História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e
verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
Cap. 2 - Da história global à história em migalhas: o que se ganha, o que se perde?
Estratégia do autor para abordar a passagem do global para a migalha: 1. "A primeira entrada é macroteórica: procura-se reconstruir a passagem vivida pela cultura ocidental entre os séculos XVIII e XX, por muitos descrita como uma transição de uma visão iluminista-globalizante ou "moderna" da história a uma visão estruturalista e pós-estruturalista-fragmentada ou "pós-moderna"." p.67 2. "A segunda estrada é historiográfica: discutem-se as teses de François Dosse, autor que difundiu essas expressões, entre os historiadores, sobre as gerações da escola dos Annales, que ele formulou em termos de uma descontinuidade entre a primeira e a segunda gerações, que faziam ainda ou desejavam fazer uma história global, e a terceira geração, que teria renunciado a ela e optado por uma história em migalhas." 3. "A terceira abordagem é conceitual: discute-se o conceito de "ciência histórica" das três gerações dos Annales e procura-se entender o que cada uma delas quis dizer com história global e história em migalhas e quais as relações que estabeleceram entre ambas e a história-problema. - Modernidade iluminista versus pós-modernidade estruturalista e pós-estruturalista "A história é a marcha do espírito em busca da liberdade; é uma construção de um sujeito singular-coletivo e consciente − a humanidade −, em busca da liberdade, isto é, do seu centro, da coincidência consigo mesmo. O projeto moderno iluminista é profundamente otimista: crê na Razão e em seu poder de sempre ver claro e de construir um mundo histórico-social segundo seu parâmetros." p.68 O pós-moderno, o estruturalista contra o Iluminismo: " Diante da violência que tal visão da história produziu, as ciências sociais vieram elaborar uma visão antiiluminista da história. O projeto moderno foi posto em reexame por uma reflexão dita pós-moderna. No século XX, o movimento estruturalista veio suspeitar desse sujeito consciente em busca da liberdade. A convicção de que a "Razão governa o mundo" foi posta em dúvida." p. 70 Como deveria ser a História para as ciências sociais: "As ciências sociais produzem uma desaceleração cautelosa contra a aceleração revolucionária da modernidade. Para elas, o tempo histórico não é linear e irrepetível, uniforme, homogêneo e convergente. A história deveria se interessar mais pelo lado repetitivo, cíclico, resistente, inerte, estrutural da vida dos homens." p.71 "A inovação em história − o evento −deve ser estruturada para deixar de ser ameaçadora. As ciências sociais produzem uma desaceleração prudente da história moderna-iluminista."* p.71 "O estruturalismo opõe-se mas, por outro lado, parece ainda pertencer ao projeto moderno, pois produz ainda um discurso da Razão. Ele quer apreendê-la a contrapelo, onde os iluministas não a tinham ainda observado. Surgindo contra o racionalismo modernista, o estruturalismo parece, paradoxalmente, um hiper- racionalismo: quer buscar um sentido que se esconde, decodificar uma dimensão oculta e fundamental da sociedade, abordar um determinismo inconsciente."* p.72 "O estruturalismo também visa produzir uma inteligibilidade ampliada da história. O mundo imediato é visto como ilusório e falso. Sua verdade é oculta." p.72 O que o autor chama de pós-estrutura é a fragmentação da visão sobre as relações sociais: "A pós-modernidade desconstrói, deslegitima, deslembra, desmemoriza [sic] o discurso da "Razão que governa o mundo". O conhecimento histórico pós-estruturalista aborda um mundo humano parcial, limitado, descentrado, em migalhas." p.73 "No conhecimento histórico, não se quer neutralidade, passividade, serenidade e universalidade. A verdade universal se pulverizou em análises pessoais. Não se busca mais o absoluto e não se quer mais produzir uma obra de valor universal. O conhecimento histórico é múltiplo e não definitivo: são interpretações de interpretações." p.73 - O conceito de ciência histórica dos Annales "Na primeira fase, Febvre conheceu a história como um "estudo cientificamente conduzido" e não como uma ciência, e a queria como reabertura constante do passado." p.82 "Para Bloch, as ciências humanas não tinham mais necessidade de denunciar à sua originalidade ou terem vergonha dela. Constatava-se que numerosos fatos escapavam à matemática, à medida. Para apreendê-los, afirma Bloch, era preciso uma grande finesse de linguagem, a justa cor no tempo verbal. Como empreendimento racional, a história era jovem, mas prometia." p.82 "Percebe-se, portanto, no próprio conceito de ciência histórica dos Annales essa passagem da história global à história em migalhas. A primeira expressava a ambição científica da história e um otimismo quanto a essa possibilidade; a segunda revela, senão o abandono dessa ambição, o reconhecimento das dificuldades quase insuperáveis desse projeto. A terceira geração prefere abordar o real histórico em sua multiplicidade não-totalizável como faces de poliedro de mil faces, como variações de imagens de holograma. Não há articulação global, não ha interpretação de todos os fatos, não há homogeneidade e transição dos níveis, não ha síntese total pensável, não há historiador, sujeito histórico, capaz de um olhar absoluto." p.84 "Tentemos explorar essa ideia de historia global, que parece ser mais uma expressão do que conceito. A expressão teria, a meu ver, dois sentidos: "história de tudo" e "história do todo". No primeiro sentido, seria a consideração de que tudo é historia, não havendo mais regiões interditadas ao historiador; no segundo, seria a ambição de apreender o todo de uma época, seria uma abordagem holística de uma sociedade, o que levaria, talvez, a uma contradição com a história-problema." p.86 "J. Revel (1979) parece compreender a história total ou global nesse primeiro sentido: 'não podendo tudo dizer, o historiador decidiu nada se interditar" p.87
Cap.5 - O conceito de tempo histórico em Ricoeur, Koselleck e nos Annales: uma
articulação possível
R. Koselleck: "O conceito de tempo histórico, portanto, não se refere ao tempo
medido da natureza. Essa noção se liga a conjuntos de ações sociais e políticas, a seres humanos concretos, agentes e sofredores, às instituições e organizações que dependem deles. Cada um com seu próprio ritmo de realização." p.191 Boa observação: "Conhecer um mundo histórico, para Koselleck, é responder a essa questão maior: como, em cada presente, as dimensões temporais do passado do futuro foram postas em relação?" p.192 "Passado e futuro reenviam-se um ao outro e esta sua relação é que dá sentido à ideia de "temporalização". Na experiência individual, por exemplo, o envelhecimento modifica a relação entre espera e experiência. Quando se é mais jovem ou mais velho, o passado e o futuro significam diferentemente e sua relação se altera." p.192