdos promovidos pelo MEC nos últimos anos:

“É interessante considerarmos que, como não há investimento go-


vernamental na criação de escolas bilíngües para surdos, os intér-
pretes e professores surdos que se formarem naqueles programas
vão mesmo trabalhar, como auxiliares, nas escolas de ouvintes,
com os programas curriculares das escolas de ouvintes, cujas dire-
trizes emanam dos conhecidos Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCN.”16 (Souza, 2002:140)

A sala de aula da escola de surdos

As salas de aula das chamadas Escolas de Surdos podem ter


uma orientação monolíngüe ou bilíngüe. No primeiro caso, apesar
de todos os alunos serem surdos, é privilegiado na sala de aula o
uso do português oral ou do português sinalizado, e, assim, pode-
mos observar, como nos outros casos anteriormente analisados,
a reprodução de práticas pedagógicas conservadoras que deslegi-
timam os saberes dos alunos, ignorando, sobretudo, seu próprio
saber lingüístico, a língua de sinais. Em decorrência disso, a cena
que se observa é a de um professor que não conhece ou não se
compromete em aprender a língua que circula vivamente na co-
munidade discente (no nosso caso, a LIBRAS), impedindo que a
16
SOUZA, Regina Maria de. Educação de surdos e questões de norma. In: LODI, Ana
Claudia; HARRISON, Kathryn M.P.; CAMPOS, Sandra R.L. de; TESKE, Ottmar (orgs.). Le-
tramento e minorias. Porto Alegre: Mediação, 2002.

· 40 ·
interação em sala de aula ocorra de maneira natural e, conseqüen-
temente, tirando do aluno toda e qualquer chance de acesso ao
conhecimento.
No segundo caso, nas Escolas de Surdos com projetos de edu-
cação bilíngüe publicamente assumidos, podemos identificar três
tipos de experiências pedagógicas:

a) A maioria das experiências pedagógicas apontam para a pre-


sença quase absoluta de professores ouvintes com certo
conhecimento mas sem a proficiência desejável em língua
de sinais, que sozinhos são responsáveis por suas turmas
ou por suas disciplinas. A falta de uma língua que possibilite
a construção de um conhecimento compartilhado via nego-
ciação de significados acaba forçando o professor a operar
a partir de escolhas pedagógicas que favorecem a imitação
de modelos. Não é que o professor, necessariamente, não
queira ou não entenda a necessidade de engajar o aluno no
processo de construção de conhecimento; ele simplesmente
não pode fazer isso porque a relativa falta de proficiência na
língua de instrução limita a possibilidade de interação em
sala de aula e, conseqüentemente, o tipo de conhecimento
produzido nesse contexto.
b) Um outro tipo de sala aula observado representa, na verdade,
uma tentativa de solução para o problema discutido acima.
Falamos agora de contextos em que professores ouvintes
não suficientemente proficientes em língua de sinais atuam
em parceria com educadores surdos bilíngües. A presença
desses surdos adultos permite uma organização discursiva
em sala de aula que leve os alunos a uma participação ati-
va na construção do significado. É essencial que fique bem
claro que o papel do educador surdo não se confunde com o
do intérprete. Ele participa do planejamento das aulas, atua

· 41 ·
em sala de aula orientado pelo professor e em diálogo com
ele. Nesse esquema de trabalho, em que o professor ouvin-
te e o educador surdo atuam como parceiros, importantes
pistas sobre o processo de ensino–aprendizagem dos sur-
dos podem ser identificadas tornando-se objeto de estudo.
O educador surdo, por ser proficiente na língua natural dos
alunos e estar inserido na comunidade surda compartilhan-
do de suas vivências, de seus modos específicos de signi-
ficar o mundo, tem mais condições de observar aspectos
da aprendizagem que passam despercebidos aos olhos do
professor ouvinte.
c) F inalmente encontramos cenários em que professores sur-
dos e professores ouvintes proficientes em língua de sinais
podem atuar em escolas de surdos, sem ter que enfrentar
as questões lingüísticas anteriormente apresentadas. Em-
bora esse tipo de sala de aula, infelizmente, não represente
o contexto educacional mais comum para os alunos surdos,
seria, a nosso ver, o mais desejável, já que só esse contexto
pode garantir a condição necessária para que os saberes
possam ser negociados, problematizados, questionados. No
entanto, um projeto de educação bilíngüe não pode ser defi-
nido apenas pela questão lingüística. Mais do que isso, fazer
esta opção significa também incorporar os próprios surdos
nas decisões políticas referentes ao currículo, promover o
vínculo entre a comunidade surda e a escola e investir na
formação de professores surdos.

Projetos de educação bilíngüe que contemplem esses aspec-


tos vão ao encontro do que a comunidade surda brasileira vem
reivindicando há algum tempo. Seria um bom começo, para aque-
les que desejam trabalhar com surdos, a leitura do documento “A
Educação que nós surdos queremos”, elaborado pela comunidade

· 42 ·
surda a partir do Pré-Congresso ao V Congresso Latino-Americano
de Educação Bilíngüe para Surdos, realizado em Porto Alegre, RS,
no período de 20 a 24 de abril de 1999. O documento, enviado
ao MEC, apresenta propostas de políticas e práticas educacionais
para surdos, formação de profissionais ouvintes e surdos e defini-
ções de comunidade, cultura e identidade em suas relações com
projetos de educação bilíngüe para surdos. Nesse documento, re-
desenha-se uma outra escola possível, construída a partir de como
os próprios surdos se representam, de como narram sua própria
história, de como concebem seus significados para a surdez.
Pelo que acaba de ser exposto, entre a escola real e aquela que
os surdos desejam ainda há um desafiante caminho a percorrer e
muito que pesquisar e aprender nesse universo educacional.

Como bem sintetiza Fernandes (1999:79)17: “Há inúmeras ações a


serem praticadas que envolvem um projeto de educação que considere
em sua proposta curricular o legado histórico e cultural das comunidades
surdas, novas tecnologias educacionais pautadas essencialmente em
recursos visuais, formação de professores edificadas em concepções
sócio-antropológicas, maior participação da comunidade surda na gestão
dessa educação, entre outros aspectos. Não é apenas a mudança na
língua em que são transmitidos os conteúdos ou critérios de avaliação
mais justos em relação às diferenças lingüísticas que apresentam o que
vai garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a compreen-
são do sujeito surdo em sua totalidade sócio-histórico-cultural”.

17
A citação refere-se ao texto “É possível ser surdo em português? Língua de sinais e es-
crita: em busca de uma aproximação”, de Sueli Fernandes, publicado em Skliar, C. (org.),
Atualidade da educação bilíngüe para surdos, volume 2, obra resenhada nas Sugestões
de Leitura, neste fascículo.

· 43 ·
4. O surdo e a escrita

C omo vimos afirmando neste fascículo, na área da surdez, du-


rante muito tempo acreditou-se que o sujeito surdo só poderia
ter acesso à língua(gem) oral ou escrita se fosse submetido a trei-
nos de fala realizados em clínicas ou escolas. Mais recentemente,
no entanto, os surdos têm sido considerados parte de grupos de
minorias lingüísticas bilíngües; o processo de aquisição do portu-
guês escrito por esse grupo de alunos tem sido rediscutido e suas
dificuldades com a língua portuguesa apontadas como problemas
comuns às minorias lingüísticas.
As dificuldades dos alunos surdos para aprenderem a ler e a
escrever são relatadas por seus professores tanto da escola regu-
lar como na escola especial. A preocupação desses profissionais,
no entanto, restringe-se, ainda, aos aspectos mais mecânicos da
escrita, ou seja, as habilidades de codificação e decodificação, dei-
xando de lado a forma de o aluno surdo atribuir sentido a essas
atividades, na escola ou fora dela.
Neste fascículo queremos focalizar algumas questões relativas
à escolarização de surdos, principalmente aquelas que se referem
à aquisição da escrita, uma vez que aprender a ler e a escrever são

· 44 ·
atividades sociais que não envolvem apenas um conjunto de habili-
dades individuais (como, em geral, a escola supõe), mas dependem
principalmente de práticas culturais que são exercitadas em con-
textos coletivos socialmente organizados (veja, a esse respeito, os
volumes Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a
escrever?, de Angela B. Kleiman, e Aprender a escrever (re)escreven-
do, de Sírio Possenti, nesta coleção).
Afinal, como a criança surda será alfabetizada se ela não fala
português? Essa é uma questão que rotineiramente nos fazem os
professores da escola regular que recebem alunos surdos em suas
salas de aula. Em primeiro lugar, vale lembrar que muito do que é
dito em relação ao processo de alfabetização de crianças ouvintes
é válido para o grupo de crianças surdas. Referimo-nos ao fato de
que, antes de entrar para a escola, a criança (ouvinte ou surda) já
formula hipóteses sobre a leitura e a escrita se estiver em contato
com portadores de textos e se estiver no meio de adultos letra-
dos. Sem dúvida, ter contato sistemático com livros de histórias,
observar os adultos em eventos de leitura e ter oportunidade de se
aproximar desse objeto (a escrita) e dar a ele sentidos ajuda muito
o processo de aprendizagem de qualquer criança. Se a criança sur-
da – mesmo não sabendo ainda ler e escrever e usando uma língua
diferente daquela encontrada nos livros – for inserida no mundo
letrado, poderá entender de forma lúdica e informal que os livros –
e a escrita, de forma geral – têm uma função social que é útil em
muitas situações (escrever bilhetes para pessoas ausentes, fazer
listas de compras, enviar cartas para parentes distantes etc.).
Estudos já demonstram que crianças surdas acostumadas a
“ouvir” histórias por meio de língua de sinais chegam à escola
mais preparadas para a alfabetização formal, pois podem anteci-
par aquilo que está nos livros e entender com mais facilidade as
atividades propostas pela escola, que incluem o reconto de histó-
rias e diálogos sobre o conteúdo das histórias.

· 45 ·
Tudo que vale para o aluno ouvinte vale também para a criança
surda? Em certa medida, sim. A grande diferença entre surdos e ou-
vintes é a falta do domínio de uma língua socialmente reconhecida
antes de se iniciar na escolarização formal. As crianças ouvintes, de
modo geral, nessa fase inicial de alfabetização, já têm uma língua
que trazem de suas casas e que, em alguns casos, coincide com
a língua oficial da escola. Essa língua oral que a criança já domina
tem um papel importante em relação à escrita que ela irá aprender,
pois todo o seu conhecimento anterior ajudará na mediação do de-
senvolvimento de outras habilidades/tarefas, como a de escrever
(Vygotsky, 197918). A criança pode compreender que a linguagem
simboliza a realidade, mas não se relaciona diretamente aos obje-
tos no mundo, por exemplo. Daí a importância que a língua de sinais
adquire no aprendizado da escrita do português – será por meio
dessa língua que a criança surda poderá compreender mais efetiva-
mente a função da escrita sem que tenha que passar pela fala, isto
é, sem que necessariamente necessite antes aprender a falar.
É fato que, enquanto o ouvinte inicia seu processo de alfabeti-
zação já dominando a língua de sua comunidade e com vocabulário
compatível para sua faixa etária ou escolar, o surdo inicia seu pro-
cesso de alfabetização19 por volta de 6 ou 7 anos, ainda sem conhe-
cer (ou usar) a língua que seus professores, colegas e mesmo seus
familiares utilizam: o português oral. Para aprender o português
escrito na escola, ele irá se basear na língua que mais conhece e
usa – a LIBRAS e suas variações –, que não é reconhecida na esco-
la e na sociedade de modo geral como tendo estatuto lingüístico.

18
Vygotsky, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
19
As crianças surdas, de forma geral, iniciam o primeiro ano na mesma faixa etária que
a criança ouvinte, mas não dominam a língua de instrução da escola – o português
oral ou escrito. Em geral, tais crianças usam a língua de sinais da comunidade surda
ou variações dela, como, por exemplo, uma língua de sinais caseira, desenvolvida na
comunicação com seus pares ouvintes.

· 46 ·
Além disso, por não ouvir, ele não poderá apoiar-se na sonoridade
da língua oral e em suas características físicas na hora de escrever
– e por mais que os professores insistam em fazer essa ponte para
facilitar o aparecimento da escrita, isso não acontecerá. O surdo
não consegue se apoiar na oralidade, como faz a criança ouvinte,
para tentar entender o funcionamento da escrita em sua fase inicial
de alfabetização. Em alguns casos, as crianças surdas se valem da
leitura labial para fazer as relações da escrita com a oralidade, mas
isso nem sempre funciona, como veremos adiante.
A seguir mostramos um exemplo que ocorreu numa sala de
aula de 3ª série, freqüentada por uma aluna surda de 12 anos – a
única surda dos 36 alunos da classe. A professora solicitou que
a classe fizesse uma atividade de produção de frases escritas:
escrever cinco frases com a expressão “É proibido” e cinco com a
expressão “É permitido”. Ao tentar passar para a aluna surda o sig-
nificado dessas expressões, com a intenção de facilitar a sua com-
preensão, a professora modificou os enunciados para “O que não
pode fazer” e “O que pode fazer”. A partir dessa explicação a me-
nina produziu um enunciado que, para ela, retratava uma situação
proibida na sala de aula e que era, segundo foi possível observar
depois, muito usada pela professora no cotidiano escolar: “Não
papel calsão nós ela”. O sentido desse enunciado só foi recupera-
do com a ajuda da própria aluna, pois havia um elemento da oração
que não era reconhecido pela professora (calsão), só descoberto
depois que a menina ajudou com sinais. Era o seguinte: “Não (= é
proibido); calsão (quase uma transcrição de sua fala, significando
“cair no chão”; só recuperado com a ajuda do sinal que ela fazia
ao mesmo tempo que falava); nós referia-se ao grupo de crian-
ças e ela, à professora, que sempre repetia a frase em questão.
O enunciado era, então: “A professora falou que é proibido [nós]
jogar[mos] papel no chão”. Note que a sintaxe também foi afetada.

· 47 ·
OSV objeto, sujeito e ver- Alguns estudos20 já mostram que a estrutura sin-
bo; OVS: objeto, verbo e tática da LIBRAS pode ter outras ordenações, tais
sujeito; SVO: sujeito, verbo
como OSV, OVS e SVO, que podem ser diferentes
e objeto – a ordem das pa-
lavras é um conceito básico daquelas mais encontradas no português.
relacionado à posição que Ao produzirem tais textos, alguns alunos si-
determinados constituintes nalizam antes de escrever as palavras no papel,
ocupam na estrutura frasal,
e as línguas, quaisquer que mostrando que a escrita do aluno surdo não é
sejam elas, podem variar mediada unicamente pela fala21, aprendida a du-
segundo esse aspecto. ras penas, e presente no entorno escolar, mas
principalmente pela expressão visual, via língua
de sinais e de toda uma gama de linguagens (gestos, mímicas,
expressão facial, inseridos ora na fala ora na língua de sinais). Por
essa razão, é importante refletirmos sobre o “letramento visual”,
que deveria estar mais presente na aprendizagem da escrita pelo
aluno surdo.
Os exemplos a seguir mostram a escrita de uma criança surda
de 8 anos de idade que freqüentava a 2ª série do Ensino Fun-
damental e ainda não estava alfabetizada. Veja o conflito dessa
criança em relação à escolha de letras, à quantidade de letras
necessárias para se escrever determinadas palavras, à direção da
escrita – veja o espelhamento realizado pelo aluno no último exem-
plo – e ao valor funcional das letras no sistema.

20
Para ler mais sobre esse assunto, procurar, por exemplo, as obras de Ferreira-Brito,
L. (1995) e Quadros, R.M. & Karnopp, L.B. (2004), citadas nas Sugestões de Leitura,
neste fascículo.
21
Grande parte das crianças surdas ao escrever tenta se pautar no gesto articulatório da
fala que lhe é ensinada pelos profissionais que a atendem (o fonoaudiólogo, o professor
e mesmo a mãe), ocasionando uma escrita peculiar. Essas crianças podem ser obser-
vadas fazendo o gesto articulatório e tentando escrever o que aquele gesto evoca. Veja
alguns exemplos dessa situação: Bexexe para “presente”; xuju para “sujo” etc.

· 48 ·
Apesar de, nessa época, grande parte das crianças ouvintes
da sala desse aluno já se encontrar em outros estágios de alfabe-
tização, segundo relato da mãe (“todos eles já estão escrevendo
e a professora nem fala com ele”), suas hipóteses em relação à
escrita estavam ainda longe daquilo que a escola espera para esse
nível escolar. Esse aluno continuava tentando entender o funciona-
mento da escrita do português e sua produção, nesse e em outros
exemplos, representa essa busca solitária já que não era valoriza-
da ou confrontada pela sua professora.
Porque a professora não conhecia as implicações da surdez e
não sabia se comunicar com esse aluno (conforme a mãe explicita:
“a professora não sabe falar com ele; ela não entende ele”), o alu-
no surdo seguia à deriva em seu processo de alfabetização, sem
ter interlocutores com os quais pudesse confirmar ou retificar suas
hipóteses sobre a escrita.
Há muitos casos semelhantes a esses que levam o aluno sur-
do para um beco sem saída: a memorização da escrita. Temos
visto que, em geral, o aluno surdo na escola regular, por não ter
com quem interagir e não contar com o professor para ajudá-lo no
processo de construção da escrita, acaba se transformando num
aluno copista, por entender que as atividades de escrita são, ape-
nas, atividades de “copiação”.
Isso cria um entendimento de que para a escola apenas o de-
senho mecânico das letras tem valor. Ao proporcionar ao aluno

· 49 ·
surdo quase que exclusivamente atividades de cópia e ao ignorar
que ele, em geral, não entende o que escreve, a escola o exclui
como um sujeito aprendiz e com isso há uma distorção do papel da
escola, que deveria ser um espaço de transformação, mas passa
a ser um lugar apenas de conflitos não resolvidos.
É preciso lembrar que, principalmente com esse grupo de alu-
nos, é importante explorar outras perspectivas de trabalho para
a produção da escrita, com o objetivo de deixar de lado aspectos
mais mecânicos envolvidos nessa atividade e ajudá-los na cons-
trução de noções que fazem parte do processo de letramento, de
forma mais ampla: o que é a escrita, para que serve, como e por
que se escreve e para quem se escreve.

“...o trabalho lingüístico, ininterrupto, está sempre a produzir uma sis-


tematização aberta, conseqüência do equilíbrio entre as duas exigências
opostas: uma tendência à diferenciação, observável a cada uso da ex-
pressão, e uma tendência à repetição, pelo retorno das mesmas expres-
sões com os mesmos significados presentes em situações anteriores.”
(Geraldi, 1997:1222)

Baseando-nos em uma concepção de linguagem que privilegia a


interlocução como um espaço de produção de sentidos e de cons-
tituição de sujeitos, focalizamos a linguagem como um processo
criador que se refaz a cada momento no trabalho dos sujeitos e
com os sujeitos. Para o aluno surdo entender os mecanismos da
escrita, ele deve estar imerso num ambiente lingüístico que lhe
possibilite experimentar esse “trabalho” de e com a linguagem e
compreender esse aspecto dinâmico da linguagem e seu caráter
simbólico de representação.
Para continuar essa reflexão, seguem outros registros escritos
de alunos surdos que revelam a maneira diferente como lidam com
a escrita do português, apresentando “erros”, sobretudo de sintaxe,
22
Geraldi, W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

· 50 ·
o que levanta a discussão sobre a necessidade de se pensar em
metodologias diferenciadas para o ensino desse grupo de alunos,
que deveriam ser específicas para aprendizes de segunda língua.

“A língua de sinais, uma vez entendida como a língua materna do sur-


do, será, dentro da escola, o meio de instrução por excelência. A inclusão
deve privilegiar a visão, por meio do ensino da língua portuguesa escrita,
que, por se tratar de segunda língua, deve ser ministrada em turmas
exclusivas de surdos.” (MEC/SEESP – Ensino de língua portuguesa para
surdos: caminhos para a prática pedagógica. vol. 1, 2002, p. 47.)

A apropriação dos alunos surdos da escrita do português pode


parecer estranha para falantes nativos. Essa peculiaridade é per-
cebida pela maneira como os alunos surdos assimilam a língua
portuguesa, deixando a sua marca, seja pela falta de diversos ele-
mentos em seu texto escrito (como os artigos, as preposições e
elementos relacionais em geral), seja porque apresentam uma sin-
taxe que é estranha aos olhos do professor ouvinte, quando esse
grupo de alunos privilegia certas construções em vez daquelas
mais esperadas para o português escrito padrão convencionado
pela escola.
No trecho de texto apresentado a seguir, uma aluna surda, que
tinha 12 anos e cursava na ocasião a 5a série do Ensino Fundamen-
tal, responde à solicitação de sua professora – escrever sobre a
situação engraçada a partir de um texto sem palavras – e, na tenta-
tiva de escrever a palavra “manequim”, usa uma tradução literal da
língua de sinais (mulher – mão direita em A, palma para a esquerda,
polegar destacado. Passar o lado do polegar sobre a bochecha, em
direção ao queixo; duro – mão esquerda horizontal fechada, palma
para baixo, apontando para a direita; mão direita em X, palma para
a esquerda, acima da mão esquerda. Baixar a mão direita e bater
o lado do indicador sobre o dorso da mão esquerda duas vezes), o
que resulta em um neologismo criado pela aluna para resolver sua

· 51 ·
necessidade naquele momento específico: “mulher duro”, no lugar
do vocábulo “manequim”.

Isto posto, queremos marcar que o aluno surdo pode estar privi-
legiando na escrita aspectos outros, diferentes daqueles esperados
pelo ouvinte letrado (o professor) e isso, de certa maneira, explica
a necessidade do surdo de se apropriar de forma por vezes inespe-
rada da escrita do português para expressar suas idéias, marcando
nesse momento sua própria história de apropriação dessa língua.

· 52 ·
O texto anterior, resultado de uma atividade em que a produção
escrita foi realizada com a ajuda do HagáQuê23 (histórias em qua-
drinhos eletrônicas) – um editor de histórias em quadrinhos desen-
volvido no Instituto de Computação da Unicamp –, apresenta uma
dificuldade pontual, ainda não superada pela menina surda de 8
anos que cursava a 2ª série: “junto com comigo” no lugar de “junto
comigo”. Ela não havia compreendido ainda que, em português,
“junto comigo” dispensava o uso duplicado da preposição “com”
e, mesmo com a professora explicando a ela, nesse momento de
produção, que a preposição não era necessária, porque “comigo”
já contém a idéia expressa por “com”, ela não abriu mão de sua
hipótese inicial, por mais que fosse alertada para esse fato (ou o
“comigo” ou o “junto com” + nome). “Erros” como esse podem ser
classificados como parte do processo de aquisição de L2.
A recusa dessa aluna pode indicar que ela ainda não fez uma
reflexão sobre esse uso – a metalinguagem – e segue utilizando
fragmentos da língua portuguesa com um sentido muito particular,
próprio de usuários de línguas estrangeiras.

Para aprender a escrever é preciso operar conscientemente24 com as


unidades lingüísticas. O modo como o sujeito interage com a escrita é
também diverso daquele com o qual lida com a fala, pois, como coloca
Abaurre25 (1994:114):”o processo de aquisição da escrita redefine ne-
cessariamente a relação dos indivíduos com a sua língua materna, pela
exteriorização da língua, possibilitada pela escrita e materializada no es-

23
Trata-se de um software livre, que pode ser obtido no endereço eletrônico http://pan.
nied.unicamp.br/~hagaque/, e que objetiva propiciar atividades de produção de texto
para crianças em fase de alfabetização e/ou ensino fundamental, visando incentivar o
processo criativo sobre o gênero discursivo (história em quadrinhos) e o processo de
leitura escrita desses alunos.
24
Denomina-se atividade epilingüística a atividade do sujeito que opera sobre a linguagem,
quando explora os recursos de sua linguagem para produzir efeitos de sentido.
25
Abaurre, M.B.M. “A alfabetização na perspectiva da lingüística: contribuições teórico-
metodológicas”. Cadernos ANPED, n. 6, p. 91-123, 1994.

· 53 ·
paço gráfico, por meio de contornos que não são mais fônicos, e que vão
chamar a atenção a detalhes (forma e conteúdo) que antes passavam
despercebidos”.

Ao escrever uma receita de bolo, uma aluna surda de 11 anos


que cursava a 4ª série do Ensino Fundamental mostra as marcas
da língua que subsidia sua escrita:

· 54 ·
Essa aluna realiza algumas construções não esperadas para o
português, como a utilização do artigo de forma aleatória, organiza-
ção sintática que obedece a outros critérios, ausência de desinên-
cia para gênero etc., como “a bolo” no lugar de “o bolo”; “a farinha
copo” no lugar de “um copo de farinha”; “chocolate misturar e
colocar na batedeira” no lugar de “misturar o chocolate e colocar
na batedeira”; “o leite copo um” no lugar de “um copo de leite”.
Tudo isso mostra que ela se guia pela língua de sinais – da qual
tem mais domínio – para escrever o texto em português, ou seja,
percebemos, novamente, que muitos dos “problemas” encontra-
dos nos textos dos surdos se assemelham às dificuldades comuns
de aprendizes de uma segunda língua. Essas interferências mos-
tram, inclusive, que sua língua “forte”, ou seja, sua língua de maior
domínio, está presente ativamente no momento da elaboração de
seu texto escrito em português.
É preciso chamar a atenção para a forma como o aluno surdo é
ensinado. Em geral as metodologias utilizadas no ensino de surdos
enfatizam o recorte de palavras isoladas para facilitar sua compre-
ensão da língua portuguesa e transformam o ensino de língua num
trabalho de recortar o significado de palavras pura e simplesmente,
fora de sua função26 no mundo. Há uma ênfase na palavra no en-
sino de surdos (ela é colada nos objetos; por exemplo: cadeira, ar-
mário, lousa, geladeira etc.), justificada porque eles não conhecem
o português. E mesmo quando são apresentados a enunciados

26
Vale lembrar que, para Sausurre, os significados das palavras não são fixos, já que uma
palavra está sempre em relação com a outra no fluxo da fala, tanto no eixo paradigmáti-
co como no eixo sintagmático. Por isso mesmo o ensino de língua baseado em recortes
de palavras é algo que não corresponde ao uso da língua em situação real. Embora
compartilhemos dessa crença, tem sido difícil difundi-la mesmo para professores espe-
cialistas que atendem crianças e adolescentes, já que eles também partem da posição
de que é difícil para o surdo ler ou escrever textos, e por isso deve-se iniciar o ensino
de português pelas palavras, pressuposto que é compartilhado pelos professores que
ensinam surdos nas classes especiais e em salas de recursos.

· 55 ·
um pouco mais complexos (como, por exemplo, “O menino gosta
de leite”), o objetivo é a memorização da estrutura gramatical para
garantir o aprendizado da ordem “correta” das palavras.
Essa visualização quase única da palavra pode passar ao apren-
diz surdo a impressão de que o português (escrito e oral) é com-
posto apenas por palavras soltas e justapostas – o que é retomado
por ele na hora de escrever.
Deve-se chamar a atenção, novamente, para o fato de que,
apesar das diferenças estruturais entre língua de sinais e língua
oral, a primeira tem um papel importante em relação ao aprendi-
zado da leitura/escrita pelo surdo, pois somente através da língua
de sinais a base simbólica da linguagem poderá vir à tona mais
prontamente.
Nesta discussão, pretendemos ressaltar alguns aspectos que
comprometem a aprendizagem da escrita pelo aluno surdo. Um
deles é que, em sua grande maioria, a escola regular não assume
seu papel na construção de significados dos diversos conteúdos
escolares, seja pela falta de uma língua (LIBRAS) comum entre
aluno surdo e professores, seja pela falta de responsabilidade por
esse aluno permeada por uma concepção (simplista) de língua que
define, muitas vezes, as práticas do professor.

· 56 ·
5. O estatuto lingüístico das
línguas de sinais

C omo já dissemos antes, as línguas de sinais existem desde


que existem surdos no mundo. O abade De L’Epée já utilizava
língua de sinais para ensinar aos surdos na França de 1750 e,
mesmo depois da sua proibição como língua de instrução, ocorrida
no Congresso de Milão de 1880, as línguas de sinais continuaram
a existir no anonimato, fora dos espaços públicos e oficiais, mas
ainda sem o estatuto de língua natural. Referiam-se às línguas de
sinais como uma “língua de macaco”, mímica, como algo inferior
às demais línguas orais, e não creditavam a ela nenhum valor.
Tais preconceitos em relação aos surdos e às línguas de sinais
ajudaram a disseminar a idéia de que elas não eram verdadeiras
línguas e, além disso, que seu uso, pelas crianças surdas retar-
daria ou atrapalharia a aprendizagem da fala, objetivo maior do
oralismo (veja anteriormente, à página 13). As línguas de sinais
das comunidades surdas eram vistas como uma mistura de pan-
tomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos
abstratos, e acreditava-se que haveria uma única e universal língua
de sinais usada por todas as pessoas surdas do mundo – o que
não é verdade.

· 57 ·
Apenas por volta de 1960 um lingüista americano chamado
William Stokoe, ao pesquisar a Língua de Sinais Americana (ASL),
demonstrou para a comunidade científica que as línguas de sinais
eram línguas de fato e que, como as línguas orais, elas eram na-
turais. Daí em diante, várias pesquisas sobre as línguas de sinais,
principalmente sobre a ASL, forneceram uma descrição lingüística
estrutural, formal e funcional dos seus componentes, o que contri-
buiu, paulatinamente, para mudanças na maneira como elas eram
vistam pelas famílias e pelos profissionais da área da surdez.
Assim foi possível compreender, em relação às línguas de si-
nais, que sua estrutura gramatical está organizada a partir de al-
guns parâmetros. Os principais parâmetros são: a configuração
de mão (CM), isto é, a forma que as mãos assumem num deter-
minado sinal; o ponto de articulação (PA), lugar em que o sinal é
realizado no corpo; e o movimento (M) do sinal, conforme aparece
na figura a seguir27 . Os parâmetros secundários seriam aqueles
relacionados à expressão facial e à direção do olhar.

Depois de mais de 40 anos de estudos sobre as línguas de


sinais, passamos a entender um pouco melhor o seu funcionamen-
to – sua estrutura lingüística, seu princípio de organização e suas
27
 As figuras foram feitas a partir do fascículo elaborado pelas professoras Karin Lilian
Strobel e Sueli Fernandes, Aspectos Lingüísticos da LIBRAS. Governo do Estado do Para-
ná. Curitiba: SEED/SUED/DEE, 1998.

· 58 ·
propriedades formais. Mas a área demanda, ainda, muitas pesqui-
sas. No Brasil, esses estudos se iniciaram por volta da década de
1980 e se concentraram mais em relação à sintaxe, à morfologia
e à fonologia, não havendo ainda, portanto, estudos que nos dêem
maiores informações sobre outros aspectos da LIBRAS. Mais re-
centemente, apareceram os primeiros dicionários, feitos por aca-
dêmicos, que dão idéia da vastidão do léxico dessa língua e da
complexidade de seu uso.
Muitas pessoas ainda acreditam que as línguas de sinais são
línguas universais, mas, ao contrário disso, cada país tem a sua
própria língua de sinais, com uma estrutura própria, do mesmo
modo que os diversos países têm uma (ou mais) língua oral. No
Brasil, por exemplo, temos a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS);
nos Estados Unidos, há a Língua de Sinais Americana (ASL); na
França, a Língua de Sinais Francesa (LSF), e assim por diante. A
língua de sinais dos surdos brasileiros, por exemplo, teve origem
na LSF, pois, na época do Império, ao criar o Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), D. Pedro II trouxe da França um profes-
sor surdo francês, Ernest Huet, que tinha por incumbência ajudar
na parte pedagógica daquela instituição. É claro que esse surdo
francês trouxe sua língua de sinais francesa e aqui deve ter tido
contato com a língua de sinais dos surdos brasileiros; por isso,
essas duas línguas são muito semelhantes entre si.

O Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), fundado em 1856,


pelo professor francês surdo Ernest Huet, com o apoio de D. Pedro II, foi
a primeira escola para surdos do Brasil. Ainda hoje é a única instituição
do sistema federal de ensino destinada a alunos surdos. Subordinado
à Secretaria Especial de Educação do MEC, faz parte da administração
direta do Ministério e é considerado oficialmente referência nacional na
área da surdez. Para mais detalhes, acesse o site www.ines.org.br.

· 59 ·
Pidgin é visto por muitos Vários estudos tiveram como mérito desesti-
autores como uma língua mular a crença anterior de que as línguas de si-
simplificada que é derivada
nais eram apenas “traduções” das línguas orais
de duas ou mais línguas
que estão em contato. Se-
ou pidgins primitivos e mostraram que, como
ria uma língua de contato qualquer outra língua, as línguas de sinais pos-
desenvolvida e usada por suem uma estrutura semântica, morfológica e fo-
pessoas que não compar-
tilham uma língua comum
nológica, além de uma estrutura pragmática pró-
e que ocupam uma mesma pria. O uso do espaço adquire nessas línguas um
área geográfica. estatuto diferente, já que assume valor sintático
e possibilita a simultaneidade, algumas das dife-
renças primordiais entre essas línguas e as línguas orais. Assim,
as línguas de sinais se distinguem das línguas orais porque utili-
zam um meio ou canal visual-espacial e não oral-auditivo, ou seja,
são percebidas visualmente e articulam-se espacialmente, isto é,
de forma diferente das línguas orais-auditivas, utilizam a visão para
a sua apropriação.
As línguas de sinais têm características semelhantes às lín-
guas orais, pois são dotadas de dupla articulação (que são as
unidades mínimas distintivas e sem significado de uma língua que
se unem para formar unidades maiores e com significado) e de
produtividade (a partir de um conjunto finito podem-se construir
novas formas). Nas línguas de sinais encontramos vários sinais
icônicos (quando o referente é apresentado de forma muito próxi-
ma ao objeto a que ele se refere), mas isso não quer dizer que tais
línguas sejam formadas apenas por sinais cujo referente lembra
“fielmente” a realidade. Além disso, mesmo esses sinais icônicos
não são universais, ou seja, cada língua de sinais, de diferentes
países, recorta essa realidade de uma forma muito peculiar – daí
serem considerados sinais convencionais.

· 60 ·
“Árvore” LSC “Árvore” LIBRAS

Em relação ao sinal “árvore”, apresentado nas figuras acima,
observe que embora os dois sinais – o da Língua de Sinais Chi-
nesa (LSC) e o da LIBRAS – refiram-se ao objeto “árvore”, ambos
recortam essa realidade por meio de aspectos diferentes. Veja que
em LIBRAS o desenho de árvore vai privilegiar a sua copa (mão
aberta e em movimento mostra a copa das árvores) e na LSC op-
tou-se pelo alçamento do formato do tronco (as duas mãos em C
mostram o tronco da árvore), isto é, o léxico de LIBRAS é formado
por palavras que mantêm uma relação arbitrária com a realidade,
da mesma forma que as palavras na língua oral.
Em relação à fonologia, os articuladores primários das línguas
de sinais são as mãos que se articulam no espaço em frente
ao corpo em determinadas posições e os sinais Fonologia é o estudo dos fo-
podem ser realizados tanto com a mão direita nemas de uma língua. Os fo-
como com a mão esquerda. Quando os sinais nemas têm valor contrastivo,
mas não têm significado.
exigem o uso das duas mãos, o sinalizador deve
obedecer a dois princípios, chamados princípio de simetria (quan-
do um sinal é feito com as duas mãos, deve-se usar uma mesma
configuração de mão) e princípio de dominância (quando duas
mãos não compartilham a mesma configuração, a mão ativa deve
produzir o movimento que requer o sinal enquanto a passiva deve
servir de apoio).

· 61 ·

“Verde”
“Casa”

Veja, nos exemplos das figuras acima, que quando temos o uso
das duas mãos, a configuração das duas mãos deve ser a mes-
ma (cf. princípio de simetria), como na segunda figura acima, que
traz o sinal de “casa”, quando as duas mãos devem obedecer ao
mesmo movimento e configuração. Porém, quando a configuração
das duas mãos é diferente (cf. princípio de dominância), como na
primeira figura acima, que representa o sinal de“verde”, há uma
mão que produz o movimento – a mão ativa – e outra que serve de
apoio – a mão passiva.
Morfologia é o estudo da
Em relação à morfologia, temos que a estrutu-
estrutura interna das pala- ra de LIBRAS é complexa da mesma forma como
vras, sendo os morfemas ocorre nas línguas orais em relação ao proces-
as unidades mínimas de
so de formação de palavras. As palavras, tanto
significação.
nas línguas orais como nas línguas de sinais, se
constituem a partir de unidades mínimas distintivas – ou fonemas
– que, sendo substituídas, formam novas palavras. Veja nas figu-
ras da página ao lado: a mudança de um único parâmetro (PA) foi
suficiente para a alteração do sentido da palavra.

· 62 ·
“Aprender” “Sábado”

Dentro do léxico de LIBRAS há empréstimos, geralmente fei-
tos do português, que são soletrados manualmente, através do
alfabeto manual. Tais empréstimos ocorrem quando há na conver-
sação uso de termos técnicos que não existem ainda na língua
de sinais.

A soletração manual é muito utilizada para apresentar os no-


mes próprios das pessoas. Em LIBRAS, os nomes próprios são re-
presentados por sinais particulares; além disso a soletração ma-
nual é usada quando há mal-entendidos na comunicação, quando
um dos interlocutores não sabe ou não entende um sinal feito
pelo outro.

· 63 ·
Com relação à sintaxe de LIBRAS, temos que a ordem dos cons-
tituintes não obedece necessariamente à ordem que existe para
o português. Essa ordem pode ser diferente. Por exemplo, quando
um surdo pergunta quantos anos você tem, não precisa de todos
os elementos do enunciado em português:
P Quantos anos você tem? – enunciado feito em português.

P Você anos? – enunciado feito em LIBRAS.

Em LIBRAS não há a necessidade de marcar outros elementos


que são articulados junto com os dois termos apresentados no
enunciado em português, pelo uso da expressão facial e pelo olhar
– marcas importantes nas línguas de sinais. Por essa razão muitos
surdos, quando estão aprendendo a escrever em português, fazem
frases que mostram as interferências da língua de sinais.

· 64 ·
6. Perguntas freqüentes sobre a
surdez (mitos)

1. Qual a denominação mais apropriada: “surdo” ou “defi-


ciente auditivo”?
Há conotações diferentes em relação ao uso dos termos “sur-
do” e “deficiente auditivo”. A literatura internacional apresen-
ta definições diferentes para o uso desses dois termos: “de-
ficiente auditivo” é uma expressão marcada, pois associa o
indivíduo surdo à área clínica; já o termo “surdo” está mais
relacionado às diferenças lingüísticas e culturais. A diferença
no uso desses termos – surdo ou deficiente auditivo – está
relacionada ao grau de perda auditiva e/ou tipo de comuni-
cação utilizada, ou seja, quando se trata de focalizar a perda
do sujeito surdo utiliza-se mais freqüentemente a expressão
“deficiente auditivo” e quando se trata de enfatizar o tipo de
comunicação que esse indivíduo desenvolveu no seu grupo
social, utiliza-se preferencialmente o termo “surdo”.

2. Quais as causas da surdez?


No Brasil as causas pré-natais de surdez (antes de a criança
nascer) são rubéola congênita, hereditariedade e fatores ge-

· 65 ·
néticos e anóxia perinatal. Para as causas pós-natais (depois
que a criança nasce), os fatores principais são baixo peso da
criança ao nascer (menos de 1,5 kg), hiperbilirrubinemia, me-
dicações ototóxicas e anóxia perinatal, e doenças infecciosas
tais como caxumba e sarampo. Embora a origem da surdez
esteja associada a uma questão de natureza orgânica, esse
sentido pode ser deslocado quando o surdo adquire a língua
de sinais e interage com seus pares, passando a se ver como
pertencente a um grupo ou a uma comunidade surda.

3. Há diferenças entre a criança que nasce surda e aquela


que perde a audição posteriormente, para aquisição da fala?
Sim, há diferenças. A criança que nasce surda ainda não con-
seguiu aprender a linguagem de seu grupo familiar e, portanto,
terá dificuldade em adquirir a língua oral, uma vez que haverá
comprometimentos variados para perceber os sons da fala. De-
pendendo da perda auditiva, ela não ouvirá os sons da voz hu-
mana e mesmo os sons que ela mesma produz. É importante
dizer que algumas crianças que nascem com perdas auditivas
mais severas ou profundas conseguem ouvir apenas sons mui-
to intensos como turbina de avião, trovão, mas não conseguem
perceber outros sons como uma porta batendo, pessoas con-
versando etc. As famílias às vezes têm dificuldade de perceber
a surdez de seu filho, pois mesmo a criança surda produz o
balbucio quando bebê e, por essa razão, os pais acreditam que
ela escuta. Apenas quando a criança já está com idade entre 2
e 3 anos e não fala é que a família suspeita da surdez.
Já uma criança que perde a audição depois do nascimento,
dependendo do tempo em que ocorreu a perda, poderá ou
não falar. Se a perda da audição ocorreu no início do processo
de aquisição da linguagem, ou seja, por volta do primeiro ou
segundo ano de vida, essa criança, em geral, não conseguirá

· 66 ·
falar como a criança ouvinte, mas se a perda da audição tiver
ocorrido mais tarde, por exemplo, por volta dos 7 ou 8 anos de
idade, a criança preservará a linguagem oral adquirida, mes-
mo deixando de ouvir. Nesses casos, a criança crescerá ainda
utilizando a fala e poderá melhorar sua maneira de falar e
fazer leitura labial (perceber o que os ouvintes falam a partir
dos movimentos dos lábios ao articular as palavras) com a
ajuda de fonoaudiólogos que irão aproveitar, por meio de in-
tervenções clínicas, seus “resíduos auditivos”, possibilitando
a essa criança fazer um uso mais adequado do que restou de
sua audição, uma vez que ela não poderá mais contar com
esse feedback.

4. Com o uso de aparelho, o surdo vira ouvinte?


Não. Dependendo do grau da surdez, mesmo usando um apa-
relho de amplificação que o ajuda a aproveitar melhor seus
restos auditivos, em muitos casos, o surdo não conseguirá ou-
vir os sons da fala humana – pela dificuldade de discriminá-los
em uma conversa ou em uma aula – ou os sons da televisão
mesmo em volume alto. O que é preciso entender é que o
indivíduo surdo pode se beneficiar do uso do aparelho de am-
plificação, mas isso, em muitos casos, não é suficiente para
fazê-lo ouvir como uma pessoa ouvinte e, por isso, sua fala
também será marcada por essa diferença. O trabalho com um
fonoaudiólogo poderá favorecer a produção de sons vocálicos
e consonantais, a conversa espontânea, dificuldades relativas
a fonemas específicos e a ampliação de vocabulário. A dura-
ção desse trabalho varia de sujeito para sujeito e, em alguns
casos, dura até a adolescência.

· 67 ·
5. Se o surdo aprender a falar, ele poderá aprender a
escrever?
Em primeiro lugar é preciso destacar que mesmo a criança
ouvinte, que já domina a língua oral quando entra para a es-
cola, terá que aprender uma nova modalidade de linguagem:
a escrita. Há certa confusão dentro da área da surdez quando
se trata do processo de alfabetização da criança surda, já que
muitos educadores de surdos, principalmente os adeptos do
oralismo, pensam que para essa criança aprender a escrever
primeiro deveria aprender a falar – é a crença de que a fala
precede a escrita e se a criança surda não fala, antes de ser
alfabetizada, ela deve ser oralizada. Contudo, é preciso enten-
der que a escrita não é cópia da fala, por isso, mesmo que a
criança surda aprenda a falar com a ajuda de aparelhos, trei-
nos de fala e leitura labial e ajuda do profissional fonoaudiólo-
go, não é garantido que ela aprenderá a ler/escrever como os
ouvintes. O aprendizado da fala não está diretamente ligado
ao aprendizado da escrita, apesar de sabermos que a criança
ouvinte se pauta na língua que ela já domina (a oral) para fazer
sentido daquela que a escola vai lhe apresentar (a escrita).
É preciso salientar ainda que o som da fala não faz sentido
para a criança surda e que seu processo de aprendizagem da
língua escrita passa por um outro canal: o visual.

6. A LIBRAS atrapalha a oralização da criança surda?


Esse é um equívoco muito freqüente quando se trata de crian-
ças surdas que estão aprendendo a falar, de maneira artificial,
dentro de clínicas e são expostas à língua de sinais. Como o
acesso à língua de sinais é imediato, por ser mais natural a
essas crianças, elas rapidamente conseguem utilizar a língua
de sinais e se comunicar com o mundo de forma mais efetiva,
o que é bastante positivo para sua vida afetiva, social e esco-

· 68 ·
lar. Além disso, é preciso salientar que a criança surda é um
ser bilíngüe que sabe que quando está com ouvintes poderá
utilizar mais a língua oral, se tiver condições, mas que, quando
está com outros surdos, tem consciência de que usar a lín-
gua de sinais é mais eficiente. Ela usará uma ou outra língua
dependendo do espaço em que se encontra e com quem ela
conversa. Isso assusta as famílias e os fonoaudiólogos mais
tradicionais, pois pode parecer que essa criança está perdendo
a linguagem oral alcançada a duras penas nos anos anteriores
– mas não é correto pensar assim. Ela está se ajustando ao
seu interlocutor e fazendo escolhas sobre sua própria língua.
Esse fenômeno pode ser observado em diversos outros con-
textos em que uma língua estrangeira está presente (maiores
informações sobre esse tema poderão ser encontradas no vo-
lume O índio, a leitura e a escrita... o que está em jogo?, de
Marilda do Couto Cavalcanti e Terezinha de Jesus M. Maher,
desta coleção). E é preciso ter em mente que, para qualquer
pessoa, o processo de aquisição de outra língua se apóia em
uma língua adquirida naturalmente. Isso quer dizer que, em
grande parte, o sucesso de um surdo na aquisição da língua
majoritária está relacionado ao seu acesso o mais cedo possí-
vel à língua de sinais.

7. LIBRAS e datilologia são a mesma coisa?


A LIBRAS não se resume à datilologia, que pode ser definida
como a escrita “no ar” por gestos com as mãos, que corres-
pondem às letras do alfabeto. O Alfabeto Manual é uma parte
marginal nas línguas de sinais e por isso não deve ser con-
fundido com a língua em si. O uso desse recurso pela crian-
ça surda só vai ocorrer quando ela puder compreender essa
relação com a língua escrita (o português, no nosso caso). O
alfabeto manual é muitas vezes empregado por surdos para

· 69 ·
facilitar o contato com ouvintes pouco fluentes em língua de
sinais ou para fazer referência a termos ainda não codificados
em sinais.

8. O surdo que adquire/aprende LIBRAS tardiamente será um


interlocutor fluente em LIBRAS?
Sim. Pode-se dizer que mesmo o surdo que adquire a língua
de sinais tardiamente poderá tornar-se fluente, pois sendo a
LIBRAS uma língua mais acessível a ele, em um período de tem-
po relativamente curto ele poderá entender seus mecanismos
e usá-la em suas trocas comunicativas, principalmente quando
elas ocorrem dentro da comunidade surda. Temos que chamar
a atenção, entretanto, para o fato de haver várias maneiras de
se utilizar as línguas de sinais. Embora elas já estejam sendo
descritas em dicionários, demandam ainda muita observação
em relação aos seus diversos usos. O uso que um surdo esco-
larizado faz da língua de sinais pode ser diferente do uso que
faz o surdo não-escolarizado. É preciso entender que dentro
das línguas de sinais há também um dialeto de mais prestígio,

· 70 ·
utilizado por um grupo que tem mais poder na Idioleto é o uso particular
comunidade de surdos. Já sabemos que há que cada indivíduo faz de
variações regionais na LIBRAS. Há, também, sua própria língua, ou seja,
a maneira diferenciada que
variações sociais, além de mudanças históri- as pessoas têm de usar a
cas. Como em qualquer língua, o dinamismo sua língua.
das línguas de sinais faz com que muitos ou-
vintes estranhem que um indivíduo surdo se expresse de um
jeito diferente do de outros surdos com os quais ele tem con-
tato. São os “dialetos” ou os “idioletos”, que podem, ao olhar
mais desavisado do ouvinte, ser confundidos com erros.

9. E quando o surdo e o ouvinte misturam as duas línguas


para se comunicar?
A mistura de línguas é um fenômeno natural no contato entre
duas ou mais línguas e não deve ser vista como um problema
nem deve ser proibida ou controlada. Esse é um fenômeno
chamado de code-switting ou “mudança de código” e aparece
quando uma pessoa que usa uma determinada língua entra
em contato com outra língua, como é o caso dos surdos que
estão imersos no português em suas casas e na escola, mas
usam a LIBRAS. (Veja, sobre esse assunto, o fascículo O índio,
a leitura e a escrita: o que está em jogo?, de Marilda do Couto
Cavalcanti e Terezinha de Jesus M. Maher, nesta coleção.)

10. A LIBRAS é uma língua universal?


Não. A LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – não é uma língua
universal. Cada país tem a sua própria língua de sinais, assim
como diferentes países têm diferentes línguas orais.

11. Existe escrita de LIBRAS?


O signwriting é uma tentativa de realizar uma escrita das lín-
guas de sinais. Alguns pesquisadores surdos e ouvintes que

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estudam essa área definem o signwriting como uma escrita
própria da língua de sinais, que é realizada do ponto de vista
do sinalizador, possibilitando representar, inclusive, as expres-
sões faciais. A seguir, um exemplo de um texto escrito dentro
dessa perspectiva de se grafar diretamente a língua de sinais.

12. A LIBRAS é uma língua ainda pouco desenvolvida?


Não. A LIBRAS não pode ser considerada uma língua primitiva,
ainda a ser desenvolvida. Ela tem as mesmas funções das
línguas orais, com sua organização interna e seu conjunto de
regras próprias em todos os níveis lingüísticos. Por meio da LI-
BRAS podemos expressar idéias abstratas e mais complexas,
e não apenas falar sobre coisas concretas, como se pensa co-
mumente na sociedade majoritária. É uma língua como outra
qualquer, com suas regras e restrições.

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Sugestões de leitura

FAVORITO, W. “O difícil são as palavras”: representações de esta-


belecidos e outsiders na escolarização de jovens e adultos surdos.
Tese de doutorado. Departamento de Lingüística Aplicada. Instituto
de Estudos da Linguagem, Unicamp, 2006.
P A partir de registros gerados em depoimentos de alunos surdos de uma tur-
ma da Educação de Jovens e Adultos – EJA, seus professores ouvintes e sua
única professora surda, e de gravações de cenas de uma sala de aula de uma
escola de surdos, esta tese analisa os conflitos sociolingüísticos que caracte-
rizam esse contexto. A análise dos registros mostrou que as representações
construídas por todos esses atores acerca das duas línguas que circulam na
escola remete ao conflito nuclear vivido por todos: a língua de sinais, língua
natural dos alunos surdos e importante traço identitário desse grupo, tem no
processo de ensino e aprendizagem apenas a função de apoio para a apren-
dizagem, enquanto o português escrito, em relação ao qual os alunos podem
ser considerados aprendizes iniciantes, ocupa um lugar central como língua
legitimada na escola pensada pelos ouvintes. A repercussão desse conflito
nos processos de ensino e aprendizagem tanto afeta os resultados escola-
res, quanto pode apontar algumas saídas, entre as quais a mais importante
seria a reconstrução escolar compartilhada com os próprios surdos.
FERREIRA-BRITO, Lucinda. Por uma gramática de Língua de Sinais.
Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1995.
P Neste livro a autora faz uma descrição da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS),

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advogando em favor de que essa deve ser considerada uma língua natural, por
partilhar de toda a complexidade que faz parte dos sistemas lingüísticos que
servem à comunicação e ao suporte do pensamento. Além de trazer em seu
conteúdo uma visão dos aspectos lingüísticos gerais da LIBRAS, apresenta es-
tudos sobre a fonologia, a morfologia e a sintaxe dessa língua viso-espacial,
como ocorre a negação em LIBRAS e, também, como se comportam os prono-
mes e os classificadores. Mostra ainda como se faz a co-referência em LIBRAS,
trazendo, também, uma reflexão sobre o estudo da modalidade em LIBRAS e
a maneira utilizada por essa língua para marcar as cores e as estratégias de
polidez. Bom livro para quem quer conhecer melhor o funcionamento e o uso da
língua de sinais da comunidade surda brasileira.
FREIRE, Alice Maria da Fonseca e FAVORITO, Wilma. “Relações de
poder e saber na sala de aula: contextos de interação com alunos
surdos”. In: CAVALCANTI, Marilda do Couto e BORTONI-RICARDO,
Stella Maris (orgs.) Transculturalidade, linguagem e educação.
Campinas: Mercado de Letras, 2007.
P O artigo problematiza as relações de poder e saber construídas nos dife-
rentes contextos em que estudantes surdos podem ser encontrados no sis-
tema escolar brasileiro. Nesta análise, as autoras discutem as limitações
lingüísticas e pedagógicas impostas aos surdos em determinados contextos
escolares, assim como as possibilidades de um projeto educativo mais ade-
quado às especificidades lingüísticas e culturais desses estudantes, isto é,
um projeto de educação bilíngüe.
GÓES, Maria Cecília Rafael de. Linguagem, surdez e educação. Cam-
pinas: Editora Autores Associados, 1996.
P Interessada em questões relacionadas aos aspectos lingüísticos e cogniti-
vos em casos de surdez, dentro da Psicologia, a autora registrou e buscou
sistematizar vários aspectos relativos a esse tema. O livro é organizado em
quatro capítulos que trazem um relato sintético de estudos cuja abordagem
pedagógica é centrada em práticas de comunicação – que a autora denomina
“bimodais” – e as conseqüências dessas práticas para o ensino nessa área.
O livro apresenta, ainda, um estudo sobre as dificuldades de linguagem do

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aluno surdo, que são trazidas pela perspectiva das professoras entrevista-
das, e um registro de certas características da produção escrita de surdos
e o modo como esses sujeitos concebem sua experiência com a linguagem,
tanto no português como na língua de sinais.
LACERDA, Cristina B.F. de. “O intérprete de língua de sinais no con-
texto de uma sala de aula de alunos ouvintes: problematizando a
questão”. In: LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de e GÓES, Maria
Cecília Rafael de (orgs.). Surdez: processos educativos e subjetivi-
dade. São Paulo: Editora Lovise, 2000.
P Este artigo analisa a atuação do intérprete de LIBRAS/Português em salas de
aula regulares. A autora, que há algum tempo vem se dedicando a pesquisas
em torno desse tema, considera que, dada a pouca oferta de escolas bilín-
gües para surdos, a presença de intérpretes pode atenuar as adversidades
vividas por essas crianças em contextos escolares inclusivos. Entretanto, em
pesquisas por ela realizadas, nesses contextos, fica claro que, ainda que o
intérprete participe ativamente do processo de ensino-aprendizagem de alu-
nos surdos, tal atuação não diminui as limitações impostas aos surdos, já
que o projeto escolar permanece pensado e orientado para alunos ouvintes.
Sem terem contempladas suas especificidades lingüísticas e culturais nas
concepções e práticas educacionais, os surdos seguem como estrangeiros
em sala de aula.
LANE, McArthur Fellow Harlan. A máscara da benevolência: a comu-
nidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
P Com base em diversas áreas do conhecimento – Antropologia, Filosofia e Edu-
cação –, a obra introduz o leitor em instigantes reflexões sobre a surdez em
seu sentido cultural. Em uma perspectiva histórica, examina o modo como
foram sendo criados estereótipos e preconceitos com relação às pessoas
surdas, bem como os efeitos da estigmatização nos processos educacionais
desses sujeitos. Em contraposição às representações da surdez como handi-
cap, calcadas no paradigma clínico-terapêutico, o autor defende a educação
bilíngüe para surdos com base na convicção de que os surdos constituem
uma minoria lingüística e cultural.

· 75 ·
LODI, Ana Claudia Balieiro; HARRISON, Kathryn Marie Pacheco;
CAMPOS, Sandra Regina Leite de; TESKE, Osmar (orgs.). Letramen-
to e minorias. Porto Alegre: Mediação, 2002.
P O livro reúne os temas tratados no Fórum Letramento e Minorias, realizado
em 2002 na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Pesquisadores
de diversas áreas discutem questões relativas aos processos de letramento
de diferentes minorias socioculturais, entre as quais os surdos. Dos dezes-
sete textos, dez abordam especificamente aspectos relacionados ao letra-
mento na área da surdez, refletindo sobre tópicos tais como: relações entre
língua de sinais e aprendizagem da escrita; paralelos entre língua de sinais
e língua portuguesa; narrativas em língua de sinais; o signwriting; “limites e
possibilidades” do intérprete educacional de LIBRAS na escola regular. Com
discussões bem atuais, a obra apresenta contribuições relevantes para o
entendimento dos processos de aprendizagem e ensino de leitura e escrita
no que se refere a estudantes surdos.
LOUREIRO, Vera Regina. Aquisição tardia de língua de sinais por
surdos adultos: construindo possibilidades de significação e inser-
ção no mundo social. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:
Faculdade de Letras da UFRJ, junho de 2004 (orientadora: Profª
Dra. Alice M. F. Freire).
P Com base em uma perspectiva sócio-antropológica da surdez, descreve e
analisa aspectos pertinentes ao processo de aquisição tardia de língua de
sinais por surdos adultos em contexto formal de aprendizagem (escola de
surdos). A pesquisa apresenta os diferentes modos como esses sujeitos
vão se apropriando da língua de sinais como sistema simbólico que os leva
a expandir as possibilidades de interpretação e produção de significados no
mundo social.
MOURA, Maria Cecília de. O surdo: caminhos para uma nova identi-
dade. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2000.
P A importância da língua de sinais nos processos de construção de identi-
dade das pessoas surdas é o fio condutor deste estudo. Sob esse foco, a
autora reconstrói a história da educação de surdos, refletindo sobre as idéias

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dominantes em cada época e os preconceitos e estereótipos naturalizados
(até nossos dias) em correlação com as diferentes abordagens educacionais
(oralismo, comunicação total, educação bilíngüe). Discute, também, a neces-
sidade da reconstrução de conceitos e crenças em direção a uma nova visão
que respeite a diferença lingüística e cultural dos surdos como base para a
proposição de políticas e práticas educacionais mais adequadas para eles.
QUADROS, Ronice M. e KARNOPP, Lodenir B. Língua de sinais brasi-
leira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
P Obra importante para quem quer aprofundar seus conhecimentos em língua
de sinais dentro de uma perspectiva chomskyana. Em quatro capítulos, as au-
toras – profundas conhecedoras da LIBRAS e elas mesmas intérpretes dessa
língua – fazem um trajeto sobre a fonologia, a morfologia e a sintaxe da Lín-
gua Brasileira de Sinais de forma ricamente ilustrada com fotos e exemplos.
Logo na primeira parte, há um capítulo inteiro sobre a lingüística – enquanto
campo teórico de estudo – e a LIBRAS, no qual apresentam e desvendam al-
guns mitos sobre as línguas de sinais e discutem as semelhanças e diferen-
ças entre essas línguas e as línguas orais, destacando ainda o pressuposto
teórico que orienta suas análises.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos.
Rio de Janeiro: Imago, 1990.
P Este livro é conhecido por ser “uma viagem fascinante” pelo mundo dos
surdos. Apresenta aspectos importantes sobre a história dos surdos – par-
ticularmente daqueles que vivem nos Estados Unidos – e a maneira precon-
ceituosa como eram tratados desde um passado mais longínquo até dias
mais recentes, trazendo inclusive depoimentos de vários surdos sobre a
luta incessante que travam para serem aceitos no mundo dos ouvintes. Ao
relatar a história dessa comunidade, o autor se encanta com a língua de
sinais e com o mundo do surdo, trazendo um extraordinário relato não só
sobre o desenvolvimento infantil e suas particularidades neurológicas, mas
também sobre o extraordinário mundo daqueles que vivem no “silêncio”, sua
comunidade, sua cultura e sua língua.
SILVA, Ivani Rodrigues. “A representação do surdo na escola e na

· 77 ·
família: entre a representação da diferença e da ‘deficiência’”. Tese
de doutorado. Departamento de Lingüística Aplicada. Instituto de
Estudos da Linguagem, Unicamp, 2005.
P A partir das narrativas de alunos surdos, seus familiares e seus professores
ouvintes, esta tese aborda a produção das identidades surdas no contexto
escolar do ensino regular e as repercussões dessas produções nas famílias
e na representação que têm de si próprios os alunos surdos da pesquisa. A
análise dos registros mostrou que as representações construídas sobre o alu-
no surdo estão sempre sendo negociadas e redefinidas nos contextos sociais
focalizados, embora ainda persista a busca da (in)visibilidade da surdez em
favor ora da construção da identidade do surdo enquanto “deficiente”, ora de
sua identidade construída na assimilação/normalização.
SILVA, Ivani Rodrigues; KAUCHAKJE, Samira e GESUELI, Zilda M.
Cidadania, surdez e linguagem: desafios e realidades. São Paulo:
Plexus, 2003.
P Esta coletânea retrata a experiência em relação a diferentes aspectos da
área da surdez – prevenção e diagnóstico, comunidade/família, escolaridade/
linguagem, aquisição da língua de sinais/intérpretes – de um grupo de pes-
quisadores que vêm refletindo sobre as diferentes abordagens em relação à
surdez e que atuam no Cepre/FCM/Unicamp. O livro é organizado em quatro
capítulos, com textos relacionados a temas específicos e distintos da área
da surdez, mostrando desde discussões sobre a detecção e o diagnóstico da
surdez, passando por textos que trazem a relação entre surdez, família e so-
ciedade mais ampla, que discutem os direitos do surdo e sua inclusão social,
além de textos que discutem a problemática escolar do aluno surdo, trazendo
reflexões sobre o ensino da língua portuguesa e sobre a importância da língua
de sinais como mediadora da construção de conhecimento pelo surdo. A isso
se somam textos que tratam do “letramento visual” do surdo e da aquisição
da língua de sinais e a participação de surdos e intérpretes nesse processo.
SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto
Alegre: Mediação, 1998.
P O livro reúne dez artigos inscritos no campo de investigação denominado

· 78 ·
Estudos Surdos, cujo horizonte epistemológico opera na tentativa de deslocar
a surdez dos discursos da deficiência e, por conseguinte, dos paradigmas
clássicos da educação especial. Nessa perspectiva, a surdez é definida como
uma questão de diferença política, de experiência visual, de múltiplas identi-
dades. Os ensaios focalizam as representações dominantes sobre as iden-
tidades, histórias, comunidades e culturas dos surdos analisadas sob um
ponto de vista político dos discursos e das práticas pedagógicas no campo
da educação de surdos.
SKLIAR, Carlos (org.). Atualidade da educação bilíngüe para surdos:
processos e projetos pedagógicos. (v. 1 e 2). Porto Alegre: Media-
ção, 1999.
P Uma obra fundamental para aqueles que desejam se aprofundar nas diversas
questões implicadas na educação bilíngüe para surdos. Renomados pesqui-
sadores de diferentes países compõem um painel consistente dos comple-
xos aspectos políticos, lingüísticos e pedagógicos da educação bilíngüe para
surdos, abordando temas como: políticas para a surdez, inclusão escolar,
multiculturalismo, currículo, identidades surdas, alfabetização, ensino de se-
gunda língua, leitura e escrita etc. De modo geral, os textos se opõem à idéia
de que a educação bilíngüe se reduz a um simples método e defendem o
entendimento de que a educação bilíngüe deve ser concebida “como uma
construção necessariamente histórica, política, social e comunitária”.
SOUZA, Regina Maria de. Que palavra que te falta? – Lingüística e
educação: considerações epistemológicas a partir da surdez. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
P Obra imprescindível para se entender as relações entre o papel constitutivo
da linguagem e questões filosóficas, políticas e pedagógicas na educação de
surdos. Concebendo a linguagem como trabalho social no qual e pelo qual o
sujeito se constitui e constrói seus sistemas de referências, e tomando por
base as idéias de Bakhtin e Foucault, a autora discute os processos discursi-
vos que levaram à medicalização da surdez e as representações calcadas na
falta daí derivadas e seus efeitos na escolarização de surdos. Com base em
Bakhtin, são descritas “verdadeiras situações de não-diálogo e de ausência

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de vozes surdas em sala de aula, e a partir de Foucault a autora revela as
formas que assumem as redes de poder e de saber na educação de surdos”
(Skliar, no prefácio a este livro).

Sites de interesse
http://www.ges.ced.ufsc.br/
http://www.deaflibrary.org/
http://www.signwriting.org/
http://clerccenter.gallaudet.edu/InfoToGo/072.html
http://www.fe.unicamp.br/dis/ges/
http://www.arpef.org.br/
http://www.aja.org.br/surdos/
http://www.uem.br/~anpacin/
http://www.ines.org.br/
http://www.feneis.com.br/
http://www.dicionariolibras.com.br/
http://www.diariodosurdo.com.br/index1.htm
http://www.brinquelibras.com.br/
http://www.institutosantateresinha.org.br/
http://www.surdos-ce.org.br/
http://www.surdobrasil.hpg.ig.com.br/
http://www.editora-arara-azul.com.br/
http://www.surdosnoar.com/Untitled-2.htm
http://www.surdosol.com.br/
http://www.surdos.com.br/
http://www.surdosinfo.hpg.ig.com.br/
http://www.casadosilencio.com.br/Curso_surdo.asp
http://www.tvebrasil.com.br/jornalvisual/
http://www.vezdavoz.com.br/
http://www.sentidos.com.br/canais/
http://www.culturasurda.com.br

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