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Da bruma do tempo,
Imagem imperfeita
Daqui partiu
Feita devoção.
I.L.
2
À memória do meu pai que me ensinou a história da Sagrada Imagem, feita de
amor e esperança, mas também de muitas lágrimas e ausências. Com ele descobri o espaço
que separa o antigo lugar de Bouças do de Matosinhos, percorri caminhos dos devotos e
lado do Atlântico onde a devoção chegou nos corações dos que daqui partiram.
3
A todos que colaboraram para que eu tivesse conseguido
escrever esta história
4
Aos amigos que ganhei em S. João d’El-Rei: Drs. José António Ávila
Sacramento, presidente do Centro Regional de Documentação das Vertentes
e do Instituto Histórico e Geográfico local, e José Cláudio Henriques,
presidente da ASMAT, pelas informações que me fizeram chegar e pela
devoção ao Bom Jesus de Matosinhos que comigo partilharam ao longo do
tempo desta pesquisa
Ao Dr. Valénio Perez França, ilustre oftlamologista de Belo Horizonte
que de sua casa, por e-mail, me enviou os artigos de um Dicionário que não
existe nas Bibliotecas do Porto e de que tanto precisava
À D. Júlia e Snr. Faria Duarte que me receberam tão gentilmente na
sua casa de Lisboa, durante a minha pesquisa no Arquivo Histórico
Ultramarino
À família Bravo de Leça da Palmeira que roubou alguns minutos ao seu
passeio pelo Pelourinho, de Salvador da Baía, para me fotografarem a Igreja
do Bom Jesus de Bouças daquela cidade
Ao meu genro Nuno pelas fotos da mesma igreja de Salvador e pelo
precioso selo do Santuário de Congonhas
A Sua Exº. Reverendíssima o Bispo Emérito de Petrópolis e a Ricardo
Wendling
A Sua Exº. Reverendíssima o Bispo da diocese de Campanha, D. Frei
Diamantino de Carvalho
Ao Reverendo Padre Enivaldo dos Santos Vale, pároco da igreja do
Brás, São Paulo
Ao Reverendo Padre José Raimundo e à Rosângela do Sedipa, de São
João d’El-Rei
Ao Reverendo Pe. Miguel Ângelo Fiorillo, de Itabirito
Ao Snr. Prefeito de Conceição de Mato Dentro e ao Snr. Padre Ismar
Dias de Matos, chanceler da diocese de Guanhães
Ao Snr. Prefeito de Congonhas e às Dras. Patrícia Fernandes Monteiro,
directora da FUMCULT, e Ana da Cruz Alcântara Campos Vieira, do sector de
Informações turísticas da mesma instituição
Ao Dr. Roberto Rebello da SEMCO pela foto do Santuário de Honório
Bicalho
Ao Snr. Prefeito de Mogi das Cruzes
5
Ao Snr. Prefeito de Cana Verde e ao Dr. Vicente Freire Barbosa,
historiador local
Ao Snr. Prefeito de Couto de Magalhães de Minas, ao snr. Melo, da
respectiva Secretaria da Cultura e ao reverendo Padre Maurílio
Ao Snr. Prefeito de Sabará e ao Dr. Sérgio Alexandre da Secretaria de
Esportes, Lazer, Cultura e Turismo local
Ao Snr. Prefeito do Serro, Snr. José Monteiro da Cunha Magalhães
À Dra. Renata Couto de Souza, da Divisão de Turismo e Dr. Roberto
Rabello da Secretaria da Comunicação Social da Prefeitura de Nova Lima
Ao Snr. Prefeito de Lavras, ao Dr. Jardel da Costa Pereira, professor de
História e Dra. Márcia Bento Rosa da Silva, Bibliotecária da Universidade
Federal de Lavras
Ao Snr. Prefeito da Paraíba do Sul
Ao Snr. Prefeito de Bom Jardim de Minas e Snr. Antoninho Guido de
Paula, responsável pelo Acervo Histórico daquela cidade
Ao Snr. Prefeito de Rio Piracicaba
Ao Snr. Prefeito de Piranga e ao Arquivo Histórico Nilo Gomes
Ao Snr. Presidente da Câmara Municipal de Várzea da Palma, Dr.
Geraldo Nunes Azevedo
Ao dr. Idarci Esteves Lasmar, chefe de Gabinete do IGA (Instituto de
Geociências aplicadas)
A D. Maria do Carmo R. Mota, Secretária da Educação de Terra Nova
(BA) e a sua filha Cristina
Ao meu marido, filhas, genros e a todos os amigos que me “aturaram” e animaram ao longo
destes 3 anos
6
SUMÁRIO
Prefácio
I PARTE
O culto ao Bom Jesus de Matosinhos e a sua divulgação no Brasil
Introdução
1. O culto ao Bom Jesus de Matosinhos – Origem
Enquadramento histórico
Conclusão
II PARTE
Igrejas do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil
Nota Prévia
Monte Recôncavo (S.Francisco do Conde) - BA
S. Salvador – BA
Congonhas – MG
Itabirito – MG
7
Lavras – MG
Ouro Preto – MG
Rio Piracicaba – MG
Matozinhos – MG
Serro – MG
Pouso Alegre – MG
Catas Altas – MG
Jesuânia – MG
Cana Verde – MG
Sabará – MG
Conclusão
APÊNDICE
no Brasil
Ouro
Bibliografia consultada
8
I PARTE
Introdução
artístico, sob o ponto de vista religioso permanece como símbolo da perenidade de uma
Matosinhos e as suas ligações com o Brasil, destinado a umas previstas e não realizadas
comemorações locais dos 500 anos da descoberta daquele país, foi-me sugerida uma
Dado que as fontes sobre esta matéria se conservam no Arquivo da Santa Casa da
Misericórdia, pedi autorização ao seu Provedor, Snr. Dr. Rodrigues de Sousa, que, muito
apercebi-me que a documentação relativa àquele século, porque diz respeito a pessoas e
factos ainda hoje muito presentes na Memória local e amplamente divulgados pelos jornais
da época, não me parecia susceptível de fornecer algo de novo sobre o tema proposto.
objectivo original. Assim, embora pressentindo que me ia envolver numa tarefa mais vasta
evolução da sua actividade tentando descobrir momentos em que de alguma forma esta se
pudesse cruzar com o Brasil. Será de referir que não existem documentos para o período
anterior a 1680. Tudo quanto se conhece sobre esses anos são traslados inseridos nos dois
mais antigos Livros de entradas de irmãos. Para meu espanto, porém, logo no fól. 17 do
primeiro livro encontrei, com data de 1655, o registo da entrada de um irmão daquela
colónia ao qual se seguiam outros assentos idênticos. A revelação desta presença precoce
9
de irmãos da Confraria na América portuguesa supõe a existência, já na segunda metade
do século XVII, de uma incipiente devoção local ao Bom Jesus, então de Bouças, que
certamente não se limitaria apenas àqueles confrades, mas de que eles constituem o único
investigação e optei por me debruçar sobre o período que vai do aparecimento do primeiro
irmão até ao terceiro quartel do século XVIII, época em que, tendo a Confraria como um
dos principais agentes de divulgação, esse culto ali chegou, se expandiu e se manifestou
exemplo mais conhecido. O estudo do século XIX, se bem que apaixonante, não caberia
nesta nova proposta pelo que ficará para um outro momento. Desse século apenas referirei
os locais de devoção então levantados na medida em que são uma consequência da adesão
Este trabalho que, mais do que uma tese, pretendo que seja uma obra de divulgação,
tratamento diversos, mas que são convergentes no resultado final. Na primeira, após uma
naquela colónia. Para ela utilizei fontes manuscritas obtidas nos Arquivos da Santa Casa da
busca a Internet, única forma de ultrapassar os problemas levantados pela distância a que
tema em causa. Através de uma cuidadosa e paciente busca de três anos, recolhi uma
instituições que contactei por correio electrónico, carta e telefone e que, numa enorme
ajudar-me. Mais do que uma pesquisa foi uma longa jornada que fiz na companhia de amigos
10
Exercício de paciência e persistência, a elaboração deste trabalho lembra-me as
redes que os nossos pescadores, ponto a ponto, nó a nó, teciam durante tempos infinitos,
fazendo e desfazendo vezes sem conta, enquanto elas iam ganhando extensão, tomando
forma e adquirindo sentido. Como eles também fui avançando aos poucos e sei que esta
minha teia não representa obra acabada. Estou certa que há nela algumas brechas que um
dia terão de ser reparadas. Mas no seu conjunto, mesmo que possivelmente imperfeita,
11
1.O CULTO AO BOM JESUS DE MATOSINHOS – Origem
Santo Crucifixo de Bouças, Senhor Bom Jesus de Bouças, Bom Jesus de Matosinhos,
três designações para uma mesma Imagem 1 cujo culto é dos mais antigos de Portugal. No
seu conjunto revelam a ligação de uma devoção ao mistério da Paixão, à figura humana do
constitui uma tradição tão fortemente enraizada em Matosinhos que nem as investigações
arqueológicas, datando-a de uma época posterior ao século XII, são suficientes para
alterar essa crença na Memória popular. Que é medieval, não resta dúvida. Que seja
de muitas devoções que os séculos de Islão tinham sufocado. E é curioso que a maior parte
delas ande à volta de imagens cujo aparecimento é localizado tradicionalmente numa gruta,
numa rocha, num rio… A do Bom Jesus de Matosinhos veio pelo mar, o mesmo mar que
levou o seu culto, anos mais tarde, para o outro lado do Oceano.
Passo a recordar a lenda do seu aparecimento, tal como a aprendi na minha infância:
12
situou o acontecimento a 3 de Maio de 124 . A Imagem foi levada para
a igreja paroquial de S. Salvador, então anexa ao Mosteiro de Bouças,
situado num pequeno vale a cerca de 2 Kms a leste da praia. Foram
vãs as tentativas de substituição do membro em falta. 50 anos mais
tarde, uma pobre mulher, mãe de uma filha surda-muda, levou para
casa lenha que apanhara na praia. Ao pô--la na lareira, verificou que
um dos fragmentos saltava sempre que para lá era atirado.
Estupefacta com o sucedido, mais terá ficado quando a filha, usando
pela primeira vez a sua própria voz, sugeriu que esse lenho fosse o
braço que faltava ao Senhor de Bouças. Transportado para a igreja do
Mosteiro e colocado no sítio logo se ajustou não mais sendo possível
notar-se ali alguma marca de junção.
ali se processou o
no lugar do mesmo
nome, a referência
mais antiga ao
Mosteiro aparece
num testamento de
944, em que um
herdade à igreja de
S.Martinho de
Aldoar 4.
tratasse de um lugar
cidadão da cidade do Porto, academico supranumerario da Academia real da Historia Portugueza, Lisboa
Ocidental, na officina de Antonio Isidoro da Fonseca, impressor do Duque Estribeiro-mor, MDCCXXXVII, p.133.
4 Diz esse documento: “(…) et acessit in mea voluntate que conseigrase illa et fuit in presencia de domni
Gundesindi episcobi et in monasterio de Bauzas”.
ANTT, Livro Preto da Sé de Coimbra, P. M. H., Dipl. et Chart., nº 54.
13
retirado, nem por isso a fama dessa devoção se confinou à terra de Bouças. Rapidamente
Oya, na Galiza, que refere um voto de uma senhora de Baiona que se obrigara a ir em
peregrinação ao Crucifixo de São Salvador de Bouças e a Santiago5, aponta para que este
Apóstolo de Compostela. Esta ligação pressente-se noutra lenda local, a de Caio Carpo,
uma das explicações para a origem do topónimo Matosinhos. Segundo esta um jovem
romano, pagão, que festejava o noivado na praia, tentando provar a sua perícia entrou pelo
mar dentro a cavalo. Quando voltou à superfíce, encontrou, parado ao largo, um barco sem
Da lenda de Caio Carpo existe uma versão galega que constitui uma das explicações
para a presença das vieiras na simbologia do culto de Santiago e que poderá ser mais um
indício da ligação entre as duas devoções. Assim a contam os galegos numa página da
Internet:
Caio Carpo Palenciano, salió a pasear por la ribera del mar con su esposa
Claudina Lopo Zalenco y demás familia. Cuando llegaron a la playa de Matosinhos,
cerca de Oporto, divisaron una barca que navegaba hacia el norte con firme rumbo
y sin tripulación. El caballo de Caio entró en el mar desbocándose, deseando
5 CLETO, Joel, Senhor de Matosinhos - Lenda, história, património, Matosinhos, Comissão de Festas do Senhor
de Matosinhos e Câmara Municipal de Matosinhos, 1995.
14
acercarse a la barca y, durante un tiempo que pareció eterno, todos pensaron que
jinete y caballo habían perecido en el Océano. Para consuelo de los presentes, a lo
lejos vieron saltar a ambos desde las aguas a la barca, totalmente cubiertos de
veneras. Por lo tanto, se puede decir que la vieira es el símbolo del nacimiento.
lugares 8
de Carcavelos, Lavadores, Linhares, Matosinhos, Pinheiro, Real e Sendim. Em
meados do século XV, a sua posse foi atribuída ao Conselho Municipal do Porto 9, por
ordem do então regente D. Pedro. 100 anos mais tarde, D. João III entregou o padroado
condições em que ela se encontrava, mandou construir uma nova. Considerada a redução
6Texto de José Carlos Cortizo Lopez na página web sobre Santiago de Compostela em
//members.tripod.es/camino/conchas.htm
7 A extinção do mosteiro ter-se-á verificado nos finais do século XIII. Em 1256, após a morte D. Mafalda (última
padroeira conhecida da igreja e do mosteiro), o padroado passara para a coroa. Em 1304, D. Dinis fez doação de
umas casas de Bouças que tinham pertencido à rainha D. Mafalda e, em 1308, entregou o padroado da Igreja ao
Bispo D. Geraldo Domingues. Em nenhum momento desses documentos se fazia já referência ao Mosteiro.
8 Designo aqui por lugares as antigas vilas medievais citadas nas Inquirições de 1258.
9 Em sessão camarária de 14 de Novembro de 1442, o conselho do Porto tomou conhecimento de uma ordem do
regente D. Pedro dirigida aos juízes da cidade para que fossem com D. Fernão Coutinho à igreja de Bouças e
tomassem posse dela em nome do rei, retirando-a a D. Gonçalo, sobrinho do referido D.Fernão: “[…] Eu mando a
Fernam Coutinho que convosco vaa logo a a Igreja de Bouças e requeira per huma carta que leva a dom Gonçalo
seu sobrinho que leixe logo a dicta posse despachadamente e a entregue a vos para a teerdes por elrey meu
senhor[…]. E que sto elle nom quiser fazer que a tomem per força e volla entrege. E porem vos mando que com a
gente dessa cidade que entenderdes que pera esto seera necesaria vaades com o dicto Fernam Coutinho e ajudes a
comprir esto que asy mando […]”.
AMP, Livro I de Vereações, fól. 154v.
15
demográfica da área onde se situava a antiga, optou-se por a levantar num lugar em que
explicação dos factos. Segundo a primeira, a determinação do local foi deixado ao acaso.
Posta a Imagem num burro foi decidido que a Igreja seria construída no local em que ele
parasse pela primeira vez. Isso aconteceu no lugar então designado por Matosinhos,
outra. Dos setes lugares que constituíam a paróquia, Matosinhos começara já no século
litorais tinham-se fixado em áreas mais abrigadas do interior. Nos séculos XII e XIII, a
a paróquia de Bouças tinha então 535 habitantes, sendo Matosinhos o lugar mais povoado,
cada um. Verificavam-se já, contudo, indícios de despovoamento de casais12 nos lugares
mais interiores sendo a taxa maior, 37%, respeitante exactamente a Sendim. Este facto
aponta para uma deslocação de gentes que se terá feito para Matosinhos, local situado
mais próximo do mar e da foz do rio, propício portanto ao desenvolvimento das actividades
de Miragaia 13. Nove anos mais tarde, em Abril de 1449, a Vereação da Câmara do Porto,
uma armada, indício evidente da existência de numerosos barcos, para a luta que este rei
travava com seu tio, o infante D. Pedro, e que culminaria, um mês mais tarde, na batalha de
Alfarrobeira 14.
então ligado a Leça por uma ponte de pedra. Reconhecendo esse desenvolvimento, D.
10 LAGO BARBOSA, Isabel Maria, Raízes Medievais de Matosinhos – O Actual concelho de Matosinhos nas
Inquirições de 1258, in “Matesinus”, nº 4, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 2000
11 A igreja de Bouças situava-se num local entre Sendim e Real.
12 Casais eram pequenas propriedades exploradas por um núcleo familiar e com bens suficientes para o alimentar.
13 “ As pescadeiras que traziam os pescados de Leça e de Matosinhos e doutras partes os vendiam em o dito logo
de Miragaya”. Vereaçoens – anos de 1401-1449, in “ Documentos e Memórias para a História do Porto - XL”,
Porto, Câmara Municipal do Porto, Gabinete da História da Cidade, 1980.
14 “ Façaes dos dictos logares de Matosinhos e Zurara vyr a mais jente e melhor armada quese hi pode aver. Os
quaes se venham logo a essa cidade”, ob. cit., p. 415.
16
Manuel atribuiu-lhe foral, em 1514, documento em que são referidas, com grande relevo,
Matosinhos como nova sede paroquial não foi obra do acaso ou da lenda, mas imposta pelas
arquitecto João de Ruão. Apesar do empenho posto na obra, diversas vicissitudes levaram
a que apenas fosse dada como finalizada em 157915. Na capela-mor, revestida a azulejos,
como de resto todo o edifício, foi colocada então a venerada Imagem, num nicho do
retábulo
Chegada por mar, séculos antes, a Imagem voltara para junto do mar. A pouco e
pouco, o Senhor Bom Jesus de Bouças passou a ser denominado Bom Jesus de Matosinhos
e, pela mão e oração de quantos daqui partiram atravessando o oceano, penetrou em terras
distantes e velou por almas que talvez nunca tenham visto o mar ou sabido onde ficava
15 Sobre a construção da igreja do século XVI aconselha-se a leitura de CLETO, Joel, ob. cit., pp. 49 a 52.
16 PINTO, Cerqueira, ob.cit., fól.189.
17
2.A CONFRARIA DO BOM JESUS DE MATOSINHOS
fronteiriças que hoje a escondem, era bem visível do mar e da foz do rio, tendo
de peregrinação que viam do mar ao partir e a primeira ao chegar. Do alto da sua cruz, no
novo altar, o Bom Jesus terá ouvido as preces dos que abalavam e os agradecimentos dos
que regressavam. Não admira, pois, que os homens do mar o tivessem adoptado como
padroeiro .
A devoção ao Bom Jesus pelas gentes de Matosinhos foi reforçada quando, em 1607,
18
Segundo Marcelo Caetano,
As causas que terão levado à formação desta Confraria são um reflexo do clima de
fervor religioso então vigente, estimulado pelos perigos a que estavam expostos todos
descobertas, e que, por isso, procuravam apoio celestial para os medos que os afligiam.
Tendo proliferado ao longo dos sécs. XVII e XVIII, existem inúmeros em vários locais do
país, quer em museus, quer em igrejas. Os mais antigos, cujo tema dominante eram os
perigos sofridos no mar, revelam uma forte devoção a Nossa Senhora. À medida que se vai
18 CRUZ, António, “Confraria” in Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1971, I vol.,
pp. 667-8.
19
3. Ex-voto a N.S. dos Remédios -1656
20
Os primeiros estatutos conhecidos desta instituição foram redigidos
tardiamente, em 1680,
como vassallos de sua Magestade que Deos guarde, [...] de cuja protecção e
direcção he esta sancta confraria de seu principio athe o prezente [...] approve e
confirme estes estatutos e compromisso20.
inúmeras indulgências que lhes garantiam o perdão dos pecados e responsabilizava-se pelas
orações fúnebres, sufrágios e enterros, factor de grande importância para esta população
mareantes, proibia aos que o não fossem que ocupassem alguns cargos de oficiais da
21
authorizados da terra, mais ricos e que milhor conta tenhão dado de si e se
prezuma delles a darão bõa da Confraria 24.
O respeito por este princípio era tão forte que o mesmo capítulo fixava que
thezoureiros e escrivão, outros annos, athe que venhão alguns irmãos de fora que
são mareantes; porque não he nossa tenção que nos cargos de Thezoureiro e
escrivão, sirvão homens da terra, senão homens maritimos, como fundadores e
instituidores desta sancta Confraria 26.
ausentes durante longos períodos de tempo devido à demora das viagens que ligavam o
reino às colónias e feitorias dos dois lados do Atlântico e do Índico e nas quais muitos
Pernambuco, Baía e, mais tarde, para o Rio de Janeiro. A riqueza de Portugal dependia do
manufacturados e alimentos que aí não existiam. Por outro lado, os engenhos de açúcar e
partiam de Portugal com tecidos de linho, lã, baeta e sarja, utensílios domésticos,
ferramentas, vinho, azeite, manteiga, queijo, carne salgada. Para Luanda levavam
objectos para o tráfico de escravos – espelhos, contas e missangas. Para a Baía seguiam
artigos de luxo – sedas, brocados e porcelanas. Com os lucros das vendas comprava-se, em
Luanda, ouro, marfim e escravos e, na Baía, açúcar, tabaco (que já rivalizava com o açúcar),
neste circuito explicam a frequência dos ataques dos piratas que constituíram sempre uma
24 Id., fól.14.
25 Deverão entender-se como Velhos os irmãos que tinham ocupado o cargo nos anos anteriores.
26 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fól.14.
22
ameaça contínua e tão grave que obrigava as esquadras comerciais a seguirem escoltadas
Outro motivo para a continuidade de tesoureiros e escrivães nos seus cargos era a
Não está feito o estudo das perdas de vidas e barcos de gentes de Matosinhos.
Mas muito numerosas terão sido. Relativamente às deslocações para o Brasil, no período
27 TÁVORA, Maria José; COBRA, Rubem Queiroz, Domingos Rodrigues Cobra – Procurador do Conde de
Assumar, Brasília, Ed. Athalaia, 1999, p. 32.
28 MAURO, Frédéric, Le Portugal, le Brésil et l’Atlantique au XVIIeme Siècle, citado por MARCADÉ, Jacques, O
Império Luso-Brasil 1620-1750 em Nova História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Editorial Nova Estampa,
1991, vol. VII, parte I, pp. 59-60.
23
de 1618 a 1681, Óscar Fangueiro, a partir de um estudo feito sobre os Livros dos
que os pudessem ressarcir dos maus negócios do Oriente. Como mero exemplo entre
tantas centenas, passo a citar quatro casos. O primeiro é o da nau Bom Jesus, do capitão
tripulação e carga, tendo esta sido enviada para Lisboa em embarcações mais pequenas 30
.
que se perdeu junto ao Cabo S. Agostinho, em 1 de Maio de 1614, tendo morrido parte da
persistência de tesoureiros e escrivães nos seus cargos por períodos mais latos do que os
29 FANGUEIRO, Óscar, A população de Matosinhos e Leça nos séculos XVI e XVII, in “Boletim da Biblioteca
Pública Municipal de Matosinhos”, nº32, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 1988.
30 GUINOTE, Paulo; FRUTUOSO, Eduardo; LOPES, António, Naufrágios e outras perdas da “carreira da
Índia” – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1998, p. 239.
31 Ob.cit., p. 240.
32 Ob.cit., p. 248.
33 Ob.cit., p. 257.
24
5.Ex-voto ao Senhor de Matosinhos por milagre nas
costas da Baía – século XVIII
circunstâncias perigosas que se viviam nos navios e durante as travessias para, entre os
Não há devoção sem Romaria. Uma das obrigações que os Estatutos impunham era
mais devota e solemnente que for possivel, na segunda octava do Espírito Sancto 35,
tratarem da eleição da mesa, no capítulo IV, parágrafo 1º, se refere que esta
34 Era costume da Confraria designar alguns dos seus confrades para angariarem irmãos e esmolas para a
Irmandade. Chamavam-se “mordomos de mar” os que exerciam a sua actividade nos barcos em contraposição aos
“mordomos de terra” que representavam a irmandade em Matosinhos, arredores e até mesmo em locais mais
afastados da metrópole. No século XIX as funções dos “mordomos de mar” foram em grande parte atribuídas a
alguns comandantes dos navios .
35 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fóls. 8-9.
25
pera juis e novos officiais se fará todos os annos no domingo antecedente ao
da festa do Espirito Sancto, ou ao menos o mais tardar no mesmo dia do Espirito
Sancto, pera se publicar em a segunda octava, na qual se festeja o Bom Jesus 36.
A sequência do mesmo capítulo revela que a festa era muito concorrida pois a
eleição
fontes impressas, uma das quais anterior a essa data, vêm por em causa a versão, que até
agora tem sido a oficial, que fazia coincidir a origem da Romaria com os festejos com que,
26
Considerando que os Estatutos mencionavam que a Romaria se teria de realizar na
segunda oitava do Pentecostes e que esta festa se celebra 50 dias depois da Páscoa, terá
liturgicamente, não seria possível ocorrer o Pentecostes. O que terá acontecido é que para
festa da Invenção da Santa Cruz que celebra a entrega da Cruz do Salvador aos cristãos,
em 328, após a vitória de Heráclito contra os persas. Afastada está assim a hipótese de
Estatutos da Confraria nada referem sobre a sua origem. Mas não nos podemos esquecer
que estes foram elaborados sobre “memórias antigas” por se terem perdido muitos
a conceder aos irmãos que a ela se associassem. Dele só existem cópias posteriores
impressas e pouco correctas. Como se sabe, a atribuição destes indultos, que concediam
absolvição de pecados aos vivos e perdão, sobre a forma de sufrágios, aos mortos,
estabelecia uma série de requisitos que os fiéis deveriam cumprir para as obter. Entre
longo dos séculos XVII e XVIII, era um princípio habitual que a determinação do dia da
festa fosse estabelecida pelo Breve Papal que criava as irmandades. Assim a referida
O facto de ter sido escolhida a segunda oitava (cada um dos oito dias após o
Pentecostes era designado por oitava) poderá ter a ver com uma ligação à festa do
cujo encerramento tivesse sido escolhido ou determinado pelo Papa para festa do Senhor.
Isso justificaria o facto de, no Brasil, muitas das igrejas que praticam a devoção ao Bom
Jesus de Matosinhos, para além da Romaria anual, que é celebrada noutra altura do ano,
40 “A festa da Páscoa, que é o centro do ano eclesiástico, celebra-se sempre depois do 14º dia andado da lua de
Março. Mas o 14º só se conta a partir do dia 21 de Março, de sorte que, se a lua cheia (plenilúnio) vier antes do dia
21, para os efeitos litúrgicos não se contará do dia em que vier, mas do dia 21. Donde resulta que a Páscoa oscila
sempre entre 21 de Março e 25 de Abril”, in LEFEBVRE, D. Gaspar, Missal quotidiano e vesperal, Bruges, Desclée
de Brouwer & CIE, 1957.
27
festejarem também o Divino Espírito Santo, com grande solenidade, provável sinal de que
para o homem a concretização, em vida, da jornada que faria a caminho do Além, depois de
morto. Como a natureza humana não lhe permitia contactar directamente com Deus,
servia-se de seres que, por meio da purificação, já tivessem passado a ter assento na
corte celestial e que actuassem como intermediários entre ele e a Divindade superior.
Neste contexto, ao longo dos séculos, foi crescendo a importância do Santuário que,
construção foi sempre um espaço que de alguma forma ele tornara sagrado, quer por aí ter
vivido ou passado, quer pela existência de uma imagem, de uma relíquia ou de uma história
a seu respeito. O simples facto de estar na presença destes testemunhos aproxima de tal
modo o crente à figura celeste que o faz sentir como um membro privilegiado da sua
integra o Santo no seu quotidiano e dirige-se a ele como a qualquer dos seus
seu desapoio ou levando ofertas. É no campo destas que é mais visível o modo como a vida
diária do romeiro está ligada à figura do seu orago. Basta para isso observar a natureza da
maior parte das dádivas que existem nos santuários: objectos de culto e de adorno pessoal
(de jóias a madeixas do próprio cabelo), cereais, figuras humanas e animais de cera, etc.
que ele esteja envolvido em aparato e riqueza para impressionar ainda mais fortemente os
fiéis. Esta tradicional e secular atitude perante o Santuário explica a preocupação sobre o
Matosinhos que
a fizerão tão opulenta que ornandose a Igreja e fazendose hum tecto grave
e arteficiozo, e retabolos ao moderno munto lustrozos acompanhados de sete
alampadarios que estão diante da Sagrada Imagem, fora outros que alomeão a
outras capellas, que fazem a Igreja hũa das mais formozas do Bispado, e ainda se
continua com obras, e demais tem outras pessas de prata e requissimos
41 Santo aparece no texto simbolizando todo e qualquer ser de culto cristão: Jesus, Maria ou os santos em geral.
28
ornamentos e em tudo se tem despendido nestas obras mais de cincoenta mil
cruzados 42.
Confraria conseguido até então por causa da perda de muitos documentos. Este extravio
por nenhum modo se appensem livros, nem estatutos a alguns autos, e munto
menos vão fora da Confraria; porque por estes cazos se tem perdido muntos livros
de consideração, pello que sendo necessarios se tirem treslados ou certidões 43.
anuais dos irmãos assim como por esmolas. As primeiras dependiam da idade e da vontade
pessoal de cada um. Inicialmentemente um menor de 30 anos pagava de entrada 200 reis e
1000 por sua morte. A quantia aumentava com a idade de cada candidato. Como referi
anteriormente não se conhece nenhuma documentação entre 1607 e 1681 pelo que só é
possível obter uma ideia da actividade da Confraria, nessa época, através dos primeiros
Livros de registo de irmãos que contêm traslados de alguns assentos anteriores. Uma
contagem através dos três primeiros livros permitiu comprovar que, ao longo do período
considerado, só dos lugares de Matosinhos, Leça, aldeias dos arredores , S. João da Foz,
44
Ouro, Massarelos, Miragaia, Porto e Vila do Conde entraram como irmãos pelo menos 1177
Como as entradas e anuais só por si não seriam suficientes para manter o esplendor
a qual (igreja) augmentarão com largas esmollas offerecidas assim por elles,
como por outros navegantes e devotos christãos 45 .
29
Segundo Cerqueira Pinto
será que era daí que a Mesa da Confraria esperava que viessem as esmolas de que
precisava ?
30
3.O BRASIL DE MEADOS DO SÉCULO XVII A MEADOS
DE XVIII – Enquadramento histórico
Os primeiros arraiais 48
, dedicados
extremo sul.
económico.
introduzir esta cultura na colónia americana. Para isso buscaram-se os solos fecundos da
floresta tropical que se restringiam a uma faixa costeira com 30 a 60 kms de largura que
coincidia com a área onde estavam instaladas as feitorias do pau-brasil. Em 1532, foi
açúcar que os holandeses nela participavam activamente obtendo grandes lucros com a
foram impedidos pelos seus rivais espanhóis de prosseguirem esse comércio. Restou-lhes,
48 Em Minas Gerais o termo designava as primitivas povoações que se foram formando e fixando durante o
processo da colonização. Auguste de descreve-os assim : “a palavra arraial, em seu verdadeiro sentido significa
um local de acampamento, porque, na realidade, os primeiros mineradores não faziam mais do que acampar;
entretanto a grande quantidade do ouro por eles encontrada em certos lugares levou-os a aí se fixarem, e a palavra
arraial acabou, pouco a pouco por perder o seu sentido original” in Voyages dans l’intérieur du Brésil. Voyages
dans les Provinces de Sain-Paul et de Sainte Catherine, Tome second, Paris, Arthus Bertrand, Libraire-éditeur,
1851, p. 243, citado por FONSECA, Cláudia Damasceno, Ob.cit., n. 4, p. 99.
31
assim, a opção da invasão. Conquistada a Baía, em 1624, foram de lá expulsos um ano
depois pelos espanhóis. 5 anos mais tarde fizeram nova tentativa em Pernambuco, então o
refugiou-se a curta distância, no Arraial do Bom Jesus, a meio caminho entre aquela
cidade e a do Recife, que lhe servia de porto, e era então apenas um lugarejo de
estenderam o seu domínio a todo o Nordeste. Após a Restauração de 1640 e, se bem que
incompatibilidades religiosas, levaram a uma revolta, dirigida pelos senhores dos engenhos,
contra os holandeses, que ficou conhecida como Insurreição Pernambucana e que culminou
com a expulsão dos invasores, em 1654. Até 1670, o açúcar continuou em alta. Contudo, os
holandeses que, entretanto, se tinham sediado nas Antilhas, passaram a produzir ali
açúcar que colocaram na Europa a um preço muito mais baixo o que criou graves problemas
à produção brasileira.
propícias à cultura açucareira e com bons locais para o seu escoamento. Ali se fundaram as
cidades e vilas de S.Vicente, Salvador (na Baía), Rio de Janeiro e Olinda (Pernambuco),
pelourinho, este como símbolo da autoridade e justiça do rei. A exploração para o interior
era, então, muito reduzida e apenas a vila de S. Paulo de Piratininga, actual S. Paulo, se
consumidores pela Serra do Mar, o isolamento geográfico e económico tornara esta vila
liberdade e revolta frente às autoridades do reino; e, por fim, o social levara ao abandono
português pelo tupi. A população vivia do cultivo da terra, para o que apresava indígenas;
da caça e pesca; e, à falta de moeda, praticava a troca directa nos contratos económicos.
32
Apesar da permanência de tráfico na rota do Cabo para a Índia, a
conjuntura favorável da colónia portuguesa na América do Sul fomentou, a partir
de finais do século XVI um vasto movimento migratório a partir da metrópole que,
em vagas, não mais parou até ao século XX 50.
Entre 1500 e 1640, terão rumado para o Brasil 100.000 portugueses, estimando-se
a média em 500 por ano. Este êxodo, inicialmente facilitado pela Coroa, aumentou de tal
modo, na segunda metade deste último século, que obrigou à sua regularização através de
4 medidas legislativas.
passaram a comportar-se como classe dominante até ao aparecimento dos barões do café,
derramar de prata na Europa trazida pelos espanhóis das suas possessões sul americanas.
ouro e prata eram os metais mais adequados para acumular riqueza; eram
duráveis, podiam ser transformados sob qualquer forma sem prejuízo, e tinham
grande valor em proporção ao volume. Sendo o dinheiro do mundo, representavam a
forma de troca mais imediata para todas as coisas e a que mais rápida e
seguramente se aceitava em pagamento de todos os serviços 51.
Assim se explica o enorme interesse que havia em descobrir esses metais no Brasil .
50 SERRÃO, Joel, “ Emigração” in Dicionário de História de Portugal, Porto, Liv. Figueirinhas, 1971, II vol., pp.
20-21.
51 www.ars.cim.br/projetos/ibrasil/1998/item01.htm.
33
As primeiras notícias sobre o conhecimento da existência do ouro datam de finais
do século XVI, na vila de S. Paulo, da capitania de S. Vicente. Sendo de pouca monta não
inicialmente destinadas a apresar indígenas para o trabalho do campo, mais tarde tomaram
como objectivo a busca de pedras e metais preciosos. Terá sido na margem do Rio das
interior. À riqueza que já se vivia em madeira e açúcar vinha-se agora juntar a esperança
34
4. A CONFRARIA DO BOM JESUS DE MATOSINHOS NO
BRASIL
de consecutivas bulas papais, tomou nas suas mãos a propagação do cristianismo nas terras
conquistadas garantindo para si o direito de padroado o que lhe permitia não só a criação
insuficiente. No final do século, cada pároco atendia um elevado número de fiéis que, em
muitos casos, atingia os milhares e que eram obrigados a grandes e difícieis deslocações
para cumprirem os seus deveres religiosos. As paróquias estavam sediadas numa igreja
matriz. Quando eram muito populosas a elas se anexavam igrejas filiais e capelas.
teve nas suas colónias da América do Sul. Os agentes de evangelização, ordens religiosas e
35
Ao aportar no continente americano (a Igreja) já era submissa ao Estado, e
o longo período de colonização só veio fortalecer e consolidar tal submissão.
Dependente e aliada do poder, distante das camadas sociais dominadas, a Igreja
não permeou os contactos entre Deus e os fiéis. Se o Brasil foi campo de acção
missionária, essa não pode ser aqui entendida como missão de libertação, pois se
desconhece obra pastoral junto à população (…).Transformou-se, pois, a carreira
eclesiástica numa carreira de funcionalismo público 53.
ligada aos ritos litúrgicos e mais ao comportamento quotidiano dos indivíduos e à pureza da
doutrina, não chegou muito cedo ao Brasil onde, para além de um clero pouco preparado e
de uma presença mais activa da Igreja entre os fiéis. A religião, em vez de formar
aflição pessoal ou colectiva - doenças, catástrofes, etc. - eram ocasião para a invocação
dos santos. A própria salvação eterna era garantida mais pela prática dos sacramentos e
de vida.
53 BOSCHI, Caio César, Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais), S.
Paulo, Editora Ática, 1986, p. 63.
54 www.area-educativa.hpg.com.br.
36
4.2. O papel das Irmandades
contrabando do ouro, a Coroa proibiu a sua fixação no território de Minas Gerais. Nesta
perspectiva, os leigos adquiriram uma maior liberdade para organizarem as suas devoções
e confrarias que surgiram com muita força e se multiplicaram ao longo do século XVIII.
Por essas actividades recebiam indulgências que lhes garantiam perdão dos pecados,
Por toda a colónia se espalharam as irmandades apoiadas pela igreja que garantia
desse modo, sem esforço da sua parte, a divulgação e o apoio material ao culto.
sociedade colonial. Nelas se organizava a vida social daquele tempo, que gravitava à volta
37
Santíssimo Sacramento eram as mais procuradas pela elite branca, enquanto os pretos se
locais de culto próprios era um dos grandes objectivos das irmandades que colocavam
normalmente a imagem do seu santo num dos altares laterais das matrizes cujas paredes
tinham, por vezes, de oito a dez altares reservados aos santos das variadas instituições.
Mas nalgumas localidades, como no caso de Vila Rica (Ouro Preto), estas eram mais
numerosas do que os lugares disponíveis naqueles templos. Por isso muitas delas,
procediam à construção de igrejas próprias para albergar os seus oragos. Com o passar do
irmandades. As que possuíam altares nas matrizes, buscavam sempre arrecadar dinheiro
para a construção de sua própria igreja. Concluída esta, para ali levavam o seu santo e
punham, por sua vez, altares à disposição dos padroeiros das suas congéneres.
surgindo disputas entre as irmandades um pouco por todo o lado do território de Minas.
Cada uma tentava impôr-se pela construção de igrejas cada vez mais belas, não
construtores, da colónia e do reino. Por vezes a beleza de uma igreja era medida pela
arquitectura, das artes plásticas e da música. Entre eles será de enumerar o Aleijadinho,
António Francisco Lisboa, seu pai, Manoel Francisco Lisboa, ou então mestre Ataíde, sem
esquecer tantos outros que deixaram as suas marcas nas igrejas e matrizes da capitania
.
58
estabelecerem ali filiais. Outras estenderam a sua acção àquela colónia através da
sempre a ligação à sede portuguesa. Entre estas últimas está a do Bom Jesus de
57 Sobre as Irmandades ver BOSCHI, Caio César, ob. cit. e MULVEY, Patrícia A., “Irmandades” em SILVA,
Maria Beatriz Nizza da, ob.cit., p. 445.
58 //drianos.vila.bol.com.br, www.asminasgerais.com.br, wwwi.phan.gov.br.
38
Matosinhos, que, sem alguma vez instalar uma representação no Brasil, ali enraizou o seu
mesma devoção, mas cuja acção foi apenas de âmbito local, com compromissos próprios,
culto ao padroeiro.
fora da sua terra, relata que entre 1618 e 1681 tinham morrido 31 homens no Brasil ou na
viagem de ida. Um dos que falecera, em 1648, remetera muitos bens de lá. A propósito de
mortes estranhas, menciona dois casos cujas notícias aqui chegaram em 1616 – o de um
homem que fora comido pelos índios e o de outro que morrera às mãos dos franceses no
Maranhão que
devotos do Bom Jesus de Matosinhos que se deslocaram para o Brasil a partir do século
XVII, utilizei como amostra para esta pesquisa o universo dos irmãos da Confraria que se
sabe já aí residirem nessa época e para o qual existem algumas preciosas fontes
Será de admitir que, praticamente desde a sua fundação, a Confraria pudesse ter
demonstrar. Para garantir a salvação eterna muita gente se terá registado nela antes de
empreender a aventura de partir. Nos Livros de Entradas, onde eram assentes todas
essas admissões, muitas vezes omitiam o local de origem, residência ou destino, dados cuja
59 FANGUEIRO, Óscar, A população de Matosinhos e Leça nos séculos XVI e XVII, in “Boletim da Biblioteca
Pública Municipal de Matosinhos”, nº 32, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 1988.
39
carência nos impede de obter um cálculo mais aproximado do número dos irmãos que
partiram. Apesar disso, aqueles fontes permitem verificar como, ao longo do século XVII,
para o Brasil, estimulados estes pelo fim do domínio castelhano, expulsão dos holandeses
pelo gráfico 1 que mostra a distribuição de novas entradas de pessoas oriundas das 9
Gráfico 1
180
Matosinhos
160
140
Leça
120
Aldeias
100
S.J. Foz
Nº de irmãos
80 Ouro
60 Massarelos
40 Miragaia
20 Porto
0 V. do Conde
1607/39 1640/49 1650/59 1660/69 1670/79 1680/89 1690/703
60 FALCÃO, E. Cerqueira, A devoção ao Bom Jesus de Matozinhos in “RIGH”, S. Paulo, col. LV (1959), pp.1-
20.
40
O primeiro registo que se conhece de um irmão da Confraria do Bom Jesus de
Já, então, a devoção a este padroeiro viajava nas embarcações e até dera nome a
pelo menos uma nau, a “Bom Jesus de Bouças “, capitaneada por Matias Figueira que, em
1647, numa viagem para a Índia, naufragara, por causa desconhecida, perto do Cabo da
brasileiro influiu profundamente na determinação dos locais onde se venerou e ainda hoje
se venera o Senhor de Matosinhos. As fontes permitiram verificar que no período que vai
de 1655 (ano da entrada de Domingos Martins Ramos) a 1774 (ano do último assento
1655 a 1703, a maior parte dos irmãos fixou-se predominantemente no litoral, nas zonas
Gerais.
41
4.3.1. 1655 a 1703
Deste período nos três primeiros Livros de Entradas existem 84 registos de irmãos
Gráfico 2
25
Número de admissões
20
1650/59
15 1660/69
1670/79
10 1689/89
1690/703
5
0
Décadas
Matosinhos. Isto terá acontecido com a maior parte dos primeiros irmãos no Brasil. Não é,
contudo, de afastar a hipótese de puderem ter sido feitas cá pelo próprio antes da
partida, ou, então, posteriormente por interposta pessoa, normalmente as esposas que
homens, mulheres e casais. Estes últimos foram contados como uma unidade dado que a
regularidade com que, na maior parte dos casos, os pagamentos iam sendo feitos leva a
supôr que o tenham sido em Matosinhos, possivelmente pelo parceiro que cá ficou.
Como se pode ver pelo gráfico 3, esses irmãos distribuíam-se por 4 locais – no
litoral: Baía, Pernambuco, Rio de Janeiro; no interior em S. Paulo. Aparecem ainda dois
registos que não referem o nome de uma localidade, mas o da colónia – Brasil, forma de
42
Gráfico 3
14
12
10
Baía
8
Nº de irmãos Pernambuco
6
Rio de Janeiro
4 S.Paulo
Brasil
2
Pelo gráfico é possível verificar que, nesta época, o maior número de membros da
falecimento e de origem 63
1655-e/1686.X.22-f 64
Domingos Martins Ramos e Pernambuco (de Matosinhos)
mulher Maria Martins
1659-e António Pereira Guedes e Baía
mulher Maria Correia
Maria Correia
1665-e Manuel de Sousa Giroto Baía
1665-e Manuel de Sousa Baía
1666-e/1686.VII.27-f Manuel Gonçalves Leça e Pernambuco (de Matosinhos)
mulher Maria de Sousa
1667-e António Almeida Pinto Baía
1667-e Violanta do … Baía
1668-e Sebastião Antunes Trigo Baía
1677-e X 65 Baía
1675-e/1686.VII.27-f Domingos de Azevedo Cruz Pernambuco (de Matosinhos)
1676-e Sebastião Francisco S. Paulo (da Senhora da Luz)
43
1676-e António Francisco Sombreiro Baía
1676-e/1686-f Francisco Alvares e mulher Baía (de Matosinhos)
Ana Neves
44
1691-e João Gramacho e mulher Rio de Janeiro (a mulher era de
Paredes)
1692-e Alferes Domingos Martins Baía
Marinho
1692-e Manuel da Costa Baía
1692-e Desembargador Dionísio Baía (de Leça de Matosinhos66)
Ávila Vareiro, mulher
D. Mariana e um filho
1693-e e filho
Inácio da Silva Vilas Boas Rio de Janeiro
1693.I.23-e Marcela de Bitancor Baía
1694-e X 67 Baía
1694-e Miguel Lopes Barbosa Baía
1694.--.6-e Pedro Barbosa de Araújo Baía
1695-e Manuel João e mulher Maria Baía
1695-e António de Magalhães Baía
D1696-f68 Ana Martins, mulher de Baía
Bento Veira Pinto 69
1696-e Francisco Vieira e mulher Brasil
Isabel Coelho
1697-e Francisco Vieira Fialho Brasil
1700-e Salvador Viana e mulher Rio de Janeiro
1700.XII.29-e Manuel Gonçalves de Pernambuco
Cerqueira
1703-e André Gomes Pernambuco
1703-e Manuel João Rio Tinto Rio de Janeiro
45
Não se pode generalizar afirmando que todos os irmãos da Confraria residentes
que o açúcar era o produto de mais valia na economia local, toda a sociedade, directa ou
uma caixa de açúcar e o de um outro irmão, do mesmo local que, em 1690, em conjunto com
genérica com o nome das Capitania. O mesmo não se poderá dizer da Capitania da Baía,
açúcar e o aparecimento de duas igrejas dedicadas ao Senhor Bom Jesus de Bouças, entre
cidade de Salvador, poderão apontar para uma fixação na área açucareira do Recôncavo
baiano.
colónia, não só pelas riquezas que dali foram remetidas para a Confraria como, sobretudo,
porque foi a partir desse momento que aquela crença passou a traduzir uma atitude de
71 ASCMM,LEI, nº1, fol. 100v. É muito difícil calcular o valor da caixa ou do quilo do açúcar porque, além deste
ser variável com as safras, escasseiam os documentos com informações anuais. Vitorino de Magalhães Godinho
refere que, a partir de 1630, a arroba de açúcar brasileiro custava, em Lisboa, entre 2.560 e 3.200 reis. Hélio Vianna,
atribui o valor de mais de 68.480 reis a cada caixa nos princípios do século XVIII. O peso da caixa poderia ir de 14
a 20 arrobas.
46
Em finais do século XVII, às primeiras notícias que chegaram à Europa acerca do
Com efeito, a descoberta, nos fins do século XVII, das minas brasileiras
provocou um esboço de êxodo da população metropolitana do Noroeste para ali.
Jaime Cortesão calcula o número dos emigrantes portugueses, ao longo do século
XVIII, em algumas centenas de milhares de indivíduos, o que de alguma forma é
confirmado pelo total conjecturado da população brasileira, em 1776, avaliado já em
1.900.000. Os efeitos de tal rush emigratório fizeram-se sentir logo em regiões,
como as de Entre Douro e Minho, mais expostas, pelas facilidades da navegação, ao
expatriamento 72.
72 SERRÃO, Joel, Emigração, in “Dicionário de História de Portugal”, Porto, Liv. Figueirinhas, 1971, II vol., pp.
365 e segs.
73 A mão de obra escrava era muito importante nas lavras dos ouro.
74 AZEVEDO, J. Lúcio de, Épocas de Portugal Económico, Lisboa, Clássica Editora, 1988, p. 322.
47
Nem as medidas restritivas desta emigração emanadas pela coroa portuguesa que,
só no século XVIII, terão sido nove, nem a limitação de partidas apenas para os que
estivessem investidos de cargos oficiais, puseram fim a este movimento. Os grupos que
Mas nem só para Minas se deslocou toda essa gente. Também no sertão da Baía, no
rio das Contas, em Goiás e em Mato Grosso apareceu ouro. Mas o grande centro minerador
e consequentemente o polo de atracção mais forte foi, sem dúvida, o de Minas Gerais. Se
48
a maioria se foi dedicar ao garimpo, com ela seguiram os que viram no abastecimento das
dispersos pelas áreas da Baía, Minas, Pernambuco e outros locais não identificados. O
Gráfico 4
30
25
20
Baía
Nº de irmãos 15 Minas
Pernambuco
10
Rio de Janeiro
5 Brasil
Como se pode verificar, nas décadas de 30 e 40 a grande maioria dos irmãos surge
no interior da colónia, na área de Minas Gerais. Esse período coincide com o do auge da
meados da de 5078 apesar das estimativas não serem confiáveis, quer pela desorganização
do sistema de colheita de impostos, quer pelos interesses que rodeavam essa recolha e o
registo correcto dos valores recebidos. O primeiro irmão da Confraria ali conhecido foi
inscrito em 1716. Contudo o segundo aparece apenas em 1733. Como veremos, este espaço
Brasil, aqui apresentados e recolhidos nos Livros de entradas e dos irmãos falecidos,
são bastante inferiores aos reais. No primeiro período, o da fixação no litoral urbanizado,
o contacto com a Confraria terá sido mais fácil e directo, pois era estabelecido através
78 PAULA, Floriano Peixoto de, Vilas de Minas Gerais no período colonial, in “RBEP” (19), Junho de 1965,
Belo Horizonte in www.asminasgerais.com.br.
49
dos "mordomos do mar" que tocavam com os seus barcos nos portos locais. No segundo,
coincidente com a fase mais activa da busca do ouro, o avanço do movimento migratório
documentos.
Dois episódios surgidos durante as minhas consultas vieram reforçar esta hipótese.
irmãos de Minas. Não se conhece o paradeiro deste documento, mas sabe-se da sua
não temos nenhuma notícia. Anos mais tarde, em 1736, foram registados simultaneamente,
O segundo facto tem a ver com uma petição apresentada a D. João V, cerca de
1739, que retomarei noutro ponto deste trabalho, e em que a Confraria solicita o envio de
porque não so nos particulares districtos das Minas mas em todos os Estados
do Brazil há irmãos desta grande Confraria 80
.
constituem um grande obstáculo para fazer uma avaliação real ou, pelo menos, o mais
A tabela seguinte revela que, para além dos irmãos oriundos da Metrópole, já
50
pertencentes ao contigente de pessoas que terão acompanhado o fluxo de deslocações do
51
1736-f Francisca de Sousa Rego Minas Gerais -Vila de N. S. do
Carmo
1736-f Francisca Machado de Oliveira Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Pilar
1736-f Francisco Cardia de Matos Minas Gerais – Ouro Preto-Padre
Faria-Freg. de N. S. da Conceição
1736-f Francisco da Cunha Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
1736-f Francisco da Cunha Alarcão Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
1736-f João Martins Pinto Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
(de Alfândega da Fé)
1736-f José Martins Mira Minas - S. José d‟El-Rei -Minas do
Rio das Mortes
1736-f Josefa Maria de Sousa Minas Gerais - Itabira-Freg.de N. S.
da Boa Viagem
(do Rio de Janeiro)
1736-f Lourenço da Silva Ribeiro Minas Gerais
1736-f Luís Pinto da Costa Minas Gerais - Termo do Rio das
Mortes - Prados
1736-f Manuel Francisco da Rocha Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
S. António de Itatiaia
1736-f81 Silvestre Marques da Cunha Minas Gerais - S. João d‟El-Rei
1737.VII.15-f Capitão Manuel da Costa e Sousa Minas
1737-f Martinho Gonçalves Minas
1738.II.12-e/ Manuel Gonçalves Minas
1738.X.8-e Coronel António Gomes Posso Caeté (de Matosinhos)
1738/9-f António de Azevedo Minas do Rio de Janeiro (do
Porto)
1738-f José Rego Fernandes Brasil
1739.IV.26-e João Dias Pernambuco
1739.V.16-e Capitão Manuel d'Alves Pernambuco
1740.VI.10-e Manuel Gonçalves Teixeira Pernambuco
1740.XII.22-f Manuel d'Aguiar Madureira Minas Gerais - Ouro Preto-Freg.de
N. S. da Conceição
1740.XII.23-f Manuel de Queirós Moreira Minas
1741.XII-e José Silveira Brasil (de Leça)
1742.VII.30-e Dr.Vicente Teixeira Baía - Cachoeira
1742.VII.8-e Gaspar de Barros Minas Gerais - Ouro Preto
1742.VIII.17-e Francisco Borges dos Santos Baía (de Massarelos)
1742.X.20-e Dr. José Nunes Pereira e Sousa Baía (da Baía)
1742-e Vicente da Costa Teixeira Baía (vila de Cachoeira)
1742-f Dionísio de Sousa Cazado Minas
81 Todos estes óbitos seriam anteriores a 1736, mas a sua notícia só então terá chegado à Confraria para que lhe
fossem rezados os responsos.
52
1743.III.4-e/ José Ferreira Matos Rio de Janeiro (Ilha Grande )
1754.VI.15-f
1744.III.13-e João Correia dos Santos Baía (de Alvarelhos)
1745.II.13-f Maria da Silva Partes do Brasil (de Matosinhos)
1745.X.29-e Cipriano Ribeiro Dias Rio de Janeiro
1745-e José Afonso Carvalhais Pernambuco
1746-e Manuel de Mesquita Minas (de Minas)
1746-f Josefa Francisca Minas
1747-e João Gonçalves Viana Baía (da Baía)
1749-f Dionísio Barbosa Soares Minas - Morro do Ouro Preto
1752-e Virgínio Manuel Állvares Pereira Baía - Vila do Penedo de
S. Francisco
1754.VII.25-e Luís Caetano Brasil
1754.VII.6-e João Pais Barreto - morgado do Pernambuco
Cabo
1754-e Luísa Caetano Das partes do Brasil
1758.II.12-e Manuel Gonçalves Minas do Sabará
1759-e Inácio José Ribeiro Pernambuco
1760.IX.30-e Inácio José Ribeiro, filho de Pernambuco-Recife
António Coelho e Isabel Ribeiro
1760-f Manuel Dias Carneiro Minas
1761.VIII.2-e Capitão de cavalos Simão da Rio de Janeiro
Cunha Pereira
1761-e António Francisco de Almeida Pernambuco
1764.IX.22-f Miguel Gonçalves Rio de Janeiro
À excepção de 11 casos, cujos assentos não precisam a sua exacta localização apenas
53
COMARCA VILA FREGUESIA IRMÃOS
MARIANA Catas Altas do N. S. da Conceição 2
Ribeirão 83
VILA RICA 84 Vila Rica N. S. do Carmo 4
N. S. da Conceição 5
N. S. do Pilar 1
Sem freguesia 2
S. António de Itatiaia 2
Itabira 85 N. S. da Boa Viagem 2
SABARÁ Sabará (não identificada) 2
86
N. S. da Conceição 1
CAETÉ Caeté Caeté 1
RIO DAS MORTES S. João d‟El-Rei 2
S. José d‟El-Rei 87 2
Prados 1
Sem indicação de local 11
TOTAL 38
Todos os locais referidos neste quadro se situam numa zona de Minas Gerais
XVIII, o maior número de locais de culto ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil, como se
verá na segunda parte deste trabalho. Para este facto muito terá contribuído a presença
daqueles irmãos alguns dos quais ocupando posições sociais destacadas na sociedade de
então. Numa consulta feita no Arquivo Histórico Ultramarino foi possível situar em
54
Data Nome Localidade Profissão Observações
97
1748.VII.5(a) Sabará Passa a escrivão Foi nomeado por decreto de
da ouvidoria de D.João V
Sabará
98
1753.IV.3(a) Sabará Torna-se porteiro Nomeado por decreto de
dos auditores do D.José
Sabará
99
1753.IV.26(a) Sabará Escrivão das Nomeado por decreto de
execuções da vila D.José
de S. João d‟El-Rei
100
1756.V.19(a) Sabará Continua como O cargo foi prorrogado por
porteiro de mais 10 anos pelo rei
Sabará
55
1768.VI.9-e Manuel Sabará Pede carta
Gonçalves patente do lugar
Giraldes 101 de confirmação do
posto de capitão
da Companhia de
1799.X. 30 Ordenança do
(a) arraial de
S. Luzia, termo de
Sabará
Matosinhos tivesse procurado apoio nas classes dominantes. Seria, no entanto, um risco
concluir, pelos dados contidos nesta tabela, que se tratava de uma irmandade de elite até
porque se sabe que o culto foi adoptado por camadas diversificadas da população, incluindo
pudessem ter, o facto que me parece explicar melhor o elevado número de igrejas ao
nosso Bom Jesus terá sido a actividade de difusão do culto e angariação de esmolas
Matosinhos.
56
4.4. Um ermitão do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil
Em 6 de Dezembro de 1710,
entraram para a Confraria do Bom Jesus, tendo pago 2.000 reis cada um.
Nada teria distinguido este homem dos outros irmãos não fosse o caso de ter sido
ele o primeiro ermitão, e possivelmente o único, a ser enviado por aquela instituição a
da época.
57
Como peregrinos ou missionários leigos, os ermitães inseriram-se na história
religiosa mineira, adquirindo
significativa importância. Substituindo, de certa forma, as congregações e ordens
missionárias, constituíram uma recorrência na difusão do espírito devocional e da
formação e ensino religioso, através dos recolhimentos (...).
Os donativos para edificação de ermidas e capelas, eram recolhidos nos
arraiais e povoados mineiros, por vezes dispersos e pouco visitados pelas
autoridades da Igreja. Propagavam a crença religiosa através do culto às imagens
de santos, angariando os bens destinados ao ornamento das capelas e compras de
alfaias. Cabe ainda ilustrar o fato de que as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia não só regularizavam o abuso das „excessivas esmolas‟, como
também as exigências aos ermitães, de serem estes “...
homens diligentes, de idade conveniente, e de boa vida,
e costumes, e não poderão apresentar mulheres ”.
Como “pedidores de esmolas” ou como devotos
peregrinos, os ermitães carregavam um oratório
portátil no pescoço, exibindo a imagem do santo, pelo
12.Oratório portátil
qual prestavam sacrifícios de caridade e penitência.
de ermitão
Geralmente, “vestiam-se de uma espécie de samarra,
preta, marrom ou azul, de grosso e rústico borel, atada com uma corda à cintura, à
franciscana, calçados de sandálias de couro, ou simplesmente descalços. Cobriam-
se com rústicos chapéus desabados e se arrimavam em bordões robustos, para as
longas caminhadas pelo sertão ” 103.
Brasil levando imagens e lançando bases para diferentes devoções, aceites facilmente pela
apetência à abertura que caracterizava a religião dos mineiros. Entre aqueles esteve um
pediu autorização para se deslocar Minas para aí fazer um peditório para esta obra .
104
Não tendo chegado àquela capitania missionários pregadores, como António Vieira e
103 PADOVAN, Regina Célia, O Santuário do Bom Jesus de Matosinhos: a irmandade e a construção da
devoção (1757/1827), Actas do XX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH UFSC/CFH.
104 AHU, CU-B/MG, cx. 9, doc.1 8; PR 818.
58
verdadeiras rotas de peregrinação . A virtude salvadora da imagem revelava-se frente a
105
reforçava-se com as curas produzidas. Nos seus longos percursos, os ermitães faziam
apelo à esmola e à fé servindo-se das narrativas dos prodígios já alcançados noutros locais
irmandades.
prestação do culto, solicitou a D. João V autorização para que um dos seus irmãos dessa
Dom João por graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves daquem dalem
mar em Africa e nos reinos da Guine etc. Faço saber aos que esta provizão virem
que por parte do juiz e mais officiaes da Confraria do Bom Jezus de Boussas, cita
no lugar de Matozinhos, Provincia de entre Douro e Minho se me representou achar-
se a dita Confraria com varios empenhos e falta de muitos ornamento precizos para
mayor dessencia e veneração do culto divino por cuja causa dezejavão mandar pedir
algũas esmollas às minas do Ouro para com ellas se acudir ao dezamparo da dita
Confraria e porque João Alvarez de Carvalho, homem de toda a satisfação, verdade
e zelo se offerecia passar ao districto das Minas a pedir as ditas esmollas com hũa
caixinha ou oratorio, me pedia lhe concedesse para isso licença, e tendo visto seu
requerimento e o que sobre elle informou o corregedor do Civel da Rellação do Porto
hei por bem conceder licença ao dito João Alvarez de Carvalho para que possa hir
pedir ao districto das Minas do ouro com caixinha ou oratorio, as esmollas que os
fieis christãos lhe quizerem dar para o Senhor Jezus de Bouças. Pello que mando ao
meu governador e capitão general da cappitania do Rio de Janeiro, e ao reverendo
Bispo d'ella deixem passar o dito João Alvarez de Carvalho, ao districto das Minas e
ao meu governador e Capitão general d'ellas lhe não empida o pedir as ditas esmolas
e cumpram e guardam esta provizão e a fação cumprir e guardar inteiramente como
nella se conthem sem duvida algũa a qual valera como carta e não passara pela
chancellaria sem embargo da ordenação do L.2º,fls.39 e 40 [...] , e se passou por
duas vias. El rey nosso senhor mandou por João Telles da Silva, Antonio Rodrigues
59
da Costa, conselheiros do seu Conselho Ultramarino, António de [...]bellos Pereira a
fez em Lizboa a vinte e dous de Março de mil setecentos e dezanove.
Perante esta autorização real, João Álvares de Carvalho não demorou em partir
Janeiro.
Quando iniciou a sua digressão por terras de Minas só se conhecia ali a existência
Que caminhos percorreu João Álvares de Carvalho no seu percurso para Minas e nas
Certamente os mesmos que tinham sido palmilhados por quem procurara o ouro ou
60
serra da Mantiqueira na garganta do Embaú e cortando o Passa-Trinta (hoje cidade de
Passa Quatro). Ao longo deste percurso surgiram arraiais que, mais tarde, deram origem a
várias cidades (Itanhandu, Santana do Capivari, Consolação, Pouso Alto, Boa Vista,
Baependi, Conceição do Rio Verde, Cruzília, Ingaí). Depois de atravessar o Rio Grande,
passava por Ibituruna do Rio das Mortes seguindo até ao arraial do rio das Mortes (São
Preto, de Ribeirão das Mortes e do Rio das Velhas tinham ouro em abundância, começou a
corrida a este metal. A viagem que transportava o ouro para o Rio de Janeiro tinha de ser
feita por aquele caminho que levantava à Coroa muitos problemas de controlo, apesar da
instalação de postos de registo, visto que era um percurso que, por ser longo e ter muitas
pediu ao rei que fossem restringidas estas trilhas. 3 anos depois todas as casas de registo
foram extintas, à excepção das de Santos e Parati. Para conseguir uma fiscalização mais
atravessava a Serra dos Orgãos, seguindo em direcção aos rios Paraíba e Paraibuna. Dali
percorria Matias Barbosa, Juiz de Fora, António Moreira, Mantiqueira, Borda do Campo e
Registro, onde se bifurcava. Uma trilha continuava para Vila Rica e outra para São João
d‟El-Rei. Este caminho, que encurtava a viagem em 15 dias, era, porém, mais deserto que o
anterior.
14. Tropeiro
109 Em www.asmimasgerais.com.br.
61
Por ambas as estradas, passaram as tropas, conjunto de mulas e burros de carga
conduzidas por um chefe a cavalo e seus ajudantes, que conduziam para o Rio de Janeiro
os carregamentos de ouro
dificuldade de se movimentar na
A aspereza das
descanso, convívio e
Nordeste. O declínio da
62
agente de comunicação, levando as cartas, notícias, encomendas e recados. Pela sua voz
praticados por diversos padroeiros, quer pelas descrições assombrosas das novas igrejas
Terá permanecido no Rio de Janeiro de Agosto a Outubro de 1719, visto que deste
último mês se conhecem dois registos, com as datas de 6 e 10, que poderão corresponder
Pelo Caminho Novo, o ermitão chegou a Minas Gerais, em 1720, ano em que esta
em terraços sobre elas 112 e onde se erigiam já numerosas irmandades. Fora das vilas então
existentes - Ribeirão do Carmo (Mariana), Vila Rica de Ouro Preto (Ouro Preto), Vila de
(Serro), Vila Nova da Rainha (Caeté), Pitangui e S. José d‟El-Rei ( Tiradentes) – o resto da
capitania estava entregue aos proprietários que, desde o princípio do século, tinham
população ocupada no trabalho das minas. A missão de João Álvares de Carvalho não terá
sido pois muito fácil na medida em que se cumpriu num espaço onde igrejas e irmandades
111 Os despachos e autorização de passagens estão insertos no mesmo documento do AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc.
115.
112 FONSECA, Cláudia Damasceno, Agentes e contextos de intervenções urbanísticas nas Minas Gerais do
século XVIII, in “Oceanos”, nº 41, Lisboa, CNCDP, 2000, p. 85.
63
17. Ermitão pedindo junto de uma venda com oratório
Em Março de 1720 , João Álvares de Carvalho estava em Vila Rica. Ocupada, antes
113
de 1700, pelos aventureiros que buscavam o ouro, a vila surgiu da união de vários arraiais:
Padre Faria, António Dias, Paulistas, Bom Sucesso, Taquaral, Sant‟Ana, S. João, Ouro
favorecido pelas novas construções que encurtaram a distância entre cada um, e a
Vila Rica e posteriormente como Ouro Preto, devido à supremacia que tomou este arraial.
Quando João Álvares ali esteve, o povoado primitivo já recebera algumas intervenções
urbanísticas, após um
incêndio, em 1714. As
alinhadas e recuadas
A vila estava,
freguesias: Nossa
Senhora da Conceição de
18. Igreja de N.S. da Conceição de António Dias
113 Dessa passagem há registos dos dias 21, 27 e 28 de Março. AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc. 115.
114 FONSECA, Cláudia Damasceno, ob.cit.
64
António Dias e Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, este último o mais rico e povoado de
todos os arraiais que deram origem à vila e que se tornou sede paroquial, entre 1700 e
1703. Na primeira existia a capela da padroeira, construída por António Dias, em 1696, e
Na segunda freguesia,
confrarias: em 1712, as de S.
Passos 115.
Como já se viu em ponto anterior deste trabalho, em Ouro Preto existiu o maior
Minas Gerais. E, como veremos, ali surgiu, posteriormente, uma igreja dessa devoção.
João d‟El-Rei. O primitivo arraial foi fundado por Tomés Portes d‟El-Rei que, cerca de
1700, viera com a família de Taubaté em busca de ouro e se fixara na margem esquerda do
Rio das Mortes, junto do Caminho Velho, onde se situa hoje o bairro de Matozinhos. Em
1704, Lourenço da Costa, escrivão no porto real de Passagem do Rio das Mortes, cuja
travessia era explorada por um genro de Tomé Portes, descobriu ouro no ribeirão de S.
Senhora do Pilar.
65
Este arraial, inicialmente chamado de Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar,
chamou-se mais tarde Arraial Novo do Rio das Mortes. Paralelamente à actividade
A capela de Nossa Senhora do Pilar foi incendiada, em 1709, durante a Guerra dos
morro da Forca, serviu de Matriz até 1724. Aí desenvolviam já a sua actividade três
Sacramento, 1711 e Almas, 1716. A primeira passou para a nova Igreja de Nossa Senhora
Se bem que se conheçam apenas dois irmãos em S. João d‟El-Rei, também foram
lançadas raízes desta devoção nessa cidade pois, anos mais tarde, ali se ergueu uma igreja
actual Tiradentes, situada na margem direita do rio das Mortes, onde Tomé Portes e João
de Siqueira Ponte descobriram ouro por volta de 1702. A descoberta atraiu muitos
116 Emboabas era o nome com que os paulistas pioneiros designavam os aventureiros de origem portuguesa que se
deslocaram e fixaram na região onde o ouro começava a aparecer. A posse desse território provocou violentas lutas
entre ambas as facções e que ficou conhecida como “guerra dos Emboabas” devido à vitória destes, melhor armados
e organizados.Os últimos encontros deram-se precisamente na zona de São João d’El-Rei.
117 As irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito são irmandades criadas pelos escravos negros.
66
garimpeiros e rapidamente se formou um arraial na Ponta do Morro de S. António, o
Arraial Velho do rio das Mortes, onde se ergueu uma capela. Em 1718, ascendeu a vila com
o nome de São José d‟El-Rei, em homenagem ao príncipe D. José, que ainda era criança.
Rosário, erguida pela Irmandade do mesmo nome e formada por negros nascidos em
África, escravos ou livres, e a Matriz de S. António, erigida em 1710, onde tinham a sua
Sabará em 14 de Setembro. O
busca do ouro.
Jesus.
Mariana.
67
de mineração. Os seus fundadores foram bandeirantes provenientes do Vale do Paraíba,
da região de Taubaté. A abundância de metal faz crescer o arraial que se estendeu pelo
monte até ao ribeiro. Em 1711, foi elevado a vila tomando o nome de Leal Vila de Nossa
Senhora do Carmo. Com as primeiras cabanas levantou-se uma capela dedicada ao Menino
Jesus, sendo mudada mais tarde a invocação para Nossa Senhora da Asssunção. Em 1709,
Passos, em 1720.
João Álvarez ter-se-á conservado nessa zona bastante tempo pois não temos
O último sinal de João Álvares de Carvalho no espaço de Minas Gerais, nesta sua
Junho de 1722. Desconhece-se o itinerário feito entre esta duas datas, mas, considerando
o tempo que nele gastou, é de crer que terá deambulado por diferentes paragens.
jornada foi muito proveitosa. O total de 1.213.063 reis arrecadado foi entregue a Nicolau
Lisboa, Manuel da Costa Machado. Em 10 de Agosto desse mesmo ano, era registada a sua
118 Sede do primeiro bispado de Minas, foi elevada a cidade em 1745 com o nome de Mariana, em homenagem a
D. Mariana de Áustria, esposa de D. João V.
119 TÁVORA, Maria José; COBRA, Rubem Queiroz, ob. cit., p.130.
68
entrada nos cofres da Confraria, em Matosinhos, na acta da reunião de aprovação de
Pello que remeteo o hermitão João Alvarez de Carvalho das esmollas que
obrou pello Brasil que remeteo o procurador da mesma Confraria no Rio de Janeiro
Niculau Duarte Machado para a cidade de Lixboa a Manoel da Costa Machado e um
conto e duzentos e vinte e cinco e settecentos e coarenta reis, que abatida a
comissão D‟El-Rei e huma procuração que o dito remeteo para o Rio de Janeiro
ficou liquido que recebi por ordem do dito Manuel da Costa Machado 1.213.063
reis 121.
João Álvares de Carvalho continuou no Brasil pelo menos até ao ano seguinte. Em
Agosto de 1723, na receita das esmolas recebidas pela Confraria é referida uma quantia
de 479.160 reis que o procurador da Confraria na Baía, Manuel Gonçalves Viana remetera
para o de Lisboa sendo seu portador o próprio ermitão o que leva a deduzir que já estaria
de volta a Matosinhos. Nos registos do dinheiro do Brasil passam, então, a ser citados
apenas os procuradores da Confraria nas cidades da Baía, Rio de Janeiro e Pernambuco 122
.
Não aparecem referidas mais quantias provenientes de Minas o que supõe uma de três
hipóteses: ou o dinheiro desta capitania era entregue aos procuradores das cidades
costeiras, ou se verificou ali um certo abandono por parte da nossa Confraria dos seus
120 Desconhece-se a localização desta ermida. Poderia ser muito perto da igreja actual, na área do Ribeirinho.
121 ASCMM,LC, nº1 (1717 a 1757), fól. 17v.
122 Entre as várias esmolas é de referir o envio da Baía duma caixa de 43 arrobas de açúcar, que rendeu 116.980
reis e de um feixe do mesmo produto no valor de 7.750 reis. De Pernambuco foi mandado um feixe maior que
importou em 35.000 reis.
69
24. Registo das esmolas enviadas do Brasil pelo ermitão
O que aconteceu não é relevante face à importância que teve para a Confraria a
quantia que João Álvares auferiu nesta sua peregrinação. Logo a seguir, em 1726, a Mesa
retábulo do Bom Jesus, talha das bandas e tecto da capela-mor e arco cruzeiro no valor
de 4.500 cruzados e com um grupo de artistas para o douramento da talha por 6.000
cruzados 123. Certamente que esse trabalho terá sido financiado, senão no todo pelo menos
numa grande parte, pelo dinheiro conseguido pelo ermitão. A Confraria descobrira no
Rodrigues André, novo procurador no Rio de Janeiro. E, segundo revelam as fontes, ali
juntamente com as pepitas de ouro, não eram cristais que serviam para jogar gamão ou
fichas para marcar pontos no baralho, mas sim diamantes. Esta descoberta levou a uma
nova emigração dirigida para o que hoje se chama Distrito Diamantino, onde se localizava a
área principal de exploração das pedras preciosas. Os primeiros achados foram em Serro
70
Frio, embora a maior jazida se localizasse no Arraial do Tijuco, actual Diamantina. Se bem
que não não se conheçam registos de irmãos da Confraria nesta nova área de mineração,
não é de afastar a hipótese do ermitão por ali ter vagueado dado o número de igrejas da
A sociedade que João Álvares de Carvalho encontrou nesta sua segunda passagem
pela Capitania apresentava características urbanas mais acentuadas, com uma grande
pacata, continuava a ter o seu centro de sociabilidade na prática religiosa que pautava
eram colocados em oratórios ou nichos no interior das casas e espalhavam-se pelas ruas.
barrocas:
71
Grandes igrejas espalharam-se um pouco por todo lado perpetuando a fé e
697.600 reis, parte do total de 1.425.086 que rendeu esta nova missão no Brasil e que
entregou por mão própria na Confraria, como regista o assento no Livro de Contas
Com ele veio também a notícia da morte de 17 irmãos de Minas cujos óbitos
Este retorno, no primeiro semestre do ano em causa, terá sido o definitivo. Não
126 Id.
127 ASCMM, LC, fól. 59.
128 Ver n. 102.
129 ASCMM, LEI, nº 3, fól. 46v.
130 ASCMM, LIF, fól. 125.
72
O reconhecimento do valor do Brasil como valiosa fonte de proventos, levou a Mesa
manter ali outro ermitão. Essa atitude explica o envio, em data anterior a 1739, de um
referido Livro dos Irmãos de Minas não nos permite apreciar correctamente a acção de
João Álvares de Carvalho enquanto angariador de irmãos. Mas assim como a sabemos
materialmente profícua, também o deverá ter sido no campo espiritual atendendo aos
Para reforçar o novo pedido, a Mesa juntou ao documento uma segunda via da
73
hirem à dita diligencia mandandose pera isso passar provisão geral e ainda huma
particular pera cada hum dos estados do Brazil e das Minas, com todas as
formalidades necessarias pera o dito effeito, levando com ellas os irmãos eleitos
autenticas clarezas das nomeações dos supplicantes e as mais que à meza
parecerem precizas pera segurança da dita arrecadação mayormente sendo como he
a dita Confraria da immediata protecção Real de V. Magestade 131.
cujos registos se desconhecem faz supôr que a missão de João Álvares de Carvalho teve
procuradores locais.
131 A739.VIII.29, AHU.CU-B/MG, cx. 37, doc. 115, fól. 1. O documento está datado como A739, porque deverá
ser anterior a 1739.
132 ASCMM, LEI nº 3, fól. 71 e LEI,nº 4, fól. 232 .
74
representantes locais para proceder à recolha de fundos? É bem possível que isso tenha
acontecido e que essa forma de actuação tivesse acabado por se tornar na estratégia
definitiva das relações com o Brasil porquanto era uma prática corrente no século XIX.
75
CONCLUSÃO
Data da época em que o ermitão deambulava por Minas - 1722 - o primeiro ex-voto
Milagre que fes Senhor de Matozinho a João Escravo de Maria Leme, que
estando gravemente doente, e pegandose com dito Senhor logo teve saude. 1722
133
representativos de uma devoção que chegou ao Brasil por mar no coração de marinheiros e
imigrantes, se fixou primeiro no litoral povoado e, mais tarde, seguindo os caminhos por
onde circulava o ouro, atingiu o interior. Ali foi celebrada na voz de um ermitão cuja
mensagem, transmitida depois pela fé dos que nele acreditaram e pelas histórias dos
133 Ex-voto nº 16, in Promessa e Milagre no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – Congonhas do Campo –
Minas Gerais”, Brasília, Fundação Pró-Memória, 1981.
76
2ª Parte
Santuário de Congonhas
77
Nota Prévia
sem dúvida por ter sido considerado Património Mundial pela Unesco, satisfez sempre
muito o orgulho dos devotos portugueses do Senhor de Matosinhos. E ignoro se neste lado
do Atlântico alguma vez alguém se preocupou em saber se no Brasil havia outras igrejas do
Matosinhos com a nossa antiga colónia, um dos meus primeiros passos foi o de conhecer o
melhor possível tudo quanto dizia respeito àquele santuário. Nesse sentido consultei a
Campo 134
, sem dúvida o trabalho mais completo sobre este templo. Pelas suas páginas
tomei conhecimento, com uma admiração feita da minha ignorância sobre o assunto, da
existência de mais 9 igrejas da mesma devoção das quais uma na Baía, outra em S. Paulo,
Arraial do Bacalhau
Lavras do Funil
S. Miguel do Piracicaba
S. João d‟El-Rei
Matozinhos
Serro
encontrava a milhares de Kms dos locais onde poderiam existir as informações de que
precisava, procurei na Internet resposta para as minhas perguntas. Nesse momento ainda
não tinha objectivos bem determinados e o que me guiou foi apenas uma enorme
continuar. Na pista de instituições e pessoas que me pudessem ajudar, passei dos sítios da
Internet para o correio electrónico. Nesse percurso, realizado ao longo de quase três
anos, arranjei amigos e descobri que o nosso Bom Jesus de Matosinhos é ainda hoje
patrono de muita gente naquele país. Desse modo foi-me possível, não só identificar 25
134 Ob.cit.
78
locais em que se pratica ou praticou esse culto, como recolher informações sobre todas
eles.
Para possibilitar uma mais correcta percepção desta parte do trabalho, passo a
- Porque um dos meus objectivos é tentar mostrar como a devoção ao Bom Jesus
de Matosinhos se foi implantando através do tempo no Brasil, abordarei cada uma das
mesmo a reconstruções completas, após demolição das originais, o que explica que igrejas
de arquitectura muito recente e até mesmo contemporânea, sejam aqui referenciadas com
pessoal. O mesmo se passa em relação ao material fotográfico. Grande parte dele foi
importado de sítios institucionais e como tal tem uma qualidade razoável. O restante,
menos bom, foi-me enviado por fotógrafos amadores locais que certamente fizeram o
nota de rodapé e das fotos e ilustrações num índice final de imagens. Algumas das
ilustrações que me chegaram foram obtidas por digitalisação das imagens originais
propositadamente para as comemorações dos 500 anos do achamento do Brasil e dos 450
celebrações, o que impossibilita a sua actual consulta. De praticamente todos eles guardei
cópia impressa.
ou as publicaram na Internet, não tenho porque duvidar da sua autenticidade. Por isso
optei pela trascrição integral desses documentos, tal como os recebi ou copiei, não me
arriscando a elaborar especulações ou tecer comentários que a distância dos lugares e das
fontes não me permite confirmar. Esses textos estão redigidos em itálico e respeitam a
escrita brasileira original que, como sabem, apresenta algumas diferenças relativamente
79
Matosinhos aparece com s ou z em função do texto original ou da forma como é escrito
localmente.
no actual estado de Minas Gerais e ainda hoje é intensamente professado. Na Baía, as três
Senhor com grandes celebrações quaresmais e procissões, assim como o Divino Espírito
denominamos Romarias, no Brasil são ainda designadas por Jubileus. A maioria destas
da Transfiguração do Senhor).
de crucificado, com os pés pregados separadamente e um olho voltado para o céu e outro
Senhor da Cana Verde. Este facto deve-se à tradição local ou à sua ligação com o ciclo da
paixão quaresmal. Como se sabe, este impõe diferentes atitudes em função da liturgia a
dessas imagens são articuladas. Segundo Maria Regina Quites, restauradora e professora
80
servem para mudar a representação iconográfica da escultura e facilitar o ato de
vestir.
As articulações estão presentes, em geral, nos ombros e cotovelos, podendo
ocorrer também nos punhos, joelhos e área pélvica. Elas mostram um alto nível de
elaboração, com vários modelos identificados, demonstrando eficiência,
conhecimento técnico e criatividade para a função pretendida.
Temos como exemplo de Imagem Articulada o Cristo Morto que participa das
cerimônias de crucificação, do descendimento da cruz e da procissão do enterro na
sexta-feira da Paixão. A articulação nos ombros permite que a imagem possa ser
utilizada de braços abertos (pregado à cruz), semi-abertos (descendimento da cruz)
e fechados (dentro do esquife para a procissão do enterro). A articulação é sempre
coberta por couro policromado pois estas imagens não possuem vestes. Os cabelos
podem ser esculpidos e policromados.
(...) As esculturas processionais englobam em sua concepção original talha
articulada, policromia específica (de acordo com cada categoria), vestes e perucas
naturais e acessórios como andor, esquife, cruz e outros elementos que são
utilizados nas procissões e encenações da tradicional Semana Santa em Minas
Gerais, sendo estes elementos muito importantes para a verdadeira compreensão
destas categorias 135.
todas a partir da segunda metade do século XVIII, têm estatutos próprios e não
- Além das igrejas aqui citadas, existem outras que devem estar ligadas à mesma
devoção, mas que, com o passar do tempo, alteraram os topónimos Matosinhos ou Bouças
festa e algumas lendas que rodeiam o aparecimento das respectivas imagens, fazem supôr
uma grande aproximação a este culto. Nestes casos, apesar das tentativas feitas para
obter dados que confirmassem a minha hipótese, não me foi possível obter respostas,
visto que as próprias autoridades civis e religiosas locais não possuem informações
concretas.
135 QUITES, Ma. Regina Emery, A Imaginária processional em Minas Gerais e sua conservação, Boletim do
CEIB, nº 5,1998
81
- Apesar de ser do meu conhecimento que, pelo menos em Minas Gerais, existem
consegui saber nada sobre eles pois na Internet raramente aparecem descrições do
82
BAÍA
Desde o início da colonização do Brasil que, quer por razões comerciais, quer pela
Noroeste peninsular. Como vimos na primeira parte deste trabalho, até à descoberta das
minas de ouro, a Baía foi a região onde existiram mais irmãos da Confraria o que poderá
fenómeno explicará de alguma forma o aparecimento naquela zona dos dois primeiros
templos dedicados àquele padroeiro na colónia. São eles a Capela do Engenho d‟Água, em S.
Francisco do Conde, nos finais do século XVII, e a igreja do Bom Jesus de Bouças, S.
finais do século XIX, uma outra igreja se levantou, na Fazenda Camboatá, em Jacu, actual
Jesus de Bouças (o que só acontece na Baía) e todas estão localizadas numa área
Recôncavo baiano.
Com o nome de
Recôncavo é conhecida
desde o século XVI a
faixa de terra formada
por mangues, baixios e
tabuleiros que contornam
a Baía de Todos os Santos.
O Recôncavo é uma região 31 - Mapa do Recôncavo baiano
de topografia baixa, com excessão da zona de Cruz das Almas onde a altitude média
136 Terra Nova, antes da sua elevação a município fez parte primeiro da área de S. Francisco do Conde e
posteriormente da de S.Amaro.
137 AZEVEDO, Paulo Ormindo de, Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia, Vol. II - Monumentos e
sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Dezembro de 1978.
83
é 200m. Administrativamente o Recôncavo corresponde a duas micro-regiões do
Estado da Bahia, a 150 e a 151, e reúne 35 municípios, totalizando 10.400Km 2 de
superfície (...).
138 Solos de cor escura, muito ricos em materiais orgânicos, pouco permeáveis, mas que conservam a umidade
durante muito tempo.
84
embarcações podiam ser facilmente requisitadas no Recôncavo se o serviço real
necessitasse. Todos os que alí viviam tinham seu barco ou canoa. A classe pobre e os
escravos comiam quase só peixes e mariscos. No final do século XVII, são elevados a
vila os principais portos da região: Jaguaripe em dezembro de 1697, Cachoeira em
janeiro de 1698 e S. Francisco do Conde em fevereiro do mesmo ano. A economia do
Recôncavo, fundamentalmente vinculada à lavoura açucareira, sofreu grandes
oscilações em seus quatro séculos de existência. Nos primeiros cinquenta anos a
cultura da cana era próspera e crescente. Contava com preços compensadores,
proteção e estímulos governamentais, liberdade de produção e facilidade de
transporte. Portugal era o maior produtor mundial de açúcar e a Coroa detinha o
monopólio de sua comercialização que era compartido com a Holanda, que o
distribuía no mercado europeu. Com a dominação espanhola de Portugal, os
holandeses procuram restabelecer o fornecimento de açúcar tentando controlar as
áreas produtoras brasileiras. Em 1624 ocupam Salvador, mas são expulsos no ano
seguinte. Voltam-se então para Pernambuco, onde permanecem de 1630 a 1654. Em
represália à perda de Salvador, os holandeses saqueiam e incendeiam os engenhos do
Recôncavo seis vezes no período que vai de 1627 a 1648 (...). Antonil insinua que os
últimos anos do século XVII e primeiros do século seguinte foram anos
relativamente prósperos para o Recôncavo devido ao preço elevado do açúcar (...).
85
Monte Recôncavo (S. Francisco do Conde)-Baía
139 Este monte foi conhecido por Penedo de S. Francisco. Ali residia, em 1752, o irmão da Confraria do Bom Jesus
de Matosinhos, Virgílio Manuel Álvares Pereira.
140 Texto compilado pela equipa PPH/CFT in Inventário de protecão do acervo cultural da Bahia, Vol. II-
Monumentos e sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Junho de 1978, pub. em www.sct.ba.gov.br.
86
franciscanos, que levantaram conventos e igrejas próprias assim como mais alguns
engenhos. Foi grande o número de portugueses que aí se fixaram desde o séc. XVI.
33 - Igreja de S.Francisco
87
A povoação de S. Francisco, nascida em torno ao convento, se derramou
pelas encostas do promontório até o pequeno porto. Sua tipologia é simples, isto é,
mononuclear e razoavelmente homogênea, como "formae urbis". Seu sítio é
acidentado e sua trama de ruas irregular. O "entorno" natural da cidade é
constituído pelas águas da Baía de Todos os Santos, que a contornam em três vales,
e por colinas verdejantes, na parte norte. Nesta conjugação de sítio natural
privilegiado com a obra excepcional do homem está o maior interesse do conjunto141.
As capelas de engenhos e
A capela, além das funções religiosas, era ponto de reunião social. Alí se
celebravam casamentos, batizados, primeira-comunhão (...). Na maioria dos casos
ficavam separadas das residências, mas há exemplos interessantes de capelas
edificadas contiguamente às casa-grandes. Dentre estas, podemos citar as dos
Engenhos Freguesia, São José (demolido) e Pouco Ponto. Muitas capelas do século
141 Id.
142 SILVA,Maria Beatriz Nizza da (coordenação de), Sexualidade, Família e Religião na colonização do Brasil,
Lisboa, Livros Horizonte, 2001.
88
35. Capela do Engenho d'Água
143 V. n.140.
89
que envolve o corpo central. A capela-mor, de planta retangular, é recoberta por
telhado de duas águas que se situa em nível intermediário aos dois telhados. Do
lado esquerdo da nave está a
sacristia, e do lado direito, o
ossuário. Completa o anel
periférico um alpendre, que
ocupa três lados do octógono,
sustentado por colunas toscanas
com pedestais. A nave central
cápta luz através de sete óculos
circulares situados acima do
telhado do anel periférico.
Todos os vãos são de vergas
retas. O telhado do corpo
36. Interior da Capela
central apresenta um beiral do
tipo beira-seveira enquanto os
do anel periféricos e capela-mor terminam em cimalhas. A nave possui forro novo
de madeira e a capela-mor forro em abóbada de berço. O altar primitivo já não
existe. Seu acervo de arte é constituído por imagens do orago e de N. Srª. do
Rosário, um arcaz e um sino. A capela está bem conservada.
90
tendo sido acrescida de sacristia, ossuário e alpendre em 1763. Os diferentes
beirais dos dois corpos de construção fortalecem esta hipótese .
144
Segundo um estudo
na freguesia de N. S. do Monte, em
que por sua vez a deixou a seus 4 filhos. Um dos netos, Baltasar da Costa Bulcão, nascido
em 1721, reconstruiu-a, em 1763, tendo trazido de Roma uma imagem do crucificado para
nela ser colocada. Aí foi sepultado após a sua morte, em 24 de Setembro de 1796. Herdou
a propriedade o filho de Baltasar Bulcão, Joaquim Inácio da Siqueira Bulcão, que foi o
primeiro Barão de S. Francisco. A este seguiram-se os IIº e IIIº barões do mesmo nome.
Em 1911, Emydio A. de Sá Ribeiro, comprou o imóvel dos descendentes do IIIº Barão. Por
morte daquele passou para D. Maria Pinto de Vasconcelos que, ao falecer em 1955, o legou
aos seus filhos, tendo um deles, D. Julieta Porciúncula, comprado a parte dos irmãos.
Em 1968, a capela foi restaurada pelos actuais proprietários. Não me foi possível
saber quem são os actuais donos e se são descendentes de D. Julieta, que faleceu
entretanto. Actualmente a casa é utilizada como segunda residência e a capela não está
aberta ao público.
144 Id.
91
S.SALVADOR
Fundada em 1549 para ser a capital do Brasil (permanecendo assim até 1763,
quando a sede do Vice-Reino foi transferida para o Rio de Janeiro), a cidade do
Salvador serviu de palco dos acontecimentos mais marcantes dos primeiros três
séculos de nossa história colonial. Principal porto atlântico das naus da "volta do
mar", da rota das especiarias com destino ao Oriente, prosperou inicialmente com
a exportação do açúcar produzido nos engenhos do Recôncavo Baiano (área
geográfica do entorno da Bahia de Todos os Santos) e depois do comércio entre a
Colônia e Portugal.
Tudo começou em 1501, quando a primeira expedição de reconhecimento da
terra descoberta por Pedro Álvares Cabral deparou-se com uma grande e bela
Bahia - batizada de Bahia de Todos os Santos pelo navegador Américo Vespúcio,
por ter sido descoberta no dia 1º de novembro. O grande golfo tornou-se, então,
uma referência aos navegadores, passando a ser um dos portos mais movimentados
no continente americano.
Com a chegada dos escravos africanos no final do século XVI a cidade
prosperou por influência econômica das atividades portuárias e da produção de
açúcar no Recôncavo.
O século XVIII foi o século do ouro, do apogeu econômico, do barroco e do
rococó, da supremacia da Igreja Católica, do Vice-Reinado (1714), da expulsão dos
Jesuítas (1759) e da mudança da capital para o Rio de Janeiro (1763).
Salvador transformou-se no maior porto do Atlântico Sul e na segunda maior
cidade do Império Português (antes eram Lisboa e Goa). Freguesias foram criadas
e a cidade extrapolou os limites da sua muralha e, consequentemente, da mancha
Matriz, ampliando o seu território pelas colinas adjacentes ao Norte (Carmo e
Santo Antônio), ao Sul (São Bento, São Pedro, Piedade, São Raimundo, Mercês) e a
leste do Rio da Vala (Palma, Lapa, Desterro, Santana, Saúde), além do seu porto,
estendendo-se da Preguiça à Jequitaia e da península de Itapagipe (Boa Viagem,
Bonfim, Penha).
92
entalhes dourados, prataria, ourivesaria, pintura, azulejaria, cantaria,
transformando a cidade do Salvador em importante e qualificado canteiro de
obras, que atraía mão-de-obra especializada portuguesa e formava "escolas" de
artífices 145.
escravos destinados às plantações açucareiras. A viagem era feita para Àfrica em navios
como negreiros. Um estudo sobre o povoamento da Baía ao referir que estes barcos
invocavam o nome de um santo permite verificar que, pelo menos a partir da segunda
metade do século XVII, o Bom Jesus de Bouças já era bem conhecido naquela capitania:
"respeitável" atividade: protetores dos negreiros, dos seus barcos e das mercadorias
transportadas.
145 Este texto foi copiado do sítio oficial de turismo de Salvador www.emtursa.ba.gov.br. Como em todos os casos
de transcrição, foi respeitada a ortografia original.
93
nome de Nossa Senhora. Passando em revista os nomes dos navios relacionados em
Senhora encontra-se mencionadas 1154 vezes, sob 57 invocações diferentes, sendo que as
Conceição - 324 vezes, Nossa Senhora do Rosário - 105, Nossa Senhora do Carmo - 98,
Nossa Senhora da Ajuda - 87, Nossa Senhora da Piedade - 48, Nossa Senhora de
Nazareth - 39, etc. "O Bom Jesus" encontra-se citado, apenas, 180 vezes, sob 11
invocações distintas, sendo que "O Bom Jesus do Bom Sucesso" figura 29 vezes, "O Bom
Jesus de Bouças" - 26, "O Bom Jesus do Bonfim"- 24, etc. 146.
Miguel 147
. A investigadora Marieta Alves, que
146 AZEVEDO, Thales, Povoamento da cidade do Salvador, Baía, Ed. Itapuã, 1969.
147 Em www.iphan.gov.br.
148 ALVES, Marieta, A devoção ao Senhor de Bouças na Bahia, in “A Tarde”, 24.VIII.1959.
94
Francisco Gomes do Rego, irmão
Todo o empenho e
vontade delle doador hera
perpetuar o Samto exercicio da
Via Sacra para esta ser visitada
em publico como athe o
presente tinha observado desde
a creação da dita capella .
150
149 A casa poderá ser a que se encontra ao lado da igreja, pintada a azul.
150 ALVES, Marieta, ob.cit.
95
A Ordem cumpriu religiosamente o compromisso até que, em 1858, irregularidades
praticadas pelos penitentes, levaram à sua suspensão. Em seu lugar criou-se uma doação de
S. Francisco. O Senhor de Bouças foi então restaurado e colocado num túmulo no vão do
96
43 - Outro aspecto da igreja
97
fachada com frontão triangular clássico e janelas terminadas por vergas simples
152
.
A igreja do Bom Jesus de Bouças e de S.
serem os mesmos ou seja, garantir aos vivos protecção para a hora da morte, esse vínculo
não se estabeleceu no nosso país. A igreja do Bom Jesus de Bouças e de S. Miguel foi
152 Dados extraídos da folha de registo da Igreja de S. Miguel no Inventário de Protecção do Acervo Cultural da
Bahia, I parte, Salvador, 1978.
153 JUSTINIANO, Fátima, São Miguel Arcanjo, in “CEIB”, Boletim nº4. http:://cecor.eba.ufing.br.
154 Ao longo deste texto irá aparecer várias vezes o termo tombado/a. Em português do Brasil diz-se que um
monumento está tombado quando se encontra registado como monumento do património nacional, estadual ou
municipal .
155 Está registado no Livro das Belas-Artes, nº 79 do vol. 11, folha 15, em 5 de Fevereiro de 1938.
156 Apesar das várias tentativas feitas de contacto com a Ordem Terceira de S. Francisco, para obter fotografias do
interior da Igreja, nunca me responderam.
98
Conceição de Mato Dentro – Minas Gerais
e de transformação 157 .
A sua história está ligada ao ciclo do ouro. O nome Conceição vem-lhe da devoção
“Mato Dentro” é a tradução do nome índigena “caeté” que designava a densa floresta em
.
158
45 - Vista da cidade
99
A origem do município está ligada à descoberta das minas de Serro Frio. Os
sertanistas Manuel Correia de Paiva e Gabriel Ponce de Leon, ansiosos por novas
descobertas, seguem para o Sul, em 1702. Enfrentando várias dificuldades,
atravessando montanhas e fugindo do encontro com índios, finalmente descobrem
ouro com abundância nas areias do córrego Cuiabá .
Em 1702, Gabriel Ponce de Leon, decidiu construir uma capela dedicada a
Nossa Senhora da Conceição, em torno da qual se desenvolveu um populoso arraial.
O ouro em abundância permitiu que, ao longo do século XVIII, fossem construídas
nos vários arraiais da região, igrejas e capelas que testemunham a riqueza de
Conceição de Mato Dentro no tempo da mineração.
O arraial foi elevado a vila em 1840. Com o nome de Conceição do Serro
passou a município no mesmo ano. Em 1943, teve seu nome mudado para Conceição
do Mato Dentro.
Suas igrejas e capelas apresentam arquitectura simples, mas são
cuidadosamente ornamentadas em seu interior. A cidade conserva vivas as suas
tradições religiosas e folclóricas .
159
100
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1750
Gerais deverá ter sido a capela do arraial da Conceição, que foi levantada em honra de uma
Angola, escravo do sesmeiro Manuel de Sam Tiago Franco, descobriu no meio do mato,
onde penetrara para apanhar lenha, uma imagem de um crucificado, envolta em farrapos.
Segundo um informe
Senhora da Conceição
47 - Matriz de N. S. da Conceição
160 MORAIS, Geraldo Dutra, História de Conceição de Mato Dentro”, Biblioteca Mineira da Cultura, Belo
Horizonte, 1942, vol.XV.
161 www.iphan.com.br.
101
O destino arquitetônico da primitiva Capela do Bom Jesus, seguiu a
peculiariedade dos templos mineiros: a princípio uma modesta edificação que se
transformou numa igreja de proporções maiores, onde a antiga capela passou a
fazer parte da nova composição como Capela-Mor. A criação da Irmandade do Bom
Jesus, começou a ser organizada em 1759, pelo Vigário José Pacheco Ferreira de
Vasconcelos, coadjuvado pelos padres Manuel Gonçalves da Silva e Leonardo da
Costa Amado. Tinha como objectivo “a construção de um templo de maiores
proporções”. No ano seguinte, com a aprovação de D. Frei Manuel da Cruz e do
Vigário da Vara, iniciaram-se os trabalhos preliminares. Por volta de 1773, a igreja
encontrava-se praticamente concluída, faltando apenas os arremates das torres
162
.
Nesse mesmo ano foi feita, em Lisboa, a aquisição de uma nova imagem, que é a que
Este templo foi erguida numa elevação que dominava o povoado e nele trabalharam
artistas de renome, como Manuel da Costa Ataíde e Joaquim Pintor o qual, entre 1805 e
século XVIII 164. Por uma descrição feita, em 1910, pelo Cónego Severiano de Campo Rocha
o coro era duplo, tendo o superior uma pintura com a ressurreição de Lázaro.
Tinha duas naves, laterais ao corpo central, com duas tribunas de dois andares, no
meio das quais estavam colocados os dois púlpitos primorosamente adornados e
trabalhados. Pinturas com episódios dos Evangelhos e da Paixão de Cristo revestiam
as paredes e tribunas. No tecto do corpo da igreja estava representado o
Descimento da Cruz. Os altares estavam colocados nas naves laterais. O altar-mor,
era em talha dourada, com colunas laterais e nichos. A imagem do Bom Jesus estava
escondida por um cortinado de damasco vermelho.
162 Informe do IEPHA/MG sobre o Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, da Conceição do Mato Dentro. Este
documento foi-me enviado pelo Snr. Dr. Pedro Gaeta Neto, director dos Serviços de Protecção e Memória do
IEPHA/MG.
163 Essa imagem foi reencarnada pelo pintor Manuel da Costa Ataíde, em 1805.
164 Informação obtida num documento do IPHAN.
102
No decorrer do século XIX, já rematado o interior da igreja, as áreas mineradoras
visível nos diversos sectores que compunham a vida mineira. A igreja do Bom Jesus de
103
Para evitar a interrupção dos serviços religiosos, enquanto durava a construção, o
De planta rectangular, com ábside circular, tem uma nave única com nichos laterais
Ao lado do arco cruzeiro existem dois nichos com os altares rococó do edifício
antigo.
sobrevivente do velho templo é ladeado por alguns quadros com a mesma origem. A
A amplidão da nave, que ocupa a maior parte da construção, poderá ter a ver com o
facto de ser uma igreja de romarias locais a que afluem enormes multidões de romeiros.
Talvez pela maneira com que foi construída, por étapas, a edificação não
possui estilo artístico e arquitetônico definido podendo, por sua volumetria, ser
classificada como eclética. A conservação, em seu interior, de retábulos da antiga
igreja estlisticamente ligados ao rococó, acontecido em Minas no último quartel do
século XVIII e início do XIX vem refletir preocupação com a tradição e com o valor
do primitivo templo e, ainda, evidencia uma atitude de preservação. Por outro lado
104
observa-se na ornamentação do
santuário uma convivência harmoniosa
de diferentes estilos.
105
O acesso é feito por ruas em rampas que, em desenvolvimento sinuoso, leva o
fiel ou visitante do sopé ao terraplano da colina, ou de forma direta por larga
escadaria, em degraus de pedra e patamares gramados [...] .
168
visitassem o templo em condições e datas estipuladas, mas ainda as duas grandes datas
Jubileu).
106
Segundo a imprensa da região, a chegada dos romeiros à cidade antecede o dia 14.
Começa então a organização das barracas pelo morro. De autocarro, camiões ou mesmo a
pé, cerca de 50.000 pessoas passam pela cidade durante os onze dias da festa. E até hoje
Se bem que, em 1794, esta Irmandade contasse já com 1200 irmãos, enfrentou
Ouvidor Geral da Comarca da Vila do Príncipe aprovou esse Compromisso. Para ser válida,
esta aprovação carecia, porém do reconhecimento real. Com esse objectivo, em 1805,
consulta, o bispo deu informações negativas sobre a actuação da Confraria começando por
107
Depois de relatar as informações que tinha obtido sobre a Confraria, apresentou
próprio para as cerimónias religiosas quando elas deveriam ser presididas pelo pároco:
Naõ se dignaraõ aquelles bons irmaõs de fallar uma so vez ao seu parocho:
pretendem somente que o seu capellaõ prezida em todas as suas funçoens publicas
e ocultas, geraes e particulares e porquê? Porque o cappelaõ he ou querem que seja
hum sobalterno da Irmandade, hum mercenario, hum individuo dependente da
congrua que lhe dezignaõ para sua subsistencia. Naõ repreende os irmaõs
confrades, naõ os adverte nos seus defeitos, naõ regula as suas acçoens relativas à
Irmandade, naõ zella o divino culto, cumpre quanto lhe ordenaõ, naõ quer
desgostar se com os devotos irmaõs porque receia ser excluido da Capelania 172
.
Confraria, terminava
172 Id.
173 Id.
174 FALCÃO, E. Cerqueira, ob.cit, p. 38, n.6.
108
Congonhas – Minas Gerais
serviços.
109
S. Majestade, em 1734, e depois, pelo Ordinário, em curato e, pelo alvará de 13 de
abril de 1745, foi mandada declarar de natureza colativa, em lugar de Nª. Sª. da
Conceição do Ribeirão do Carmo que, pela sua elevação à cabeça da Diocese, passou
a ser curato amovível a arbítrio do Prelado".
Esse importante centro de mineração gerava fortuna para muitos de seus
homens. Numa lista secreta, feita em 1746, dos homens mais abastados da
Capitania constam dez nomes da Freguesia de Congonhas, e todos os dez eram
mineiros. O historiador Augusto de Lima Júnior, na Revista de História e Arte, nº
1, afirma que as lavras das Goiabeiras, Boa Esperança, Casa de Pedra, do Pires, da
Forquilha, do Veeiro, são indicadores de um passado de larga prosperidade, além
do famoso Batateiro, assim chamado pelo tamanho avultado dos granetes de ouro,
que fizeram a riqueza de inúmeros mineradores.
“Tirando seu nome”, diz o mesmo historiador, "da vegetação que cobre seus
campos, a terra do Bom Jesus é representada com elevadas cifras de rendimento e
contribuiu pela prosperidade de seus moradores primitivos, para formar troncos
ilustres de famílias do Brasil".
Deram-lhe um nome que vem do Tupi e que quer dizer: o que sustenta, o que
alimenta. Congõi. Congonhas do Campo. Congonhas. O nome da cidade adveio desta
planta abundante no arraial. Não chegou a vila, porque passou diretamente de
distrito a município.
O distrito, criado por alvará em 6 de novembro de 1746 e confirmado pela
lei nº 2, de 14 de setembro de 1891, ligava Congonhas do Campo à Comarca de Ouro
Preto. Mais tarde, através da Lei estadual de 7 de setembro de 1923, o distrito foi
transferido do município de Ouro Preto para o de Queluz (hoje Conselheiro
Lafaiete). O Decreto-Lei estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938 criou o
município de Congonhas do Campo, e a lei nº 336, de 27 de dezembro de 1948,
simplificou a denominação do município, reduzindo-a para Congonhas sem consulta
prévia à população 175.
Gerais, à custa dos imigrantes que lá se fixaram à procura do ouro. Segundo Roberto
175 Transcrição do texto “A cidade dos Profetas”, publicação da Fundação Municipal de Cultura e Turismo de
Congonhas, 1995. O mesmo texto pode ser consultado em www.camaracongonhas.mg.com.br.
110
eminentemente formada por ricos (geralmente proprietários de lavras),
pequenos e médios grupos sociais (geralmente proprietários de faisqueiras). Há
entretanto diversificação no setor médio, que necessariamente não se ocupa da
mineração, composto por mercadores (as minas eram abastecidas praticamente de
tudo), tropeiros, oficiais, estalajadeiros, profissionais liberais, burocratas, soldados
de milícia, clérigos, entre outros. Finalmente os escravos, que embora numerosos, em
momento algum superou a população de homens livres.
vida própria. Uma vida de intenso misticismo, religiosidade e fé, que pode ser constatada,
através de inúmeras igrejas que até hoje fazem parte do cenário do município. A Igreja
chegarem à região. Construída pelos escravos, em fins do século XVII, conserva até hoje
176 MARTINS, Roberto Borges, A economia escravista de Minas no século XIX, Belo Horizonte:
CEDEPLAR/UFMG, 1980, resumo da tese de doutoramento.
111
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - 1757
54 - Santuário de Congonhas
de trabalho na exploração de jazidas de
ouro. Atendido, deu início às obras em
1757 e dois anos depois já estava pronto
todo o corpo da Igreja. Uma vez mais
religiosidade e trabalho se confundiam.
A capela se erguia pelas mãos de
Feliciano, que com um pequeno oratório do
Senhor Bom Jesus do Matozinhos177
recolhia esmolas e donativos para a
construção. As mesmas mãos que num
55 - Oratório que se diz ter
gesto de humildade recolhia tais
pertencido a Feliciano Mendes
donativos, foram hábeis o bastante para
traçar a grandiosa concepção do Santuário.
177 Este oratório encontra-se exposto em Congonhas. Nele são perfeitamente visíveis as imagens de S. Miguel (na
porta do lado esquerdo) e das Almas do Purgatório (na porta direita). É mais um exemplo da associação destes
elementos ao culto do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil.
112
Não existe nos registros nenhuma indicação com a relação ao risco e planta
do Santuário, mas tudo leva a crer que Feliciano Mendes teria traçado o desenho,
conhecedor que era da igreja do Bom Jesus do Matozinhos, perto da cidade do
Porto, em Portugal. E porque também o primeiro ermitão de Congonhas do Campo
era "oficial de pedreiro", profissão mencionada em seu termo de entrada para a
Ordem Terceira de São Francisco de Vila Rica, em 11 de janeiro de 1760. A morte
o surpreendeu, em Antônio Pereira, a 23 de setembro de 1765, sem ter ainda
terminado a sua igreja, que tinha até então três altares. Sobre o altar-mor, a
178 .
imagem do Senhor crucificado vinda de Portugal, deixava paga a promessa
Altar-mor
113
Tomás da Maia Brito
Adro (1777/1790)
respectivo atelier
114
56 - Nave do Santuário de Congonhas 57 - Altar-mor
Esta cronologia revela como, após a morte de Feliciano Mendes, a igreja do Bom
Inácio Gonçalves, que exerceu esse cargo entre 1776 e 1790. A ele se deve a construção
do monumental adro, as pinturas das paredes das naves e do tecto do corpo da igreja,
assim como a aquisição do órgão. No fim da sua vida dedicava-se à construção da Casa dos
do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, a quem o Santo Padre Pio VI
Foi durante esta gestão que a Imagem original do Bom Jesus de Matozinhos foi
passou a ser venerada como Bom Jesus do Sepulcro. A esse respeito diz Cerqueira Falcão
115
foi a primitiva mandada vir de Portugal, a qual ocupava outrora o trono, tendo sido,
em data posterior, substituída pela que se acha actualmente naquele local de
honra. Nenhum dado positivo, porém, ficou arquivado nos papéis do Santuário a
esse propósito 180 .
Contudo numa visita que fez ao santuário, em 1959, Cerqueira Falcão descobriu um
livro da época que continha um “Treslado dos bens pertencentes somente à Capela do
Senhor Bom Jesus de Matozinhos, que se fez por falecimento do ermitão Feliciano
Mendes”. Por este documento fica-se a saber que à morte do ermitão existiam duas
imagens. Uma que estava no altar-mor e outra, por colocar, que fora mandada ir de
Portugal por Joseph Roiz Medina que a deixara em testamento ao santuário. Dos bens
faziam ainda parte quatro toalhas para vestir o Senhor, durante as cerimónias da Semana
Santa, quando Ele era descido da cruz e amortalhado num esquife para a procissão do
Enterro. Para permitir que a imagem se deitasse, os seus membros são articulados, tal
116
59 - Conjunto dos Passos
117
61 – Dois dos Profetas
118
O ALEIJADINHO
119
final de sua vida, gravemente mutilado pela enfermidade, Aleijadinho não teria
deixado tão valioso conjunto sem a colaboração de seus artesões.
Em 1796, no apogeu de uma vitoriosa carreira artística, e considerado pelos
próprios contemporâneos como superior a todos os outros artistas do seu tempo,
Aleijadinho inicia em Congonhas o mais importante ciclo de sua arte. Em menos de
10 anos cria um total de 78 estátuas, entre as quais estão as suas maiores obras
primas.
romeiros.
Em Congonhas, a festa teve origem no Breve de Pio VI, em 1780, durante a gestão
Setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz. Dadas as más condições atmosféricas que
normalmente coincidiam com a festa de Maio, outono brasileiro com chuvas abundantes,
O facto de Congonhas ter sido o local de Minas Gerais em que mais cedo se
organizou uma festa anual ao Bom Jesus de Matozinhos, (a de Conceição de Mato Dentro é
120
desta devoção. No século XVIII, as comunicações por terra eram difíceis e demoradas.
mais afastadas terão optado pela construção nas suas localidades de um templo da mesma
invocação garantindo desse modo a proximidade do padroeiro o que tornava o culto mais
acessível e confortável. Marcar os seus jubileus na mesma data de Congonhas era outra
Mais uma vela acesa ao Senhor Bom Jesus, uma vez mais a promessa
cumprida em troca do milagre realizado. Fé, tradição, sacrifício e festa. Gente que
sobe as escadas de joelhos, milhares de almas rezando a ladainha. Esperanças
espalhadas, amontoadas por todo lado. O silêncio na bênção final e a certeza de
voltar no próximo ano.
Congonhas se transforma no Jubileu. A romaria atravessando os tempos faz
da cidade um centro de peregrinação que se revitaliza anualmente pelos poderes
milagrosos atribuídos ao Senhor Bom Jesus do Matozinhos.
É durante o Jubileu que Congonhas demonstra sua força e tradição religiosa.
Entre 8 e 14 de setembro a cidade recebe multidões de romeiros do mais longínquo
interior do Brasil. Gente simples, que em seu encontro anual com o Senhor Bom
Jesus revive sua paixão.
Não existe estatística precisa, mas calcula-se que cerca de 500 mil pessoas
visitam Congonhas durante o Jubileu. Atualmente, a cidade recebe os romeiros,
que através dos mais diversos meios de transportes, chegam e retornam no mesmo
dia. Diariamente renova-se o contingente de peregrinos, que vêm a Congonhas
depositar sua fé no Senhor Bom
Jesus. Mas antes da ligação da
cidade com a BR-040, eram
outras as características dos
romeiros. Os devotos chegavam
com suas famílias durante toda a
semana para receberam a bênção
final e lotavam totalmente a
121
ferro e até no lombo de burros.
Congonhas inteira se transformava num conjunto de pensões. Os
proprietários da cidade alugavam quartos, quintais e até alpendres que serviam de
abrigo para os romeiros. Construiu-se, então, no início da década de 30, à direita
do Santuário, no fim da Alameda das Palmeiras, a Romaria, uma pousada
constituída de um conjunto de casas baixas, fechando um círculo ao redor de um
imenso pátio. Para ocupar esse abrigo cada família pagava cinco mil réis por todo o
período do Jubileu. Esta quantia era considerada na época acessível a qualquer
família, mesmo as de recursos muito pequenos. A Romaria foi demolida em 1966 e
reconstruída em 1994.
122
A maioria deles vem a Congonhas movidos pela fé. Há e sempre houve,
entretanto, uma boa parcela desta gente que, todo ano, vem ao Jubileu para fazer
comércio. As barraquinhas que se erguem em Congonhas durante o Jubileu remontam
de um tempo antigo. No início do século, até 1930, além da proliferação do comércio,
o Jubileu apresentava ainda seu lado profano. Do outro lado da ponte, entre os
festejos noturnos, aconteciam os bailes, em meio a muito jogo e outras atrações
mundanas. Vinham de fora diversos artistas e os mais famosos circos se
apresentavam em Congonhas nessa época.
De tudo isso resta, atualmente, apenas a fé inabalável dos romeiros e o
comércio montado para atender esses peregrinos. Vem gente de longe para armar
suas barracas e vender suas mercadorias. Até mesmo comerciantes de outros
estados. Antigos moradores afirmam que, em tempos mais remotos, esses
comerciantes ganhavam, durante o Jubileu, dinheiro suficiente para viver o resto do
ano. Hoje, de forma geral, eles não revelam quanto ganham. Falam até mesmo em
prejuízo, mas, certo é que, todos os anos, eles estão de volta. Mesmo os que não
comerciam ganham dinheiro indiretamente, pois as calçadas são alugadas pelos
proprietários das casas aos barraqueiros, para instalarem suas tendas. Alguns
destes barraqueiros, vindos de outras cidades e até de outros estados, preferiram
ficar em Congonhas e aqui criaram suas raízes. Vendendo bolinho, santinho, pastel,
livros de missa, bonecos de pano, sanduíches, roupas, refrigerantes e calçados. Sem
falar da boa pinga da roça, que não pode faltar. Congonhas fica tomada pelas
barraquinhas, que vendem de tudo.
Durante o Jubileu, Congonhas, realmente, se transforma. No entanto, essa
invasão de peregrinos, modifica os hábitos da cidade, mas não incomoda o povo, que
vê na convivência com os romeiros uma verdadeira demonstração de fé. Deste
sentimento puro o povo de Congonhas entende profundamente. Afinal, os que aqui
nasceram sabem o que é ter a proteção do Senhor Bom Jesus. Sabem o que é olhar
para o alto e reencontrar todos os dias, suas esperanças no Senhor. E, por saberem
disto, recebem com alegria os romeiros, que vêm de longe e que, com sua presença,
reforçam a tradição religiosa de Congonhas 183.
A poesia seguinte, escrita por um romeiro dá-nos uma imagem pitoresca da festa:
123
BOM JESUS DE CONGONHAS 184
184 Entre o material que me foi amavelmente enviado pela FUMCULT destaco esta poesia de um romeiro, Brito
Machado, da cidade de Ouro Preto, narrando o Jubileu de 1939.
124
Das várias orações que os romeiros dirigem ao padroeiro a pedir favores tive
1977 :
veneram o Senhor Morto. De realçar que a grande devoção que se pratica em Congonhas é
fotografias, na linha das antigas tábuas votivas ou ex-votos, que depositam na Sala dos
milagres. Nesta sala está exposta uma coleção de 89 ex-votos ou "milagres" pintados,
125
67 – Ex-votos
Por vezes, as promessas de oferta de figuras em cera são trocadas por pagamentos
em dinheiro. Para o efeito existe na Casa dos Milagres uma tabela que regula a conversão
126
69 - Tabelas de preços dos ex-votos
127
A Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas
A primeira instituição deste tipo que se fundou em Congonhas foi durante a gestão
em reimpressão de 1886.
Mariana, tendo os seus administradores de lhe prestar contas. Para se eximirem a essa
obrigação foram elaborados, então, novos estatutos passando a estar sujeita apenas às
autoridades civis, através dos provedores das Capelas e Resíduos. Cerqueira Falcão
transcreve na sua obra os oito capítulos pelos quais se passou a reger a Confraria 187
e que
128
ano pelas mesmas intenções e pelos beneméritos. Se fosse preciso, o procurador
deveria nomear mais um capelão e convocar mais sacerdotes para confessar os
romeiros durante o Jubileu, a quem seria dada hospedagem decente.
Cap.6º - O procurador deveria registar num Livro as esmolas que recebesse
assim como as intenções dos doadores para que fossem cumpridas. As entradas e
anuais seriam guardados num cofre e registados no Livro de receita. Esse dinheiro
deveria estar sempre no Cofre e não sair senão para despesas da Irmandade,
proibindo-se os empréstimos sob pena de os pagarem os oficiais que tivessem a
chave.
Cap.7º - Sempre que fosse necessário fazerem-se obras, para maior culto do
Senhor e fervor e comodidade dos fiéis que viessem ao Jubileu, o procurador
convocaria a Mesa e juntamente com os oficiais decidiriam a respeito, votando
todos por igual. O procurador poderia decidir em caso de empate. Seria ele quem
administraria e vigiaria a execução da obra. Os pagamentos seriam feitos do cofre
e registados em livro de despesa.
Cap.8º - Os livros da Irmandade – de assentos, entradas de irmãos,
lembranças de esmolas, ofertas, inventários de vestes, alfaias e móveis - deveriam
permanecer na Casa da Confraria guardados pelo procurador, assim como os dos
termos, acórdãos da Mesa, receita e despesa, estariam na mão do tesoureiro.
Apenas os entregariam ao Provedor das Capelas e dos Resíduos da Comarca.
de gestão da Irmandade e não outro tipo de privilégios dos irmãos e devotos. Contudo é
possível termos uma ideia destes a partir do texto de um diploma de entrada de irmãos,
188 “Irmandade do Bom Jesus de Matosinhos” Diploma, AEAM, Livro K 13, p47.
129
No dia do seu ingresso, confessando-se e comungando, visitando o
Santuário do Senhor, rogando a Deus pelas necessidades da Igreja, conforme a
mente do Pontífice, lucram Indulgência Plenária e remissão de todos os pecados.
No primeiro domingo de cada mês e no dia da Invenção da Santa Cruz, a 3
de Maio, fazendo o mesmo acima dito, lucram a mesma indulgência.
No artigo de morte, se contritamente confessados, receberem o SS.
Sacramento, e, não o podendo fazer, invocarem o SS. Nome de Jesus, não podendo
com a boca, com o coração, lucram a mesma Indulgência.
Ganham sete anos e sete quarentenas de perdão, fazendo o mesmo acima
dito nos dias seguintes: na primeira Oitava da Paschoa, na primeira Oitava do
Espírito Santo, na primeira Sexta feira da Quaresma e no dia do Coração de
Jesus.
Os irmãos, que, pela distância do logar, não puderem vir ao Santuário do
Senhor, lucraram todas as graças na Igreja Maior, no logar ou capella onde
residem, e também estando enfermos na cama, as podem ganhar nos dias
referidos, cumprindo com as obras acima ditas.
189 O termo romaria aparece aqui não no sentido de festa, mas de visita ou peregrinação.
130
“Realmente há algo de mágico no alto da colina do santuário do Bom Jesus. A
tocante sensação de paz que envolve o local parece resultar de um feitiço, de um
suave encantamento” 190.
habitantes 191
que se dedica à agricultura, pecuária e indústria : extractiva,
131
70 - Vista da cidade
ouro nos ribeiros dos Cristais e do Cardoso, no local onde actualmente se situa a sede do
O primeiro nome do arraial foi Campo de Congonhas. Aí viviam os que trabalhavam nas
minas de Bela Fama, Cachaça, Vieira, Urubu, Gaia, Gabriela, Faria, Garcês, Batista, Morro
Velho e outras. Em 1748, foi elevado a freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Congonhas.
superfície. A busca subterrânea foi retomada a partir de 1834, quando uma companhia
inglesa comprou a mina do Morro Velho. Esta actividade foi acompanhada por um grande
movimento migratório. Chegaram, então, além dos ingleses grupos de chineses, espanhóis,
Augusto de Lima, filho da terra. Em 1923, simplificou-se o nome para Nova Lima.
132
71 - Vista da cidade do lado sul
133
Este templo, localizado no distrito de Honório Bicalho, é mais uma construção
setecentista cujas obras foram concluídas em 1760. A igreja passou por diversas
pedra. Apresenta uma fachada simples, composta por três portas. A principal é
almofadada, encimada por três básculas e uma sineira e é ladeada por duas rosáceas. O
região reúnem-se para participar das celebrações da Eucaristia, Benção dos Enfermos,
votos e fazer penitência. Pelo recinto levantam-se barraquinhas de comércio e apoio aos
romeiros.
Apenas uma vez por mês é ali rezada missa. Contudo a igreja pode ser visitada todos
os dias, a partir das 8h, devendo a chave ser pedida na casa ao lado do Santuário.
Existe na área envolvente da igreja uma Casa de Retiro das Irmãs Pequenas
pernoitar.
192 Os dados sobre o Santuário foram fornecidos pela Dra. Renata Couto de Souza, da Divisão de Turismo da
Prefeitura de Nova Lima.
134
BAIRRO DO BRÁS – São Paulo
encontra o bairro do Brás cortado a ocidente pelas várzea do rio Tamanduatei (actual
Desde o século XVI até princípio do século XIX, S. Paulo manteve praticamente a
sua ocupação primitiva que se situava na área do actual centro da cidade. A maioria da
Sahio S.Exª a ver a acidade, que está situada em hum plano, e poderá ter
athe quatrocentas cazas a mayor parte terreas, mas muy falta de gente, porque a
mayor parte dos moradores vivem fora della em hũas quintas, a que chamaõ Rossas,
as quais não constaõ de outras plantas, que de milho farinha de paõ, e feijam e
algumas frutas da terra, que tudo isto vem a ser o seu quotidiano sustento dos
Paulistas, naõ comendo carne senaõ em alguns dias do anno [...]. Nella ha trez
conventos hum de São Francisco, outro de Carmelitas e outro de São Bento o
collegio dos Padres da Companhia, e a cathedral com bem poucos clerigos [...] 196
.
Nos primeiros anos do século XIX, S. Paulo não tinha mais que 30 ruas. Na zona do
193 www.bairrodobras.com.br .
194 Termo brasileiro que significa pequena quinta.
195 O futuro Conde de Assumar, D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, foi nomeado governador da Capitania de
São Paulo e Minas do Ouro. Embarcou para o Brasil a 17 de Abril de 1717, com um grupo de homens da sua
confiança. Durante o percurso por mar e por terra, até chegar a vila do Carmo, actual Mariana, foi elaborado um
curioso diário que fornece muitas informações sobre algumas localidades e as dificuldades do itinerário. Esse diário
acha-se transcrito no Apêndice da já citada obra de TÁVORA, Maria José e COBRA, Rubem Rodrigues.
196 Ob. cit. pp.207-208.
135
maior parte do ano nas casas de S. Paulo. Na esquina das actuais ruas da Figueira e do
Brás existiu a Chácara da Figueira cuja dona foi a célebre Marquesa de Santos, Domitila
de Castro Canto e Melo, que foi amante de D. Pedro I do Brasil, IVde Portugal.
A cidade era a sede simbólica desse território e, porque abastecida por ele, os
terrestre após a abertura de rotas de transporte de géneros e gado. Ao longo dos séculos
XVIII e XIX, o seu território era muito procurado pelos tropeiros. Estes necessitavam de
estruturas que a cidade não suportava pelo que estabeleceram pousos nos arredores, ao
longo das estradas. Aí nasceram abrigos para homens e gado, locais de criação e comércio
Um dos caminhos para chegar a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro era o de leste,
que saindo pelo Brás, passava pela Penha e atravessava Mogi das Cruzes. Nesse percurso
vão aparecer pelo menos dois locais de devoção ao Bom Jesus de Matosinhos. Voltemos
Pela manhã sahio Sua Ex.ª com muitas pessoas, que o acompanharaõ athe
hũa Irmida chamada Nossa Senhora da Penha, distante duas legoas da cidade, e
depois de fazer a oração, comeo algum dosse [...] e despedindosse da cometiva,
proseguio a sua jornada acompanhado somente do cappitaõ Mor e outro paulista e
do padre Frei Francisco Pays, Religiosos do Carmo a cuja fazenda havia de hir
pousar aquella noute. Depois de entrar na fazenda [...] se deteve Sua Ex.ª e foi
regalado magnificamente, e no ultimo se confessou, e comungou por ser a
festividade de Archãjo Saõ Miguel [...]. E despedindosse Sua Ex.ª delles continuou
a jornada athe [...] hũa legoa antes de chegar a villa de Mogi .
197
136
S. Paulo à Penha, no Brás, havia muitos casebres onde estavam instaladas vendas. Situado
a pouca distância de S. Paulo, aquele era também o local escolhido para passar a noite.
ele os imigrantes.
trouxeram um grande
desenvolvimento ao bairro. Os
portuguesa e espanhola, já se contavam 32.387. Em sete anos esse número aumentou cinco
vezes mais. A grande maioria era constítuída por italianos - o bairro era uma pequena
Itália.
A fixação da nova população foi facilitada pela instalação das estações de caminho
137
Na primeira metade do século XX o bairro foi a face industrial de S. Paulo.
Actualmente, com o fim das grandes indústrias que aí se sediavam e com o afastamento
dos polos industriais para outras zonas, na sua maioria habitam-no gentes desenraizadas,
Segundo Nardy Filho, José Brás era um português que, em 1769, residia no caminho
que ia de S. Paulo à Penha e cujo nome foi dado ao lugar onde vivia. Numas actas da
Mais do que por ter sido “padrinho” de um bairro, José Brás tem um interesse
especial para nós pois terá sido ele o fundador da primeira igreja do Bom Jesus de
199 O texto de que me servi para tratar o tema da igreja do Bom Jesus de Matosinhos do Brás foi-me enviado, sem
referências bibliográficas, por mão caridosa cujo nome guardava no livro de endereços do computador e que perdi
numa avaria do sistema informático. Sei apenas que se trata do artigo de NARDY FILHO, F. Egreja do S. Bom
Jesus de Matozinhos do Braz, inserido na obra Egrejas de S. Paulo.
138
Igreja do Senhor Bom Jesus do Brás – 1765?
A mais antiga referência conhecida sobre o templo aparece, em 1765, numa outra
acta da Câmara de S. Paulo a propósito do caminho que saía desta cidade para a Penha :
Pegando com a capella do Senhor Bom Jesus até à freguezia de Juquery 200.
A autenticidade da sua fundação por José Brás é afirmada por Azevedo Marques
200 Texto inserido num desdobrável da actual igreja que me foi enviado pelo pároco da actual igreja do Bom Jesus,
Rev. P. Enivaldo Alves. Da sua mão me chegaram a maior parte das informações sobre esta igreja.
201 A primitiva capela poderá ter sido reedificada por este Coronel.
202 Texto do já referido desdobrável.
139
Fazer uma capella ao Bom Jesus, de frente para a sua chácara na sahida
desta cidade para a Penha 203
arruinada ou abandonada e ele tivesse levantado outra para onde foi transportada a
imagem do Senhor que se encontrava na de José Braz. Esta imagem representa Jesus sob
paróquia.
O já mencionado crescimento
mesmo por uma maior. Para a construção da nova igreja foi escolhido o local onde existira
um antigo cemitério, nos fundos da anterior. A primeira pedra foi lançada em 9 de Maio de
203 Id.
204 Imagem digitalizada do rosto do desdobrável que contém a história, Ladainha e orações ao Bom Jesus do Brás.
140
1896, em acto solene presidido pelo bispo de S. Paulo, D. Joaquim Arcoverde. Em 1903,
abriu ao público a parte já então concluída. Em 1904, foi demolida a antiga capela.
80 - Localização da igreja
141
81 – Dois aspecto da pintura do tecto e
paredes
da futura Matriz. Eles cumpriram correctamente a tarefa, planejaram uma igreja vasta e
monumental de estilo romano, em forma de cruz latina, com 3 naves, tendo 57m de
205 Como se pode ver a igreja apresenta sinais de degradação. Actualmente existe uma Associação que reúne
fundos para se proceder ao seu restauro.
142
A primeira pedra foi benzida em 9 de Maio de 1896.
O projecto dos irmãos Calcagno ficou incompleto quando aqueles se retiraram para
Itália, tendo sido substituídos pelo arquitecto Jorge Krug, que lhe acrescentou a cúpula.
vindo de Itália para o efeito, sob recomendação do Vaticano. O seu interior está
actualmente em recuperação. Situada na Av. Rangel Pestana, continua a ser sede paroquial
estatuto composto por vinte capítulos foi aprovado em 17 de Maio de 1806. Na introdução
206 AHU, códice nº1263 - Compromisso da Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, erecta na capela do
mesmo nome, situada na Varzea do Carmo, suburbio de S. Paulo – S. Paulo 1800, Maio,13.
143
1º Cap.207 - Seriam aceites todas as pessoas de bons costumes cristãos, de
qualquer sexo ou nível social. Pagariam 320 rs. de admissão e um anual de 160 rs.
por não ocuparem esses cargos, à excepção do de conselheiros, a que todos eram
remissões de anuais e isenção de cargos, seria para pôr a juros e para património
da Irmandade. O dinheiro que viesse dos juros se juntaria a todo o restante para
responsáveis pelo prejuízo os irmãos acima citados. No acto de posse de cada nova
Mesa seria lavrado sempre este item para que os oficiais não se desculpassem com
a ignorância.
missa, na primeira sexta-feira do mês, por todos eles, vivos e defuntos. Quando
chegassem aos 200, haveria missas todas as sextas feiras. Por cada irmão morto
diziam-se 5 missas e todos os outros rezariam por ele uma estação. Se o falecido
144
7º Cap. – No dia 5 de Agosto seria rezada uma missa ao Divino Espírito
Santo para iluminar a escolha dos oficiais da mesa para o ano seguinte e que
elegeria os demais oficiais para o ano seguinte. A lista final dos eleitos seria
rs., a Vice-Provedora 4000 rs. e os restantes irmãos da mesa 1000 rs. cada,
adiantaria esse dinheiro enquanto não fossem recebidas as jóias de cada membro
juízo, notta, e probidade” e dariam aprovação para obras até 16.000 rs.
13º Cap. – A Irmandade teria um féretro para levar os irmãos falecidos A
145
14º Cap. – Nos Actos da Irmandade, os irmãos usariam capas encarnadas que
teriam no peito, do lado esquerdo, uma medalha bordada com a coroa de espinhos e
procurar saber se haveria irmãos doentes, para que se lhe desse socorros
tratar da casa dos enfermos para que eles pudessem receber devidamente o
do enfermo;
regular para servir de capelão da Irmandade que teria como obrigação dizer as
missas e receberia, por isso, casa e um ordenado suficiente para seu sustento e
rendimentos da Irmandade.
próximo;
146
18º Cap. – O secretário deveria possuir um inventário de todas as alfaias
no sino e faria o mesmo para o enterro. Se o falecido tivesse sido Provedor, seriam
dados 6 toques. Também se tocariam os sinos pelos filhos dos irmãos com mais de
isentos e pelos remidos. Pelos primeiros se rezariam oito missas e pelos segundos
sete.
Não me foi possível confirmar a existência desta Irmandade, mas, como tantas
No caso deste templo perdeu-se o uso do topónimo Matosinhos que foi substituído
pelo nome do bairro em que está inserido. Prova disso é a pagela das orações próprias que
me chegaram pela mão do Rev. Pároco do Bom Jesus do Brás, Snr. Padre Enivaldo dos
Santos Vale.
147
83 - Orações e Ladainha ao Bom Jesus do Brás
148
Itabirito - Minas Gerais
Itabirito 210
, antiga Itabira do Campo, está situada na região central de Minas, a 55
das Velhas.
149
de Figueiredo Monterroyo por aqui chegaram em busca de ouro dando início à
formação dos primeiros núcleos de habitantes.
Como traziam um retábulo com a imagem de Nossa Senhora, tirado da nau,
deram o nome à localidade de Itaubyra de
Nossa Senhora da Boa Viagem do Rio de
Janeiro e construíram uma Ermida no alto
da colina, que foi Capela curada e depois
Paróquia. Hoje, no local, está a importante
Igreja Matriz da Boa Viagem. Em 1745,
foi criada a freguesia, com o nome de
Itabira do Campo, que, em 1752 foi
elevada a distrito. Em 1923 emancipou-se
politicamente de Ouro Preto e recebeu o
nome de Itabirito, que, em tupi, significa
“pedra que risca vermelho”, nome este que
denomina um minério de ferro abundante
na região, também chamado de “chapinha”. 85 - Matriz da Boa Viagem
São pontos turísticos importantes deste município a Mina Cata Branca, soterrada em
1884, considerada uma das grandes reservas auríferas do País; o Balneário Água Limpa,
com praias e cascatas artificiais e a Água Quente com suas águas termais alcalinas e
150
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - 1765 211
doou parte das suas terras, 6 hecs., à Capela Curada de Nossa Senhora da Boa Viagem de
Itabira do Campo, tendo por objectivo edificar a Capela do Bom Jesus do Matozinhos e
construir ao lado uma obra benemérita. Por essa época aí residiram, pelo menos, dois
211 As informações sobre este Santuário foram-me fornecidas pelo reverendo Padre Miguel Ângelo Fiorillo, pároco
da igreja de Nossa Senhora de Boa Viagem.
151
Em 1765, sob a
século XX.
Actualmente o Santuário
Mariana. Situa-se no alto de Matozinhos e a ele se acede por uma ladeira cercada por
palmeiras imperiais.
152
coro e feita a fixação e consolidação do forro e do retábulo. Nessa década foi
ainda substituído o forro da sacristia.
O altar localiza-se num supedâneo 212
em pedra lavada almofadada. O chão
é em lajes de pedra. Um medalhão em pedra encima o portal debaixo de um óculo
curvilíneo. Tem ainda cunhais toscanos e pináculos 213 .
153
91 - Duas pinturas do tecto
Em 1789, a Capela do Bom Jesus do Matozinhos alcançou do Papa Pio VI214 um Breve
das indulgências.
214 Foi durante a vigência deste papa que foram reconhecidas no Brasil as irmandades do Bom Jesus de Matosinhos
e dada a provisão a muitas das igrejas aqui mencionadas. A ele se deve a escolha das datas da Romaria anual.
215 Natal.
154
desde as primeiras vesperas até o por do sol dos ditos dias, a Igreja ou capellas
com o respeito de Nosso Senhor Jesus Christo de Mathozinhos do lugar chamado
Itabira do Rio de Janeiro e ali devotamente rogarem a Deus pela concórdia dos
principes christãos, extirpação das herezias e esaltação da santa Madre Igreja,
em qualquer dos dias acima expressados, que isto praticarem, concedemos
mizericordiosamente em o Senhor, indulgência plenaria e remissão de todos os
seus pecados. Além disto aos mesmos fieis christãos que verdadeiramente
penitentes, confessados e alimentados com a Sagrada Comunhão, visitarem como
acima se expressa a referida Igreja no dia sexta feira da semana da Paixão e ali
orarem a Deus, relaxamos, na forma custumada à Igreja, sete annos e outras
tantas quarentenas das penitencias que lhes sejão impostas ou devidas por
qualquer modo. Não obstando quaisquer decretos em contrário, valendo os
presentes de traz para sempre. Dado em Roma, em São Pedro, debaixo do annel do
pescador no dia trinta e um de Março de mil setecentos e oitenta e nove, anno
decimo quinto de nosso Pontificado 217.
216 14 de Setembro.
217 Esta transcrição do Breve Apostólico foi-me enviada pelo já referido reverendo Padre Fiorillo.
155
O jubileu, determinado pelo Breve Apostólico, realiza-se anualmente no dia da Festa
da Exaltação da Santa Cruz, 14 de Setembro e festeja-se desde 1789. Como entre nós é
precedido por uma novena. À pequena igreja afluem romeiros provenientes de várias
ao padroeiro. Nessa altura, a Imagem é descida da cruz e colocada num esquife no meio da
Igreja para que os devotos lhe possam tocar. Isso só é possível porque, como muitas
de Matosinhos.
156
ao santo homenageado. A maneira tradicional é usar a fita pendurada no pescoço.
Amarrá-la no pulso com três nós foi invenção dos turistas 218.
um complexo sócio-político-
em homenagem a D. António
Arquidiocese de Mariana.
157
LAVRAS - Minas Gerais
A antiga vila de Lavras de Funil está na origem da actual cidade de Lavras, no Sul de
Minas Gerais. Desde o primeiro momento da pesquisa foi impossível localizar a igreja
através da Internet pois nenhum sítio local a referia. Fiz várias tentativas de contacto
Rosário. Munida desta informação, pus a questão, por fax, ao Prefeito Municipal de Lavras,
158
Em atendimento à solicitação de V. Sª., estou encaminhando os dados
referentes à história do nosso Município e à igreja do Rosário.
Com relação à imagem citada na correspondência da historiadora Isabel
Lago Barbosa, a informação que obtive é de que a nossa imagem do Senhor Bom
Jesus da Cana Verde é também a do Bom Jesus de Matozinhos; quanto à capela
dedicada ao seu culto não obtive qualquer informação que comprovasse tal culto
em nossa cidade (...).
Atenciosamente
Homero Carvalho Faria
da Cana Verde.
159
Outra grande dificuldade foi obter uma fotografia da imagem. Como qualquer outra
peça de museu deverá estar proibida a sua reprodução. Tendo solicitado um eemplar à
direcção do Museu, nunca obtive reposta. A sorte, porém, fez-me encontrar na Net uma
pessoa com um espírito de solidariedade profundo, a S. Dra. Márcia Bento Rosa da Silva,
dissesse respeito não a um templo, mas sim a um altar numa igreja que poderia ser
exactamente a Igreja do Rosário visto que ela era a Matriz de Lavras de Funil, em 1768. A
tivesse encomendado a Imagem, mas que não se tivesse chegado a construir, tendo a
Imagem sido guardada na Matriz. A terceira poderá ter a ver com uma possível demolição
da capela, facto frequente em Minas Gerais. Só uma pesquisa mais profunda e feita no
160
OURO PRETO – Minas Gerais
como núcleo urbano longilíneo de origem colonial . Em 1996, tinha cerca de 70.000
220 .
habitantes, a maior parte dos quais sediados na área urbana. O município é composto pela
Jesus de Matosinhos com o Brasil porquanto, como demonstrei na primeira parte deste
trabalho, ali existiu o maior núcleo conhecido de irmãos daquela Irmandade em território
220 www.asmimasgerais.com.br.
161
É a mais conhecida cidade histórica de Minas, tendo sido declarada
"Monumento Nacional" em 12 de julho de 1933 e, mais recentemente, eleita
"Patrimônio Cultural da Humanidade" pela Unesco, em 21 de abril de 1981.
Datam da última década do século XVII as primeiras notícias do povoamento
da região de Ouro Preto (...). Com a notícia do mineral, foi grande o afluxo de
pessoas para a área, fundando alguns arraiais, como os de Ouro Preto (Vila Rica) e
Antônio Dias.
Em 1720, a Capitania das Minas Gerais desligou-se de São Paulo, e Vila Rica
tornou-se sua capital, em 1721. Esta época coincidiu com o apogeu da extração
aurífera em Minas Gerais.
Vila Rica foi onde ocorreu a primeira tentativa de independência, com o
movimento denominado Conjuração Mineira.
Foi elevada à categoria de cidade após a Independência, sendo o seu nome
trocado para Ouro Preto, referência a pepitas de ouro paladiado, que tinham
aspecto de grãos escuros, encontrados em grande abundância no leito do riacho do
Tripuí, nos arredores da cidade. Manteve-se como capital do Estado até 12 de
dezembro de 1897, quando a sede do governo foi transferida oficialmente para a
recém-construída Belo Horizonte.
A cidade, cuja fisionomia atual reflete com mais pureza o passado colonial
brasileiro, manteve a unidade de seu aspecto arquitetônico devido em parte ao
empobrecimento, que não permitia novas construções, e à vigilância do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
162
Foi a segunda capital do Estado de Minas Gerais, após Mariana .
221
tiveram uma importância política considerável, que os levara a dominar a sociedade civil,
quer financiando obras de infra estrutura (fontes, praças, chafarizes, etc), quer
contribuindo para construção das igrejas através das irmandades religiosas a que se
associavam.
Entre essas igrejas existe uma que para nós tem um interesse especial .
163
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos - 1771
denominado, pois lá se
expuseram, em postes, as
Inconfidência Mineira,
dia de S. João Nepomuceno. Concedida licença para a sua construção pela Mesa Capitular
adiantada. Nesse ano ajustou-se com o Mestre Pedro Francisco Rodrigues Lajes, a
164
edificação do frontispício, que incluía, entre outras obras, a confecção do óculo, janelas e
cruz.
Em 1783, foi feito novo contrato com o pedreiro Pedro Miguel Moreira Gomes para a
pedra. No entanto, um pouco antes de 1789, os devotos da capela que tinham assumido a
continuação das obras, não tendo dinheiro para as concluir, enviaram à rainha um
requerimento para que ela os autorizasse a fazer um peditório com aquele objectivo.
distância constituía um grave incómodo para a deslocação dos fiéis, e ainda que a sua
construção estava atrasada por ser obra dependente de esmolas, os devotos da capela
concluída.
substituição da devoção de S. Miguel pela da Paixão de Jesus terá tido muito a ver com a
165
Embora construída em fins
do século XVIII, a Igreja do Bom
Jesus de Matozinhos das Cabeças
assemelha-se às construções
religiosas da primeira metade do
século, sobretudo no que diz
respeito à fachada, que pertence
ao tipo clássico, caracterizado pelo
corpo central coroado por rígido
frontão triangular, encaixado
entre duas torres de secção
quadrada e elevação moderada. A
planta segue o partido tradicional
das igrejas da segunda metade do
século, com divisão em nave,
capela-mor e sacristia, colocada
transversalmente no fundo do
105 - Altar-mor com a imagem do edifício, com acesso franqueado
Bom Jesus de Matosinhos e S. Miguel por corredores ao longo das
paredes da nave. A execução da
portada é atribuída ao Aleijadinho, embora não existam elementos documentais que
comprovem a autoria. Em 1778, foi preparada a pedra talhada para as esculturas,
que devem datar aproximadamente deste período. Para Germain Bazin, as
características do Mestre são evidentes nessa obra, particularmente o buquê de
três cabeças de querubins arrematando o arco, idêntico ao de São Francisco, de
Ouro Preto, e ao de São Francisco, de São João d‟El-Rei. Assinala ainda Bazin,
tratar-se esta portada de obra híbrida, realizada em duas etapas, visto que a
concepção arcaica da mesma, centrada na idéia de um nicho com estátua, parece ser
obra anterior. Quanto ao seu interior, a decoração é extremamente simples, nada
apresentando de particular interesse no que diz respeito à talha. Merecem
referência especial a imagem do Senhor do Sepulcro e duas pinturas de Manuel da
Costa Athaíde (Ceia e Crucificação) nos corredores laterais. A iconografia é
166
bastante complexa, reunindo as três invocações da Igreja: São Miguel e Almas,
Sagrados Corações e Bom Jesus de Matozinhos, esta, representada pelo pelicano,
emblema do sacrifício da Paixão 223.
223 www.iphan.gov.br.
167
etc..). Este cenário se completaria, na verdade, com a lmagem do Senhor Morto
existente na capela-mor, sintetizando então uma completa via-sacra interna 224 .
Tomás António de Gonzaga, na sua obra Cartas Chilenas, poema satírico escrito em
1786/7 em que trata da vida, situação e desgoverno do estado de Minas, refere esta
Cartas Chilenas
224 In www.asminasgerais.com.br.
225 2ª Carta Chilena.
168
Só na segunda metade do século XIX, em 1867, é que se criou em Ouro Preto a
Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos. O seu objectivo era o de reacender não
só o culto ao Bom Jesus, mas também o de S. Miguel, santo muito querido pelos mineiros.
Isso explica que o mês de Setembro seja marcado anualmente pelas duas festas aos
actual Irmandade.
religiosas lembra o da romaria portuguesa. Inicia-se também com uma novena, mas a partir
dizem-se 3 missas (duas de manhã e uma ao fim da tarde), a que se segue um sermão, Te-
mineiras e em especial de Ouro Preto, é o papel que nelas representa a música e as bandas
que as animam.
226 Este programa está estabelecido de acordo com as informações registadas em www.agendacultural.com.br e
diz respeito a 1998.
169
Mesmo diante da rigorosa discriminação racial, os músicos circulavam
livremente, apresentando-se em templos cujas irmandades só admitiam brancos.
Filiavam-se, porém, às irmandades dos homens pardos.
227 Em www.cidadeshistoricas.terra.com.br/ouropreto/op_mus_p.htm
170
RIO PIRACICABA – Minas Gerais
reflorestamento de eucaliptos.
228 As informações sobre Rio Piracicaba foram fornecidas pela Prefeitura local, obtidas no sítio do Projecto
Cidades e em www.asminasgerais.com.br.
171
Santuário do Bom Jesus de Matozinhos- 1771
de Junho de 1771. A imagem do Crucificado foi benzida em 29 de Junho desse mesmo ano.
ficado paradas até 1869, ano em que foram reiniciadas para concluírem em 1876.
do antigo altar-mor que acabou por também ser demolido, em 1946. Nesse ano procedeu-
172
111 - Nave central e tecto
173
Um historiador local, Raymundo Fonseca 230, conta-nos de forma um tanto ingénua, a
230 FONSECA, Raymundo, Bastão de Ouro, 2ª edição, s.l., 1993. Deste livro foram-me enviadas as fotocópias das
páginas sobre a história do culto ao Bom Jesus que aqui transcrevo.
174
vendas do arraial. Quando o ouro falhava, ele comia em casa de uma lavadeira, Siá
Maria Augusta.
Durante o dia Jeremias trabalhava na confecção de uma tosca imagem de
madeira, do Senhor Bom Jesus. Pronta a Imagem, Jeremias levou-a ao Capitão
Anastácio e apresentou-a como sendo o seu padrinho.
O Capitão, vendo o seu modo inteligente, deu-lhe um marceneiro com
ferramentas e aperfeiçoou a imagem. Esta imagem é guardada na sua capela onde
os devotos podem vê-la.
O Capitão Anastácio, comovido com o acontecimento, promoveu a construção
de uma capela próxima ao local onde Jeremias tinha o seu esconderijo. Ali colocou
a imagem com melhor aparência; mais tarde, passando pe1o arraial um escultor
espanhol de nome D. Vicente, escultor que trabalhou na imagem, deu-lhe uma
melhor apresentação. Esta capela foi construída com a assistência do Padre
Caetano da Fonseca de Vasconcelos e o seu auxiliar, coadjutor Padre Manoe1
Rodrigues Souto. O nome do lugar, conserva até hoje o nome do Poltreiro, que quer
dizer: lugar onde se criam potros. O Capitão Anastácio deu ao escravo Jeremias
três horas por dia para cuidar da capela, e ali fazer orações e, mais tarde, deixou-
-o só para cuidar da capela 231
.
Sobre a festa ao Senhor de Matozinhos, conta-nos o mesmo autor o modo como ela
231 Ob.cit., pp. 51-53. O texto aparece tal como me foi enviado.
175
passando pela rua dos Passos e Praça da Matriz, continuando pela rua Direita,
passando pela Praça do Português e a ponte sobre o rio, fazendo a volta na Praça
do Adolfo, tomando a rua Córrego da Prata até a Capela do Bonfim, no topo do
morro de saída para Alvinópolis, onde ficava até o dia 3 de maio, dia de Santa
Cruz, e á tarde saía dali para retornar ao Santuário. Dia 4 de maio, retorno das
imagens para a Matriz e após a chegada, o sermão de encerramento e era cantado
o TEE DEO em ação de graças, pelo término da festa.
176
Hoje 232
: 1ºdia de novena, caminhada da Matriz levando uma Cruz Grande,
chamada Cruz da Esperança, com cânticos e preces ao Sr. Bom Jesus.
Dia 1º de maio, dia do Trabalhador - Missa no Santuário para os
trabalhadores rurais, fazendo-se representar o Síndícato Rural. À tarde,
procissão de Bom Jesus e mais a imagem de Nossa Senhora das Dores, até a gruta
do Bonfim, com banda de música e cânticos. Lá permanece até o dia 2 de Maio, com
missa às 10 horas, comunhões e pregação por um orador sacro. A tarde, procissão
da gruta do Bonfim para a Capela do Rosário e ali ficam as imagens até dia 3. Às 7
horas há a celebração da Santa Missa, com cânticos e Comunhões e, em seguida, a
procissão para a Matriz.
Em todas as festividades é notada a presença da Corporação Musical e, às
vezes, cada dia da festa é uma corporação que se apresenta, inclusive a banda de
Bela Vista de Minas e a banda de Joâo Monlevade. Na Matriz, a imagem permanece
o dia todo para a visitação pública até a tarde, quando sai a procissão. mas como é
difícil fazer ala por ter às vezes o número de até 20.000 pessoas, o pároco atual
233
, Padre Henrique Dominicus, concorda em fazer uma caminhada para o Santuário
e lá há uma pregação por um Sacerdote designado pelo Vigário e ali aqueles que não
fizeram suas ofertas, aproveitam para fazê-las e, no dia 4 de maio, há então uma
caminhada da Matriz para o Santuário. É parte fundamental da festa o quadro dos
carregadores da imagem. Foram escolhidos pelo Vígário da época um quadro de 12
carregadores, e todos tinham a sua opa roxa e davam uma oferta maior, porque
eram pessoas de destaque. Além dos 12, haviam mais 12 suplentes, podendo ser
elevado para mais a pedido do interessado. A obrigação: ter uma opa roxa e estar
presente nas procissões e ainda dar uma oferta estipulada pelo festeiro.
Hoje é facultado, de acordo com a consciência de cada um. Estes
carregadores têem origem hereditária, ficam de pai para filho, etc.
Após terminadas as solenidades no Santuário, o sacerdote dá a bênção fina1
do grande Jubileu 234.
Como se pode verificar por este texto, há semelhanças entre as cerimónias ao Bom
177
a anteceder a festa e do sermão. Do mesmo modo se festeja entre nós a Santa Cruz, no
de trabalho importante para os músicos mineiros. Nas suas pautas nasceram muitos hinos
em honra dos santos padroeiros daquelas instituições cantando as suas virtudes e a sua
glória. Em Rio Piracicaba existem pelo menos dois hinos ao Bom Jesus. Desconheço as
datas em que foram elaborados, mas através das suas estrofes é possível verificar a
178
Bom Jesus, aos teus pés nos prostramos Mas confiando em vosso amor
A alma cheia de dor e aflição Aqui nos achamos
E contritos e humildes, rezamos E invocamos
Não nos negues jamais teu perdão! Oh! meu Bom Jesus.
Gerais.
179
O antigo Arraial Novo do Rio das Mortes deu origem à cidade de São João
d‟El-Rei. Os primeiros sinais de ocupação do arraial remontam a 1704, quando o
paulista Lourenço Costa descobre ouro no ribeirão de São Francisco Xavier, ao norte
da encosta da Serra do Lenheiro. Nessa época, Lourenço Costa trabalhava como
escrivão no Porto Real da Passagem, local onde Antônio Garcia da Cunha, genro e
sucessor de Tomé Portes d‟El-Rei explorava a travessia do rio das Mortes.
180
Em 1713, estando a localidade bastante próspera, é elevada a vila e recebe o nome
de
São João d‟El-Rei em homenagem a Dom João V, rei de Portugal. No ano seguinte, é
nomeada sede da Comarca do Rio das Mortes. Desde os tempos de sua formação,
tanto da atividade agrícola, quanto da pecuária. Essa faceta vai possibilitar o contínuo
crescimento da localidade, que não sofre grandes perdas com o declínio da atividade
Graças à vocação
comercial de São João
d‟El-Rei, a sua feição
colonial não é a mesma das
demais vilas mineradoras
da época. Já em princípios
do século XIX, ela se
mostra amadurecida
116 - Rua de Santo António
181
comercialmente: lojas instaladas em elegantes casarões oferecem todo tipo de
mercadoria, desde as produzidas na comarca até as importadas. O movimento de
passantes, caixeiros-viajantes, mulheres e crianças circulando pelas ruas confere-
lhe um aspecto alegre e colorido. Também é precoce o surgimento da imprensa,
assinalado pela fundação, em 1827, do 'Astro de Minas', o segundo jornal de Minas
Gerais na época. Em 1838, a progressista Vila de São João d‟El-Rei torna-se cidade.
Nessa época, possuía cerca de 1.600 casas, distribuídas em 24 ruas e 10 praças.
Ainda no século XIX, contava com casa bancária, hospital, biblioteca, teatro,
cemitério público construído fora do núcleo urbano, além de serviços de correio e
iluminação pública a querosene.
182
característica mais interessante: uma mescla de estilos arquitetônicos que tem
origem na arte barroca, passa pelo ecletismo e alcança o moderno. Em São João d‟El-
Rei é possível apreciar a evolução urbana de uma vila colonial mineira, cujo núcleo
histórico permanece bastante preservado em harmonia com as construções ecléticas
do século XIX e as mudanças ocorridas no século XX 242
.
Segundo a tradição, terá sido a partir desse local que nasceu São João d‟El-Rei. No seu
Santuário do Bom Jesus de Matozinhos se realiza ainda hoje uma das maiores romarias
183
Em 1771, o Senado da Câmara notificou, em edital, aos possuidores de terras
na Vargem do Porto Real, a apresentação à Câmara de São João d‟El-Rei dos
documentos de posse das mesmas. Pretendia-se edificar na citada vargem a Capela
do Senhor do Matozinhos.
Em 1774, como vimos, a Câmara de São João d‟El-Rei reuniu-se para estudar
problemas sobre propriedades de terras (já havia especulação imobiliária, na época)
"na paragem da Vargem da Água Limpa, Capela do Senhor de Matozinhos". Alguns
interessados apresentaram títulos de propriedade de terras, passados pela Câmara
em 1770 (...).
184
sargento-mor Joaquim de Souza Câmara, moço fidalgo da Casa de Sua Majestade,
foi inquirido a 17-9-1789. A 13-4-1793 faleceu Domingos Alves de Araújo, Ermitão
da Capela do Senhor de Matozinhos. A 23-3-1802 Bernardo José de Lorena,
Governador da Capitania de Minas, concedeu a Manoel Gomes de Almeida Coelho
(faleceu a 28-9-1838) a patente de capitão da Cia. de Ordenança do Novo Distrito
da Capela do Senhor de Matozinhos, de Vila de São João d‟El-Rei. Ingressou na
Irmandade do SS. Sacramento a 12-6-1804. A mesma autoridade a 10-5-1802
nomeou para o posto de alferes do citado Distrito Clementino José Ribeiro Carmo. A
12-9-1810 foi aberto o testamento do mestre-de-campo Inácio Correa Pamplona, que
Outubro de 1959. Foi seu primeiro pároco o cónego Jacinto Lovato Filho, natural dessa
cidade. Sobre a história do bairro e da capela também este sacerdote acrescenta algumas
243 Este texto é do ilustre historiador sãojoanense Sebastião de Oliveira Cintra, que permitiu colocar na íntegra o
seu livro "Nomenclatura de Ruas de São João d’El-Rei " na Internet– http://users.mg.conecta. com.br /~sjonline/
igrejas_monumentos/ruas/rua07.html, de onde o importei. O artigo foi publicado em 1988 na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São João d’El-Rei - Nº 6.
244 O texto intitulado História de uma imagem, foi publicado no Jornal “O Repórter” em Março de 1975. Recolhi-
o de uma transcrição inserida no Boletim Oficial da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, “Comunidade”,
S.João d’El-Rei, nº 1, 1995, que me foi enviado pela Secretaria Diocesana da Pastoral.
185
De extraordinária beleza, tamanho natural, retratando Cristo Vivo, trazendo
numerosos rubis encrustados em diversas partes do corpo, assinalando os filetes e
coágulos do sangue, foi colocada a grande imagem como a padroeira da recém-criada
igreja. Tornando-se então conhecida como a Imagem do Senhor Bom Jesus de
Matozinhos.
Desligado de São João d‟El-Rei naquela época, separação feita pelos dois
córregos: Lenheiro e Água Limpa, o pequeno povoado foi baptizado com o nome de
Matozinhos, pois guardava em seu coração, em plena praça, a imagem do Senhor Bom
Jesus de Matozinhos.
186
pedidos aos pés da imagem, surgindo assim os grandes jubileus aqui realizados.
Quadros eternizando graças e favores obtidos por intercessão do Senhor Bom
Jesus de Matozinhos datam do final do século XVIII até aos nossos dias.
igreja existente era ainda a original, erguida nos anos 70 do século XVIII
245 SACRAMENTO, José António de Ávila, Os Voluntários da Pátria e a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos de
São d’El Rey, in “ Outras palavras” nº4, Tiradentes, Outubro/Novembro de 2001.
187
Desde que a ordem de
246 “Comunidade”, Boletim oficial da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, nº1, São João d’El-Rei
1995.
247 Instituto Histórico-Geográfico de S. João d’El-Rei .
188
O frontão veio abaixo, amarrado por dois cabos de aço e puxado por dois
tratores. A cruz de ferro que permanecera inclinada muitos dias, cai-não-cai, veio
abaixo com o frontão. Uma perfeita lição de barbárie, dada de graça a uma
população de 15.000 almas (ou corpo?). Oficiamos, então, respeitosamente ao Bispo,
pedindo que a portada, ao menos ela, fosse conservada nesta Diocese, fosse com
quem fosse e a que título, fosse, mesmo vendida, mas para gente daqui. A propósito,
o Padre Paiva estava com um projeto de organizar um museu sacro em frente à
Matriz, num sobrado colonial (onde foi a agência dos Correios); sabendo que o padre
queria 4.000 cruzeiros pela portada, e já sabedor de que o Bispo nos garantira que
ela permaneceria aqui, ofereceu 4.000 cruzeiros ao padre de Matozinhos. Recusou
porque já tinha encontrado 5.000 cruzeiros pela portada... (um granfino 248
de São
Paulo). O bispo faltou com a palavra empenhada. A portada foi vendida por 5.000
Para o granfino de SP, a quem eu pessoalmente já tinha feito um apelo, quando
desconversou, dizendo que a compra era boato, etc... Dias depois chegava de São
Paulo um caminhão e lá se foi a portada. E também um ornato de pedra sabão, em que
figurava um relógio e outras peças de pedra sabão, que vi serem postas com um
guindaste, no caminhão 249.
Em 1980, após 14 anos de obras a nova Matriz foi benzida e aberta ao público
189
O Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos
Rei, contempla três das festas que para nós, em Portugal são também as mais importantes.
Jubileu anual do Bom Jesus que é comemorado com grande brilho entre 5 e 14 de
partiram para o Brasil em busca de melhor vida há mais de 4 séculos. Não tenho dúvida que
entre nós, a festa do Bom Jesus de Matosinhos, com o seu dia maior na segunda oitava do
Pentecostes, está, desde a sua criação, ligada à mesma celebração e que essa tradição se
Espírito Santo celebra-se por autorização do papa Pio VI de 1783, na primitiva Igreja do
Bom Jesus de Matozinhos. Durava três dias, terminando no domingo do Espírito Santo e
atraindo multidões de fiéis. Um jornal de 1917, Acção Social, descreve assim o movimento
dos romeiros
250 HENRIQUES, José Cláudio, O Resgate da Festa do Divino de Matosinhos, in Revista do Instituto Histórico e
geográfico de S. João d’El-Rei,Vol.IX, Ano 2000, p.126.
190
Da boa ordem na festa devemos algo à administração da Estrada de Ferro,
pelo modo correto e prético com que resiolve anualmente o embarque e
desembarque dos Romeiros... Os quarenta e dois trens que correram em cada dia... E
não é pouco em se tratando de cerca de 11.000 passageiros para cada dia, sem
contar os que vinham a pé, a cavalo, e os que vinham de carros de boi, que era o
veículo de transporte da ocasião 251.
Da perspectiva elegante
Da igreja de Matosinhos
Extasia os viandantes
Em piedosas Romarias
Esta festa celebrou-se com regularidade até 1924, ano em que foi proibida por
Reverendo Padre José Raimundo da Costa e por Osni Paiva, artista sacro, iniciou um
movimento pelo resgate da tradição, propósito que se concretizou logo no ano seguinte -
1999. Antecedida por seis dias de reflexão preparatória, a celebração dura três dias,
191
Contudo, pelo menos até finais do século XIX, dentro do mesmo período, realizava-
se uma outra festividade, ligada a uma imagem existente na mesma Igreja do Bom Jesus
de Matosinhos, que aparentemente nada parece ter a ver com a celebração da época
litúrgica em causa, mas que recaía no dia em que entre nós, se festeja o Bom Jesus de
Esta imagem fez parte da procissão do Divino em S. João d‟El-Rei até 1924.
em Setembro, mas entre os dias 5 e 14. O seu programa, laboriosamente preparado, inclui
uma forte componente religiosa, mas também contempla o aspecto profano de diversão e
sociabilidade. É organizado por uma comissão que apoia o Pároco, dado não existir ali
253 SACRAMENTO, José António Ávila, Um Pouco de História, in O Grande Matosinhos, nº26, Dez. 2001.
254 O programa das festas e os cartazes alusivos têm-me sido regularmente enviados. O de 2000 recebi-o do Snr.
Padre José Raimundo. O de 2001 devo-o ao Dr. José António Ávila Sacramento.
192
PROGRAMAÇÃO BÁSICA DO JUBILEU DO
Paróquia
Ribeiro Bastos
Paróquia.
OBS. Diariamente, à noite, após a missa e novena, eventos artísticos e culturais na Praça
193
126 - 1ª página do folheta com a novena ao Bom Jesus de Matozinhos
194
127 - Restantes orações da novena
195
Aspectos do Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos
196
130 - O Bom Jesus de Matosinhos na procissão
multidão que vai entoando, ao longo de todo o percurso, o Hino ao Bom Jesus de
197
HINO AO BOM JESUS DE MATOZINHOS 255
255 A letra deste hino foi-me enviada pelo Dr. José Cláudio, director da ASMAT.
198
Os sinos de S. João d’El-Rei
Uma das atracções desta cidade, conhecida pelas suas inúmeras festas religiosas,
Santa, Desta do Divino e Jubileu), é a forma como os sinos são utilizados para enviar
mensagens litúrgicas à população. Pelo que “esta linguagem dos sinos” representa no
ambiente religioso local, não posso deixar de a abordar, se bem que resumidamente, neste
trabalho.
Não é à toa que São João d‟El-Rei é chamada de "Terra onde os sinos falam"
pois é a única cidade no Brasil onde os sinos ainda são ouvidos de dia e de noite
com tantas variedades de toques. Muitos desses toques vieram de Portugal
trazidos pelos colonos. Em 1740, foi trazido um toque do Vaticano criado pelo Papa
Bento XIV e colocado em vigor pelo Bispo de Mariana, em 1757, o toque que
relembra a morte do Senhor, toque ainda executado nos dias de hoje. Muitos
outros toques foram criados pelos próprios sineiros, uma tradição passada de pai
para filho. É certo que a falta de rádio, televisão, telefone e outros sistemas de
199
comunicação rápida foram os principais elementos para a criação da linguagem dos
sinos de São João d‟El-Rei e de todas as outras cidades do mundo que usaram ou
ainda usam este "meio de comunicação".
Cada sino tem um nome, uma história, um som. Existem variadas modalidades
de toques: Dobre Simples ocorre quando o sino cai pelo lado em que está encostado
o badalo, ocasionando uma só pancada em cada movimento; Dobre Duplo quando o
sino cai pelo lado contrário ao que está encostado o badalo provocando duas
pancadas em cada movimento; Repiques são o movimento feito somente pelo bater
dos badalos, com o sino parado.
Aviso de Missas
3 pancadas - o coadjutor
4 pancadas - o vigário
5 pancadas - o bispo
7 pancadas - o arcebispo metropolitano (...).
200
Festa de Passos
- na sexta-feira das Dores, às 5:15
h, matinas (9 pancadas nos sinos grandes
dos Passos e do Carmo, seguidos de dobres);
ao meio-dia, 15:00 e 18:00 horas e na hora
da procissão, dobre; no momento em que a
imagem sai da igreja, o sino dobra mais
rapidamente - no sábado de "Passos",
repetem-se os dobres, porém os sinos de
São Francisco substituem os do Carmo que
ficam em silêncio.
133 - Passos numa das ruas
No domingo do
"Encontro" repete-se
tudo nas três igrejas
(Pilar, Carmo e São
Francisco) (...).
Semana Santa
- na quinta feira santa, depois do Glória da Missa de Instituição da Eucaristia
até o Glória da Ressurreição, nenhum sino toca, seja qual for o motivo. Na
Ressurreição tocam todos os sinos de todas as igrejas (toques festivos) (...).
201
WERNECK (PARAÍBA DO SUL) – Rio de Janeiro
256 As informações deste município foram-me fornecidas pela Prefeitura Municipal da Paraíba do Sul, e por S.Exª
Reverendíssima D. José Lopes Veloso, Bispo emérito de Petrópolis. Consultei ainda a página oficial da prefeitura
em www.paraibanet.com e uma sobre aquela região em www.unisal-lorena.br/redescobrimento.html.
202
Garcia, curibocas guainás do Planalto de São Paulo. De 1698 a 1700, abriu o trecho
do Paraíba ao Rio de Janeiro, e, até 1704, o que atingiu a Mantiqueira. Aí, na região
da atual Barbacena, o Caminho Novo se juntou ao Velho, que vinha de São Paulo.
257 As terras, privilégios e títulos que recebeu por causa da abertura do famoso Caminho do Ouro ou Caminho
Novo, foram uma das causas da grande fortuna que Garcia Rodrigues Pais acumulou.
258 www.paraibanet.com.
203
136 -Prefeitura da Paraíba do Sul
gargantas das montanhas conduziram os que procuravam o ouro ou os que se dirigiam aos
portos. Com a abertura do Caminho Novo, que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais,
passando por Petrópolis, o movimento de gentes intensificou-se na zona onde hoje se situa
Surgiram pequenas ermidas, dedicadas a santos padroeiros, depois capelas, algumas das
Matosinhos que se radicou na zona. Foi benzido em 1776. O actual foi começado em 1959 e
204
a testada 261
sobre o Caminho de Garcia 262
, doadas quase sempre a comerciantes
de açúcar do Rio de Janeiro para seus primeiros engenhos no Sertão da Paraíba,
por meados do século XVIII só restou aos novos imigrantes do reino, os chamados
reinóis, penetrarem mais fundo na zona dos formadores daqueles rios e nas
vertentes da serra do Sicupira, abrindo roças de subsistência e criando aves e
pequeno gado. Nasceram assim as roças, centralizadas nos arraiais de Matozinhos,
Sardoal, Membeca, Rio Manso e, no século XIX, Sertão do Calisto, começado este
por gente de Sebolas.
Como por toda a parte em zona rural, os centros urbanos permanecem
pequenos, resumindo-se na igreja, escola, alguma venda-armarinho 263
e casas dos
que ali trabalham, ou de fazendeiro mais abastado (...).
A devoção ao Bom Jesus é em Portugal típica de campesinos 264
. E também a
eles devemos a nossa. Na década dos ano quarenta do século XVIII, [ chegaram]
camponeses oriundos da região da vila de Matosinhos, hoje nos arrabaldes da
cidade do Porto. E como santuário ao Crucificado lhe ergueram pequena ermida na
vertente oriental da serra do Sicupira. Já em 1733 criou-se o curato com esboço
de santuário, caracterizado pelo costume das romarias e pagamento de promessas
com ex-votos. O iniciador da nossa devoção foi Pedro Costa Lima, que lhe
constituiu o património de 250 braças de testada por uma légua de fundo. Ele era
do Sardoal, o primeiro arraial da região.
O antigo templo dessa época recuada serviu até 1862, quando foi substituído
por um maior levantado pelo então proprietário da vizinha fazenda do Engenho do
Matosinho do Sardoal (fundada em 1818 com açúcar), o famoso líder do partido
Liberal, Martinho Álvares da Silva Campos (...).
Tudo o que temos sobre o primeiro santuário de Matozinhos, substituto da
ermida de Costa Lima, e que cedo adquiriu prestígio em toda a serra, devemos ao
interesse da Câmara de Vassouras de ficar com o curato de 1773(...).
205
A nova igreja que, em 1862, substituiu a primitiva capela, era
grande, com três altares, bem pintada e com belíssimas imagens em vulto grande,
especialmente a do Senhor, à qual é inexplicável a devoção que lhe tributam os povos, inda
os mais remotos 265.
deve-se ao padre italiano Luigi Raymondo, que dedicou 50 anos da sua vida àquele
santuário. É um templo de grande porte, cuja fachada principal tem duas torres sineiras
com cúpulas prateadas. A ela se acede por ampla escadaria, ladeada por palmeiras
206
O interior tem dois andares, funcionando o segundo como galeria. O altar-mor é de
prata e madeira, importada de Portugal. Uma versão da origem da Imagem diz que ela foi
em cera.
266 Informação fornecida por S.Exª.Rev. D. José Veloso, Bispo Emérito de Petrópolis.
207
Como a povoação é pequena, não constitui uma paróquia. Pertence à de Sant‟Ana da
manhã com a abertura da Igreja aos fiéis de todo Brasil. Entre estes destacam-se os
pagadores de promessa que fazem o percurso a pé, prestando seu culto de fé pelas graças
venda de imagens, santinhos, fitas e peças em gesso e cera. A última Santa Missa ocorre
celebrações das missas, que se rezam a todas as horas, mas também para confessarem os
levou a que algumas agências de viagem brasileiras, dentro das suas programações de
turismo religioso, tenham estabelecido roteiros especiais para deslocações a esta Romaria
208
141 - Aparcamento de carros dos romeiros
A força do fervor popular neste Cristo está bem patente na notícia publicada pelo
Goleada bendita
Mauro Leão
267 www.odia.ig.com.br.
209
Matozinhos – Minas Gerais
primeiro nome foi Paz e seguidamente passou a Senhor Bom Jesus de Matozinhos .
210
Um dos grandes atractivos da região é a sua qualidade de maior jazida de
calcário do país. Por todo o município existem algumas e interessantes grutas
subterrâneas 269.
269 Os textos e as fotografias de Matozinhos foram obtidos a partir dos sítios: www.minasgerais.com.br;
www.geocities.com/The Tropics/Cabana/9427/index.htm; www.projetomiguilim.hpg.ig.com.br/link.html.
211
Os sobreviventes da antiga bandeira de Dom Rodrigo de Castelo Branco
foram os primeiros habitantes civilizados que chegaram à região onde hoje se
localiza Matozinhos. Após a morte do bandeirante, seus companheiros dispersos
procuraram se instalar, apossando-se das terras ao redor de onde se encontravam.
Há vestígios comprovantes de que toda a região fora anteriormente habitada por
indígenas, muito embora não se conheça ao certo suas tribos e costumes mais
característicos. As terras de Matozinhos saíram das que compunham três antigas
sesmarias doadas ao tenente José de Souza Viana, a Dona Isabel Maria Barbosa
de Ávila Lôbo Leite Pereira e ao tenente Antônio de Abreu Guimarães.
212
Em torno da capela a cidade floresceu, sendo o local mais central de
Matozinhos a partir de então.
O primitivo templo foi demolido nos anos de 1920 e 1921, iniciando-se então
a construção do atual, que foi inaugurado em 1929 270.
270 Inventário Municipal dos Bens Culturais de Interesse de Preservação, Prefeitura Municipal de Matozinhos.
213
146 - Actual Igreja do Bom Jesus de Matosinhos,
de Matozinhos
214
147 - Nave central da igreja
215
por outras recentes sem valor arquitetônico (...). Tem uma praça em frente
ajardinada e bem cuidada 271.
fiéis são atraídas a Matozinhos para venerarem o seu padroeiro nos dias do Jubileu,
enchendo a praça em frente da Matriz e as ruas da cidade. Esse momento é, sem dúvida,
O programa das celebrações inclui uma componente religiosa a par de outra profana.
Da primeira fazem parte a novena, as missas, a procissão com quadros vivos, a visita ao
271 Id.
216
151 - Aspecto do andar do Bom Jesus
durante a procissão
217
GUAICUÍ (VÁRZEA DA PALMA) – Minas Gerais
para pouso de tropeiros e viajantes e com apenas algumas casas. O município foi criado,
em 1910, com a chegada do caminho de ferro ao local onde hoje existe a sede municipal,
um pouco mais a oeste, e para onde se foi transferindo a população. Constituem-no dois
272 Os dados relativos a Várzea da Palma foram-me fornecidos pelo IEPHA/MG e pela Câmara Municipal de
Várzea da Palma que me enviou um trabalho desenvolvido por alunas do curso de História da PUC/MG. Utilizei
ainda outros textos extraídos do Projecto Cidades, em www.cidades.mg.gov.br.
273 O topónimo Guaicuí significava em tupi-guarani “Rio das Velhas”.
218
154 - Localização da Barra do Guaicuí
A sombreado a sede do município
219
afluentes desceram os Bandeirantes, desvendando o desconhecido, encontrando
riquezas e fundando cidades em batalhas de vida e de morte. E no tempo depois,
quando já havia as cidades, os vapores "gaiolas" transportaram cargas, gentes e
notícias de lutas e paixões 274.
A zona da confluência do Rio S. Francisco com o Rio das Velhas teve uma grande
importância no abastecimento das regiões de mineração. Nos primeiros anos em que esta
decorreu, os mineiros foram fornecidos dos bens essenciais a partir do litoral vicentino.
Francisco e passando depois ao das Velhas, que permitia chegar aos centros mineradores
com bastante facilidade, ou seguindo um caminho terrestre paralelo aos leitos dos rios, os
de Minas Gerais. Com eles seguiram também produtos estrangeiros vindos legalmente de
Lisboa, apesar das proibições reais de circulação livre de mercadorias para evitar o
contrabando. Por ali também cresceu o comércio de escravos para o trabalho das Minas.
Segundo Mafalda Zemella, a Baía enquanto maior centro abastecedor de Minas Gerais,
terá gozado mais da opulência do ouro do que as modestas cidades de S. Paulo. Daí o
Como Guaicuí era o ponto de encontro dos dois rios será fácil verificar a importância
do comércio no local.
Não se sabe ao certo quem foram os pioneiros da ocupação desta região. Enquanto
uns indicam Borba Gato como o primeiro a estabelecer-se ali, cerca de 1679, outros
referem que terão sido os grandes fazendeiros que da Baía traziam, pelo rio S. Francisco,
o seu gado até àquela região, já antes mesmo da chegada das primeiras bandeiras.
Estavam neste caso os senhores da Casa da Torre de Garcia de Ávila. Apesar das
1775, criou-se a paróquia de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas. As febres palúdicas,
provocadas pelas enchentes dos rios,levaram a população a mudar-se para um local mais
274 www.temnovale.com.
275 ZEMELLA, Mafalda P., O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII, S. Paulo,
Hucitec/Edusp, 1990.
220
A maior parte dos testemunhos que se conhecem sobre o arraial do Rio das Velhas
seus povoadores gozam das (...) particularidades boas, e más do terreno (...),
e tem demais o regalo de tudo, que se necessita, para a vida humana. Sustenta o
negócio do sal, e de couro, que as embarcações navegadas pelo Rio São Francisco
conduzem dos sertões de Pernambuco, e da Bahia.
O arraial foi elevado a vila, em 1861, tendo perdido essa categoria, em 1873, por
involução urbana. Com a criação do município de Várzea da Palma, Guaicuí passou a distrito.
A igreja do Bom Jesus de Matozinhos do distrito de Guaicuí, que nunca foi acabada,
276 PIZARRO E ARAÚJO, José de Souza Azevedo, Memórias Históricas do Rio de Janeiro e Províncias Anexas
à Jurisdição do Vice-Reino do Estado do Brasil., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945.
277 O texto que me foi enviado pela Câmara não indicava a referência bibliográfica completa. Trata-se de um
viajante alemão que fez uma expedição pelo Brasil.
221
155 - Igreja inacabada e em ruínas do Bom Jesus de Matosinhos da
Barra do Guaicuí
A sua fundação está rodeada de lendas que permanecem na memória local. Um artigo
desse imaginário:
222
A construção teria ainda um túnel subterrâneo, escavado para facilitar a
fuga dos jesuítas. Nas ruínas do santuário não há qualquer vestígio deste túnel,
constatação que não
altera a crença popular na
história. “Depois de
tantos anos de abandono,
o túnel arreou”, sustenta o
aposentado Sebastião
Gomes, 71 anos.
Para outros
moradores, a construção
156 - Aspecto do que resta do portal da igreja
da igreja não foi concluída
porque o próprio santo – Bom Jesus do Matozinhos – não queria, de forma
alguma, ter a sua igreja no local, às margens do Rio das Velhas em confluência
com o Velho Chico (o rio). Foi essa a história lida, em cartilha, pelo avô de
Beatriz Martins Gomes, 54 anos. “A igreja não foi terminada porque todo mundo
que subia caía lá de cima e morria”, repassa adiante, Beatriz, a história do avô.
223
Uma tese perpetuada também na tradição local, situa o início da sua construção
numa data muito anterior – 1650 – por ordem dos herdeiros da Casa da Torre de Garcia de
hipótese poderá ter alguma credibilidade dado que a casa original dos Garcia de Ávila
ficava na Baía, em S. Francisco do Conde, bem perto do local onde a devoção ao Bom Jesus
Uma outra lenda garante que, ao lado dessas ruínas, estará enterrado o corpo do
bandeirante Fernão Dias Pais, história que Olavo Bilac imortalizou no seu poema
“ O caçador de esmeraldas”:
Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada Sete anos!. .. E ei-lo de volta, enfim, com o seu tesouro!
Do outono, quando a terra, em sede requeimada, Com que amor, contra o peito, a sacola de couro
Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão (...). Pára. Um frio livor se lhe espalha no rosto...
E a febre! O Vencedor não passará dali!
E sete anos, de fio em fio destramando Na terra que venceu há de cair vencido:
Sem uma hora de amor, estrangulando na alma Morre! tu viverás nas estradas que abriste!
Toda a recordação do que ficava atrás (...)! Teu nome rolará no largo choro triste
Feras, reptis, - contendo os sertanejos rudes, Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares
Dominando o furor da amotinada escolta... Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!
278 Nessa época ainda não se tinha determinado a proibição da presença de Ordens religiosas regulares no território
de Minas.
279 BURTON, Richard, Viagem de barco de Sabará ao Oceano Atlàntico, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia.
224
O único prédio digno de nota, cujo telhado alto, espalhafatoso e inclinado
chama logo à atenção do viajante, é a Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, fica em
frente da confluência dos dois rios (...) e hoje, quase se encontra à beira do
precipício. Construida de pedra de cantaria e de cal, mostra que, no tempo da
colónia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, é uma obra semiconstruída
(...). A entrada do lado sul nunca chegou a ser coberta por um telhado; na sacristia,
a leste, só há caibros e o campanário não passa de três barras de madeira, em
forma de forca, sustentando
o sino. Pilastras e púlpitos de
pedra estão condenados a
não passar de embriões. E
um arco de alvenaria
destinado a marcar o lugar
do altar-mor, ao Norte, está
coberto de ervas daninhas”.
A igreja continua em
225
158 - Emaranhado das raízes
No ermo do Gauicuí
com duras pedras sobre pedras
perdura a igreja com suas perdas
de ladainha inacabada.
Libério Neves
226
S. ANTÓNIO DE PIRAPETINGA (PIRANGA) – Minas Gerais
de laticínios e macarrão.
O município é composto pela sede e dois distritos: Pinheiros Altos e Santo António
281 BARBOSA, Waldemar de Almeida, Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1995.
282 www.asminasgerais.com.br.
227
159 - Vista geral de Piranga
228
S. António de Pirapetinga
283 VICENTE, João, Os Caminhos das Minas Gerais, in “Barne”, 27 de Abril de 2001.
229
A partir de 1740, um novo templo
começa a ser erigido em invocação a S.
António, o padroeiro dos mais antigos
povoados da região em estilo jesuítico (...)
284
.
Segundo uma lenda local, uma imagem do Senhor Morto foi descoberta no sítio onde
hoje se situa a igreja. Resolveu a população guardá-la numa das igrejas então existentes –
a de S.António ou a do Rosário. O intento foi frustado várias vezes pois a imagem voltava
sempre para o lugar onde aparecera. Ter-se-á decidido assim fazer uma nova capela para a
recolher285.
284 Id.
285 Informação fornecida pelo Arquivo Histórico Nilo Gomes, de Piranga.
230
em 1786, através de uma bula papal, assinada pelo papa Pio VI, num santuário no
qual desde a penúltima década do século XVIII promovem-se jubileus quase tão
antigos como os de Congonhas e dotados dos mesmos benefícios espirituais 286 .
recuperado pelo IEPHA/MG. O estudo histórico e descritivo, que foi elaborado para esse
286 Id.
287 Ver n. 154.
288 O registo de 31 de Outubro de 1996, tem o nº de inscrição 542 e está lançado no vol. 2, fl.02930.
289 Como já verificamos em casos anteriores, também aqui a construção do templo está directamente ligada à
existência de uma irmandade.
231
O Santuário é composto pela igreja e por casas baixas, destinadas a abrigar
os romeiros na época das festas. Possuem estas duas pequenas salas contíguas e,
aos fundos, uma espécie de varanda, onde se encontra o equipamento básico para a
sua utilização: fogão de lenha e mesa.
Está implantado sobre uma colina que domina todo o espaço circundante, em
disposição que segue a tradição arquitetônica portuguesa das capelas de
peregrinação devotadas ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos.
Apesar da simplicidade das edificações e de seu agenciamento, o resultado
do arranjo espacial é extraordinário.
232
167 - Fachada da igreja
233
168 - Retábulo da capela-mor
234
referências sobre sua fatura nos livros da irmandade, supondo-se que teriam sido
adquiridos de uma outra capela. Apresentam formas sinuosas e elegantes, com
elementos com talha do período joanino.
Mais do que a talha, a pintura faz da capela do Senhor Bom Jesus uma obra
evidentemente notável. Destaca-se não somente pela sua qualidade, mas também
pela unidade no programa
decorativo, conferida pelos forros
da nave e capela-mor, pelos quadros
da Via-Sacra que enriquecem o
conjunto, pelos painéis do
coroamento do arco-cruzeiro, em
cartelas emolduradas por
concheados e flores, e pela pintura
do camarim do Bom Jesus localizado
atrás da Capela-mor. Nos trabalhos
de pintura distingue-se o nome de
Francisco Xavier Carneiro, que ali
trabalhou de 1806 a 1840, e parece
ter empreitado todo o serviço de
pintura da igreja.
235
171 - Pintura da ascensão de Cristo no tecto da capela-mor
236
Além dos trabalhos referidos, cabe mencionar as tábuas com pintura marmorizada
colocadas no assoalho do prebitério, possivelmente em substituição das antigas
deterioradas, e o forro do átrio, composto em painéis marmorizados com cartela
ao centro .
237
Pinturas com cenas da Paixão de Cristo
Na pintura do camarim do
Senhor de Matozinhos, localizado
atrás do altar-mor, o desenho das
rocalhas e das flores é mais livre e
delicado e, nas figuras de anjos e
querubins, notam-se traços mais
suaves e expressivos. Suas cores
foram, em parte, alteradas pela luz
direta das janelas próximas,
incidente durante mais de um século
e meio (...).
238
No acervo atístico deste Santuário (...) nota-se a boa qualidade das peças
que vão desde as grandes e suntuosas imagens do altar-mor, até às “ pequenas de
palmo” dos nichos dos colaterais (...).
A imagem mais antiga é a do Bom Jesus colocada atrás do altar-mor, da qual
não há referência documental. Sua expressividade e movimentação permitem
identificá-la como obra ainda ligada ao terceiro quartel do século XVIII 290.
290 Texto de pesquisa fornecido pelo IEPHA/MG e da autoria de MIRANDA, Selma Melo, Arquitectura religiosa
no Vale do Piranga, in “Revista Barroco”, nº12, Belo Horizonte. Imprensa Universitária, 1984/85, pp. 53-80.
239
A Irmandade e o Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos.
anteriormente, não se sabe exactamente o ano da sua fundação, que foi certamente
anterior a 1781. No entanto, parece que apenas solicitaram ao rei a provisão dos seus
geral, se assemelham aos das Confrarias do mesmo tipo pelo que não os vou passar
próprio, não existirem entraves sociais ou raciais para a entrada de irmãos 293
:
240
Serão obrigados os ditos officiaes da meza a fazer o Jubilêo da Porciuncula
295
no dia 2 de Agosto, e o de quinze dias que principiará no dia 29 de Setembro,
dia de S. Miguel Arcangelo 296(...).
intermédio do Arquivo Histórico Nilo Gomes, a festa anual ao Bom Jesus fixou-se em
Agosto, entre os dias 1 e 15. Por documentos de pagamento a músicos e a sacerdotes para
295 Em 1216, S. Francisco de Assis conseguiu do papa Honório III indulgência plenária, semelhante à obtida nas
cruzadas contra os infiéis, para todos os que visitassem a igreja da Porciúncula ou sustentassem com as suas ofertas
iniciativas da Igreja. Ao longo dos séculos essa indulgência manteve-se e passou a poder-se ganhar não só naquela
igreja, mas em todas as franciscanas e nas catedrais e paroquiais cada 2 de Agosto.
296 Temos aqui mais uma ligação entre o culto ao Bom Jesus de Matosinhos e o de S. Miguel.
241
SERRO – Minas Gerais
Horizonte.
297 O fabrico do queijo do Serro foi registado como bem público pelo IEPHA/MG, em 2 de Julho de 2002 .
242
À procura do ouro, brancos, negros e índios ocuparam o território serrano,
elevado a Vila do Príncipe em 19 de janeiro de 1714.
A Vila do Príncipe
foi escolhida como sede
da Comarca do Serro do
Frio, criada em 1720.
Com sua Casa de
Fundição, senado da
Câmara, residência do
Ouvidor e toda uma
estrutura jurídico-
administrativa, a Vila do
178 - Outro aspecto da cidade
Príncipe tornou-se a "mãe
criadora" de todos os municípios do norte de Minas, que para lá convergiam seu
olhar: pagavam impostos, resolviam problemas jurídicos, pleiteavam melhoramentos
de estradas e pediam construção de pontes. A Vila do Príncipe era a capital do norte
de Minas.
243
A Igreja do Senhor Bom Jesus do Matozinhos – 1781 a 1797
Não se têm muitas certezas sobre o início da construção da igreja do Senhor Bom
298 ÁVILA, Afonso (coord.), Minas Gerais – Monumentos Históricos e Artísticos – Circuito do Diamante, in
“Barroco”, 16, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1995.
244
concreta sobre a história deste templo, é a de 1797, inscrita em medalhão da
pintura do forro da capela-mor, que atesta o estágio adiantado da construção –
pelo menos desta parte do edifício - pois refere-se ao término dos trabalhos de
decoração interna.
De acordo com informações fornecidas por Dario A. F. da Silva nas suas
“Memórias sobre o Serro Antigo”, os devotos de São Benedito299 chegaram a
requerer, em 1784, provisão para erguer sua capela própria destinada a abrigar a
imagem de Nossa Senhora das Mercês, mas, não se sabe porque motivos, tal
iniciativa não se concretizou. Parece que os confrades das Mercês, agrupados na
sua associação, desde 1734, e que se reuniam comumente na capela do Rosário,
desistiram do projeto de uma igreja particular para a Irmandade, passando a
colaborar na construção da igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, sob
condição de ali se instalarem definitivamente. É o que aliás se verifica, de acordo
com as anotações dos Livros da Irmandade atualmente em depósito no Arquivo do
Palácio Arquiepiscopal de Diamantina, bem como se depreende dos registros das
principais despesas relativas à igreja, no século XIX, quando já se acha sob a
tutela dos Irmãos de São Benedito e de Nossa Senhora das Mercês 300.
acervo.
299 São Benedito era o padroeiro dos negros e escravos. Neste caso a ligação entre os dois cultos traduziu-se no
apoio da irmandade de São Benedito para a construção da igreja do Bom Jesus de Matozinhos.
300 Texto fornecido pelo IPHAN.
245
protegido por arrimo e acesso em escadaria de pedra.
O conjunto forma um retângulo de desenho irregular, constatando-se ligeiro
arqueamento das paredes externas das sacristias entre as torres e o arco-cruzeiro
(...).
Construída em taipa e madeira, possui cobertura em duas águas e beiradas
laterais em cachorros, sendo em madeira os cunhais e as guarnições dos vãos.
A fachada apresenta torres de secção quadrada com telhados arqueados,
frontão simples com óculo redondo envidraçado e quatro janelas rasgadas por
inteiro, com parapeito entalado em balaústres de madeira, sendo duas nos flancos
das torres.
246
182 - Altar-mor e galerias laterais com arcadas
247
cruzeiro, todos de autoria não identificada, porém datando muito provavelmente do
século XVIII. Vê-se igualmente na capela-mor um conjunto de pinturas de
excepcional qualidade atribuídas a Silvestre de Almeida Lopes, o mais importante
pintor da Vila do Príncipe na segunda metade do século XVIII.
248
186 - Evangelistas
301 Igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, in “ Revista da Fundação João Pinheiro. Análise e
Conjuntura”, Belo Horizonte, vol. 8, n º12, pp. 16-20, Dez.1978. Este texto foi-me enviado pelo Snr. Arquitecto
Benedito Lima Toledo.
249
187 - Milagre do aparecimento da Imagem em Portugal
fl. 38, e nº 296 do Livro de Belas Artes, fl. 62, de 14 de Janeiro de 1944.
250
Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos do Serro
romaria ou jubileu. A única festa que se celebra anualmente é a do Divino que será
Comemora-se não no Pentecostes, como seria o mais correcto, mas nos dias 18 e
ruas com a respectiva bandeira, cantando e pedindo esmolas que revertem para a festa.
junto a uma igreja ou local em que se realiza a festa e em cujo topo se ergue uma bandeira
com a estampa do santo festejado. Tem um profundo e complexo simbolismo religioso para
portuguesas, sai de casa daquele pelas 8h da manhã e dirige-se em cortejo pela cidade em
direcção à igreja do Bom Jesus do Matozinhos. Dali parte uma procissão pelas 18h, que
303 HENRIQUES, José Cláudio, “O Resgate da Festa do Divino de Matosinhos” in ”Revista do Instituto Histórico
e geográfico de São João d’El-Rei” , vol. IX / 2000, p. 132.
251
MOGI DAS CRUZES – São Paulo
minas de ouro. Os bandeirantes afirmavam ter sido atacados por índios, cujos nomes
era “Mongi”. Já outros
falavam de índios Boigi,
Bougi, Bogi. Naquela época
eles não sabiam se a origem
do vocábulo era tupi-
guarani, ou português
arcaico. De início a vila de
Mogi, tinha recebido o nome
189 - Vista da cidade
de Santa Anna ou Sant‟Ana,
que era o nome de sua padroeira.
Poucos anos depois surgiram nos documentos oficiais o nome de Santa Anna
das Cruzes de Mogy, Santa Ana de Mogi-Mirim, Santa Ana de Bogi-Merí entre
outras menos frequentes.
O surgimento do complemento ”das Cruzes” :
Era costume judicial administrativo, marcar os limites de cada vila com cruzes
pintadas em pedras ou fincadas no chão. Outra lenda diz que o surgimento da palavra
“Cruzes” vem de uma história de amor proibido na qual o rapaz consegue chegar até
sua amada seguindo cruzes que lhe haviam surgido no céu ou na floresta. Tempos
252
depois o “Santa Ana” e o “Mirim”, desapareceram e passou-se a utilizar só o nome
Mogi das Cruzes.
Com o decorrer dos anos, foram se formando famílias e residências e com o
tempo apareceram necessidades como por exemplo o sistema de água encanada e
esgoto, que abasteceria as residências através da coleta de água em poços, rios,
bicas e chafarizes. Em Mogi, havia o córrego Ipiranga perto da Matriz, e várias
bicas freqüentadas pela população. Há uma lenda que diz que Mogi teria crescido
graças ao poder de uma bica d‟água, quem bebesse dessa fonte acabava se fixando
na cidade e contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento da cidade 304.
Mogi das Cruzes está situada num lugar privilegiado para as ligações entre S. Paulo
e Minas Gerais .
304 www.atalho.com.br/ponto/mogi.htm.
253
Minas Gerais
utilizavam o caminho que saía em direcção à Penha, passando pelo local onde
frente, atravessavam Mogi das Cruzes. Um negociante que percorreu esse trajecto em
Esta villa poderá ter athe duzentas cazas, mas muy solitaria; porque todos
os moradores vivem nas rossas, e só vem em quinta feira de Endoenças, e outras
festividades do anno. Há tambem hum collegio dos Padres do Carmo, e huma
frequezia de que era vigario hum filho de hum ferrador (...) .
305
Além da igreja de Mogi das Cruzes existem, na área deste percurso entre S. Paulo
e Minas Gerais, várias outras dedicadas ao Bom Jesus que suspeito estarem ligadas à
devoção do Senhor de Matosinhos, mas de que não consegui ter informações por falta de
resposta das autoridades locais aos contactos que com elas tentei.
254
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1781
ocorridos no século XIX, levaram-na a ser conhecida, mais tarde, também por Igreja de S.
Benedito.
(...) O Santuário do Senhor Bom Jesus (...) teve como fundador a José de
Carvalho Pinto que, no ano de 1781 “ por sua devoção se lembrou de fundar a dita
capela”, obtendo para isso, naquele mesmo ano, a autorização do senhor Bispo de
São Paulo, Frei Manoel da Ressurreição. Por volta de 1805, a capela estava quase
concluída, já podendo ser celebrados alguns ofícios divinos.
A questão que se coloca agora é a seguinte: quando terá a Irmandade de S.
Benedito 307 se estabelecido nesta Capela, de onde veio e por que razão teria feito
a transferência para ela?
306 Esta informação foi-me enviada pelo Prefeito de Mogi das Cruzes. Tentei entrar em contacto com o referido
historiador, através do endereço que a Prefeitura me enviou, mas nunca me respondeu.
255
Sabemos, de fonte oral, que a Irmandade por não possuir capela própria no
século passado, estava abrigada na Igreja da Ordem 3ª do Carmo de Mogi, ficando
o nicho com a imagem do santo, em um dos seus corredores laterais, onde os
irmãos, muitos dos quais o eram também da Ordem 3ª vinham para cultuar o
querido santinho .
307 Embora tenha nascido em Palermo, S. Benedito, sendo de da raça abissínia, era negro. Tornou-se assim
protector dos negros. No Brasil, desde muito cedo, começaram a surgir as irmandades de São Benedito,
congregando escravos negros, pardos e mulatos.
256
irmãos, devidamente instruído para o propósito, no momento azado abriu a porta
daquele templo, de sorte que, quando o cortejo passava bem em frente, entraram
com o andor Igreja a dentro e trancaram ali a imagem de São Benedito, de onde
ele nunca mais saiu.
Deve pois ter-se perdido a memória da celebração anual ao Bom Jesus de Matozinhos. No
Prefeitura enviou-me um texto com uma descrição tão pormenorizada que permite obter
257
pequeno corredor que liga a sacristia ao altar-mor, o piso é de placas largas de
paralelepípedo, assim como a calçada externa que circunda a Igreja.
Todas as portas são altas e de madeira esculpida, curvas em cima. Todos
os pilares laterais são curvos e pintados em seu interior.
O teto do altar-mor é de madeira curva com um afresco de N. S. da
Aparecida. O teto da nave da Igreja é também de madeira curva com um afresco
de São Benedito.
Alguns afrescos das paredes do altar-mor e da Capela do Santíssimo têm
como autor o próprio reitor do santuário, Monge beniditino, italiano de 54 anos, D.
Estevan Pier Antoni, também ilustre escultor e músico. Inclusive a peça central
que segura as cordas no altar-mor e a mesa do presbicito foram por este Reitor
reformadas, esculpidas ou pintadas.
Ainda falando sobre o Altar-mor, sua decoração é toda esculpida e
banhada a ouro. O Cristo crucificado no alto do altar, que pode ser alcançado por
uma escada de pedra por de trás do altar e da Sacristia, é esculpido em madeira
ao estilo da escola do Aleijadinho.
Em frente ao Altar-Mor, sem suas laterais, estão a Imagem de São
Benedito (à direita) e de São José (francesa, à esquerda).
No corredor da capela do Santíssimo, que é toda de mármore, está o Altar
de N. S. da Aparecida, de gesso com a imagem esculpida em madeira.
Na sacristia temos uma imagem antiquíssima, esculpida em madeira (...).
258
196 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos ou de
S. Benedito
259
POUSO ALEGRE – Minas Gerais
Com cerca de 130.000 habitantes, tem uma taxa de crescimento do PIB de 7,41%. O
município tem 545 km2, dos quais 39 correspondem ao limite urbano. Seus vizinhos
municipais - 50 municípios com uma população estimada em 700 mil habitantes - fazem de
260
Desde 1600, um século depois da descoberta do Brasil, a região do Mandu
era conhecida, mas não era explorada, nem oficialmente administrada. A região,
era banhada pelo Sapucaí Mirim e seus afluentes: o Capivari, Itaim, Mandu e
Cervo, tinha uma rica flora (...) e a fauna também era abundante.
A beleza topográfica da região, a terra fértil, a abundância de água e a
piscosidade dos rios eram um convite à fixação de colonos na região.
Da ambição dos aventureiros que demandavam a região do Sul de Minas, à procura
de ouro e outras riquezas, nasceu o conhecimento daquele vasto sertão, ainda
desabitado por volta de 1596, quando se deu o primeiro devassamento da bacia do
Alto Sapucaí pelos bandeirantes paulistas. Essas expedições e os raros
aventureiros que por aqui transitavam necessitavam de se orientar, por falta de
informantes, pelas referências geográficas, que por isso ganhavam nomes
inconfundíveis: o Matosinho, hoje Pouso Alegre, separado pelo campo do mato
grande, era um ponto de referência. A região de Estiva era marcada por uma
formação montanhosa no formato de um capuz e ganhou o nome de Serra do
Carapuça. Próximo de Santana do Sapucaí, hoje Silvianópolis, havia uma elevação
com falha de vegetação no cimo, que recebeu o nome de Serra do Coroado; quem
de Ouro Fino viajasse para o Matosinho, depois de vencer o mato encontrava o
campo e quem do Matosinho seguia para Ouro Fino, depois de vencer o campo,
encontrava a mata, por isso a área de transição do campo para a mata era
conhecida de uns por Borda do Campo e por outros por Borda da Mata, o nome que
perdura.
Foi com a descoberta das minas de Santana, que se iniciou o
desenvolvimento do Matosinho do Mandu, primeiro nome de Pouso Alegre.
261
e dormida, onde faziam um pouso alegre. Nesse
tempo, começavam a chegar os primeiros
colonizadores, adquirindo terras para cultivo e
sustento.
O maior historiador de Pouso Alegre, Eduardo
Amaral de Oliveira, que dedicou 40 anos de sua vida
pesquisando milhares de documentos em Campanha,
São Paulo, Ouro Preto e Rio de Janeiro, descobriu
que os primeiros proprietários de terras devidamente
registradas, na verdade os primeiros sitiantes,
198 - Homenagem
foram: Antonio Araújo Lobato, Felix Francisco, João
aos bandeirantes
Angelo e Joaquim Reis de Lima - supostamente
também chamado de Paulo Araújo Pereira. Esses homens aventureiros para cá
vieram e se instalaram, tornando-se os primeiros proprietários de terras nessa
região do Sul de Minas e que, pouco depois, seguidos por outros que chegavam,
deram início a colonização de um arraial que, três séculos após, tornar-se-ia na
sempre crescente e magnífica Pouso Alegre de agora!
O Pouso do Mandu
Uma razão que concorreu bastante para o rápido povoamento do lugar foi o
vau do Rio Mandu existente no local, onde o caminho cruzava com o rio, que se
tornou uma passagem obrigatória, pela qual transitavam os viajantes que vinham de
São Paulo e se dirigiam ao sertão das Gerais, à procura de ouro e pedras preciosas.
Essa vereda era um prolongamento do caminho que vinha de São João d‟El-Rei,
Campanha e Santana do Sapucaí, até o Mandu, e que, ao alcançar o pouso de Cláudio
Furquim de Almeida, em Itapeva, tornou-se o trajeto mais curto e o único entre
São Paulo e Vila Rica. Vários posseiros se fixaram às margens do Rio Mandu,
308
262
Ouro Fino, para São Paulo e Santos, visando com isso cobrar o quinto devido à
Coroa portuguesa. A presença de um Fiel, acompanhado de guardas, neste posto,
indica que se tratava de um Registro de grande movimento e, conseqüentemente,
de um povoado em franca expansão. O nome primitivo do lugar, Pouso do Mandu,
devia-se ao fato do rio do mesmo nome ter em abundância o peixe da espécie
mandi, corruptela do nome indígena Mandihu (rio do Mandi), bem como por ser
parada obrigatória, um pouso para os viajantes que percorriam os caminhos entre
as capitanias de Minas Gerais e São Paulo. Havia no local um rancho primitivo que
abrigava os viajantes, e nesse lugar o rio oferecia melhores condições para uma
travessia, facilitando a transposição de animais e carga. Na encosta da Serra do
Gaspar localizava-se a fazenda de criar de Antônio de Araújo Lobato, ladeada de
extensos brejais cortados por dois córregos até a margem do Mandu, junto do qual
havia um pequeno núcleo de casas, o rancho e a venda destinada ao comércio com
os viajantes. Foi aí que o povoado nasceu, prosperou e cresceu pouco a pouco,
graças à sua excepcional posição geográfica e a riqueza de suas terras (...).
Quem viesse do norte, no período das águas, teria de esperar que a
enchente, que inundava as várzeas, baixasse, e seria forçado a permanecer longo
tempo no Pouso do Mandu. Por isso, viajava-se sempre no período da seca, quando
os rios davam vau, evitando-se os transtornos causados pelas chuvas.
Não só aventureiros, como também alguns comerciantes, percorriam aqueles
caminhos, transportando com sua tropa de burros, carregamentos de sal, açúcar e
algodãozinho, produtos destinados aos centros de exploração mineral, escassos, e
de alto preço no sertão. Um rancho rústico, situado às margens do rio, tornou-se o
abrigo acolhedor dos viajantes, um verdadeiro oásis para aqueles que enfrentavam
os caminhos rudes do sertão, cheios de obstáculos e desconfortos. Ali, gozando de
um mínimo de conforto, o viajante se recuperava de suas canseiras e recobrava as
forças para enfrentar novamente a caminhada.
Em 1831, Pouso Alegre alcançou um prestígio tão grande que, quer seja pelo
progresso da povoação, quer seja pela influência política do cônego José Bento, a
sua elevação à categoria de vila se fez naturalrnente, sem nenhum esforço por
parte de seus habitantes, no dia 13 de outubro daquele ano (...).
Em 1848, um fato auspicioso veio reanimar a população: a elevação de Pouso
Alegre à categoria de cidade pela Lei Provincial nº 433, de 19 de outubro de 1848.
263
Dois empreendimentos importantes receberam o impulso desse acontecimento: a
fundação da Santa Casa da Misericórdia nesse mesmo ano, e o início da construção
da nova Matriz.
309 Texto da História de Pouso Alegre em www.tvuai.com.br. Segundo o seu autor, foi elaborado com a ajuda da
seguinte bibliografia :
QUEIROZ, Amadeu, "Pouso Alegre - Origem da Cidade e a História da sua Imprensa"
VEIGA, Bernardo Saturnino da, "Almanack Sul Mineiro", 1874
OLIVEIRA, Eduardo Amaral de, “ Pouso Alegre Histórico”
TOLEDO,Eduardo A. O., "Estórias do Mandu"
SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Karl Friedrich von, "Viagem pelo Brasil", 1820
REZENDE, Manoel Coutinho de, "O Pouso Alegre da Trilha dos Faiscadores"
GOUVÊA, Octávio Miranda,"A História de Pouso Alegre"
TOLEDO, Tuany, "Trabalhos Dispersos - Memória Histórica"
O sítio não refere as editoras nem o local da publicação.
264
A Igreja do Bom Jesus de Matozinhos de Pouso Alegre – 1797-99
265
A inauguração da capela com a celebração regular de atos religiosos pelo
capelão, padre José de Mello, vieram trazer nova animação ao povoado do Mandu,
que foi aos poucos adotando a denominação de Pouso Alegre. De construção
modesta e sem nenhuma arquitetura, a capela era feita de adobos e coberta com
folhas de palmeira entrelaçadas que formavam uma perfeita esteira. Em frente da
capela ficava um pequeno cemitério (na quadra do atual jardim) e para os lados da
Rua Comendador José Garcia nada existia, a não ser um vasto pantanal. Em 1802 a
capela estava edificada no centro da praça, onde está hoje o monumento da
Imaculada Conceição. Emoldurando ao fundo o templo, duas alas de casuarinas e
cinamomos se destacavam. Essas árvores estranhas e lendárias, plantadas no
coração da cidade, cresceram de tal forma, que de longe assinalavam aos viajantes
a situação do povoado. Uma curiosidade é que as casuarinas possuíam longas folhas
que se afunilavam com o vento e emitiam sons agudos, como se estivessem
cantando. Com o passar dos anos, e com o crescimento da população, a primitiva
capela tornou-se insuficiente, e em fins de 1849 ou começo de 1850, teve início a
construção da nova Matriz, atrás da antiga capela, a qual foi concluída em 1857.
Em torno dessa capela desenvolveu-se o povoado, que crescendo de forma
acentuada, tornou difícil a assistência religiosa por parte de um padre que nele não
tivesse residência permanente. Por isso, a partir de 1805, os moradores passaram
a pleitear do bispo de São Paulo, dom Mateus, a criação de uma nova paróquia,
desmembrada de Santana do Sapucaí. Provavelmente, esta justa reivindicação foi
patrocinada por José Bento Leite Ferreira de Mello, que em São Paulo se
preparava para o sacerdócio e gozava das boas graças do prelado diocesano.
O certo é que só oito anos depois de inaugurada, a Capela do Senhor Bom Jesus foi
elevada à categoria de paróquia, pelo Alvará Régio de 6 de novembro de 1810, de
dom João VI, príncipe Regente de Portugal. Em 1811, o arraial de Pouso Alegre
contava com cerca de cinquenta casas bem construídas.
A Matriz erguida em 1857, tinha um telhado pontiagudo e não tinha torres,
e sofreu algumas reformas, sendo melhorada no princípio do século para a sua
elevação a Catedral.
266
201 - Matriz do Bom Jesus de Matozinhos do século XIX
267
202 – Antiga praça da Matriz do Bom Jesus de
Matosinhos
268
203 - Demolição da antiga Matriz
269
205 - Actual Matriz
270
FESTA DO BOM JESUS
310 Bom Jesus – Nossa paróquia, Setembro de 2002, Ano VI, Edição nº 61, Paróquia do Bom Jesus – Catedral
Metropolitana , Pouso Alegre (MG), boletim que recebo regularmente por gentileza desta paróquia.
271
CATAS ALTAS – Minas Gerais
311 A quase totalidade das informações sobre Catas Altas foram extraídas do sítio da Prefeitura
www.catasaltas.mg.gov.br.
272
A cidade possui também um valioso patrimônio histórico e uma "mineiridade"
quase intacta, que se revela na religiosidade de sua gente, nos costumes e
tradições, na fabricação de vinho artesanal, na música dos muitos violeiros, no
bucolismo de sua arquitetura e nos antigos quintais, relíquia já em extinção em
Minas Gerais. Mas é também uma cidade onde a atividade minerária é muito forte
e já deixou sequelas ambientais graves.
273
Seu nome provém das profundas escavações que se faziam no alto do morro.
Fundado em 1703, o lugar era conhecido como Catas Altas do Mato Dentro para
diferenciar de Catas Altas da Noruega.
Nessa época aí residiram pelo menos dois irmãos da Confraria do Bom Jesus
de Matosinhos.
274
Com o esgotamento das minas, Catas Altas tornou-se um arraial abandonado
e em ruínas, e os habitantes que ali
permaneceram se dedicaram ao cultivo de
pequenas roças de subsistência. A maior
mineração sobrevivente era feita nas lavras
do Guarda-Mor Inocêncio Vieira da Silva.
Quando o naturalista francês Saint Hilaire
visitou a área aconselhou-o a substituir a
exploração do ouro pela do ferro, cujas
reservas eram abundantes na região, isto em
1816.
Em 1817, os naturalistas alemães Spix e
Martius, hospedaram-se com o Guarda-Mor
212 - Outro exemplar de casa colonial Para proteger este rico acervo
histórico, cultural e religioso, o Instituto
313 www.estradareal.org.br.
275
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) tombou
todo o perímetro urbano de Catas Altas. O conjunto arquitetônico e paisagístico
do Santuário do Caraça, a Praça Monsenhor Mendes e a Igreja Nossa Senhora da
Conceição são tombados314 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Além disso, o Parque do Caraça, de propriedade da Província
Brasileira da Congregação da Missão, situado no município de Catas Altas Altas
(parte dele em Santa Bárbara), também foi transformado em Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN), outra medida que visa preservar a área.
276
Capela do Bom Jesus de Matozinhos ou do Senhor do Bonfim– Séc.XVIII
interessante.
Em seu interior
tem-se a representação
da Paixão de Cristo em
rocaille (elemento usado
no estilo rococó), com o
açoite, escada, esponja
de fel, coluna, cana
verde e a cruz. Nas 215 - Cristo da Capela do Bom Jesus
extremidades tem-se
277
mais quatro rocailles, onde se inserem a coroa de espinhos, cravos, martelo e
turquês. A arquitetura da Capela, do século XVIII, é despojada e simples, tendo
no altar a escultura de Cristo Crucificado. Usada para velórios, mas também para
reunião de grupos de orações 316.
278
obrigatória das tropas (único transporte de cargas utilizado na época) utilizando a
estrada de ligação com outras regiões 317.
279
Conceição, e a pequena capela do Bom Jesus de Matozinhos 318.
318 Este texto foi-me enviado em fotocópia pela Prefeitura de Couto de Magalhães de Minas com escassa referência
bibliográfica. Dele apenas conheço o título que encabeça cada página: Minas Gerais: Monumentos históricos e
artísticos – Circuito do Diamante, VI – Área adjacente a Diamantina..
319 Ver n. 154.
280
A capela está situada numa praça toda gramada, plana, com dois
renques de jacarandás paralelos às suas fachadas laterais.
Tem o partido bem simples, com nave e capela-mor de menor largura,
separadas pelo arco-cruzeiro, sacristia nos fundos e coro.
281
diagonal, na altura do coro, por duas janelas rasgadas por inteiro, de postigo
sobreposto, dando para sacadas isoladas com guarda-corpo de ferro batido.
Como habitualmente na
região de Diamantina, apenas a
capela-mor teve completada sua
decoração interna, congregando
talha e pintura em ambientação
unitária. O retábulo, de colunas
retas e dossel, é simples mas de
boa qualidade, podendo datar
dos finais do século XVIII. Sua
cimalha prolonga-se nas paredes
laterais da capela-mor, servindo
de moldura natural à pintura do
forro, como nas igrejas
diamantinenses.
282
Esta pintura é bastante interessante, pois constitui um dos melhores
exemplos mineiros de reinterpretação popular dos padrões eruditos de pintura
perspectivista do ciclo rococó 320.
Além da do padroeiro, a capela conserva ainda algumas imagens antigas, tal como a
Infelizmente, não consegui obter nenhuma informação sobre a festa ao Bom Jesus
de Matozinhos. Sei contudo, que uma das maiores solenidades locais é a de Nossa Senhora
do Rosário que se realiza na capela do Bom Jesus, por coincidência estranha no mesmo dia
283
JESUÂNIA – Minas Gerais
do milho.
321 Este foi um dos municípios que mais problemas levantou. A página da Internet esteve sempre em construção,
não permitindo obtenção de dados, à excepção de 2 fotografias. A Prefeitura nunca respondeu às minhas cartas. Já
com o trabalho em fase de acabamento, o Exº e Reverendíssimo Senhor Bispo da Diocese de Campanha, D. Frei
Diamantino de Carvalho, enviou-me algumas fotocópias de livros não identificados, sem referências bibliográficas,
mas com os elementos de que necessitava e duas fotografias.
284
Jesuânia – a terra de Jesus – outrora São Bom Jesus de Lambari, depois
Bias Fortes, e, mais tarde, Lambarizinho, tem a sua história por demais ligada a
“Águas Virtuosas” da Campanha, hoje Lambari.
Jesuânia começou a escrever a sua história, no século XVIII, quando uma
expedição de baianos e paulistas penetrou rumo ao oeste, através dos vales do
sistema da Mantiqueira, incursionando pelo Sul de Minas Gerais. São testemunhos
eloquentes dessa jornada as cidades de Campanha, Pouso Alto, Aiuruoca, São
Gonçalo do Sapucaí, Itamonte e outras, todas nascidas da "Estrada Geral", cuja
picada inicial fora aberta pelos Bandeirantes.
A princípio pequenos sitiantes se fixaram à beira da estrada, atraídos pela
exuberância do solo, pelas verdes pastagens e pela perspectiva de enriquecimento
para, depois se transformarem em proprietários de grandes fazenda, marcos
iniciais de povoados e vilas.
Origina-se, Jesuânia, desse reduzido número de pequenas lavouras
localizadas à margem da antiga estrada que ligava Campanha à Corte (Rio de
Janeiro), em seu trecho paralelo e mais próximo ao Rio Lambari.
As pastagens que dominavam os vales e as verdejantes colinas em sucessão
àqueles, atraíram pioneiros a se estabelecerem em tais paragens,
providencialmente favorecidas pela exuberância da terra, boas aguadas, climas dos
melhores, estrada aberta ao escoamento da produção
O nome de Lambari, de maior duração nos tempos antigos, procede de um
rio que corre junto à localidade e onde existe abundância desses peixinhos de água
doce.
O Rio Lambari é conhecido desde 1737, quando o ouvidor de S. João d‟El-
Rei, Cipriano José da Rocha, tendo ido à Campanha de Rio Verde para coibir alguns
abusos, teve oportunidade de atravessá-lo e de ali pescar. Lê-se, no ofício então
mandado ao Governador da capitania mineira; “ As terras destas Minas é (sic) uma
dilatada Campanha do Rio Lambari para dentro... Tem o Lambari copiosa abundância
de peixe grosso e miúdo, de admirável sabor e gosto, por ser todo de pedras o rio.
E com redes que trouxe fiz uma grande pescaria, sem muito trabalho 322.
322 VEIGA, José Pedro Xavier da, Ephemerides Mineiras, IV, 88.
285
Não é todo de pedras o rio... Era porem o caminho natural dos que
demandavam Campanha, quando se encontravam na região de Baependi, ou vice-
versa.
Só em 1749 é que aparece, pela primeira vez, o nome de um morador na
região. Trata-se de Manuel Vieira 323
(...). Manuel Vieira era natural de S. Pedro de
Freitas, comarca de Guimarães no Arcebispado de Braga, e filho de Gervásio
Vieira e de Catarina Gomes. Era casado com Teresa Corrêa, natural da Jacareí,
filha de Mateus Fernandes e de Paula Gonçalves 324.
Em 1753 surge a distinção entre Lambari de Cima e Lambari de Baixo,
prova de que iam aparecendo moradores em ambas as partes da estrada325.
Desde 1755, é conhecido o sítio do Lambari, de onde se originou o núcleo
populoso, atual Jesuânia. Dois registos o atestam: “aos oito dias do mês de
Novembro de mil setecentos e cincoenta e cinco anos, nesta Matriz (Campanha)
batizei e puz os santos óleos a José (...). Foram padrinhos Martinho de Siqueira e
Maria Pedrosa, mulher de João Ferreira Ribeiro, moradores no sítio de Lambari
desta freguesia”. O segundo registo é de óbito de uma criança “filha de José
Rodrigues Ayrão e Joana Maria, moradores no Sítio de Lambari Grande desta
freguesia” 326.
Os primeiros moradores do lugar foram Martinho de Siqueira (natural de
Congonhas do Campo, filho de Martinho de Siqueira Ribeiro e de Ana Corrêa
Cardoso; era casado com Catarina Ribeiro da Costa, natural da Piedade de S.
Paulo), João Ferreira Ribeiro, José Rodrigues Ayrão (natural de São João de
Ayrão, Braga) (...).
Quando da descoberta das fontes de água mineral de Águas Virtuosas, o
Arraial de Lambari, às margens do rio do mesmo nome, já crescia e prosperava.
A lei no 336, de 1948 elevou Jesuânia a cidade, criando o Município.
323 O seu nome aparece registado como padrinho de um outro Manuel na pg. 24 do 1º Livro de Baptizados de
Campanha.
324 Informações obtidas num outro livro de baptizados.
325 Informações obtidas no 1º Livro de Baptizados e no 1º de Óbitos da Matriz de Campanha.
326 Id.
286
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos de Jesuânia - 1819
287
tempo foi sede de paróquia não só local como da vizinha povoação de Águas
Virtuosas de Campanha, actual cidade de Lambari
Primeira matriz
Matriz actual
Foi lançada a primeira pedra para a nova matriz no dia da festa anual do
Bom Jesus de Matosinhos, em 6 de Agosto de 1949, na presença de autoridades
288
civis e eclesiásticas. Procedeu à benção o Exº Bispo Diocesano de Campanha, D.
Frei Inocencio Engelke, OFM.
Através de uma notícia publicada no jornal “O Diário” em 15 de Agosto de
1951, é-nos possível conhecer alguns dos factos relacionados com a sagração da
Nova Matriz em 1951:
O povo de Jesuânia rejubila-se com a sagração da nova igreja Matriz.
289
Vale ressaltar que, posto seja obra de grande vulto, parecendo, à primeira
vista, acima das possibilidades do lugar, com um dispêndio que ultrapassou um
milhão e quinhentos mil cruzeiros, ela foi terminada em dois anos, apenas (...) 328
.
328 Como disse na nota 321, todos estes textos fora enviados por S. Exa. Reverendíssima o Senhor bispo de
Campanha.
290
CANA VERDE – Minas Gerais
agricultura.
Por volta de 1800, a região era explorada pelo português Romão Fagundes do
Amaral, e denominava-se Matozinhos do Jacaré. Posteriormente, Manoel
Fernandes Airão chega às terras e passa a trabalhar como contador do português.
Juntos, iniciam o plantio da cana-de-açúcar e desenvolvem também o cultivo de
291
cereais. Após algum tempo, ao receber terras através de sesmarias, o contador
enriqueceu-se, recebeu o título de Conde e doou o terreno para a construção da
primeira capela dedicada ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos. O novo povoado
cresce com a denominação de Cana Verde - nome sugerido pelo conde. Passa a vila,
em 1884, e a município em 1962. A cidade apresenta como atrativos naturais a
cachoeira da Usina e a pedra da Laje, com aproximadamente 500 metros, e vista
para os rios Grande, Jacaré e para algumas fazendas da região329.
A pequena capela que Manuel Fernandes Airão levantou terá sido rapidamente
substituída por um templo maior. Para isso apontam as informações enviadas pela
A fundação deste povoado se deu por volta de 1850, altura em que chegou
à região Dona Maria do Rosário da Conceição (matriarca da família Anastácio
Barbosa), com seus familiares e escravos. Por sua ordem, seus escravos
construíram uma capela na parte mais alta da região, onde havia um canavial verde,
o que deu origem ao nome do município. E no pequeno arraial as primeiras famílias
foram se entrelaçando. Com o aumento da população foi edificado no local da
capela um templo maior – uma Igreja Matriz.
292
229 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos de Cana Verde
Em 24 de
Dezembro de 1874 foi
criado o Arraial do Senhor
Bom Jesus da Canna Verde,
pela Real lei provincial
nº2087. Nesse mesmo dia
foi criada a paróquia do
mesmo nome, pela lei
provincial nº2086, ficando a
pertencer à diocese de
Mariana.
O primeiro baptizado
que se celebrou na nova
paróquia foi a 23 de Abril de 230 - Interior da igreja
1876, o de um filho de um
293
casal escravo. Desde a época da sua inauguração, em 1874, até à primeira década
deste século, havia em volta da igreja um muro de pedra, o Adro, dentro do qual
ficava o cemitério .
devoção.
O mesmo se passa
apresenta um olho
para terra.
294
Segundo o professor Vicente Barbosa, há uma curiosa lenda acerca desta imagem:
O arraial do Senhor Bom Jesus da Cana Verde fazia divisa com o Arraial do
Senhor Bom Jesus dos Perdões (13 kms). Numa época de grande seca na região,
estas duas comunidades fizeram duas procissões durante a qual se procedeu à
troca das duas imagens (a de Cana Verde pela de Perdões) no meio do caminho.
Logo depois choveu.
Minas 331
localiza-se na região Sul de
Horizonte.
De acordo com o censo de 1996, o município de Bom Jardim de Minas contava com
Lacerda, de uma capela em homenagem ao Bom Jesus, que recebeu provisão eclesiástica
331 Os dados para este município foram colhidos nas páginas de www.bomjardimdeminas.mg.gov.br,
wwwbomjardimdeminas.hpg.com.br e em textos e fotografias enviados pelo Snr. Antoninho Guido de Paula,
responsável pelo Acervo Cultural da cidade.
295
em 1 de Maio de 1755 . A exemplo do que normalmente ocorria no período colonial, o
332
No ano de 1770, o Sr. Manuel Arriaga d'Oliveira, sua mulher D. Maria Alcântara
Sofreram diversos ataques dos índios e, no último, foi massacrado seu filho Manuel pelo
que mudaram para as margens do córrego do Milho Branco, nome originado da cor do milho
colhido nas suas margens, diferente das restantes espécies. Em 1790, o português Manuel
Arriaga, juntamente com outros elementos separados, como ele, dos restantes
arraial António Correa de Lacerda, com sua mulher D. Ana de Souza Guarda, de origem
Poucos anos depois a localidade tomava o nome de Fazenda Bom Jardim, originado pelo
nome foi simplificado, em 1923, para Bom Jardim. O município foi criado em 1938 e teve
332 Esta data levanta muitos problemas que não consegui resolver por falta de informações mais correctas. Uns
textos falam de uma capela em 1720, outros em 1755 e outros em data muito mais tardia - 1856. Por isso situei
cronologicamente o capítulo dedicado a Bom Jardim de Minas na segunda metade do século XIX, por ser a época de
construção da Matriz que os textos referem.
296
Matriz do Bom Jesus de Matozinhos ou do Senhor dos Passos
( finais de XVIII (?) – 2ª metade de XIX )
Como referi em nota anterior, foi impossível obter a correcta datação deste
templo. Pelo que pude compreender, após a primeira capela terá sido levantada uma outra,
em 1857. O texto que se segue, transcrito tal como me foi enviado333, explica a sua
evolução:
333 O texto foi enviado pelo já referido Snr. Antoninho Guido de Paula assim como a fotografia das igrejas e do
Crucificado.
297
O cemitério do arraial que era construído na parte baixa do arraial (Rua de
São Vicente) foi transferido (para) junto da capela, solenemente benta em 22 de
setembro de 1908. Já existia o adro protegendo a capela conforme documento
original da construção pelos escravos 334.
É até hoje o mesmo. Sofreu reformas, aumentos conforme as
necessidades. As pedras que cercam o mesmo foram de uma fazenda de um lugar
chamado São Lourenço perto de Santa Rita de Jacutinga, transportadas por
carros de bois.
A construção desta capela teve três fases: por ocasião da fundação da
Fazenda Bom Jardim, em 1857; em 1900, um novo aumento; em dezembro de 1915
terminou a torre que na época era um serviço arrojado. Dez anos depois nova
reforma trazendo conforto à comunidade católica.
Atualmente temos uma
paróquia organizada. À frente da mesma
um pároco simples mas de grande cultura .
334 Deste documento, datado de 20 de Março de 1888, que contém as despesas feitas com a obra do muro foi-me
enviada uma fotocópia cuja má resolução não me permitiu incluir neste trabalho.
298
236 - A actual igreja ainda em construção
imagem mais aproximada que obtive encontra-se estampada num lenço votivo:
299
238 - Lenço votivo utilizado pelos romeiros
No que diz respeito à imagem do Bom Jesus consegui, pela mesma fonte, uma
fotografia acompanhada por uma curiosa descrição. Assim Segundo José Marinho de
Araújo335
335 ARAÚJO, José Marinho, Monografia histórica. Corográfico do município de Bom Jardim de Minas, 1952.
336 O autor do texto revela certa ignorância sobre a tradicional forma de representação dos pés do Bom Jesus de
Matosinhos. O lenço votivo com o Cristo esttá errado pois tem os pés pregados juntos. Será que localmente pensam
que esta é a forma correcta da Imagem original e que a delas está errada?
300
A festa anual que o meu informador
A topografia é montanhosa
337 As informações para esta cidade foram colhidas do site do projecto Cidades, em www.asminasgerais.com.br e
em www.sabara.mg.gov.br, sítio da Prefeitura local. As informações e fotografias da capela foram-me enviadas
pela Secretaria de Esportes,Lazer, Cultura e Turismo local.
301
inúmeros regatos, nascentes e córregos. Situa-se à margem direita do Rio das Velhas, a
uma altitude de 723m e a 23km da capital do estado. É sede de uma das maiores empresas
desenvolvida indústria têxtil. A produção agrícola inclui arroz, banana, milho e abacaxi. A
Desta forma, quando correu a notícia da existência do ouro nas areias do Rio
das Velhas as conseqüências foram formidáveis. Desencadeou-se para os sertões
das Gerais uma torrente imigratória que tem poucos paralelos na história da
humanidade, segundo a escritora Mafalda Zemella. As cidades vicentinas tornaram-
se fantasmas, de janelas e portas fechadas, ruas desertas. Seus habitantes foram
os primeiros a partirem para os sertões em busca de riquezas. Milhares de pessoas
abandonaram a região da cana-de-açúcar e dos engenhos, assim como as cidades
litorâneas viram-se ameaçadas de abandono pelos moradores que emigraram para as
302
Gerais. Visto como uma benção dos céus, a princípio, o povoamento da região
mineradora era incentivado pelo governo luso, que via na produção do ouro o
aumento de receita. Logo a imigração tornou-se um problema. Da outra margem do
Atlântico vieram milhares de portugueses quando se soube dos imensos tesouros
das serras mineiras (...) .
303
que prolongou a hegemonia regional da cidade, figurando entre os municípios de
maior expressão demográfica e econômica, com destacada atuação também no
quadro político e cultural de toda a província. O viajante e naturalista francês
Saint-Hilaire, por ocasião de sua visita em 1818, relata que “...não é raro encontrar-
se em Sabará homens que receberam instrução e que sabem o latim. O povo da
cidade de Sabará é tão civilizado e amante da instrução, que custa a encontrar-se
um sabarense que não saiba ler, escrever, contar, música e ofício”. A comprovar
estas observações é de se notar a presença singular, numa vila do seu porte, do
teatro como atividade artística quase permanente. Desde os mais remotos anos da
exploração do ouro, grupos de comediante/ciganos, burlando as prescrições do
Santo Ofício, que contra eles pesavam, se apresentavam em Sabará. Até a entrega
ao público da Casa da Ópera, em 1819, as encenações teatrais ocorriam em tablados
armados em praça pública, geralmente o largo da igreja matriz.
Ainda antes da inauguração da via férrea ligando Sabará a Ouro Preto e ao Rio
de Janeiro, ocorrida em 1891, um grupo de sabarenses progressistas fundariam uma
grande fábrica de tecidos na localidade de Marzagão.
304
forte golpe para a vida da velha cidade, notadamente quanto à sua tradicional
função de centro cultural e de serviços. Em 1921, a instalação dos modernos alto-
fornos da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, abriria novos rumos para Sabará,
convertendo-a em importante centro industria 338.
Sobre a sua fundação, Zoroastro Viana Passos, diz que foi no século XIX
que se ergueu
338 PAULA, João António, O Prometeu no sertão: Economia e sociedade da Capitania das Minas dos Matos
Gerais, São Paulo: Tese de Doutorado em História, USP, 1988, texto em www.asminasgerais.com.br e BURTON,
Richard, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, Belo Horizonte, Itatiaia, 1976.
339 Informações da Prefeitura.
305
No Monte da Cruz (que se dizia o Monte Glorioso), e sob o patrocínio, entre
outros, de Teotônio Rodrigues Dourado, abastado comerciante português, e às
vistas da Irmandade do Rosário, a capelinha da Cruz.
madeira. O seu retábulo, em talha e pintura bem rústicas, tem no trono o Cristo
Crucificado.
306
245 - Nave e capela-mor
246 - Altar-mor
307
A cobertura do corpo principal é em duas águas e as paredes caiadas. A
fachada tem cunhais e empena em massa, beiradas de cimalha pobre, pintadas a
óleo e a cal. Vãos também enquadrados em massa, com vergas em arco batido. As
portas principais e as laterais possuem almofadas tústicas. As duas janelas da
frente estão rasgadas por inteiro, com balaústres de madeira na altura do coro e
pequeno óculo na empena. Não tem torres. Em seu lugar há uma pequena sineira
vazada numa das paredes laterais 340.
247 - Fachada
248 - Passo
308
denominadas Passos que são elementos importantes na arquitectura religiosa local.
O Município de
região económica de
fez parte do de S.
de S. Amaro ao qual
passou a pertencer.
Emancipou-se em 20 de
de Jacú e Rio Fundo. A cidade está a 72m acima do nível do mar. Segundo o censo de
1970, o município possuía 11.192 habitantes e a cidade de 5.510. Esta região mantém
309
Na época em que teve início em 1718, as suas terras obtiveram destaque
como Freguesia de São Pedro de Traripe e Rio Fundo, criada pelo alvará de 11 de
abril daquele ano.
Antigo arraial do mesmo nome, cujas terras pertenciam, em 1888 à
Freguesia da Vila do Rio Fundo, foi edificada nas Fazendas Pojuca e Terra Nova,
situada às margens esquerda e direita do Rio Pojuca. Nesta mesma época, o Barão
de Bom Jardim, homem influente na política, conseguiu com o presidente da
Província da Bahia, Manoel Vitorino Pereira e um grupo financeiro que os mesmos
se interessassem pela instalação de uma Usina de Açúcar na Zona do Recôncavo.
Depois de realizados os estudos necessários, iniciou-se em 1889 a
construção da Usina em terras doadas pelo próprio Barão e esta Usina concluída
em 12 anos, em 1902, no governo de Dr. Severino Vieira dos Santos 341 .
.
Fazenda Camboatá. Parte da antiga fazenda ainda existe, mantendo algumas estruturas
originais, e nela foi fundada uma escola que recebeu o nome de Bom Jesus de Bouças. À
com a emancipação de Terra Nova, Jacu tornou-se um dos distritos deste município.
da capela. Sabe-se. Porém. que foi construída com uma mistura de mel, cinza e adobe.
O seu fundador poderá ter sido um português que possuía uma fazenda naquela
localidade e nela resolveu fazer uma capela em honra do Bom Jesus de Bouças num local
em que a pudesse ver a partir de sua casa. Por isso, construiu-a a cerca de 2 Km num alto
310
em frente da fazenda. Actualmente pertence à Prefeitura de Terra Nova e está sob a
O templo está
localizado sobre uma colina
tendo no seu sopé a vila de
Jacu que é constituída por
duas fileiras de casas
térreas que formam uma
única rua. Serve de
251 - Situação da igreja frente a Jacu
moldura ao povoado
extensos canaviais. No
fundo da igreja, existe um pequeno
cemitério. Edifício de relevante interesse
arquitetônico. Apresenta planta com três
naves recoberta por telhado de três águas.
A fachada principal dividida em três partes
por pilastras, apresenta porta de acesso
ladeada por duas janelas e quatro vãos ao
nível do coro. Suas torres não chegaram a
ser concluídas. Arremata a fachada principal
uma platibanda com pináculos.
Seu interior tem tratamento neo-
gótico com altares em estuque. Existe forro
252 - Fachada da igreja em gamela na nave central e em abóbada de
berço abatida na capela-mor. Nos demais
ambientes os forros são planos. Em muitos casos, só resta a estrutura dos
mesmos. As escadas do púlpito e do coro são de concreto. Já não existem
imagens343, mas conserva-se um sino com data de 1876, provavelmente, trazido
de outra igreja. A lápide mais antiga encontrada é a do Dr. Francisco Joaquim
342 Segundo informações amavelmente enviadas pela Secretária da Educação de Terra Nova, Maria do Carmo
Ribeiro e sua filha Cristina.
343 Este texto foi escrito em 1978 e depois dessa data verificaram-se algumas alterações e obras de recuperação.
311
Vieira (1899). Segundo os moradores locais a primitiva invocação da igreja era
N. Sra. da Conceição.
Igreja do período de transição do século XIX para o XX. Embora
inspirada no neo-gótico e revivendo o partido em três naves abandonado depois
da Contra Reforma, esta igreja deriva sua planta daquelas das matrizes e
igrejas de irmandade do início do século XVIII, com corredores laterais
superpostos por tribunas e sacristia
transversal. Neste, como em outros casos,
os corredores foram transformados em
naves laterais e as tribunas em trifórios.
Manteve-se, porém, o arco cruzeiro e a
sacristia transversal. Devido à falta de
domínio da técnica da ogiva e pequena altura
do edifício, preferiu-se adotar os
tradicionais arco plenos. A persistência de
elementos coloniais em edifícios religiosos
neo-gótico pode ser observada também na
344 Texto compilado pela equipa PPH/CFT in Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia, Vol. II-
Monumentos e sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Junho de 1978, pub. em www.sct.ba.gov.br.
312
Uma pequena placa de mámore na fachada assinala, provavelmente, o fim das obras e
313
Itapecerica e Pedra do Indaiá - Minas Gerais
314
elevado à freguesia de São Bento do Tamanduá, em 15 de fevereiro de l757
345
.
Perante esta informação, iniciei mais uma paciente busca de contactos para obter
pistas que me confirmassem a veracidade do texto. Quando julgava vãos todos os meus
esforços, recebi duas respostas com informações preciosas. A primeira veio da mão do
Reverendo Bispo Auxiliar de S.Paulo, D. Gil Moreira, natural daquela cidade mineira. Diz o
seguinte:
Prezada Sra.Isabel,
Esta resposta veio confirmar a veracidade do Bom Jesus de Matosinhos ter sido o
315
Minas, é de supor que ali tivesse existido uma igreja ou capela em sua honra o que poderá
ter acontecido em finais do XVII, época a que remonta a fundação do primeiro arraial, ou
Um dos amigos que ganhei ao longo deste trabalho, o José Cláudio Henriques de
S.João d‟El-Rei, interessou-se pelo assunto e conseguiu de pessoa conhecida, cuja família é
alguns anos atrás, de ruínas de uma igreja muito antiga e que seria a do Bom Jesus:
trabalho que era o de identificar povoações cujo patrono tivesse sido ou fosse o Bom
Jesus de Matosinhos, mesmo que no local não existisse actualmente nenhuma igreja em
sua honra.
E tudo teria ficado por ali não fosse o acaso de me ter aparecido na Internet, por
mero acaso, uma página sobre uma povoação, muito próxima de Itapecerica, denominada
Pedra do Indaiá sobre a qual se conta uma história que me parece ligar os dois locais entre
316
PEDRA DO INDAIÁ
fazendas para abrigá-la. A capela foi construída toda em pedra pelos escravos,
tendo os altares pintados a ouro. Logo correu a fama da "imagem milagrosa" e
muitas pessoas se fixaram no local. O povoado cresceu e recebeu seu primeiro
nome de Senhor Bom Jesus da Pedra do Indaiá. Em 1923, passou a se chamar
Pedra do Indaiá. Foi elevado a município em 1962, emancipando-se de Itapecerica
347
.
347 Descubrimasminas.setur
317
habitantes, dos quais 1690 na área urbana e 2138 na rural. A densidade populacional é de
Apesar dos esforços feitos, por carta e telefone, não consegui contactar a
Prefeitura nem o sacerdote responsável pelo Santuário do Bom Jesus de Pedra do Indaiá.
Admitindo que a imagem do Senhor Bom Jesus encontrada em Pedra do Indaiá seja
a que foi roubada em Itapecerica, durante a guerra dos Emboabas, época em que o
padroeiro de Itapecerica ainda era o Bom Jesus de Matosinhos e não S. Bento, esta igreja
hipoteticamente fará parte do culto ao nosso padroeiro. Mas como não o posso afirmar
com toda a certeza refiro este caso apenas como um dos muitos exemplos em que se
318
verificou a perda dos topónimos Bouças ou Matosinhos facto que me deixa dúvidas sobre
319
Conclusão
Como vimos ao longo deste trabalho, as primeiras notícias sobre o Bom Jesus de
Matosinhos terão chegado ao Brasil muito precocemente, talvez mesmo antes das grandes
fases de emigração do Reino para a colónia, levadas pela fé e temores dos marinheiros e
aventureiros. A partir da segunda metade do século XVII, o seu culto impôs-se, organizou-
-se e concretizou-se em variados templos cuja maioria permanece ainda hoje aberta à
homens e instituições, permitindo que o passado não se dilua ao longo das gerações. No
caso sobre o qual me debrucei, o do culto ao Bom Jesus de Matosinhos, a sua permanência
tem como suporte a fé que une, num sentimento único, se bem que revestindo formas de
religiosidade bem diferenciadas, dois povos que, no aspecto devocional, o mar não separou.
320
APÊNDICE
321
Quadro sinóptico dos locais de culto ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil
S.Francisco do Conde (BA) Recôncavo baiano Capela do Engenho d‟Água Finais do séc. Particular. Fechada Não tem
XVII ao público
Salvador (BA) Cidade de S. Salvador Igreja do Bom Jesus de Bouças e S. 1725 Ordem 3ª de S. Não tem
ao público.
Conc. de Mato Dentro(MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1750 Aberta ao público 24 de Junho
Local de romaria
Congonhas(MG) Região central Basílica do Senhor Bom Jesus de 1757 Aberta ao público 9-14 de
Honório Bicalho - Nova Lima Região central Santuário do Senhor Bom Jesus de 1760 Aberta ao público 11-14 de
Bairro do Brás (SP) Cidade de S.Paulo Igreja do Senhor Bom Jesus do Brás 1765 ? Paroquial 6 de Agosto
Itabirito (MG) Região central Santuário do Senhor Bom Jesus 1765 Aberto ao público 14 de Setembro
Local de romaria
Lavras (MG) Região sul de Minas Só resta uma imagem no Museu Sacro 1768 ano da
capela
Ouro Preto (MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1771 Aberta ao público 14 de Setembro
Rio Piracicaba (MG) Região central Santuário do Bom Jesus de 1771.VI.8 Aberto ao público 1-4 de Maio
São João D‟el Rei (MG) Região central Igreja do Senhor Bom Jesus de 1771.IX.6 Paroquial 5-14 de
Werneck- Paraíba do Sul (RJ) Paraíba do Sul Basílica do Bom Jesus de Matozinhos 1773 Aberto ao público Último domingo
Matozinhos (MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1774 Paroquial 14 de Setembro
Local de romaria
Guaicuí –Várzea da Palma (MG) Região norte de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1779 ? Em ruínas
S.António de Pirapetinga - Região da Mata Igreja do Senhor Bom Jesus de 1780 Aberta ao público 2 de Agosto
Serro (MG) Região central Igreja do Senhor Bom Jesus de 1781/97 Aberta ao público 18/19 de Maio
Mogi das Cruzes (SP) Cone leste paulista Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, 1781 Aberta ao público
S. Benedito
Pouso Alegre (MG) Região sul de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1797/99 Catedral e 4 de Agosto
paroquial
Local de romaria
Catas Altas (MG) Região central Capela do Bom Jesus de Matozinhos Séc.XVIII Local de reuniões e
323
ou Senhor do Bonfim velórios
Couto de Magalhães de Minas Região central Capela do Senhor Bom Jesus de Anterior a Aberta ao público 14 de Setembro
Rosário)
Jesuânia (MG) Região sul de Minas Gerais Igreja do Bom Jesus de Matozinhos Anterior a Paroquial 6 de Agosto
Cana Verde(MG) Região centro-oeste de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1850/74 Paroquial 14 de Setembro
Bom Jardim de Minas (MG) Região sul de Minas Gerais Matriz do Bom Jesus de Matozinhos 1857 Paroquial 2º domingo de
Sabará (MG) Região central Capela do Bom Jesus Anterior a Aberta ao público 14 de Setembro
Jacu - Terra Nova (BA) Região Nordeste da Baía Igreja do Bom Jesus de Bouças 1899 ? Fechada ao público 6 de Janeiro
324
Número de locais de culto
1
3 1
19 11
2
1 1
4
1
325
Igrejas localizadas nos percursos turísticos dos Caminhos do ouro
SIGLAS
LC – Livro de contas
FONTES MANUSCRITAS
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COSTA, Padre António Carvalho da, Corografia potugueza e descripçam topografica do famoso
Reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem,
varões illustres, genealogias das famílias nobres, fundações dos conventos, catálogos dos
bispos, maravilhas da natureza, edifícios & outras curiosas observaçoens , Braga, 2ª edição,
1868
PINTO, António Cerqueira, História da Prodigiosa Imagem de Christo Crucificado que com o
Saint-Hilaire, Auguste, Voyages dans l’intérieur du Brésil. Voyages dans les Provinces de Saint-
Nacional, 1945
DICIONÁRIOS
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BOSCHI, Caio César, Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas
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da Índia” – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as
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MORAIS, Geraldo Dutra, História de Conceição de Mato Dentro”, Biblioteca Mineira da Cultura,
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6 - http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/costa_pau_brasil.html
7 – Oratório de Santa Cruz, localizado na Rua Barão de Ouro Branco, em Ouro Preto. Importado de
www.iphan.com.br
8 – ASCMM,LEI, nº1, 17
11 – Imagem digitalisada da obra Views and customes of the city and neighbourdhood of Rio de
Janeiro, Brazil, from drawings taken by Lieutenant Chamberlain, Royal artillery, during the
years 1819 and 1820, with descriptive explanations, Londres, 1822.
12 - Museu do Oratório de Ouro Preto - www.oratorio.com.br
13 - //sites.uol.com.br/marina.ribeiro/caminouro/caminho4.htm#top
14 e 16 - www.estradreal.com.br
www.nonaarte.com.br/Rugendas/rugend.htm
18,19 - www.asminasgerais.com.br
20, 21 – www.sg.com.br/sao_joao/index.html
22, 23 - www.asminasgerais.com.br
331
25 a 27 – Museu do Oratório de Ouro Preto - www.oratorio.com.br
SALVADOR-Baía:
33 – www.bahiatursa.ba.gov.br
40, 41, 43 e 44 - Fotografias obtidas por Ricardo Bravo, aluno da E.B. 2,3 de Leça da Palmeira,
45 a 49 e 51 – www.asminasgerais.com.br
50 - www.iphan.gov.br
52 a 54 - //cidadeshistoricas.terra.com.br/congonhas /
56 a 58 - www.asminasgerais.com.br
63 – Correios do Brasil, Série América, data de emissão 9 de Novembro de 2001. Selo trazido pelo
64 a 68 - //members.tripod.com/~congonhas
72 - Fotografia da igreja enviada pelo Dr. Roberto Rabello da Secretaria da Educação e Turismo de
Nova Lima
75 - www.memorialdoimigrante.sp.gov.br
76 - www.arquivo.ael.ifch.unicamp.br/gale-historia.htm
332
79 e 81,82 - Fotografias enviadas pelo actual pároco do Bom Jesus do Brás, Rev. P. Enivaldo Alves
84 a 86– www.asminasgerais.com.br
87 a 95 - Fotografias do Pároco da Matriz da Boa Viagem de Itabirito, Rev. Pe. Miguel Ângelio
Fiorillo
97 - Fotografia enviada pela Dra. Márcia Bento Rosa da Silva, bibliotecária da UFLA
103 a 105 - Fotografias enviadas por Vicente Anastásio da Secretaria de Turismo de Ouro Preto
107 – www.asminasgerais.com.br
108 - www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/chilenas.html
115,117 a 122, 124, 128 a 130 - Fotografias enviadas pelo seu autor, José António Ávila Sacramento
135 - //morrirderir.com/MapaRio.gif
138, 139 - Fotografias obtidas por digitalização de fotocópias que me enviou a Prefeitura da Paraíba
333
153 - www.manuelzão.ufmg.br/jornal/jornal.uted-15/transport1.htm
154 - //uk8.multimap.com
155 - www.iepha.mg.gov.br
157 - redeglobo.globo.com/programas
179 - www.serronet.com.br
189 - www.mogidascruzes.sp.gov.br
190 - Aguarela de Jean Baptiste Debret em Voyage Pitoresque et historique au Brésil, Paris
230 a 232 - Fotografias enviadas pelo professor Vicente Barbosa por intermédio da Prefeitura de
Cana Verde
334
237 e 238 - Lenços votivos enviados por Antoninho Guido de Paula
241 - www.sabara.mg.gov.br,
248 - www.asminasgerais.com.br
JACU – Baía
249 - www.multimap.com
258 - www.multimap.com
259 – Fotografia enviada por Araceli Braga, responsável pela Folha da Diocese de Divinópolis
Mapas - Todos os mapas deste trabalho respeitantes à localização dos variados municípios de Minas Gerais
relativamente a Belo Horizonte são importados dos sítios do Projecto Cidades e do IBGE.
335