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WHITE, Hayden. Meta-História: a imaginação histórica do século XIX.

São Paulo:
EDUSP, 2008

Obs.:
Utilizei as marcações de uma leitura antiga (feita provavelmente na época de preparação
para a seleção do doutorado) e compreendo que preciso reler essa obra com calma e
com maior maturidade.

PREFÁCIO

 “Nessa teoria trato o trabalho histórico como o que ele manifestamente é: uma
estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa. As histórias (e filosofias
da história também) combinam certa quantidade de “dados”, conceitos teóricos para
“explicar” esses dados e uma estrutura narrativa que os apresenta como um ícone de
conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos em tempos passados. Além disso, digo
eu, eles comportam um conteúdo estrutural profundo que é em geral poético e,
especificamente, linguístico em sua natureza, e que faz as vezes do paradigma pré-
criticamente aceito daquilo que deve ser uma explicação eminentemente “histórica”.
Esse paradigma funciona como o elemento “meta-histórico” em todos os trabalhos
históricos que são mais abrangentes em sua amplitude do que a monografia ou o
informe de arquivo.” P.11
 “As conclusões gerais que extraio do meu estudo da consciência histórica oitocentista
podem ser assim sumariadas: 1) não pode haver “história propriamente dita” que não
seja ao mesmo tempo “filosofia da história”; 2) os modos possíveis de historiografia são
os mesmos que os modos possíveis de filosofia especulativa da história; 3) esses modos,
por sua vez, são na realidade formalizações de intuições poéticas que analiticamente os
precedem e que sancionam as teorias particulares usadas para dar aos relatos históricos
a aparência de uma “explicação”; 4) não há apodicticamente premissas teóricas
infalíveis em que se possa de forma legítima assentar uma justificativa para dizer que
um dos modos é superior aos outros por ser mais “realista”; 5) em consequência disso,
estamos irremediavelmente presos a uma escolha entre estratégia interpretativas
opostas em qualquer esforço de refletir sobre a história em geral; 6) como corolário
disso, os melhores fundamentos para escolher uma perspectiva da história em lugar de
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outra são em última análise antes estéticos ou morais que epistemológicos; e,
finalmente, 7) a exigência de cientificização da história representa apenas a declaração
de uma preferência por uma modalidade específica de conceptualização histórica, cujas
bases são ou morais ou estéticas, mas cuja justificação epistemológica ainda está por
estabelecer.” P.14

INTRODUÇÃO: A POÉTICA DA HISTÓRIA

 História => Ficção: “Pensadores da Europa continental – de Valéry e Heidegger a


Sartre, Lévi-Strauss e Michel Foucault – expressaram sérias dúvidas sobre o valor de
uma consciência especificamente “histórica”, sublinharam o caráter fictício das
reconstruções históricas e contestaram as pretensões da história a um lugar entre as
ciências. Ao mesmo tempo, filósofos anglo-americanos produziram uma alentada
bibliografia sobre a posição epistemológica e a função cultural da reflexão histórica,
bibliografia que, tomada em conjunto, justifica intensas dúvidas acerca do estatuto da
história como ciência rigorosa ou arte genuína.” P.17-18
 “Em suma, é possível conceber a consciência histórica como um viés
especificamente ocidental capaz de fundamentar retroativamente a presumida
superioridade da moderna sociedade industrial.” P.18
 ANALISAR OS COMPONENTES DISCURSIVOS: “Meu método é, para dizê-lo
numa só palavra, formalista. Não tentarei decidir se a obra de um determinado
historiador é uma descrição melhor, ou mais correta, de um conjunto definido de
eventos ou de um segmento do processo histórico, do que a descrição deles feita por
algum outro historiador; procurarei, de preferência, identificar os componentes
estruturais dessas descrições.” P.19
 MAIS ARGUMENTOS INDIVIDUAIS DO QUE É CIÊNCIA: “Isso posto, porém,
fica evidente de imediato que as obras produzidas por esses pensadores representam
concepções alternativas, e ao que tudo indica mutuamente exclusivas, não só dos
mesmos segmentos do processo histórico mas também das tarefas da reflexão histórica.
Consideradas puramente como estruturas verbais, as obras por eles produzidas parecem
ter características formais radicalmente diferentes e arranjar o aparato conceptual, usado
para explicar os mesmos conjuntos de dados, de maneira fundamentalmente diferentes.
No nível mais superficial, por exemplo, a obra de um historiador pode ser diacrônica ou
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processional por natureza (salientando o fato da mudança e transformação no processo
histórico), ao passo que a de outro pode ser sincrônica ou estática na forma (acentuando
o fato da continuidade estrutural).” P. 20
 IMAGINAÇÃO HISTÓRICA: “A fim, portanto, de identificar as características de
família dos diversos tipos de reflexão histórica produzidos pelo século XIX, é
necessário em primeiro lugar esclarecer em que poderia considerar a estrutura típico-
ideal da “obra histórica”. Uma vez elaborada essa estrutura típico-ideal, disporei de um
critério para determinar que aspectos de qualquer obra histórica ou filosofia da história
conhecida devem ser considerados na afã de identificar seus elementos estruturais
distintivos. Em seguida, reconstituindo as transformações operadas nos modos pelos
quais os pensadores da história caracterizam aqueles elementos e os arranjam numa
ordem narrativa específica para chegar a uma “impressão explicativa”, devo ter
condições de cartografar as mutações fundamentais ocorridas na estrutura profunda da
imaginação histórica referente ao período em estudo.” P.20

A TEORIA DA OBRA HISTÓRICA

 “Começo por distinguir os seguintes níveis de conceptualização na obra histórica: 1)


crônica; 2) estória; 3) modo de elaboração de enredo; 4) modo de argumentação; e 5)
modo de implicação ideológica. [...] Assim concebida, a obra histórica representa uma
tentativa de mediação entre o que eu chamarei de campo histórica, o registro histórico
não processado, outros relatos históricos e um público.” P.21

EXPLICAÇÃO POR ARGUMENTAÇÃO FORMAL

 “A teoria formista da verdade tem em mira a identificação das características ímpares


dos objetos que povoam o campo histórico. Nesse conformidade, o formista considera
que uma explicação está completa quando um dado conjunto de objetos foi
convenientemente identificado, seus atributos de classe, genéricos e específicos, foram
marcados, e as etiquetas que atestavam essa particularidade foram coladas. [...] Quando
o historiador estabelece a unicidade dos objetos particulares do campo ou a variedade
dos tipos de fenômenos que o campo manifesta, fornece uma explicação formista do
campo como tal.” P.29
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 “Penso que o momento ético de uma obra histórica se reflete no modo de implicação
ideológica pelo qual uma percepção estética (a elaboração do enredo) e uma operação
cognitiva (o argumento) podem combinar-se para deduzir enunciados prescritivos
daqueles que pareçam ser puramente descritivos ou analíticos. Um historiador pode
“explicar” o que aconteceu no campo histórico ao identificar a lei (ou as leis) que
rege(m) o conjunto de eventos postos em enredo na estória como um drama da
significação trágica.” P.41

O PROBLEMA DOS ESTILOS HISTORIOGRÁFICOS

 “Em minha opinião, um estilo historiográfico representa uma combinação particular


de modos de elaboração de enredo, argumentação e implicação ideológico.” P.43

PARTE I – A TRADIÇÃO RECEBIDA, O ILUMINISMO E O PROBLEMA DA


CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

A IMAGINAÇÃO HISTÓRICA ENTRE A METÁFORA E A IRONIA

 “A cultura europeia do século XIX manifestou em toda parte entusiasmo por uma
apreensão realista do mundo. O termo “realista”, está claro, significava algo diferente de
uma compreensão “científica” do mundo, embora certos autonomeados “realistas”,
como os positivistas e darwinistas sociais, identificassem seu “realismo” com a espécie
de compreensão dos processos naturais que as ciências físicas proporcionavam.”p.59
 “Ser “realista” significa não apenas ver as coisas com clareza, como elas realmente
eram, mas também extrair dessa clara apreensão da realidade conclusões apropriadas
para levar uma possível vida com base nisso. Assim entendidas, as pretensões a um
“realismo” essencial era ao mesmo tempo epistemológicas e éticas.”p.60

A DIALÉTICA DA HISTORIOGRAFIA ILUMINISTA

 “A reflexão histórica do século XVIII teve origem numa tentativa de aplicar


estratégias metonímicas de redução aos dados da história, de modo a justificar a crença
na possibilidade de uma comunidade humana concebida no modo sinedóquico. Dito de
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outro modo, o Iluminismo tentou justificar uma concepção organicista da comunidade
humana ideal com base numa análise do processo social que era por natureza
essencialmente mecanicista. Assim criticou a sociedade à luz de um ideal que era moral
e valorativo, mas intentou basear essa crítica numa análise puramente causal dos
processos históricos.” P.62
 “Voltaire [...]: A história”, disse ele, “é a narração de fatos considerados verdadeiros.
A fábula, ao contrário, é a narração de fatos considerados falsos”. P.63

AS PRINCIPAIS FORMAS DA HISTORIOGRAFIA PRÉ-ILUMINISTA


 “Em sua clássica sinopse da história da escrita histórica, Geschichte der neuren
Historiographie, Eduard Fueter identificou quatro grandes vertentes na tradição
histórica do século XVII com base nas quais, e contra as quais, se desenvolveu a
historiografia “reflexiva” ou “crítica” os iluministas. Eram a história eclesiástica (e em
grande parte “confessional”); a história etnográfica produzida por missionário e
estudiosos dos novos mundos que a Era da Exploração e Descoberta havia franqueado
ao escrutínio científico e histórico; a historiografia antiquária dos grandes eruditos do
período amplamente filológica quanto ao enfoque e dedicada à elaboração de
cuidadosas crônicas e anais do passado remoto e próximo; e, finalmente, a
historiographie galante ou romnesque, baseada nos “romans de intrigas e amores” e
escritas num espírito francamente beletrístico...” p.72
 “Os iluministas chegaram ao seu estudo da história partindo do quarto nível de
consciência que o próprio Nietzsche procurou promover, uma consciência meta-
histórica – uma consciência irônica – da limitação que a natureza impõe a todas as ações
humanas e da restrição que a finitude humana impõe a todos os esforços de
compreender o mundo pelo pensamento ou pela imaginação. Mas não exploraram
totalmente sua ascensão a esse nível de consciência. Não acreditaram nos seus próprios
poderes prodigiosos de sonhar, eu sua autoconsciência irônica devia ter liberado. Para
eles, a imaginação era uma ameaça à razão e só podia ser disseminada no mundo sob as
mais rigorosas coerções racionais.” P.82

2. HEGEL – A POÉTICA DA HITÓRIA E O CAMINHO PARA ALÉM DA IRONIA

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 “Hegel supunha serem óbvias as limitações de uma abordagem puramente
mecanicista da história, uma vez que a própria primazia que tal abordagem concedia aos
conceitos de explicação causal levavam inevitavelmente à conclusão não só e que toda a
história era integralmente determinada mas também de que nenhuma mudança
genuinamente significativa poderia ocorrer na história, devendo o visível
desenvolvimento da cultura humana ali percebido ser interpretado como mero rearranjo
de elementos primitivos em diferentes combinações. Tal visão não faz inteira justiça
nem à óbvia evolução da consciência religiosa, artística, científica e filosófica nem à
evolução da própria sociedade.” P.96
 “Em resumo, o processo histórico é preeminentemente o produto de um conflito
dentro do contexto de um estilo de vida compartilhado e através de todo um conjunto
desses estilos de vida compartilhados, o conflito da forma realizada com uma indivíduo
que a ele se opõe no interesse do eu julga ser sua própria autonomia e liberdade. Eis, em
suma, a situação clássica da tragédia clássica e da comédia clássica.” P.103

PARTE II – QUATRO TIPOS DE “REALISMO” NA ESCRITA DO SÉCULO XIX

MICHELET – O REALISMO HISTÓRICO COMO ESTÓRIA ROMANESCA

 “Hegel, o crítico de todos os historiadores que o antecederam, foi a consciência


histórica da época que a ele se seguiu. [...] Mas, nessa época, poucos pensadores da
história desejavam penetrar no interior de suas próprias preconcepções sobre a história e
no tipo de conhecimento a extrair desse estudo. Aqueles que tinham por profissão
estudar a história estavam ocupados demais em escrevê-la e não detinham no exame das
bases teóricas de sua atividade.” P.147
 “Entretanto, se os estudos históricos se profissionalizaram nesse período [século
XIX], a base teórica dessa disciplinarização continuou indefinida. [...] A instrução no
“método histórico” consistia essencialmente na recomendação de usar as técnicas
filológicas mais refinadas na crítica dos documentos históricos, combinada com um
conjunto de prescrições acerca do que o historiador não devia tentar fazer com base nos
documentos assim criticados. Por exemplo, logo se tornou lugar-comum dizer que a
história não era um ramo da metafísica ou da religião as quais, ao misturarem-se com o
conhecimento histórico, levavam a consciência histórica a “incorrer” nas heresias da
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“filosofia da história”. Ao invés disso, afirmava-se, a história devia ser vista como
combinação de “ciência” e “arte”. [...] Mas em geral admitia-se que a história não era
ciência “rigorosa” (uma disciplina aplicadora ou descobridora de leis) como a física e a
química. Isto é, a história não era uma ciência positivista, e o historiador devia
contentar-se com uma concepção baconiana, empírica e indutivista da tarefa cientista, o
que queria dizer que a historiografia devia permanecer uma ciência pré-newtoniana.”
P.148
 “Qual era, então, a diferença entre “história” e “filosofia da história”? Os quatro
mestres historiadores do século XIX deram diferentes respostas a essa pergunta, mas
todos concordavam em que uma verdadeira história devia ser escrita sem
preconcepções, objetivamente, por puro interesse pelos fatos do passado, e sem
nenhuma tendência apriorística a modelar os fatos num sistema formal.” P.154
MICHELET: A HISTORIOGRAFIA EXPLICADA COMO METÁFORA E POSTA
EM ENREDO COMO ESTÓRIA ROMANESCA

 “Michelet negou explicitamente que fosse um romântico. O “movimento romântico”


o tinha ignorado; enquanto o movimento florescia, ele estava ocupado nos arquivos,
fundindo sua erudição e seu pensamento num novo método histórico, do qual A Ciência
Nova de Vico podia ser considerada um protótipo. Michelet caracterizou seu novo
“método” como o de “concentração e reverberação”. Dizia que o método lhe assegurava
“uma chama suficientemente intensa para fundir todas as diversidades aparentes,
devolver-lhes na história a unidade que tiveram em vida”. Como se vai ver, porém, esse
novo método não era senão uma elaboração das implicações do modo da metáfora,
concebida como meio de permitir ao historiador efetivamente adotar, ressuscitar e
reviver o passado em sua totalidade.” P.161
 “Michelet buscou uma fusão simbólica das diferentes entidades ocupantes do campo
histórico, e não apenas um meio de caracterizá-las como símbolos individuais. A
unicidade acaso detectada na história era, na concepção de Michelet, a unicidade do
todo, não das partes que compõem o todo. A individualidade das partes é só aparente. A
importância delas deriva de sua condição de símbolos da unidade que todas as coisas –
na história como na natureza – almejam vir a ser.” P.161
 “Michelet deu a suas histórias o enredo de dramas de revelação, da liberação de um
poder espiritual em luta para se livrar das forças da treva, uma redenção. E sua
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concepção de sua tarefa como historiador iria atuar como defensora do que é resgatado.”
P.163
 “... Michelet falou do papel do historiador como sendo essencialmente o de um
guardião da “memória” dos mortos.” P.169

RANKE – O REALISMO HISTÓRICO COMO COMÉDIA

 “Numa passagem que se tornou canônica no credo da ortodoxia da profissão


historiográfica, o historiador prussiano Leopold von Ranke caracteriza o método
histórico, de que foi fundador, nos termos de oposição aos princípios de representação
encontrados nos romances de aventura de Sir Walter Scott. Ranke ficava encantado com
os quadros que Scott havia pintado da época da cavalaria. Eles lhe tinham inspirado o
desejo de conhecer mais amplamente aquela época, de vive-la de maneira mais
imediata. E por isso fora às fontes história medieval, aos documentos e aos relatos
contemporâneos da vida naquele tempo. Escandalizou-se ao descobrir não só eu os
quadros de Scott eram em grande parte produtos da fantasia mas também que a vida real
da Idade Média era mais fascinante do que qualquer descrição novelística dela jamais
poderia ser. Ranke descobrira que a verdade era mais estranha do que a ficção e, para
ele, infinitamente mais satisfatória.” P.175
 CONCEPÇÃO DE RANKE: “Mas a concepção de história de Ranke não se baseou
só na rejeição do romantismo. Ela se cercou também de várias outras rejeições: o
filosofar apriorístico de Hegel, os princípios mecanicistas de explicação que
predominavam nas ciências físicas e nas escolas positivistas de teoria social da época e
o dogmatismo dos credos religiosos oficiais. Em suma, Ranke rejeitava qualquer coisa
que impedisse o historiador de ver o campo histórico em seu caráter imediato, particular
e vívido.” P. 176
 REALISMO DOUTRINÁRIO: “Isso não queria dizer, como concluíram alguns dos
intérpretes de Ranke, que sua concepção de objetividade se aproximava da do empirista
ingênuo. Muito mais do que isso estava em jogo na visão de mundo que desde então
passou a ser chamada de historicismo. Essa visão de mundo está escudada em várias
preconcepções peculiares a setores específicos da comunidade acadêmica da época de
Ranke. A fim de distinguir a concepção peculiar de “realismo” que ela promovia
naquele tempo e diferenciá-la das concepções românticas, idealista e positivistas de
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“realismo” contra as quais foi proposta, eu a chamarei de “realismo doutrinário”, pois
ela supõe ser o realismo um ponto de vista que não deriva de preconcepções explicitas
sobre a natureza do mundo e seus processos, mas que presume que a realidade pode ser
conhecida “realisticamente” por um repúdio consciente e consistente das formas em que
uma arte, uma ciência e uma filosofia distintivamente “modernas” aparecem.” P.176
 “Ranke considerava os problemas humanos solúveis apenas dentro do contexto da
nação e das instituições formadas nela para refrear aqueles impulsos que julgava serem
inevitavelmente destrutivos em suas formas imediatas de expressão. Via em qualquer
coisa que ameaçasse a autoridade da Igreja (como o materialismo e o racionalismo), ou
da nação (como o socialismo, comunismo ou a religião ecumênica) uma ameaça à
própria civilização.” P.186

TOCQUEVILLE – O REALISMO HISTÓRICO COMO TRAGÉDIA

 “Os estudos recentes sobre Tocqueville revelaram totalmente as bases intelectuais e


emocionais de seu pensamento; as “influências” exercidas sobre ele, por pensadores do
passado e contemporâneos; e sua posição no mundo social e político da França
orleanista. Sua estatura de importante precursor do moderno pensamento sociológico
está bem estabelecida, e suas contribuições para o liberalismo e o conservadorismo são
agora pontos pacíficos. Não é meu propósito fazer acréscimos ao entendimento desses
aspectos do pensamento, da obra e da vida de Tocqueville. Estou bem mais interessado
em analisar seu pensamento sobre a história como modelo de um estilo específico de
reflexão histórica.” P.205
 “Mas, diferentemente dos ironistas puros que o antecederam no Iluminismo e que lh
sucederam no fim do século XIX, Tocqueville não se permitiu acreditar que a história
não tem nenhum sentido geral. O que o agon trágico revela, repetidas vezes, é que o
segredo da história não é outra coisa senão a eterna luta do homem consigo mesmo e o
eterno retorno a si mesmo.” P.206
 “Se Tocqueville tivesse afirmado ou que a história não tem sentido algum e portanto
não oferece base nenhuma para a esperança, ou, inversamente, que ela tem um sentido e
que esse sentido pode ser integralmente conhecido pelo homem, teria sido impelido ou
para a posição reacionária de seu sucesso Burckhardt ou para a posição radical de seu

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contemporâneo Marx. Mas ele queria acreditar que a história tem um sentido e que esse
sentido há de ser encontrado na natureza misteriosa do próprio homem.” P.206
 “O estudo “científico” que Tocqueville fez da história resultou na distribuição do
eventos histórico em tipos, classes, gêneros, espécies assim por diante. Os dados se
transformavam em conhecimento quando se tinha levado a cabo sua localização numa
série finita de tipos de fenômenos sociais, políticos e culturais. Por exemplo,
Tocqueville analisou dois tipos de sociedade: democrática e aristocrática.” P.206-207
 “Todo o processo tem a inevitabilidade de um drama trágico, e as primeiras reflexões
de Tocqueville sobre a história e o conhecimento histórico imaginam explicitamente a
tarefa do historiador como a de um mediador entre as novas forças conquistadoras que
aparecem nos horizontes temporais do próprio historiador e os antigos e desfalecentes
ideais culturais que elas ameaçam com sua ascensão. Tocqueville habitava um mundo
dividido. Seu escopo era socorrê-lo da melhor maneira possível, de modo eu as fendas e
rachaduras pudessem ser remendadas, senão completamente corrigidas.” P.207
 “Era tarefa do historiador auxiliar na criação desse novo sistema social mostrando
como os princípios da aristocracia e da democracia eram finalidades do único impulso
duradouro da civilização europeia, o desejo de liberdade que tinha caracterizado a
cultura ocidental desde os seus primórdios.” P.211
 “Devo acentuar neste ponto que a concepção de Tocqueville do papel mediador do
historiador pressagiava a disposição de espírito irônica em que ele incorreu no curso de
suas reflexões históricas subsequentes. No início de sua carreira de historiador, ele tinha
o propósito de alcançar uma visão trágica da história, o que pressupõe uma percepção
das leis que regem a natureza em sua competição com o destino e, a fortiori, das leis
que regem o processo social em geral. Se, de fato, essas leis podem ser descobertas pela
investigação histórica, então em princípio devem ser aplicáveis ao esforço no sentido de
produzir as situações e circunstâncias que são inevitáveis no desenvolvimento humano
com o mínimo de dor e sofrimento – como Tucídides sugeriu na famosa seção inicial de
As Guerras do Peloponeso.” P.211
 “Que Tocqueville visionava uma historiografia capaz de ministrar as leis do processo
social – à la Marx – mostram-nos sua investigação em Democracia na América sobre a
relação histórica e poesia e sua concepção das modalidades de consciência histórica
exposta no segundo volume daquela obra.” P.212

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 “Como ele observou, enquanto a poesia é “a procura, o delineamento, do ideal”, a
história deve dizer a verdade sobre o mundo dos afazeres humanos, revelar as forças
reais encontradas em qualquer tentativa de concretizar o ideal, e cartografar as reais
possibilidades para o futuro de uma sociedade.” P.212

PARTE III – O REPÚDIO DO “REALISMO” NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DO


FINAL DO SÉCULO XIX

MARX – A DEFESA FILOSÓFICA DA HISTÓRIA NO MODO METONÍMICO

 “Marx apreendeu o campo histórico no modo metonímico. Sua categorias de


prefiguração foram as categorias do cisma, da divisão e da alienação. O processo
histórico lhe apareceu, portanto, como aquele “panorama de pecado e sofrimento” que
Tocqueville e Burckhardt afirmaram ser o verdadeiro sentido da história logo que suas
análises desse processo estavam concluídas. Marx começou onde eles terminaram. A
ironia de ambos foi seu ponto de partida. Seu escopo era determinar até que ponto se
pode realisticamente confiar na integração definitiva das forças e dos objetos que
ocupam o campo histórico. Marx considerava ilusórios os tipos de tendências
integrativas que Michelet e Ranke supunham ter encontrado no processo histórico; via-
os como falsas integrações ou integrações apenas parciais, cujos benefícios eram
compartilhados somente por um fragmento de toda a espécie humana. E estava
interessado em determinar se essa fragmentação da humanidade devia ser tida como a
condição inelutável do animal humano.” P.291
 “No pensamento de Marx o problema que fora proposto por Vico, atacado por
Rousseau, contornado por Burke e formulado como importante problema filosófico por
Hegel – isto é, o “problema da sociedade” ou a “natureza problemática da existência
social” – avançou para o centro da investigação histórica. Para Marx, a sociedade não
era mais a única barreira protetora entre uma humanidade sitiada e uma natureza caótica
(como era para Burke) nem a barreira obstrutiva entre os homens individualmente
considerados e sua verdadeira “natureza íntima” (como era para Rousseau e os
românticos). Para Marx, como para Hegel, a sociedade era essas duas coisas, isto é, o
instrumento para o homem se libertar da natureza e a causa da separação entre os
homens. A sociedade unificava e divida, libertava e oprimia, a um só tempo. O escopo
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da investigação histórica, como a concebia Marx, era, em primeiro lugar, mostrar como
a sociedade funciona dessa maneira dual na vida do homem e, depois, demonstrar como
o paradoxo representado por essa situação deve ser resolvido mais cedo ou mais tarde.”
P.292
 “Minha abordagem do estudo do pensamento de Marx desloca muitas dessas
questões para a periferia da discussão. Meu objetivo é especificar o estilo dominante do
pensamento de Marx acerca das estruturas e processos da história em geral.” P.293
 “O pensamento de Marx transitava entre apreensões metonímicas da situação
dividida da humanidade em seu estado social e insinuações sindóquicas da unidade que
ele divisava no fim de todo o processo histórico. Como pode o homem ser
imediatamente determinado e potencialmente livre? Como pode ele ser cindido e
fragmentado em seu devir, embora íntegro e uno em eu ser? Essas são as questões que
preocupavam Marx. Ele precisava de dois tipos de linguagem para caracterizar esses
diferentes estado ou condições. E efetivamente dividiu o registro histórico em duas
ordens de fenômenos, horizontalmente, por assim dizer, uma das quais era
correlacionada integralmente por estratégias metonímicas de caracterização, a outra
correlacionada por estratégias sinedóquicas de caracterização. O problema de Marx,
então, consistia em articular as duas ordens assim distinguidas.
Ele as articulo, de fato, metonimicamente, numa relação causa-efeito; e essa é a marca e
também a medida da concepção basilarmente materialista da história de Marx. Quando
dizia que sua concepção da história era materialista-dialética, o que Marx queria dizer
era que concebia os processo da infra-estrutura da sociedade mecanicisticamente e os
processo da superestrutura organicisticamente. Essa combinação por si só permitia-lhe
acreditar que, em última análise, uma estrutura de relações humanas que é por natureza
essencialmente extrínseca e mecânica pode resultar numa estrutura qualitativamente
diferente, intrínseca e orgânica no modo de relacionar as partes com os todos.” P.295-
296
 “Assim, como a concebia Marx, a história da humanidade em geral representa uma
dupla evolução: um ascenso, na medida em que o homem adquire controle cada vez
maior sobre a natureza e seus recursos mediante o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia; e um descenso, na medida em que o homem se torna cada vez mis lienado
de si mesmo e de seu semelhante.” P.296

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 “Isso significa que a filosofia da história de Marx comporta uma análise sincrônica
de uma estrutura básica de relações que permanece constante ao longo da história e uma
análise diacrônica do movimento significativo pelo qual essa estrutura é ultrapassada e
uma nova modalidade de relacionar o homem com o homem é constituída. E isso quer
dizer que, para Marx, a história devia ser posta em enredo de duas maneiras
simultaneamente: no modo de tragédia e no modo de comédia.” P.296-297

NIETZSCHE – A DEFESA POÉTICA DA HISTÓRIA NO MO METAFÓRICO

 “No pensamento histórico, como em quase tudo o mais na atividade cultural do


século XIX, Friedrich Nietzsche representou um momento decisivo, porquanto rejeitou
as categorias de análise histórica que os historiadores vinham utilizando desde a década
de 1830 e contestou a realidade de qualquer coisa a que se pudesse dar o nome do
processo histórico, no qual se apoiassem essas categorias. Isso não quer dizer que
Nietzsche não se interessasse pelas questões históricas.” P.339
 “O escopo de Nietzsche era destruir a crença num passado histórico no qual os
homens pudessem aprender qualquer verdade única e substancial. Para Nietzsche, como
para Burckhardt, havia tantas “verdades” acerca do passado quantas fossem as
perspectivas a respeito dele.” P.340
 “Basicamente, portanto, Nietzsche dividia as maneiras como os homens encaravam a
história em dois tipos: um tipo negador da vida, que pretendia encontrar o único modo
eternamente verdadeiro, ou “correto”, de considerar o passado; e um tipo afirmador da
vida, que estimulava tantas visões dissímeis da história quanto projetos houvesse de
alcançar uma consciência de si nos seres humanos individuais.” P.340
 “Mais tarde, em A Genealogia da Moral, Nietzsche explicitaria uma ideia aqui
implícita; definiria o impulso para a beleza como um reflexo provocado por uma prévia
percepção do feio. O ponto importante a reter por enquanto é que para Nietzsche o belo
era, não um reflexo de um reino transcendental ou uma interiorização dele, mas uma
reação a ele, uma criação da vontade humana de vida apenas, uma ação reflexa ante a
descoberta da verdade do mundo – isto é, que ele não tinha verdade alguma. Isso é o
que Nietzsche quis dizer com sua máxima: “Temos a arte para não morrermos da
verdade”, isto é, para não morrermos da descoberta de que não há uma verdade única,
universal.” P.347
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 “De acordo com Nietzsche, a forma mais destrutiva de ilusionismo é a que
transforma uma imagem num conceito e depois congela a imaginação dentro dos limites
estabelecidos pelo conceito. Toda forma é em última análise metafórica, não
substantiva, argumentou Nietzsche, e, quando criativamente usada, pelo poeta trágico,
por exemplo, a metáfora faz as vezes de “uma imagem representativa que se ergue
concretamente diante dele em lugar de um conceito”.” P.349
 “A traição socrática foi particularmente destrutiva, pois inspirou no homem um falso
otimismo. Esse otimismo baseava-se nas três ilusões socráticas: “A virtude é a
sabedoria; todos o pecados provêm da ignorância; só os virtuosos são felizes”. Sob a
influência dessas ilusões, os homens foram incitados a crer “que o pensamento, guiado
pelo fio da causação, podia sondar os abismos mis profundos do ser e até corrigi-lo”.”
P.350
 PARA NIETZSCHE: “Em suma, o homem vive historicamente; está cônscio de seu
contínuo vir-a-ser, da dissolução de todos os seus presentes num passado fixo. O
passado está constantemente diante do homem como imagem de coisas feitas, acabadas,
completas, imutáveis. A intratabilidade desse passado é a fonte da desonestidade do
homem consigo mesmo e é a força motriz por trás de sua automutilação.” P.355
 “O propósito último de Nietzsche, então, era – como o de Hegel e Marx – reinserir o
conhecimento histórico dentro dos limites das necessidades humanas. Pois a vida
precisa do serviço da história, disse ele: só um excesso de história é prejudicial à vida.”
P.357
 “Quais são os princípios pelos quais se deve guiar tal consciência histórica?
Nietzsche foi bastante explícito na resposta a esta pergunta: “Só podeis explicar o
passado pelo que é mais forte no presente”.” P.361

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