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UMA ROTA DE FÉ

A devoção ao Bom Jesus de Matosinhos


no Brasil

Isabel Maria de Carvalho Lago Barbosa


Aqui surgiu

Da bruma do tempo,

Imagem imperfeita

Envolta em algas e vieiras,

Arrojada por marés seculares...

Daqui partiu

Feita devoção.

Outras marés a levaram

Nas velas das naus,

Nas preces marinheiras

E nos sonhos dos que partiram

Porque não tinham porque ficar.

E uniu dois continentes

Numa rota de fé.

I.L.

2
À memória do meu pai que me ensinou a história da Sagrada Imagem, feita de

amor e esperança, mas também de muitas lágrimas e ausências. Com ele descobri o espaço

que separa o antigo lugar de Bouças do de Matosinhos, percorri caminhos dos devotos e

aprendi a viver cada Romaria como uma celebração pessoal.

A sua partida prematura impediu-nos de fazer, em conjunto. a viagem ao outro

lado do Atlântico onde a devoção chegou nos corações dos que daqui partiram.

É essa viagem de fé que vos proponho que façam agora comigo.

Todas as cousas que há neste mundo


Têm uma história
Fernando Pessoa

3
A todos que colaboraram para que eu tivesse conseguido
escrever esta história

Ao Snr. Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de


Matosinhos que acreditou na proposta que lhe foi apresentada e se dispôs a
publicar o resultado final
Ao Dr. Joel Cleto que me lançou o desafio que deu origem a este
trabalho
Ao Snr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos que me
facilitou o acesso ao Arquivo daquela Instituição e me proporcionou as
condições necessárias para que o meu trabalho se realizasse
confortavelmente
Ao Snr. Manuel Costa, Mordomo da Santa Casa da Misericórdia de
Matosinhos, que foi meu guia através dos “papéis velhinhos”, que ele tanto
respeita, que comigo dividiu a alegria das primeiras descobertas e cujas
questões que me ia pondo foram a chave para muitas conclusões
Ao Snr. Arquitecto António Menères que me “emprestou” alguns dos
seus amigos brasileiros
Aos Snrs. Professores Drs. Eugénio dos Santos e Ribeiro da Silva que
me “apresentaram”, por escrito, ao Snr. Professor Caio Boschi
Aos Snrs. Professores Dr. Caio Boschi e Arq. Benedito Toledo que me
autorizaram a utilizar o seu nome para o estabelecimento de contactos que se
tornaram fundamentais
À Dra. Joana Angélica Carvalho Cunha, gerente do Arquivo da
Fundação Gregório de Matos, e Arquitecto Paulo Ormindo de Azevedo,
coordenador do IPACBA, pelos dados sobre o património da Baía
Ao Snr Dr. Paulo Gaeta Neto, director de Protecção de Memória do
IEPHA/MG, e à Dra. Selma Miranda, pela preciosa documentação da
biblioteca daquele Instituto que me enviaram
À Fundação Francisca Sousa Peixoto, pela oferta dos 2 Cdroms do
Projecto “As Minas Gerais”: Quadrilátero Ferrífero e Região Diamantina e
Sertões

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Aos amigos que ganhei em S. João d’El-Rei: Drs. José António Ávila
Sacramento, presidente do Centro Regional de Documentação das Vertentes
e do Instituto Histórico e Geográfico local, e José Cláudio Henriques,
presidente da ASMAT, pelas informações que me fizeram chegar e pela
devoção ao Bom Jesus de Matosinhos que comigo partilharam ao longo do
tempo desta pesquisa
Ao Dr. Valénio Perez França, ilustre oftlamologista de Belo Horizonte
que de sua casa, por e-mail, me enviou os artigos de um Dicionário que não
existe nas Bibliotecas do Porto e de que tanto precisava
À D. Júlia e Snr. Faria Duarte que me receberam tão gentilmente na
sua casa de Lisboa, durante a minha pesquisa no Arquivo Histórico
Ultramarino
À família Bravo de Leça da Palmeira que roubou alguns minutos ao seu
passeio pelo Pelourinho, de Salvador da Baía, para me fotografarem a Igreja
do Bom Jesus de Bouças daquela cidade
Ao meu genro Nuno pelas fotos da mesma igreja de Salvador e pelo
precioso selo do Santuário de Congonhas
A Sua Exº. Reverendíssima o Bispo Emérito de Petrópolis e a Ricardo
Wendling
A Sua Exº. Reverendíssima o Bispo da diocese de Campanha, D. Frei
Diamantino de Carvalho
Ao Reverendo Padre Enivaldo dos Santos Vale, pároco da igreja do
Brás, São Paulo
Ao Reverendo Padre José Raimundo e à Rosângela do Sedipa, de São
João d’El-Rei
Ao Reverendo Pe. Miguel Ângelo Fiorillo, de Itabirito
Ao Snr. Prefeito de Conceição de Mato Dentro e ao Snr. Padre Ismar
Dias de Matos, chanceler da diocese de Guanhães
Ao Snr. Prefeito de Congonhas e às Dras. Patrícia Fernandes Monteiro,
directora da FUMCULT, e Ana da Cruz Alcântara Campos Vieira, do sector de
Informações turísticas da mesma instituição
Ao Dr. Roberto Rebello da SEMCO pela foto do Santuário de Honório
Bicalho
Ao Snr. Prefeito de Mogi das Cruzes

5
Ao Snr. Prefeito de Cana Verde e ao Dr. Vicente Freire Barbosa,
historiador local
Ao Snr. Prefeito de Couto de Magalhães de Minas, ao snr. Melo, da
respectiva Secretaria da Cultura e ao reverendo Padre Maurílio
Ao Snr. Prefeito de Sabará e ao Dr. Sérgio Alexandre da Secretaria de
Esportes, Lazer, Cultura e Turismo local
Ao Snr. Prefeito do Serro, Snr. José Monteiro da Cunha Magalhães
À Dra. Renata Couto de Souza, da Divisão de Turismo e Dr. Roberto
Rabello da Secretaria da Comunicação Social da Prefeitura de Nova Lima
Ao Snr. Prefeito de Lavras, ao Dr. Jardel da Costa Pereira, professor de
História e Dra. Márcia Bento Rosa da Silva, Bibliotecária da Universidade
Federal de Lavras
Ao Snr. Prefeito da Paraíba do Sul
Ao Snr. Prefeito de Bom Jardim de Minas e Snr. Antoninho Guido de
Paula, responsável pelo Acervo Histórico daquela cidade
Ao Snr. Prefeito de Rio Piracicaba
Ao Snr. Prefeito de Piranga e ao Arquivo Histórico Nilo Gomes
Ao Snr. Presidente da Câmara Municipal de Várzea da Palma, Dr.
Geraldo Nunes Azevedo
Ao dr. Idarci Esteves Lasmar, chefe de Gabinete do IGA (Instituto de
Geociências aplicadas)
A D. Maria do Carmo R. Mota, Secretária da Educação de Terra Nova
(BA) e a sua filha Cristina
Ao meu marido, filhas, genros e a todos os amigos que me “aturaram” e animaram ao longo
destes 3 anos

... o meu muito obrigada.

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SUMÁRIO

Prefácio
I PARTE
O culto ao Bom Jesus de Matosinhos e a sua divulgação no Brasil

Introdução
1. O culto ao Bom Jesus de Matosinhos – Origem

2. A Confraria do Bom Jesus de Matosinhos

3. O Brasil de meados do século XVII a meados do século XVIII –

Enquadramento histórico

4. A Confraria do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

4.1 A religião cristã no Brasil colonial

4.2. O papel das Irmandades

4.3. Irmãos da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

4.3.1. 1655 a 1703

4.3.2. 1703 a 1774

4.4. Um ermitão do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

Conclusão

II PARTE
Igrejas do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

Nota Prévia
Monte Recôncavo (S.Francisco do Conde) - BA

S. Salvador – BA

Conceição de Mato Dentro –MG

Congonhas – MG

Honório Bicalho (Nova Lima) – MG

Bairro do Brás (São Paulo) – SP

Itabirito – MG

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Lavras – MG

Ouro Preto – MG

Rio Piracicaba – MG

São João d‟El-Rei – MG

Werneck (Paraíba do Sul) – RJ

Matozinhos – MG

Guaicuí (Várzea da Palma) – MG

S. António de Pirapetinga (Piranga) – MG

Serro – MG

Mogi das Cruzes – SP

Pouso Alegre – MG

Catas Altas – MG

Couto de Magalhães de Minas – MG

Jesuânia – MG

Cana Verde – MG

Bom Jardim de Minas – MG

Jacu (Terra Nova) - BA

Sabará – MG

Pedra do Indaiá (?) - MG

Conclusão

APÊNDICE

 Quadro sinóptico informativo sobre os locais do culto ao Bom Jesus de Matosinhos

no Brasil

 Número dos locais de culto no Brasil e nas regiões de Minas Gerais

 Localização de algumas igrejas nos actuais percursos turísticos dos Caminhos do

Ouro

 Bibliografia consultada

 Proveniência de fotografias e ilustrações

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I PARTE

Introdução

No alto do Maranhão, em Congonhas, Minas Gerais, Brasil, levanta-se imponente o

Santuário ao Bom Jesus de Matosinhos. Património mundial, enquanto monumento

artístico, sob o ponto de vista religioso permanece como símbolo da perenidade de uma

devoção que, levada nos corações de marinheiros e emigrantes, atravessou o mar, se

difundiu pela “América portuguesa” há mais de quatro séculos e permanece actual.

Ao ser convidada pelo Dr. Joel Cleto, do Gabinete de Arqueologia da Câmara

Municipal de Matosinhos, para elaborar um artigo sobre a Confraria do Bom Jesus de

Matosinhos e as suas ligações com o Brasil, destinado a umas previstas e não realizadas
comemorações locais dos 500 anos da descoberta daquele país, foi-me sugerida uma

abordagem da influência dos brasileiros “torna-viagem” nas actividades filantrópicas e de

culto daquela instituição, ao longo do século XIX.

Dado que as fontes sobre esta matéria se conservam no Arquivo da Santa Casa da

Misericórdia, pedi autorização ao seu Provedor, Snr. Dr. Rodrigues de Sousa, que, muito

amavelmente, me facilitou a sua consulta. Logo nas primeiras observações do acervo

apercebi-me que a documentação relativa àquele século, porque diz respeito a pessoas e

factos ainda hoje muito presentes na Memória local e amplamente divulgados pelos jornais

da época, não me parecia susceptível de fornecer algo de novo sobre o tema proposto.

Esse facto obrigou-me a repensar a orientação do trabalho sem me afastar, contudo, do

objectivo original. Assim, embora pressentindo que me ia envolver numa tarefa mais vasta

e, consequentemente, mais demorada, decidi “começar pelo princípio”, ou seja, pela

constituição da Confraria dos mareantes, em 1607, e acompanhar, passo a passo, a

evolução da sua actividade tentando descobrir momentos em que de alguma forma esta se

pudesse cruzar com o Brasil. Será de referir que não existem documentos para o período

anterior a 1680. Tudo quanto se conhece sobre esses anos são traslados inseridos nos dois

mais antigos Livros de entradas de irmãos. Para meu espanto, porém, logo no fól. 17 do

primeiro livro encontrei, com data de 1655, o registo da entrada de um irmão daquela

colónia ao qual se seguiam outros assentos idênticos. A revelação desta presença precoce

9
de irmãos da Confraria na América portuguesa supõe a existência, já na segunda metade

do século XVII, de uma incipiente devoção local ao Bom Jesus, então de Bouças, que

certamente não se limitaria apenas àqueles confrades, mas de que eles constituem o único

elemento quantificável para um estudo deste tipo.

Perante a riqueza da informação, estabeleci um novo tempo para a minha

investigação e optei por me debruçar sobre o período que vai do aparecimento do primeiro

irmão até ao terceiro quartel do século XVIII, época em que, tendo a Confraria como um

dos principais agentes de divulgação, esse culto ali chegou, se expandiu e se manifestou

colectivamente através da construção de altares, capelas e igrejas, cuja maioria

permanece ainda hoje aberta ao público e de que o santuário de Congonhas é apenas o

exemplo mais conhecido. O estudo do século XIX, se bem que apaixonante, não caberia

nesta nova proposta pelo que ficará para um outro momento. Desse século apenas referirei

os locais de devoção então levantados na medida em que são uma consequência da adesão

ao culto difundido anteriormente.

Este trabalho que, mais do que uma tese, pretendo que seja uma obra de divulgação,

está dividido em duas partes distintas resultantes de objectivos, fontes e formas de

tratamento diversos, mas que são convergentes no resultado final. Na primeira, após uma

breve memória da origem da devoção ao Bom Jesus de Matosinhos e constituição da

Confraria, traço o quadro do ambiente sócio-económico e religioso do Brasil nos séculos

XVII e XVIII, concluindo-a com o fenómeno do aparecimento e divulgação desse culto

naquela colónia. Para ela utilizei fontes manuscritas obtidas nos Arquivos da Santa Casa da

Misericórdia de Matosinhos e Histórico Ultramarino, algumas fontes impressas e uma

vasta bibliografia que me apoiou nas sínteses.

Para a segunda, em que me debruço sobre as igrejas brasileiras levantadas àquele

padroeiro, enquadrando-as histórica e geograficamente, utilizei como meio principal de

busca a Internet, única forma de ultrapassar os problemas levantados pela distância a que

me encontrava dos locais mencionados e pela inexistência de obras de conjunto sobre o

tema em causa. Através de uma cuidadosa e paciente busca de três anos, recolhi uma

enorme quantidade de material proveniente não só de páginas Web, como de pessoas e

instituições que contactei por correio electrónico, carta e telefone e que, numa enorme

cadeia de boa vontade, mesmo sem me conhecerem, generosamente se dispuseram a

ajudar-me. Mais do que uma pesquisa foi uma longa jornada que fiz na companhia de amigos

que fui ganhando e que não sei se alguma vez encontrarei.

10
Exercício de paciência e persistência, a elaboração deste trabalho lembra-me as

redes que os nossos pescadores, ponto a ponto, nó a nó, teciam durante tempos infinitos,

fazendo e desfazendo vezes sem conta, enquanto elas iam ganhando extensão, tomando

forma e adquirindo sentido. Como eles também fui avançando aos poucos e sei que esta

minha teia não representa obra acabada. Estou certa que há nela algumas brechas que um

dia terão de ser reparadas. Mas no seu conjunto, mesmo que possivelmente imperfeita,

fornece uma visão clara do cumprimento de uma mensagem de fé.

Este é o meu “ex-voto” para o Senhor de Matosinhos a cuja sombra


cresci, me fiz gente e aprendi a amar esta terra.

11
1.O CULTO AO BOM JESUS DE MATOSINHOS – Origem

Santo Crucifixo de Bouças, Senhor Bom Jesus de Bouças, Bom Jesus de Matosinhos,

três designações para uma mesma Imagem 1 cujo culto é dos mais antigos de Portugal. No

seu conjunto revelam a ligação de uma devoção ao mistério da Paixão, à figura humana do

Cristo sofredor, Salvador de almas e de homens.

O que se sabe sobre a sua verdadeira origem pertence ao campo da lenda e

constitui uma tradição tão fortemente enraizada em Matosinhos que nem as investigações

arqueológicas, datando-a de uma época posterior ao século XII, são suficientes para

alterar essa crença na Memória popular. Que é medieval, não resta dúvida. Que seja

anterior à nacionalidade, é pouco provável.

À medida que a Reconquista peninsular foi avançando, verificou-se o ressurgimento

de muitas devoções que os séculos de Islão tinham sufocado. E é curioso que a maior parte

delas ande à volta de imagens cujo aparecimento é localizado tradicionalmente numa gruta,

numa rocha, num rio… A do Bom Jesus de Matosinhos veio pelo mar, o mesmo mar que

levou o seu culto, anos mais tarde, para o outro lado do Oceano.

Passo a recordar a lenda do seu aparecimento, tal como a aprendi na minha infância:

Nicodemus, uma das testemunhas do sacrifício e morte de Cristo,


que guardara o Santo Sudário que o amortalhara após a descida da
cruz e no qual ficara gravada a sua figura, esculpiu, a partir desta, em
madeira da Judeia, cinco Cristos. Perseguido pelos judeus, lançou ao
mar as suas obras que se espalharam pelo Mediterrâneo, tendo três
delas saído pelo estreito de Gibraltar para o Atlântico. Todas foram
recolhidas e ainda hoje se veneram. Uma está em Luca, Itália; outra em
Berio, na Síria; duas em Espanha - Burgos e Orense - e, finalmente,
uma em Matosinhos, onde foi descoberta, sem um braço, na praia do
2 3
Espinheiro . Cerqueira Pinto , tentando reforçar a sua antiguidade,

1 Os topónimos Bouças e Matosinhos referem-se aos primitivos locais do culto.


2 Actual praia de Matosinhos.
3 PINTO, António Cerqueira, História da Prodigiosa Imagem de Christo Crucificado que com o título de Bom
Jesus de Bouças se venera no lugar de Matozinhos , na Luzitania, em que se referem notaveis antiguidades deste
Reyno, dedicada ao mesmo Senhor e offerecida a elrey de Portugal D. João V por António Cerqueira Pinto,

12
situou o acontecimento a 3 de Maio de 124 . A Imagem foi levada para
a igreja paroquial de S. Salvador, então anexa ao Mosteiro de Bouças,
situado num pequeno vale a cerca de 2 Kms a leste da praia. Foram
vãs as tentativas de substituição do membro em falta. 50 anos mais
tarde, uma pobre mulher, mãe de uma filha surda-muda, levou para
casa lenha que apanhara na praia. Ao pô--la na lareira, verificou que
um dos fragmentos saltava sempre que para lá era atirado.
Estupefacta com o sucedido, mais terá ficado quando a filha, usando
pela primeira vez a sua própria voz, sugeriu que esse lenho fosse o
braço que faltava ao Senhor de Bouças. Transportado para a igreja do
Mosteiro e colocado no sítio logo se ajustou não mais sendo possível
notar-se ali alguma marca de junção.

A igreja do mosteiro de Bouças foi o primeiro templo em que se venerou a Imagem e

ali se processou o

seu culto até ao

século XVI. Situada

no lugar do mesmo

nome, a referência

mais antiga ao

Mosteiro aparece

num testamento de

944, em que um

frade doava uma

herdade à igreja de

S.Martinho de

Aldoar 4.

1. Portal do extinto Mosteiro de Bouças em 1889


Embora se

tratasse de um lugar

cidadão da cidade do Porto, academico supranumerario da Academia real da Historia Portugueza, Lisboa
Ocidental, na officina de Antonio Isidoro da Fonseca, impressor do Duque Estribeiro-mor, MDCCXXXVII, p.133.
4 Diz esse documento: “(…) et acessit in mea voluntate que conseigrase illa et fuit in presencia de domni
Gundesindi episcobi et in monasterio de Bauzas”.
ANTT, Livro Preto da Sé de Coimbra, P. M. H., Dipl. et Chart., nº 54.

13
retirado, nem por isso a fama dessa devoção se confinou à terra de Bouças. Rapidamente

se espalhou e poderá ter constituído o primeiro grande local de peregrinação do Norte de

Portugal. Um documento do século XIV, 1342, pertencente ao cartório do Mosteiro de

Oya, na Galiza, que refere um voto de uma senhora de Baiona que se obrigara a ir em

peregrinação ao Crucifixo de São Salvador de Bouças e a Santiago5, aponta para que este

culto já então ultrapassasse as fronteiras portuguesas e pudesse estar associado ao do

Apóstolo de Compostela. Esta ligação pressente-se noutra lenda local, a de Caio Carpo,

uma das explicações para a origem do topónimo Matosinhos. Segundo esta um jovem

romano, pagão, que festejava o noivado na praia, tentando provar a sua perícia entrou pelo

mar dentro a cavalo. Quando voltou à superfíce, encontrou, parado ao largo, um barco sem

tripulação e onde se encontrava o corpo de Santiago. No regresso à praia, coberto de

algas e vieiras, imediatamente o jovem se converteu e recebeu o baptismo. Todos os

presentes, espantados com o salvamento milagroso do amigo, seguiram-no na opção. Porque

o cavaleiro vinha todo “matisadinho” pelas conchas atribuiu-se o nome de Matosinhos

(corruptela de matisadinho?) ao local do acontecimento, por sinal o mesmo em que

posteriormente apareceria a Sagrada Imagem do Cristo atribuída a Nicodemus.

Da lenda de Caio Carpo existe uma versão galega que constitui uma das explicações

para a presença das vieiras na simbologia do culto de Santiago e que poderá ser mais um

indício da ligação entre as duas devoções. Assim a contam os galegos numa página da

Internet:

Se conserva tanto como en la ría de Vigo como en la vecina Portugal, una


leyenda similar para explicar la vinculación simbólica de las conchas de vieiras con
la peregrinación.

El emblema marino que los romeros portaban como muestra de su llegada a


Santiago figura asimismo en los blasones de diversas casas nobles, por ejemplo, en
el de los Pimenteis de Tras-os-Montes y otras casas nobles de Galicia y Portugal.

Caio Carpo Palenciano, salió a pasear por la ribera del mar con su esposa
Claudina Lopo Zalenco y demás familia. Cuando llegaron a la playa de Matosinhos,
cerca de Oporto, divisaron una barca que navegaba hacia el norte con firme rumbo
y sin tripulación. El caballo de Caio entró en el mar desbocándose, deseando

5 CLETO, Joel, Senhor de Matosinhos - Lenda, história, património, Matosinhos, Comissão de Festas do Senhor
de Matosinhos e Câmara Municipal de Matosinhos, 1995.

14
acercarse a la barca y, durante un tiempo que pareció eterno, todos pensaron que
jinete y caballo habían perecido en el Océano. Para consuelo de los presentes, a lo
lejos vieron saltar a ambos desde las aguas a la barca, totalmente cubiertos de
veneras. Por lo tanto, se puede decir que la vieira es el símbolo del nacimiento.

El milagro fue entendido en el sentido de que las conchas eran el símbolo de


quien había sido elegido y había experimentado el bautismo por inmersión.

Dichosa fue esta gente de Matosinhos en prodigios, pues allí llegaría


también, en este caso como etapa final, uno de los cuatro Cristos tallados por
Nicodemo, imagen huella que había ocultado los instrumentos de la Pasión. Lo había
tirado al agua y hasta allí viajó.

La historia de las conchas se encuentra recogida en "Os autos dos


Apóstolos", una recopilación del s. XVI que bebe en otro libro de vidas y pasiones
de los apóstoles del s. XV. Esta versión coincide totalmente con la gallega, incluso
en la toponimia: se cita el lugar de Bouças cerca de Matosinhos. La narración
responde a una explicación popular de la utilización de un símbolo pagano por la
romería jacobea 6.

Extinto o Mosteiro 7, a igreja de Bouças continuou a servir de paroquial para os

lugares 8
de Carcavelos, Lavadores, Linhares, Matosinhos, Pinheiro, Real e Sendim. Em

meados do século XV, a sua posse foi atribuída ao Conselho Municipal do Porto 9, por

ordem do então regente D. Pedro. 100 anos mais tarde, D. João III entregou o padroado

da Igreja de S. Salvador de Bouças à Universidade de Coimbra que, verificando as más

condições em que ela se encontrava, mandou construir uma nova. Considerada a redução

6Texto de José Carlos Cortizo Lopez na página web sobre Santiago de Compostela em
//members.tripod.es/camino/conchas.htm
7 A extinção do mosteiro ter-se-á verificado nos finais do século XIII. Em 1256, após a morte D. Mafalda (última
padroeira conhecida da igreja e do mosteiro), o padroado passara para a coroa. Em 1304, D. Dinis fez doação de
umas casas de Bouças que tinham pertencido à rainha D. Mafalda e, em 1308, entregou o padroado da Igreja ao
Bispo D. Geraldo Domingues. Em nenhum momento desses documentos se fazia já referência ao Mosteiro.
8 Designo aqui por lugares as antigas vilas medievais citadas nas Inquirições de 1258.
9 Em sessão camarária de 14 de Novembro de 1442, o conselho do Porto tomou conhecimento de uma ordem do
regente D. Pedro dirigida aos juízes da cidade para que fossem com D. Fernão Coutinho à igreja de Bouças e
tomassem posse dela em nome do rei, retirando-a a D. Gonçalo, sobrinho do referido D.Fernão: “[…] Eu mando a
Fernam Coutinho que convosco vaa logo a a Igreja de Bouças e requeira per huma carta que leva a dom Gonçalo
seu sobrinho que leixe logo a dicta posse despachadamente e a entregue a vos para a teerdes por elrey meu
senhor[…]. E que sto elle nom quiser fazer que a tomem per força e volla entrege. E porem vos mando que com a
gente dessa cidade que entenderdes que pera esto seera necesaria vaades com o dicto Fernam Coutinho e ajudes a
comprir esto que asy mando […]”.
AMP, Livro I de Vereações, fól. 154v.

15
demográfica da área onde se situava a antiga, optou-se por a levantar num lugar em que

melhor pudesse servir todos os paroquianos.

Esta escolha marca mais um momento em que a lenda disputa à realidade a

explicação dos factos. Segundo a primeira, a determinação do local foi deixado ao acaso.

Posta a Imagem num burro foi decidido que a Igreja seria construída no local em que ele

parasse pela primeira vez. Isso aconteceu no lugar então designado por Matosinhos,

relativamente afastado do sítio da primitiva Igreja. Historicamente, porém, a verdade é

outra. Dos setes lugares que constituíam a paróquia, Matosinhos começara já no século

XIII a distinguir-se dos outros pelo seu crescimento demográfico e económico. No

período que antecedera a Reconquista e durante esta, as populações vizinhas de zonas

litorais tinham-se fixado em áreas mais abrigadas do interior. Nos séculos XII e XIII, a

melhoria das condições de segurança, no Norte do país, possibilitou novo movimento em

direcção à beira-mar. De acordo com as informações recolhidas nas Inquirições de 125810,

a paróquia de Bouças tinha então 535 habitantes, sendo Matosinhos o lugar mais povoado,

com 175 habitantes, o segundo Sendim 11


com 105 e os terceiros Real e Lavadores com 85

cada um. Verificavam-se já, contudo, indícios de despovoamento de casais12 nos lugares

mais interiores sendo a taxa maior, 37%, respeitante exactamente a Sendim. Este facto

aponta para uma deslocação de gentes que se terá feito para Matosinhos, local situado

mais próximo do mar e da foz do rio, propício portanto ao desenvolvimento das actividades

marítimas e piscatórias. Em 1440, já o peixe de Matosinhos e Leça era vendido na Ribeira

de Miragaia 13. Nove anos mais tarde, em Abril de 1449, a Vereação da Câmara do Porto,

cumprindo ordens de D. Afonso V, ordenava que Matosinhos contribuísse com homens e

uma armada, indício evidente da existência de numerosos barcos, para a luta que este rei

travava com seu tio, o infante D. Pedro, e que culminaria, um mês mais tarde, na batalha de

Alfarrobeira 14.

Ambos estes factos revelam a importância crescente do lugar de Matosinhos, já

então ligado a Leça por uma ponte de pedra. Reconhecendo esse desenvolvimento, D.

10 LAGO BARBOSA, Isabel Maria, Raízes Medievais de Matosinhos – O Actual concelho de Matosinhos nas
Inquirições de 1258, in “Matesinus”, nº 4, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 2000
11 A igreja de Bouças situava-se num local entre Sendim e Real.
12 Casais eram pequenas propriedades exploradas por um núcleo familiar e com bens suficientes para o alimentar.
13 “ As pescadeiras que traziam os pescados de Leça e de Matosinhos e doutras partes os vendiam em o dito logo
de Miragaya”. Vereaçoens – anos de 1401-1449, in “ Documentos e Memórias para a História do Porto - XL”,
Porto, Câmara Municipal do Porto, Gabinete da História da Cidade, 1980.
14 “ Façaes dos dictos logares de Matosinhos e Zurara vyr a mais jente e melhor armada quese hi pode aver. Os
quaes se venham logo a essa cidade”, ob. cit., p. 415.

16
Manuel atribuiu-lhe foral, em 1514, documento em que são referidas, com grande relevo,

todas as actividades marítimas ali exercidas.

Do exposto se pode concluir que a verdadeira razão para a escolha do lugar de

Matosinhos como nova sede paroquial não foi obra do acaso ou da lenda, mas imposta pelas

novas circunstâncias sócio-económicas ali existentes.

O primeiro passo para a construção da nova paroquial de S. Salvador foi dado, em 1

de Julho de 1559, quando a Universidade de Coimbra estabeleceu um contrato com o

arquitecto João de Ruão. Apesar do empenho posto na obra, diversas vicissitudes levaram

a que apenas fosse dada como finalizada em 157915. Na capela-mor, revestida a azulejos,

como de resto todo o edifício, foi colocada então a venerada Imagem, num nicho do

retábulo

custosamente entalhado, conforme a praxe melhor daqueles tempos [...],


colocado com as bem delineadas imagens da soberana Virgem Senhora Nossa e de
S.João Evangelista ao pé da Cruz [ …] 16.

A partir de então ali se fixou o centro do culto ao Bom Jesus.

Chegada por mar, séculos antes, a Imagem voltara para junto do mar. A pouco e

pouco, o Senhor Bom Jesus de Bouças passou a ser denominado Bom Jesus de Matosinhos

e, pela mão e oração de quantos daqui partiram atravessando o oceano, penetrou em terras

distantes e velou por almas que talvez nunca tenham visto o mar ou sabido onde ficava

Matosinhos, mas que se acolheram à sua protecção.

15 Sobre a construção da igreja do século XVI aconselha-se a leitura de CLETO, Joel, ob. cit., pp. 49 a 52.
16 PINTO, Cerqueira, ob.cit., fól.189.

17
2.A CONFRARIA DO BOM JESUS DE MATOSINHOS

A nova igreja, situada na encosta de um outeiro suave, sem as construções

fronteiriças que hoje a escondem, era bem visível do mar e da foz do rio, tendo

constituído certamente um ponto de referência muito importante para marinheiros e

pescadores, sobretudo em dias de temporal ou em situações de perigo. Era a última igreja

de peregrinação que viam do mar ao partir e a primeira ao chegar. Do alto da sua cruz, no

novo altar, o Bom Jesus terá ouvido as preces dos que abalavam e os agradecimentos dos

que regressavam. Não admira, pois, que os homens do mar o tivessem adoptado como

padroeiro .

A devoção ao Bom Jesus pelas gentes de Matosinhos foi reforçada quando, em 1607,

mareantes freguezes desta


Igreja do Salvador de Bouças e
lugar de Mathozinhos, agardecidos
da merce que Deos lhes fes em lhe
trazer ao lugar do Espinheiro,
praya desta freguezia a imagem do
Bom Jezus, que com zello
catholico recolherão em a sua
parochia com o obsequio divido,
pera melhor a venerar instituirão
hũa confraria de mareantes 17.

Um Breve do Papa Paulo V,

concedendo-lhe indulgências, reconheceu-

a canonicamente em Novembro desse 2. Estatutos da Confraria


mesmo ano.

17 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fól. 6.

18
Segundo Marcelo Caetano,

no conceito medieval a confraria era uma associação voluntária em que se


agrupavam os irmãos para um auxílio mútuo, tanto no material como no espiritual.
No campo restrito dos mesteres há seguros indícios de que a afinidade da
profissão tenha conduzido ao agrupamento de ofícios na mesma associação
também designada por confraria e regulando-se por um compromisso (...).
Mantendo embora carácter religioso, cabia-lhe uma função de aspecto cívico, em
ordem à representação de um ofício junto da administração autárquica e da vida
pública (...). Quer em Lisboa, quer no Porto e noutras localidades, possuíam algumas
confrarias templos privativos. Quando assim não acontecia, o culto do seu orago
localizava-se em capelas privativas, instituídas nas igrejas paroquiais ou dos
institutos religiosos 18.

As causas que terão levado à formação desta Confraria são um reflexo do clima de

fervor religioso então vigente, estimulado pelos perigos a que estavam expostos todos

quantos tivessem que se arriscar em viagens marítimas e em aventuras nas terras

descobertas, e que, por isso, procuravam apoio celestial para os medos que os afligiam.

Esta preocupação aparece expressa nos ex-votos ingenuamente pintados que os

miraculados ofereciam, como forma da agradecimento, ao santo que os havia ajudado.

Tendo proliferado ao longo dos sécs. XVII e XVIII, existem inúmeros em vários locais do

país, quer em museus, quer em igrejas. Os mais antigos, cujo tema dominante eram os

perigos sofridos no mar, revelam uma forte devoção a Nossa Senhora. À medida que se vai

avançando no século XVIII, o Bom Jesus de Matosinhos passa a ocupar um lugar

importante nessas tábuas votivas.

18 CRUZ, António, “Confraria” in Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, 1971, I vol.,
pp. 667-8.

19
3. Ex-voto a N.S. dos Remédios -1656

4. Ex-voto ao Senhor de Matosinhos - 1746

20
Os primeiros estatutos conhecidos desta instituição foram redigidos

tardiamente, em 1680,

valendo-se de algũas memorias antiguas 19.

Posteriormente foram sujeitos à jurisdição real

como vassallos de sua Magestade que Deos guarde, [...] de cuja protecção e
direcção he esta sancta confraria de seu principio athe o prezente [...] approve e
confirme estes estatutos e compromisso20.

O alvará de confirmação, assinado por D. Pedro II, só foi concedido a 26 de Agosto

de 1688 21, desconhecendo-se a razão da demora na resposta .

Era obrigação dos irmãos o pagamento de uma quantia de entrada e de uma

prestação anual, pagável durante toda a vida. Em troca, a irmandade atribuía-lhes

inúmeras indulgências que lhes garantiam o perdão dos pecados e responsabilizava-se pelas

orações fúnebres, sufrágios e enterros, factor de grande importância para esta população

cuja forma de vida arriscada a tornava tão temente da morte.

Dirigida primordialmente aos homens do mar permitia a entrada de irmãos de terra

se agregarão à dita confraria outros, assim dos lugares e freguezias


circunvezinhas, como de outras mais remotas 22.

Contudo, numa demonstração inequívoca da sua característica de associação de

mareantes, proibia aos que o não fossem que ocupassem alguns cargos de oficiais da

irmandade, no caso em questão os de tesoureiro e de escrivão,

porquanto o bom governo e augmento desta confraria pella maior parte


consiste no thezoureiro e escrivão 23
[...] sejão sempre dos mareantes como
fundadores della e costume antiguo, e que sejão de bõa consciencia, dos mais

19 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fól. 1.


20 Id., fol. 6.
21 Id., fól. 41.
22 Id., fól. 5.
23 Id., fól. 13.

21
authorizados da terra, mais ricos e que milhor conta tenhão dado de si e se
prezuma delles a darão bõa da Confraria 24.

O respeito por este princípio era tão forte que o mesmo capítulo fixava que

faltando estes tais, em tal cazo poderão servir os officiaes velhos ,


25

thezoureiros e escrivão, outros annos, athe que venhão alguns irmãos de fora que
são mareantes; porque não he nossa tenção que nos cargos de Thezoureiro e
escrivão, sirvão homens da terra, senão homens maritimos, como fundadores e
instituidores desta sancta Confraria 26.

Esta autorização de maior continuidade dos tesoureiros e escrivães nos seus

cargos deve-se essencialmente ao facto de nessa altura os marinheiros permanecerem

ausentes durante longos períodos de tempo devido à demora das viagens que ligavam o

reino às colónias e feitorias dos dois lados do Atlântico e do Índico e nas quais muitos

mareantes de Matosinhos e Leça estavam envolvidos.

A partir da segunda metade do século XVII, abalado o comércio com o Oriente,

cresceu fortemente o do Atlântico, em direcção ao Brasil, orientado primeiro para

Pernambuco, Baía e, mais tarde, para o Rio de Janeiro. A riqueza de Portugal dependia do

açúcar e do tabaco brasileiro e do marfim de África. Nas colónias precisavam de produtos

manufacturados e alimentos que aí não existiam. Por outro lado, os engenhos de açúcar e

plantações baianas necessitavam da mão de obra escrava da Guiné e Angola. Os navios

partiam de Portugal com tecidos de linho, lã, baeta e sarja, utensílios domésticos,

ferramentas, vinho, azeite, manteiga, queijo, carne salgada. Para Luanda levavam

objectos para o tráfico de escravos – espelhos, contas e missangas. Para a Baía seguiam

artigos de luxo – sedas, brocados e porcelanas. Com os lucros das vendas comprava-se, em

Luanda, ouro, marfim e escravos e, na Baía, açúcar, tabaco (que já rivalizava com o açúcar),

couros (que envolviam os rolos de tabaco) e madeiras corantes. As riquezas implicadas

neste circuito explicam a frequência dos ataques dos piratas que constituíram sempre uma

24 Id., fól.14.
25 Deverão entender-se como Velhos os irmãos que tinham ocupado o cargo nos anos anteriores.
26 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fól.14.

22
ameaça contínua e tão grave que obrigava as esquadras comerciais a seguirem escoltadas

e juntas em comboio 27.

Segundo Fréderic Mauro

As rotas marítimas dependiam essencialmente dos ventos e das correntes


marítimas (…). É de notar que, na prática, as rotas tradicionais, encontradas
empiricamente pelos navegadores do século XVI, continuavam a ser seguidas com
aproximações. Depois de uma primeira volta (…), os navios alcançavam a latitude da
ilha da Trindade, ao largo do Brasil; em seguida, obliquavam em direcção à costa,
subindo ligeiramente no sentido da Bahia, um pouco mais ao norte para o Recife. O
regresso efectuava-se em linha recta em direcção à costa portuguesa (…). Isto
não excluía ventanias e tempestades que podiam afectar os navios até ao largo das
costas metropolitanas. Todavia, era na última etapa, em direcção às costas
brasileiras, que a navegação podia ser mais perigosa (…). Para mais, alguns navios
aproximavam-se o mais possível das costas, apesar dos riscos causados pelos
temíveis recifes dos Abrolhos (…). Era nesta zona, com o cansaço acumulado no
decurso de várias semanas no mar, que o perigo se tornava maior.
A travessia do Atlântico necessitava, em média, de 53 a 55 dias entre
Lisboa e a Bahia, e de 64 a 65 dias para se chegar ao Rio de Janeiro. No regresso,
era preciso, em média, uma centena de dias desde o Rio de Janeiro, com extremos
de 53 a 140 dias; requeriam-se cerca de 80 dias para a esquadra da Bahia (de 54 a
138). Tendo em conta o tempo necessário para o embarque das mercadorias ou das
eventuais reparações, os navios ficavam uma dezena de meses fora da Metrópole.
Era esta a duração teórica das voltas, ainda que acontecimentos imprevistos
chegassem a reter as esquadras 18 meses fora de Lisboa 28.

Outro motivo para a continuidade de tesoureiros e escrivães nos seus cargos era a

a grande taxa de mortalidade verificada nas viagens marítimas.

Não está feito o estudo das perdas de vidas e barcos de gentes de Matosinhos.

Mas muito numerosas terão sido. Relativamente às deslocações para o Brasil, no período

27 TÁVORA, Maria José; COBRA, Rubem Queiroz, Domingos Rodrigues Cobra – Procurador do Conde de
Assumar, Brasília, Ed. Athalaia, 1999, p. 32.
28 MAURO, Frédéric, Le Portugal, le Brésil et l’Atlantique au XVIIeme Siècle, citado por MARCADÉ, Jacques, O
Império Luso-Brasil 1620-1750 em Nova História da Expansão Portuguesa, Lisboa, Editorial Nova Estampa,
1991, vol. VII, parte I, pp. 59-60.

23
de 1618 a 1681, Óscar Fangueiro, a partir de um estudo feito sobre os Livros dos

Assentos de Matosinhos e Leça, diz que

Os mortos no Brasil, quando não foram em viagem, foram-no em lutas


contra os holandeses, que só terminaram com a sua expulsão em 1654 29.

As mortes no mar estavam ligadas ainda às más condições de habitabilidade,

higiene e alimentação, aos enjoos frequentes, surtos epidémicos, rixas, sobrecarga, má

navegação, tempestades, incêndios e naufrágios. Relativamente ao século XVII, conhecem-

se muitos acidentes ocorridos no Atlântico com barcos da carreira da Índia que, no

regresso, passavam pelos portos brasileiros e africanos a fim de embarcarem produtos

que os pudessem ressarcir dos maus negócios do Oriente. Como mero exemplo entre

tantas centenas, passo a citar quatro casos. O primeiro é o da nau Bom Jesus, do capitão

António Barroso que, em 11 ou 16 de Agosto, naufragou na Baía, salvando-se, contudo

tripulação e carga, tendo esta sido enviada para Lisboa em embarcações mais pequenas 30
.

O segundo é o da nau Nossa Senhora da Conceição, do capitão Francisco de Sousa Pereira,

que se perdeu junto ao Cabo S. Agostinho, em 1 de Maio de 1614, tendo morrido parte da

tripulação e desaparecido toda a carga 31


. Em 1627, a nau Nossa Senhora da Guia, de

Lourenço Mouzinho foi tomada pelos holandeses à saída de Pernambuco, em 31 de Outubro

de 1628. A tripulação sobrevivente foi presa pelos atacantes 32


. O mesmo sucedeu, em

1653, à nau Nossa Senhora da Penha de França, de Pedro Botelho 33 .

Todas estas circunstâncias explicam a preocupação da Confraria em permitir a

persistência de tesoureiros e escrivães nos seus cargos por períodos mais latos do que os

outros mesários evitando assim interrupções de actividade em áreas essenciais ao bom

funcionamento dos serviços.

29 FANGUEIRO, Óscar, A população de Matosinhos e Leça nos séculos XVI e XVII, in “Boletim da Biblioteca
Pública Municipal de Matosinhos”, nº32, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 1988.
30 GUINOTE, Paulo; FRUTUOSO, Eduardo; LOPES, António, Naufrágios e outras perdas da “carreira da
Índia” – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1998, p. 239.
31 Ob.cit., p. 240.
32 Ob.cit., p. 248.
33 Ob.cit., p. 257.

24
5.Ex-voto ao Senhor de Matosinhos por milagre nas
costas da Baía – século XVIII

Durante as viagens os irmãos eram apoiados frequentemente pelos “mordomos do

mar” , representantes da Confraria que seguiam embarcados e que aproveitavam as


34

circunstâncias perigosas que se viviam nos navios e durante as travessias para, entre os

seus colegas de ofício e passageiros, recrutarem mais irmãos.

Não há devoção sem Romaria. Uma das obrigações que os Estatutos impunham era

a realização da festa anual do padroeiro. No Capítulo II ordena-se que anualmente se

festeje o Bom Jesus

mais devota e solemnente que for possivel, na segunda octava do Espírito Sancto 35,

determinando-se todo o cerimonial de igreja e o percurso da procissão. A realização

da Romaria seria, no entanto, bastante anterior à redacção dos Estatutos pois, ao

tratarem da eleição da mesa, no capítulo IV, parágrafo 1º, se refere que esta

34 Era costume da Confraria designar alguns dos seus confrades para angariarem irmãos e esmolas para a
Irmandade. Chamavam-se “mordomos de mar” os que exerciam a sua actividade nos barcos em contraposição aos
“mordomos de terra” que representavam a irmandade em Matosinhos, arredores e até mesmo em locais mais
afastados da metrópole. No século XIX as funções dos “mordomos de mar” foram em grande parte atribuídas a
alguns comandantes dos navios .
35 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fóls. 8-9.

25
pera juis e novos officiais se fará todos os annos no domingo antecedente ao
da festa do Espirito Sancto, ou ao menos o mais tardar no mesmo dia do Espirito
Sancto, pera se publicar em a segunda octava, na qual se festeja o Bom Jesus 36.

A sequência do mesmo capítulo revela que a festa era muito concorrida pois a

eleição

não he possivel fazerse em o dia da festa, em que he notavel e excessivo o


concurso da gente 37.

Esta referência à festa do Bom Jesus de Matosinhos, redigida em 1680, e duas

fontes impressas, uma das quais anterior a essa data, vêm por em causa a versão, que até

agora tem sido a oficial, que fazia coincidir a origem da Romaria com os festejos com que,

em 1733, foi celebrada a entronização da Sagrada Imagem no novo altar-mor, após a

redecoração então efectuada.

No seu livro “Agiologio lusitano dos sanctos e varoens illustres em virtude do

reino de Portugal e suas conquistas”, impresso em 1666, Jorge Cardoso refere

e no dia de sua festa, que he na segunda octava do Pentecoste, em que avia


mais de 20 mil almas o anno de 61, quando nos achamos nella 38.

Uma outra fonte, a obra do Padre António Carvalho da Costa, esclarece,

relativamente a 1691, que

no dia de sua festa, que he na segunda Oitava do Espírito Santo, vem em


romaria a esta igreja mais de vinte & cinco mil pessoas, como nós vimos no anno de
1691, quando nos achamos nella 39.

36 Id., fóls. 11-12.


37 Id.
38 Lisboa, 1666, Tomo III, p. 626.
39 COSTA, Padre António Carvalho da, Corografia potugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de
Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem, varões illustres, genealogias
das famílias nobres, fundações dos conventos, catálogos dos bispos, maravilhas da natureza, edifícios & outras
curiosas observaçoens, Braga, 2ª edição, 1868.

26
Considerando que os Estatutos mencionavam que a Romaria se teria de realizar na

segunda oitava do Pentecostes e que esta festa se celebra 50 dias depois da Páscoa, terá

de recair obrigatoriamente entre 10 de Maio e 3 de Junho 40


. Ora as solenidades de 1733

ocorreram, sob a forma de tríduo, entre 3 e 5 de Maio, portanto em período em que,

liturgicamente, não seria possível ocorrer o Pentecostes. O que terá acontecido é que para

a entronização da Imagem a Mesa da Confraria terá escolhido o dia 3 de Maio, data da

festa da Invenção da Santa Cruz que celebra a entrega da Cruz do Salvador aos cristãos,

em 328, após a vitória de Heráclito contra os persas. Afastada está assim a hipótese de

naquele tríduo radicar a origem da actual festa.

O critério da marcação do dia da nossa Romaria continua, porém, por esclarecer. Os

Estatutos da Confraria nada referem sobre a sua origem. Mas não nos podemos esquecer

que estes foram elaborados sobre “memórias antigas” por se terem perdido muitos

documentos anteriores, entre os quais está o Breve Evangélico, de Novembro de 1607,

com que Paulo V reconheceu a existência da Irmandade e determinou quais as indulgências

a conceder aos irmãos que a ela se associassem. Dele só existem cópias posteriores

impressas e pouco correctas. Como se sabe, a atribuição destes indultos, que concediam

absolvição de pecados aos vivos e perdão, sobre a forma de sufrágios, aos mortos,

estabelecia uma série de requisitos que os fiéis deveriam cumprir para as obter. Entre

eles contava-se a visita ao Santuário da Irmandade em data estipulada pelo documento. Ao

longo dos séculos XVII e XVIII, era um princípio habitual que a determinação do dia da

festa fosse estabelecida pelo Breve Papal que criava as irmandades. Assim a referida

perda do documento original do Breve de Paulo V para a Confraria de Matosinhos constitui

um impedimento para o esclarecimento desta situação.

O facto de ter sido escolhida a segunda oitava (cada um dos oito dias após o

Pentecostes era designado por oitava) poderá ter a ver com uma ligação à festa do

Espírito Santo, em Matosinhos, realizada possivelmente também sob a forma de tríduo e

cujo encerramento tivesse sido escolhido ou determinado pelo Papa para festa do Senhor.

Isso justificaria o facto de, no Brasil, muitas das igrejas que praticam a devoção ao Bom

Jesus de Matosinhos, para além da Romaria anual, que é celebrada noutra altura do ano,

40 “A festa da Páscoa, que é o centro do ano eclesiástico, celebra-se sempre depois do 14º dia andado da lua de
Março. Mas o 14º só se conta a partir do dia 21 de Março, de sorte que, se a lua cheia (plenilúnio) vier antes do dia
21, para os efeitos litúrgicos não se contará do dia em que vier, mas do dia 21. Donde resulta que a Páscoa oscila
sempre entre 21 de Março e 25 de Abril”, in LEFEBVRE, D. Gaspar, Missal quotidiano e vesperal, Bruges, Desclée
de Brouwer & CIE, 1957.

27
festejarem também o Divino Espírito Santo, com grande solenidade, provável sinal de que

ambos os festejos lhes poderão ter chegado em conjunto.

A preservação do templo e a Romaria constituem ainda hoje dois aspectos muito

importantes para a religiosidade popular. Na Idade Média, as Romarias representavam

para o homem a concretização, em vida, da jornada que faria a caminho do Além, depois de

morto. Como a natureza humana não lhe permitia contactar directamente com Deus,

servia-se de seres que, por meio da purificação, já tivessem passado a ter assento na

corte celestial e que actuassem como intermediários entre ele e a Divindade superior.

Neste contexto, ao longo dos séculos, foi crescendo a importância do Santuário que,

no imaginário popular, aparecia como casa do Santo 41


. O local escolhido para a sua

construção foi sempre um espaço que de alguma forma ele tornara sagrado, quer por aí ter

vivido ou passado, quer pela existência de uma imagem, de uma relíquia ou de uma história

a seu respeito. O simples facto de estar na presença destes testemunhos aproxima de tal

modo o crente à figura celeste que o faz sentir como um membro privilegiado da sua

intimidade, facilitando a comunicação entre ambos através da oração. Ali o romeiro

integra o Santo no seu quotidiano e dirige-se a ele como a qualquer dos seus

conhecimentos, pedindo favores, agradecendo outros já recebidos, recriminando-o pelo

seu desapoio ou levando ofertas. É no campo destas que é mais visível o modo como a vida

diária do romeiro está ligada à figura do seu orago. Basta para isso observar a natureza da

maior parte das dádivas que existem nos santuários: objectos de culto e de adorno pessoal

(de jóias a madeixas do próprio cabelo), cereais, figuras humanas e animais de cera, etc.

Sendo a visita a esse espaço sagrado um momento importante da devoção, impõe-se

que ele esteja envolvido em aparato e riqueza para impressionar ainda mais fortemente os

fiéis. Esta tradicional e secular atitude perante o Santuário explica a preocupação sobre o

embelezamento da Igreja demonstrada pelos fundadores da Confraria do Bom Jesus de

Matosinhos que

a fizerão tão opulenta que ornandose a Igreja e fazendose hum tecto grave
e arteficiozo, e retabolos ao moderno munto lustrozos acompanhados de sete
alampadarios que estão diante da Sagrada Imagem, fora outros que alomeão a
outras capellas, que fazem a Igreja hũa das mais formozas do Bispado, e ainda se
continua com obras, e demais tem outras pessas de prata e requissimos

41 Santo aparece no texto simbolizando todo e qualquer ser de culto cristão: Jesus, Maria ou os santos em geral.

28
ornamentos e em tudo se tem despendido nestas obras mais de cincoenta mil
cruzados 42.

Esta referência nos Estatutos, em finais do século XVII, à opulência da igreja de

Matosinhos e à determinação da Mesa em continuar com as obras de decoração, leva a

supor a posse de valiosos bens. Não é possível conhecer o grau de entesouramento da

Confraria conseguido até então por causa da perda de muitos documentos. Este extravio

era tão preocupante que obrigou a que se determinasse que

por nenhum modo se appensem livros, nem estatutos a alguns autos, e munto
menos vão fora da Confraria; porque por estes cazos se tem perdido muntos livros
de consideração, pello que sendo necessarios se tirem treslados ou certidões 43.

Em princípio, o fundo da tesouraria era constituído pelo pagamento das entradas e

anuais dos irmãos assim como por esmolas. As primeiras dependiam da idade e da vontade

pessoal de cada um. Inicialmentemente um menor de 30 anos pagava de entrada 200 reis e

1000 por sua morte. A quantia aumentava com a idade de cada candidato. Como referi

anteriormente não se conhece nenhuma documentação entre 1607 e 1681 pelo que só é

possível obter uma ideia da actividade da Confraria, nessa época, através dos primeiros

Livros de registo de irmãos que contêm traslados de alguns assentos anteriores. Uma
contagem através dos três primeiros livros permitiu comprovar que, ao longo do período

considerado, só dos lugares de Matosinhos, Leça, aldeias dos arredores , S. João da Foz,
44

Ouro, Massarelos, Miragaia, Porto e Vila do Conde entraram como irmãos pelo menos 1177

pessoas. No entanto é de referir que há inscrições de muitos outros lugares do país.

Como as entradas e anuais só por si não seriam suficientes para manter o esplendor

da igreja, os estatutos determinavam que

a qual (igreja) augmentarão com largas esmollas offerecidas assim por elles,
como por outros navegantes e devotos christãos 45 .

De que outros navegantes e cristãos falaria este capítulo?

42 ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fóls, 5-6.


43 Id., fól. 24.
44 Estas aldeias eram na sua maioria os lugares rurais do julgado medieval de Bouças.
45ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças, fól. 7.

29
Segundo Cerqueira Pinto

Nem só de todo este Reyno, e suas dilatadas Conquistas; mas de toda a


parte em que se achaõ, ou já negociantes, ou pelo comercio, e comodos de vida
existentes, favorecidos devotos desta Imagem soberana, concorrem enviadas a
seu Templo multiplicadas importantes offertas. E sendo Deos Omnipotente, o que
aos homens dá tudo, o que por este meyo admiravel lhe comunica por tentosos
beneficios, se diga inefavel, pelo sublime atributo de sua benigna clemencia, que se
denominem esmolas todos estes efeitos do devido agradecimento. De tudo resulta
hum perene producto de rendosos emolumentos, com que o referido culto, e
precioso adorno se conserva, e se augmenta a perpetuar em egregios monumentos
[...] 46.

Considerando que, fora dos limites do território metropolitano, os referidos Livros

de Entradas apenas mencionam a existência de confrades na nova colónia portuguesa da


América47, que revelava já a sua imensa riqueza face ao débil lucro do comércio oriental,

será que era daí que a Mesa da Confraria esperava que viessem as esmolas de que

precisava ?

46 PINTO, Cerqueira, ob.cit., p.223.


47 Não encontrei nenhuma referência a irmãos residentes em qualquer outro lugar do Império.

30
3.O BRASIL DE MEADOS DO SÉCULO XVII A MEADOS
DE XVIII – Enquadramento histórico

Quando, em 1607, a Confraria do Bom

Jesus de Bouças foi criada, já se iniciara no

Brasil a fixação da população que do

continente para lá se deslocara.

Os primeiros arraiais 48
, dedicados

essencialmente ao comércio do pau-brasil,

tinham-se espalhado ao longo da planície

costeira, sendo Filipeia, nas margens do rio

Paraíba, o ponto mais a norte, e S.Vicente o

extremo sul.

A este período da história do Brasil,

que foi marcado pelos ataques dos franceses


6. Costa do Pau-Brasil
ao comércio do pau-brasil, principal fonte da

economia da época, seguiu-se o ciclo do açúcar, caracterizado por um grande impulso

económico.

Atendendo aos bons resultados conseguidos na Madeira, D. Manuel mandou

introduzir esta cultura na colónia americana. Para isso buscaram-se os solos fecundos da

floresta tropical que se restringiam a uma faixa costeira com 30 a 60 kms de largura que

coincidia com a área onde estavam instaladas as feitorias do pau-brasil. Em 1532, foi

levantado o primeiro engenho em S. Vicente, e, em 1538, o de Nossa Senhora da Ajuda,

perto de Olinda, em Pernambuco. Dali espalharam-se pela Baía.

Contudo a riqueza obtida atraiu inimigos. Desde o início da empresa da cana do

açúcar que os holandeses nela participavam activamente obtendo grandes lucros com a

colocação do açúcar na Europa. Com o estabelecimento do governo castelhano em Portugal,

foram impedidos pelos seus rivais espanhóis de prosseguirem esse comércio. Restou-lhes,

48 Em Minas Gerais o termo designava as primitivas povoações que se foram formando e fixando durante o
processo da colonização. Auguste de descreve-os assim : “a palavra arraial, em seu verdadeiro sentido significa
um local de acampamento, porque, na realidade, os primeiros mineradores não faziam mais do que acampar;
entretanto a grande quantidade do ouro por eles encontrada em certos lugares levou-os a aí se fixarem, e a palavra
arraial acabou, pouco a pouco por perder o seu sentido original” in Voyages dans l’intérieur du Brésil. Voyages
dans les Provinces de Sain-Paul et de Sainte Catherine, Tome second, Paris, Arthus Bertrand, Libraire-éditeur,
1851, p. 243, citado por FONSECA, Cláudia Damasceno, Ob.cit., n. 4, p. 99.

31
assim, a opção da invasão. Conquistada a Baía, em 1624, foram de lá expulsos um ano

depois pelos espanhóis. 5 anos mais tarde fizeram nova tentativa em Pernambuco, então o

maior centro produtor de açúcar da colónia e do mundo. O governador local, Matias de

Albuquerque, após várias derrotas, abandonou Olinda, o centro do poder da região, e

refugiou-se a curta distância, no Arraial do Bom Jesus, a meio caminho entre aquela

cidade e a do Recife, que lhe servia de porto, e era então apenas um lugarejo de

comerciantes portugueses. Instalados nas povoações abandonadas, os holandeses

estenderam o seu domínio a todo o Nordeste. Após a Restauração de 1640 e, se bem que

Portugal tivesse um bom relacionamento com a Holanda que, inclusivamente, o havia

ajudado na luta contra Castela, problemas locais relativos ao comércio açucareiro e a

incompatibilidades religiosas, levaram a uma revolta, dirigida pelos senhores dos engenhos,

contra os holandeses, que ficou conhecida como Insurreição Pernambucana e que culminou

com a expulsão dos invasores, em 1654. Até 1670, o açúcar continuou em alta. Contudo, os

holandeses que, entretanto, se tinham sediado nas Antilhas, passaram a produzir ali

açúcar que colocaram na Europa a um preço muito mais baixo o que criou graves problemas

à produção brasileira.

Até finais do século XVII, a importância do açúcar e a ignorância da existência de

veios de ouro e diamantes no interior continuou a fixar o povoamento no litoral de terras

propícias à cultura açucareira e com bons locais para o seu escoamento. Ali se fundaram as

cidades e vilas de S.Vicente, Salvador (na Baía), Rio de Janeiro e Olinda (Pernambuco),

núcleos pequenos, de que se destacava a igreja, a Câmara municipal, a cadeia e o

pelourinho, este como símbolo da autoridade e justiça do rei. A exploração para o interior

era, então, muito reduzida e apenas a vila de S. Paulo de Piratininga, actual S. Paulo, se

organizara como polo ocidental de povoamento. Afastada do litoral e dos mercados

consumidores pela Serra do Mar, o isolamento geográfico e económico tornara esta vila

asilo de desertores, fugitivos e estrangeiros; o político criara um sentido de autonomia,

liberdade e revolta frente às autoridades do reino; e, por fim, o social levara ao abandono

dos costumes europeus e desenvolvera a mestiçagem 49


numa sociedade que trocara o

português pelo tupi. A população vivia do cultivo da terra, para o que apresava indígenas;

da caça e pesca; e, à falta de moeda, praticava a troca directa nos contratos económicos.

49 Do cruzamento com os índios surgiram os mamelucos.

32
Apesar da permanência de tráfico na rota do Cabo para a Índia, a
conjuntura favorável da colónia portuguesa na América do Sul fomentou, a partir
de finais do século XVI um vasto movimento migratório a partir da metrópole que,
em vagas, não mais parou até ao século XX 50.

Entre 1500 e 1640, terão rumado para o Brasil 100.000 portugueses, estimando-se

a média em 500 por ano. Este êxodo, inicialmente facilitado pela Coroa, aumentou de tal

modo, na segunda metade deste último século, que obrigou à sua regularização através de

4 medidas legislativas.

A importância do açúcar nos rendimentos da coroa fizera com que os donos de

engenhos recebessem privilégios tais que se tornaram rapidamente na nobreza local e

passaram a comportar-se como classe dominante até ao aparecimento dos barões do café,

no século XIX. Com o açúcar e a necessidade de importar mão-de-obra que substituísse os

índios, de débil constituição física, permeáveis às doenças dos brancos e sempre

revoltados contra o trabalho servil, surgira a importação de escravos da costa africana,

que tornou o Brasil a maior colónia esclavagista do mundo ocidental.

Em finais do século XVII, verificou-se um período de alta na produção de açúcar

coincidente com as primeiras notícias seguras do aparecimento do ouro.

Nos dois últimos séculos, os reis portugueses tinham assistido a um enorme

derramar de prata na Europa trazida pelos espanhóis das suas possessões sul americanas.

Segundo a mentalidade da época

ouro e prata eram os metais mais adequados para acumular riqueza; eram
duráveis, podiam ser transformados sob qualquer forma sem prejuízo, e tinham
grande valor em proporção ao volume. Sendo o dinheiro do mundo, representavam a
forma de troca mais imediata para todas as coisas e a que mais rápida e
seguramente se aceitava em pagamento de todos os serviços 51.

Assim se explica o enorme interesse que havia em descobrir esses metais no Brasil .

50 SERRÃO, Joel, “ Emigração” in Dicionário de História de Portugal, Porto, Liv. Figueirinhas, 1971, II vol., pp.
20-21.
51 www.ars.cim.br/projetos/ibrasil/1998/item01.htm.

33
As primeiras notícias sobre o conhecimento da existência do ouro datam de finais

do século XVI, na vila de S. Paulo, da capitania de S. Vicente. Sendo de pouca monta não

foi continuada a exploração. O isolamento sócio-económico desta capitania tinha obrigado

os seus habitantes a procurarem noutras paragens condições que melhorassem a sua

situação de empobrecimento. Por isso dali partiram as Bandeiras, expedições que,

inicialmente destinadas a apresar indígenas para o trabalho do campo, mais tarde tomaram

como objectivo a busca de pedras e metais preciosos. Terá sido na margem do Rio das

Velhas, próximo às actuais cidades de Sabará e Caeté, que os paulistas descobriram as

primeiras importantes jazidas de ouro, nos finais do século XVII.

A novidade dessa descoberta rapidamente chegou a Portugal provocando um novo e

enorme afluxo de emigrantes para o Brasil em busca das sonhadas riquezas.

Essa aventura de garimpo fez avançar a colonização brasileira do litoral para o

interior. À riqueza que já se vivia em madeira e açúcar vinha-se agora juntar a esperança

dos metais e pedras preciosos. Paralelamente verificou-se um desenvolvimento do litoral

envolvido no negócio como intermediário .

Nesse percurso participou gente de Matosinhos e a devoção ao Bom Jesus foi-se

divulgando pela mãos de marinheiros e colonos.

34
4. A CONFRARIA DO BOM JESUS DE MATOSINHOS NO
BRASIL

4.1. A religião cristã no Brasil colonial

À medida que as Descobertas se iam processando, a Coroa portuguesa, com o apoio

de consecutivas bulas papais, tomou nas suas mãos a propagação do cristianismo nas terras

conquistadas garantindo para si o direito de padroado o que lhe permitia não só a criação

das igrejas como também a manutenção do culto, a nomeação de bispos e párocos e a

arrecadação do dízimo nesses territórios. Até ao princípio do século XVIII apenas

existiam 3 bispados (Rio de Janeiro, Olinda e S. Luís do Maranhão) e cerca de 140

paróquias. Em 1720, foi erigido o de Belém e, em 1745, as dioceses de S.Paulo e Mariana.

Durante o século XVIII, as paróquias multiplicaram-se, se bem que em número

insuficiente. No final do século, cada pároco atendia um elevado número de fiéis que, em

muitos casos, atingia os milhares e que eram obrigados a grandes e difícieis deslocações

para cumprirem os seus deveres religiosos. As paróquias estavam sediadas numa igreja

matriz. Quando eram muito populosas a elas se anexavam igrejas filiais e capelas.

A vida religiosa marcava profundamente o contexto social da época. Era em


torno das igrejas que se desenvolvia a vida de cada localidade durante as novenas, as
festas do padroeiro e a Semana Santa. Em geral eram os fiéis leigos (não
sacerdotes) que orientavam o povo e “puxavam” as orações. O fato, que é geral no
Brasil, explica a religiosidade de cunho marcadamente popular e devocional do
catolicismo brasileiro que valorizava, e ainda valoriza, mais do que as missas, as
novenas, procissões, terços e romarias 52.

Em nenhum momento a Igreja portuguesa teve no Brasil a força que a espanhola

teve nas suas colónias da América do Sul. Os agentes de evangelização, ordens religiosas e

padres seculares, foram, antes de mais, executores do projecto de colonização da coroa .

Segundo Caio César Boschi:

52 BONATTI, Pe. Mário, A presença cristã no vale do Paraíba, inserido em www.unisal-lorena.com.br. A


transcrição de textos de autores brasileiros será sempre feita em itálico e respeitando a grafia original.

35
Ao aportar no continente americano (a Igreja) já era submissa ao Estado, e
o longo período de colonização só veio fortalecer e consolidar tal submissão.
Dependente e aliada do poder, distante das camadas sociais dominadas, a Igreja
não permeou os contactos entre Deus e os fiéis. Se o Brasil foi campo de acção
missionária, essa não pode ser aqui entendida como missão de libertação, pois se
desconhece obra pastoral junto à população (…).Transformou-se, pois, a carreira
eclesiástica numa carreira de funcionalismo público 53.

A reforma do Concílio de Trento, que proclamava uma devoção interna menos

ligada aos ritos litúrgicos e mais ao comportamento quotidiano dos indivíduos e à pureza da

doutrina, não chegou muito cedo ao Brasil onde, para além de um clero pouco preparado e

herdeiro das tradições de fé medievais, o padroado da Coroa era profundamente inibidor

de uma presença mais activa da Igreja entre os fiéis. A religião, em vez de formar

cristãos, preocupava-se em assegurar-lhe vantagens terrenas. Todos os momentos de

aflição pessoal ou colectiva - doenças, catástrofes, etc. - eram ocasião para a invocação

dos santos. A própria salvação eterna era garantida mais pela prática dos sacramentos e

realização dos ritos funerários do que por uma postura cristã

de vida.

Esta atitude perante a religião explica

A proliferação de imagens sacras em


oratórios espalhados pelas casas, ruas e altares, às
quais eram dirigidas súplicas em tom coloquial (...). Daí
as promessas e romarias aos santuários. Daí as festas
e procissões. Daí também a dificuldade de distinguir o
cristianismo das tradições indígenas e africanas,
7. Oratório de rua
responsável pelo chamado sincretismo que caracteriza
as práticas religiosas no Brasil até hoje 54.

53 BOSCHI, Caio César, Os leigos e o poder (Irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais), S.
Paulo, Editora Ática, 1986, p. 63.
54 www.area-educativa.hpg.com.br.

36
4.2. O papel das Irmandades

Temendo que as ordens religiosas regulares se envolvessem na política e no

contrabando do ouro, a Coroa proibiu a sua fixação no território de Minas Gerais. Nesta

perspectiva, os leigos adquiriram uma maior liberdade para organizarem as suas devoções

e chamarem a si actividades e responsabilidades que competiam à Igreja. A inexistência

de mosteiros ou conventos para recolhimento, levou a população a filiar-se em irmandades

e confrarias que surgiram com muita força e se multiplicaram ao longo do século XVIII.

Inspiradas pelo culto a um santo padroeiro, sediaram-se em igrejas ou altares e tiveram a

sua origem em meras reuniões de devotos. Depois de organizados, os confrades ou irmãos

substituíram os representantes da igreja na divulgação da fé e em acções filantrópicas.

Por essas actividades recebiam indulgências que lhes garantiam perdão dos pecados,

socorro quando dele necessitavam e os ajudavam a “bem morrer” 55


prestando-lhes os

serviços fúnebres em geral: o enterro e os respectivos sufrágios.

Por toda a colónia se espalharam as irmandades apoiadas pela igreja que garantia

desse modo, sem esforço da sua parte, a divulgação e o apoio material ao culto.

Ao agregarem-se numa confraria, os fiéis evitavam também a marginalização visto

que, através delas, se enquandravam nos respectivos estratos sociais e raciais da

sociedade colonial. Nelas se organizava a vida social daquele tempo, que gravitava à volta

das cerimónias e acontecimentos religiosos. As suas festas e procissões, frequentes e

participadas, quebravam a monotonia e eram ocasião de sociabilidade.

Todos os acontecimentos, do nascimento à morte eram comemorados nas


confrarias e quem estivesse fora delas seria olhado com desconfiança, privado do
convívio social, quase apátrida 56.

Existiam irmandades para brancos (ricos, remediados e pobres), para negros e,

como necessidade imposta pela miscegenação, para mulatos ou pardos. As primeiras

instituições desse tipo a estabelecerem-se no Brasil foram as Misericórdias. As do

55 CAMPOS, Adalgisa Arantes, “A morte, a mortificaçaõ e o heroísmo: o “homem comum” e o “santo” na


capitania das Minas” in “IFAC”, nº 2, 22 Dez. 1995, UFOP.
56 www.ars.com.br.

37
Santíssimo Sacramento eram as mais procuradas pela elite branca, enquanto os pretos se

uniam sobre a sombra protectora de Nossa Senhora do Rosário ou de S. Benedito57.

Contemporâneas da formação dos arraiais e fixação dos povoadores, a elas se deve

frequentemente a construção das primeiras capelas e igrejas.

Para além da tradicional ajuda espiritual e material aos confrades, a construção de

locais de culto próprios era um dos grandes objectivos das irmandades que colocavam

normalmente a imagem do seu santo num dos altares laterais das matrizes cujas paredes

tinham, por vezes, de oito a dez altares reservados aos santos das variadas instituições.

Mas nalgumas localidades, como no caso de Vila Rica (Ouro Preto), estas eram mais

numerosas do que os lugares disponíveis naqueles templos. Por isso muitas delas,

procediam à construção de igrejas próprias para albergar os seus oragos. Com o passar do

tempo, a propriedade de uma igreja, tornou-se uma questão de posição para as

irmandades. As que possuíam altares nas matrizes, buscavam sempre arrecadar dinheiro

para a construção de sua própria igreja. Concluída esta, para ali levavam o seu santo e

punham, por sua vez, altares à disposição dos padroeiros das suas congéneres.

Na tentativa de expressarem a maior importância da devoção privativa, foram

surgindo disputas entre as irmandades um pouco por todo o lado do território de Minas.

Cada uma tentava impôr-se pela construção de igrejas cada vez mais belas, não

dispensando esforços para contratar os melhores artífices, entalhadores, pintores e

construtores, da colónia e do reino. Por vezes a beleza de uma igreja era medida pela

quantidade de obras que abrigava. Isto contribuiu para a criação de composições

artísticas inspiradas em motivos sacros, a característica principal do barroco mineiro, e

facilitou o aparecimento de artistas que se notabilizaram como figuras ímpares a nível da

arquitectura, das artes plásticas e da música. Entre eles será de enumerar o Aleijadinho,

António Francisco Lisboa, seu pai, Manoel Francisco Lisboa, ou então mestre Ataíde, sem

esquecer tantos outros que deixaram as suas marcas nas igrejas e matrizes da capitania

.
58

O êxito das confrarias em terras brasileiras induziu algumas das portuguesas a

estabelecerem ali filiais. Outras estenderam a sua acção àquela colónia através da

angariação de irmãos, recolha de esmolas, difusão da respectiva devoção, mas conservando

sempre a ligação à sede portuguesa. Entre estas últimas está a do Bom Jesus de

57 Sobre as Irmandades ver BOSCHI, Caio César, ob. cit. e MULVEY, Patrícia A., “Irmandades” em SILVA,
Maria Beatriz Nizza da, ob.cit., p. 445.
58 //drianos.vila.bol.com.br, www.asminasgerais.com.br, wwwi.phan.gov.br.

38
Matosinhos, que, sem alguma vez instalar uma representação no Brasil, ali enraizou o seu

culto e recolheu fartas esmolas. A partir de 1779, apareceram na colónia irmandades da

mesma devoção, mas cuja acção foi apenas de âmbito local, com compromissos próprios,

aprovados por Breves Apostólicos exclusivos, partilhando com a metropolitana apenas o

culto ao padroeiro.

Como instrumento de agregação de todos os católicos, as irmandades

transformaram-se em importante instrumento de poder político e em motor de uma

enorme revolução cultural.

4.3. Irmãos da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

Devido ao envolvimento em actividades marítimas da maioria da população

masculina, a presença de gente de Matosinhos no Brasil ter-se-á verificado desde muito

cedo. Óscar Fangueiro, ao estabelecer a listas dos óbitos de matosinhenses e leceiros

fora da sua terra, relata que entre 1618 e 1681 tinham morrido 31 homens no Brasil ou na

viagem de ida. Um dos que falecera, em 1648, remetera muitos bens de lá. A propósito de

mortes estranhas, menciona dois casos cujas notícias aqui chegaram em 1616 – o de um

homem que fora comido pelos índios e o de outro que morrera às mãos dos franceses no

Maranhão que

o mataram e botaram ao mar 59.

Na impossibilidade de fazer uma avaliação, mesmo que aproximada, do número dos

devotos do Bom Jesus de Matosinhos que se deslocaram para o Brasil a partir do século

XVII, utilizei como amostra para esta pesquisa o universo dos irmãos da Confraria que se

sabe já aí residirem nessa época e para o qual existem algumas preciosas fontes

documentais - os Livros de Entradas dos irmãos e o Livro dos irmãos falecidos.

Será de admitir que, praticamente desde a sua fundação, a Confraria pudesse ter

tido irmãos naquela colónia. O referido desaparecimento de documentação impede de o

demonstrar. Para garantir a salvação eterna muita gente se terá registado nela antes de

empreender a aventura de partir. Nos Livros de Entradas, onde eram assentes todas

essas admissões, muitas vezes omitiam o local de origem, residência ou destino, dados cuja

59 FANGUEIRO, Óscar, A população de Matosinhos e Leça nos séculos XVI e XVII, in “Boletim da Biblioteca
Pública Municipal de Matosinhos”, nº 32, Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos, 1988.

39
carência nos impede de obter um cálculo mais aproximado do número dos irmãos que

partiram. Apesar disso, aqueles fontes permitem verificar como, ao longo do século XVII,

o aumento de novos confrades coincide com os variados surtos nacionais de emigração

para o Brasil, estimulados estes pelo fim do domínio castelhano, expulsão dos holandeses

de Pernambuco e as várias fases altas da economia açucareira. Isso podemos verificar

pelo gráfico 1 que mostra a distribuição de novas entradas de pessoas oriundas das 9

freguesias do Reino que geralmente mais irmãos forneciam à Confraria.

Gráfico 1

Irmãos da Confraria - 1607/1703

180

Matosinhos
160

140
Leça

120
Aldeias

100
S.J. Foz
Nº de irmãos
80 Ouro

60 Massarelos

40 Miragaia

20 Porto

0 V. do Conde
1607/39 1640/49 1650/59 1660/69 1670/79 1680/89 1690/703

1640 – Fim do domínio castelhano


1654 – Expulsão definitiva dos holandeses
1670/79 – Fase alta do açúcar
1690 – Nova fase alta do açúcar

Todos quantos abandonaram a metrópole, independentemente de serem irmãos de

qualquer confraria, levaram consigo os seus usos e costumes e desempenharam um papel

importante na difusão das suas crenças.

Os imigrantes portugueses trouxeram também as suas devoções da Metrópole


como a do Bom Jesus de Congonhas do Campo e de Matozinhos 60.

60 FALCÃO, E. Cerqueira, A devoção ao Bom Jesus de Matozinhos in “RIGH”, S. Paulo, col. LV (1959), pp.1-
20.

40
O primeiro registo que se conhece de um irmão da Confraria do Bom Jesus de

Matosinhos no Brasil data de 1655 e refere-se a Domingos Martins Ramos, natural de

Matosinhos e residente em Pernambuco, e a sua mulher Maria Martins.

8. Registo de entrada de Domingos Ramos

Já, então, a devoção a este padroeiro viajava nas embarcações e até dera nome a

pelo menos uma nau, a “Bom Jesus de Bouças “, capitaneada por Matias Figueira que, em

1647, numa viagem para a Índia, naufragara, por causa desconhecida, perto do Cabo da

Boa Esperança 61.

A fixação dos irmãos e de outros devotos em áreas diferenciadas do território

brasileiro influiu profundamente na determinação dos locais onde se venerou e ainda hoje

se venera o Senhor de Matosinhos. As fontes permitiram verificar que no período que vai

de 1655 (ano da entrada de Domingos Martins Ramos) a 1774 (ano do último assento

conhecido de um irmão do Brasil no séc. XVIII) há duas fases de distribuição dos

confrades no território com características diferentes 62


. Na primeira, que se estende de

1655 a 1703, a maior parte dos irmãos fixou-se predominantemente no litoral, nas zonas

do pau-brasil e do açúcar. Na segunda, de 1716 a 1774, comprova-se um aumento

substancial do número destes no interior, mais concretamente na capitania de Minas

Gerais.

61 GUINOTE, Paulo; FRUTUOSO, Eduardo; LOPES, António, ob.cit., p.255.


62 Não encontrei nenhum assento proveniente do Brasil entre 1703 e 1716 o que não significa que não tenham
existido ali irmãos. A omissão dever-se-á novamente vez à perda de documentos.

41
4.3.1. 1655 a 1703

Deste período nos três primeiros Livros de Entradas existem 84 registos de irmãos

do Brasil. O gráfico 2, elaborado a partir destas fontes, mostra o movimento desses

registos por décadas.

Gráfico 2

Admissões de irmãos do Brasil 1650-1703

25
Número de admissões

20
1650/59

15 1660/69
1670/79
10 1689/89
1690/703
5

0
Décadas

As inscrições de irmãos que se faziam na colónia seriam reclolhidas pelos

“mordomos do mar” a quem competia, no seu regresso, comunicá-las à Confraria em

Matosinhos. Isto terá acontecido com a maior parte dos primeiros irmãos no Brasil. Não é,

contudo, de afastar a hipótese de puderem ter sido feitas cá pelo próprio antes da

partida, ou, então, posteriormente por interposta pessoa, normalmente as esposas que

muito raramente acompanhavam o marido na emigração. As admissões dizem respeito a

homens, mulheres e casais. Estes últimos foram contados como uma unidade dado que a

fonte, embora mencionando a mulher, é vaga quanto à sua presença no Brasil. A

regularidade com que, na maior parte dos casos, os pagamentos iam sendo feitos leva a

supôr que o tenham sido em Matosinhos, possivelmente pelo parceiro que cá ficou.

Como se pode ver pelo gráfico 3, esses irmãos distribuíam-se por 4 locais – no

litoral: Baía, Pernambuco, Rio de Janeiro; no interior em S. Paulo. Aparecem ainda dois

registos que não referem o nome de uma localidade, mas o da colónia – Brasil, forma de

localização que permanece nalguns casos do período seguinte.

42
Gráfico 3

Irmãos no Brasil - 1655/1703

14

12

10

Baía
8
Nº de irmãos Pernambuco
6
Rio de Janeiro
4 S.Paulo

Brasil
2

1655/69 1660/69 1670/79 1680/89 1690/703


Décadas

Pelo gráfico é possível verificar que, nesta época, o maior número de membros da

Confraria do Bom Jesus de Matosinhos residente no Brasil estava concentrado na Baía.

Os primeiros Livros de Entradas e o 1º Livro de Irmãos Falecidos permitem

conhecer os seus nomes e os locais de fixação.

Datas de entrada e Nomes Local de residência ou morte

falecimento e de origem 63

1655-e/1686.X.22-f 64
Domingos Martins Ramos e Pernambuco (de Matosinhos)
mulher Maria Martins
1659-e António Pereira Guedes e Baía
mulher Maria Correia
Maria Correia
1665-e Manuel de Sousa Giroto Baía
1665-e Manuel de Sousa Baía
1666-e/1686.VII.27-f Manuel Gonçalves Leça e Pernambuco (de Matosinhos)
mulher Maria de Sousa
1667-e António Almeida Pinto Baía
1667-e Violanta do … Baía
1668-e Sebastião Antunes Trigo Baía
1677-e X 65 Baía
1675-e/1686.VII.27-f Domingos de Azevedo Cruz Pernambuco (de Matosinhos)
1676-e Sebastião Francisco S. Paulo (da Senhora da Luz)

63 A localidade de origem está registada entre parênteses .


64 –e e –f significam respectivamente as datas de entrada na Confraria e de falecimento.
65 Letra ilegível.

43
1676-e António Francisco Sombreiro Baía
1676-e/1686-f Francisco Alvares e mulher Baía (de Matosinhos)
Ana Neves

1676-e/1686.X.22-f Agostinho Peres e mulher Pernambuco (de Matosinhos)


Maria Antónia
1681-e Francisco Castro Soares Rio de Janeiro
1681-e/1686.X.22-f Baltasar Fernandes e mulher Pernambuco
Maria João
1681-e/1686.V-f André Dias Porto Baía (de Matosinhos)
1682-e/1685.III.12-f André Dias e mulher Ana Baía (de Matosinhos)
Gonçalves
1682-e Manuel Alves Patrão e Pernambuco
mulher Catarina Luísa
1683-e Capitão Pedroisa
Garcia de Baía
Araújo
1683-e Tomé da Rocha e mulher Baía
Antónia
1683.XII.23-e João de Valadares Rio de Janeiro
1684-e Francisco Vieira, mulher Pernambuco
Maria André e filho
Francisco
1685-e Manuel da Costa Pereira e Baía
mulher
1685.III.15-e Úrsula da Silva Rio de Janeiro
1685.VI.17-e/ João António Vergas e Baía (de Matosinhos)
1686.VI.27-f mulher Ana Luís
1686.VII.27-e Manuel André Borralho e Baía (de Matosinhos)
mulher Feliciana Maia
1686.X.22-e Baltasar Fernandes e mulher Baía (de S. João da Foz)
Maria João
1686-e Francisco da Silva Souto Rio de Janeiro
Maior e mulher D. Isabel da
Câmara
1687-e Pedro Gago daD.Câmara
e mulher Isabeleda Rio de Janeiro
Câmara
mulher
1688-e Manuel Ribeiro Riba Baía
1688-e António Fernandes Villas Baía
Boas
1688-e Joaquim Almeida e mulher Pernambuco
1689-e Luís Pimenta Baía
1689-e Baltasar (...) e mulher Baía
1690-e Capitão António Francisco Baía
de Sousa e mulher
1690-e Capitão André Dias e mulher Baía
1691-e Padre António Ribeiro Baía

44
1691-e João Gramacho e mulher Rio de Janeiro (a mulher era de
Paredes)
1692-e Alferes Domingos Martins Baía
Marinho
1692-e Manuel da Costa Baía
1692-e Desembargador Dionísio Baía (de Leça de Matosinhos66)
Ávila Vareiro, mulher
D. Mariana e um filho
1693-e e filho
Inácio da Silva Vilas Boas Rio de Janeiro
1693.I.23-e Marcela de Bitancor Baía
1694-e X 67 Baía
1694-e Miguel Lopes Barbosa Baía
1694.--.6-e Pedro Barbosa de Araújo Baía
1695-e Manuel João e mulher Maria Baía
1695-e António de Magalhães Baía
D1696-f68 Ana Martins, mulher de Baía
Bento Veira Pinto 69
1696-e Francisco Vieira e mulher Brasil
Isabel Coelho
1697-e Francisco Vieira Fialho Brasil
1700-e Salvador Viana e mulher Rio de Janeiro
1700.XII.29-e Manuel Gonçalves de Pernambuco
Cerqueira
1703-e André Gomes Pernambuco
1703-e Manuel João Rio Tinto Rio de Janeiro

Neste total de 84 pessoas é de salientar, entre os 55 homens e os 25 casais (14 na

Baía, 7 em Pernambuco e 4 no Rio), a presença de 4 mulheres desacompanhadas. Quem

seriam e que fariam esses homens e mulheres no Brasil de então?

Segundo Renato Pinto Venâncio, no que se refere ao período de 1500 a 1700

Entre os primeiros portugueses a chegarem ao Brasil estavam os imigrantes


mais abastados que aqui se fixaram principalmente em Pernambuco e na Bahia.
Vieram para explorar a produção de açúcar, a atividade mais rentável da colônia
nos séculos XVI e XVII 70.

66 Assim se designava então Leça da Palmeira.


67 Letra ilegível.
68 O D indica que a data real será posterior 1696.
69 Não se sabe se o marido era irmão da Confraria e por isso não foi contado como tal.
70 VENÂNCIO, Renato Pinto, Presença portuguesa de colonizadores e imigrantes in “ Brasil: 500 anos de
povoamento”, Rio de Janeiro, IBGE, 2000, 3º cap. Este texto foi consultado em www.ibge.gov.br/i bgeteen/
portugueses/ imigrestrita.html.

45
Não se pode generalizar afirmando que todos os irmãos da Confraria residentes

neste período no Brasil se dedicavam à actividade açucareira. No entanto, considerando

que o açúcar era o produto de mais valia na economia local, toda a sociedade, directa ou

indirectamente, estaria envolvido no seu cultivo ou tráfico. Nos Livros de Entradas de

irmãos aparecem várias referências a pagamentos feitos à Confraria em açúcar. Exemplo


disso são os casos do capitão Pedro Garcia de Araújo, da Baía, que saldou a sua pensão com

uma caixa de açúcar e o de um outro irmão, do mesmo local que, em 1690, em conjunto com

a mulher juntou aos respectivos anuais a oferta de um quilo de açúcar 71.

Não foi possível identificar as localidades de Pernambuco e Rio de Janeiro onde se

estabeleceram os irmãos da Confraria visto que todos os registos os localizam de forma

genérica com o nome das Capitania. O mesmo não se poderá dizer da Capitania da Baía,

local onde, então, residia o maior número de confrades. Os já referidos pagamentos em

açúcar e o aparecimento de duas igrejas dedicadas ao Senhor Bom Jesus de Bouças, entre

finais do século XVII e princípios do XVIII, uma em S. Francisco do Conde e a segunda na

cidade de Salvador, poderão apontar para uma fixação na área açucareira do Recôncavo

baiano.

4.3.2. 1703 a 1774

A segunda fase da presença dos irmãos da Confraria no Brasil, que coincide a

descoberta e exploração das minas de ouro e pedras preciosas, é provavelmente a mais

importante para a história da origem do culto ao Bom Jesus de Matosinhos naquela

colónia, não só pelas riquezas que dali foram remetidas para a Confraria como, sobretudo,

porque foi a partir desse momento que aquela crença passou a traduzir uma atitude de

grande religiosidade colectiva, expressa em demonstrações de fé popular e na construção

de templos de grande riqueza arquitectónica e artística, importantes exemplares das

várias fases do barroco mineiro.

71 ASCMM,LEI, nº1, fol. 100v. É muito difícil calcular o valor da caixa ou do quilo do açúcar porque, além deste
ser variável com as safras, escasseiam os documentos com informações anuais. Vitorino de Magalhães Godinho
refere que, a partir de 1630, a arroba de açúcar brasileiro custava, em Lisboa, entre 2.560 e 3.200 reis. Hélio Vianna,
atribui o valor de mais de 68.480 reis a cada caixa nos princípios do século XVIII. O peso da caixa poderia ir de 14
a 20 arrobas.

46
Em finais do século XVII, às primeiras notícias que chegaram à Europa acerca do

aparecimento das minas, intensificou-se o movimento de emigração a partir de Portugal,

em direcção à nossa colónia americana.

Segundo Joel Serrão

Com efeito, a descoberta, nos fins do século XVII, das minas brasileiras
provocou um esboço de êxodo da população metropolitana do Noroeste para ali.
Jaime Cortesão calcula o número dos emigrantes portugueses, ao longo do século
XVIII, em algumas centenas de milhares de indivíduos, o que de alguma forma é
confirmado pelo total conjecturado da população brasileira, em 1776, avaliado já em
1.900.000. Os efeitos de tal rush emigratório fizeram-se sentir logo em regiões,
como as de Entre Douro e Minho, mais expostas, pelas facilidades da navegação, ao
expatriamento 72.

Simultaneamente, também do litoral brasileiro para o interior se verificou uma

êxodo muito importante e com consequências graves

Despovoavam-se as terras, não só da gente livre, que corria à aventura, mas


principalmente dos escravos, sem os quais não havia lavoura nem indústria
possíveis. A cultura e fabricação do açúcar, que era a riqueza essencial do país,
cessava em muitos lugares, porque os lavradores partiam com os seus negros 73 ou
os vendiam para serem levados às minas, por altos preços, de que não tinham
sonhado em tempo algum. Mas, realizada a operação, impossibilitados estavam de
substituir os trabalhadores perdidos, porque se não lhes ofereciam outros. Com os
negros emigrava juntamente o pessoal de raça branca, a gente hábil dos engenhos,
feitores, mestres, purgadores, carpinteiros das caixas, e outros, de ofícios
necessários à indústria, que todos corriam alacres ao chamado da fortuna. Para as
minas iam também os animais de carga, mulas, bois e cavalos, tão precisos para os
engenhos, e disputados a estes, por elevadas somas, para os transportes 74.

72 SERRÃO, Joel, Emigração, in “Dicionário de História de Portugal”, Porto, Liv. Figueirinhas, 1971, II vol., pp.
365 e segs.
73 A mão de obra escrava era muito importante nas lavras dos ouro.
74 AZEVEDO, J. Lúcio de, Épocas de Portugal Económico, Lisboa, Clássica Editora, 1988, p. 322.

47
Nem as medidas restritivas desta emigração emanadas pela coroa portuguesa que,

só no século XVIII, terão sido nove, nem a limitação de partidas apenas para os que

estivessem investidos de cargos oficiais, puseram fim a este movimento. Os grupos que

partiam eram provenientes das várias classes sociais e profissionais.

Para Caio Prado Júnior

encontrava-se nessa onda de imigrantes quer fidalgos e letrados, investidos de


funções oficiais e oficiosas, quer indivíduos de classes mais humildes. Os primeiros
além do desempenho de cargos públicos, dedicavam-se a profissões liberais; os
segundos, consoante os meios de que dispunham, ou se tornavam proprietários ou
fazendeiros ou ainda, na sua maioria, se dedicavam ao comércio de retalho 75.

O Jesuíta André João Antonil descreve essa corrida do seguinte modo 76

a sede insaciável do ouro estimulou tantos a deixarem suas terras e a


meterem-se por caminhos tão ásperos, como são os das minas, que
dificultosamente se poderá dar conta do número das pessoas que actualmente lá
estão. Contudo os que assistiram nelas nestes últimos anos por longo tempo e as
correram todas, dizem que mais de trinta mil almas se ocupam, umas a catar,
outras em mandar catar, nos ribeiros do ouro e outros em negociar, vendendo e
comprando o que se há mister não só para a vida mas para o regalo e a cada ano
vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros para passarem às
Minas. Das cidade, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos e
pretos e muitos índios: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres
e plebeus, seculares e clérigos e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais
não têm no Brasil convento, nem casa 77.

Mas nem só para Minas se deslocou toda essa gente. Também no sertão da Baía, no

rio das Contas, em Goiás e em Mato Grosso apareceu ouro. Mas o grande centro minerador

e consequentemente o polo de atracção mais forte foi, sem dúvida, o de Minas Gerais. Se

75 JÚNIOR, Caio Prado, citado por SERRÃO, Joel, ob.cit.


76 ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas, 1711, S. Paulo,
Melhoramentos, 1977.
77 Ob. cit.

48
a maioria se foi dedicar ao garimpo, com ela seguiram os que viram no abastecimento das

populações um lucro garantido.

Do período em causa só temos notícia certa da existência de 81 irmãos da Confraria,

dispersos pelas áreas da Baía, Minas, Pernambuco e outros locais não identificados. O

gráfico 4 mostra-nos a sua distribuição por locais e décadas.

Gráfico 4

Irmãos no Brasil - 1716/1779

30

25

20
Baía
Nº de irmãos 15 Minas
Pernambuco
10
Rio de Janeiro

5 Brasil

1710/19 1720/29 1730/39 1740/49 17590/59 1760/69 1770/79


Décadas

Como se pode verificar, nas décadas de 30 e 40 a grande maioria dos irmãos surge

no interior da colónia, na área de Minas Gerais. Esse período coincide com o do auge da

época de extracção do ouro, que os estudiosos situam entre finais da década de 20 e

meados da de 5078 apesar das estimativas não serem confiáveis, quer pela desorganização

do sistema de colheita de impostos, quer pelos interesses que rodeavam essa recolha e o

registo correcto dos valores recebidos. O primeiro irmão da Confraria ali conhecido foi

inscrito em 1716. Contudo o segundo aparece apenas em 1733. Como veremos, este espaço

de 17 anos vazio de inscrições só poderá ser explicado por ausência de fontes.

A análise da pesquisa feita permite supor que os numeros de irmãos da Confraria no

Brasil, aqui apresentados e recolhidos nos Livros de entradas e dos irmãos falecidos,

são bastante inferiores aos reais. No primeiro período, o da fixação no litoral urbanizado,

o contacto com a Confraria terá sido mais fácil e directo, pois era estabelecido através

78 PAULA, Floriano Peixoto de, Vilas de Minas Gerais no período colonial, in “RBEP” (19), Junho de 1965,
Belo Horizonte in www.asminasgerais.com.br.

49
dos "mordomos do mar" que tocavam com os seus barcos nos portos locais. No segundo,

coincidente com a fase mais activa da busca do ouro, o avanço do movimento migratório

para o interior, a dispersão populacional no território de Minas Gerais e a dificuldade de

contactos com o litoral iriam dificultar essas relações, facilitando o extravio de

documentos.

Dois episódios surgidos durante as minhas consultas vieram reforçar esta hipótese.

O primeiro é uma referência à existência de um livro em que se encontravam assentes os

irmãos de Minas. Não se conhece o paradeiro deste documento, mas sabe-se da sua

existência através de um registo de óbito de 1733:

Manuel Jorge Coelho, cappitão mor da freguesia de Nossa Senhora da


Conceipção das Catas Altas do Ribeirão registado a fl. 13 do Livro dos irmãos de
Minnaz (...) 79.

Se este confrade se encontrava inscrito na folha 13 de um livro próprio para as

inscrições de Minas é de presumir a existência de fólios anteriores idênticos e dos quais

não temos nenhuma notícia. Anos mais tarde, em 1736, foram registados simultaneamente,

no Livro dos irmãos falecidos, 20 óbitos ocorridos naquela capitania desconhecendo-se

contudo a data das respectivas entradas.

O segundo facto tem a ver com uma petição apresentada a D. João V, cerca de

1739, que retomarei noutro ponto deste trabalho, e em que a Confraria solicita o envio de

oficiais da Instituição àquela colónia

porque não so nos particulares districtos das Minas mas em todos os Estados
do Brazil há irmãos desta grande Confraria 80
.

A perda do primeiro livro e o desconhecimento do resultado desta petição ao rei,

constituem um grande obstáculo para fazer uma avaliação real ou, pelo menos, o mais

aproximada possível do número dos irmãos naquela colónia.

A tabela seguinte revela que, para além dos irmãos oriundos da Metrópole, já

começam, então, a aparecer registados alguns naturais da própria colónia, provavelmente

79 ASCMM,LIF, fól. 25.


80 A739.VIII.29, AHU, CU-Brasil/MG, cx. 37, doc. 115, fól. 1. A indicação A significa que a data do documento é
anterior ao ano indicado.

50
pertencentes ao contigente de pessoas que terão acompanhado o fluxo de deslocações do

litoral para o interior.

Datas de entrada Nomes Local de residência ou morte


e falecimento e de origem

1716.III.16- e/ Manuel Gonçalves Rego Minas


1738-f
1717.I.8-e Francisco de Morais Rego Pernambuco (de Pernambuco)
1721-e/1730-f Manuel Gonçalves Viana e mulher Baía (de Matosinhos)
Joana do Nascimento
1729.IX.1729-e Lixandre Rodrigues Rio de Janeiro (do Rio de Janeiro)
1729.XII.28-e Bernardo Rego Baía (da Baía)
1729-e Alexandre Rodrigues Rio de Janeiro
1730.I.2-e Sargento mor Dionísio de Souza Rio de Janeiro
1730-e Manuel Gonçalves Viana Baía (de Matosinhos)
1732-f Gonçalo de Brito Cerqueira Baía
1733.V.18-e João António Baía
1733.V.31-e/ Manuel Francisco da Cruz Minas Gerais (de Matosinhos)
1737-f
1733-e Gonçalo de Brito Baía
1734.XII.10-e Josefa (viúva) Minas Gerais - Catas Altas
1736.V.12-e Domingos Francisco de Carvalho Minas Gerais
1736.XI.11-e João Dias da Fonseca e mulher Pernambuco
1735-e Manuel da Silva Torres Brasil
1736-f Capitão-mor Manuel Borges Minas Gerais - Catas Altas do
Coelho Ribeirão - Freg. de N. S. da
Conceição.
1736-f Agostinho da Cruz Minas Gerais -Sabará-Freg. De
N. S.da Conceição
1736-f António de Morais de Godoy Minas Gerais -S. João d‟El-Rei
1736-f Capitão Francisco Nunes Duarte Minas Gerais - Termo de Ouro
Preto-Freg. de N. S. da Conceição
de Congonhas
1736-f Capitão Manuel da Silva Minas Gerais – S. José do Rio das
Lourenço Mortes
1736-f Domingos da Rocha Ferreira Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. da Conceição
1736-f Domingos da Silva R... Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
S. António de Itatiaia
1736-f Domingos Gonçalves Chaves Minas Gerais - Ouro Preto-Freg.de
N. S. da Conceição
(de Montalegre)

51
1736-f Francisca de Sousa Rego Minas Gerais -Vila de N. S. do
Carmo
1736-f Francisca Machado de Oliveira Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Pilar
1736-f Francisco Cardia de Matos Minas Gerais – Ouro Preto-Padre
Faria-Freg. de N. S. da Conceição
1736-f Francisco da Cunha Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
1736-f Francisco da Cunha Alarcão Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
1736-f João Martins Pinto Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
N. S. do Carmo
(de Alfândega da Fé)
1736-f José Martins Mira Minas - S. José d‟El-Rei -Minas do
Rio das Mortes
1736-f Josefa Maria de Sousa Minas Gerais - Itabira-Freg.de N. S.
da Boa Viagem
(do Rio de Janeiro)
1736-f Lourenço da Silva Ribeiro Minas Gerais
1736-f Luís Pinto da Costa Minas Gerais - Termo do Rio das
Mortes - Prados
1736-f Manuel Francisco da Rocha Minas Gerais - Ouro Preto-Freg. de
S. António de Itatiaia
1736-f81 Silvestre Marques da Cunha Minas Gerais - S. João d‟El-Rei
1737.VII.15-f Capitão Manuel da Costa e Sousa Minas
1737-f Martinho Gonçalves Minas
1738.II.12-e/ Manuel Gonçalves Minas
1738.X.8-e Coronel António Gomes Posso Caeté (de Matosinhos)
1738/9-f António de Azevedo Minas do Rio de Janeiro (do
Porto)
1738-f José Rego Fernandes Brasil
1739.IV.26-e João Dias Pernambuco
1739.V.16-e Capitão Manuel d'Alves Pernambuco
1740.VI.10-e Manuel Gonçalves Teixeira Pernambuco
1740.XII.22-f Manuel d'Aguiar Madureira Minas Gerais - Ouro Preto-Freg.de
N. S. da Conceição
1740.XII.23-f Manuel de Queirós Moreira Minas
1741.XII-e José Silveira Brasil (de Leça)
1742.VII.30-e Dr.Vicente Teixeira Baía - Cachoeira
1742.VII.8-e Gaspar de Barros Minas Gerais - Ouro Preto
1742.VIII.17-e Francisco Borges dos Santos Baía (de Massarelos)
1742.X.20-e Dr. José Nunes Pereira e Sousa Baía (da Baía)
1742-e Vicente da Costa Teixeira Baía (vila de Cachoeira)
1742-f Dionísio de Sousa Cazado Minas

81 Todos estes óbitos seriam anteriores a 1736, mas a sua notícia só então terá chegado à Confraria para que lhe
fossem rezados os responsos.

52
1743.III.4-e/ José Ferreira Matos Rio de Janeiro (Ilha Grande )
1754.VI.15-f
1744.III.13-e João Correia dos Santos Baía (de Alvarelhos)
1745.II.13-f Maria da Silva Partes do Brasil (de Matosinhos)
1745.X.29-e Cipriano Ribeiro Dias Rio de Janeiro
1745-e José Afonso Carvalhais Pernambuco
1746-e Manuel de Mesquita Minas (de Minas)
1746-f Josefa Francisca Minas
1747-e João Gonçalves Viana Baía (da Baía)
1749-f Dionísio Barbosa Soares Minas - Morro do Ouro Preto
1752-e Virgínio Manuel Állvares Pereira Baía - Vila do Penedo de
S. Francisco
1754.VII.25-e Luís Caetano Brasil
1754.VII.6-e João Pais Barreto - morgado do Pernambuco
Cabo
1754-e Luísa Caetano Das partes do Brasil
1758.II.12-e Manuel Gonçalves Minas do Sabará
1759-e Inácio José Ribeiro Pernambuco
1760.IX.30-e Inácio José Ribeiro, filho de Pernambuco-Recife
António Coelho e Isabel Ribeiro
1760-f Manuel Dias Carneiro Minas
1761.VIII.2-e Capitão de cavalos Simão da Rio de Janeiro
Cunha Pereira
1761-e António Francisco de Almeida Pernambuco
1764.IX.22-f Miguel Gonçalves Rio de Janeiro

1764-f José da (Costa Moreira?) e Pernambuco


mulher
1766-e António Rodrigues Pernambuco
1768.VI.9-e Manuel Gonçalves Giraldes Sabará
1771-e Marcos José Pereira Brasil
1772-e Maria José Pereira Brasil (irmã do anterior)
1774.V.27-e José de Pavia Souto Mayor Rio de Janeiro
1774.VII.15-f Capitão António de… S. João d‟El-Rei

À excepção de 11 casos, cujos assentos não precisam a sua exacta localização apenas

referem que eram “assistentes 82


em Minas ”, é possível identificar os locais de fixação
dos restantes irmãos naquela capitania.

82 Assistente significava residente.

53
COMARCA VILA FREGUESIA IRMÃOS
MARIANA Catas Altas do N. S. da Conceição 2
Ribeirão 83
VILA RICA 84 Vila Rica N. S. do Carmo 4
N. S. da Conceição 5
N. S. do Pilar 1
Sem freguesia 2
S. António de Itatiaia 2
Itabira 85 N. S. da Boa Viagem 2
SABARÁ Sabará (não identificada) 2
86
N. S. da Conceição 1
CAETÉ Caeté Caeté 1
RIO DAS MORTES S. João d‟El-Rei 2
S. José d‟El-Rei 87 2
Prados 1
Sem indicação de local 11
TOTAL 38

Todos os locais referidos neste quadro se situam numa zona de Minas Gerais

denominada actualmente de macrorregião central 88


. Ali se concentra, desde o século

XVIII, o maior número de locais de culto ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil, como se

verá na segunda parte deste trabalho. Para este facto muito terá contribuído a presença

daqueles irmãos alguns dos quais ocupando posições sociais destacadas na sociedade de

então. Numa consulta feita no Arquivo Histórico Ultramarino foi possível situar em

funções de administração pública e militares 89 alguns deles:

83 Hoje é Catas Altas.


84 Actual Ouro Preto.
85 Actual Itabirito.
86 Ambas as freguesias de Raposos e Rio das Pedras, em Sabará, tinham esta padroeira. Não se sabe em qual delas
residia o irmão.
87 Actual cidade de Tiradentes.
88 O estado de Minas está dividido em macrorregiões, mesorregiões e microrregiões. A tipologia mais utilizada é a
de macrorregião que é caracterizada por ser uma grande região constituída por extensos blocos territoriais em que
predominam determinado número de traços comuns (humanos, físicos, econômicos e sociais). Ver mapa em
Apêndice.
89 Estes dados foram obtidos em documentos do Conselho Ultramarino referentes ao Brasil e Minas Gerais e
incluídos no Projecto Resgate "Barão do Rio Branco". Coordenado pelo Ministério da Cultura do Brasil e apoiado
por mais de 200 instituições públicas e privadas tendo a colaboração de cerca de 100 pesquisadores, este projecto
propõe-se digitalisar todos os documentos referentes à antiga colónia existentes quer em Portugal, quer no Brasil.
Embora os Cds ainda não estejam plenamente à disposição dos estudiosos, existem já, pelo menos alguns Índices
publicados, como é o caso do referente a Minas Gerais, elaborado sob a direcção do Prof. Caio César Boschi e que
muito me facilitaram a pesquisa.

54
Data Nome Localidade Profissão Observações

1723.XI.12(a) Silvestre São S. José Capitão-mor Data do parecer do


90
Marques da d‟El-Rei ajudante Conselho Ultramarino sobre
Cunha 91 uma carta que escrevera a
relatar acontecimentos em
S.José por causa das
cobrança dos quintos
1736-f (a)
1726.XI.6 Capitão Manuel São S. José Capitão da .
da Silva d‟El-Rei 93 Companhia de
Lourenço 92 Ordenança de vila
de S.José e
1736-f Córrego
1738.II.12-e Manuel Sabará Meirinho do campo Pediu o ofício nesta data
94
1739.X.7 (a) Gonçalves de Sabará

1745.X.29 Cipriano Ribeiro Rio de Janeiro Procurador Dele existe um ex-voto no


Dias 95 da Confraria Museu da Santa Casa da
Misericórdia de Matosinhos

1744.VIII.26 Manuel Sabará Tabelião do Nesta data foi passada uma


(a) Gonçalves Público Judicial e ordem referente aos
Giraldes 96 Notas de Vila Real ordenados e despesas dos
do Sabará bens do Conselho e oficiais
de Sabará

97
1748.VII.5(a) Sabará Passa a escrivão Foi nomeado por decreto de
da ouvidoria de D.João V
Sabará

98
1753.IV.3(a) Sabará Torna-se porteiro Nomeado por decreto de
dos auditores do D.José
Sabará

99
1753.IV.26(a) Sabará Escrivão das Nomeado por decreto de
execuções da vila D.José
de S. João d‟El-Rei

100
1756.V.19(a) Sabará Continua como O cargo foi prorrogado por
porteiro de mais 10 anos pelo rei
Sabará

90 (a) indica a data do documento em que o irmão era citado.


91 AHU, CU-B/MG,cx. 4, doc. 87; Projecto Resgate nº 382.
92 AHU, CU-B/MG, cx. 9, doc. 42; Projecto Resgate nº 690.
93 No documento aparece como S. José do Rio das Mortes.
94 AHU, CU-B/MG, cx. 38, doc. 33; Projecto Resgate nº 2919.
95 ASCMM, LEI, nº 3, fól. 77.
96 AHU, CU-B/MG, cx. 44, doc. 80; Projecto Resgate nº 3602.
97 AHU, CU-B/MG, cx. 52, doc. 17; Projecto Resgate nº4246
98 AHU, CU-B/MG, cx .62, doc. 47; Projecto Resgate nº 5171
99 AHU, CU-B/MG, cx. 62, doc. 36; Projecto Resgate nº 5175
100 Será filho do anterior. Tem o mesmo nome mas é militar. AHU, CU-B/MG, cx. 69, doc. 83; Projecto Resgate nº
5766.

55
1768.VI.9-e Manuel Sabará Pede carta
Gonçalves patente do lugar
Giraldes 101 de confirmação do
posto de capitão
da Companhia de
1799.X. 30 Ordenança do
(a) arraial de
S. Luzia, termo de
Sabará

9. Ex-voto oferecido por Cipriano Ribeiro Dias - 1745

Necessitada de vultuosos bens materiais para cumprir o que os Estatutos

determinavam quanto à manutenção do culto, é natural que a Confraria do Bom Jesus de

Matosinhos tivesse procurado apoio nas classes dominantes. Seria, no entanto, um risco

concluir, pelos dados contidos nesta tabela, que se tratava de uma irmandade de elite até

porque se sabe que o culto foi adoptado por camadas diversificadas da população, incluindo

os escravos, como o demonstra um ex-voto da Sala dos Milagres do Santuário de

Congonhas, sobre o qual me debruçarei oportunamente.

Contudo, mais do que a presença de alguns irmãos e a importância social que

pudessem ter, o facto que me parece explicar melhor o elevado número de igrejas ao

nosso Bom Jesus terá sido a actividade de difusão do culto e angariação de esmolas

praticada, na referida zona central de Minas, por um mensageiro da Confraria de

Matosinhos.

101AHU, CU-B/MG, cx. 150, doc. 82; Projecto Resgate nº 10966.

56
4.4. Um ermitão do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

Em 6 de Dezembro de 1710,

" João Alvarez de Carvalho e sua mulher Josefa [...] 102

entraram para a Confraria do Bom Jesus, tendo pago 2.000 reis cada um.

10.Registo da entrada do irmão João Álvares de Carvalho

Nada teria distinguido este homem dos outros irmãos não fosse o caso de ter sido

ele o primeiro ermitão, e possivelmente o único, a ser enviado por aquela instituição a

Minas Gerais para proceder à angariação de esmolas e, simultaneamente, fazer a

divulgação do culto ao Senhor de Matosinhos.

Esta prática de utilização de ermitães ou

esmoleres, inspirada na actuação dos frades


mendicantes, era corrente entre as irmandades

da época.

Segundo Regina Célia Padovan:

11. Ermitão ou esmoler


102 Em ASCMM, LEI, nº 2 o nome da mulher aparece riscado e não se consegue decifrar o apelido. Por cima da
rasura está escrito o nome de Antónia Francisca. Em ASCMM, LEI, nº3, fól.6 v, já esse nome aparece como sendo
o da esposa do ermitão, o que supõe um segundo casamento.

57
Como peregrinos ou missionários leigos, os ermitães inseriram-se na história
religiosa mineira, adquirindo
significativa importância. Substituindo, de certa forma, as congregações e ordens
missionárias, constituíram uma recorrência na difusão do espírito devocional e da
formação e ensino religioso, através dos recolhimentos (...).
Os donativos para edificação de ermidas e capelas, eram recolhidos nos
arraiais e povoados mineiros, por vezes dispersos e pouco visitados pelas
autoridades da Igreja. Propagavam a crença religiosa através do culto às imagens
de santos, angariando os bens destinados ao ornamento das capelas e compras de
alfaias. Cabe ainda ilustrar o fato de que as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia não só regularizavam o abuso das „excessivas esmolas‟, como
também as exigências aos ermitães, de serem estes “...
homens diligentes, de idade conveniente, e de boa vida,
e costumes, e não poderão apresentar mulheres ”.
Como “pedidores de esmolas” ou como devotos
peregrinos, os ermitães carregavam um oratório
portátil no pescoço, exibindo a imagem do santo, pelo
12.Oratório portátil
qual prestavam sacrifícios de caridade e penitência.
de ermitão
Geralmente, “vestiam-se de uma espécie de samarra,
preta, marrom ou azul, de grosso e rústico borel, atada com uma corda à cintura, à
franciscana, calçados de sandálias de couro, ou simplesmente descalços. Cobriam-
se com rústicos chapéus desabados e se arrimavam em bordões robustos, para as
longas caminhadas pelo sertão ” 103.

Sabe-se que muitos eremitas provenientes do norte de Portugal viajaram para o

Brasil levando imagens e lançando bases para diferentes devoções, aceites facilmente pela

apetência à abertura que caracterizava a religião dos mineiros. Entre aqueles esteve um

representante do Recolhimento dos Anjos, do Porto, que, em 30 de Outubro de 1726,

pediu autorização para se deslocar Minas para aí fazer um peditório para esta obra .
104

Não tendo chegado àquela capitania missionários pregadores, como António Vieira e

José Anchieta, os ermitães aproveitando a forte crença nos milagres, promoveram

103 PADOVAN, Regina Célia, O Santuário do Bom Jesus de Matosinhos: a irmandade e a construção da
devoção (1757/1827), Actas do XX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH UFSC/CFH.
104 AHU, CU-B/MG, cx. 9, doc.1 8; PR 818.

58
verdadeiras rotas de peregrinação . A virtude salvadora da imagem revelava-se frente a
105

situações de aflição pessoais ou colectivas, como perigos, doenças e viagens. A devoção

reforçava-se com as curas produzidas. Nos seus longos percursos, os ermitães faziam

apelo à esmola e à fé servindo-se das narrativas dos prodígios já alcançados noutros locais

e iam transmitindo às diferentes populações os resultados práticos de se constituírem em

irmandades.

Em 1719, achando a Mesa da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos que a sua

tesouraria estava “dezamparada ” e necessitada de maiores bens para uma decente

prestação do culto, solicitou a D. João V autorização para que um dos seus irmãos dessa

missão se encarregasse. Foi a seguinte a resposta real:

Dom João por graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves daquem dalem
mar em Africa e nos reinos da Guine etc. Faço saber aos que esta provizão virem
que por parte do juiz e mais officiaes da Confraria do Bom Jezus de Boussas, cita
no lugar de Matozinhos, Provincia de entre Douro e Minho se me representou achar-
se a dita Confraria com varios empenhos e falta de muitos ornamento precizos para
mayor dessencia e veneração do culto divino por cuja causa dezejavão mandar pedir
algũas esmollas às minas do Ouro para com ellas se acudir ao dezamparo da dita
Confraria e porque João Alvarez de Carvalho, homem de toda a satisfação, verdade
e zelo se offerecia passar ao districto das Minas a pedir as ditas esmollas com hũa
caixinha ou oratorio, me pedia lhe concedesse para isso licença, e tendo visto seu
requerimento e o que sobre elle informou o corregedor do Civel da Rellação do Porto
hei por bem conceder licença ao dito João Alvarez de Carvalho para que possa hir
pedir ao districto das Minas do ouro com caixinha ou oratorio, as esmollas que os
fieis christãos lhe quizerem dar para o Senhor Jezus de Bouças. Pello que mando ao
meu governador e capitão general da cappitania do Rio de Janeiro, e ao reverendo
Bispo d'ella deixem passar o dito João Alvarez de Carvalho, ao districto das Minas e
ao meu governador e Capitão general d'ellas lhe não empida o pedir as ditas esmolas
e cumpram e guardam esta provizão e a fação cumprir e guardar inteiramente como
nella se conthem sem duvida algũa a qual valera como carta e não passara pela
chancellaria sem embargo da ordenação do L.2º,fls.39 e 40 [...] , e se passou por
duas vias. El rey nosso senhor mandou por João Telles da Silva, Antonio Rodrigues

105 CAMPOS, Adalgisa Arantes, ob.cit.

59
da Costa, conselheiros do seu Conselho Ultramarino, António de [...]bellos Pereira a
fez em Lizboa a vinte e dous de Março de mil setecentos e dezanove.

(seguem-se assinaturas de António Rodrigues da Costa, de João

Teles da Silva e uma ilegível) 106.

Perante esta autorização real, João Álvares de Carvalho não demorou em partir

visto que, cerca de 5 meses depois, a 9 de Agosto de 1719, já se encontrava no Rio de

Janeiro.

Quando iniciou a sua digressão por terras de Minas só se conhecia ali a existência

de um irmão - Manuel Gonçalves Rego - cuja localização correcta se desconhece 107.

Que caminhos percorreu João Álvares de Carvalho no seu percurso para Minas e nas

suas jornadas por aquela capitania?

Certamente os mesmos que tinham sido palmilhados por quem procurara o ouro ou

abastecia do necessário as catas 108


, por todos quantos ali se fixaram em arraiais e deles

fizeram vilas. Refiro-me aos Caminhos do Ouro.

Para se chegar a Minas Gerais

existiram dois caminhos - o Velho e o Novo.

Pelo primeiro, que também era conhecido

por Estrada Geral da Serra do Mar,

anterior a 1711 (decalcado nas trilhas

usadas pelos Guaiamimins para ligar o vale

do Paraíba ao mar, em Parati, e usado pelos

paulistas para a captura de indígenas e para

as primeiras expedições em busca do ouro),

os viajantes saíam do Rio de Janeiro por

mar, até Parati. Daí se iniciava o percurso

por terra, atravessando a serra do Mar,


13. Troço actual do Caminho Novo
juntando-se às rotas paulistas primeiro em

Taubaté e mais à frente em Pindamonhangaba donde seguia para as Minas, cruzando a

106 AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc. 115, fól. 2.


107 O registo de entrada foi feito em 16 de Março de 1716. O óbito foi assente em 1738. Em 1729 devia dinheiro
dos anuais. Recomeçou então a pagá-los e fê-lo até 1735.
108 Lugar escavado para extrair ouro da terra.

60
serra da Mantiqueira na garganta do Embaú e cortando o Passa-Trinta (hoje cidade de

Passa Quatro). Ao longo deste percurso surgiram arraiais que, mais tarde, deram origem a

várias cidades (Itanhandu, Santana do Capivari, Consolação, Pouso Alto, Boa Vista,

Baependi, Conceição do Rio Verde, Cruzília, Ingaí). Depois de atravessar o Rio Grande,

passava por Ibituruna do Rio das Mortes seguindo até ao arraial do rio das Mortes (São

João d‟El-Rei) 109.

Quando entre 1695 e 1700, os portugueses descobriram que as minas de Ribeirão

Preto, de Ribeirão das Mortes e do Rio das Velhas tinham ouro em abundância, começou a

corrida a este metal. A viagem que transportava o ouro para o Rio de Janeiro tinha de ser

feita por aquele caminho que levantava à Coroa muitos problemas de controlo, apesar da

instalação de postos de registo, visto que era um percurso que, por ser longo e ter muitas

saídas, favorecia os paulistas e facilitava o contrabando. Em 1701, o Conselho Ultramarino

pediu ao rei que fossem restringidas estas trilhas. 3 anos depois todas as casas de registo

foram extintas, à excepção das de Santos e Parati. Para conseguir uma fiscalização mais

eficiente, D. João V, em 1709, passou a administrar directamente a capitania de São Paulo

e Minas do Ouro retirando-a da jurisdição do Rio de Janeiro e determinou, em 1711, a

abertura de uma nova estrada.

Abriu-se, então o Caminho Novo que, partindo directamente do Rio de Janeiro,

atravessava a Serra dos Orgãos, seguindo em direcção aos rios Paraíba e Paraibuna. Dali

percorria Matias Barbosa, Juiz de Fora, António Moreira, Mantiqueira, Borda do Campo e

Registro, onde se bifurcava. Uma trilha continuava para Vila Rica e outra para São João

d‟El-Rei. Este caminho, que encurtava a viagem em 15 dias, era, porém, mais deserto que o

anterior.

14. Tropeiro

109 Em www.asmimasgerais.com.br.

61
Por ambas as estradas, passaram as tropas, conjunto de mulas e burros de carga

conduzidas por um chefe a cavalo e seus ajudantes, que conduziam para o Rio de Janeiro

os carregamentos de ouro

destinados à Coroa 110


. Esta

forma de transporte era, então,

preferida aos carros de bois

que, em épocas de chuva, tinham

dificuldade de se movimentar na

lama. Na viagem de regresso

levavam o sal, o ferro e os

mantimentos para Minas, onde a 15. Pouso de tropeiros


febre do metal fizera abandonar

o cultivo da terra e a criação de animais.

A aspereza das

viagens e do clima obrigava a

várias paragens em locais

que, com o tempo, se

tornaram fixos – os pousos.

A partir destes lugares de

descanso, convívio e

intercâmbio de ideias e bens

nasceram muitas das cidades

que se estabeleceram desde

o sul do Brasil até ao

Nordeste. O declínio da

mineração não acabou com

este movimento de gente e

mulas. A cultura extensiva 16. Caminhos Velho e Novo

do café, que se seguiu, fez caminho velho caminho novo

aumentar a procura desses - área percorrida pelo ermitão

animais e reforçou, até ao

aparecimento do caminho de ferro, em meados do século XIX, o papel do tropeiro como

110 Em www.asminasgerais.com.br e www.paratytur.com/hps/caminhodoouro.htm e SERRÃO, Joel, ob.cit.

62
agente de comunicação, levando as cartas, notícias, encomendas e recados. Pela sua voz

fez-se a divulgação de muitas devoções quer através da narrativa de prodígios milagrosos

praticados por diversos padroeiros, quer pelas descrições assombrosas das novas igrejas

que se iam levantando um pouco por todo o lado.

Portanto João Álvares não desbravou rotas. Já as achou abertas. Os registos de

autorização da sua passagem 111


na capitania de Minas Gerais permitem fazer uma ideia de

quando e por onde circulou, entre 1719 e 1722.

Terá permanecido no Rio de Janeiro de Agosto a Outubro de 1719, visto que deste

último mês se conhecem dois registos, com as datas de 6 e 10, que poderão corresponder

um ao pedido de autorização de saída daquela capitania e outro ao dia da partida .

Pelo Caminho Novo, o ermitão chegou a Minas Gerais, em 1720, ano em que esta

capitania se separou da de S. Paulo. Encontrou um espaço com povoações surgidas

espontaneamente, dispersas pelos pousos e caminhos que ligavam entre si os centros

mineradores, amalgamados estes muitas vezes com as próprias habitações. A maioria

concentrava-se em torno de uma capela ou igreja, erguida em bifurcação de estradas ou

em terraços sobre elas 112 e onde se erigiam já numerosas irmandades. Fora das vilas então

existentes - Ribeirão do Carmo (Mariana), Vila Rica de Ouro Preto (Ouro Preto), Vila de

Nossa Senhora da Conceição de Sabará (Sabará), S. João d‟El-Rei, Vila do Príncipe

(Serro), Vila Nova da Rainha (Caeté), Pitangui e S. José d‟El-Rei ( Tiradentes) – o resto da

capitania estava entregue aos proprietários que, desde o princípio do século, tinham

recebido sesmarias destinadas à produção agrícola e pecuária com o fim de abastecerem a

população ocupada no trabalho das minas. A missão de João Álvares de Carvalho não terá

sido pois muito fácil na medida em que se cumpriu num espaço onde igrejas e irmandades

apelavam a devoções variadas.

111 Os despachos e autorização de passagens estão insertos no mesmo documento do AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc.
115.
112 FONSECA, Cláudia Damasceno, Agentes e contextos de intervenções urbanísticas nas Minas Gerais do
século XVIII, in “Oceanos”, nº 41, Lisboa, CNCDP, 2000, p. 85.

63
17. Ermitão pedindo junto de uma venda com oratório

Em Março de 1720 , João Álvares de Carvalho estava em Vila Rica. Ocupada, antes
113

de 1700, pelos aventureiros que buscavam o ouro, a vila surgiu da união de vários arraiais:

Padre Faria, António Dias, Paulistas, Bom Sucesso, Taquaral, Sant‟Ana, S. João, Ouro

Podre, Piedade, Ouro Preto e Caquende. O crescimento do conjunto desses lugares,

favorecido pelas novas construções que encurtaram a distância entre cada um, e a

intensificação do comércio, levaram à sua ascensão a freguesia, em 1711, primeiro como

Vila Rica e posteriormente como Ouro Preto, devido à supremacia que tomou este arraial.

Quando João Álvares ali esteve, o povoado primitivo já recebera algumas intervenções

urbanísticas, após um

incêndio, em 1714. As

novas casas tinham sido

alinhadas e recuadas

para que se formasse

uma praça em frente à

antiga Matriz 114


.

A vila estava,

então, dividida em duas

freguesias: Nossa

Senhora da Conceição de
18. Igreja de N.S. da Conceição de António Dias

113 Dessa passagem há registos dos dias 21, 27 e 28 de Março. AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc. 115.
114 FONSECA, Cláudia Damasceno, ob.cit.

64
António Dias e Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, este último o mais rico e povoado de

todos os arraiais que deram origem à vila e que se tornou sede paroquial, entre 1700 e

1703. Na primeira existia a capela da padroeira, construída por António Dias, em 1696, e

refeita como Matriz, em 1705. No seu interior tinham-se instituído, em 1717, as

Irmandades de Nossa Senhora da Conceição e do Santíssimo Sacramento.

Na segunda freguesia,

além da Matriz de Nossa

Senhora do Pilar, erguida nos

primeiros anos do século XVIII,

havia a capela de Nossa Senhora

do Rosário, de 1709. Na Matriz

tinham-se criado as seguintes

confrarias: em 1712, as de S.

Miguel e Almas, a do Santíssimo


19. Matriz de N. S. do Pilar de Ouro Preto
Sacramento e a de Nossa

Senhora do Pilar; em 1715, as de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a de S. António;

em 1718, a de Nossa Senhora da Conceição; em 1720, a de S. Quitéria e a do Senhor dos

Passos 115.

Como já se viu em ponto anterior deste trabalho, em Ouro Preto existiu o maior

núcleo conhecido de irmãos da Confraria portuguesa do Bom Jesus de Matosinhos em

Minas Gerais. E, como veremos, ali surgiu, posteriormente, uma igreja dessa devoção.

2 meses depois, entre 20 e 26 de Maio, João Álvarez de Carvalho estava em São

João d‟El-Rei. O primitivo arraial foi fundado por Tomés Portes d‟El-Rei que, cerca de

1700, viera com a família de Taubaté em busca de ouro e se fixara na margem esquerda do

Rio das Mortes, junto do Caminho Velho, onde se situa hoje o bairro de Matozinhos. Em

1704, Lourenço da Costa, escrivão no porto real de Passagem do Rio das Mortes, cuja

travessia era explorada por um genro de Tomé Portes, descobriu ouro no ribeirão de S.

Francisco Xavier. Foram então distribuídas terras a pessoas interessadas na sua

exploração e que construíram as primeiras casas de taipa em volta da capela de Nossa

Senhora do Pilar.

115 BOSCHI, Caio César, ob.cit.

65
Este arraial, inicialmente chamado de Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar,

chamou-se mais tarde Arraial Novo do Rio das Mortes. Paralelamente à actividade

mineradora aí se desenvolveu um vasto comércio

de géneros alimentícios e pecuários o que

possibilitou que a povoação não sentisse a

decadência da mineração, a partir de 1750.

20. Desenho da capela velha de 21. Nova Matriz de N. S. do Pilar


N.S. do Pilar

A capela de Nossa Senhora do Pilar foi incendiada, em 1709, durante a Guerra dos

Emboabas . Reconstruída depois de 1711, fora da povoação, a meia encosta do chamado


116

morro da Forca, serviu de Matriz até 1724. Aí desenvolviam já a sua actividade três

Irmandades: Nossa Senhora do Rosário e São Benedito , criada em 1708; Santíssimo


117

Sacramento, 1711 e Almas, 1716. A primeira passou para a nova Igreja de Nossa Senhora

do Rosário, abençoada em 1719.

Se bem que se conheçam apenas dois irmãos em S. João d‟El-Rei, também foram

lançadas raízes desta devoção nessa cidade pois, anos mais tarde, ali se ergueu uma igreja

ao Bom Jesus de Matosinhos.

Em 3 de Junho seguinte, João Álvares de Carvalho passou a São José d‟El-Rei,

actual Tiradentes, situada na margem direita do rio das Mortes, onde Tomé Portes e João

de Siqueira Ponte descobriram ouro por volta de 1702. A descoberta atraiu muitos

116 Emboabas era o nome com que os paulistas pioneiros designavam os aventureiros de origem portuguesa que se
deslocaram e fixaram na região onde o ouro começava a aparecer. A posse desse território provocou violentas lutas
entre ambas as facções e que ficou conhecida como “guerra dos Emboabas” devido à vitória destes, melhor armados
e organizados.Os últimos encontros deram-se precisamente na zona de São João d’El-Rei.
117 As irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito são irmandades criadas pelos escravos negros.

66
garimpeiros e rapidamente se formou um arraial na Ponta do Morro de S. António, o

Arraial Velho do rio das Mortes, onde se ergueu uma capela. Em 1718, ascendeu a vila com

o nome de São José d‟El-Rei, em homenagem ao príncipe D. José, que ainda era criança.

João Álvares de Carvalho teve ocasião de conhecer as igrejas de Nossa Senhora do

Rosário, erguida pela Irmandade do mesmo nome e formada por negros nascidos em

África, escravos ou livres, e a Matriz de S. António, erigida em 1710, onde tinham a sua

sede as Irmandades do Santíssimo Sacramento, de 1711, e a das Almas, de 1716.

Um mês depois, o nosso

ermitão terá partido em direcção ao

rio das Velhas, tendo atingido

Sabará em 14 de Setembro. O

arraial da barra do Sabará, um

ponto importante no caminho em

direcção a S. Paulo, era, em 1702, o

terceiro mais povoado devido à


22. Igreja de N. S. da Conceição
quantidade de aventureiros em

busca do ouro.

À passagem de João Álvares já existiam a igreja paroquial de Nossa Senhora da

Conceição, levantada em 1701, a de Nossa

Senhora do Ó, em 1718 e a capela de

madeira de Nossa Senhora do Rosário, de

1713, com irmandade própria.

Aí viveram irmãos da Confraria e

existe hoje uma capela dedicada ao Bom

Jesus.

No mês seguinte, a 23 atingia

Mariana.

O antigo arraial de Nossa Senhora

do Ribeirão do Carmo nasceu, em 1696,

junto de um ribeiro que recebeu o nome

da santa que se festejava no primeiro dia 23. Matriz de N. S. da Assunção

67
de mineração. Os seus fundadores foram bandeirantes provenientes do Vale do Paraíba,

da região de Taubaté. A abundância de metal faz crescer o arraial que se estendeu pelo

monte até ao ribeiro. Em 1711, foi elevado a vila tomando o nome de Leal Vila de Nossa

Senhora do Carmo. Com as primeiras cabanas levantou-se uma capela dedicada ao Menino

Jesus, sendo mudada mais tarde a invocação para Nossa Senhora da Asssunção. Em 1709,

começou a construir-se a igreja a esta padroeira, hoje Sé Catedral.

Seguiram-se-lhe, em 1719, a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e, em 1720, a

capela de Sant‟Ana 118


. O ermitão da Confraria de Matosinhos já encontrou ali sete

Irmandades: Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora da Conceição, de 1713; Nossa

Senhora do Rosário, S. Ifigénia e S. Benedito, criadas em 1715; Santana e Senhor dos

Passos, em 1720.

João Álvarez ter-se-á conservado nessa zona bastante tempo pois não temos

notícias dele até 19 de Março de 1721, quando chegou a S. Sebastião.

O arraial de S. Sebastião foi paróquia colativa desde 1724 e extinta pouco


depois. Em 1823 as freguesias suprimidas de São Caetano e São Sebastião foram
restauradas em uma só, com Matriz em São Caetano. A este distrito foi dado o
nome de Monsenhor Horta, em 1943 119 .

O último sinal de João Álvares de Carvalho no espaço de Minas Gerais, nesta sua

primeira estadia, é o de uma nova passagem em S. João d‟El-Rei, em 27 de Maio de 1721.

Terá iniciado ali o percurso de regresso ao Rio de Janeiro onde já se encontrava a 14 de

Junho de 1722. Desconhece-se o itinerário feito entre esta duas datas, mas, considerando

o tempo que nele gastou, é de crer que terá deambulado por diferentes paragens.

Os assentos de um dos livros de Contas da Confraria permite-nos saber que a sua

jornada foi muito proveitosa. O total de 1.213.063 reis arrecadado foi entregue a Nicolau

Duarte Machado, procurador da Confraria no Rio de Janeiro, que o remeteu para o de

Lisboa, Manuel da Costa Machado. Em 10 de Agosto desse mesmo ano, era registada a sua

118 Sede do primeiro bispado de Minas, foi elevada a cidade em 1745 com o nome de Mariana, em homenagem a
D. Mariana de Áustria, esposa de D. João V.
119 TÁVORA, Maria José; COBRA, Rubem Queiroz, ob. cit., p.130.

68
entrada nos cofres da Confraria, em Matosinhos, na acta da reunião de aprovação de

contas anuais, realizada na Ermida de Santo António 120 :

Pello que remeteo o hermitão João Alvarez de Carvalho das esmollas que
obrou pello Brasil que remeteo o procurador da mesma Confraria no Rio de Janeiro
Niculau Duarte Machado para a cidade de Lixboa a Manoel da Costa Machado e um
conto e duzentos e vinte e cinco e settecentos e coarenta reis, que abatida a
comissão D‟El-Rei e huma procuração que o dito remeteo para o Rio de Janeiro
ficou liquido que recebi por ordem do dito Manuel da Costa Machado 1.213.063
reis 121.

João Álvares de Carvalho continuou no Brasil pelo menos até ao ano seguinte. Em

Agosto de 1723, na receita das esmolas recebidas pela Confraria é referida uma quantia

de 479.160 reis que o procurador da Confraria na Baía, Manuel Gonçalves Viana remetera

para o de Lisboa sendo seu portador o próprio ermitão o que leva a deduzir que já estaria

de volta a Matosinhos. Nos registos do dinheiro do Brasil passam, então, a ser citados

apenas os procuradores da Confraria nas cidades da Baía, Rio de Janeiro e Pernambuco 122
.

Não aparecem referidas mais quantias provenientes de Minas o que supõe uma de três

hipóteses: ou o dinheiro desta capitania era entregue aos procuradores das cidades

costeiras, ou se verificou ali um certo abandono por parte da nossa Confraria dos seus

interesses ou, como se tem verificado noutras situações, há falta de documentação

relativa a esse período.

120 Desconhece-se a localização desta ermida. Poderia ser muito perto da igreja actual, na área do Ribeirinho.
121 ASCMM,LC, nº1 (1717 a 1757), fól. 17v.
122 Entre as várias esmolas é de referir o envio da Baía duma caixa de 43 arrobas de açúcar, que rendeu 116.980
reis e de um feixe do mesmo produto no valor de 7.750 reis. De Pernambuco foi mandado um feixe maior que
importou em 35.000 reis.

69
24. Registo das esmolas enviadas do Brasil pelo ermitão

O que aconteceu não é relevante face à importância que teve para a Confraria a

quantia que João Álvares auferiu nesta sua peregrinação. Logo a seguir, em 1726, a Mesa

da irmandade estabeleceu contratos com um mestre entalhador para a obra de um novo

retábulo do Bom Jesus, talha das bandas e tecto da capela-mor e arco cruzeiro no valor

de 4.500 cruzados e com um grupo de artistas para o douramento da talha por 6.000

cruzados 123. Certamente que esse trabalho terá sido financiado, senão no todo pelo menos

numa grande parte, pelo dinheiro conseguido pelo ermitão. A Confraria descobrira no

Brasil uma fonte de entesouramento fácil.

Em 1733, quando Matosinhos festejava ainda a inauguração do novo altar-mor, João

Álvares encontrava-se novamente na colónia e, parece, que já há algum tempo porque, em

Julho, remeteu para Portugal 124


727.846 reis, em moeda e ouro, através de João

Rodrigues André, novo procurador no Rio de Janeiro. E, segundo revelam as fontes, ali

terá permanecido pelo menos até 1736.

Esta nova estadia coincidiu com o apogeu da produção aurífera e com o

reconhecimento de que as pedrinhas brancas e transparentes que muitas vezes apareciam

juntamente com as pepitas de ouro, não eram cristais que serviam para jogar gamão ou

fichas para marcar pontos no baralho, mas sim diamantes. Esta descoberta levou a uma

nova emigração dirigida para o que hoje se chama Distrito Diamantino, onde se localizava a

área principal de exploração das pedras preciosas. Os primeiros achados foram em Serro

123 Sobre este assunto consultar CLETO, Joel, ob.cit., p. 55.


124 ASCMM, LC, fóls. 50v-53.

70
Frio, embora a maior jazida se localizasse no Arraial do Tijuco, actual Diamantina. Se bem

que não não se conheçam registos de irmãos da Confraria nesta nova área de mineração,

não é de afastar a hipótese do ermitão por ali ter vagueado dado o número de igrejas da

devoção ao Bom Jesus de Matosinhos que apareceram posteriormente nessa zona.

A sociedade que João Álvares de Carvalho encontrou nesta sua segunda passagem

pela Capitania apresentava características urbanas mais acentuadas, com uma grande

subdivisão de actividades profissionais. Para além dos mineradores, tinham aumentado os

comerciantes, os artesãos, os funcionários públicos. A existência da população, simples e

pacata, continuava a ter o seu centro de sociabilidade na prática religiosa que pautava

todos os momentos de vida colectiva, familiar e individual. Os santos da devoção particular

eram colocados em oratórios ou nichos no interior das casas e espalhavam-se pelas ruas.

25 - Oratório de 26 - Oratório de 27 - Oratório de


alcova salão capela

Os pequenos templos primitivos começavam a dar origem a grandiosas construções

barrocas:

À excepção de algumas capelas, quase todos foram substituídos por


construções mais elaboradas e eruditas, segundo as condições financeiras das
irmandades, que viviam de verbas e donativos dos fiéis.
Em torno à primitiva capela, erguia-se a capela-mor e a sacristia. Feito o
telhado, as paredes da nave eram levantadas até atingir as torres.
Finalmente, retirava-se a cobertura da parte inicial, derrubava-se a parede
frontal da capela primitiva e construía-se o telhado definitvo da edificação. Assim,
a certa altura a primitiva capela estava dentro da nova construção 125.

125 ÁVILA, Cristina, in //cidadeshistoricas.terra.com.br.

71
Grandes igrejas espalharam-se um pouco por todo lado perpetuando a fé e

seduzindo os fiéis com a sua força plástica expressionista (...). Verificou-se


um grande florescimento artístico e cultural que atraiu artistas, arquitectos,
pintores e músicos para reconstrução de seus templos e valorização de seus cultos
e festas religiosas 126.

O espírito do barroco transformou as cerimónias religiosas num espectáculo de arte

e pompa e marcou para sempre a religiosidade mineira.

Em 1736, João Álvares de Carvalho regressou a Matosinhos. Consigo trouxe

697.600 reis, parte do total de 1.425.086 que rendeu esta nova missão no Brasil e que

entregou por mão própria na Confraria, como regista o assento no Livro de Contas

“pelo que recebi do irmitão João Alvarez de Carvalho” 127.

Com ele veio também a notícia da morte de 17 irmãos de Minas cujos óbitos

aparecem em sequência no Livro dos irmãos falecidos. Praticamente na mesma época

entrou para confrade o filho do seu segundo casamento 128

Entrou Domingos Francisco de Carvalho, filho de João Alvarez de Carvalho


ermitão de Minas com pensão de dous mil em 12 de Maio de 1736129.

Este retorno, no primeiro semestre do ano em causa, terá sido o definitivo. Não

voltou mais a viajar e abandonou o cargo. Faleceu em 16 de Junho de 1754

Faleceo o irmão João Alvarez de Carvalho, morador neste lugar e pagou a


penção seu filho, o Rev. António Alvarez130.

126 Id.
127 ASCMM, LC, fól. 59.
128 Ver n. 102.
129 ASCMM, LEI, nº 3, fól. 46v.
130 ASCMM, LIF, fól. 125.

72
O reconhecimento do valor do Brasil como valiosa fonte de proventos, levou a Mesa

da Confraria a repensar as suas relações com aquele território e a sentir necessidade de

manter ali outro ermitão. Essa atitude explica o envio, em data anterior a 1739, de um

novo requerimento ao rei solicitando autorização para a deslocação ao Brasil de vários

irmãos a fim de cobrarem anuais atrasados e angariarem esmolas. O desaparecimento do

referido Livro dos Irmãos de Minas não nos permite apreciar correctamente a acção de

João Álvares de Carvalho enquanto angariador de irmãos. Mas assim como a sabemos

materialmente profícua, também o deverá ter sido no campo espiritual atendendo aos

testemunhos desta devoção que deixou no seu rasto.

Para reforçar o novo pedido, a Mesa juntou ao documento uma segunda via da

autorização que, em 1719, permitira a primeira viagem de João Álvarez de Carvalho. O

texto desta petição era o seguinte

Dizem os irmãos officiais da Meza da Confraria da veneravel Imagem do


Bom Jesus de Bouças sita no lugar de Matozinhos, termo da cidade do Porto na
provincia de Entre Douro e Minho que pella provizão junta informado dos motivos
expressados nella foi V. magestade servido no anno de 1719 pelo Conselho
Ultramarino conceder aos suplicantes a faculdade de mandarem hum ermitão às
Minas a pedir esmollas pera os gastos precisos da dita Confraria continuada
veneração e culto da mesma Veneravel Imagem do Bom Jezus de Bouças em que se
fazem grandes despesas como he bem notorio em todo este Reyno. E porque não so
nos particulares districtos das Minas mas em todos os Estados do Brazil há irmãos
desta grande Confraria que allem das entradas e esmollas que derão pera entrarem
nella são obrigados a pagarem annaes à mesma Confraria, que há annos se não tem
cobrado e como já são de sufficiente importancia necessitam os supplicantes de
mandar a cada hum dos ditos Estados hum irmão e mordomo eleito pella Meza e
capaz de cobrarem não so dos irmãos que há por aquellas partes os annaes que estão
devendo, mas todas as esmollas que se lhe derem para ajuda dos gastos precizos da
Confraria levando para isso dos supplicantes irmãos e officiais da Meza todos os
poderes necessarios.

[Requerese?] a V.Magestade que em consideração do referido seja servido


conceder faculdade aos supplicantes pera elegerem na Meza irmãos capazes de

73
hirem à dita diligencia mandandose pera isso passar provisão geral e ainda huma
particular pera cada hum dos estados do Brazil e das Minas, com todas as
formalidades necessarias pera o dito effeito, levando com ellas os irmãos eleitos
autenticas clarezas das nomeações dos supplicantes e as mais que à meza
parecerem precizas pera segurança da dita arrecadação mayormente sendo como he
a dita Confraria da immediata protecção Real de V. Magestade 131.

A referência a anuais atrasados de irmãos residentes em vários estados do Brasil e

cujos registos se desconhecem faz supôr que a missão de João Álvares de Carvalho teve

um maior alcance do que realmente se conhece e reforça a minha tese sobre o

desaparecimento de muita documentação.

Ignora-se o resultado deste segundo requerimento ao rei e os livros da Confraria

não aludem a existência de qualquer outro

ermitão naquela colónia. Do período de 1737 a

1774 apenas nos chegaram 44 registos de

irmãos no Brasil, valor que me parece

demasiado curto dado o dinheiro que

continuou a chegar à Metrópole através dos

procuradores locais.

Em 17 de Agosto de 1742, foi feito o

registo de um novo irmão, Francisco Borges

dos Santos, natural de Massarelos e

residente na Baía. No respectivo assento se

refere que ele "entrou por mordomo" 132


. Este

cargo conferia-lhe a responsabilidade total

pelos assuntos da Confraria quer no lugar

onde residisse, quer no espaço da sua


28 - Altar-mor de 1733 capitania. Será que a Confraria em vez de

designar um ermitão terá optado por nomear

131 A739.VIII.29, AHU.CU-B/MG, cx. 37, doc. 115, fól. 1. O documento está datado como A739, porque deverá
ser anterior a 1739.
132 ASCMM, LEI nº 3, fól. 71 e LEI,nº 4, fól. 232 .

74
representantes locais para proceder à recolha de fundos? É bem possível que isso tenha

acontecido e que essa forma de actuação tivesse acabado por se tornar na estratégia

definitiva das relações com o Brasil porquanto era uma prática corrente no século XIX.

29 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos

75
CONCLUSÃO

Data da época em que o ermitão deambulava por Minas - 1722 - o primeiro ex-voto

brasileiro dirigido ao Bom Jesus de Matosinhos.

30 - Ex-voto do escravo João-1722

Milagre que fes Senhor de Matozinho a João Escravo de Maria Leme, que
estando gravemente doente, e pegandose com dito Senhor logo teve saude. 1722
133

Desconhece-se a proveniência desta tábua votiva, exposta actualmente na sala dos

Milagres do Santuário de Congonhas. Ela constitui um dos documentos mais

representativos de uma devoção que chegou ao Brasil por mar no coração de marinheiros e

imigrantes, se fixou primeiro no litoral povoado e, mais tarde, seguindo os caminhos por

onde circulava o ouro, atingiu o interior. Ali foi celebrada na voz de um ermitão cuja

mensagem, transmitida depois pela fé dos que nele acreditaram e pelas histórias dos

tropeiros, protegeu vilas e arraiais, se manifestou na criação de algumas irmandades e na

construção de pequenas capelas e de imponentes igrejas. Sobre estes locais trata a

segunda parte deste trabalho.

133 Ex-voto nº 16, in Promessa e Milagre no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – Congonhas do Campo –
Minas Gerais”, Brasília, Fundação Pró-Memória, 1981.

76
2ª Parte

Locais de culto ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

SENHOR BOM JESUS DE MATOZINHOS

Santuário de Congonhas

77
Nota Prévia

A celebridade atingida pelo Santuário de Congonhas, no estado de Minas Gerais,

sem dúvida por ter sido considerado Património Mundial pela Unesco, satisfez sempre

muito o orgulho dos devotos portugueses do Senhor de Matosinhos. E ignoro se neste lado

do Atlântico alguma vez alguém se preocupou em saber se no Brasil havia outras igrejas do

mesmo culto. Ao propor-me trabalhar sobre as relações da Confraria do Bom Jesus de

Matosinhos com a nossa antiga colónia, um dos meus primeiros passos foi o de conhecer o

melhor possível tudo quanto dizia respeito àquele santuário. Nesse sentido consultei a

obra de Edgard Cerqueira Falcão, A Basílica do Senhor Bom Jesus de Congonhas do

Campo 134
, sem dúvida o trabalho mais completo sobre este templo. Pelas suas páginas
tomei conhecimento, com uma admiração feita da minha ignorância sobre o assunto, da

existência de mais 9 igrejas da mesma devoção das quais uma na Baía, outra em S. Paulo,

no bairro do Brás, e 7 em Minas Gerais, a saber:

Arraial do Bacalhau

Lavras do Funil

Conceição de Mato Dentro

S. Miguel do Piracicaba

S. João d‟El-Rei

Matozinhos

Serro

Na tentativa de obter mais informações sobre esses templos e porque me

encontrava a milhares de Kms dos locais onde poderiam existir as informações de que

precisava, procurei na Internet resposta para as minhas perguntas. Nesse momento ainda

não tinha objectivos bem determinados e o que me guiou foi apenas uma enorme

curiosidade pessoal. A pouco e pouco, contudo, o meu esforço de pesquisa e preseverança

foi compensado com a descoberta de material em número suficiente para me animar a

continuar. Na pista de instituições e pessoas que me pudessem ajudar, passei dos sítios da

Internet para o correio electrónico. Nesse percurso, realizado ao longo de quase três

anos, arranjei amigos e descobri que o nosso Bom Jesus de Matosinhos é ainda hoje

patrono de muita gente naquele país. Desse modo foi-me possível, não só identificar 25

134 Ob.cit.

78
locais em que se pratica ou praticou esse culto, como recolher informações sobre todas

eles.

Para possibilitar uma mais correcta percepção desta parte do trabalho, passo a

expor algumas considerações que julgo pertinentes:

- Porque um dos meus objectivos é tentar mostrar como a devoção ao Bom Jesus

de Matosinhos se foi implantando através do tempo no Brasil, abordarei cada uma das

igrejas por ordem cronológica da sua fundação ou da autorização eclesiástica que as

reconheceu. Muitas delas foram sujeitas a grandes transformações arquitectónicas e até

mesmo a reconstruções completas, após demolição das originais, o que explica que igrejas

de arquitectura muito recente e até mesmo contemporânea, sejam aqui referenciadas com

uma data mais antiga.

- A desigualdade de tratamento dado a cada um dos locais do culto depende

essencialmente da quantidade de informação obtida e não de um maior ou menor interesse

pessoal. O mesmo se passa em relação ao material fotográfico. Grande parte dele foi

importado de sítios institucionais e como tal tem uma qualidade razoável. O restante,

menos bom, foi-me enviado por fotógrafos amadores locais que certamente fizeram o

melhor que sabiam ou podiam. A proveniência de todos os documentos está identificada em

nota de rodapé e das fotos e ilustrações num índice final de imagens. Algumas das

ilustrações que me chegaram foram obtidas por digitalisação das imagens originais

impressas em livros antigos da Biblioteca particular de pessoa amiga.

Chamo a atenção para o facto de muitos dos sítios consultados, construídos

propositadamente para as comemorações dos 500 anos do achamento do Brasil e dos 450

da fundação de Salvador da Baía, terem sido retirados da Internet, findas aquelas

celebrações, o que impossibilita a sua actual consulta. De praticamente todos eles guardei

cópia impressa.

- Dada a respeitabilidade das pessoas e instituições que me enviaram informações

ou as publicaram na Internet, não tenho porque duvidar da sua autenticidade. Por isso

optei pela trascrição integral desses documentos, tal como os recebi ou copiei, não me

arriscando a elaborar especulações ou tecer comentários que a distância dos lugares e das

fontes não me permite confirmar. Esses textos estão redigidos em itálico e respeitam a

escrita brasileira original que, como sabem, apresenta algumas diferenças relativamente

ao nosso português, sobretudo a nível da grafia e da construção de frases. O topónimo

79
Matosinhos aparece com s ou z em função do texto original ou da forma como é escrito

localmente.

- O culto brasileiro ao Bom Jesus de Matosinhos está maioritáriamente localizado

no actual estado de Minas Gerais e ainda hoje é intensamente professado. Na Baía, as três

igrejas deste culto conservam o topópnimo Bouças.

- A devoção aparece, em alguns casos excepcionais, associada à de S. Miguel e

Almas e ainda à de S. Benedito.

- Como em Matosinhos, em muitas das igrejas brasileiras comemora-se a Paixão do

Senhor com grandes celebrações quaresmais e procissões, assim como o Divino Espírito

Santo, no domingo do Pentecostes. As grandes celebrações anuais ao padroeiro, que

denominamos Romarias, no Brasil são ainda designadas por Jubileus. A maioria destas

festas é celebrada a 14 de Setembro (Exaltação da Santa Cruz) ou a 6 de Agosto (Festa

da Transfiguração do Senhor).

- A maioria das imagens do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil aparece na posição

de crucificado, com os pés pregados separadamente e um olho voltado para o céu e outro

para a terra, à semelhança do original português.

Verificam-se, no entanto, alguns casos em que toma a forma de Cristo Morto ou de

Senhor da Cana Verde. Este facto deve-se à tradição local ou à sua ligação com o ciclo da

paixão quaresmal. Como se sabe, este impõe diferentes atitudes em função da liturgia a

celebrar. Para possibilitar a alteração das posturas e a mudança de vestuário, muitas

dessas imagens são articuladas. Segundo Maria Regina Quites, restauradora e professora

na Universidade Federal de Minas Gerais

A Imaginária Processional utilizada na Semana Santa em Minas Gerais


constitui-se como um bem cultural material e imaterial ao mesmo tempo, visto que
desempenha sua função desde o século XVIII até os dias de hoje. São esculturas de
grande valor artístico, histórico, sociocultural e religioso e a preservação deste
acervo está diretamente ligada à preservação das tradições religiosas e da
identidade cultural do povo mineiro. Classificamos estas esculturas nas seguintes
categorias: Imagens Articuladas, Imagens de Vestir e Imagens de Roca. Estas
denominações foram definidas de acordo com o seu sistema de construção em
relação às suas vestimentas. Todas estas categorias possuem articulações, que

80
servem para mudar a representação iconográfica da escultura e facilitar o ato de
vestir.
As articulações estão presentes, em geral, nos ombros e cotovelos, podendo
ocorrer também nos punhos, joelhos e área pélvica. Elas mostram um alto nível de
elaboração, com vários modelos identificados, demonstrando eficiência,
conhecimento técnico e criatividade para a função pretendida.
Temos como exemplo de Imagem Articulada o Cristo Morto que participa das
cerimônias de crucificação, do descendimento da cruz e da procissão do enterro na
sexta-feira da Paixão. A articulação nos ombros permite que a imagem possa ser
utilizada de braços abertos (pregado à cruz), semi-abertos (descendimento da cruz)
e fechados (dentro do esquife para a procissão do enterro). A articulação é sempre
coberta por couro policromado pois estas imagens não possuem vestes. Os cabelos
podem ser esculpidos e policromados.
(...) As esculturas processionais englobam em sua concepção original talha
articulada, policromia específica (de acordo com cada categoria), vestes e perucas
naturais e acessórios como andor, esquife, cruz e outros elementos que são
utilizados nas procissões e encenações da tradicional Semana Santa em Minas
Gerais, sendo estes elementos muito importantes para a verdadeira compreensão
destas categorias 135.

- As Confrarias de Bom Jesus de Matosinhos que se criaram no Brasil apareceram

todas a partir da segunda metade do século XVIII, têm estatutos próprios e não

estabeleceram, em momento algum, qualquer relação com a portuguesa.

- Além das igrejas aqui citadas, existem outras que devem estar ligadas à mesma

devoção, mas que, com o passar do tempo, alteraram os topónimos Matosinhos ou Bouças

adoptando o do local em que estão implantadas. No entanto, as datas da realização da

festa e algumas lendas que rodeiam o aparecimento das respectivas imagens, fazem supôr

uma grande aproximação a este culto. Nestes casos, apesar das tentativas feitas para

obter dados que confirmassem a minha hipótese, não me foi possível obter respostas,

visto que as próprias autoridades civis e religiosas locais não possuem informações

concretas.

135 QUITES, Ma. Regina Emery, A Imaginária processional em Minas Gerais e sua conservação, Boletim do
CEIB, nº 5,1998

81
- Apesar de ser do meu conhecimento que, pelo menos em Minas Gerais, existem

altares do Senhor de Matosinhos em igrejas de outras invocações e irmandades, não

consegui saber nada sobre eles pois na Internet raramente aparecem descrições do

interior dos templos. Só uma exaustiva pesquisa local possibilitaria encontrá-los.

- No Brasil a palavra Prefeitura equivale à portuguesa Câmara Municipal,

designando esta a nossa Assembleia Municipal. Chama-se Município ao nosso concelho e

distrito a freguesia ou lugar fora da sede do município.

É uma viagem virtual, mas é gostosa. Disfrutem-na...

82
BAÍA

Desde o início da colonização do Brasil que, quer por razões comerciais, quer pela

presença de inúmeros imigrantes, se estabeleceram fortes laços entre esta capitania e o

Noroeste peninsular. Como vimos na primeira parte deste trabalho, até à descoberta das

minas de ouro, a Baía foi a região onde existiram mais irmãos da Confraria o que poderá

indicar a presença de um grande número de devotos do Bom Jesus de Matosinhos. Este

fenómeno explicará de alguma forma o aparecimento naquela zona dos dois primeiros

templos dedicados àquele padroeiro na colónia. São eles a Capela do Engenho d‟Água, em S.

Francisco do Conde, nos finais do século XVII, e a igreja do Bom Jesus de Bouças, S.

Miguel e Almas, em Salvador, no primeiro quartel do século XVIII. Posteriormente, já em

finais do século XIX, uma outra igreja se levantou, na Fazenda Camboatá, em Jacu, actual

distrito do município de Terra Nova . As três conservam a antiga designação de Bom


136

Jesus de Bouças (o que só acontece na Baía) e todas estão localizadas numa área

geográfica à volta da Baía de

Todos os Santos, denominada

Recôncavo baiano.

Segundo o Arq. Paulo

Ormindo de Azevedo 137

Com o nome de
Recôncavo é conhecida
desde o século XVI a
faixa de terra formada
por mangues, baixios e
tabuleiros que contornam
a Baía de Todos os Santos.
O Recôncavo é uma região 31 - Mapa do Recôncavo baiano
de topografia baixa, com excessão da zona de Cruz das Almas onde a altitude média

136 Terra Nova, antes da sua elevação a município fez parte primeiro da área de S. Francisco do Conde e
posteriormente da de S.Amaro.
137 AZEVEDO, Paulo Ormindo de, Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia, Vol. II - Monumentos e
sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Dezembro de 1978.

83
é 200m. Administrativamente o Recôncavo corresponde a duas micro-regiões do
Estado da Bahia, a 150 e a 151, e reúne 35 municípios, totalizando 10.400Km 2 de
superfície (...).

A baía, um antigo vale afogado, apresenta inúmeras rias e nela desaguam


vários rios navegáveis, como o Paraguassú, o Subaé e o Jaguaripe. Foi neste porto
natural, situado no meio da costa brasileira, que os portugueses fundaram em 1549 a
sede do governo colonial, depois do fracasso de outras tentativas de colonização do
país. A capital administrativa e praça-forte foi construída no lado interno do maciço
cristalino que separa a Baía de Todos os Santos do Atlântico, exatamente na crista
da Falha de Salvador, tendo a escarpa como muralha defensiva.

Logo, os portugueses descobriram as virtudes do massapê 138


e do clima
tropical e transplantaram para o Recôncavo a experiência de cultivo de cana-de-
açúcar adquirida na Ilha de Madeira e nos Açores. A colonização da região fez-se
com a expansão desta lavoura (...). Menos de quatro décadas depois da fundação de
Salvador, Gabriel Soares de Souza contava no Recôncavo 16 freguesias, 62 igrejas,
3 mosteiros de religiosos, 8 casas de cozer meles, 36 engenhos moentes e
correntes, dos quais 15 eram movidos por bois. Outros quatro engenhos estavam
sendo construídos e a produção anual de açúcar ultrapassava as 120.000 arroubas.
No final do século XVI, o Rio Paraguaçu, desde o lagamar do Iguape até o seu trecho
encachoeirado, estava povoado em ambas as margens.

Paralelamente às funções primitivas-administrativas e militar – crescia a


função portuária de Salvador com a exportação do açúcar e a importação de
escravos africanos para produzi-lo. Nos terrenos impróprios à cana-de-açúcar,
surgiu uma lavoura ancilar, o tabaco, que era trocado por escravos na costa d‟África.
Ao lado destas lavouras do tipo “plantation system” desenvolveram-se outras de
subsistência, especialmente a da mandioca. Uma legislação de 1688, reforçada em
1701, proibia a criação de gado em uma faixa de 10 léguas (50Km) da beira-mar e
rios para que o gado não competisse com aquelas lavouras. A comunicação de
Salvador com seu “hinterland” se fazia exclusivamente pela baía e seus
prolongamentos, os rios e rias. Gabriel Soares, em 1587, afirma que 1400

138 Solos de cor escura, muito ricos em materiais orgânicos, pouco permeáveis, mas que conservam a umidade
durante muito tempo.

84
embarcações podiam ser facilmente requisitadas no Recôncavo se o serviço real
necessitasse. Todos os que alí viviam tinham seu barco ou canoa. A classe pobre e os
escravos comiam quase só peixes e mariscos. No final do século XVII, são elevados a
vila os principais portos da região: Jaguaripe em dezembro de 1697, Cachoeira em
janeiro de 1698 e S. Francisco do Conde em fevereiro do mesmo ano. A economia do
Recôncavo, fundamentalmente vinculada à lavoura açucareira, sofreu grandes
oscilações em seus quatro séculos de existência. Nos primeiros cinquenta anos a
cultura da cana era próspera e crescente. Contava com preços compensadores,
proteção e estímulos governamentais, liberdade de produção e facilidade de
transporte. Portugal era o maior produtor mundial de açúcar e a Coroa detinha o
monopólio de sua comercialização que era compartido com a Holanda, que o
distribuía no mercado europeu. Com a dominação espanhola de Portugal, os
holandeses procuram restabelecer o fornecimento de açúcar tentando controlar as
áreas produtoras brasileiras. Em 1624 ocupam Salvador, mas são expulsos no ano
seguinte. Voltam-se então para Pernambuco, onde permanecem de 1630 a 1654. Em
represália à perda de Salvador, os holandeses saqueiam e incendeiam os engenhos do
Recôncavo seis vezes no período que vai de 1627 a 1648 (...). Antonil insinua que os
últimos anos do século XVII e primeiros do século seguinte foram anos
relativamente prósperos para o Recôncavo devido ao preço elevado do açúcar (...).

A descoberta de ouro em Minas Gerais provoca, pouco depois, uma


transferência em massa de força de trabalho para aquela região, gerando uma crise
na produção de açúcar, a partir de 1739. Os efeitos da crise não foram maiores
porque existiram compensações para a região, como o tráfego do minério e do gado,
já que durante muitos anos o acesso às minas se fazia pelo Recôncavo. A descoberta
de outros caminhos para as minas e a preocupação da Coroa de centralizar a
exportação do ouro em um só porto, fez transferir para o Rio de Janeiro, em 1763,
a capital do país. Em 1758 ainda existiam na região quase 180 engenhos, mas seus
senhores estavam integralmente endividados .

85
Monte Recôncavo (S. Francisco do Conde)-Baía

O município de S. Francisco do Conde foi o

terceiro município a ser criado no Recôncavo.

O actual município de São Francisco do


Conde integra a Região Metropolitana de
Salvador (...). Limita-se com os Municípios de
Santo Amaro, São Sebastião do Passé,
Candeias, Salvador e as águas da Baía de Todos
os Santos. Sua sede está situada ao nível do
mar, mas alguns pontos da mesma atingem a
32 - Localização de São
cota 40. A ocupação da região data do século
Francisco do Conde
XVI. A criação do município deu-se em
27/XI/1697 e sua instalação no ano seguinte. A elevação da vila à cidade ocorreu em
1938, pelo decreto estadual nº 10.724 (...). Sua economia atual baseia-se na
exploração e refino de petróleo. Dentre os produtos agrícolas destacam-se a cana-
de-açúcar e o cacau.

(...) A cidade está edificada sobre um promontório 139


que avança para a Baía
de Todos os Santos na foz do Rio Sergipe do Conde, em frente a Ilha de Cajaíba.
Dista a antiga vila da capital: 41 Km em linha reta, 27 milhas por mar e 80 Km por
rodovia asfaltada. S. Francisco teve originalmente função de entreposto comercial
entre uma vasta região açucareira e a capital (...). O município possui três distritos:
S. Francisco do Conde (sede), Mataripe (ex-S. Estevão e depois N. Sra. do Socorro)
e Monte Recôncavo. Possui 184 Km² e é banhado por três rios: Sergipe do Conde,
Jacuípe e Joanes 140.

As terras de S. Francisco pertenceram a nobres que construíram os primeiros

engenhos ainda no século XVI. A estes juntaram-se no século XVII beneditinos e

139 Este monte foi conhecido por Penedo de S. Francisco. Ali residia, em 1752, o irmão da Confraria do Bom Jesus
de Matosinhos, Virgílio Manuel Álvares Pereira.
140 Texto compilado pela equipa PPH/CFT in Inventário de protecão do acervo cultural da Bahia, Vol. II-
Monumentos e sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Junho de 1978, pub. em www.sct.ba.gov.br.

86
franciscanos, que levantaram conventos e igrejas próprias assim como mais alguns

engenhos. Foi grande o número de portugueses que aí se fixaram desde o séc. XVI.

33 - Igreja de S.Francisco

O território primitivo da Vila compreendia também os atuais municípios de


S. Amaro, Amélia Rodrigues, Jacuípe, Terra Nova, Teodoro Sampaio, S. Sebastião
do Passé e Catú. A área correspondente aos cincos primeiros foi emancipada em
1727, com a criação da Vila e Município de S. Amaro que foi, por sua vez,
desmembrado nos quatros municípios seguintes (1961) (...).

Os ricos solos de massapê do município permitiram que S. Francisco


desenvolvesse, a partir de 1563, uma próspera agroindústria açucareira. No
território do atual município existiam, em 1757, cerca de 39 engenhos (...). S.
Francisco do Conde além de produzir açúcar e cachaça foi também centro pesqueiro,
especialmente de camarões e xangó, que secos eram enviados para a capital e outros
núcleos do Recôncavo(...) .

Em 1802, Vilhena acusava a decadência da Vila devida à perda do território


de S. Amaro. Este processo foi agravado com os desmembramentos de 1868, 1926 e
1945. Sua decadência se deve também às crises da economia açucareira que
chegaram ao seu clímax no final do século XIX. A recuperação econômica de cidade
só se faria a partir de 1947 com o início da lavra de petróleo e inauguração, em
1950, da Refinaria Landulfo Alves. Em 1949 foi introduzido com sucesso o cacau na
Fazenda Engenho d'Água, neste município. Esta lavoura depois se difundiu por todo
o Recôncavo(...).

87
A povoação de S. Francisco, nascida em torno ao convento, se derramou
pelas encostas do promontório até o pequeno porto. Sua tipologia é simples, isto é,
mononuclear e razoavelmente homogênea, como "formae urbis". Seu sítio é
acidentado e sua trama de ruas irregular. O "entorno" natural da cidade é
constituído pelas águas da Baía de Todos os Santos, que a contornam em três vales,
e por colinas verdejantes, na parte norte. Nesta conjugação de sítio natural
privilegiado com a obra excepcional do homem está o maior interesse do conjunto141.

Em 2000 o município tinha 26208 habitantes.

Capela do Senhor Bom Jesus de Bouças - Engenho d´Água

Finais do século XVII

As capelas de engenhos e

fazendas desempenharam um papel

tão importante no rito litúrgico da

colónia que foram equiparadas pelas

autoridades eclesiásticas a igrejas e

capelas públicas, o que significava que

lhes era permitido toda a espécie de

cultos posibilitando que, para além dos

senhores, também os escravos e

outros empregados pudessem cumprir

os preceitos as que a Igreja os


34. Conjunto da casa e capela do
obrigava 142.
Engenho d’Água

A capela, além das funções religiosas, era ponto de reunião social. Alí se
celebravam casamentos, batizados, primeira-comunhão (...). Na maioria dos casos
ficavam separadas das residências, mas há exemplos interessantes de capelas
edificadas contiguamente às casa-grandes. Dentre estas, podemos citar as dos
Engenhos Freguesia, São José (demolido) e Pouco Ponto. Muitas capelas do século

141 Id.
142 SILVA,Maria Beatriz Nizza da (coordenação de), Sexualidade, Família e Religião na colonização do Brasil,
Lisboa, Livros Horizonte, 2001.

88
35. Capela do Engenho d'Água

XVII, e algumas do XVIII, possuem alpendres, usualmente situados na


frente do edifício e conhecidos como copiar, mas são frequentes também os
laterais. As capelas do século XVIII e XIX tentam competir com as matrizes e
incorporam destas galerias ou corredores laterais, superpostos por tribunas. Um
elemento muito típico das capelas de engenho do Recôncavo é a sala lateral à
capela-mor, ligada à mesma por um janelão com rejas. Deste camarim, geralmente
simétrico à sacristia, assistiam à missa, sem serem vistos, alguns membros da
família-grande, especialmente as mulheres 143.

A capela do engenho, cujo orago é o Sr. Bom Jesus de Bouças, está na


eminência de uma colina de onde se domina um vale originalmente ocupado por
canavial e hoje por cacau, introduzido há algumas décadas pioneiramente nesta
fazenda do Recôncavo. Precede a capela um cruzeiro de madeira sobre pedestal de
alvenaria. Abaixo da capela, nas fraldas da colina, está a casa-grande do engenho e
algumas construções que servem de depósito, morada de trabalhadores, etc. O
acesso ao engenho se faz através de um desvio da estrada BA-522 que liga
Candeias a São Francisco do Conde. A ligação da casa-grande e capela faz-se por
uma estrada de massapê íngreme e escorregadia.

Capela de relevante interesse arquitetônico. Sua planta é constituída por


uma nave octogonal recoberta por telhado de oito águas e de um anel mais baixo

143 V. n.140.

89
que envolve o corpo central. A capela-mor, de planta retangular, é recoberta por
telhado de duas águas que se situa em nível intermediário aos dois telhados. Do
lado esquerdo da nave está a
sacristia, e do lado direito, o
ossuário. Completa o anel
periférico um alpendre, que
ocupa três lados do octógono,
sustentado por colunas toscanas
com pedestais. A nave central
cápta luz através de sete óculos
circulares situados acima do
telhado do anel periférico.
Todos os vãos são de vergas
retas. O telhado do corpo
36. Interior da Capela
central apresenta um beiral do
tipo beira-seveira enquanto os
do anel periféricos e capela-mor terminam em cimalhas. A nave possui forro novo
de madeira e a capela-mor forro em abóbada de berço. O altar primitivo já não
existe. Seu acervo de arte é constituído por imagens do orago e de N. Srª. do
Rosário, um arcaz e um sino. A capela está bem conservada.

Este é um dos monumentos mais importantes da Bahia. Trata-se de uma


capela octogonal de partido centrado renascentista, embora construída
tardiamente na segunda metade do século XVII (...) . Não se confunde, portanto,
com as igrejas poligonais setecentistas portuguesas e brasileiras, especialmente
mineiras, de influência barroca italiana. A capela em estudo se assemelha em
particular com a ermida de S. Gregório de Tomar, não só por ser envolvida por um
alpendre, como pelo fato da nave se elevar acima dos outros elementos do
programa. A capela portuguesa, porém, tem sua nave recoberta com uma cúpula. É
provável que a primitiva capela baiana fosse constituída pela nave e capela-mor,

90
tendo sido acrescida de sacristia, ossuário e alpendre em 1763. Os diferentes
beirais dos dois corpos de construção fortalecem esta hipótese .
144

Segundo um estudo

histórico, a fundação da Capela, nos

finais do século XVII, deve-se a

Gaspar Faria Bulcão, natural da ilha

do Faial e grande proprietário na

região do Recôncavo que, nos

meados desse século, comprou com

a ajuda do dote da mulher, Guiomar

da Costa, uma grande propriedade

na freguesia de N. S. do Monte, em

S. Francisco do Conde, tendo-se

instalado na Fazenda de Água Boa,

37 - Alpendre em volta da capela cerca da de S. José. Por sua morte

a propriedade passou para um filho,

que por sua vez a deixou a seus 4 filhos. Um dos netos, Baltasar da Costa Bulcão, nascido

em 1721, reconstruiu-a, em 1763, tendo trazido de Roma uma imagem do crucificado para

nela ser colocada. Aí foi sepultado após a sua morte, em 24 de Setembro de 1796. Herdou

a propriedade o filho de Baltasar Bulcão, Joaquim Inácio da Siqueira Bulcão, que foi o

primeiro Barão de S. Francisco. A este seguiram-se os IIº e IIIº barões do mesmo nome.

Em 1911, Emydio A. de Sá Ribeiro, comprou o imóvel dos descendentes do IIIº Barão. Por

morte daquele passou para D. Maria Pinto de Vasconcelos que, ao falecer em 1955, o legou

aos seus filhos, tendo um deles, D. Julieta Porciúncula, comprado a parte dos irmãos.

Em 1968, a capela foi restaurada pelos actuais proprietários. Não me foi possível

saber quem são os actuais donos e se são descendentes de D. Julieta, que faleceu

entretanto. Actualmente a casa é utilizada como segunda residência e a capela não está

aberta ao público.

144 Id.

91
S.SALVADOR

Fundada em 1549 para ser a capital do Brasil (permanecendo assim até 1763,
quando a sede do Vice-Reino foi transferida para o Rio de Janeiro), a cidade do
Salvador serviu de palco dos acontecimentos mais marcantes dos primeiros três
séculos de nossa história colonial. Principal porto atlântico das naus da "volta do
mar", da rota das especiarias com destino ao Oriente, prosperou inicialmente com
a exportação do açúcar produzido nos engenhos do Recôncavo Baiano (área
geográfica do entorno da Bahia de Todos os Santos) e depois do comércio entre a
Colônia e Portugal.
Tudo começou em 1501, quando a primeira expedição de reconhecimento da
terra descoberta por Pedro Álvares Cabral deparou-se com uma grande e bela
Bahia - batizada de Bahia de Todos os Santos pelo navegador Américo Vespúcio,
por ter sido descoberta no dia 1º de novembro. O grande golfo tornou-se, então,
uma referência aos navegadores, passando a ser um dos portos mais movimentados
no continente americano.
Com a chegada dos escravos africanos no final do século XVI a cidade
prosperou por influência econômica das atividades portuárias e da produção de
açúcar no Recôncavo.
O século XVIII foi o século do ouro, do apogeu econômico, do barroco e do
rococó, da supremacia da Igreja Católica, do Vice-Reinado (1714), da expulsão dos
Jesuítas (1759) e da mudança da capital para o Rio de Janeiro (1763).
Salvador transformou-se no maior porto do Atlântico Sul e na segunda maior
cidade do Império Português (antes eram Lisboa e Goa). Freguesias foram criadas
e a cidade extrapolou os limites da sua muralha e, consequentemente, da mancha
Matriz, ampliando o seu território pelas colinas adjacentes ao Norte (Carmo e
Santo Antônio), ao Sul (São Bento, São Pedro, Piedade, São Raimundo, Mercês) e a
leste do Rio da Vala (Palma, Lapa, Desterro, Santana, Saúde), além do seu porto,
estendendo-se da Preguiça à Jequitaia e da península de Itapagipe (Boa Viagem,
Bonfim, Penha).

Nunca se construiu tanta igreja (capelas, matrizes, irmandades seculares e


de ordens 2ª e 3ª). O barroco dominou o cenário religioso baiano, pródigo em

92
entalhes dourados, prataria, ourivesaria, pintura, azulejaria, cantaria,
transformando a cidade do Salvador em importante e qualificado canteiro de
obras, que atraía mão-de-obra especializada portuguesa e formava "escolas" de
artífices 145.

38 - S. Salvador da Baía - séc. XVII

A cidade de S. Salvador constituiu uma importante plataforma no tráfico de

escravos destinados às plantações açucareiras. A viagem era feita para Àfrica em navios

lusitanos de transporte de rolos de folhas de tabaco que, no regresso à Baía, funcionavam

como negreiros. Um estudo sobre o povoamento da Baía ao referir que estes barcos

invocavam o nome de um santo permite verificar que, pelo menos a partir da segunda

metade do século XVII, o Bom Jesus de Bouças já era bem conhecido naquela capitania:

Na Bahia, todos os Santos do Paraíso foram invocados para ajudar esta

"respeitável" atividade: protetores dos negreiros, dos seus barcos e das mercadorias

transportadas.

Verificava-se, até o segundo decênio dos oitocentos, a predominância dos nomes

de Santos em embarcações lusitanas, verificando, ainda, uma indiscutível preferência pelo

145 Este texto foi copiado do sítio oficial de turismo de Salvador www.emtursa.ba.gov.br. Como em todos os casos
de transcrição, foi respeitada a ortografia original.

93
nome de Nossa Senhora. Passando em revista os nomes dos navios relacionados em

diversos documentos, observamos que - até 1800, aproximadamente - todos aqueles

dedicados ao tráfico de escravos encontravam-se sob a proteção da Virgem Maria, de

Cristo, dos Santos e, até mesmo, das Almas (...).

Partindo de indicações recolhidas nos registros de patentes concedidas para

carregar os rolos de tabaco, destinados ao tráfico de escravos, constatamos que Nossa

Senhora encontra-se mencionadas 1154 vezes, sob 57 invocações diferentes, sendo que as

mais populares apresentam-se na seguinte ordem decrescente: Nossa Senhora da

Conceição - 324 vezes, Nossa Senhora do Rosário - 105, Nossa Senhora do Carmo - 98,

Nossa Senhora da Ajuda - 87, Nossa Senhora da Piedade - 48, Nossa Senhora de

Nazareth - 39, etc. "O Bom Jesus" encontra-se citado, apenas, 180 vezes, sob 11

invocações distintas, sendo que "O Bom Jesus do Bom Sucesso" figura 29 vezes, "O Bom

Jesus de Bouças" - 26, "O Bom Jesus do Bonfim"- 24, etc. 146.

Igreja do Bom Jesus de Bouças e S.Miguel – 1725

Esta igreja, situada no centro histórico

da cidade de Salvador, bem perto do

Pelourinho, foi levantada por Francisco Gomes

do Rego sob a invocação do Senhor Bom Jesus

de Bouças Crucificado da Via Sacra e São

Miguel 147
. A investigadora Marieta Alves, que

se dedicou ao seu estudo , aponta-a como


148

sendo um exemplo de que o culto ao Bom Jesus

de Bouças da Baía é anterior ao de Minas


39 - Localização da igreja Gerais onde, porém, ganhou raízes mais fortes.

146 AZEVEDO, Thales, Povoamento da cidade do Salvador, Baía, Ed. Itapuã, 1969.
147 Em www.iphan.gov.br.
148 ALVES, Marieta, A devoção ao Senhor de Bouças na Bahia, in “A Tarde”, 24.VIII.1959.

94
Francisco Gomes do Rego, irmão

professo da Ordem Terceira de S.

Francisco, terá mandado levantar o templo

para que ali se realizasse o exercício da

Via-Sacra, o que já acontecia em 1725,

pelo que a sua fundação será anterior. A

data de 1732, inscrita na fachada,

indicará, assim, não o início, mas a

conclusão das obras.

O cortejo de mendigos rezava esta

Via Sacra, que se iniciava e terminava

naquela igreja, percorrendo um trajecto

por ruas das imediações assinaladas por

pequenas cruzes, uma das quais, em

azulejos, registava o nome da rua.

Em 1744, um ano antes de falecer, 40 - Capela de Bom Jesus de


Francisco Rego doou a igreja e uma casa Bouças e S.Miguel
anexa149 à Ordem Terceira de S. Francisco com a obrigação de que esta instituição se

comprometesse a continuar com a cerimónia porque

Todo o empenho e
vontade delle doador hera
perpetuar o Samto exercicio da
Via Sacra para esta ser visitada
em publico como athe o
presente tinha observado desde
a creação da dita capella .
150

41-Placa com a data da conclusão das obras

149 A casa poderá ser a que se encontra ao lado da igreja, pintada a azul.
150 ALVES, Marieta, ob.cit.

95
A Ordem cumpriu religiosamente o compromisso até que, em 1858, irregularidades

praticadas pelos penitentes, levaram à sua suspensão. Em seu lugar criou-se uma doação de

de esmolas a “viúvas e donzelas pobres”.

42 - Parte superior da fachada da Igreja

Quatro anos antes, em 1854, a Mesa determinara retirar a primitiva imagem do

Senhor de Bouças e colocar em seu lugar a do Cristo Crucificado da Igreja da Ordem de

S. Francisco. O Senhor de Bouças foi então restaurado e colocado num túmulo no vão do

Altar-mor como se pode ler num relatório da gestão da mesa :

Graças ao zelo do nosso mui digno Irmão, Syndico, a Capela de S. Miguel, se


conserva na melhor ordem: nella se fizerão alguns reparos, assim como celeb rou-se
a festa do costume com toda a decencia, e cumprirão-se devidamente todas as
obrigações annexas e para adornar ainda mais o Altar da Capella a Meza, de
accordo sempre com o mesmo Irmão Syndico, mandou collocar no alto do Throno
uma santa Imagem do senhor crucificado, mui perfeita, e que outrora occupava
lugar igual da nossa Igreja e depositou a que estava na Cruz embaixo do mesmo
Altar, deitada e exposta com toda a decencia a vista dos Fiéis devotos, que assim
de mais perto podião ver e beijar a venerada e antiga Imagem do Senhor de
Bouças 151.

151 ALVES, Marieta, ob.cit.

96
43 - Outro aspecto da igreja

A pequena igreja, a quem o tempo simplificou o nome retirando-lhe o do Senhor de

Bouças, é hoje conhecida apenas por S. Miguel.

Apesar de pequeno, é um edifício de notável mérito arquitectónico. A


fachada é clássica com frontão triangular.
1tem um belo portal formado por pilastras com caneluras que sustentam
um frontão em volutas, tendo no centro um nicho com imagem de Nossa Senhora.
Na parte superior da fachada existe um painel de azulejos policromados, com
emblema da ordem 3ª de S. Francisco, ao gosto rococó e proveniente de Lisboa
(1780/90). Dentre a imaginária, destacam-se as imagens do Cristo na Cruz e S.
Miguel. Tem corredores laterais e tribunas superpostas, disposição típica das
igrejas da época (início do século XVIII). Estes elementos incorporam-se
harmoniosamente ao corpo da igreja, tanto em planta quanto em elevação como
atesta a unidade da fachada.. Não possui torres sineiras flanqueando o corpo
central, que são características das fachadas baianas do mesmo período (...). Sua
frontaria, conjuntamente com as das igrejas de São Lázaro, Matriz e Ordem
Terceira do Carmo da Cachoeira, são dos mais antigos exemplares baianos de

97
fachada com frontão triangular clássico e janelas terminadas por vergas simples
152
.
A igreja do Bom Jesus de Bouças e de S.

Miguel, em Salvador, é o primeiro exemplo

conhecido, no Brasil, da ligação do culto do Bom

Jesus de Bouças ou de Matosinhos ao de S. Miguel.

A invocação da figura do Arcanjo, mensageiro do

céu, dever-se-á à sua função de condutor dos

mortos. A Igreja atribui-lhe a responsabilidade de

acompanhar as almas dos que morrem até ao

esplendor do céu. Daqui o costume de ser

representado com uma balança em que se pesam as

almas. Enquanto anjo da morte foram-lhe

44 - Placa urbana de dedicadas no Brasil colonial muitas capelas dos

identificação da igreja cemitérios e instituídas muitas confrarias de ajuda

aos mortos com o nome de São Miguel e Almas153.

Apesar do objectivo dos estatutos da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos portuguesa

serem os mesmos ou seja, garantir aos vivos protecção para a hora da morte, esse vínculo

não se estabeleceu no nosso país. A igreja do Bom Jesus de Bouças e de S. Miguel foi

tombada154 ou seja declarada património nacional pelo Instituto do Património Artístico e


Nacional do Brasil155. Situa-se na R. Frei Vicente, na área da Sé de Salvador. Não está

aberta ao culto 156.

152 Dados extraídos da folha de registo da Igreja de S. Miguel no Inventário de Protecção do Acervo Cultural da
Bahia, I parte, Salvador, 1978.
153 JUSTINIANO, Fátima, São Miguel Arcanjo, in “CEIB”, Boletim nº4. http:://cecor.eba.ufing.br.
154 Ao longo deste texto irá aparecer várias vezes o termo tombado/a. Em português do Brasil diz-se que um
monumento está tombado quando se encontra registado como monumento do património nacional, estadual ou
municipal .
155 Está registado no Livro das Belas-Artes, nº 79 do vol. 11, folha 15, em 5 de Fevereiro de 1938.
156 Apesar das várias tentativas feitas de contacto com a Ordem Terceira de S. Francisco, para obter fotografias do
interior da Igreja, nunca me responderam.

98
Conceição de Mato Dentro – Minas Gerais

A cidade de Conceição de Mato

Dentro, situada a 622m de altitude, sobre

a borda oriental da serra de Cipó, na

região central de Minas, está integrada

no Circuito do Diamante. Com uma área de

1618 Kms2 ali residem cerca de 20.000

habitantes. Dista 164 Kms da capital do

estado. O município tem como principais

fontes económicas a indústria extractiva

e de transformação 157 .

A sua história está ligada ao ciclo do ouro. O nome Conceição vem-lhe da devoção

dos primeiros bandeirantes pela Padroeira de Portugal – Nossa Senhora da Conceição.

“Mato Dentro” é a tradução do nome índigena “caeté” que designava a densa floresta em

que os índios se embrenhavam e onde se multiplicaram arraiais ao longo do século XVIII

.
158

45 - Vista da cidade

157 Mapa e informações do sítio do Projecto Cidades em www.cidades.mg.gov.br.Todos os mapas e informações


deste tipo sobre as cidades de Minas Gerais provêm da mesma fonte.
158 Informações fornecidas pelo Rev. Pe. Ismar Dias de Matos, Chanceler da diocese de Guanhães.

99
A origem do município está ligada à descoberta das minas de Serro Frio. Os
sertanistas Manuel Correia de Paiva e Gabriel Ponce de Leon, ansiosos por novas
descobertas, seguem para o Sul, em 1702. Enfrentando várias dificuldades,
atravessando montanhas e fugindo do encontro com índios, finalmente descobrem
ouro com abundância nas areias do córrego Cuiabá .
Em 1702, Gabriel Ponce de Leon, decidiu construir uma capela dedicada a
Nossa Senhora da Conceição, em torno da qual se desenvolveu um populoso arraial.
O ouro em abundância permitiu que, ao longo do século XVIII, fossem construídas
nos vários arraiais da região, igrejas e capelas que testemunham a riqueza de
Conceição de Mato Dentro no tempo da mineração.
O arraial foi elevado a vila em 1840. Com o nome de Conceição do Serro
passou a município no mesmo ano. Em 1943, teve seu nome mudado para Conceição
do Mato Dentro.
Suas igrejas e capelas apresentam arquitectura simples, mas são
cuidadosamente ornamentadas em seu interior. A cidade conserva vivas as suas
tradições religiosas e folclóricas .
159

46 - Outro aspecto da cidade

159 Projecto Cidades, in www.cidades.mg.gov.br.

100
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1750

O mais antigo local de devoção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Minas

Gerais deverá ter sido a capela do arraial da Conceição, que foi levantada em honra de uma

imagem que aparecera milagrosamente. Segundo a tradição local, um negro, António

Angola, escravo do sesmeiro Manuel de Sam Tiago Franco, descobriu no meio do mato,

onde penetrara para apanhar lenha, uma imagem de um crucificado, envolta em farrapos.

Logo a notícia se espalhou e o sesmeiro mandou construir no local do achado um oratório

em cedro, com um retábulo magnificamente colorido e salpicado a ouro, para onde a

Imagem foi levada e posta à veneração pública .


160

Por ocasião de sua visita pastoral ao então arraial de Conceição, em 16 de


Junho de 1745, Dom Frei João da Cruz, Bispo do Rio de Janeiro, sugeriu que se
construísse uma igreja para abrigar a milagrosa imagem do Cristo Crucificado, ali
existente. Assim, uma modestíssima capela foi erguida e, a 25 de Maio de 1750,
recebeu a benção inaugural. A provisão definitiva, entretanto, só foi concedida a
21 de Abril de 1770 161.

Segundo um informe

histórico do IEPHA/MG, D. Frei

João da Cruz, terá aconselhado o

padre do Arraial da Conceição a

utilizar o dinheiro dos cofres da

fábrica da Matriz de Nossa

Senhora da Conceição

para construir a nova capela .

47 - Matriz de N. S. da Conceição

160 MORAIS, Geraldo Dutra, História de Conceição de Mato Dentro”, Biblioteca Mineira da Cultura, Belo
Horizonte, 1942, vol.XV.
161 www.iphan.com.br.

101
O destino arquitetônico da primitiva Capela do Bom Jesus, seguiu a
peculiariedade dos templos mineiros: a princípio uma modesta edificação que se
transformou numa igreja de proporções maiores, onde a antiga capela passou a
fazer parte da nova composição como Capela-Mor. A criação da Irmandade do Bom
Jesus, começou a ser organizada em 1759, pelo Vigário José Pacheco Ferreira de
Vasconcelos, coadjuvado pelos padres Manuel Gonçalves da Silva e Leonardo da
Costa Amado. Tinha como objectivo “a construção de um templo de maiores
proporções”. No ano seguinte, com a aprovação de D. Frei Manuel da Cruz e do
Vigário da Vara, iniciaram-se os trabalhos preliminares. Por volta de 1773, a igreja
encontrava-se praticamente concluída, faltando apenas os arremates das torres
162
.

Nesse mesmo ano foi feita, em Lisboa, a aquisição de uma nova imagem, que é a que

existe actualmente 163.

Este templo foi erguida numa elevação que dominava o povoado e nele trabalharam

artistas de renome, como Manuel da Costa Ataíde e Joaquim Pintor o qual, entre 1805 e

1811, dourou as pinturas do tecto, da capela-mor, do arco-cruzeiro e dos retábulos tendo-

se inspirado para o efeito em cenas bíblicas de estampas reproduzidas em missais do

século XVIII 164. Por uma descrição feita, em 1910, pelo Cónego Severiano de Campo Rocha

é possível termos uma noção do interior da antiga igreja:

o coro era duplo, tendo o superior uma pintura com a ressurreição de Lázaro.
Tinha duas naves, laterais ao corpo central, com duas tribunas de dois andares, no
meio das quais estavam colocados os dois púlpitos primorosamente adornados e
trabalhados. Pinturas com episódios dos Evangelhos e da Paixão de Cristo revestiam
as paredes e tribunas. No tecto do corpo da igreja estava representado o
Descimento da Cruz. Os altares estavam colocados nas naves laterais. O altar-mor,
era em talha dourada, com colunas laterais e nichos. A imagem do Bom Jesus estava
escondida por um cortinado de damasco vermelho.

162 Informe do IEPHA/MG sobre o Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, da Conceição do Mato Dentro. Este
documento foi-me enviado pelo Snr. Dr. Pedro Gaeta Neto, director dos Serviços de Protecção e Memória do
IEPHA/MG.
163 Essa imagem foi reencarnada pelo pintor Manuel da Costa Ataíde, em 1805.
164 Informação obtida num documento do IPHAN.

102
No decorrer do século XIX, já rematado o interior da igreja, as áreas mineradoras

sofreram o impacto económico do esgotamento das lavras e a decadência mostrou-se

visível nos diversos sectores que compunham a vida mineira. A igreja do Bom Jesus de

Matozinhos ressentiu-se pela falta de conservação de seus bens materiais. Então a

Confraria local decidiu edificar outro templo.

Em 1927, é lançada a pedra fundamental, e Frei Vicente de Licodia toma a


frente do grande evento que se estende até 1934 quando é feita a entronização da
Imagem do Bom Jesus no novo templo 165.

48 - Actual igreja do Bom Jesus de


Matosinhos de Conceição de Mato Dentro

Foi autor deste projecto o arquitecto Mário Moreira. A construção foi da

responsabilidade do mestre de obras António Bossi, do engenheiro Eurico Catenacci e do

construtor Vito Varelli. O seu estilo é um compromisso entre o neo-gótico e o mourisco


166.

165 Doc. do IEPHA/MG.


166 Doc. do IPHAN.

103
Para evitar a interrupção dos serviços religiosos, enquanto durava a construção, o

velho templo manteve-se em actividade.

49 - Nave central da igreja

De planta rectangular, com ábside circular, tem uma nave única com nichos laterais

que abrigam os altares.

Ao lado do arco cruzeiro existem dois nichos com os altares rococó do edifício

antigo.

A capela–mor tem piso em mármore e o forro em lage com nervuras. O altar-mor,

sobrevivente do velho templo é ladeado por alguns quadros com a mesma origem. A

sacristia fica por detrás deste conjunto.

A amplidão da nave, que ocupa a maior parte da construção, poderá ter a ver com o

facto de ser uma igreja de romarias locais a que afluem enormes multidões de romeiros.

Talvez pela maneira com que foi construída, por étapas, a edificação não
possui estilo artístico e arquitetônico definido podendo, por sua volumetria, ser
classificada como eclética. A conservação, em seu interior, de retábulos da antiga
igreja estlisticamente ligados ao rococó, acontecido em Minas no último quartel do
século XVIII e início do XIX vem refletir preocupação com a tradição e com o valor
do primitivo templo e, ainda, evidencia uma atitude de preservação. Por outro lado

104
observa-se na ornamentação do
santuário uma convivência harmoniosa
de diferentes estilos.

Em 3 de Outubro de 1962 167


, o

IPHAN analisou e tombou o património que

se conservava da antiga igreja: o conjunto


50 - Altar-mor
de talha composto de 3 retábulos em estilo

rococó correspondente aos altares da capela-mor e do arco-cruzeiro. O documento

abrange também uma imagem do Senhor Crucificado e duas credências.

51 - Vista do acesso actual à igreja

O edifício do santuário, como o convento anexo, estão situados em uma


colina que domina a cidade e que hoje denomina-se “Alto de Matozinho”. A
implantação do conjunto é privilegiada e propicia a sua simbologia. É visto a grande
distância e de vários ângulos e a sua posição a cavaleiro do aglomerado urbano,
induca sua importância religiosa e social. Constitui-se no principal ponto de atração
visual da cidade e é como que a sua posição topográfica indique sua condição de
protetor e sentinela da devoção religiosa.

167 Vol.1.folha 86, Inscrição 469.

105
O acesso é feito por ruas em rampas que, em desenvolvimento sinuoso, leva o
fiel ou visitante do sopé ao terraplano da colina, ou de forma direta por larga
escadaria, em degraus de pedra e patamares gramados [...] .
168

Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos

Pelos Breves de 6, 7, 8, 23 e 26 de Março de 1787, concedidos pelo papa Pio VI, a

pedido da irmandade local, foram estabelecidas, não só as indulgências a todos que

visitassem o templo em condições e datas estipuladas, mas ainda as duas grandes datas

festivas anuais ao padroeiro – 3 de Maio (Invenção da Santa Cruz) e 24 de Junho (o

Jubileu).

Logo nesse próprio ano se realizou o primeiro jubileu:

E a partir desse ano, o dia de S. António, 13 de Junho, passou a ter um


sentido todo especial para os moradores de Conceição. É o início do Jubileu do
Senhor Bom Jesus do Matosinho, que vai até ao dia 24 de junho, Solenidade de
São João Batista, quando acontece a solene benção do encerramento. São onze
dias de grande vivência de fé e oração, no alto da colina do Santuário do Bom
Jesus, que abençoa a cidade e os milhares de devotos provenientes de tantos
lugares diferentes. Os moradores do lugar dizem que o movimento do Jubileu
supera o movimento da tradicional festa de Nossa Senhora do Rosário (dia 1º de
janeiro) e da festa de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira (dia 8 de
dezembro).
Os padres diocesanos foram os primeiros responsáveis pelo Jubileu. Mais
tarde, em 1893, Padre Elói Pereira Malaquias, Vigário da Paróquia, passou a cuidar
com mais carinho do Jubileu do Bom Jesus. Mas, justiça seja feita, foi o
capuchinho Frei Dionísio Monterroso, sacerdote dinâmico e empreendedor, que
divulgou o Jubileu além das fronteiras da região, diocese e do Estado de Minas
Gerais. A cada ano aumenta o número de romeiros que sobem a colina em busca de
paz e das bençãos do Senhor Bom Jesus 169 .

168 Doc. do IEPHA/MG.


169 Texto do Reverendo Padre Ismar Dias de Matos.

106
Segundo a imprensa da região, a chegada dos romeiros à cidade antecede o dia 14.

Começa então a organização das barracas pelo morro. De autocarro, camiões ou mesmo a

pé, cerca de 50.000 pessoas passam pela cidade durante os onze dias da festa. E até hoje

os habitantes da cidade respeitam a tradição de manter as suas casas abertas e

oferecerem aos visitantes doces e outras iguarias.

Irmandade do Bom Jesus de Matozinhos de Conceição de Mato Dentro

Se bem que, em 1794, esta Irmandade contasse já com 1200 irmãos, enfrentou

grandes problemas para o reconhecimento dos seus estatutos. Em 25 de Maio de 1803, o

Ouvidor Geral da Comarca da Vila do Príncipe aprovou esse Compromisso. Para ser válida,

esta aprovação carecia, porém do reconhecimento real. Com esse objectivo, em 1805,

seguiu para a corte um requerimento :

Dizem o protector, juiz e escrivaõ, thesoureiro, procurador e mais irmaõs


que por sua devoçaõ servem ao gloriozo Senhor Bom Jezus de Matozinhos na sua
capela publica erecta no arraial de Nª Sªda Conceição de Mato Dentro do Serro
Frio, que elles pretendem erigir huma Confraria ao mesmo senhor Jezus de
Mathozinhos debaixo dos estatutos constantes dos 14 capitulos que juntaõ, mas
como os naõ podem mostrar autorizados, sem que Vossa Alteza real lhes dê a
provizaõ do costume sobre a sua observância.
Pera a V.ªR. pela sua alta piedade e religião deffira aos supplicantes 170.

O documento seguiu os seus trâmites burocráticos que passavam pela obtenção de

um parecer do bispo da diocese de Mariana a que então pertencia a igreja. Feita a

consulta, o bispo deu informações negativas sobre a actuação da Confraria começando por

afirmar que desconhecia a sua existência

e como havia eu senhor dar o meu voto ou parecer, ignorando a erecção de


semilhante Confraria sem ter noticia do comportamento dos confrades que jamais
appareceraõ na minha prezença nem em pessoas nem em requerimento(...) .
171

170 AHU, CU-B/MG, cx. 174, doc. 21.


171 AHU, CU-B/MG, cx. 180, doc. 3.

107
Depois de relatar as informações que tinha obtido sobre a Confraria, apresentou

como razão impeditiva para o reconhecimento dos estatutos a utilização de um capelão

próprio para as cerimónias religiosas quando elas deveriam ser presididas pelo pároco:

Naõ se dignaraõ aquelles bons irmaõs de fallar uma so vez ao seu parocho:
pretendem somente que o seu capellaõ prezida em todas as suas funçoens publicas
e ocultas, geraes e particulares e porquê? Porque o cappelaõ he ou querem que seja
hum sobalterno da Irmandade, hum mercenario, hum individuo dependente da
congrua que lhe dezignaõ para sua subsistencia. Naõ repreende os irmaõs
confrades, naõ os adverte nos seus defeitos, naõ regula as suas acçoens relativas à
Irmandade, naõ zella o divino culto, cumpre quanto lhe ordenaõ, naõ quer
desgostar se com os devotos irmaõs porque receia ser excluido da Capelania 172
.

E, depois de enumerar as vantagens de ser o pároco o orientador religioso da

Confraria, terminava

Podia produzir outros factos acontecidos neste Bispado que (mostram) a


verdade que acabo de expôr a VAR. Porem fico em silencio porque devo consultar a
brevidade e lembrar-me de que VAR me atende e acredita173.

Apesar da opinião do bispo, a Irmandade e os seus Estatutos acabaram por ser

confirmadas pelo príncipe Regente D. Pedro, em 5 de Fevereiro de 1814, apenas com o

impedimento de se proceder a sepultamentos dentro da Igreja para não prejudicar os


174,
rendimentos da fábrica da Matriz .

172 Id.
173 Id.
174 FALCÃO, E. Cerqueira, ob.cit, p. 38, n.6.

108
Congonhas – Minas Gerais

A cidade de Congonhas, antiga

Congonhas do Campo, está situada a uma

altitude de 870m, na região central de

Minas, a 89 kms de Belo Horizonte.

Em 2000 tinha uma população

de cerca de 40.000 habitantes, a

maioria da qual dedicada ao comércio e

serviços.

É conhecida mundialmente desde

que, em 1985, o conjunto patrimonial do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos

foi elevado pela Unesco a Património da Humanidade. É o maior centro de devoção ao

Senhor de Matozinhos do Brasil.

A história da criação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de


Congonhas, em 1734, se confunde com a própria origem do povoado e com a
fundação da Igreja Matriz, num tempo em que os homens se espalhavam pelo
interior das Minas Gerais à procura dos veios de ouro.
Por volta de 1700, alguns portugueses povoaram a Vila Real de Queluz
(hoje Conselheiro Lafaiete). Muitos se fixaram, outros saíram em busca de novos
depósitos auríferos. Esses grupamentos iam fundando novos arraiais. E assim
crescia a população se organizando às margens do Rio Maranhão, por mineradores
que primeiramente habitaram a região.
Há alguma controvérsia sobre a data da criação da Freguesia de
Congonhas. Xavier da Veiga cita sua criação por alvará régio de 3 de abril de 1745.
Entretanto, o Cônego Trindade menciona o ano de 1734 e, segundo este
historiador, a freguesia foi elevada à condição de Colativa por alvará de 6 de
novembro de 1749. O livro de Lotação das Freguesias do Arquivo Eclesiástico de
Mariana registra informação mais detalhada e confiável: "Foi erigida por ordem de

109
S. Majestade, em 1734, e depois, pelo Ordinário, em curato e, pelo alvará de 13 de
abril de 1745, foi mandada declarar de natureza colativa, em lugar de Nª. Sª. da
Conceição do Ribeirão do Carmo que, pela sua elevação à cabeça da Diocese, passou
a ser curato amovível a arbítrio do Prelado".
Esse importante centro de mineração gerava fortuna para muitos de seus
homens. Numa lista secreta, feita em 1746, dos homens mais abastados da
Capitania constam dez nomes da Freguesia de Congonhas, e todos os dez eram
mineiros. O historiador Augusto de Lima Júnior, na Revista de História e Arte, nº
1, afirma que as lavras das Goiabeiras, Boa Esperança, Casa de Pedra, do Pires, da
Forquilha, do Veeiro, são indicadores de um passado de larga prosperidade, além
do famoso Batateiro, assim chamado pelo tamanho avultado dos granetes de ouro,
que fizeram a riqueza de inúmeros mineradores.
“Tirando seu nome”, diz o mesmo historiador, "da vegetação que cobre seus
campos, a terra do Bom Jesus é representada com elevadas cifras de rendimento e
contribuiu pela prosperidade de seus moradores primitivos, para formar troncos
ilustres de famílias do Brasil".
Deram-lhe um nome que vem do Tupi e que quer dizer: o que sustenta, o que
alimenta. Congõi. Congonhas do Campo. Congonhas. O nome da cidade adveio desta
planta abundante no arraial. Não chegou a vila, porque passou diretamente de
distrito a município.
O distrito, criado por alvará em 6 de novembro de 1746 e confirmado pela
lei nº 2, de 14 de setembro de 1891, ligava Congonhas do Campo à Comarca de Ouro
Preto. Mais tarde, através da Lei estadual de 7 de setembro de 1923, o distrito foi
transferido do município de Ouro Preto para o de Queluz (hoje Conselheiro
Lafaiete). O Decreto-Lei estadual nº 148, de 17 de dezembro de 1938 criou o
município de Congonhas do Campo, e a lei nº 336, de 27 de dezembro de 1948,
simplificou a denominação do município, reduzindo-a para Congonhas sem consulta
prévia à população 175.

Congonhas do século XVIII cresceu, como de resto todas as outras de Minas

Gerais, à custa dos imigrantes que lá se fixaram à procura do ouro. Segundo Roberto

Borges Martins a sua sociedade era

175 Transcrição do texto “A cidade dos Profetas”, publicação da Fundação Municipal de Cultura e Turismo de
Congonhas, 1995. O mesmo texto pode ser consultado em www.camaracongonhas.mg.com.br.

110
eminentemente formada por ricos (geralmente proprietários de lavras),
pequenos e médios grupos sociais (geralmente proprietários de faisqueiras). Há
entretanto diversificação no setor médio, que necessariamente não se ocupa da
mineração, composto por mercadores (as minas eram abastecidas praticamente de
tudo), tropeiros, oficiais, estalajadeiros, profissionais liberais, burocratas, soldados
de milícia, clérigos, entre outros. Finalmente os escravos, que embora numerosos, em
momento algum superou a população de homens livres.

52 - Igreja do Rosário 53 - Matriz de N. S.da Conceição

Pertencente a um ou outro município, enquanto distrito, Congonhas sempre irradiou

vida própria. Uma vida de intenso misticismo, religiosidade e fé, que pode ser constatada,

através de inúmeras igrejas que até hoje fazem parte do cenário do município. A Igreja

do Rosário, a mais antiga de Congonhas, foi levantada antes mesmo de os mineradores

chegarem à região. Construída pelos escravos, em fins do século XVII, conserva até hoje

a singeleza daquela época.

A primeira metade do século XVIII ficou marcada em Congonhas como


uma época de intensa religiosidade, traduzida pela construção da maioria das
Igrejas, que ainda hoje representam a fé de seu povo 176.

176 MARTINS, Roberto Borges, A economia escravista de Minas no século XIX, Belo Horizonte:
CEDEPLAR/UFMG, 1980, resumo da tese de doutoramento.

111
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - 1757

Através de peregrinações entre


vales e montes, de igreja em igreja
foi sendo tecida a história do
município, iniciada por aqueles
homens impregnados de pó de
minério e de fé. De igreja em igreja
chega-se ao alto do morro Maranhão
onde o português Feliciano Mendes,
na segunda metade do século XVIII,
fincou uma cruz tosca, e dedicando
sua vida ao Senhor Bom Jesus do
Matozinhos, deu início à construção
do Santuário. Feliciano Mendes
fizera uma promessa para recuperar
a sua saúde perdida após muitos anos

54 - Santuário de Congonhas
de trabalho na exploração de jazidas de
ouro. Atendido, deu início às obras em
1757 e dois anos depois já estava pronto
todo o corpo da Igreja. Uma vez mais
religiosidade e trabalho se confundiam.
A capela se erguia pelas mãos de
Feliciano, que com um pequeno oratório do
Senhor Bom Jesus do Matozinhos177
recolhia esmolas e donativos para a
construção. As mesmas mãos que num
55 - Oratório que se diz ter
gesto de humildade recolhia tais
pertencido a Feliciano Mendes
donativos, foram hábeis o bastante para
traçar a grandiosa concepção do Santuário.

177 Este oratório encontra-se exposto em Congonhas. Nele são perfeitamente visíveis as imagens de S. Miguel (na
porta do lado esquerdo) e das Almas do Purgatório (na porta direita). É mais um exemplo da associação destes
elementos ao culto do Bom Jesus de Matosinhos no Brasil.

112
Não existe nos registros nenhuma indicação com a relação ao risco e planta
do Santuário, mas tudo leva a crer que Feliciano Mendes teria traçado o desenho,
conhecedor que era da igreja do Bom Jesus do Matozinhos, perto da cidade do
Porto, em Portugal. E porque também o primeiro ermitão de Congonhas do Campo
era "oficial de pedreiro", profissão mencionada em seu termo de entrada para a
Ordem Terceira de São Francisco de Vila Rica, em 11 de janeiro de 1760. A morte
o surpreendeu, em Antônio Pereira, a 23 de setembro de 1765, sem ter ainda
terminado a sua igreja, que tinha até então três altares. Sobre o altar-mor, a
178 .
imagem do Senhor crucificado vinda de Portugal, deixava paga a promessa

Cronologia da construção do Santuário de Congonhas

1757 - Aprovação eclesiástica

1758 – Aprovação régia

1758/1765 (1ª fase):


Administrador – Feliciano Mendes

Altar-mor

Altares colaterais – Jerónimo Félix Teixeira

1765/1776 (2ª fase):


Administrador – Custódio Gonçalves Vasconcelos

Altar-mor – João Antunes de Carvalho

Altares colaterais - Jerónimo Félix Teixeira

Manuel Rodrigues Coelho

João Carvalhais (pintura)

Bernardo Pires da Silva (douramento)

Pintura do forro da capela-mor – Bernardo Pires da Silva

Pintura do forro da nave e painéis – João Nepomuceno Correia e Castro

Capela-mor – Francisco de Lima Cerqueira

178 In “A Cidade dos profetas”.

113
Tomás da Maia Brito

1776/1790 (3ª fase):


Administrador – Inácio Gonçalves Pereira

Adro (1777/1790)

Projecto dos Passos

Anjos tocheiros da capela-mor - Francisco Vieira Servas

1790/1796 (4ª fase):


Administrador – Tomás Maia de Brito

Casas adjacentes ao santuário

Mineração em prol do santuáriio

1796-1819 (5ª fase):


Administrador – Vicente Freire

Relicário da capela-mor - Aleijadinho, Athayde

Grupo escultórico dos Passos (1796-1799) – Aleijadinho e atelier

Grupo escultórico do Adro -12 profetas ( 1800-1805) – Aleijadinho e

respectivo atelier

Construção das capelas e policromia das imagens referentes

Passos da Ceia (1808)

Horto e prisão (1818/1819)- Athayde

1819/1864 (6ª fase):


Paralisação das obras

1865/1872 (7ª fase):


Construção das capelas e policromia das peças referentes aos Passos da

Flagelação, Coroação de espinhos, Cruz às costas e Crucificação 179.

179 Texto fornecido pelo IEPHA/MG.

114
56 - Nave do Santuário de Congonhas 57 - Altar-mor

Esta cronologia revela como, após a morte de Feliciano Mendes, a igreja do Bom

Jesus de Matozinhos teve vários administradores, ou ermitães (como também eram

denominados) que chamaram a si a continuação das obras e entre os quais se destacou

Inácio Gonçalves, que exerceu esse cargo entre 1776 e 1790. A ele se deve a construção

do monumental adro, as pinturas das paredes das naves e do tecto do corpo da igreja,

assim como a aquisição do órgão. No fim da sua vida dedicava-se à construção da Casa dos

Milagres e de instalações para os romeiros. No campo devocional, organizou a Irmandade

do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, a quem o Santo Padre Pio VI

concedeu indulgências em oito Breves de 1789.

Foi durante esta gestão que a Imagem original do Bom Jesus de Matozinhos foi

tirada da cruz e depositada no sepulcro existente na parte inferior do altar-mor, onde

passou a ser venerada como Bom Jesus do Sepulcro. A esse respeito diz Cerqueira Falcão

É voz corrente ainda hoje em Congonhas, vinda de épocas imemoriais, que a


imagem do senhor Bom Jesus, depositada presentemente no sepulcro do altar-mor,

115
foi a primitiva mandada vir de Portugal, a qual ocupava outrora o trono, tendo sido,
em data posterior, substituída pela que se acha actualmente naquele local de
honra. Nenhum dado positivo, porém, ficou arquivado nos papéis do Santuário a
esse propósito 180 .

Contudo numa visita que fez ao santuário, em 1959, Cerqueira Falcão descobriu um

livro da época que continha um “Treslado dos bens pertencentes somente à Capela do

Senhor Bom Jesus de Matozinhos, que se fez por falecimento do ermitão Feliciano
Mendes”. Por este documento fica-se a saber que à morte do ermitão existiam duas
imagens. Uma que estava no altar-mor e outra, por colocar, que fora mandada ir de

Portugal por Joseph Roiz Medina que a deixara em testamento ao santuário. Dos bens

faziam ainda parte quatro toalhas para vestir o Senhor, durante as cerimónias da Semana

Santa, quando Ele era descido da cruz e amortalhado num esquife para a procissão do

Enterro. Para permitir que a imagem se deitasse, os seus membros são articulados, tal

como acontece com a que está no sepulcro do altar-mor. A da cruz encontra-se

fortemente pregada. Perante isto, Cerqueira Falcão confirmou o que já se suspeitava.

58 - Verdadeira imagem do Bom Jesus de Matosinhos

As obras do Santuário foram crescendo com o tempo e com o precioso


trabalho dos melhores artistas da época. O Santuário de hoje, em sua excepcional
grandiosidade foi fruto da imaginação e sensibilidade de nomes importantes, como
Manoel da Costa Athayde, Francisco Xavier Carneiro e Aleijadinho.

180 FALCÃO, E.Cerqueira, pp. 56 e 69-70.

116
59 - Conjunto dos Passos

Toda a concepção do Aleijadinho e sua execução dos Passos e dos Profetas do


adro, dão ao santuário uma majestade excepcional. A adequação das estátuas ao
espaço arquitetônico que elas ocupam é perfeita.
Em Congonhas, o gênio de Aleijadinho se libertou e foi aqui, que ele deixou as
maiores obras-primas de toda sua arte barroca 181.

60 - Cena de um dos Passos - Última ceia

181 In “A Cidade dos profetas”.

117
61 – Dois dos Profetas

62 - Primeiro lanço das escadas do Santuário

“…magníficos, terríveis, graves e eternos - eles falam de coisas do mundo


que, na linguagem das Escrituras, se vão transformando em símbolo”.
Carlos Drummond de Andrade

118
O ALEIJADINHO

Foi o ermitão Vicente Freire de Andrada quem, em 1794, convidou António


Francisco Lisboa, o maior artista da zona, para esculpir as estátuas em madeira
que deveriam ornar os Passos e, posteriormente, as dos Profetas em pedra.
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é, sem dúvida, o artista colonial
brasileiro mais estudado e conhecido. Entretanto alguns pontos de sua vida ainda
são obscuros, a começar por sua data de nascimento. A data de 29 de agosto de
1730, encontrada em uma certidão, não condiz com as indicações da certidão de
óbito, que data seu falecimento em 18 de novembro de 1814, com 76 anos. Nasceu
bastardo e escravo, uma vez que era "filho natural" do arquiteto português Manoel
Francisco Lisboa e de uma de suas escravas.
Sua formação artística, ao que tudo indica, teve como prováveis mestres, o
próprio pai, arquiteto de grande projeção na época e o pintor e desenhista João
Gomes Batista. De sua formação como escultor, pouco se sabe. Alguns biógrafos
citam nomes como Francisco Xavier de Brito e José Coelho Noronha, ambos
artistas entalhadores de renome da época, como prováveis mestres de Aleijadinho.
Sobre as doenças do grande artista já se publicaram vários estudos, mas
nenhum deles pode ser contundente. Tancredo Furtado chegou a estas conclusões:
"a lepra nervosa é a única afecção capaz de explicar a mutilação (perdas dos dedos
dos pés e alguns das mãos), a deformidade (atrofia e curvamento das mãos) e a
desfiguração facial, as quais lhe valeram o apelido de Aleijadinho."
A obra e nome de Aleijadinho alcançaram imensa fama após 1790. O artista
tinha deixado Vila Rica por volta de 1788. Antes, em 1779, fora convocado a
Sabará, onde trabalhou em encomendas relativas à ornamentação interna e
externa da Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Durante um período de mais de
20 anos, Aleijadinho foi requisitado suscessivamente pela maioria das vilas
coloniais mineiras que passaram a requisitar ou mesmo disputar abertamente o
trabalho do artista, cuja vida transformara-se numa verdadeira roda viva.
A produção artística deixada por Aleijadinho, confirmada por documentos
de arquivos, é considerável. O conjunto de Congonhas oferece material abundante
para pesquisa. A amplitude da obra realizada em Congonhas durante 9 anos, exigiu
a colaboração intensa de auxiliares, mais do que em qualquer outra situação. Já no

119
final de sua vida, gravemente mutilado pela enfermidade, Aleijadinho não teria
deixado tão valioso conjunto sem a colaboração de seus artesões.
Em 1796, no apogeu de uma vitoriosa carreira artística, e considerado pelos
próprios contemporâneos como superior a todos os outros artistas do seu tempo,
Aleijadinho inicia em Congonhas o mais importante ciclo de sua arte. Em menos de
10 anos cria um total de 78 estátuas, entre as quais estão as suas maiores obras
primas.

63 - Selo dos correios brasileiros com


os símbolos do Santuário de Congonhas

Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos

Esta é a festa anual ao padroeiro e a que nós em Portugal chamamos Romaria,

termo que, no Brasil, designa também o conjunto de instalações destinadas a acolher os

romeiros.

Em Congonhas, a festa teve origem no Breve de Pio VI, em 1780, durante a gestão

do ermitão Inácio Gonçalves, em que se conferiam as indulgências aos confrades da

Irmandade e aos restantes devotos do Bom Jesus de Matozinhos. Inicialmente

celebravam-se duas festas anuais: a 3 de Maio, dia da Invenção da Santa Cruz, e a 14 de

Setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz. Dadas as más condições atmosféricas que

normalmente coincidiam com a festa de Maio, outono brasileiro com chuvas abundantes,

que tornavam os caminhos impraticáveis e os rios impossíveis de atravessar, foi suprimida

a primeira celebração festejando-se apenas a de Setembro182.

O facto de Congonhas ter sido o local de Minas Gerais em que mais cedo se

organizou uma festa anual ao Bom Jesus de Matozinhos, (a de Conceição de Mato Dentro é

posterior) poderá ter desempenhado um papel importante no aparecimento de mais igrejas

182 FALCÃO, E. Cerqueira, ob.cit., p.55.

120
desta devoção. No século XVIII, as comunicações por terra eram difíceis e demoradas.

Perante as dificuldades existentes de deslocação àquele santuário, os fiéis de paragens

mais afastadas terão optado pela construção nas suas localidades de um templo da mesma

invocação garantindo desse modo a proximidade do padroeiro o que tornava o culto mais

acessível e confortável. Marcar os seus jubileus na mesma data de Congonhas era outra

forma de partilhar a veneração.

Mais uma vela acesa ao Senhor Bom Jesus, uma vez mais a promessa
cumprida em troca do milagre realizado. Fé, tradição, sacrifício e festa. Gente que
sobe as escadas de joelhos, milhares de almas rezando a ladainha. Esperanças
espalhadas, amontoadas por todo lado. O silêncio na bênção final e a certeza de
voltar no próximo ano.
Congonhas se transforma no Jubileu. A romaria atravessando os tempos faz
da cidade um centro de peregrinação que se revitaliza anualmente pelos poderes
milagrosos atribuídos ao Senhor Bom Jesus do Matozinhos.
É durante o Jubileu que Congonhas demonstra sua força e tradição religiosa.
Entre 8 e 14 de setembro a cidade recebe multidões de romeiros do mais longínquo
interior do Brasil. Gente simples, que em seu encontro anual com o Senhor Bom
Jesus revive sua paixão.
Não existe estatística precisa, mas calcula-se que cerca de 500 mil pessoas
visitam Congonhas durante o Jubileu. Atualmente, a cidade recebe os romeiros,
que através dos mais diversos meios de transportes, chegam e retornam no mesmo
dia. Diariamente renova-se o contingente de peregrinos, que vêm a Congonhas
depositar sua fé no Senhor Bom
Jesus. Mas antes da ligação da
cidade com a BR-040, eram
outras as características dos
romeiros. Os devotos chegavam
com suas famílias durante toda a
semana para receberam a bênção
final e lotavam totalmente a

64 - Aspecto actual da entrada da cidade. Gente que chegava a pé, a

Romaria cavalo, em caravanas, nos trens de

121
ferro e até no lombo de burros.
Congonhas inteira se transformava num conjunto de pensões. Os
proprietários da cidade alugavam quartos, quintais e até alpendres que serviam de
abrigo para os romeiros. Construiu-se, então, no início da década de 30, à direita
do Santuário, no fim da Alameda das Palmeiras, a Romaria, uma pousada
constituída de um conjunto de casas baixas, fechando um círculo ao redor de um
imenso pátio. Para ocupar esse abrigo cada família pagava cinco mil réis por todo o
período do Jubileu. Esta quantia era considerada na época acessível a qualquer
família, mesmo as de recursos muito pequenos. A Romaria foi demolida em 1966 e
reconstruída em 1994.

65 - Vista da Romaria 66 - Outro aspecto da Romaria

Para se compreender a festa do Jubileu, é preciso entender antes a


origem dessa devoção. A demonstração de fé até hoje cultuada pelos fiéis nasceu
praticamente junto com o Santuário, quando Feliciano Mendes colocou a sagrada
imagem do Bom Jesus para ser venerada em público exatamente a 8 de abril de
1757. Essa imagem era fixada num pequeno oratório de madeira, que Feliciano
Mendes usava em suas andanças para recolher esmolas para a construção do
Santuário. Diante dela, prosternavam-se os devotos, beijando-a respeitosamente
ao entregarem seus óbulos. Estes primeiros devotos eram os mineradores
portugueses, que, angustiados pelas saudades de sua terra natal, oravam e
adoravam aquela imagem que viera da terra mãe.
A imagem do Senhor Morto, jacente, adorada ainda hoje pelos fiéis, veio de
Portugal e foi alí colocada em 1787, ano em que se consolidaram os festejos do
Jubileu.
Desafiando os tempos, a romaria permanece com toda a sua força, se
renovando a cada dia, na esperança de milhares de brasileiros, que todos os anos,
continuam a trilhar os caminhos do Bom Jesus de Matozinhos.

122
A maioria deles vem a Congonhas movidos pela fé. Há e sempre houve,
entretanto, uma boa parcela desta gente que, todo ano, vem ao Jubileu para fazer
comércio. As barraquinhas que se erguem em Congonhas durante o Jubileu remontam
de um tempo antigo. No início do século, até 1930, além da proliferação do comércio,
o Jubileu apresentava ainda seu lado profano. Do outro lado da ponte, entre os
festejos noturnos, aconteciam os bailes, em meio a muito jogo e outras atrações
mundanas. Vinham de fora diversos artistas e os mais famosos circos se
apresentavam em Congonhas nessa época.
De tudo isso resta, atualmente, apenas a fé inabalável dos romeiros e o
comércio montado para atender esses peregrinos. Vem gente de longe para armar
suas barracas e vender suas mercadorias. Até mesmo comerciantes de outros
estados. Antigos moradores afirmam que, em tempos mais remotos, esses
comerciantes ganhavam, durante o Jubileu, dinheiro suficiente para viver o resto do
ano. Hoje, de forma geral, eles não revelam quanto ganham. Falam até mesmo em
prejuízo, mas, certo é que, todos os anos, eles estão de volta. Mesmo os que não
comerciam ganham dinheiro indiretamente, pois as calçadas são alugadas pelos
proprietários das casas aos barraqueiros, para instalarem suas tendas. Alguns
destes barraqueiros, vindos de outras cidades e até de outros estados, preferiram
ficar em Congonhas e aqui criaram suas raízes. Vendendo bolinho, santinho, pastel,
livros de missa, bonecos de pano, sanduíches, roupas, refrigerantes e calçados. Sem
falar da boa pinga da roça, que não pode faltar. Congonhas fica tomada pelas
barraquinhas, que vendem de tudo.
Durante o Jubileu, Congonhas, realmente, se transforma. No entanto, essa
invasão de peregrinos, modifica os hábitos da cidade, mas não incomoda o povo, que
vê na convivência com os romeiros uma verdadeira demonstração de fé. Deste
sentimento puro o povo de Congonhas entende profundamente. Afinal, os que aqui
nasceram sabem o que é ter a proteção do Senhor Bom Jesus. Sabem o que é olhar
para o alto e reencontrar todos os dias, suas esperanças no Senhor. E, por saberem
disto, recebem com alegria os romeiros, que vêm de longe e que, com sua presença,
reforçam a tradição religiosa de Congonhas 183.

A poesia seguinte, escrita por um romeiro dá-nos uma imagem pitoresca da festa:

183 In “A cidade dos profetas”.

123
BOM JESUS DE CONGONHAS 184

E o carro foi correndo E aqui... ali... o lúgubre estribilho...


e eu, todo aflito, Dor e soluço e lágrima e pús!
que ele chegasse, Santuário de Congonhas... Mas todos... todos... era tudo filho
do imenso Coração do Bom Jesus.
Duas horas e meia de viagem...
E na cidadezinha, O povo
fui entrando, É boa gente
e observando, a que habita a cidade dos profetas.
tudo que, enfim, de extraordinário tinha... Tem o riso a mostrar-se francamente,
e a brandura sutil das almas quietas.
Casinhas espalhadas,
de canto a canto: Também...
À porta ou nas janelas, debruçadas, Não é verdade
moças mostrando singelezas e encanto... que é pleonasmo dizer-se que o mineiro
sabe fazer uma hospitalidade
Um velho à frente da bodega, sabe ser delicado e companheiro.
oferecia ao romeiro
por apenas cem “pilas” um omégas, Os padres...
o relógio melhor do mundo inteiro... Ó ministros incansáveis
do Altar, piedosos, bons redentoristas!
Uma mulher moça e travessa gritava: Cheios de paz e amor, aos miseráveis
“É aqui que um bom jantar, um bom almoço tinheis sempre voltados vossas vistas!
custa mil e quinhentos”.
Nem ... siquer de impaciência,
Um velho calvo, barrigudo, nada de enfado ou de contrariedade!
com uma roupa sebenta: Ai, sereis sempre os homens da Clemência
“Minha casa é o basar que tem de tudo! os arautos do Amor e da Piedade!
Está na hora, amiga, experimenta!”
Aos pés do Altar...
O Outro: Senhor, Senhor que aí estais deitado,
“Café quentinho ouvi bem a oração deste poeta!
com pão ou com bolacha Fazei o bem viver sempre afastado
com leite paga mais um tostãozinho...” do Pecado que as almas desinquieta!
Ai, assim tão barato ninguém acha!
Dai luz e força. Iluminai-lhe os versos
Outro... mais outro... (a poesia sem vós é má e é ôca!)
E o cobre ia saindo não lho perturbe os risos dos perversos,
para a lata, o cuité, o pé de meia. vença o sarcasmo ostil da plebe louca!
E vivendo, e vibrando e divertindo
A cidade gentil completamente cheia... Siga sempre a doutrina incomparável!
Os pobres Não se afaste jamais dos vossos trilhos!
(minha musa esquece um pouco toda a alegria Bom Jesus! Abençoai o impenetrável
e escuta as vozes, o queixume rouco Futuro seu e o da mulher e filhos!
da miséria a mostrar-se à luz do dia!) O adeus...
Um: A hora, afinal, do meu adeus chegava.
“Meu senhor, espia meu estado: Do olhar funda saudade embaciava-me a luz!
uma chaga a sangrar por todo o lado!”
E eu partia... e eu seguia...
Outro: Em minha alma levava
“Patrão, vê que tristeza imensa! Congonhas – altar-mor do Senhor Bom Jesus!
Sou aleijado e cego de nascença!”

Inda outro: Ouro Preto, 14-9-39


“Sinhozinho, desde moço
que eu tenho a tisga a me roer o osso”.

184 Entre o material que me foi amavelmente enviado pela FUMCULT destaco esta poesia de um romeiro, Brito
Machado, da cidade de Ouro Preto, narrando o Jubileu de 1939.

124
Das várias orações que os romeiros dirigem ao padroeiro a pedir favores tive

acesso a uma, da responsabilidade de um bispo de Mariana, com a data de 21 de Maio de

1977 :

Ó meu Senhor Bom Jesus, que estais na Basílica de Congonhas,


braços abertos, para acolher, com paternal bondade, os vossos devotos e
derramar sobre todos a plenitude de vossa misericórdia! Eis-me aqui aos vossos
pés para vos oferecer, com o tributo de minhas homenagens de adoração, o mais
profundo sentimento de dor e arrependimento pelos meus pecados, que tantas
vezes o ofenderam.
Ó Senhor, infinita é a vossa bondade em ouvir as súplicas daqueles
que, até de longínquas passagens, se dirigem a vós, com fé e confiança.
Incomensurável é a vossa compaixão, Senhor! Animados por tantas provas de
ternura paternal, lanço-me aos vossos pés, implorando a graça que ardentemente
desejo : (aqui indica-se a graça que se deseja obter).
E vós, Virgem Santíssima, mãe de Deus e mãe dos homens, a quem o
Bom Jesus nada recusará por vossa intercessão, alcançai-me esta grande graça,
ardentemente vos peço,
Amém 185.

Os romeiros em frente ao Santuário, assistem às missas rezadas diariamente e

veneram o Senhor Morto. De realçar que a grande devoção que se pratica em Congonhas é

relativa ao Senhor no Sepulcro, a primitiva imagem do Senhor de Matozinhos. Junto dela

procedem também ao pagamento do favor obtido. Esta retribuição é feita através de

objectos de uso quotidiano, jóias, velas e imagens em cera, e, actualmente, muitas

fotografias, na linha das antigas tábuas votivas ou ex-votos, que depositam na Sala dos

milagres. Nesta sala está exposta uma coleção de 89 ex-votos ou "milagres" pintados,

classificados em 10 de Dezembro de 1980, pelo Conselho Consultivo da Secretaria do

Patrimônio Histórico e Artístico.

185 Texto fornecido pela FUMCULT.

125
67 – Ex-votos

68 - Sala dos milagres

Por vezes, as promessas de oferta de figuras em cera são trocadas por pagamentos

em dinheiro. Para o efeito existe na Casa dos Milagres uma tabela que regula a conversão

do valor de cada peça no seu valor em moeda :


186

186 Texto fornecido em fotocópia pela FUMCULT.

126
69 - Tabelas de preços dos ex-votos

127
A Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas

A primeira instituição deste tipo que se fundou em Congonhas foi durante a gestão

de Inácio Gonçalves e elaborada a partir dos Breves de Pio VI de 27 de Fevereiro e 11 de

Março de 1779. Estes documentos encontram-se expostos na sacristia da actual Basílica,

em reimpressão de 1886.

Até 1800, a Irmandade esteve dependente das autoridades eclesiásticas de

Mariana, tendo os seus administradores de lhe prestar contas. Para se eximirem a essa

obrigação foram elaborados, então, novos estatutos passando a estar sujeita apenas às

autoridades civis, através dos provedores das Capelas e Resíduos. Cerqueira Falcão

transcreve na sua obra os oito capítulos pelos quais se passou a reger a Confraria 187
e que

aqui vão ser expostos de forma resumida:

Cap.1º - que se celebrassem anualmente, em 2 de Maio, as vésperas da


Invenção da Santa Cruz e do Jubileu e que então se procedesse à eleição do juiz,
escrivão e tesoureiro para o ano. Estes, devido ao trabalho que tinham de fazer,
não pagariam quota anual.
Cap.2º - Que existisse um procurador competente que desempenhasse o
seu cargo enquanto estivesse capaz.
Cap.3º - O procurador deveria nomear os substitutos necessários para
procederem à cobrança dos anuais dos irmãos que viviam longe e para o ajudarem
noutras coisas. E, se acontecesse morrer o procurador, fosse eleito para o cargo
um deles, devido a conhecerem bem os bens e interesses da Irmandade.
Cap.4º - Para entrarem na Confraria os irmãos deveriam pagar 600 rs. e de
anual 300 rs. Se quisessem remir os anuais dariam 6000 rs. Se fossem sacerdotes,
como entrada e anuais apenas seriam obrigados a dizer uma missa pelos irmãos
vivos e defuntos.
Cap.5º - Deveria haver dois capelães na Confraria que se encarregassem de
confessar os romeiros e devotos que se deslocassem ao santuário durante o ano e
no Jubileu, e dissessem missa todas as sextas feiras, domingos e dias santos do

187 FALCÃO, E. Cerqueira, ob.cit. pp. 73-77.

128
ano pelas mesmas intenções e pelos beneméritos. Se fosse preciso, o procurador
deveria nomear mais um capelão e convocar mais sacerdotes para confessar os
romeiros durante o Jubileu, a quem seria dada hospedagem decente.
Cap.6º - O procurador deveria registar num Livro as esmolas que recebesse
assim como as intenções dos doadores para que fossem cumpridas. As entradas e
anuais seriam guardados num cofre e registados no Livro de receita. Esse dinheiro
deveria estar sempre no Cofre e não sair senão para despesas da Irmandade,
proibindo-se os empréstimos sob pena de os pagarem os oficiais que tivessem a
chave.
Cap.7º - Sempre que fosse necessário fazerem-se obras, para maior culto do
Senhor e fervor e comodidade dos fiéis que viessem ao Jubileu, o procurador
convocaria a Mesa e juntamente com os oficiais decidiriam a respeito, votando
todos por igual. O procurador poderia decidir em caso de empate. Seria ele quem
administraria e vigiaria a execução da obra. Os pagamentos seriam feitos do cofre
e registados em livro de despesa.
Cap.8º - Os livros da Irmandade – de assentos, entradas de irmãos,
lembranças de esmolas, ofertas, inventários de vestes, alfaias e móveis - deveriam
permanecer na Casa da Confraria guardados pelo procurador, assim como os dos
termos, acórdãos da Mesa, receita e despesa, estariam na mão do tesoureiro.
Apenas os entregariam ao Provedor das Capelas e dos Resíduos da Comarca.

Será de realçar que estes estatutos contemplam apenas a parte administrativa e

de gestão da Irmandade e não outro tipo de privilégios dos irmãos e devotos. Contudo é

possível termos uma ideia destes a partir do texto de um diploma de entrada de irmãos,

existente no Arquivo Eclesiástico da Diocese de Mariana, de finais do século XIX :


188

O irmão _____________________________ entrou para a Irmandade


no dia _____ de______ de 189___. Pagou Rs_____$__ e fica gosando dos
indultos e graças que o Summo Pontifice Pio 6º concedeu em oito breves ao
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, das Congonhas do Campo, para os
seus confrades as seguintes graças :

188 “Irmandade do Bom Jesus de Matosinhos” Diploma, AEAM, Livro K 13, p47.

129
No dia do seu ingresso, confessando-se e comungando, visitando o
Santuário do Senhor, rogando a Deus pelas necessidades da Igreja, conforme a
mente do Pontífice, lucram Indulgência Plenária e remissão de todos os pecados.
No primeiro domingo de cada mês e no dia da Invenção da Santa Cruz, a 3
de Maio, fazendo o mesmo acima dito, lucram a mesma indulgência.
No artigo de morte, se contritamente confessados, receberem o SS.
Sacramento, e, não o podendo fazer, invocarem o SS. Nome de Jesus, não podendo
com a boca, com o coração, lucram a mesma Indulgência.
Ganham sete anos e sete quarentenas de perdão, fazendo o mesmo acima
dito nos dias seguintes: na primeira Oitava da Paschoa, na primeira Oitava do
Espírito Santo, na primeira Sexta feira da Quaresma e no dia do Coração de
Jesus.
Os irmãos, que, pela distância do logar, não puderem vir ao Santuário do
Senhor, lucraram todas as graças na Igreja Maior, no logar ou capella onde
residem, e também estando enfermos na cama, as podem ganhar nos dias
referidos, cumprindo com as obras acima ditas.

Dias em que se levará Indulgência Plenária, vindo à Capela do Senhor:


O Dia da Exaltação da Santa Cruz, a 14 de setembro.
A romaria 189 ao Santuário do Senhor, uma só vez ao ano.
Ganham mais 60 dias de relaxação de penitência por qualquer obra pia que
fizerem, que são as seguintes:
Por cada vez que derem esmola a pobres, visitarem os enfermos, ensinarem
a Doutrina, rezarem cinco vezes o Padre Nosso e Ave Maria pelas almas dos irmãos
defuntos, concorrerem para a paz dos inimigos, ouvirem missa, acompanharem o
SS. Sacramento e os defuntos à sepultura, ou por qualquer outra obra de caridade
que fizerem.
Todos os Altares do Santuário do Senhor são privilegiados para os Irmãos
no dia do óbito e de deposição, e o Altar Maior é priveligiado todos os dias do ano
para todos fiéis Cristãos, etc.

189 O termo romaria aparece aqui não no sentido de festa, mas de visita ou peregrinação.

130
“Realmente há algo de mágico no alto da colina do santuário do Bom Jesus. A
tocante sensação de paz que envolve o local parece resultar de um feitiço, de um
suave encantamento” 190.

Honório Bicalho (Nova Lima) – Minas Gerais

O Município de Nova Lima

localiza-se numa área montanhosa,

da região central de Minas. Possui

uma área de aproximadamente

427,7 km2 sendo constituído

unicamente do distrito sede. Situa-

se a 745 metros de altitude e dista

15 km da capital do Estado. Tem

uma população de 64.295

habitantes 191
que se dedica à agricultura, pecuária e indústria : extractiva,

beneficiamento mineral e transformação.

190 In “A cidade dos profetas”.


191 Fonte: IBGE - Dados Preliminares 200.

131
70 - Vista da cidade

Em 1770, o bandeirante paulista Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, descobriu

ouro nos ribeiros dos Cristais e do Cardoso, no local onde actualmente se situa a sede do

município. Outros mineradores vieram e, em 1720, o local já possuía um razoável número

de habitantes, entre escravos, homens livres e aventureiros de passagem. Com o

desenvolvimento do garimpo, aos primitivos acampamentos sucederam as casas de pedra.

O primeiro nome do arraial foi Campo de Congonhas. Aí viviam os que trabalhavam nas

minas de Bela Fama, Cachaça, Vieira, Urubu, Gaia, Gabriela, Faria, Garcês, Batista, Morro

Velho e outras. Em 1748, foi elevado a freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Congonhas.

Passou a distrito dependente de Sabará, em 1836, com o nome de Congonhas do Sabará.

Ainda no século XVIII, findou a extracção do ouro em depósitos aluviais e à

superfície. A busca subterrânea foi retomada a partir de 1834, quando uma companhia

inglesa comprou a mina do Morro Velho. Esta actividade foi acompanhada por um grande

movimento migratório. Chegaram, então, além dos ingleses grupos de chineses, espanhóis,

portugueses, italianos, franceses, alemães e polacos que fizeram prosperar o local,

tornando-o um mosaico de raças e línguas. A emancipação do município deu-se em 1891 e

passou a designar-se Vila Nova de Lima, em homenagem ao poeta, político e historiador

Augusto de Lima, filho da terra. Em 1923, simplificou-se o nome para Nova Lima.

132
71 - Vista da cidade do lado sul

Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos-1760

72 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos de Honório Bicalho

133
Este templo, localizado no distrito de Honório Bicalho, é mais uma construção

setecentista cujas obras foram concluídas em 1760. A igreja passou por diversas

reformas que alteraram a sua estrutura arquitectónica, mantendo, porém, as

características barrocas 192.

Construído no alto de uma montanha, o acesso é feito por escada construída em

pedra. Apresenta uma fachada simples, composta por três portas. A principal é

almofadada, encimada por três básculas e uma sineira e é ladeada por duas rosáceas. O

telhado do corpo central da igreja é em duas águas e os laterais em meia água.

A iluminação externa é feita com lampiões.

A festa anual – Jubileu - ocorre de 14 a 21 de Setembro. Fiéis de várias partes da

região reúnem-se para participar das celebrações da Eucaristia, Benção dos Enfermos,

missas e orações. É também essa a altura de se cumprirem as promessas, entregar ex-

votos e fazer penitência. Pelo recinto levantam-se barraquinhas de comércio e apoio aos

romeiros.

Apenas uma vez por mês é ali rezada missa. Contudo a igreja pode ser visitada todos

os dias, a partir das 8h, devendo a chave ser pedida na casa ao lado do Santuário.

Existe na área envolvente da igreja uma Casa de Retiro das Irmãs Pequenas

Missionárias de Maria Imaculada com capacidade para 40 pessoas e onde se pode

pernoitar.

73 - Montanhas de Nova Lima com Belo Horizonte ao fundo

192 Os dados sobre o Santuário foram fornecidos pela Dra. Renata Couto de Souza, da Divisão de Turismo da
Prefeitura de Nova Lima.

134
BAIRRO DO BRÁS – São Paulo

Quem parte do centro da cidade de S. Paulo, da zona da Sé, em direcção a leste,

encontra o bairro do Brás cortado a ocidente pelas várzea do rio Tamanduatei (actual

parque de D. Pedro II) e a norte pelo Tietê 193.

Desde o século XVI até princípio do século XIX, S. Paulo manteve praticamente a

sua ocupação primitiva que se situava na área do actual centro da cidade. A maioria da

população, constituída por lavradores, distribuía-se nos seus arredores em pequenos

núcleos rudimentares, formados à volta de uma igreja e de um pequeno comércio,

dispersão facilitada pela ocupação fácil de terras, chácaras194, cuja agricultura de

subsistência era feita essencialmente por escravos.

Em 1717, o autor do Diário da Viagem do Conde Assumar a Minas 195


, descreveu S.

Paulo do seguinte modo:

Sahio S.Exª a ver a acidade, que está situada em hum plano, e poderá ter
athe quatrocentas cazas a mayor parte terreas, mas muy falta de gente, porque a
mayor parte dos moradores vivem fora della em hũas quintas, a que chamaõ Rossas,
as quais não constaõ de outras plantas, que de milho farinha de paõ, e feijam e
algumas frutas da terra, que tudo isto vem a ser o seu quotidiano sustento dos
Paulistas, naõ comendo carne senaõ em alguns dias do anno [...]. Nella ha trez
conventos hum de São Francisco, outro de Carmelitas e outro de São Bento o
collegio dos Padres da Companhia, e a cathedral com bem poucos clerigos [...] 196
.

Nos primeiros anos do século XIX, S. Paulo não tinha mais que 30 ruas. Na zona do

Brás, além de hortas e pomares, cultivavam-se flores e vinha. Inicialmente as chácaras

eram habitadas somente por escravos e caseiros, enquanto os proprietários “assavam” a

193 www.bairrodobras.com.br .
194 Termo brasileiro que significa pequena quinta.
195 O futuro Conde de Assumar, D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, foi nomeado governador da Capitania de
São Paulo e Minas do Ouro. Embarcou para o Brasil a 17 de Abril de 1717, com um grupo de homens da sua
confiança. Durante o percurso por mar e por terra, até chegar a vila do Carmo, actual Mariana, foi elaborado um
curioso diário que fornece muitas informações sobre algumas localidades e as dificuldades do itinerário. Esse diário
acha-se transcrito no Apêndice da já citada obra de TÁVORA, Maria José e COBRA, Rubem Rodrigues.
196 Ob. cit. pp.207-208.

135
maior parte do ano nas casas de S. Paulo. Na esquina das actuais ruas da Figueira e do

Brás existiu a Chácara da Figueira cuja dona foi a célebre Marquesa de Santos, Domitila

de Castro Canto e Melo, que foi amante de D. Pedro I do Brasil, IVde Portugal.

A cidade era a sede simbólica desse território e, porque abastecida por ele, os

componentes rurais predominavam na sua estrutura sócio-económica.

S. Paulo era, então, um centro de distribuição para o interior, primeiro através do

sistema de comunicação fluvial encetado pelos bandeirantes e, posteriormente, pelo

terrestre após a abertura de rotas de transporte de géneros e gado. Ao longo dos séculos

XVIII e XIX, o seu território era muito procurado pelos tropeiros. Estes necessitavam de

estruturas que a cidade não suportava pelo que estabeleceram pousos nos arredores, ao

longo das estradas. Aí nasceram abrigos para homens e gado, locais de criação e comércio

de animais, oficinas de correeiros, vendas e botequins.

Um dos caminhos para chegar a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro era o de leste,

que saindo pelo Brás, passava pela Penha e atravessava Mogi das Cruzes. Nesse percurso

vão aparecer pelo menos dois locais de devoção ao Bom Jesus de Matosinhos. Voltemos

novamente ao diário do Conde de Assumar:

Pela manhã sahio Sua Ex.ª com muitas pessoas, que o acompanharaõ athe
hũa Irmida chamada Nossa Senhora da Penha, distante duas legoas da cidade, e
depois de fazer a oração, comeo algum dosse [...] e despedindosse da cometiva,
proseguio a sua jornada acompanhado somente do cappitaõ Mor e outro paulista e
do padre Frei Francisco Pays, Religiosos do Carmo a cuja fazenda havia de hir
pousar aquella noute. Depois de entrar na fazenda [...] se deteve Sua Ex.ª e foi
regalado magnificamente, e no ultimo se confessou, e comungou por ser a
festividade de Archãjo Saõ Miguel [...]. E despedindosse Sua Ex.ª delles continuou
a jornada athe [...] hũa legoa antes de chegar a villa de Mogi .
197

Este caminho está directamente ligado à história do bairro do Brás e às suas

características. Apesar da profunda vida rural que o marcou, a existência de

estabelecimentos de fornecimento às tropas de burros, ao longo da estrada que o

atravessava, fê-lo expandir-se linearmente. Segundo Saint-Hilaire 198, na estrada que ia de

197 Ob. cit, pp. 208-209.


198 Id.

136
S. Paulo à Penha, no Brás, havia muitos casebres onde estavam instaladas vendas. Situado

a pouca distância de S. Paulo, aquele era também o local escolhido para passar a noite.

Contudo, desde meados do século XIX, o bairro do Brás começou a

descaracterizar-se, perdendo por completo a sua componente rural. É um exemplo da

grande mudança operada da S. Paulo colonial à proto-metrópole de finais daquele século.

No ano da proclamação da República, a capital

contava com 65 mil habitantes. O desenvolvimento do

bairro foi lento, até que veio a cultura do café e com

ele os imigrantes.

A Hospedaria dos imigrantes ficava (e fica) no

Brás. Assim que os imigrantes desembarcavam em

Santos eram encaminhados - de trem - até ao Brás,

de onde partiam para as lavouras de café no interior


74 - Mapa de S. Paulo. Pela
do Estado. Mas muitos preferiam ficar na capital, o
zona leste saía-se para Minas

que transformou o bairro num

local onde a influência estrangeira

se fez sentir de maneira decisiva.

A partir desse momento as

fábricas juntaram-se ao café e

trouxeram um grande

desenvolvimento ao bairro. Os

italianos começaram a montar as

suas pequenas fábricas, e o

progresso chegou depressa. Basta 75 - Hospedaria dos Imigrantes

ver: em 1872, o bairro tinha 2.308

habitantes, em 1886, 6.000 e, em 1893, após 20 anos de forte imigração italiana,

portuguesa e espanhola, já se contavam 32.387. Em sete anos esse número aumentou cinco

vezes mais. A grande maioria era constítuída por italianos - o bairro era uma pequena

Itália.

A fixação da nova população foi facilitada pela instalação das estações de caminho

de ferro da S. Paulo Railway e da Hospedaria dos Imigrantes, em 1888.

137
Na primeira metade do século XX o bairro foi a face industrial de S. Paulo.

Actualmente, com o fim das grandes indústrias que aí se sediavam e com o afastamento

dos polos industriais para outras zonas, na sua maioria habitam-no gentes desenraizadas,

que não estão ligadas à tradição do local.

76 - Vista do bairro do Brás na 1ª metade do século XX

Mas qual a origem do nome Brás para este bairro?

Segundo Nardy Filho, José Brás era um português que, em 1769, residia no caminho

que ia de S. Paulo à Penha e cujo nome foi dado ao lugar onde vivia. Numas actas da

Câmara, a propósito do conserto desse caminho, se dizia

“fará até à chácara de José Braz 199”

Mais do que por ter sido “padrinho” de um bairro, José Brás tem um interesse

especial para nós pois terá sido ele o fundador da primeira igreja do Bom Jesus de

Matosinhos da cidade de S. Paulo.

199 O texto de que me servi para tratar o tema da igreja do Bom Jesus de Matosinhos do Brás foi-me enviado, sem
referências bibliográficas, por mão caridosa cujo nome guardava no livro de endereços do computador e que perdi
numa avaria do sistema informático. Sei apenas que se trata do artigo de NARDY FILHO, F. Egreja do S. Bom
Jesus de Matozinhos do Braz, inserido na obra Egrejas de S. Paulo.

138
Igreja do Senhor Bom Jesus do Brás – 1765?

77 – Primitiva igreja do Senhor Bom Jesus de


Matozinhos do Brás

A mais antiga referência conhecida sobre o templo aparece, em 1765, numa outra

acta da Câmara de S. Paulo a propósito do caminho que saía desta cidade para a Penha :

Pegando com a capella do Senhor Bom Jesus até à freguezia de Juquery 200.

A autenticidade da sua fundação por José Brás é afirmada por Azevedo Marques

na obra Apontamentos históricos:

Senhor Bom Jesus de Matozinhos do Braz, capella erecta nos suburbios de


S. Paulo por José Braz e reedificada pelo tenente coronel José Correa de Moraes
201
, sob o título de Capella de José Braz 202.

Não se sabe muito bem, no entanto, se realmente o tenente coronel a reedificou ou

construiu porque no pedido de provisão se diz que tenciona

200 Texto inserido num desdobrável da actual igreja que me foi enviado pelo pároco da actual igreja do Bom Jesus,
Rev. P. Enivaldo Alves. Da sua mão me chegaram a maior parte das informações sobre esta igreja.
201 A primitiva capela poderá ter sido reedificada por este Coronel.
202 Texto do já referido desdobrável.

139
Fazer uma capella ao Bom Jesus, de frente para a sua chácara na sahida
desta cidade para a Penha 203

e não que a quer reconstruir. Muito provavelmente a capela anterior estaria

arruinada ou abandonada e ele tivesse levantado outra para onde foi transportada a

imagem do Senhor que se encontrava na de José Braz. Esta imagem representa Jesus sob

a forma de Senhor da Cana Verde 204.

O novo templo estava já concluído em 30 de Dezembro de 1802 tendo sido benzido

no dia de Ano Novo de 1803, quando foi aberto ao público.

A fim de constituir um património para a capela, o tenente coronel Correa de

Moraes adquiriu por 500$000 reis uma

casa de dois andares, em taipa de pilão e

coberta de telha, a D. Maria Bueno da

Conceição, que a herdara de seu marido.

Mais tarde, em 1822, esses bens foram

aumentados com uma doação de terras

feita por D. Ana Joaquina de Carvalho

Macedo. Já então, e desde 1813, uma

carta régia tinha criado a freguesia do

Brás. Em 1819, a capela do Bom Jesus de

Matozinhos foi elevada a Matriz da nova

paróquia.

O já mencionado crescimento

demográfico da segunda metade do

século XIX, tornou a antiga capela

pequena para o afluxo de fiéis pelo que

foi necessário aumentá-la por volta de


78 - Bom Jesus de Matosinhos do Brás
1871 e, 15 anos mais tarde, substituí-la

mesmo por uma maior. Para a construção da nova igreja foi escolhido o local onde existira

um antigo cemitério, nos fundos da anterior. A primeira pedra foi lançada em 9 de Maio de

203 Id.
204 Imagem digitalizada do rosto do desdobrável que contém a história, Ladainha e orações ao Bom Jesus do Brás.

140
1896, em acto solene presidido pelo bispo de S. Paulo, D. Joaquim Arcoverde. Em 1903,

abriu ao público a parte já então concluída. Em 1904, foi demolida a antiga capela.

79 - Actual Matriz do Bom Jesus do Brás

80 - Localização da igreja

141
81 – Dois aspecto da pintura do tecto e
paredes

O interior da Igreja está

profusamente decorado com painéis

bíblicos pintados por Carlos Oswaldo,

tais como uma famosa ceia na abside,

trabalhos de Arnaldo Mecozzi e, mais

modernamente, de Waldemar Cordeiro


82 - Cúpula vista da traseira da igreja
na capela de Santa Rita 205.

O novo templo deve-se principalmente ao esforço de Monsenhor Marcondes

Homem de Mello, que encarregou os irmãos Calcagno, engenheiros, de traçarem os planos

da futura Matriz. Eles cumpriram correctamente a tarefa, planejaram uma igreja vasta e

monumental de estilo romano, em forma de cruz latina, com 3 naves, tendo 57m de

comprimento, 23m de largura nos braços e 18m de largura nas naves.

205 Como se pode ver a igreja apresenta sinais de degradação. Actualmente existe uma Associação que reúne
fundos para se proceder ao seu restauro.

142
A primeira pedra foi benzida em 9 de Maio de 1896.

O projecto dos irmãos Calcagno ficou incompleto quando aqueles se retiraram para

Itália, tendo sido substituídos pelo arquitecto Jorge Krug, que lhe acrescentou a cúpula.

A igreja foi finalmente inaugurada a 1 de Janeiro de 1903.

Em 1922, o interior do templo foi enriquecido com pinturas de Arnaldo Mecozzi,

vindo de Itália para o efeito, sob recomendação do Vaticano. O seu interior está

decorado com vitrais franceses e o altar-mor é em mármore de Carrara. Encontra-se

actualmente em recuperação. Situada na Av. Rangel Pestana, continua a ser sede paroquial

A Irmandade do Senhor Bom Jesus do Brás

Em 1804, Correia de Moraes apresentou para aprovação do Ouvidor Geral,

Corregedor e Provedor de S. Paulo, o compromisso que tinha elaborado, em 1800, para a

constituição de uma Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos 206


na capela. Esse

estatuto composto por vinte capítulos foi aprovado em 17 de Maio de 1806. Na introdução

são expostos os objectivos da sua constituição:

JOZE Correa de Moraes, dezejando ferverosoamente empregar se no


serviço de Deos e despender dos fundos que o mesmo Senhor por sua Piedade
delle confiou no culto e veneraçaõ do Snr. Bom Jezuz de Matozinho se propõz
fazer lhe huma Capella na paragem chamada o Braz, suburbios desta Cidade, nas
margens do Tamandarihi, que a tem quazi concluida entra no projecto de lhe pôr
huma bem regulada administraçaõ, afim da sua subsistência, e de que naõ fiquem
seus votos frustrados pelo decurso dos tempos, faltando-lhe esta bem necessaria
deligencia, lembra-lhe entregar a huma Irmandade a mesma Capella, e alfaias, e
para que assim o consiga de baixo do nome do mesmo Senhor Bom Jezuz de
Matozinho, e Protecção do sereníssimo Principe Regente Nossos Senhor propoem
os prezentes capitulos de Compromisso para servirem de regra a mesma
Irmandade, e inviolavel regimen della. O Deos de Mizericordia queira dar exito
feliz ao voto a que tem dado principio”

206 AHU, códice nº1263 - Compromisso da Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, erecta na capela do
mesmo nome, situada na Varzea do Carmo, suburbio de S. Paulo – S. Paulo 1800, Maio,13.

143
1º Cap.207 - Seriam aceites todas as pessoas de bons costumes cristãos, de

qualquer sexo ou nível social. Pagariam 320 rs. de admissão e um anual de 160 rs.

Se preferissem libertar-se dos pagamentos anuais, mas estivessem disponíveis

para desempenhar cargos na Irmandade a entrada, seria de 4.000 rs. Se optassem

por não ocuparem esses cargos, à excepção do de conselheiros, a que todos eram

obrigados, a entrada passaria a ser de 4800 rs.

2º Cap. – Deveria haver em poder do secretário um livro, com um índice

alfabético inicial, para assentar os irmãos que entrassem assim como os

respectivos pagamentos e assentos das situações pessoais de cada um

relativamente à Irmandade, para evitar confusões por causa dos remidos.

3º Cap. – O dinheiro proveniente de anuais, entradas e esmolas de irmãos

seriam aplicados para sufrágios e despesas da Irmandade e Capela. O das

remissões de anuais e isenção de cargos, seria para pôr a juros e para património

da Irmandade. O dinheiro que viesse dos juros se juntaria a todo o restante para

sufrágios e despesas da Irmandade e Capela.

4ª Cap. - Existiria um cofre de que teriam chaves o Provedor, o Secretário,

o Procurador e o Tesoureiro. O cofre teria uma divisão ao meio separando o

dinheiro de remissões e isenções, que era destinado ao património da Irmandade,

do proveniente de entradas, anuais, esmolas e juros que era destinado ao sufrágio

dos irmãos, despesas da Irmandade e capela. O cofre só poderia ser aberto na

presença dos quatro oficiais.

5º Cap. – O dinheiro de remissões de anuais e isenções dos cargos seria

emprestado a juros, mas de forma segura. Se o devedor falisse, seriam

responsáveis pelo prejuízo os irmãos acima citados. No acto de posse de cada nova

Mesa seria lavrado sempre este item para que os oficiais não se desculpassem com

a ignorância.

6º Cap. – Enquanto a Irmandade tivesse menos de 200 irmãos, dir-se-ia uma

missa, na primeira sexta-feira do mês, por todos eles, vivos e defuntos. Quando

chegassem aos 200, haveria missas todas as sextas feiras. Por cada irmão morto

diziam-se 5 missas e todos os outros rezariam por ele uma estação. Se o falecido

ou falecida, tivesse desempenhado os cargos de Provedor ou Provedora, as missas

seriam 10. E haveria um livro para se lançarem as certidões dessas missas.

207 Os capítulos apresentam-se aqui de forma abreviada e em linguagem actualizada.

144
7º Cap. – No dia 5 de Agosto seria rezada uma missa ao Divino Espírito

Santo para iluminar a escolha dos oficiais da mesa para o ano seguinte e que

seriam o Provedor, a Provedora, o Tesoureiro, o Secretário, o procurador, 6

conselheiros, 12 irmãos e 16 irmãs, um andador 208


e um sacristão.

8º Cap. – Na mesma manhã se reuniriam os 6 conselheiros e o secretário da

Irmandade e, do Livro de Assentos, escolheriam 4 irmãos e 4 irmãs que julgassem

idóneos para desempenharem os cargos de Provedor e Provedora. Os seus nomes

seriam registados num Livro e ficariam em segredo.

9º Cap. – Nessa tarde todos os irmãos se reuniriam na Capela juntamente

com os oficiais da Mesa e procederiam à votação secreta dos nomeados para

Provedor e, seguidamente, para Provedora. Seguidamente a Mesa cessante

elegeria os demais oficiais para o ano seguinte. A lista final dos eleitos seria

publicado no dia da festa.

10º Cap. – Os novos Provedor e Provedora pagariam cada um de jóia 16.000

rs., a Vice-Provedora 4000 rs. e os restantes irmãos da mesa 1000 rs. cada,

perfazendo um total de 64.000 rs. Esse dinheiro custearia a festa do Senhor, a

festejar a 6 de Agosto, dia da Transfiguração de Jesus. A Irmandade apenas

adiantaria esse dinheiro enquanto não fossem recebidas as jóias de cada membro

da Mesa. Se os Provedores quisessem fazer a festa com mais pompa do que a

quantia permitia, teriam de pagar o restante.

11º Cap. – Os novos oficiais tomariam posse no prazo de 30 dias a partir da

festa. Nesse dia a antiga Mesa prestaria contas do ano findo.

12º Cap. – Os seis irmãos Conselheiros seriam escolhidos “ dos de melhor

juízo, notta, e probidade” e dariam aprovação para obras até 16.000 rs.
13º Cap. – A Irmandade teria um féretro para levar os irmãos falecidos A

sua sepultura na capela seria localizada em função dos cargos ocupados. O

sacristão registaria em livro próprio o nome do defunto, o número da sepultura e a

data do enterro. Este registo destinava-se a evitar que se pusessem corpos em

campas em que houvesse outros ainda por desfazer. A Irmandade acompanharia os

enterros. O cortejo abriria com a cruz da instituição, presidindo o Capelão a ala

direita e o Provedor a esquerda.

208 O andador era uma espécie de mordomo.

145
14º Cap. – Nos Actos da Irmandade, os irmãos usariam capas encarnadas que

teriam no peito, do lado esquerdo, uma medalha bordada com a coroa de espinhos e

a cana verde, insígnias do sofrimento do Senhor. Durante todas as cerimónias os

Provedores segurariam um guião, uma cruz e uma vara.

15º Cap. – Deveres do Andador:

avisar os irmãos, com um toque de campainha, sempre que fosse preciso

reunir toda a Irmandade;

procurar saber se haveria irmãos doentes, para que se lhe desse socorros

espirituais, e, em caso de doença grave, prepará-lo para a morte, possibilitando

que ele pudesse receber a Penitência, Eucaristia e Extrema Unção:

tratar da casa dos enfermos para que eles pudessem receber devidamente o

Santíssimo Sacramento e chamar 4 irmãos que vivessem próximo ao doente, para

usarem no acto capas e velas;

receber do sacristão tudo o que fosse necessário para as cerimónias na casa

do enfermo;

avisar o Provedor se o enfermo fosse tão necessitado que precisasse de

sustento e curativos e até da mortalha (que os irmãos deveriam comprar à

Irmandade para seus enterros).

16º Cap. – O Provedor e os 6 conselheiros deveriam indicar um sacerdote

regular para servir de capelão da Irmandade que teria como obrigação dizer as

missas e receberia, por isso, casa e um ordenado suficiente para seu sustento e

que se elevaria na proporção do trabalho, do aumento do número de irmãos e

rendimentos da Irmandade.

17º Cap. – Deveres do capelão:

acompanhar a Irmandade nos actos públicos;

dar o seu parecer nos actos de maior peso;

confessar os irmãos na capela sempre que fosse solicitado;

presidir às Ladainhas das sextas-feiras, depois da Missa;

aconselhar os irmãos nos seus deveres cristãos e para com o

próximo;

ajudar os enfermos, sobretudo nos seus últimos momentos.

146
18º Cap. – O secretário deveria possuir um inventário de todas as alfaias

da Irmandade e capela. Quando as tivesse que entregar ao sacristão deveriam ser

feitos registos da sua saída.

19º Cap. – À morte de um irmão, o sacristão tocaria três toques fúnebres

no sino e faria o mesmo para o enterro. Se o falecido tivesse sido Provedor, seriam

dados 6 toques. Também se tocariam os sinos pelos filhos dos irmãos com mais de

7 anos. Os toques pelos mais novos, os inocentes, seriam festivos.

20º Cap. – Os referidos 6 toques também seriam dados pelos irmãos

isentos e pelos remidos. Pelos primeiros se rezariam oito missas e pelos segundos

sete.

Estes capítulos foram apresentados à aprovação do Provedor das capelas de S. Paulo

que os confirmou, em 16 de Fevereiro de 1804:

Examinados os capítulos do Compromisso da devota Irmandade que se


propoem não acho em contrário aos Dogmas da nossa Religiaõ Christâ e bons
costumes da mesma igreja e portanto naõ duvido se lhe confirmem na forma do
costume 209.

Não me foi possível confirmar a existência desta Irmandade, mas, como tantas

outras, é possível que tenha desaparecido.

Orações ao Bom Jesus do Brás

No caso deste templo perdeu-se o uso do topónimo Matosinhos que foi substituído

pelo nome do bairro em que está inserido. Prova disso é a pagela das orações próprias que

me chegaram pela mão do Rev. Pároco do Bom Jesus do Brás, Snr. Padre Enivaldo dos

Santos Vale.

209 AHU, códice nº 1263, fól.6.

147
83 - Orações e Ladainha ao Bom Jesus do Brás

148
Itabirito - Minas Gerais

Itabirito 210
, antiga Itabira do Campo, está situada na região central de Minas, a 55

Kms da capital do Estado. Com uma área de

547 Kms2 e 35.550 habitantes, tem o seu

ponto mais elevado, o Pico Itabirito, a 1852

metros de altitude, um lugar muito

procurado pelos turistas. A sede do

município está localizada numa encosta,

cortada pelo rio Itabira, afluente do Rio

das Velhas.

Nos últimos anos do século XVII


foi passagem de bandeirantes. Um deles de
nome Manuel Garcia descobriu ouro nas
vertentes dos córregos Tripuí e Passa Dez,
nos sopés do pico do Itacolomi. A notícia
dessa descoberta fez surgir outras
expedições em busca de novas lavras.
Assim surgiram as minas de Santa Bárbara
e de Cata Branca dos Areches, originando-
se, desta última, a Itabirito de hoje, no
sopé do grande pico de minério de ferro de
mesmo nome. Ao redor da mina de Cata
Branca dos Areches desenvolveu-se um
84 - Vista de Itabirito
povoado onde foi construída uma capela em
honra de São Sebastião. No século XVIII, entre 1706 e 1709, o Capitão-Mor
Francisco Homem D‟ El Rey e o piloto da Nau Nossa Senhora da Boa Viagem, Luiz

210 As informações sobre Itabirito foram extraídas de www.asminasgerais.com.br, www.cidades.mg.gov.br e de


umo desdobrável da Prefeitura Muncipal de Itabirito.

149
de Figueiredo Monterroyo por aqui chegaram em busca de ouro dando início à
formação dos primeiros núcleos de habitantes.
Como traziam um retábulo com a imagem de Nossa Senhora, tirado da nau,
deram o nome à localidade de Itaubyra de
Nossa Senhora da Boa Viagem do Rio de
Janeiro e construíram uma Ermida no alto
da colina, que foi Capela curada e depois
Paróquia. Hoje, no local, está a importante
Igreja Matriz da Boa Viagem. Em 1745,
foi criada a freguesia, com o nome de
Itabira do Campo, que, em 1752 foi
elevada a distrito. Em 1923 emancipou-se
politicamente de Ouro Preto e recebeu o
nome de Itabirito, que, em tupi, significa
“pedra que risca vermelho”, nome este que
denomina um minério de ferro abundante
na região, também chamado de “chapinha”. 85 - Matriz da Boa Viagem

O ouro tornou-se escasso e, em 1884, um grupo de brasileiros e estrangeiros da


época perceberam a riqueza em ferro do solo local e construíram uma sociedade
para exploração de um alto forno a Usina Esperança (empresa pioneira da
siderurgia brasileira, cuja história se confunde com a vida e o desenvolvimento de
Itabirito).

São pontos turísticos importantes deste município a Mina Cata Branca, soterrada em

1884, considerada uma das grandes reservas auríferas do País; o Balneário Água Limpa,

com praias e cascatas artificiais e a Água Quente com suas águas termais alcalinas e

magnesianas. A siderurgia e metalurgia, além da extração de minério de ferro, quartzito e

caulino, são as principais actividades económicas locais.

150
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - 1765 211

86 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos

Em 1730, um português de nome José de Oliveira, proprietário da Fazenda Munu,

doou parte das suas terras, 6 hecs., à Capela Curada de Nossa Senhora da Boa Viagem de

Itabira do Campo, tendo por objectivo edificar a Capela do Bom Jesus do Matozinhos e

construir ao lado uma obra benemérita. Por essa época aí residiram, pelo menos, dois

irmãos da Confraria metropolitana do Bom Jesus de Matosinhos.

87 - Ruínas da primeira casa paroquial

211 As informações sobre este Santuário foram-me fornecidas pelo reverendo Padre Miguel Ângelo Fiorillo, pároco
da igreja de Nossa Senhora de Boa Viagem.

151
Em 1765, sob a

orientação de outro português,

Silvestre dos Prazeres, já

estava construída a capela e a

obra. Esta última funcionou como

escola (a mais antiga do

Município) até à década de 50 do

século XX.

Actualmente o Santuário

pertence à Arquidiocese de 88 - Antiga obra benemérita

Mariana. Situa-se no alto de Matozinhos e a ele se acede por uma ladeira cercada por

palmeiras imperiais.

89 - Vista de conjunto do Santuário

A construção é de alvenaria em pedra, reboco liso, marcos em cantaria,


estrutura de cobertura em tesouritas com falsas cambotas para formar o forro da
nave. As telhas são curvas. É constituído por um corpo principal e sacristia lateral,
com forro e retábulo, artisticamente pintado, e em que se destaca a descida da
Cruz. Em 1914, foi introduzido o coro, com escada. Na década de 60, foram
abertas as janelas do coro, modificado o adro, o cruzeiro transferido para trás da
capela, retirada do adro a sineira em madeira e os sinos colocados nas janelas do

152
coro e feita a fixação e consolidação do forro e do retábulo. Nessa década foi
ainda substituído o forro da sacristia.
O altar localiza-se num supedâneo 212
em pedra lavada almofadada. O chão
é em lajes de pedra. Um medalhão em pedra encima o portal debaixo de um óculo
curvilíneo. Tem ainda cunhais toscanos e pináculos 213 .

90 - Descida da cruz - Pintura do tecto

212 Espécie de estrado.


213 Inventário de património artístico-bens imóveis, Prefeitura Municipal de Itabirito-MG, um dos vários
documentos gentilmente enviados pelo Director de Proteção e Memória do IEPHA/MG, Dr. Pedro Gaeta Neto.

153
91 - Duas pinturas do tecto

Em 1789, a Capela do Bom Jesus do Matozinhos alcançou do Papa Pio VI214 um Breve

Pontifício que regularizava a realização da festas em honra do Padroeiro e a atribuição

das indulgências.

A todos, em toda a parte, seja sabido, que, no anno do Nascimento de Nosso


Senhor Jesus Christo, de mil setecentos e oitenta e nove em o dia primeiro do
mez de Abril e no anno décimo quinto do Pontificado do Santíssimo Padre Pio, Papa
sexto, nosso senhor, eu official deputado de Sua Emma (sic) etc. “Lettras
apostolicas em forma Breve expedidas debaixo do annel do Pescador, do theor
seguinte: a saber, Pio, Papa sexto, para perpetua memoria do feito, aplicados Nós,
com piedosa caridade e augmentar a devoção dos fieis e a salvação das almas com
os celestiais thezouros da Igreja. A todos os fieis christãos de um e outro sexo,
que verdadeiramente penitentes, confessados e alimentados com a sagrada
comunhão devotamente vizitarem, em cada hum anno nas tres festivas da
Incarnação215, Exaltação da Santa Cruz216 e na primeira sexta do mez de Março

214 Foi durante a vigência deste papa que foram reconhecidas no Brasil as irmandades do Bom Jesus de Matosinhos
e dada a provisão a muitas das igrejas aqui mencionadas. A ele se deve a escolha das datas da Romaria anual.
215 Natal.

154
desde as primeiras vesperas até o por do sol dos ditos dias, a Igreja ou capellas
com o respeito de Nosso Senhor Jesus Christo de Mathozinhos do lugar chamado
Itabira do Rio de Janeiro e ali devotamente rogarem a Deus pela concórdia dos
principes christãos, extirpação das herezias e esaltação da santa Madre Igreja,
em qualquer dos dias acima expressados, que isto praticarem, concedemos
mizericordiosamente em o Senhor, indulgência plenaria e remissão de todos os
seus pecados. Além disto aos mesmos fieis christãos que verdadeiramente
penitentes, confessados e alimentados com a Sagrada Comunhão, visitarem como
acima se expressa a referida Igreja no dia sexta feira da semana da Paixão e ali
orarem a Deus, relaxamos, na forma custumada à Igreja, sete annos e outras
tantas quarentenas das penitencias que lhes sejão impostas ou devidas por
qualquer modo. Não obstando quaisquer decretos em contrário, valendo os
presentes de traz para sempre. Dado em Roma, em São Pedro, debaixo do annel do
pescador no dia trinta e um de Março de mil setecentos e oitenta e nove, anno
decimo quinto de nosso Pontificado 217.

92 - Bom Jesus de Matosinhos de Itabirito

216 14 de Setembro.
217 Esta transcrição do Breve Apostólico foi-me enviada pelo já referido reverendo Padre Fiorillo.

155
O jubileu, determinado pelo Breve Apostólico, realiza-se anualmente no dia da Festa

da Exaltação da Santa Cruz, 14 de Setembro e festeja-se desde 1789. Como entre nós é

precedido por uma novena. À pequena igreja afluem romeiros provenientes de várias

partes, afim de satisfazerem o cumprimento das suas promessas e prestarem homenagem

ao padroeiro. Nessa altura, a Imagem é descida da cruz e colocada num esquife no meio da

Igreja para que os devotos lhe possam tocar. Isso só é possível porque, como muitas

outras imagens da época, o Bom Jesus de Matozinhos de Itabirito é articulado .

93 - Romeiros tocando na Imagem do Senhor de Matosinhos

Em Itabirito, como no Senhor do Bonfim da Baía, vendem-se medidas do Bom Jesus

de Matosinhos.

A "medida" é uma fita que representa o comprimento de uma imagem da


cabeça aos pés. Segundo o professor Cid Teixeira, o tamanho certo é 63
centímetros. A fita serve de amuleto e varia de acordo com o santo. A fita do
Senhor do Bonfim, que apareceu pela primeira vez em 1809, representa o
comprimento da chaga do peito à chaga da mão esquerda do Senhor do Bonfim. As
medidas eram vendidas nas festas religiosas, por pessoas autorizadas, em benefício

156
ao santo homenageado. A maneira tradicional é usar a fita pendurada no pescoço.
Amarrá-la no pulso com três nós foi invenção dos turistas 218.

Em 1992, o Reverendo Padre

Miguel Ângelo Fiorillo criou a

Irmandade do Senhor Bom Jesus do

Matozinhos com o objectivo de

manutenção do Templo, celebração

religiosa diária e promoção do

jubileu. Preside à sua gestão uma

Direcção composta actualmente por

135 membros. O referido Pároco é o

seu responsável espiritual.

Em 1993, aquele sacerdote

retomou a obra benemérita

instituída pelo fundador da capela,

José de Oliveira, e, no âmbito do

“Projecto Itabirito 2000”,


94 - Fila de romeiros durante o jubileu
construiu nas terras doadas ao

Senhor Bom Jesus do Matozinhos,

um complexo sócio-político-

religioso-cultural, que será

denominado “Liceu Dom Viçoso”,

em homenagem a D. António

Ferreira Viçoso, natural de

Peniche, que foi bispo da

Arquidiocese de Mariana.

95 - Obras de construção da nova obra


benemérita

218 www.guia dos curiosos.com.br.

157
LAVRAS - Minas Gerais

Cerqueira Falcão, na sua já

referida obra sobre o santuário de

Congonhas, cita uma lista de igrejas

do Bom Jesus de Matozinhos, que o

Cónego Raimundo Trindade apresenta

no seu livro Instituição de Igrejas no

Bispado de Mariana , como tendo


219

recebido autorização eclesiástica para

serem fundadas. Entre elas está uma

capela, em Lavras do Funil, que teria recebido provisão em 23 de Agosto de 1768.

A antiga vila de Lavras de Funil está na origem da actual cidade de Lavras, no Sul de

Minas Gerais. Desde o primeiro momento da pesquisa foi impossível localizar a igreja

através da Internet pois nenhum sítio local a referia. Fiz várias tentativas de contacto

com pessoas cujos endereços de correio electrónico me apareciam em páginas de Lavras e

todos quantos me responderam

concordavam em que a igreja

não existia. Porém, um deles, o

Dr. Jardel da Costa Pereira,

professor de História, referiu-

me a existência de uma imagem

do Bom Jesus de Matozinhos


96 - Vista aérea da actual cidade de Lavras numa igreja local transformada

em Museu – Sacro: a Igreja do

Rosário. Munida desta informação, pus a questão, por fax, ao Prefeito Municipal de Lavras,

Dr. Carlos Alberto Pereira, que, após consulta à Superintendência da Cultura da

Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, amavelmente me enviou a resposta

desta departamento que dizia o seguinte :

219 Publicação nº13 do SPHAN, M.E.S., Rio de Janeiro, 1945.

158
Em atendimento à solicitação de V. Sª., estou encaminhando os dados
referentes à história do nosso Município e à igreja do Rosário.
Com relação à imagem citada na correspondência da historiadora Isabel
Lago Barbosa, a informação que obtive é de que a nossa imagem do Senhor Bom
Jesus da Cana Verde é também a do Bom Jesus de Matozinhos; quanto à capela
dedicada ao seu culto não obtive qualquer informação que comprovasse tal culto
em nossa cidade (...).
Atenciosamente
Homero Carvalho Faria

Assim, embora não

havendo igreja há pelo menos uma

imagem que, juntamente com a

autorização eclesiástica para a

fundação da capela, sugere a

existência de uma devoção na

antiga Lavras do Funil, muito

tempo antes deste arraial se ter

tornado cidade e cuja lembrança

se terá perdido no tempo. Trata-

se de uma valiosa imagem, em

madeira de cedro, do século

XVIII e que é um dos exemplares

em que o Bom Jesus de

Matosinhos aparece como Senhor

da Cana Verde.

97 - Bom Jesus de Matosinhos ou da Cana


Verde de Lavras do Funil

159
Outra grande dificuldade foi obter uma fotografia da imagem. Como qualquer outra

peça de museu deverá estar proibida a sua reprodução. Tendo solicitado um eemplar à

direcção do Museu, nunca obtive reposta. A sorte, porém, fez-me encontrar na Net uma

pessoa com um espírito de solidariedade profundo, a S. Dra. Márcia Bento Rosa da Silva,

bibliotecária da Universidade Federal de Lavras, que, através de contactos pessoais,

conseguiu uma foto que me enviou.

98 - Igreja Museu do Rosário onde se encontra a Imagem


do Bom Jesus de Matosinhos ou da Cana Verde

É difícil explicar porque há provisão eclesiástica e imagem e não há igreja ou

capela. Poder-se-ão colocar algumas hipóteses. A primeira é de que a provisão eclesiástica

dissesse respeito não a um templo, mas sim a um altar numa igreja que poderia ser

exactamente a Igreja do Rosário visto que ela era a Matriz de Lavras de Funil, em 1768. A

segunda, é de que a provisão se referisse efectivamente a uma capela, para a qual se

tivesse encomendado a Imagem, mas que não se tivesse chegado a construir, tendo a

Imagem sido guardada na Matriz. A terceira poderá ter a ver com uma possível demolição

da capela, facto frequente em Minas Gerais. Só uma pesquisa mais profunda e feita no

local poderá revelar o que realmente se passou.

160
OURO PRETO – Minas Gerais

Vila Rica d‟Albuquerque, Vila

Rica do Ouro Preto e, finalmente,

Ouro Preto, que fica na região central

de Minas, a 100 Kms da sua capital,

guarda o mais importante conjunto

arquitectónico do barroco mineiro. É

um local muito montanhoso e foi-se

desenvolvendo originalmente ao longo

do Ribeirão do Tripuí, configurando-se

como núcleo urbano longilíneo de origem colonial . Em 1996, tinha cerca de 70.000
220 .

habitantes, a maior parte dos quais sediados na área urbana. O município é composto pela

cidade e 10 distritos. Desempenhou um papel especial nas relações da Confraria do Bom

Jesus de Matosinhos com o Brasil porquanto, como demonstrei na primeira parte deste

trabalho, ali existiu o maior núcleo conhecido de irmãos daquela Irmandade em território

de Minas Gerais, no século XVIII.

99 - Ouro Preto entre bruma

220 www.asmimasgerais.com.br.

161
É a mais conhecida cidade histórica de Minas, tendo sido declarada
"Monumento Nacional" em 12 de julho de 1933 e, mais recentemente, eleita
"Patrimônio Cultural da Humanidade" pela Unesco, em 21 de abril de 1981.
Datam da última década do século XVII as primeiras notícias do povoamento
da região de Ouro Preto (...). Com a notícia do mineral, foi grande o afluxo de
pessoas para a área, fundando alguns arraiais, como os de Ouro Preto (Vila Rica) e
Antônio Dias.

100 - Vista de Ouro Preto

Em 1720, a Capitania das Minas Gerais desligou-se de São Paulo, e Vila Rica
tornou-se sua capital, em 1721. Esta época coincidiu com o apogeu da extração
aurífera em Minas Gerais.
Vila Rica foi onde ocorreu a primeira tentativa de independência, com o
movimento denominado Conjuração Mineira.
Foi elevada à categoria de cidade após a Independência, sendo o seu nome
trocado para Ouro Preto, referência a pepitas de ouro paladiado, que tinham
aspecto de grãos escuros, encontrados em grande abundância no leito do riacho do
Tripuí, nos arredores da cidade. Manteve-se como capital do Estado até 12 de
dezembro de 1897, quando a sede do governo foi transferida oficialmente para a
recém-construída Belo Horizonte.
A cidade, cuja fisionomia atual reflete com mais pureza o passado colonial
brasileiro, manteve a unidade de seu aspecto arquitetônico devido em parte ao
empobrecimento, que não permitia novas construções, e à vigilância do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

162
Foi a segunda capital do Estado de Minas Gerais, após Mariana .
221

101 - Museu da Inconfidência, Igreja do Carmo e casario

102 - Bairo de António Dias e traseiras da Igreja


de N. S. da Conceição

Durante o período da mineração os grandes proprietários de catas de Vila Rica

tiveram uma importância política considerável, que os levara a dominar a sociedade civil,

eclesiástica e administrativa local. Desempenharam um papel importante na urbanização,

quer financiando obras de infra estrutura (fontes, praças, chafarizes, etc), quer

contribuindo para construção das igrejas através das irmandades religiosas a que se

associavam.

Entre essas igrejas existe uma que para nós tem um interesse especial .

221 Texto extraído de www.citybrazil.com.br .

163
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos - 1771

103 - Igreja do Bom Jesus de Matozinhos

Denominado primitivamente de Capela dos Sagrados Corações e São Miguel e

Almas, este templo, sito no

alto das Cabeças ou do

Passa Dez, assim

denominado, pois lá se

expuseram, em postes, as

cabeças dos justiçados da

Inconfidência Mineira,

terá surgido a partir de

uma doação, feita em 1771,

pelo português José

Simões Borges, morador 104 - Pormenor do frontispício com a


em Congonhas, para que representação das almas
nela se rezasse missa no

dia de S. João Nepomuceno. Concedida licença para a sua construção pela Mesa Capitular

do bispado de Mariana, logo a obra se iniciou e, em 1778, já se encontrava bastante

adiantada. Nesse ano ajustou-se com o Mestre Pedro Francisco Rodrigues Lajes, a

164
edificação do frontispício, que incluía, entre outras obras, a confecção do óculo, janelas e

cruz.

Em 1783, foi feito novo contrato com o pedreiro Pedro Miguel Moreira Gomes para a

obra das torres, responsabilizando-se também pela edificação da sacristia e calçadas de

pedra. No entanto, um pouco antes de 1789, os devotos da capela que tinham assumido a

continuação das obras, não tendo dinheiro para as concluir, enviaram à rainha um

requerimento para que ela os autorizasse a fazer um peditório com aquele objectivo.

Argumentando que a Capela fora levantada a fim de facilitar a prática dos

sacramentos e o atendimento às Missas que anteriormente se celebravam na Matriz e cuja

distância constituía um grave incómodo para a deslocação dos fiéis, e ainda que a sua

construção estava atrasada por ser obra dependente de esmolas, os devotos da capela

pediram à rainha D. Maria I que autorizasse que

possão trazer dois homens de sua ileição e de inteira saptisfassão a pedir


pellos [...] de Deos por todo aquelle estado do Brazil, esmolas para o fim de de se
finalizar aquella obra e finda ella se applicar o que se tirar para sufragio das Almas
do Purgatorio 222.

Estas autorizações eram facilmente concedidas porquanto os peditórios por parte

de esmoleres e ermitães para a construção de igrejas eram, como já tivemos oportunidade

de verificar, um aspecto do quotidiano de então. Em 1793, a igreja estava praticamente

concluída.

Em finais do século XVIII, a imagem de S. Miguel foi deslocada para o cimo do

sacrário e colocaram-se as do Senhor Bom Jesus de Matozinhos e de S. João Evangelista

na tribuna principal, tendo o Senhor Morto sido depositado no sepulcro do altar-mor. A

substituição da devoção de S. Miguel pela da Paixão de Jesus terá tido muito a ver com a

importância que o Santuário de Congonhas, tão próximo de Vila Rica, passou a

desempenhar na cultura religiosa de Minas.

Actualmente o Crucificado voltou para o sítio original.

Em 8 de Setembro de 1939 foi tombada como património histórico e artístico pelo

IPHAN. Na acta desse registo é feita a descrição arquitectónica da igreja:

222 AHU, CU-Brasil/MG, cx. 132, doc. 25 de A789.VII.17.

165
Embora construída em fins
do século XVIII, a Igreja do Bom
Jesus de Matozinhos das Cabeças
assemelha-se às construções
religiosas da primeira metade do
século, sobretudo no que diz
respeito à fachada, que pertence
ao tipo clássico, caracterizado pelo
corpo central coroado por rígido
frontão triangular, encaixado
entre duas torres de secção
quadrada e elevação moderada. A
planta segue o partido tradicional
das igrejas da segunda metade do
século, com divisão em nave,
capela-mor e sacristia, colocada
transversalmente no fundo do
105 - Altar-mor com a imagem do edifício, com acesso franqueado
Bom Jesus de Matosinhos e S. Miguel por corredores ao longo das
paredes da nave. A execução da
portada é atribuída ao Aleijadinho, embora não existam elementos documentais que
comprovem a autoria. Em 1778, foi preparada a pedra talhada para as esculturas,
que devem datar aproximadamente deste período. Para Germain Bazin, as
características do Mestre são evidentes nessa obra, particularmente o buquê de
três cabeças de querubins arrematando o arco, idêntico ao de São Francisco, de
Ouro Preto, e ao de São Francisco, de São João d‟El-Rei. Assinala ainda Bazin,
tratar-se esta portada de obra híbrida, realizada em duas etapas, visto que a
concepção arcaica da mesma, centrada na idéia de um nicho com estátua, parece ser
obra anterior. Quanto ao seu interior, a decoração é extremamente simples, nada
apresentando de particular interesse no que diz respeito à talha. Merecem
referência especial a imagem do Senhor do Sepulcro e duas pinturas de Manuel da
Costa Athaíde (Ceia e Crucificação) nos corredores laterais. A iconografia é

166
bastante complexa, reunindo as três invocações da Igreja: São Miguel e Almas,
Sagrados Corações e Bom Jesus de Matozinhos, esta, representada pelo pelicano,
emblema do sacrifício da Paixão 223.

106 - Senhor no sepulcro

Na sacristia da igreja existe uma interessante Via Sacra, elemento essencial no

culto ao Bom Jesus:

Interessante observar que, não obstante o partido tradicional em cruz latina,


o monumento possui na sacristia uma Via-Sacra, muito diferente, em técnica mista
(obras em relevo, em roca, e duas telas de Ataíde e respectivos frontais de altares).
(...) Na atual década, o acervo da sacristia perdeu a unidade que, restabelecida
adequadamente, acresentaria a seguinte composição: Última Ceia, de Manoel da
Costa Ataíde; relevos em madeira representando Jesus orando no Horto das
Oliveiras, Cristo da Prisão, Cristo na Coluna, Cristo da Pedra Fria, Cristo com a Cana
Verde; o Senhor dos Passos colocado em nicho da parede; painel alusivo à Crucifixão,
também de Ataíde. Cada Passo da Paixão conta com uma mesa de altar, com pintura
atribuída a Manoel da Costa Ataíde, dotada de representação de atributos
pertinentes à cena em questão ( cordeiro, corda, pedra fria, cana-verde, torquez,

223 www.iphan.gov.br.

167
etc..). Este cenário se completaria, na verdade, com a lmagem do Senhor Morto
existente na capela-mor, sintetizando então uma completa via-sacra interna 224 .

107 - Dois painéis da Via-Sacra da sacristia

Tomás António de Gonzaga, na sua obra Cartas Chilenas, poema satírico escrito em

1786/7 em que trata da vida, situação e desgoverno do estado de Minas, refere esta

igreja com os seguintes versos:

Distante nove léguas desta terra

Há uma grande ermida, que se chama

265 -- Senhor de Matozinhos: este templo

Os devotos fiéis a si convoca

Por sua arquitetura, pelo sítio

E, ainda muito mais, pelos prodígios

Com que Deus enobrece a santa imagem225.


108 - Página de rosto do manuscrito das

Cartas Chilenas

224 In www.asminasgerais.com.br.
225 2ª Carta Chilena.

168
Só na segunda metade do século XIX, em 1867, é que se criou em Ouro Preto a

Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos. O seu objectivo era o de reacender não

só o culto ao Bom Jesus, mas também o de S. Miguel, santo muito querido pelos mineiros.

Isso explica que o mês de Setembro seja marcado anualmente pelas duas festas aos

padroeiros: a 14 a do Bom Jesus e a 29 a do Arcanjo. Não consegui informações sobre a

actual Irmandade.

O jubileu do Bom Jesus celebra-se no adro da igreja. O programa das cerimónias

religiosas lembra o da romaria portuguesa. Inicia-se também com uma novena, mas a partir

do primeiro sábado de Setembro. No último dia da novena, um domingo, realiza-se a

procissão da Bandeira do Senhor Bom Jesus até à igreja. Na segunda-feira seguinte,

dizem-se 3 missas (duas de manhã e uma ao fim da tarde), a que se segue um sermão, Te-

Deum e benção do Santíssimo.

O sábado seguinte é dedicado aos irmãos da Irmandade do Bom Jesus já falecidos

com missa de sufrágio pelas suas almas.

O jubileu encerra no domingo com missa solene 226.

A corporação musical do Senhor Bom Jesus de Matozinhos

Um dos aspectos mais característicos das festas e procissões das cidades

mineiras e em especial de Ouro Preto, é o papel que nelas representa a música e as bandas

que as animam.

Já nas primeiras décadas de 1700, a sociedade mineira se expressa de modo


significativo por meio da música religiosa e profana. Os rituais litúrgicos e as festas
populares eram valorizados pela música, que aos poucos tomou forma e ganhou
proporções originais, revelando uma classe singular de músicos, em sua maioria
mulatos.

A dedicação à música e a participação em irmandades religiosas possibilitou


ascensão social aos mulatos, já que atividades profissionais como a medicina, o
direito e a carreira eclesiástica lhes eram negadas.

226 Este programa está estabelecido de acordo com as informações registadas em www.agendacultural.com.br e
diz respeito a 1998.

169
Mesmo diante da rigorosa discriminação racial, os músicos circulavam
livremente, apresentando-se em templos cujas irmandades só admitiam brancos.
Filiavam-se, porém, às irmandades dos homens pardos.

O número de músicos mulatos no final do século XVIII era enorme e gerou um


comentário contundente do desembargador Teixeira Coelho numa de suas visitas a
Vila Rica: 'Aqueles mulatos que se empregam no ofício de músicos são tantos na
Capitania de Minas, que certamente excedem o número dos que há em todo o Reino'.

Durante o século XIX, a música mineira passa também a se expressar por


meio das inúmeras bandas formadas nas cidades e povoados. Nesse momento, as
cordas (violinos, violas e violoncelos) são abandonadas progressivamente e os
instrumentos de sopro (flautas, fagotes e trompas) substituídos por clarinetes,
trompetes, trombones e tubas. A música adquire maior mobilidade, sendo agora
executada nas praças públicas, coretos e adros de igrejas. Os gêneros mais
populares, como quadrilhas, dobrados e polcas, experimentam sua fase áurea.

A sobrevivência das bandas em antigas cidades mineiras é, sem dúvida, a


herança mais próxima da atividade musical desenvolvida no século XVIII em Minas
Gerais, sobretudo em Vila Rica. As corporações musicais do Senhor Bom Jesus de
Matozinhos e do Senhor Bom Jesus das Flores, de Ouro Preto, são exemplos vivos
dessa tradição 227..

227 Em www.cidadeshistoricas.terra.com.br/ouropreto/op_mus_p.htm

170
RIO PIRACICABA – Minas Gerais

O município de Rio Piracicaba ,


228

situado na região central de Minas, a 127

Kms de Belo Horizonte, foi criado em

1911, tendo pertencido anteriormente ao

de S. Bárbara. Tem dois distritos além da

sede numa área de 375 kms2. A sua

população, que ronda os 15.000

habitantes, ocupa-se da agro-pecuária,

extracção de minério de ferro e

reflorestamento de eucaliptos.

Há alguma controvérsia no que se refere ao nome “Piracicaba” que significa “monte

em que pára o peixe” e à origem do povoado. Os primeiros habitantes instalaram-se ali, em


1704, tendo a freguesia sido criada, em 1748, pelo bispo de Mariana, Cónego Trindade,

com o nome de São Miguel de Piracicaba.

109 - Vista aérea da cidade. A igreja do Bom Jesus de


Matosinhos está em primeiro plano

228 As informações sobre Rio Piracicaba foram fornecidas pela Prefeitura local, obtidas no sítio do Projecto
Cidades e em www.asminasgerais.com.br.

171
Santuário do Bom Jesus de Matozinhos- 1771

110 - Santuário do Bom Jesus de Matosinhos

Segundo Cerqueira Falcão 229


, a primitiva capela em honra do Bom Jesus foi

construída no “arraial do morro”, a pedido de Luís Pereira da Silva. Recebeu provisão a 8

de Junho de 1771. A imagem do Crucificado foi benzida em 29 de Junho desse mesmo ano.

Em 1855, iniciou-se a construção de uma nova Matriz, tendo as obras, contudo,

ficado paradas até 1869, ano em que foram reiniciadas para concluírem em 1876.

Em 1923, foi refeita a frente da velha capela, respeitando-se inicialmente a parte

do antigo altar-mor que acabou por também ser demolido, em 1946. Nesse ano procedeu-

se a nova reconstrução tendo surgido o templo actual.

229 Ob. cit., p. 26.

172
111 - Nave central e tecto

112 - Pormenor do tecto

173
Um historiador local, Raymundo Fonseca 230, conta-nos de forma um tanto ingénua, a

história do culto local ao Bom Jesus de Matozinhos:

Nas proximidades do arraial de S. Miguel do Piracicaba, na margem direita


do rio, morava um fazendeiro de nome Capitão Anastácio Corrêa Barros. Este deu
na idéia de criar cavalos de raça para vender. Depois de algum tempo, resolveu
comprar um cavalo de pura raça para reprodutor de sua fazenda. Neste cavalo
ninguém montava, unicamente o Capitão Anastácio. Este cavalo, além de sua beleza
visual, era muito bom de sela. Só andava em marcha-picada. O Capitão, com todo
gosto, comprou uma arreata de prata, cabeçada de níquel cromado, estribo de
metal branco e rédea de seda. Naquela esfera de tempo, poucos eram que
possuíam um cavalo daquele tipo, com a arreata tão deslumbrante.
Assim o Capitão montava em seu cavalo aos domingos e especialmente nos
dias de festas, no arraial, para passear ali em seu cavalo e chamar a atenção dos
maiorais daquele tempo.
O Capitão, além de possuir um grande número de escravos, tinha um muito
inteligente, de sua confiança, que se chamava Jeremias e este foi designado pe1o
Capitão para amansar os seus cavalos novos para depois vendê-los, e Jeremias
tornou-se um bom pião. Montava nos cavalos bravos e dava-lhes curtos de rédea.
Aconteceu que houve um casamento de uma pessoa da família, em um lugar
distante. O Capitão viajou com a família para o casamento e ficou tomando conta
da fazenda o feitor que era chamado por apelido de Pafúncio. Pafúncio saiu de casa
no domingo em um cavalo de servidão da fazenda, para a outra fazenda cumprir o
mandado do Capitão, a fim de resolver um negócio pendente. Jeremias teve a
tentação de montar no cavalo de raça, aproveitando a ausência do Senhor e do
feitor, e foi dar um passeio pelo arraial.
Quando Jeremias chegou de volta a fazenda, Pafúncio já havia voltado.
Pafúncio foi lhe chamar a atençâo por aquele atrevimento. Jeremias, vendo que
tinha errado, temendo o castigo do Capitão, fugiu para o mato levando consigo um
machado, um canivete, uma bateia de lavar cascalho e tirar ouro e sacos de
aniagem. Saía de madrugada, tirava ouro e, à noite, trocava por mercadorias nas

230 FONSECA, Raymundo, Bastão de Ouro, 2ª edição, s.l., 1993. Deste livro foram-me enviadas as fotocópias das
páginas sobre a história do culto ao Bom Jesus que aqui transcrevo.

174
vendas do arraial. Quando o ouro falhava, ele comia em casa de uma lavadeira, Siá
Maria Augusta.
Durante o dia Jeremias trabalhava na confecção de uma tosca imagem de
madeira, do Senhor Bom Jesus. Pronta a Imagem, Jeremias levou-a ao Capitão
Anastácio e apresentou-a como sendo o seu padrinho.
O Capitão, vendo o seu modo inteligente, deu-lhe um marceneiro com
ferramentas e aperfeiçoou a imagem. Esta imagem é guardada na sua capela onde
os devotos podem vê-la.
O Capitão Anastácio, comovido com o acontecimento, promoveu a construção
de uma capela próxima ao local onde Jeremias tinha o seu esconderijo. Ali colocou
a imagem com melhor aparência; mais tarde, passando pe1o arraial um escultor
espanhol de nome D. Vicente, escultor que trabalhou na imagem, deu-lhe uma
melhor apresentação. Esta capela foi construída com a assistência do Padre
Caetano da Fonseca de Vasconcelos e o seu auxiliar, coadjutor Padre Manoe1
Rodrigues Souto. O nome do lugar, conserva até hoje o nome do Poltreiro, que quer
dizer: lugar onde se criam potros. O Capitão Anastácio deu ao escravo Jeremias
três horas por dia para cuidar da capela, e ali fazer orações e, mais tarde, deixou-
-o só para cuidar da capela 231
.

Sobre a festa ao Senhor de Matozinhos, conta-nos o mesmo autor o modo como ela

se celebrava antigamente e nos nossos dias:

A festa do Senhor Bom Jesus é celebrada aqui desde a construção da 1ª


Capela e sempre é muito frequentada pelos fiéis que fazem seus pedidos e
alcançam graças. Em 1855, ao passar a procissâo pela ponte sobre o Rio Piracicaba,
como era ponte de madeira e já era velha, desabou caindo muita gente no rio. Mas
só morreu uma velhinha que não suportou o tombo e o choque (...).
A novena era feita no Santuário e dia 1º de maio era levada da Matriz a
imagem de S. Miguel e todas as imagens dos Santos que havia na Matriz, em
procissões, com música, foguetes, etc. Dia 2 de maio, saíam todas as imagens,
inclusive as que existiam no Santuário e em seguida a imagem de Bom Jesus,
descendo pela rua do Morro, passando pela rua da Praia, subindo o morro da Volta,

231 Ob.cit., pp. 51-53. O texto aparece tal como me foi enviado.

175
passando pela rua dos Passos e Praça da Matriz, continuando pela rua Direita,
passando pela Praça do Português e a ponte sobre o rio, fazendo a volta na Praça
do Adolfo, tomando a rua Córrego da Prata até a Capela do Bonfim, no topo do
morro de saída para Alvinópolis, onde ficava até o dia 3 de maio, dia de Santa
Cruz, e á tarde saía dali para retornar ao Santuário. Dia 4 de maio, retorno das
imagens para a Matriz e após a chegada, o sermão de encerramento e era cantado
o TEE DEO em ação de graças, pelo término da festa.

113 - Imagem do Bom Jesus

176
Hoje 232
: 1ºdia de novena, caminhada da Matriz levando uma Cruz Grande,
chamada Cruz da Esperança, com cânticos e preces ao Sr. Bom Jesus.
Dia 1º de maio, dia do Trabalhador - Missa no Santuário para os
trabalhadores rurais, fazendo-se representar o Síndícato Rural. À tarde,
procissão de Bom Jesus e mais a imagem de Nossa Senhora das Dores, até a gruta
do Bonfim, com banda de música e cânticos. Lá permanece até o dia 2 de Maio, com
missa às 10 horas, comunhões e pregação por um orador sacro. A tarde, procissão
da gruta do Bonfim para a Capela do Rosário e ali ficam as imagens até dia 3. Às 7
horas há a celebração da Santa Missa, com cânticos e Comunhões e, em seguida, a
procissão para a Matriz.
Em todas as festividades é notada a presença da Corporação Musical e, às
vezes, cada dia da festa é uma corporação que se apresenta, inclusive a banda de
Bela Vista de Minas e a banda de Joâo Monlevade. Na Matriz, a imagem permanece
o dia todo para a visitação pública até a tarde, quando sai a procissão. mas como é
difícil fazer ala por ter às vezes o número de até 20.000 pessoas, o pároco atual
233
, Padre Henrique Dominicus, concorda em fazer uma caminhada para o Santuário
e lá há uma pregação por um Sacerdote designado pelo Vigário e ali aqueles que não
fizeram suas ofertas, aproveitam para fazê-las e, no dia 4 de maio, há então uma
caminhada da Matriz para o Santuário. É parte fundamental da festa o quadro dos
carregadores da imagem. Foram escolhidos pelo Vígário da época um quadro de 12
carregadores, e todos tinham a sua opa roxa e davam uma oferta maior, porque
eram pessoas de destaque. Além dos 12, haviam mais 12 suplentes, podendo ser
elevado para mais a pedido do interessado. A obrigação: ter uma opa roxa e estar
presente nas procissões e ainda dar uma oferta estipulada pelo festeiro.
Hoje é facultado, de acordo com a consciência de cada um. Estes
carregadores têem origem hereditária, ficam de pai para filho, etc.
Após terminadas as solenidades no Santuário, o sacerdote dá a bênção fina1
do grande Jubileu 234.

Como se pode verificar por este texto, há semelhanças entre as cerimónias ao Bom

Jesus de Matozinhos de Rio Piracicaba e as nossas, como é o caso da celebração da novena

232 Com o termo hoje o autor do texto quer dizer actualmente.


233 A 1ª edição da obra é de 1987 e a 2ª de 1993.
234 FONSECA, Raymundo, pp. 55-56.

177
a anteceder a festa e do sermão. Do mesmo modo se festeja entre nós a Santa Cruz, no

dia 4 de Maio, sendo a sua realização da responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia

do Bom Jesus de Matosinhos

As celebrações festivas organizadas pelas Irmandades, representaram uma fonte

de trabalho importante para os músicos mineiros. Nas suas pautas nasceram muitos hinos

em honra dos santos padroeiros daquelas instituições cantando as suas virtudes e a sua

glória. Em Rio Piracicaba existem pelo menos dois hinos ao Bom Jesus. Desconheço as

datas em que foram elaborados, mas através das suas estrofes é possível verificar a

existência de uma devoção simples, mas muito profunda:

Hino ao Bom Jesus de Matozinhos de Hino ao Bom Jesus do Matozinhos 236

Rio Piracicaba 235

Bom Jesus desta terra querida Oh! Bom Jesus do Matozinhos


Em que tens o teu trono de amor, Aqui tendes um trono em São Miguel!
Ouve a nossa oração comovida, Com seus humildes orfãozinhos
Ouve a nossa oração oh Senhor. Piracicaba é o vosso quartel,
CORO
Pelos montes e pelas planuras Ó Bom Jesus do Matozinhos
Do Brasil corra o hino dos céus Acolhei este povo a Deus fiel
Glória a Deus, glória a Deus nas alturas Somos os vossos irmãozinhos
Paz na terra aos amigos de Deus Jesus de Matozinhos,

Bom Jesus, Verbo Eterno Encarnado Jesus de São Migue!


Nas entranhas da vida sem par Dai-nos a fé, ó Bom Jesus
És o Filho de Deus agora E a nossas mentes vossa luz!
E nos vieste remir e salvar.
Somos Cristãos!
Bom Jesus, com respeito profundo Somos Cristãos!
Todos nós te adoramos,Senhor!
Tua morte salvou todo o mundo! Óh! Meu Bom Jesus!
Tua morte, oh Jesus Redentor! Hoje esmagado pela dor,

235 Música de Joaquina de Araújo e letra do Bispo José Brandão de Castro.


236 Letra e música de Walterius.

178
Bom Jesus, aos teus pés nos prostramos Mas confiando em vosso amor
A alma cheia de dor e aflição Aqui nos achamos
E contritos e humildes, rezamos E invocamos
Não nos negues jamais teu perdão! Oh! meu Bom Jesus.

Bom Jesus, ao partirmos saudosos,


Ao teu templo dizemos adeus!
Mas levamos conosco, radiosos

A certeza das benções de Deus.

S.JOÃO D’EL-REI – Minas Gerais

A cidade de S. João d‟El-Rei, situada

na região central de Minas, com uma área

de cerca 1.500 kms2 tem cerca de 77.500

habitantes. O município é constituído pela

sede e pelos distritos de Arcangelo,

Emboabas, Rio das Mortes, S. Gonçalo de

Amarante e S. Sebastião da Vitória 237


. Fica

a 185 Kms de belo Horizonte e faz parte do

roteiro das cidades históricas de Minas

Gerais.

114 - A cidade junto ao córrego do Lenheiro

237 Dados recolhidos no sítio do Projecto Cidades.

179
O antigo Arraial Novo do Rio das Mortes deu origem à cidade de São João
d‟El-Rei. Os primeiros sinais de ocupação do arraial remontam a 1704, quando o
paulista Lourenço Costa descobre ouro no ribeirão de São Francisco Xavier, ao norte
da encosta da Serra do Lenheiro. Nessa época, Lourenço Costa trabalhava como
escrivão no Porto Real da Passagem, local onde Antônio Garcia da Cunha, genro e
sucessor de Tomé Portes d‟El-Rei explorava a travessia do rio das Mortes.

Com a descoberta, as terras são distribuídas a várias pessoas que começam a


explorar as margens do ribeirão. Pouco tempo depois, o português Manoel José de
Barcelos encontra mais ouro na encosta sul da Serra do Lenheiro, num local chamado
Tejuco. Aí se fixa o primeiro núcleo de povoamento que daria origem ao Arraial Novo
de Nossa Senhora do Pilar, mais tarde Arraial Novo do Rio das Mortes. Como outros
arraiais mineradores, o povoado surge a partir de uma capela erguida em devoção à
Nossa Senhora do Pilar, ao redor da qual vão se fixando bandeirantes e
aventureiros, que chegam à região atraídos pelo ouro. A cada dia, mais uma casa de
taipa é levantada e, aos poucos, novas capelas e moradias vão formando outros
aglomerados urbanos.

As rivalidades e a disputa pela posse de datas 238


auríferas geram conflitos
permanentes, que culminam na Guerra dos Emboabas. Eram chamados emboabas os
que não haviam nascido na Capitania de São Vicente, hoje São Paulo, e que, para os
paulistas, não deviam receber terras em Minas Gerais. O conflito teve como causas
principais a exploração do ouro e o direito de posse dos novos territórios
conquistados. Assim, entre 1707 e 1709 paulistas revoltam-se contra os forasteiros,
em sua maioria portugueses,
que, liderados pelo
comerciante Manuel Nunes
Viana, saem vitoriosos do
movimento 239
.

115 – Casa mais antiga da cidade e sede do


238 O mesmo que catas.
239 www.sg.com.br. Instituto Histórico Geográfico local

180
Em 1713, estando a localidade bastante próspera, é elevada a vila e recebe o nome

de

São João d‟El-Rei em homenagem a Dom João V, rei de Portugal. No ano seguinte, é

nomeada sede da Comarca do Rio das Mortes. Desde os tempos de sua formação,

desenvolve-se aí uma vasta produção mercantil e de géneros alimentícios, resultantes

tanto da atividade agrícola, quanto da pecuária. Essa faceta vai possibilitar o contínuo

crescimento da localidade, que não sofre grandes perdas com o declínio da atividade

aurífera, verificado em toda a Capitania das Minas Gerais a partir de 1750.

Nessa época a crise do sistema colonial agrava-se. A exploração do ouro entra


em franca decadência, e a Coroa Portuguesa continua a exigir pesados impostos da
população. Essa situação conflitante faz crescer o nível de consciência de setores
intermediários da sociedade, levando padres, militares, estudantes, intelectuais e
funcionários das principais vilas mineiras, como São João d‟El-Rei, Tiradentes e Vila
Rica, a conspirar contra a metrópole.

Em poucos anos, o movimento conhecido como Inconfidência Mineira toma


corpo e ganha adeptos em cada arraial e vila da Capitania das Minas Gerais. Grandes
planos são traçados tendo em vista a produção de bens de consumo aliada à
liberdade comercial, o que descartaria a política monopolizadora da metrópole. A
Vila de São João d‟El-Rei é escolhida para abrigar a nova capital. Porém, em 1789, o
movimento é frustrado pela denúncia do coronel Joaquim Silvério dos Reis, devedor
de somas altíssimas à
Fazenda Real.

Graças à vocação
comercial de São João
d‟El-Rei, a sua feição
colonial não é a mesma das
demais vilas mineradoras
da época. Já em princípios
do século XIX, ela se
mostra amadurecida
116 - Rua de Santo António

181
comercialmente: lojas instaladas em elegantes casarões oferecem todo tipo de
mercadoria, desde as produzidas na comarca até as importadas. O movimento de
passantes, caixeiros-viajantes, mulheres e crianças circulando pelas ruas confere-
lhe um aspecto alegre e colorido. Também é precoce o surgimento da imprensa,
assinalado pela fundação, em 1827, do 'Astro de Minas', o segundo jornal de Minas
Gerais na época. Em 1838, a progressista Vila de São João d‟El-Rei torna-se cidade.
Nessa época, possuía cerca de 1.600 casas, distribuídas em 24 ruas e 10 praças.
Ainda no século XIX, contava com casa bancária, hospital, biblioteca, teatro,
cemitério público construído fora do núcleo urbano, além de serviços de correio e
iluminação pública a querosene.

Desenvolve-se, ainda mais, com a inauguração, em 1881, da primeira seção da


Estrada de Ferro Oeste-Minas, que liga as cidades da região a outros importantes
ramais da Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 1893, a instalação da Companhia
Industrial São Joanense de Fiação e Tecelagem traz novo impulso à economia local, a
tal ponto que a cidade é novamente indicada para sediar a capital de Minas Gerais.
Em junho do mesmo ano, o Congresso Mineiro Constituinte aprova, em primeira
discussão, a mudança da capital para a região da Várzea do Marçal, subúrbio de São
João d‟El-Rei. Mas, numa segunda discussão, o projeto inclui Barbacena e também
Belo Horizonte, um planalto localizado no Vale do Rio das Velhas, onde existia o
antigo Arraial do Curral d‟El-Rei.

Com a escolha da região do Curral d‟El-Rei, em dezembro de 1893, a


importância econômica de São João d‟El-Rei diminui gradativamente. Mas a cidade
não perde seu charme colonial, sendo motivo de atenção dos modernistas brasileiros,
que a visitam em 1924. Ela é registrada na obra de algumas das figuras mais
representativas do movimento, como a pintora Tarsila do Amaral e o escritor Oswald
de Andrade. Em 1943, seu acervo arquitetônico e artístico, composto por
importantes edificações civis e religiosas, é tombado240 pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – Sphan .
241

A formação peculiar da cidade, que evoluiu de arraial minerador para


importante pólo comercial da região do Campo das Vertentes, é responsável por sua

240 Ver n. 154.


241 O SPHAN deu origem ao IPHAN.

182
característica mais interessante: uma mescla de estilos arquitetônicos que tem
origem na arte barroca, passa pelo ecletismo e alcança o moderno. Em São João d‟El-
Rei é possível apreciar a evolução urbana de uma vila colonial mineira, cujo núcleo
histórico permanece bastante preservado em harmonia com as construções ecléticas
do século XIX e as mudanças ocorridas no século XX 242
.

O bairro de Matozinhos e a sua igreja

Curiosamente um bairro desta cidade tem o mesmo nome da nossa – Matozinhos - e

nele se pressente um forte sentimento comunitário e de bairrismo entre os moradores.

Segundo a tradição, terá sido a partir desse local que nasceu São João d‟El-Rei. No seu

Santuário do Bom Jesus de Matozinhos se realiza ainda hoje uma das maiores romarias

brasileiras ao nosso comum padroeiro.

O antigo bairro de Matozinhos cresceu sobremaneira, originando vários


bairros e dezenas de ruas. O bandeirante paulista Tomé Portes, o fundador de São
João d‟El-Rei , foi assassinado por escravos em 1704. Antes de Tomé Portes chegar,
se estabelecera no local, o conhecido Porto Real da Passagem, como proposto reinol
para a cobrança de impostos para o Erário Real. Fixara-se em Matozinhos ou perto
de Matozinhos com a família, com amigos e escravatura, iniciando-se ali, o primeiro
núcleo populacional que deu origem ao Arraial Novo do Rio das Mortes, depois
Arraial de Nossa Senhora do Pilar. Pode-se afirmar categoricamente que São João
d‟El-Rei teve o seu começo em Matozinhos, graças à atuação pioneira de Tomé
Portes. A 15-2-1709, época de grande turbulência no Arraial Novo, invadido por
numerosos forasteiros em busca do ouro, os paulistas foram derrotados no chamado
"Capão da Traição", situado nas proximidades de Matozinhos. Teria havido matança
de prisioneiros. A ereção da Capela de Matozinhos, fator de progresso do local, foi
autorizada por Provisão de 6-9-1771. Seu Patrimônio foi doado pelo vigário de Nossa
Senhora do Pilar, padre Dr. Matias Antônio Salgado, que já se encontrava no
exercício do cargo quando faleceu o Rei de Portugal (1750) D. João V. O padre
Matias foi um grande benfeitor do bairro, dos mais progressistas de São João d‟El-
Rei.

242 ÁVILA, Cristina, http://users.mgconecta.com.br/~sjonlinee/indice.html.

183
Em 1771, o Senado da Câmara notificou, em edital, aos possuidores de terras
na Vargem do Porto Real, a apresentação à Câmara de São João d‟El-Rei dos
documentos de posse das mesmas. Pretendia-se edificar na citada vargem a Capela
do Senhor do Matozinhos.

Francisco Ribeiro Mendes, em 1774, enviou requerimento à Câmara tendo em


vista o aparecimento de supostos proprietários. O peticionário desejava ampliar suas
terras ali, mandando fazer tapumes. Houve reação dos interessados, que
apresentaram títulos de propriedade das terras pretendidas. Ribeiro Mendes alegou
"no tempo em que os donatários requereram terras na mesma paragem já estava de
posse das suas". Suas terras compreendiam, ainda, "todo o vão que hoje serve de
área à Capela do Senhor de Matozinhos, e que no tempo de sua concessão nem havia
a Capela que se fez posterior, nem casas algumas". A Câmara decidiu que Francisco
Mendes não fizesse outras tapagens, "sob pena de ser preso". Diz o Termo de
Vereança (1774): "E atendendo a esta Capela do Senhor de Matozinhos edificada em
grande tortura, o que é irremediável, devese formalizar já o terreno e a rua em
forma que a indireitam para formosura dela e trajeto público". Ribeiro Mendes
faleceu a 7-8-1790, sendo sepultado dentro da Capela de S. Francisco. Foi síndico da
Ordem de São Francisco de Assis.

Em março de 1774, casaram-se na Capela do Senhor do Matozinhos, Manoel da


Costa Vilas Boas, filho do capitão Manoel da Costa Vilas e de Quitéria Inácia da
Gama, com Maria Vitória Joaquina de Freitas, batizada na Freguesia de São João
Batista de Cartaxo, da cidade de Lisboa.

Em 1774, como vimos, a Câmara de São João d‟El-Rei reuniu-se para estudar
problemas sobre propriedades de terras (já havia especulação imobiliária, na época)
"na paragem da Vargem da Água Limpa, Capela do Senhor de Matozinhos". Alguns
interessados apresentaram títulos de propriedade de terras, passados pela Câmara
em 1770 (...).

Na Festa do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de 1789, Manoel Moreira


estabeleceu-se com taberna, coberta de capim, no Largo de Matozinhos. Na citada
taverna houve conversas de romeiros que "comprometiam" os interlocutores, ouvidos
em devassa, em conseqüência da Inconfidência Mineira. Uma das testemunhas, o

184
sargento-mor Joaquim de Souza Câmara, moço fidalgo da Casa de Sua Majestade,
foi inquirido a 17-9-1789. A 13-4-1793 faleceu Domingos Alves de Araújo, Ermitão
da Capela do Senhor de Matozinhos. A 23-3-1802 Bernardo José de Lorena,
Governador da Capitania de Minas, concedeu a Manoel Gomes de Almeida Coelho
(faleceu a 28-9-1838) a patente de capitão da Cia. de Ordenança do Novo Distrito
da Capela do Senhor de Matozinhos, de Vila de São João d‟El-Rei. Ingressou na
Irmandade do SS. Sacramento a 12-6-1804. A mesma autoridade a 10-5-1802
nomeou para o posto de alferes do citado Distrito Clementino José Ribeiro Carmo. A
12-9-1810 foi aberto o testamento do mestre-de-campo Inácio Correa Pamplona, que

residia em Matozinhos. Foi o 3° denunciante dos Inconfidentes mineiros (...).

Durante mais de um século o bairro de Matozinhos notabilizou-se pelas


animadas festas do Divino Espírito Santo. Cresceu a devoção ao Senhor Bom Jesus
de Matozinhos e as festividades atraíram romeiros de várias localidades.

O bairro de Matozinhos ufanava-se de suas numerosas e bem cuidadas


chácaras, refertas de árvores frutíferas 243.

Apesar da sua importância, o bairro de Matozinhos só se tornou paróquia em 25 de

Outubro de 1959. Foi seu primeiro pároco o cónego Jacinto Lovato Filho, natural dessa

cidade. Sobre a história do bairro e da capela também este sacerdote acrescenta algumas

achegas à versão anterior 244 :

Matozinhos também possui sua história. Começa com um padre português


que aqui se estabeleceu na segunda metade do século XVIII. Dotado de grandes
recursos, adquiriu a área que vai do Córrego denominado Água Limpa até às margens
do Rio do Porto. Além de sua residência, construiu uma capela no centro da praça,
entronizando nela uma linda imagem de Nosso Senhor crucificado, confeccionada em
Portugal, cidade de Matozinhos.

243 Este texto é do ilustre historiador sãojoanense Sebastião de Oliveira Cintra, que permitiu colocar na íntegra o
seu livro "Nomenclatura de Ruas de São João d’El-Rei " na Internet– http://users.mg.conecta. com.br /~sjonline/
igrejas_monumentos/ruas/rua07.html, de onde o importei. O artigo foi publicado em 1988 na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São João d’El-Rei - Nº 6.
244 O texto intitulado História de uma imagem, foi publicado no Jornal “O Repórter” em Março de 1975. Recolhi-
o de uma transcrição inserida no Boletim Oficial da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, “Comunidade”,
S.João d’El-Rei, nº 1, 1995, que me foi enviado pela Secretaria Diocesana da Pastoral.

185
De extraordinária beleza, tamanho natural, retratando Cristo Vivo, trazendo
numerosos rubis encrustados em diversas partes do corpo, assinalando os filetes e
coágulos do sangue, foi colocada a grande imagem como a padroeira da recém-criada
igreja. Tornando-se então conhecida como a Imagem do Senhor Bom Jesus de
Matozinhos.
Desligado de São João d‟El-Rei naquela época, separação feita pelos dois
córregos: Lenheiro e Água Limpa, o pequeno povoado foi baptizado com o nome de
Matozinhos, pois guardava em seu coração, em plena praça, a imagem do Senhor Bom
Jesus de Matozinhos.

118 - Detalhe da Imagem


117 - Imagem do Bom Jesus

Claramente compreendemos porque este tão populoso bairro de hoje recebeu e


conserva tão dignificante e honroso nome de Matozinhos. A imagem deu o nome ao
bairro. Padre Jorge, assim se chamava o fundador, doou a área compreendida entre
o Córrego Água Limpa e Rio do Porto, para a Igreja do Senhor Bom Jesus de
Matozinhos.
A devoção à imagem do Senhor Bom Jesus de Matozinhos tomou conta de São
João d‟El-Rei, estendendo-se aos poucos às cidades e às vilas próximas e distantes.
Afluíam de todos os lados romeiros que vinham depositar suas preces e deixar seus

186
pedidos aos pés da imagem, surgindo assim os grandes jubileus aqui realizados.
Quadros eternizando graças e favores obtidos por intercessão do Senhor Bom
Jesus de Matozinhos datam do final do século XVIII até aos nossos dias.

Quando, em 1959, o primeiro pároco tomou a responsabilidade da paróquia, a

igreja existente era ainda a original, erguida nos anos 70 do século XVIII

Inspirada na devoção portuguesa (...) e um magnífico exemplo da arquitectura


religiosa 245.

119 - Igreja oitocentista que foi demolida

Achou o pároco que a igreja se

encontrava em péssimas condições de

conservação e que era pequena para as

necessidades de um bairro com uma

população em franco crescimento. Com o

apoio de alguns paroquianos, planejou a

construção de uma maior no mesmo local, o

que implicava a necessidade de demolição

da antiga. Inicialmente proibida pelo


120 - Fachada da igreja SPHAN essa destruição, ela acabou por se
num jornal antigo verificar quando aquela instituição voltou

atrás na interdição, dando oportunidade à construção de uma maior 246


.

245 SACRAMENTO, José António de Ávila, Os Voluntários da Pátria e a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos de
São d’El Rey, in “ Outras palavras” nº4, Tiradentes, Outubro/Novembro de 2001.

187
Desde que a ordem de

demolição foi dada, levantou-se

grande polémica entre os

moradores do bairro, que não

foram, contudo, capazes de a

evitar. Um artigo no Boletim do

Instituto Histórico Geográfico

dá-nos conta do que se passou e

aponta presumíveis responsáveis

para o crime contra o património


121 - Demolição do interior da igreja
sanjoanense:

Na ocasião o IHG 247


tinha apenas dois meses e pouco de existência... Não
tendo, neste particular, a possibilidade de contar com o adjutório do Prefeito,
tínhamos que apelar para a boa vontade do Padre e do Bispo. O Padre, contudo, é
intratável. E o Bispo, solicitado com o maior empenho nosso e com a urbanidade,
faltou à palavra empenhada. A demolição entrou em ritmo diabólico...”time is money”.

122 - Ainda com a fachada de pé já se construía a igreja


nova (assinalada pela seta)

246 “Comunidade”, Boletim oficial da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, nº1, São João d’El-Rei
1995.
247 Instituto Histórico-Geográfico de S. João d’El-Rei .

188
O frontão veio abaixo, amarrado por dois cabos de aço e puxado por dois
tratores. A cruz de ferro que permanecera inclinada muitos dias, cai-não-cai, veio
abaixo com o frontão. Uma perfeita lição de barbárie, dada de graça a uma
população de 15.000 almas (ou corpo?). Oficiamos, então, respeitosamente ao Bispo,
pedindo que a portada, ao menos ela, fosse conservada nesta Diocese, fosse com
quem fosse e a que título, fosse, mesmo vendida, mas para gente daqui. A propósito,
o Padre Paiva estava com um projeto de organizar um museu sacro em frente à
Matriz, num sobrado colonial (onde foi a agência dos Correios); sabendo que o padre
queria 4.000 cruzeiros pela portada, e já sabedor de que o Bispo nos garantira que
ela permaneceria aqui, ofereceu 4.000 cruzeiros ao padre de Matozinhos. Recusou
porque já tinha encontrado 5.000 cruzeiros pela portada... (um granfino 248
de São
Paulo). O bispo faltou com a palavra empenhada. A portada foi vendida por 5.000
Para o granfino de SP, a quem eu pessoalmente já tinha feito um apelo, quando
desconversou, dizendo que a compra era boato, etc... Dias depois chegava de São
Paulo um caminhão e lá se foi a portada. E também um ornato de pedra sabão, em que
figurava um relógio e outras peças de pedra sabão, que vi serem postas com um
guindaste, no caminhão 249.

123 - Actual Matriz do Bom Jesus de Matosinhos

Actualmente uma associação local denominada ASMAT, Associação dos Moradores

e Amigos do Grande Matozinhos, propõe-se construir uma réplica da antiga igreja.

Em 1980, após 14 anos de obras a nova Matriz foi benzida e aberta ao público

248 O mesmo que novo-rico.


249 CÂMARA, Altivo de Lemos Sette, in Caso da demolição da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, Arquivo do
HIG, Setembro de 1970. Recolhido de “O Grande Matosinhos”, nº23, Setembro de 2001.

189
O Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos

O calendário anual de festas religiosas do bairro de Matozinhos, em São João d‟El-

Rei, contempla três das festas que para nós, em Portugal são também as mais importantes.

A primeira é da Semana Santa. As outras duas são - a do Divino, no dia de Pentecostes e o

Jubileu anual do Bom Jesus que é comemorado com grande brilho entre 5 e 14 de

Setembro, não coincidindo, portanto, com a nossa Romaria.

124 - Altar-mor em dia de Jubileu

A festa do Divino é uma reminiscência da tradição levada da Metrópole pelos que

partiram para o Brasil em busca de melhor vida há mais de 4 séculos. Não tenho dúvida que

entre nós, a festa do Bom Jesus de Matosinhos, com o seu dia maior na segunda oitava do

Pentecostes, está, desde a sua criação, ligada à mesma celebração e que essa tradição se

estendeu ao Brasil. Segundo José Cláudio Henriques 250


, em São João d‟El-Rei o Divino

Espírito Santo celebra-se por autorização do papa Pio VI de 1783, na primitiva Igreja do

Bom Jesus de Matozinhos. Durava três dias, terminando no domingo do Espírito Santo e

atraindo multidões de fiéis. Um jornal de 1917, Acção Social, descreve assim o movimento

dos romeiros

250 HENRIQUES, José Cláudio, O Resgate da Festa do Divino de Matosinhos, in Revista do Instituto Histórico e
geográfico de S. João d’El-Rei,Vol.IX, Ano 2000, p.126.

190
Da boa ordem na festa devemos algo à administração da Estrada de Ferro,
pelo modo correto e prético com que resiolve anualmente o embarque e
desembarque dos Romeiros... Os quarenta e dois trens que correram em cada dia... E
não é pouco em se tratando de cerca de 11.000 passageiros para cada dia, sem
contar os que vinham a pé, a cavalo, e os que vinham de carros de boi, que era o
veículo de transporte da ocasião 251.

Um outro jornal , O Arauto de Minas, refere o mesmo assunto em duas quadras

Da perspectiva elegante

Da igreja de Matosinhos

Extasia os viandantes

Que passam neste caminhos

Ali vão anualmente

Em piedosas Romarias

Moços velhos, muitas gentes

Aturando a festa três dias 252.

Esta festa celebrou-se com regularidade até 1924, ano em que foi proibida por

decisão da Conferência Episcopal da província de Mariana, devido a problemas causados

pela prática excessiva de jogos de azar e suas consequentes brigas.

Em 1998, um grupo de cidadãos do bairro de Matosinhos, liderado pelo pároco,

Reverendo Padre José Raimundo da Costa e por Osni Paiva, artista sacro, iniciou um

movimento pelo resgate da tradição, propósito que se concretizou logo no ano seguinte -

1999. Antecedida por seis dias de reflexão preparatória, a celebração dura três dias,

durante a qual, além das missas, se realizam as procissões do Imperador Perpétuo e do

Divino Espírito Santo.

251 Texto recolhido por Osni Paiva, ob.cit.


252 Ob.cit.

191
Contudo, pelo menos até finais do século XIX, dentro do mesmo período, realizava-

se uma outra festividade, ligada a uma imagem existente na mesma Igreja do Bom Jesus

de Matosinhos, que aparentemente nada parece ter a ver com a celebração da época

litúrgica em causa, mas que recaía no dia em que entre nós, se festeja o Bom Jesus de

Matosinhos. Passo a citar:

A bela imagem pertencente à igreja do Bom


Jesus de Matosinhos, com certeza, veio na bagagem
dos imigrantes portugueses, no final do século
XVIII. Segundo o escultor Osni Paiva, a imagem de
Nossa Senhora da Lapa, se parece muito com a de
N. S. da Conceição, só que não traz a lua esculpida
sob os pés. Em Matosinhos o dia consagrado a
Nossa senhora da Lapa era a terça feira após o
125 - Estampa de
Domingo de Pentecostes, conforme resgistrou o
N. S. da Lapa
jornal Arauto de Minas .
253

Esta imagem fez parte da procissão do Divino em S. João d‟El-Rei até 1924.

Contudo a grande festa local é a do padroeiro que, como em Congonhas, se celebra

em Setembro, mas entre os dias 5 e 14. O seu programa, laboriosamente preparado, inclui

uma forte componente religiosa, mas também contempla o aspecto profano de diversão e

sociabilidade. É organizado por uma comissão que apoia o Pároco, dado não existir ali

Irmandade do Bom Jesus de Matozinhos.

Foi o seguinte o programa do Jubileu de 2001254.

253 SACRAMENTO, José António Ávila, Um Pouco de História, in O Grande Matosinhos, nº26, Dez. 2001.
254 O programa das festas e os cartazes alusivos têm-me sido regularmente enviados. O de 2000 recebi-o do Snr.
Padre José Raimundo. O de 2001 devo-o ao Dr. José António Ávila Sacramento.

192
PROGRAMAÇÃO BÁSICA DO JUBILEU DO

SENHOR BOM JESUS DE MATOZINHOS

DATA HOR EVENTO

5 a 13 de 15:00 Missa e Benção do Ssmo. Sacramento

Setembro 19:00 Missa e novena solene

7 de Setembro 15:00 Grito dos excluídos na Matriz do Sr. Bom Jesus de

Matozinhos, missa e unção dos enfermos

17:00 Em frente à Matriz de S. Sebastião, início da missa e

caminhada até à Matriz do Sr. Bom Jesus de Matozinhos

14 de Setembro 6:00 Alvorada festiva

DIA MAIOR 7:00 Missa por todos os benfeitores vivos e falecidos da

Paróquia

9:30 Missa especial para as crianças

15:00 Missa solene, presidida por Sua Excia. Revma. D.

Waldemar Chaves de Araújo, participação da Orquestra

Ribeiro Bastos

18:00 Procissão com a Imagemdo Senhor Bom Jesus de

Matozinhos. À chegada, queima de fogos de artifício,

sermão proferido pelo Pe. Frei Valdomiro Soares

Machado (Rio de Janeiro). Homenagem especial ao Pe.

Pedro Teixeira Pereira, pelos serviços prestado à

Paróquia.

OBS. Diariamente, à noite, após a missa e novena, eventos artísticos e culturais na Praça

de Matozinhos e Centro Social e Cultural da Paróquia

193
126 - 1ª página do folheta com a novena ao Bom Jesus de Matozinhos

194
127 - Restantes orações da novena

195
Aspectos do Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos

128 - Imagem preparada para a procissão

129 - Missa solene

196
130 - O Bom Jesus de Matosinhos na procissão

131 - Multidão seguindo a procissão pelas ruas do bairro de Matosinhos

A procissão desfila pelas ruas do Bairro de Matozinhos acompanhada por numerosa

multidão que vai entoando, ao longo de todo o percurso, o Hino ao Bom Jesus de

Matozinhos cuja letra aqui deixo.

197
HINO AO BOM JESUS DE MATOZINHOS 255

Bom Jesus, pai da clemência,


tende dó dos vossos filhos,
dá alívio as nossas dores,
Bom Jesus de Matozinhos.

Pelas dores que sofrestes


e a coroa de espinhos,
convertei os pecadores,
Bom Jesus de Matozinhos.

Pelo fel que a beber vos deram,


pelos tormentos escaninhos,
perdoai-nos, perdoai-nos,
Bom Jesus de Matozinhos.

Com o abrigo sobre os ramos


vão buscar os passarinhos,
nosso abrigo em vós buscamos
Bom Jesus de Matozinhos.

Vos pedimos por vossa Mãe


que amamos com carinho
abençoai os nossos lares,
Bom Jesus de Matozinhos.

E se um dia envolto em véu


mais puro que o branco lírio,
sigamos convosco ao céu,
Bom Jesus de Matozinhos.

255 A letra deste hino foi-me enviada pelo Dr. José Cláudio, director da ASMAT.

198
Os sinos de S. João d’El-Rei

Uma das atracções desta cidade, conhecida pelas suas inúmeras festas religiosas,

entre as quais se destacam as realizadas na Igreja do Bom Jesus de Matozinhos (Semana

Santa, Desta do Divino e Jubileu), é a forma como os sinos são utilizados para enviar

mensagens litúrgicas à população. Pelo que “esta linguagem dos sinos” representa no

ambiente religioso local, não posso deixar de a abordar, se bem que resumidamente, neste

trabalho.

131 - Sino típico de


São João

132 - Sino de uma das igrejas de


S. João d’El-Rei

Não é à toa que São João d‟El-Rei é chamada de "Terra onde os sinos falam"
pois é a única cidade no Brasil onde os sinos ainda são ouvidos de dia e de noite
com tantas variedades de toques. Muitos desses toques vieram de Portugal
trazidos pelos colonos. Em 1740, foi trazido um toque do Vaticano criado pelo Papa
Bento XIV e colocado em vigor pelo Bispo de Mariana, em 1757, o toque que
relembra a morte do Senhor, toque ainda executado nos dias de hoje. Muitos
outros toques foram criados pelos próprios sineiros, uma tradição passada de pai
para filho. É certo que a falta de rádio, televisão, telefone e outros sistemas de

199
comunicação rápida foram os principais elementos para a criação da linguagem dos
sinos de São João d‟El-Rei e de todas as outras cidades do mundo que usaram ou
ainda usam este "meio de comunicação".

Cada sino tem um nome, uma história, um som. Existem variadas modalidades
de toques: Dobre Simples ocorre quando o sino cai pelo lado em que está encostado
o badalo, ocasionando uma só pancada em cada movimento; Dobre Duplo quando o
sino cai pelo lado contrário ao que está encostado o badalo provocando duas
pancadas em cada movimento; Repiques são o movimento feito somente pelo bater
dos badalos, com o sino parado.

Até as igrejas mais pobres têm sinos.

Aviso de Missas

- meia hora antes da hora marcada para a celebração e quinze minutos


também, é dado o toque no sino pequeno, em pancadas seguidas (18 ou mais). No final
do toque de entrada, as pancadas espaçadas indicam quem será o celebrante:

 3 pancadas - o coadjutor
 4 pancadas - o vigário
 5 pancadas - o bispo
 7 pancadas - o arcebispo metropolitano (...).

Festa em Homenagem aos Santos

- na véspera da festa de um santo que vai ser homenageado repique às 20:00


horas, no sino grande, com dobre na igreja onde vai ser realizada a festa. (...)

200
Festa de Passos
- na sexta-feira das Dores, às 5:15
h, matinas (9 pancadas nos sinos grandes
dos Passos e do Carmo, seguidos de dobres);
ao meio-dia, 15:00 e 18:00 horas e na hora
da procissão, dobre; no momento em que a
imagem sai da igreja, o sino dobra mais
rapidamente - no sábado de "Passos",
repetem-se os dobres, porém os sinos de
São Francisco substituem os do Carmo que
ficam em silêncio.
133 - Passos numa das ruas

No domingo do
"Encontro" repete-se
tudo nas três igrejas
(Pilar, Carmo e São
Francisco) (...).

134 - Rua de acesso à igreja do Carmo

Semana Santa
- na quinta feira santa, depois do Glória da Missa de Instituição da Eucaristia
até o Glória da Ressurreição, nenhum sino toca, seja qual for o motivo. Na
Ressurreição tocam todos os sinos de todas as igrejas (toques festivos) (...).

201
WERNECK (PARAÍBA DO SUL) – Rio de Janeiro

Werneck, onde se situa o

único santuário ao Bom Jesus de

Matozinhos do estado do Rio de

Janeiro, pertence ao município

da Paraíba do Sul. Situado a

280m de altitude, perto do

limite daquele estado com o de

Minas Gerais, apenas a 130 Kms

da capital, conta hoje com cerca

de 40.000 habitantes, numa área

de 620 Km2 256. Embora com uma

história muito antiga, acedeu a


135 - Estado do Rio de Janeiro com a
município apenas em 1833.
localização da Paraíba do Sul

Paraíba do Sul é a cidade pioneira da Serra Fluminense, disseminadora de


civilização no que se chamava no século XVIII Sertão da Parahyba. A cidade nasceu
junto a um remanso descoberto no Paraíba, em 1681, por Garcia Rodrigues Paes,
filho de Fernão Dias. O moço de 20 anos sabia que no raro remanso do caudaloso rio
estava em cima do Rio de Janeiro, porto de mar que pretendia ligar às minas de
pedras preciosas descobertas por seu pai, falecido naquele mesmo ano. Em Lisboa,
em 1682, teve a decepção de sabê-las apenas turmalinas, mas prometeu a Pedro II
“o mais direto caminho que pode haver” entre as minas e o mar. O rei prometeu-lhe
terras e privilégios, desde que descobertos ouro e pedras preciosas. Em 1683,
Garcia abriu sobre o remanso a fazenda origem da cidade, quinze anos depois,
descoberto o ouro, foi o canteiro-de-obra do Caminho que os historiadores chamam
Novo. A Fazenda da Parahyba abasteceu com roças de milho, peixe do rio e caça da
mata virgem a frente-de-trabalho de índios puris escravizados pelos agregados de

256 As informações deste município foram-me fornecidas pela Prefeitura Municipal da Paraíba do Sul, e por S.Exª
Reverendíssima D. José Lopes Veloso, Bispo emérito de Petrópolis. Consultei ainda a página oficial da prefeitura
em www.paraibanet.com e uma sobre aquela região em www.unisal-lorena.br/redescobrimento.html.

202
Garcia, curibocas guainás do Planalto de São Paulo. De 1698 a 1700, abriu o trecho
do Paraíba ao Rio de Janeiro, e, até 1704, o que atingiu a Mantiqueira. Aí, na região
da atual Barbacena, o Caminho Novo se juntou ao Velho, que vinha de São Paulo.

De 1709 a 1711, esteve Garcia em Lisboa, lutando para que D. João V


cumprisse as promessas do pai pela abertura do Caminho Novo. Foi nesse interregno
que Maria Pinheiro da Fonseca, a esposa, guardou na fazenda o tesouro colonial
trazido às pressas do Rio de Janeiro invadido pelos franceses. Recebeu Garcia
sesmarias de quase 40 km ao longo do Caminho e mais de 13 de largura, e um alvará
de vila para sua fazenda que não lhe interessou utilizar, por atrair forasteiros. (A
luta entre paulistas e reinóis no Rio das Mortes, a guerra dos emboabas, mostrou a
concorrência que enfrentaria).

A família Paes Leme, de seus descendentes, reteve a fazenda e a arrendava


até a criação revolucionária da vila cabeça-de-município em 1833. Guarda-Mor Geral
das Minas vitalício desde 1702, ao falecer em Paraíba, a 7 de março de 1738, Garcia
Rodrigues Paes era a maior fortuna do Brasil Colonial 257
. Entretanto, estava na
miséria aos 20 anos quando descobriu o remanso no Paraíba, já que o pai gastara
toda a fortuna perambulando sete anos no sertão com a famosa Bandeira das
Esmeraldas. Que deu em turmalinas.

Aspecto interessante ainda de Paraíba do Sul é guardar o único túmulo


conhecido dos restos mortais de Tiradentes. Na vila de Sebolas foram expostos e
inumados no cemitério da fazenda o braço e o tórax esquerdos do Herói. Hoje o local
é uma várzea, onde pastam bois. O Instituto Histórico e Geográfico da cidade
sugere construir-se ali, com o apoio de fundações culturais do País, o que denomina
Parque Histórico de Sebolas 258 .

257 As terras, privilégios e títulos que recebeu por causa da abertura do famoso Caminho do Ouro ou Caminho
Novo, foram uma das causas da grande fortuna que Garcia Rodrigues Pais acumulou.
258 www.paraibanet.com.

203
136 -Prefeitura da Paraíba do Sul

A região do vale do rio Paraíba, foi sempre um território de passagem, no sentido

transversal e no horizontal. Pelo rio orientavam-se os aventureiros e os viajantes. As

gargantas das montanhas conduziram os que procuravam o ouro ou os que se dirigiam aos

portos. Com a abertura do Caminho Novo, que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais,

passando por Petrópolis, o movimento de gentes intensificou-se na zona onde hoje se situa

o município da Paraíba do Sul .

Com os primeiros europeus, o cristianismo chegou às terras do Vale do Paraíba.

Surgiram pequenas ermidas, dedicadas a santos padroeiros, depois capelas, algumas das

quais se tornaram igrejas importantes 259


. Entre estas últimas encontra-se o santuário ao

Bom Jesus de Matozinhos.

Basílica do Bom Jesus de Matozinhos, de WernecK – 1773

O templo primitivo, cuja construção se iniciou em 1773, deve-se a gente de

Matosinhos que se radicou na zona. Foi benzido em 1776. O actual foi começado em 1959 e

concluído em 1973, 200º aniversário da primeira capela. Um texto fornecido pela

Prefeitura da Paraíba do Sul refere a origem e o povoamento da zona 260 .

As férteis e altas várzeas do sul do município, nas bacias do Fagundes e


Secretário, cedo atraíram desbravadores de terras novas. Ocupada com sesmarias

259 BONATTI, Pe. Mário, ob.cit..


260 No seu conjunto o texto foi transcrito o mais fielmente possível. No entanto, dada a existência de frases e
palavras truncadas, fui obrigada a fazer algumas alterações para melhorar a sua compreensão .

204
a testada 261
sobre o Caminho de Garcia 262
, doadas quase sempre a comerciantes
de açúcar do Rio de Janeiro para seus primeiros engenhos no Sertão da Paraíba,
por meados do século XVIII só restou aos novos imigrantes do reino, os chamados
reinóis, penetrarem mais fundo na zona dos formadores daqueles rios e nas
vertentes da serra do Sicupira, abrindo roças de subsistência e criando aves e
pequeno gado. Nasceram assim as roças, centralizadas nos arraiais de Matozinhos,
Sardoal, Membeca, Rio Manso e, no século XIX, Sertão do Calisto, começado este
por gente de Sebolas.
Como por toda a parte em zona rural, os centros urbanos permanecem
pequenos, resumindo-se na igreja, escola, alguma venda-armarinho 263
e casas dos
que ali trabalham, ou de fazendeiro mais abastado (...).
A devoção ao Bom Jesus é em Portugal típica de campesinos 264
. E também a
eles devemos a nossa. Na década dos ano quarenta do século XVIII, [ chegaram]
camponeses oriundos da região da vila de Matosinhos, hoje nos arrabaldes da
cidade do Porto. E como santuário ao Crucificado lhe ergueram pequena ermida na
vertente oriental da serra do Sicupira. Já em 1733 criou-se o curato com esboço
de santuário, caracterizado pelo costume das romarias e pagamento de promessas
com ex-votos. O iniciador da nossa devoção foi Pedro Costa Lima, que lhe
constituiu o património de 250 braças de testada por uma légua de fundo. Ele era
do Sardoal, o primeiro arraial da região.
O antigo templo dessa época recuada serviu até 1862, quando foi substituído
por um maior levantado pelo então proprietário da vizinha fazenda do Engenho do
Matosinho do Sardoal (fundada em 1818 com açúcar), o famoso líder do partido
Liberal, Martinho Álvares da Silva Campos (...).
Tudo o que temos sobre o primeiro santuário de Matozinhos, substituto da
ermida de Costa Lima, e que cedo adquiriu prestígio em toda a serra, devemos ao
interesse da Câmara de Vassouras de ficar com o curato de 1773(...).

261 Testada é a estrada ou o caminho que fica em frente a um lugar.


262 Era o Caminho Novo.
263 No Brasil um armarinho é uma pequena loja.
264 O autor afirmará isto porque, muito provavelmente, os homens de Matosinhos que chegaram à Paraíba do Sul
no século XVIII seriam provenientes de áreas rurais do concelho de Matosinhos e ao fixaram-se ali dedicaram-se à
agricultura. A referência a Sardoal poderá significar que alguns deles fossem do lugar desse nome existente em Leça
da Palmeira.

205
A nova igreja que, em 1862, substituiu a primitiva capela, era

grande, com três altares, bem pintada e com belíssimas imagens em vulto grande,
especialmente a do Senhor, à qual é inexplicável a devoção que lhe tributam os povos, inda
os mais remotos 265.

137 - Actual santuário do Bom Jesus de Matosinhos de Werneck

A igreja actual, tombada em 1959, é a maior da serra fluminense. A sua construção

deve-se ao padre italiano Luigi Raymondo, que dedicou 50 anos da sua vida àquele

santuário. É um templo de grande porte, cuja fachada principal tem duas torres sineiras

com cúpulas prateadas. A ela se acede por ampla escadaria, ladeada por palmeiras

imperiais, tendo no centro um cruzeiro de madeira, onde ficava a antiga capela.

265 Texto da Prefeitura da Paraíba do Sul.

206
O interior tem dois andares, funcionando o segundo como galeria. O altar-mor é de

mármore e apresenta, ao fundo, uma imagem, do Bom Jesus de Matozinhos, na cruz, em

prata e madeira, importada de Portugal. Uma versão da origem da Imagem diz que ela foi

descoberta milagrosamente por escravos da antiga fazenda Matozinhos. O Reverendo

Bispo Emérito de Petrópolis descreve-a assim:

A bela imagem tem aproximadamente 1,70 m de altura. Jesus está vivo na


cruz, tendo o aspecto de jovem e um dos olhos voltado para os céus e outro para
terra. Os pés estão cravados um ao lado do outro, cada um com um cravo .
266

138 - Interior da igreja de Werneck

O Santuário possui uma Casa

dos Milagres onde estão expostas as

ofertas: fotografias, quadros a óleo,

peças de vestuário, muletas e

aparelhos ortopédicos, velas e figuras

em cera.

Encontra-se numa zona elevada,

cercada por lojas e residências. No

largo defronte do Santuário existe


139 - Fonte milagrosa
uma nascente de onde jorra água a que

se atribuem virtudes terapêuticas.

266 Informação fornecida por S.Exª.Rev. D. José Veloso, Bispo Emérito de Petrópolis.

207
Como a povoação é pequena, não constitui uma paróquia. Pertence à de Sant‟Ana da

Inconfidência. Todos os domingos ali se celebram missas e baptizados, sempre muito

concorridos por peregrinos.

Romaria do Bom Jesus de Matozinhos

Em Werneck, a festa anual recai no último domingo de Agosto. Inicia-se às 5 h da

manhã com a abertura da Igreja aos fiéis de todo Brasil. Entre estes destacam-se os

pagadores de promessa que fazem o percurso a pé, prestando seu culto de fé pelas graças

alcançadas, como se vê na sala de milagres. Durante a festa há barracas de comestíveis,

venda de imagens, santinhos, fitas e peças em gesso e cera. A última Santa Missa ocorre

no final do dia, às 18 h. Sacerdotes de outras paróquias ali se deslocam não só para as

celebrações das missas, que se rezam a todas as horas, mas também para confessarem os

peregrinos. Durante a festa é tradicional a realização de baptizados.

A afluência ao santuário de milhares de peregrinos, vindos de estados distantes,

levou a que algumas agências de viagem brasileiras, dentro das suas programações de

turismo religioso, tenham estabelecido roteiros especiais para deslocações a esta Romaria

considerada a maior festa do género no Estado do Rio de Janeiro

140 - Recinto em dia de Romaria

208
141 - Aparcamento de carros dos romeiros
A força do fervor popular neste Cristo está bem patente na notícia publicada pelo

jornal “Dia”, em 19 de Janeiro de 2002, a propósito da vitória da equipa do Flamengo

sobre o Itaipava 267


.

Goleada bendita

Água da fonte de Bom Jesus de Matozinhos ajuda Fla a encerrar a


pré-temporada com goleada de 11 a 0

Mauro Leão

Paraíba do Sul - O Flamengo entrou em campo protegido pela água benta


do Santuário de Bom Jesus de Matozinhos e, iluminado, goleou a seleção de
Itaipava, por 11 a 0, ontem, em Paraíba do Sul, no último jogo amistoso do time,
antes da estréia no Torneio Rio - São Paulo, amanhã, contra o Palmeiras, no Parque
Antártica.
Antes do início do jogo, disputado no estádio do Cerâmica, o prefeito da
cidade, Rogério Osório, entrou no gramado e entregou ao técnico Carlos Alberto
Torres uma garrafa de dois litros com o líquido sagrada. “Vou levar essa água
benta para Buenos Aires. Vamos precisar de muita proteção divina na decisão da
Copa Mercosul, contra o time do San Lorenzo”, disse o treinador rubro-negro.

267 www.odia.ig.com.br.

209
Matozinhos – Minas Gerais

Com uma área de 255 Km2 e uma

população de cerca de 27.000 habitantes,

o município de Matozinhos além da sede

tem apenas um distrito – Mocambeiro 268.

Está localizado num planalto a

meio de uma área muito montanhosa, cujo

ponto máximo, o Pico da Roseira, se eleva

a 1011m de altitude. Fica na região central

de Minas, a 47 Kms da capital. O seu

primeiro nome foi Paz e seguidamente passou a Senhor Bom Jesus de Matozinhos .

142 - Uma praça central na cidade

268 Dados da Fundação João Pinheiro para 1998.

210
Um dos grandes atractivos da região é a sua qualidade de maior jazida de
calcário do país. Por todo o município existem algumas e interessantes grutas
subterrâneas 269.

143 - Gruta no interior da montanha

As igrejinhas, o casario, a sede da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil,

entre outros monumentos de Matozinhos, constituem-se em verdadeiras relíquias do estilo

colonial mineiro predominante no século XVIII.

144 - Estação da Central do Brasil

269 Os textos e as fotografias de Matozinhos foram obtidos a partir dos sítios: www.minasgerais.com.br;
www.geocities.com/The Tropics/Cabana/9427/index.htm; www.projetomiguilim.hpg.ig.com.br/link.html.

211
Os sobreviventes da antiga bandeira de Dom Rodrigo de Castelo Branco
foram os primeiros habitantes civilizados que chegaram à região onde hoje se
localiza Matozinhos. Após a morte do bandeirante, seus companheiros dispersos
procuraram se instalar, apossando-se das terras ao redor de onde se encontravam.
Há vestígios comprovantes de que toda a região fora anteriormente habitada por
indígenas, muito embora não se conheça ao certo suas tribos e costumes mais
característicos. As terras de Matozinhos saíram das que compunham três antigas
sesmarias doadas ao tenente José de Souza Viana, a Dona Isabel Maria Barbosa
de Ávila Lôbo Leite Pereira e ao tenente Antônio de Abreu Guimarães.

As informações acerca da origem do povoado, que futuramente veio a ser


Matozinhos, são imprecisas. Ainda assim, sabe-se que é ele um remanescente das
Bandeiras (Bandeira de D. Rodrigo de Castelo Branco) e que a pedra fundamental
da cidade foi lançada em data anterior a 1774, quando Inácio Pires de Miranda
construiu uma capela (era filial da Matriz de Roças Grandes, fundada por Inácio
Pires de Miranda em provisão de 30 de maio de 1774) em homenagem ao Senhor
Bom Jesus, exatamente sobre as ruínas de um acampamento de Bandeirantes, local
onde teria sido encontrada uma imagem do santo, que se tornou o padroeiro do
lugar e ganhou uma igreja em torno da qual surgiu o povoado.

Em 23 de agosto de 1823, a povoação foi elevada à categoria de freguesia, com o

nome de “Freguesia do Senhor Bom Jesus de Matozinhos” e, até 1943, pertenceu

sucessivamente a Sabará, Santa Luzia e Pedro Leopoldo. Em 1º de Janeiro de 1944, criou-

se o Município, com o nome de Matozinhos, que ascendeu a sede de Comarca, em Junho de

1955. A inauguração da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1895, produziu

novos reflexos progressistas, como a instalação da primeira fábrica de tecidos de lã em

Minas Gerais, em 1908, na localidade denominada Periperi.

Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1774

O santuário actual foi erigido no local aproximado onde estava o antigo


templo em honra ao Senhor Bom Jesus, mandado construir por Inácio Pires de
Miranda, em 1774 (...).

212
Em torno da capela a cidade floresceu, sendo o local mais central de
Matozinhos a partir de então.
O primitivo templo foi demolido nos anos de 1920 e 1921, iniciando-se então
a construção do atual, que foi inaugurado em 1929 270.

145 - Antiga igreja demolida em 1921

No coração da cidade surge a suntuosa Matriz do Senhor Bom Jesus de


Matozinhos, obra construída a partir de 1921, com projeto do padre italiano
Sebastião Scarzello, à época vigário da Paróquia e que era também engenheiro.

O padre Sebastião, como era chamado, ao construir a igreja, tentou


reproduzir um templo católico existente em Milão.

A construção, de dimensões gigantescas para a época em que foi erigida,


tendo em vista a população do município naquele tempo, continua em destaque no
panorama local, a despeito de, já ao seu redor, aparecerem construções de bom
porte. Tem grande importância religiosa e cultural na região.

270 Inventário Municipal dos Bens Culturais de Interesse de Preservação, Prefeitura Municipal de Matozinhos.

213
146 - Actual Igreja do Bom Jesus de Matosinhos,
de Matozinhos

A planta baixa do prédio tem o formato de um "T", em cuja haste erigem-


se, nos dois lados, seis nichos (três de cada lado) em volume octogonal. A travessa
do "T" constitui-se no volume simétrico posterior que abrigam a Sacristia e a Sala
dos Milagres.

A fachada compõe-se simetricamente pela justaposição de planos


verticais alternados. As janelas imitam o modelo renascentista italiano pela
subdivisão do arco em dois vãos. As torres recebem arremates em platibanda
vazadas, com balaústres.

214
147 - Nave central da igreja

Da antiga capela, demolida


para a construção da Matriz, resta
tão só a aroeira que reveste as
colunas de sustentação da nave. A
abóbada já foi mais bela, ao tempo em
que exibia pinturas no melhor estilo
das igrejas coloniais mineiras,
cobertas por inexplicáveis demãos de
tinta. A edificação domina a
paisagem da praça principal do
município, situada em terreno plano
sobre uma colina, denominada, em sua
homenagem de Praça do Bom Jesus de
Matozinhos, que poderia ter sido o
principal conjunto arquitetônico da
148 - Praça da Matriz cidade, não fosse todas as demais
edificações demolidas e substituídas

215
por outras recentes sem valor arquitetônico (...). Tem uma praça em frente
ajardinada e bem cuidada 271.

Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos

Como em Congonhas, todos os anos à volta do dia 14 de Setembro, multidões de

fiéis são atraídas a Matozinhos para venerarem o seu padroeiro nos dias do Jubileu,

enchendo a praça em frente da Matriz e as ruas da cidade. Esse momento é, sem dúvida,

um dos acontecimentos mais importantes na vida local.

O programa das celebrações inclui uma componente religiosa a par de outra profana.

Da primeira fazem parte a novena, as missas, a procissão com quadros vivos, a visita ao

Santo e à Casa dos Milagres.

149 - Praça em dia de Romaria

150 - Interior da Igreja durante a festa

271 Id.

216
151 - Aspecto do andar do Bom Jesus
durante a procissão

152 - Outro aspecto do andor

Barraquinhas de artigos variados, espectáculo pirotécnico e de teatro,

apresentação de bandas e fanfarras, constituem a parte laica da celebração .

217
GUAICUÍ (VÁRZEA DA PALMA) – Minas Gerais

A sede do município de Várzea da

Palma, está situada na região Norte de

Minas, numa planície de cerca de 20 Kms.

de extensão e dista 300 Kms. de Belo

Horizonte272. Com uma área de 2.225

Kms2 tem cerca de 32.000 habitantes.

O antigo povoado de Palma Velha,

já existente em 1875, era um amontoado

de ranchos que servia de acampamento

para pouso de tropeiros e viajantes e com apenas algumas casas. O município foi criado,

em 1910, com a chegada do caminho de ferro ao local onde hoje existe a sede municipal,

um pouco mais a oeste, e para onde se foi transferindo a população. Constituem-no dois

distritos: Várzea da Palma e Guaicuí. A agricultura e a pecuária ocupam um papel

preponderante na economia local .

A igreja do Bom Jesus de

Matozinhos está situada no

antigo Arraial da Barra do Rio

das Velhas, mais tarde

denominada Barra do Guaicuí ,


273

local onde aquele rio se

encontra com o S. Francisco.

153 – Rio S.Francisco na Barra do Guaicuí

272 Os dados relativos a Várzea da Palma foram-me fornecidos pelo IEPHA/MG e pela Câmara Municipal de
Várzea da Palma que me enviou um trabalho desenvolvido por alunas do curso de História da PUC/MG. Utilizei
ainda outros textos extraídos do Projecto Cidades, em www.cidades.mg.gov.br.
273 O topónimo Guaicuí significava em tupi-guarani “Rio das Velhas”.

218
154 - Localização da Barra do Guaicuí
A sombreado a sede do município

No longínquo ano de 1501, o navegador Américo Vespúcio encontrou a foz


do soberbo rio e deu-lhe o nome de São Francisco, em homenagem ao santo de
Assis (...).

A função histórica do rio São Francisco remonta à infância do Brasil, quando


os bandeirantes, partindo de São Paulo e da Bahia, empurraram aos poucos, para o
oeste, a linha divisória do Tratado de Tordesilhas (...). A diferenciação dos tipos
de penetração - os mineradores, em busca do ouro; e os criadores de gado,
fornecendo carne aos que se debruçavam sobre as grupiaras - determinou uma
dualidade de interesses, ou melhor, um conflito de motivações que só foi útil ao
desenvolvimento do Brasil central. Assim, o "rio dos currais" converteu-se em
importante factor de desbravamento, o que iria tornar possível a floração de uma
civilização em pleno sertão (...). Com efeito, o São Francisco é um rio abençoado".

Se a gênese de mais de 70% de suas águas acorre em território mineiro,


estas águas escorrem generosamente também pelas terras da Bahia, de
Pernambuco, de Sergipe e Alagoas. Águas que fizeram a integração do Sudeste
com o Nordeste do Brasil. Primeiro veio o gado vacum, lentamente tangido desde a
sua foz, criando fazendas e currais que deram origem a outras cidades. Por seus

219
afluentes desceram os Bandeirantes, desvendando o desconhecido, encontrando
riquezas e fundando cidades em batalhas de vida e de morte. E no tempo depois,
quando já havia as cidades, os vapores "gaiolas" transportaram cargas, gentes e
notícias de lutas e paixões 274.

A zona da confluência do Rio S. Francisco com o Rio das Velhas teve uma grande

importância no abastecimento das regiões de mineração. Nos primeiros anos em que esta

decorreu, os mineiros foram fornecidos dos bens essenciais a partir do litoral vicentino.

Mas, rapidamente, novas vias se estabeleceram para o interior. Através do Rio S.

Francisco e passando depois ao das Velhas, que permitia chegar aos centros mineradores

com bastante facilidade, ou seguindo um caminho terrestre paralelo aos leitos dos rios, os

baianos estabeleceram um fornecimento regular de géneros e gado com as vilas e cidades

de Minas Gerais. Com eles seguiram também produtos estrangeiros vindos legalmente de

Lisboa, apesar das proibições reais de circulação livre de mercadorias para evitar o

contrabando. Por ali também cresceu o comércio de escravos para o trabalho das Minas.

Segundo Mafalda Zemella, a Baía enquanto maior centro abastecedor de Minas Gerais,

terá gozado mais da opulência do ouro do que as modestas cidades de S. Paulo. Daí o

fausto das igrejas baianas do século XVIII275.

Como Guaicuí era o ponto de encontro dos dois rios será fácil verificar a importância

do comércio no local.

Não se sabe ao certo quem foram os pioneiros da ocupação desta região. Enquanto

uns indicam Borba Gato como o primeiro a estabelecer-se ali, cerca de 1679, outros

referem que terão sido os grandes fazendeiros que da Baía traziam, pelo rio S. Francisco,

o seu gado até àquela região, já antes mesmo da chegada das primeiras bandeiras.

Estavam neste caso os senhores da Casa da Torre de Garcia de Ávila. Apesar das

frequentes inundações provocadas pelos dois rios, o arraial tornou-se um importante

centro de comércio da região. Em meados do século XVIII foi elevado a julgado e, em

1775, criou-se a paróquia de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas. As febres palúdicas,

provocadas pelas enchentes dos rios,levaram a população a mudar-se para um local mais

elevado e de melhores condições climáticas – arraial de Porteiras.

274 www.temnovale.com.
275 ZEMELLA, Mafalda P., O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII, S. Paulo,
Hucitec/Edusp, 1990.

220
A maior parte dos testemunhos que se conhecem sobre o arraial do Rio das Velhas

datam do século XIX e confirmam quer a intensidade do comércio, quer a insalubridade do

local. Pizarro e Araújo 276, em narrativa de 1822, dizia

seus povoadores gozam das (...) particularidades boas, e más do terreno (...),
e tem demais o regalo de tudo, que se necessita, para a vida humana. Sustenta o
negócio do sal, e de couro, que as embarcações navegadas pelo Rio São Francisco
conduzem dos sertões de Pernambuco, e da Bahia.

O viajante Johann E. Pohl 277


, que passou no local em 1820, descreve-o referindo

também o seu comércio e clima:

o Arraial do Rio das Velhas está edificado na margem setentrional do Rio


das Velhas, perto da sua confluência com o majestoso rio S. Francisco (...). O
número de casas eleva-se, no máximo a 80, enfileiram-se numa única rua e, para o
lado norte, são pouco insoladas (...). Este arraial é muito conhecido pelo seu amplo
tráfego comercial, principalmente pelos seus consideráveis depósitos de sal (...).
Mas aqui, especialmente na época chuvosa, reinam a febre pútrida, e as
intermitentes, que dizimam a população (...). O Arraial de Porteiras fica à margem
do riacho homónimo e dista apenas um quarto de légua do Rio das Velhas (...).

O arraial foi elevado a vila, em 1861, tendo perdido essa categoria, em 1873, por

involução urbana. Com a criação do município de Várzea da Palma, Guaicuí passou a distrito.

A Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1779 (?)

A igreja do Bom Jesus de Matozinhos do distrito de Guaicuí, que nunca foi acabada,

levanta alguns problemas de datação. Segundo a avaliação do IEPHA/MG, o monumento

será da segunda metade do século XVIII, cerca de 1779 .

276 PIZARRO E ARAÚJO, José de Souza Azevedo, Memórias Históricas do Rio de Janeiro e Províncias Anexas
à Jurisdição do Vice-Reino do Estado do Brasil., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945.
277 O texto que me foi enviado pela Câmara não indicava a referência bibliográfica completa. Trata-se de um
viajante alemão que fez uma expedição pelo Brasil.

221
155 - Igreja inacabada e em ruínas do Bom Jesus de Matosinhos da
Barra do Guaicuí

A sua fundação está rodeada de lendas que permanecem na memória local. Um artigo

publicado no Jornal do Comercio, da cidade do Recife, em 21 de Outubro de 2001, fala-nos

desse imaginário:

Quem conta um conto, aumenta um ponto. A máxima é verdadeira pelo


menos quando se trata das ruínas da Igreja de Bom Jesus de Matozinhos, nesse
distrito do município de Várzea da Palma. A construção, que nunca foi concluída,
é datada do século XVIII e, ao longo do tempo, a cultura popular desenvolveu
inúmeras histórias para explicar a existência desse monumento inacabado. Na
prosa de alguns moradores, a igreja não chegou a ser concluída porque os padres
jesuítas, construtores do santuário segundo relatos históricos, foram
massacrados pelos índios Cariris, que habitavam a região das corredeiras de
Pira-Poré, área ocupada hoje pela praça central de Pirapora. Em versão oposta,
outros relatam que a igreja, erguida em pedras, funcionaria como um forte para
proteger os jesuítas das investidas da Coroa Portuguesa. O motivo da
perseguição aos religiosos seria o trabalho desenvolvido com os índios.

222
A construção teria ainda um túnel subterrâneo, escavado para facilitar a
fuga dos jesuítas. Nas ruínas do santuário não há qualquer vestígio deste túnel,
constatação que não
altera a crença popular na
história. “Depois de
tantos anos de abandono,
o túnel arreou”, sustenta o
aposentado Sebastião
Gomes, 71 anos.

Para outros
moradores, a construção
156 - Aspecto do que resta do portal da igreja
da igreja não foi concluída
porque o próprio santo – Bom Jesus do Matozinhos – não queria, de forma
alguma, ter a sua igreja no local, às margens do Rio das Velhas em confluência
com o Velho Chico (o rio). Foi essa a história lida, em cartilha, pelo avô de
Beatriz Martins Gomes, 54 anos. “A igreja não foi terminada porque todo mundo
que subia caía lá de cima e morria”, repassa adiante, Beatriz, a história do avô.

A “insatisfação” do santo seria também comprovada por outra misteriosa


história. Todas as noites a imagem de Bom Jesus de Matozinhos era colocada
nas obras do santuário de Guaicuí, mas amanhecia na igreja da localidade vizinha
de Porteiras. Os mais céticos, no entanto, têm outra versão para explicar o
deslocamento da imagem. Os moradores de Porteiras, que queriam ter a igreja
no seu povoado, roubavam a imagem todas as noites, fazendo o transporte em
carro de boi. “Isso era safadeza do pessoal de Porteiras”, diz Geraldo Ferreira
Guimarães, lavrador aposentado de 96 anos, morador do distrito rival de Barra
do Guaicuí.

Mais adiante, em outro dedo de prosa, surge a história de que a igreja


seria construída para cobrança de impostos na extração do ouro. O Rio das
Velhas, chegando ao São Francisco, teria sido uma rota para o tráfico do metal
precioso, segundo disseram.

223
Uma tese perpetuada também na tradição local, situa o início da sua construção

numa data muito anterior – 1650 – por ordem dos herdeiros da Casa da Torre de Garcia de

Ávila. As obras teriam sido realizadas pelos jesuítas 278


com a ajuda de escravos. Esta

hipótese poderá ter alguma credibilidade dado que a casa original dos Garcia de Ávila

ficava na Baía, em S. Francisco do Conde, bem perto do local onde a devoção ao Bom Jesus

de Matozinhos, ainda com a denominação de Bom Jesus de Bouças, se concretizou também

num templo, em finais do século XVII.

Uma outra lenda garante que, ao lado dessas ruínas, estará enterrado o corpo do

bandeirante Fernão Dias Pais, história que Olavo Bilac imortalizou no seu poema

“ O caçador de esmeraldas”:

Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada Sete anos!. .. E ei-lo de volta, enfim, com o seu tesouro!

Do outono, quando a terra, em sede requeimada, Com que amor, contra o peito, a sacola de couro

Bebera longamente as águas da estação, Aperta, a transbordar de pedras verdes! - volta...


- Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata, Mas num desvio da mata, uma tarde, ao sol posto,

Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão (...). Pára. Um frio livor se lhe espalha no rosto...
E a febre! O Vencedor não passará dali!

E sete anos, de fio em fio destramando Na terra que venceu há de cair vencido:

O mistério, de passo em passo penetrando E a febre: é a morte! E o Herói, trôpego e envelhecido,


O verde arcano, foi o bandeirante audaz. Roto, e sem forças, cai junto do Guaicuí... (...)
- Marcha horrenda! derrota implacável e calma,

Sem uma hora de amor, estrangulando na alma Morre! tu viverás nas estradas que abriste!

Toda a recordação do que ficava atrás (...)! Teu nome rolará no largo choro triste

Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador!


Sete anos! combatendo índios, febres, paludes, Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares

Feras, reptis, - contendo os sertanejos rudes, Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares

Dominando o furor da amotinada escolta... Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!

Todas estas tradições carecem, porém, de fundamento histórico que as comprove.

Um viajante, Richard Burton279, descreve-a, em 1867, da seguinte maneira :

278 Nessa época ainda não se tinha determinado a proibição da presença de Ordens religiosas regulares no território
de Minas.
279 BURTON, Richard, Viagem de barco de Sabará ao Oceano Atlàntico, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia.

224
O único prédio digno de nota, cujo telhado alto, espalhafatoso e inclinado
chama logo à atenção do viajante, é a Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, fica em
frente da confluência dos dois rios (...) e hoje, quase se encontra à beira do
precipício. Construida de pedra de cantaria e de cal, mostra que, no tempo da
colónia, o lugar conheceu melhores dias; como sempre, é uma obra semiconstruída
(...). A entrada do lado sul nunca chegou a ser coberta por um telhado; na sacristia,
a leste, só há caibros e o campanário não passa de três barras de madeira, em
forma de forca, sustentando
o sino. Pilastras e púlpitos de
pedra estão condenados a
não passar de embriões. E
um arco de alvenaria
destinado a marcar o lugar
do altar-mor, ao Norte, está
coberto de ervas daninhas”.

A igreja continua em

ruínas. Uma gameleira nasceu no

topo da empena da fachada

posterior e expandiu as suas raízes

pelos dois lados da parede que com

esta ajuda se tem vindo a sustentar.

A copa frondosa sobressai no cimo

das ruínas . 157- Raízes da gameleira que


sustentam as paredes da igreja

225
158 - Emaranhado das raízes

No ermo do Gauicuí
com duras pedras sobre pedras
perdura a igreja com suas perdas
de ladainha inacabada.

Libério Neves

O monumento, pertencente à Prefeitura Municipal de Várzea da Palma, está

tombado 280 pelo IEPHA/MG, pelo decreto nº24.324 de 22 de Março de 1985.

280 Ver n. 151.

226
S. ANTÓNIO DE PIRAPETINGA (PIRANGA) – Minas Gerais

O município de Piranga está

localizado num espaço montanhoso

da zona da Mata. Com uma

superfície de 661 Kms2, tem cerca

de 17.000 habitantes, 2/3 dos quais

na área rural. Fica a 169 Kms de

Belo Horizonte. Actualmente tem a

sua actividade económica centrada

na agricultura, pecuária e indústrias

de laticínios e macarrão.

O município é composto pela sede e dois distritos: Pinheiros Altos e Santo António

de Pirapetinga (antigo Arraial do Bacalhau).

O primeiro nome foi Guarapiranga (pássaro-vermelho na língua tupi),


constituindo-se no mais antigo povoado da Zona da Mata. É atribuído ao
taubateano João de Siqueira Afonso o primeiro lugar a explorar seu território, em
1704. Entretanto, lê-se no Código Matoso, que, em 1691, alguns sertanistas
exploraram o mesmo território, edificando uma capela ou oratório com a invocação
de Nossa Senhora da Conceição. Em 1694, o arraial, conforme relata Waldemar de
Almeida Barbosa 281
, sofreu as consequências da Guerra dos Emboabas com o
ataque a seus habitantes. A região de Guarapiranga foi intensamente povoada por
volta dos meados do século XVIII quando inúmeras sesmarias são concedidas. Em
1841, foi criada a vila do Piranga, com instalação do município desmembrado ao de
Mariana 282.

281 BARBOSA, Waldemar de Almeida, Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1995.
282 www.asminasgerais.com.br.

227
159 - Vista geral de Piranga

160 - Prefeitura Municipal de Piranga

228
S. António de Pirapetinga

161 - S.António de Pirapetinga (antigo arraial do Bacalhau)

Numa altitude de 1000m, cercado por montanhas, Bacalhau ou Santo António


de Pirapetinga, distrito de Piranga, contempla na parte mais alta do antigo arraial,
o maior templo espiritual do Vale do Piranga: o Santuário do Senhor do Bom Jesus
de Matozinhos, construído nos
meados do século XVIII.
Com a descoberta das minas
de Bacalhau, em 1704, o arraial
passa por um grande afluxo de
aventureiros e já em 1726 o
povoado ergue a sua primeira
capela dedicada a Nossa Senhora
do Rosário (...) 283.
162 - Igreja de N.S. do Rosário

283 VICENTE, João, Os Caminhos das Minas Gerais, in “Barne”, 27 de Abril de 2001.

229
A partir de 1740, um novo templo
começa a ser erigido em invocação a S.
António, o padroeiro dos mais antigos
povoados da região em estilo jesuítico (...)
284
.

163 - Igreja de S. António

Igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - 1780

164 - Santuário do Bom Jesus de Matosinhos

Segundo uma lenda local, uma imagem do Senhor Morto foi descoberta no sítio onde

hoje se situa a igreja. Resolveu a população guardá-la numa das igrejas então existentes –

a de S.António ou a do Rosário. O intento foi frustado várias vezes pois a imagem voltava

sempre para o lugar onde aparecera. Ter-se-á decidido assim fazer uma nova capela para a

recolher285.

Introduzida pelos portugueses na Capitania das Minas Gerais, a devoção ao


Senhor Bom Jesus do Matozinhos era uma das mais ardentes na época, o que levou
os seus devotos a erigirem um novo templo em estilo jesuítico, que se transformou,

284 Id.
285 Informação fornecida pelo Arquivo Histórico Nilo Gomes, de Piranga.

230
em 1786, através de uma bula papal, assinada pelo papa Pio VI, num santuário no
qual desde a penúltima década do século XVIII promovem-se jubileus quase tão
antigos como os de Congonhas e dotados dos mesmos benefícios espirituais 286 .

Em 1996, todo o conjunto arquitectónico e paisagístico do Santuário do Senhor

Bom Jesus de Matozinhos de S. António de Pirapetinga, assim como o acervo móvel e

integrado do templo, foi tombado 287


pelo IPHAN 288
. Anteriormente havia sido

recuperado pelo IEPHA/MG. O estudo histórico e descritivo, que foi elaborado para esse

último trabalho de restauro, é um documento essencial para a apreciação desse templo:

O Santuário do Senhor Bom Jesus de Matozinhos é a mais tardia edificação


religiosa empreendida no velho arraial .
Não se pode precisar a data da constituição da Irmandade 289
do Senhor
Bom Jesus, sabendo-se, entretanto, que, em 1871, os irmãos da Mesa contrataram
serviços para as obras da capela. Cabe destacar a presença do Capitão Luiz da
Costa Athaíde e de sua mulher Maria Barbosa de Abreu, pais do mestre Manuel da
Costa Athaíde, na constituição da Irmandade. Dois dos seus outros filhos,
Domingos e Antônio, têm também vínculo documentado com a Irmandade, o
primeiro atuando como pintor e dourador e o segundo, servindo de capelão na
localidade durante quase toda a sua vida.
A construção do santuário se estendeu por seis décadas (1789-1840)
contratando-se a execução do retábulo da capela-mor na virada dos anos setenta
do século XVIII.
Desconhece-se a autoria do risco da capela, podendo talvez o mesmo ter
sido executado por José Coelho da Silva que ali trabalhou desde o início como
carpinteiro de obras. Até fins do século XVIII e início do XIX, as obras se
concentraram na parte arquitectônica, tendo os trabalhos de ornamentação se
iniciado somente a partir da primeira metade do século XIX. Por volta de 1795, foi
reformulada a altura da capela-mor, acrescentando-lhe um metro por imperfeição
da obra (...).

286 Id.
287 Ver n. 154.
288 O registo de 31 de Outubro de 1996, tem o nº de inscrição 542 e está lançado no vol. 2, fl.02930.
289 Como já verificamos em casos anteriores, também aqui a construção do templo está directamente ligada à
existência de uma irmandade.

231
O Santuário é composto pela igreja e por casas baixas, destinadas a abrigar
os romeiros na época das festas. Possuem estas duas pequenas salas contíguas e,
aos fundos, uma espécie de varanda, onde se encontra o equipamento básico para a
sua utilização: fogão de lenha e mesa.

165 - Igreja e casas dos romeiros

166 - Aspecto da colina com a igreja ao cimo

Está implantado sobre uma colina que domina todo o espaço circundante, em
disposição que segue a tradição arquitetônica portuguesa das capelas de
peregrinação devotadas ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos.
Apesar da simplicidade das edificações e de seu agenciamento, o resultado
do arranjo espacial é extraordinário.

232
167 - Fachada da igreja

A composição do frontispício, elegante e bem proporcionada, consiste em um


retângulo disposto verticalmente (painel central) coroado pelo triângulo da
empena, e dois painéis laterais trapezoidais correspondentes aos corredores. No
painel central encontram-se a portada de grandes dimensões (...) e duas janelas à
altura do coro. Nos puxados laterais, as janelas-sineiras. Na empena acha-se o
óculo circular. Contribuem para a graciosidade da capela as linhas dos beirais do
telhado da nave e das meias-águas laterais.
Quanto à ornamentação, a documentação mostra-se insuficiente no que diz
respeito às obras de talha. O retábulo da capela-mor foi contratado, em 1781, com
o entalhador José de Meirelles Pinto que alterou seu coroamento por volta de
1795, executando ainda o friso da cimalha e a talha dos óculos da capela-mor.
Trata-se de obra de boa qualidade, onde se distingue a leveza da talha rococó
sobre uma estruturação concisa e ordenada. São quatro colunas lisas com bases em
forma de ânfora invertida, o sacrário movimentado e, coroando o conjunto, uma
composição elegante e bem proporcionada.

233
168 - Retábulo da capela-mor

Os altares laterais foram


provavelmente executados na primeira
década do século XIX, podendo
atribuir-se sua autoria ao entalhador
Vicente Fernandes Pinto ou a José
Meirelles Pinto, que os teriam
confecionado em data anterior a 1808,
ano da sua morte. Estes retábulos
constituem, em linhas gerais, uma
simplificação dos retábulos em estilo
rococó, já revelando uma tendência
neo-clássica (...).
A realização dos púlpitos também
é controvertida, não se encontrando 169 - Altar lateral

234
referências sobre sua fatura nos livros da irmandade, supondo-se que teriam sido
adquiridos de uma outra capela. Apresentam formas sinuosas e elegantes, com
elementos com talha do período joanino.
Mais do que a talha, a pintura faz da capela do Senhor Bom Jesus uma obra
evidentemente notável. Destaca-se não somente pela sua qualidade, mas também
pela unidade no programa
decorativo, conferida pelos forros
da nave e capela-mor, pelos quadros
da Via-Sacra que enriquecem o
conjunto, pelos painéis do
coroamento do arco-cruzeiro, em
cartelas emolduradas por
concheados e flores, e pela pintura
do camarim do Bom Jesus localizado
atrás da Capela-mor. Nos trabalhos
de pintura distingue-se o nome de
Francisco Xavier Carneiro, que ali
trabalhou de 1806 a 1840, e parece
ter empreitado todo o serviço de
pintura da igreja.

170 - Um dos púlpitos


A composição do forro da
capela-mor obedece ao padrão característico das obras de Francisco Xavier. Sua
estruturação é definida pelo medalhão solto no eixo longitudinal da abóbada (...). A
cena do medalhão representa a Ascensão do Senhor e, curiosamente, o desenho é
excessivamente contido e duro e a figura do Cristo possui anatomia grosseira, o
que sugere uma repintura do painel original ou a participação de um pintor menos
habilidoso (...).

235
171 - Pintura da ascensão de Cristo no tecto da capela-mor

Na extensa abóbada da nave


(...) um medalhão possui moldura
exuberante em concheados,
enrolamentos e rocalhas, de gosto
rococó. A cena central,
representando a Santíssima
Trindade, com o Pai Eterno e o
Filho, mostra novamente as figuras
com pouco movimento e
anatomicamente imperfeitas, o que
pode indicar, tanto a menor
habilidade do artista na figuração
humana, quanto a participação de
aprendizes ou pintores de
qualificação inferior na realização
172 - Santíssima Trindade na abóbada da
do trabalho ou, ainda, repintura.
nave

236
Além dos trabalhos referidos, cabe mencionar as tábuas com pintura marmorizada
colocadas no assoalho do prebitério, possivelmente em substituição das antigas
deterioradas, e o forro do átrio, composto em painéis marmorizados com cartela
ao centro .

173 - Porta principal e forro do coro

Os seis quadros das paredes laterais da capela-mor mostram cenas da


Paixão de Cristo e, embora não possuam referência documental específica,
apresentam semelhanças com o trabalho dos forros da nave e da capela-mor (...).

237
Pinturas com cenas da Paixão de Cristo

174 - Cenas da Paixão

Na pintura do camarim do
Senhor de Matozinhos, localizado
atrás do altar-mor, o desenho das
rocalhas e das flores é mais livre e
delicado e, nas figuras de anjos e
querubins, notam-se traços mais
suaves e expressivos. Suas cores
foram, em parte, alteradas pela luz
direta das janelas próximas,
incidente durante mais de um século
e meio (...).

175 - Camarim do Senhor

238
No acervo atístico deste Santuário (...) nota-se a boa qualidade das peças
que vão desde as grandes e suntuosas imagens do altar-mor, até às “ pequenas de
palmo” dos nichos dos colaterais (...).
A imagem mais antiga é a do Bom Jesus colocada atrás do altar-mor, da qual
não há referência documental. Sua expressividade e movimentação permitem
identificá-la como obra ainda ligada ao terceiro quartel do século XVIII 290.

176 - Imagem do Bom Jesus de Matosinhos


de S. António de Pirapetinga

290 Texto de pesquisa fornecido pelo IEPHA/MG e da autoria de MIRANDA, Selma Melo, Arquitectura religiosa
no Vale do Piranga, in “Revista Barroco”, nº12, Belo Horizonte. Imprensa Universitária, 1984/85, pp. 53-80.

239
A Irmandade e o Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos.

À Irmandade competia a organização do Jubileu. Como já se referiu

anteriormente, não se sabe exactamente o ano da sua fundação, que foi certamente

anterior a 1781. No entanto, parece que apenas solicitaram ao rei a provisão dos seus

estatutos cerca de 1792:

Dizem o juiz e mais irmãos da Irmandade do senhor Bom Jesus de


Matozinhos, erecta no Arrayal do Bacalhao, freguesia de Guarapiranga, destricto
da cidade de Mariana, que elles para governo interno da dita Irmandade fizerão
um compromisso junto constante de 16 capítulos, onde se regulão as entradas e
modos de dirigir a actual irmandade, pelo que respeita a economia mais ainda pelo
que pertence ao culto divino e bem espiritual tanto dos vivos como dos mortos
porque por firmeza e validade deste compromisso necessitão de provizão
confirmatória de V. Magestade. Nestes termos secorrem a V. Magestade se digne
em serviço (...) concederlhe a referida provizão 291.

Este compromisso da Irmandade constava de 16 capítulos que, de um modo

geral, se assemelham aos das Confrarias do mesmo tipo pelo que não os vou passar

a expôr em pormenor 292


. De ressaltar, contudo, a particularidade, que não

encontrei em qualquer dos outras, que é o de ser o primeiro a declarar, em item

próprio, não existirem entraves sociais ou raciais para a entrada de irmãos 293
:

Toda a pessoa que se quizer assentar por irmão nesta irmandade do


Senhor Bom Jesus de Mattozinho, seja homem ou mulher, Branco, Pardo, ou Preto,
Escravou ou Livre, se lhe fará assento em hum livro que haverá para esse effeito
(...) 294.

Os mesmos estatutos estabelecem a data dos Jubileus, sem referir se tinham

sidos concedidos por Breve Apostólico:

291 AHU, CU-B/MG,cx. 137,doc. 64.


292 Encontram-se trancritos em FALCÃO, Edgar Cerqueira, ob.cit., pp. 34-38.
293 Relembro que no Brasil colonial existiam irmandades diferentes para brancos, pardos (mulatos), pretos e
escravos.
294 AHU, CU-B/MG, códice 1532, cap.1º, fl.3.

240
Serão obrigados os ditos officiaes da meza a fazer o Jubilêo da Porciuncula
295
no dia 2 de Agosto, e o de quinze dias que principiará no dia 29 de Setembro,
dia de S. Miguel Arcangelo 296(...).

De acordo com as informações obtidas através da Prefeitura de Piranga, por

intermédio do Arquivo Histórico Nilo Gomes, a festa anual ao Bom Jesus fixou-se em

Agosto, entre os dias 1 e 15. Por documentos de pagamento a músicos e a sacerdotes para

os sermões e confissões, sabe-se que se realiza já desde o século XVIII. Infelizmente

não consegui obter nenhum exemplar de programa ou fotografias das cerimónias.

295 Em 1216, S. Francisco de Assis conseguiu do papa Honório III indulgência plenária, semelhante à obtida nas
cruzadas contra os infiéis, para todos os que visitassem a igreja da Porciúncula ou sustentassem com as suas ofertas
iniciativas da Igreja. Ao longo dos séculos essa indulgência manteve-se e passou a poder-se ganhar não só naquela
igreja, mas em todas as franciscanas e nas catedrais e paroquiais cada 2 de Agosto.
296 Temos aqui mais uma ligação entre o culto ao Bom Jesus de Matosinhos e o de S. Miguel.

241
SERRO – Minas Gerais

Serro, antiga Vila do Príncipe,

tem uma área de 1217 Kms2 e 20.500

habitantes que se dedicam à

agricultura, pecuária e indústrias de

transformação. Fica a 940m de

altitude e está situada na região

central de Minas, a 320 Kms de Belo

Horizonte.

Preservando, na sede e nos distritos, os traços da mais genuína arquitetura colonial

mineira, o município orgulha-se de ter

sido a quarta cidade de Minas a ter

imprensa escrita. Tem um queijo 297


e

uma cachaça artesanais da melhor

qualidade. Malheiros e Cascatinha são

os principais pontos de lazer.

Houve uma época em que, do


seio daquelas terras altas, brotava
ouro do melhor quilate, além dos
177 - Cidade do Serro
diamantes ricos de pureza brilho.
O ouro surgiu em abundância, nas catas pioneiras dos primitivos
exploradores da região da antiga Vila do Príncipe, nos depósitos de cascalho, areia e
argila. Estes depósitos naturais, junto às margens dos Rios Lucas e Quatro Vinténs,
é que deram origem ao fausto e riqueza do século XVIII. Ocupadas oficialmente por
bandeiras paulistas a serviço da Coroa Portuguesa, em 1702, as Minas do Serro do
Frio se tornaram o principal núcleo minerador de todo o centro-norte da Capitania de
Minas Gerais.

297 O fabrico do queijo do Serro foi registado como bem público pelo IEPHA/MG, em 2 de Julho de 2002 .

242
À procura do ouro, brancos, negros e índios ocuparam o território serrano,
elevado a Vila do Príncipe em 19 de janeiro de 1714.
A Vila do Príncipe
foi escolhida como sede
da Comarca do Serro do
Frio, criada em 1720.
Com sua Casa de
Fundição, senado da
Câmara, residência do
Ouvidor e toda uma
estrutura jurídico-
administrativa, a Vila do
178 - Outro aspecto da cidade
Príncipe tornou-se a "mãe
criadora" de todos os municípios do norte de Minas, que para lá convergiam seu
olhar: pagavam impostos, resolviam problemas jurídicos, pleiteavam melhoramentos
de estradas e pediam construção de pontes. A Vila do Príncipe era a capital do norte
de Minas.

179 -Vista da Casa da Fundição e da Igreja do Bom Jesus de


Matosinhos

243
A Igreja do Senhor Bom Jesus do Matozinhos – 1781 a 1797

Nos primórdios da colonização das Minas, as capelinhas eram precárias e


diminutas - de barro cobertas por sapé. A partir de 1711, quando da edificação das
Igrejas Matrizes, estas passam a contar com um partido mais complexo,
comportando a nave, a capela-mor, sacristia e corredores laterais. Enquanto na
região de Ouro Preto e Sabará, em 1760, passaram a utilizar pedra, quer nos
alicerces, paredes, arremates dos vãos, ou mesmo com finalidade ornamental, com a
difusão do uso de pedra sabão, que, entalhada, passa a revestir as fachadas dos
principais monumentos religiosos, cujo traçado inclina para as curvas, no Serro,
devido à ausência de granito e da pedra sabão, as edificações são erguidas em
madeira e barro, as fachadas são lisas e a ornamentação bastante simplificada. Isto
não significa que a estrutura social não fosse complexa como a região de Ouro Preto
e Sabará. .
Assim como nas outras regiões mineiras, no Serro coube à própria sociedade
erigir seus templos. O Senado da Câmara algumas vezes doava um pedaço de terra
ou então, concedia uma licença para os devotos pedirem esmola e poderem, assim,
construir uma capela ao santo devoto. Desse modo, as capelas existentes na região
foram esforço das irmandades, que concentrando recursos advindos das cobranças
das anuidades dos irmãos e de doações diversas, puderam cultuar seus santos com
uma arte requintada 298.

Não se têm muitas certezas sobre o início da construção da igreja do Senhor Bom

Jesus do Matozinho do Serro. Segundo um texto fornecido pelo IPHAN:

A primeira notícia que se tem acerca desta igreja é fornecida pelo


historiador Cônego Raimundo Trindade, que informa ser o seu fundador o tenente
José Ferreira de Vila Nova Ivo que, em 1781, justificou judicialmente a respectiva
instituição. Aires da Mata Machado, em seu relatório de pesquisa realizado pelo
IPHAN, afirma ter encontrado uma alusão à existência desta igreja num livro de
assentamento datado de 1785. Entretanto julgam os historiadores que a data mais

298 ÁVILA, Afonso (coord.), Minas Gerais – Monumentos Históricos e Artísticos – Circuito do Diamante, in
“Barroco”, 16, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1995.

244
concreta sobre a história deste templo, é a de 1797, inscrita em medalhão da
pintura do forro da capela-mor, que atesta o estágio adiantado da construção –
pelo menos desta parte do edifício - pois refere-se ao término dos trabalhos de
decoração interna.
De acordo com informações fornecidas por Dario A. F. da Silva nas suas
“Memórias sobre o Serro Antigo”, os devotos de São Benedito299 chegaram a
requerer, em 1784, provisão para erguer sua capela própria destinada a abrigar a
imagem de Nossa Senhora das Mercês, mas, não se sabe porque motivos, tal
iniciativa não se concretizou. Parece que os confrades das Mercês, agrupados na
sua associação, desde 1734, e que se reuniam comumente na capela do Rosário,
desistiram do projeto de uma igreja particular para a Irmandade, passando a
colaborar na construção da igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, sob
condição de ali se instalarem definitivamente. É o que aliás se verifica, de acordo
com as anotações dos Livros da Irmandade atualmente em depósito no Arquivo do
Palácio Arquiepiscopal de Diamantina, bem como se depreende dos registros das
principais despesas relativas à igreja, no século XIX, quando já se acha sob a
tutela dos Irmãos de São Benedito e de Nossa Senhora das Mercês 300.

Ao longo de todo o século

XIX e mesmo do XX, a igreja sofreu

sucessivos trabalhos de reforma e

reedificação. Em 1907, por exemplo,

para suprirem os gastos com esses

trabalhos, os irmãos de S. Benedito

venderam ornamentos e imagens do

acervo.

A igreja está erguida


numa suave encosta na
confluência das ruas General 180 - Igreja e adro
Pedra e Matozinhos, com adro

299 São Benedito era o padroeiro dos negros e escravos. Neste caso a ligação entre os dois cultos traduziu-se no
apoio da irmandade de São Benedito para a construção da igreja do Bom Jesus de Matozinhos.
300 Texto fornecido pelo IPHAN.

245
protegido por arrimo e acesso em escadaria de pedra.
O conjunto forma um retângulo de desenho irregular, constatando-se ligeiro
arqueamento das paredes externas das sacristias entre as torres e o arco-cruzeiro
(...).
Construída em taipa e madeira, possui cobertura em duas águas e beiradas
laterais em cachorros, sendo em madeira os cunhais e as guarnições dos vãos.
A fachada apresenta torres de secção quadrada com telhados arqueados,
frontão simples com óculo redondo envidraçado e quatro janelas rasgadas por
inteiro, com parapeito entalado em balaústres de madeira, sendo duas nos flancos
das torres.

181 - Fachada da igreja

A igreja tem planta de extrema simplicidade. Divide-se em nave, capela-mor, e


ao longo das paredes da mesma, os anexos laterais correspondentes às sacristias em
corredor.
Na parte interna, mostra pisos em campa e tabuado largo, forros abobadados ,
com pintura decorativa na secção da capela-mor, cimalhas de madeira e coro simples,
com balaustrada em madeira torneada. As sacristias-corredores laterais se ligam
por arcada à nave e à capela-mor.

246
182 - Altar-mor e galerias laterais com arcadas

A capela-mor apresenta pinturas decorativas nas paredes acima dos arcos,


abertos, ao que tudo indica, por ocasião de alguma reforma, pois suas voltas
interferem nas bases de painéis e figuras seccionando-os parcialmente.

183 - Pinturas seccionadas pelos arcos

A decoração da igreja é depurada, mas de harmoniosa elegância, bem ao gosto


rococó que define as linhas da sua talha e pintura. Os trabalhos em talha incluem o
altar-mor e dois altares inseridos de viés entre as paredes da nave e do arco

247
cruzeiro, todos de autoria não identificada, porém datando muito provavelmente do
século XVIII. Vê-se igualmente na capela-mor um conjunto de pinturas de
excepcional qualidade atribuídas a Silvestre de Almeida Lopes, o mais importante
pintor da Vila do Príncipe na segunda metade do século XVIII.

184 - Altar lateral

185 - Adoração dos Reis Magos

248
186 - Evangelistas

No painel do forro, o medalhão central representa a lendária cena do


achamento, na praia de Matozinhos, em Portugal, da imagem recolhida por um grupo
de pescadores, que a têm apoiada nos braços e colos, junto à rede de pesca, numa
atitude cênica que fez Rodrigo Mello Franco de Andrade tomar o quadro como
reprodução da clássica iconografia da “ Deposição no túmulo”. A exemplo de outras
composições alusivas ao episódio da lenda de Matozinhos, a pintura serrana mostra
como fundo uma paisagem marinha, podendo tratar-se de cópia de gravura
portuguesa. Em volta do medalhão e ao longo da secção inferior da abóbada se
desenvolve ampla decoração rococó, numa notável trama de figuras de anjos,
guirlandas de flores, rocailles, etc. O colorido é vibrante, predominando as
tonalidades azul, vermelho, rosa e verde-chumbo. Nas pinturas murais estão cenas
da Adoração dos pastores e dos Reis Magos, ladeadas pelas figuras dos quatros
evangelistas 301
.

301 Igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, in “ Revista da Fundação João Pinheiro. Análise e
Conjuntura”, Belo Horizonte, vol. 8, n º12, pp. 16-20, Dez.1978. Este texto foi-me enviado pelo Snr. Arquitecto
Benedito Lima Toledo.

249
187 - Milagre do aparecimento da Imagem em Portugal

O monumento está tombado 302


pelo IPHAN - inscrição nº 229 do Livro de História,

fl. 38, e nº 296 do Livro de Belas Artes, fl. 62, de 14 de Janeiro de 1944.

302 Ver n. 154.

250
Jubileu do Bom Jesus de Matozinhos do Serro

Segundo as informações enviadas pelo Prefeito da cidade, ali não se realiza

romaria ou jubileu. A única festa que se celebra anualmente é a do Divino que será

contemporânea da construção da igreja, pois terá tido o seu início em 1781.

Comemora-se não no Pentecostes, como seria o mais correcto, mas nos dias 18 e

19 de Maio e é antecedida pela Folia do Divino, durante o qual os devotos percorrem as

ruas com a respectiva bandeira, cantando e pedindo esmolas que revertem para a festa.

No dia 18 é levantado o tradicional mastro do Divino:

Trata-se de um madeiro alto, esguio, recto, enfeitado, que se estaca geralmente

junto a uma igreja ou local em que se realiza a festa e em cujo topo se ergue uma bandeira

com a estampa do santo festejado. Tem um profundo e complexo simbolismo religioso para

o folclore. Marca o início da festa 303.

No dia 19, o cortejo do Imperador, figura equivalente ao mordomo das festas

portuguesas, sai de casa daquele pelas 8h da manhã e dirige-se em cortejo pela cidade em

direcção à igreja do Bom Jesus do Matozinhos. Dali parte uma procissão pelas 18h, que

termina com missa solene.

303 HENRIQUES, José Cláudio, “O Resgate da Festa do Divino de Matosinhos” in ”Revista do Instituto Histórico
e geográfico de São João d’El-Rei” , vol. IX / 2000, p. 132.

251
MOGI DAS CRUZES – São Paulo

Mogi das Cruzes situa-se na Região

Leste do estado de S. Paulo, distando 63

kms da capital. Tem 721 kms2 e uma

população de mais de 332.000 habitantes.

Com a chegada dos


bandeirantes ao Brasil, acreditava-
se que esta região próxima ao rio
Tietê pudesse ter as tão sonhadas 188 - Localização de Mogi das Cruzes

minas de ouro. Os bandeirantes afirmavam ter sido atacados por índios, cujos nomes
era “Mongi”. Já outros
falavam de índios Boigi,
Bougi, Bogi. Naquela época
eles não sabiam se a origem
do vocábulo era tupi-
guarani, ou português
arcaico. De início a vila de
Mogi, tinha recebido o nome
189 - Vista da cidade
de Santa Anna ou Sant‟Ana,
que era o nome de sua padroeira.
Poucos anos depois surgiram nos documentos oficiais o nome de Santa Anna
das Cruzes de Mogy, Santa Ana de Mogi-Mirim, Santa Ana de Bogi-Merí entre
outras menos frequentes.
O surgimento do complemento ”das Cruzes” :
Era costume judicial administrativo, marcar os limites de cada vila com cruzes
pintadas em pedras ou fincadas no chão. Outra lenda diz que o surgimento da palavra
“Cruzes” vem de uma história de amor proibido na qual o rapaz consegue chegar até
sua amada seguindo cruzes que lhe haviam surgido no céu ou na floresta. Tempos

252
depois o “Santa Ana” e o “Mirim”, desapareceram e passou-se a utilizar só o nome
Mogi das Cruzes.
Com o decorrer dos anos, foram se formando famílias e residências e com o
tempo apareceram necessidades como por exemplo o sistema de água encanada e
esgoto, que abasteceria as residências através da coleta de água em poços, rios,
bicas e chafarizes. Em Mogi, havia o córrego Ipiranga perto da Matriz, e várias
bicas freqüentadas pela população. Há uma lenda que diz que Mogi teria crescido
graças ao poder de uma bica d‟água, quem bebesse dessa fonte acabava se fixando
na cidade e contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento da cidade 304.

190 - Mogi das Cruzes-Aguarela de Debret – séc. XIX

Mogi das Cruzes está situada num lugar privilegiado para as ligações entre S. Paulo

e Minas Gerais .

304 www.atalho.com.br/ponto/mogi.htm.

253
Minas Gerais

191 - Detalhe do actual mapa rodoviário de S. Paulo


com a localização de Mogi das Cruzes na estrada para Minas Gerais

No início do século XVIII, todos partiam de S. Paulo para as lavras mineiras,

utilizavam o caminho que saía em direcção à Penha, passando pelo local onde

posteriormente foi levantada a igreja do Bom Jesus de Matozinhos do Brás e, mais à

frente, atravessavam Mogi das Cruzes. Um negociante que percorreu esse trajecto em

1717, descreve-nos assim a vila:

Esta villa poderá ter athe duzentas cazas, mas muy solitaria; porque todos
os moradores vivem nas rossas, e só vem em quinta feira de Endoenças, e outras
festividades do anno. Há tambem hum collegio dos Padres do Carmo, e huma
frequezia de que era vigario hum filho de hum ferrador (...) .
305

Além da igreja de Mogi das Cruzes existem, na área deste percurso entre S. Paulo

e Minas Gerais, várias outras dedicadas ao Bom Jesus que suspeito estarem ligadas à

devoção do Senhor de Matosinhos, mas de que não consegui ter informações por falta de

resposta das autoridades locais aos contactos que com elas tentei.

305 TÁVORA, Maria José e COBRA, Rubem Queiroz, ob.cit., p. 209.

254
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos – 1781

192 - Foto antiga da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos

Inicialmente denominada de Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, acontecimentos

ocorridos no século XIX, levaram-na a ser conhecida, mais tarde, também por Igreja de S.

Benedito.

O historiador local, Jurandyr Ferraz de Campos306, explica-nos como as duas

devoções aparecem a par na mesma igreja:

(...) O Santuário do Senhor Bom Jesus (...) teve como fundador a José de

Carvalho Pinto que, no ano de 1781 “ por sua devoção se lembrou de fundar a dita
capela”, obtendo para isso, naquele mesmo ano, a autorização do senhor Bispo de
São Paulo, Frei Manoel da Ressurreição. Por volta de 1805, a capela estava quase
concluída, já podendo ser celebrados alguns ofícios divinos.
A questão que se coloca agora é a seguinte: quando terá a Irmandade de S.
Benedito 307 se estabelecido nesta Capela, de onde veio e por que razão teria feito
a transferência para ela?

306 Esta informação foi-me enviada pelo Prefeito de Mogi das Cruzes. Tentei entrar em contacto com o referido
historiador, através do endereço que a Prefeitura me enviou, mas nunca me respondeu.

255
Sabemos, de fonte oral, que a Irmandade por não possuir capela própria no
século passado, estava abrigada na Igreja da Ordem 3ª do Carmo de Mogi, ficando
o nicho com a imagem do santo, em um dos seus corredores laterais, onde os
irmãos, muitos dos quais o eram também da Ordem 3ª vinham para cultuar o
querido santinho .

193 - Foto antiga do largo com a igreja

Aborrecidos com um desentendimento havido com o padre carmelita, diretor


espiritual da Ordem, um irmão, membro da tradicional família Arouche, dirigiu-se à
Cúria Diocesana, que então ficava em São Paulo, para pedir permissão para
mudarem-se, com a sua Imagem, para o santuário do Senhor Bom Jesus. Ali, além
da beleza do templo, teriam a paz almejada. Conforme se lê no Livro do Tombo, de
1870 a 1926, registro 46, a autorização foi dada no dia 6 de março de 1879 e,
desde então, anualmente as grandiosas festas aí passaram a ser realizadas. A
Irmandade de tal forma se identificou com a nova casa, que a capela do Senhor
Bom Jesus de Matozinhos, com o correr do tempo, passou a ser conhecida,
popularmente, como Igreja de São Benedito.
Reza uma lenda, no entanto, que os fatos se passaram de forma um pouco
diferente:
Desgostosos com o tal desentendimento havido com o padre carmelita, os
irmãos organizaram uma procissão, por ocasião da festa daquele ano, com um
trajeto que deveria passar defronte da Capela do Senhor Bom Jesus. Um dos

307 Embora tenha nascido em Palermo, S. Benedito, sendo de da raça abissínia, era negro. Tornou-se assim
protector dos negros. No Brasil, desde muito cedo, começaram a surgir as irmandades de São Benedito,
congregando escravos negros, pardos e mulatos.

256
irmãos, devidamente instruído para o propósito, no momento azado abriu a porta
daquele templo, de sorte que, quando o cortejo passava bem em frente, entraram
com o andor Igreja a dentro e trancaram ali a imagem de São Benedito, de onde
ele nunca mais saiu.

Anualmente, em Março ou Abril, continua a realizar-se a festa de São Benedito.

Deve pois ter-se perdido a memória da celebração anual ao Bom Jesus de Matozinhos. No

entanto é de salientar que a Igreja e a Praça conservam o nome antigo.

194 - Praça do Bom Jesus e igreja - foto antiga

Lamentavelmente não consegui obter fotografias do interior da Igreja. Contudo a

Prefeitura enviou-me um texto com uma descrição tão pormenorizada que permite obter

uma imagem aproximada do edifício:

A própria estrutura da Igreja de São Benedito (Bom Jesus) constitui


imensa riqueza histórico-cultural. Suas paredes são todas de taipa da espessura de
70 cm. Somente as construções mais recentes, como a casa do Reitor, que fica na
parte de trás da Igreja, é de tijolo (alvenaria).

Todo o piso é de cerâmica portuguesa: na nave da Igreja, no corredor da


sacristia, na sacristia, no corredor da capela do Santíssimo e nesta própria. No

257
pequeno corredor que liga a sacristia ao altar-mor, o piso é de placas largas de
paralelepípedo, assim como a calçada externa que circunda a Igreja.
Todas as portas são altas e de madeira esculpida, curvas em cima. Todos
os pilares laterais são curvos e pintados em seu interior.
O teto do altar-mor é de madeira curva com um afresco de N. S. da
Aparecida. O teto da nave da Igreja é também de madeira curva com um afresco
de São Benedito.
Alguns afrescos das paredes do altar-mor e da Capela do Santíssimo têm
como autor o próprio reitor do santuário, Monge beniditino, italiano de 54 anos, D.
Estevan Pier Antoni, também ilustre escultor e músico. Inclusive a peça central
que segura as cordas no altar-mor e a mesa do presbicito foram por este Reitor
reformadas, esculpidas ou pintadas.
Ainda falando sobre o Altar-mor, sua decoração é toda esculpida e
banhada a ouro. O Cristo crucificado no alto do altar, que pode ser alcançado por
uma escada de pedra por de trás do altar e da Sacristia, é esculpido em madeira
ao estilo da escola do Aleijadinho.
Em frente ao Altar-Mor, sem suas laterais, estão a Imagem de São
Benedito (à direita) e de São José (francesa, à esquerda).
No corredor da capela do Santíssimo, que é toda de mármore, está o Altar
de N. S. da Aparecida, de gesso com a imagem esculpida em madeira.
Na sacristia temos uma imagem antiquíssima, esculpida em madeira (...).

195- Igreja e Praça do Bom Jesus na actualidade

258
196 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos ou de
S. Benedito

259
POUSO ALEGRE – Minas Gerais

Pouso Alegre, antigo arraial do Bom

Jesus de Matozinhos do Mandu, está

localizado na região Sul de Minas Gerais, no

Vale do Sapucaí, às margens da Rodovia

Fernão Dias - BR-381, numa área

estratégica e de acesso aos 3 maiores

centros de produção e consumo do país. Fica

a 200 km de São Paulo, 385 de Belo

Horizonte e 390 km do Rio de Janeiro.

Com cerca de 130.000 habitantes, tem uma taxa de crescimento do PIB de 7,41%. O

município tem 545 km2, dos quais 39 correspondem ao limite urbano. Seus vizinhos

municipais - 50 municípios com uma população estimada em 700 mil habitantes - fazem de

Pouso Alegre um centro de referência no comércio, na educação, na saúde e no lazer.

197 - Vista aérea da cidade

260
Desde 1600, um século depois da descoberta do Brasil, a região do Mandu
era conhecida, mas não era explorada, nem oficialmente administrada. A região,
era banhada pelo Sapucaí Mirim e seus afluentes: o Capivari, Itaim, Mandu e
Cervo, tinha uma rica flora (...) e a fauna também era abundante.
A beleza topográfica da região, a terra fértil, a abundância de água e a
piscosidade dos rios eram um convite à fixação de colonos na região.
Da ambição dos aventureiros que demandavam a região do Sul de Minas, à procura
de ouro e outras riquezas, nasceu o conhecimento daquele vasto sertão, ainda
desabitado por volta de 1596, quando se deu o primeiro devassamento da bacia do
Alto Sapucaí pelos bandeirantes paulistas. Essas expedições e os raros
aventureiros que por aqui transitavam necessitavam de se orientar, por falta de
informantes, pelas referências geográficas, que por isso ganhavam nomes
inconfundíveis: o Matosinho, hoje Pouso Alegre, separado pelo campo do mato
grande, era um ponto de referência. A região de Estiva era marcada por uma
formação montanhosa no formato de um capuz e ganhou o nome de Serra do
Carapuça. Próximo de Santana do Sapucaí, hoje Silvianópolis, havia uma elevação
com falha de vegetação no cimo, que recebeu o nome de Serra do Coroado; quem
de Ouro Fino viajasse para o Matosinho, depois de vencer o mato encontrava o
campo e quem do Matosinho seguia para Ouro Fino, depois de vencer o campo,
encontrava a mata, por isso a área de transição do campo para a mata era
conhecida de uns por Borda do Campo e por outros por Borda da Mata, o nome que
perdura.
Foi com a descoberta das minas de Santana, que se iniciou o
desenvolvimento do Matosinho do Mandu, primeiro nome de Pouso Alegre.

Durante muitos anos, bem antes da criação do Arraial de Pouso Alegre e do


surgimento da primeira Capela, os caminhos do Mandu eram passagem e parada
obrigatória de diversas caravanas que iam da cidade de São Paulo para a capital
mineira, Ouro Preto.
Muito antes também, esses caminhos foram desbravados pelos
Bandeirantes, que abriram trilhas para os tropeiros. Na beira do Rio Mandu,
próximo à atual Via Perimetral, as caravanas de tropeiros paravam para o descanso

261
e dormida, onde faziam um pouso alegre. Nesse
tempo, começavam a chegar os primeiros
colonizadores, adquirindo terras para cultivo e
sustento.
O maior historiador de Pouso Alegre, Eduardo
Amaral de Oliveira, que dedicou 40 anos de sua vida
pesquisando milhares de documentos em Campanha,
São Paulo, Ouro Preto e Rio de Janeiro, descobriu
que os primeiros proprietários de terras devidamente
registradas, na verdade os primeiros sitiantes,
198 - Homenagem
foram: Antonio Araújo Lobato, Felix Francisco, João
aos bandeirantes
Angelo e Joaquim Reis de Lima - supostamente
também chamado de Paulo Araújo Pereira. Esses homens aventureiros para cá
vieram e se instalaram, tornando-se os primeiros proprietários de terras nessa
região do Sul de Minas e que, pouco depois, seguidos por outros que chegavam,
deram início a colonização de um arraial que, três séculos após, tornar-se-ia na
sempre crescente e magnífica Pouso Alegre de agora!

O Pouso do Mandu

Uma razão que concorreu bastante para o rápido povoamento do lugar foi o
vau do Rio Mandu existente no local, onde o caminho cruzava com o rio, que se
tornou uma passagem obrigatória, pela qual transitavam os viajantes que vinham de
São Paulo e se dirigiam ao sertão das Gerais, à procura de ouro e pedras preciosas.
Essa vereda era um prolongamento do caminho que vinha de São João d‟El-Rei,
Campanha e Santana do Sapucaí, até o Mandu, e que, ao alcançar o pouso de Cláudio
Furquim de Almeida, em Itapeva, tornou-se o trajeto mais curto e o único entre
São Paulo e Vila Rica. Vários posseiros se fixaram às margens do Rio Mandu,
308

aumentando o número de moradores do lugar, que recebeu o nome de Pouso do


Mandu. Crescendo a sua importância, foi criado no local, pelo governador da
Capitania de Minas Gerais, por volta de 1755, um posto fiscal ou Registro,
destinado a evitar o desvio clandestino de ouro das minas de Santana do Sapucaí e

308 Índivíduos que possuíam terras.

262
Ouro Fino, para São Paulo e Santos, visando com isso cobrar o quinto devido à
Coroa portuguesa. A presença de um Fiel, acompanhado de guardas, neste posto,
indica que se tratava de um Registro de grande movimento e, conseqüentemente,
de um povoado em franca expansão. O nome primitivo do lugar, Pouso do Mandu,
devia-se ao fato do rio do mesmo nome ter em abundância o peixe da espécie
mandi, corruptela do nome indígena Mandihu (rio do Mandi), bem como por ser
parada obrigatória, um pouso para os viajantes que percorriam os caminhos entre
as capitanias de Minas Gerais e São Paulo. Havia no local um rancho primitivo que
abrigava os viajantes, e nesse lugar o rio oferecia melhores condições para uma
travessia, facilitando a transposição de animais e carga. Na encosta da Serra do
Gaspar localizava-se a fazenda de criar de Antônio de Araújo Lobato, ladeada de
extensos brejais cortados por dois córregos até a margem do Mandu, junto do qual
havia um pequeno núcleo de casas, o rancho e a venda destinada ao comércio com
os viajantes. Foi aí que o povoado nasceu, prosperou e cresceu pouco a pouco,
graças à sua excepcional posição geográfica e a riqueza de suas terras (...).
Quem viesse do norte, no período das águas, teria de esperar que a
enchente, que inundava as várzeas, baixasse, e seria forçado a permanecer longo
tempo no Pouso do Mandu. Por isso, viajava-se sempre no período da seca, quando
os rios davam vau, evitando-se os transtornos causados pelas chuvas.
Não só aventureiros, como também alguns comerciantes, percorriam aqueles
caminhos, transportando com sua tropa de burros, carregamentos de sal, açúcar e
algodãozinho, produtos destinados aos centros de exploração mineral, escassos, e
de alto preço no sertão. Um rancho rústico, situado às margens do rio, tornou-se o
abrigo acolhedor dos viajantes, um verdadeiro oásis para aqueles que enfrentavam
os caminhos rudes do sertão, cheios de obstáculos e desconfortos. Ali, gozando de
um mínimo de conforto, o viajante se recuperava de suas canseiras e recobrava as
forças para enfrentar novamente a caminhada.
Em 1831, Pouso Alegre alcançou um prestígio tão grande que, quer seja pelo
progresso da povoação, quer seja pela influência política do cônego José Bento, a
sua elevação à categoria de vila se fez naturalrnente, sem nenhum esforço por
parte de seus habitantes, no dia 13 de outubro daquele ano (...).
Em 1848, um fato auspicioso veio reanimar a população: a elevação de Pouso
Alegre à categoria de cidade pela Lei Provincial nº 433, de 19 de outubro de 1848.

263
Dois empreendimentos importantes receberam o impulso desse acontecimento: a
fundação da Santa Casa da Misericórdia nesse mesmo ano, e o início da construção
da nova Matriz.

199 - Aspecto actual da periferia da cidade

No campo material, entretanto, o progresso era lento. Sem meios de


comunicação com os centros mais desenvolvidos, a cidade vivia quase isolada do
resto do país, o que impedia o seu desenvolvimento. As atividades econômicas se
restringiam à agricultura de subsistência, destacando-se o cultivo e a fabricação
do chá da Índia, que alcançou um apreciável desevolvimento. Só em 1895, com a
chegada dos trilhos da Rede Sul-Mineira a Pouso Alegre, a cidade começou a dar
os primeiros passos rumo ao desenvolvimento 309.

309 Texto da História de Pouso Alegre em www.tvuai.com.br. Segundo o seu autor, foi elaborado com a ajuda da
seguinte bibliografia :
QUEIROZ, Amadeu, "Pouso Alegre - Origem da Cidade e a História da sua Imprensa"
VEIGA, Bernardo Saturnino da, "Almanack Sul Mineiro", 1874
OLIVEIRA, Eduardo Amaral de, “ Pouso Alegre Histórico”
TOLEDO,Eduardo A. O., "Estórias do Mandu"
SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Karl Friedrich von, "Viagem pelo Brasil", 1820
REZENDE, Manoel Coutinho de, "O Pouso Alegre da Trilha dos Faiscadores"
GOUVÊA, Octávio Miranda,"A História de Pouso Alegre"
TOLEDO, Tuany, "Trabalhos Dispersos - Memória Histórica"
O sítio não refere as editoras nem o local da publicação.

264
A Igreja do Bom Jesus de Matozinhos de Pouso Alegre – 1797-99

200 - Catedral actual e a antiga que foi demolida


nos anos quarenta do século XX

Cerca de 50 anos após a fundação, o povoado prosperara, crescendo sempre


o número de seus habitantes, mas a assistência religiosa era feita na freguesia de
Santana do Sapucaí, distante seis léguas, a cuja paróquia pertenciam. Por isso,
começou a tomar vulto a idéia de se pedir ao bispo de São Paulo a construção de
uma capela no povoado. Havendo necessidade de um patrimônio para a edificação
da capela, as terras foram doadas por Antônio José Machado, doação feita por
escritura de mão, e confirmada em 29 de agosto de 1796 por escritura pública,
passada por seu filho, Manoel José Machado e sua mulher, que as havia herdado de
seu falecido pai, perante o tabelião Salvador Correia Leme, em Lorena.
A construção da capela foi iniciada em julho de 1797 e concluída em 6 de
agosto de 1799, quando foi rezada a primeira missa pelo padre José de Mello,
substituto do vigário de Santana do Sapucaí, que passou a ser o seu capelão.
A capela foi edificada à custa dos moradores, nas proximidades da fazenda
pertencente a Antônio de Araújo Lobato, cuja localização coincide com o centro da
Praça Senador José Bento, no jardim praça, consagrada ao Senhor Bom Jesus dos
Mártires ou do Matozinho. Da sua criação em diante, o povoado passou a ser
conhecido, também, como Capela do Mandu.

265
A inauguração da capela com a celebração regular de atos religiosos pelo
capelão, padre José de Mello, vieram trazer nova animação ao povoado do Mandu,
que foi aos poucos adotando a denominação de Pouso Alegre. De construção
modesta e sem nenhuma arquitetura, a capela era feita de adobos e coberta com
folhas de palmeira entrelaçadas que formavam uma perfeita esteira. Em frente da
capela ficava um pequeno cemitério (na quadra do atual jardim) e para os lados da
Rua Comendador José Garcia nada existia, a não ser um vasto pantanal. Em 1802 a
capela estava edificada no centro da praça, onde está hoje o monumento da
Imaculada Conceição. Emoldurando ao fundo o templo, duas alas de casuarinas e
cinamomos se destacavam. Essas árvores estranhas e lendárias, plantadas no
coração da cidade, cresceram de tal forma, que de longe assinalavam aos viajantes
a situação do povoado. Uma curiosidade é que as casuarinas possuíam longas folhas
que se afunilavam com o vento e emitiam sons agudos, como se estivessem
cantando. Com o passar dos anos, e com o crescimento da população, a primitiva
capela tornou-se insuficiente, e em fins de 1849 ou começo de 1850, teve início a
construção da nova Matriz, atrás da antiga capela, a qual foi concluída em 1857.
Em torno dessa capela desenvolveu-se o povoado, que crescendo de forma
acentuada, tornou difícil a assistência religiosa por parte de um padre que nele não
tivesse residência permanente. Por isso, a partir de 1805, os moradores passaram
a pleitear do bispo de São Paulo, dom Mateus, a criação de uma nova paróquia,
desmembrada de Santana do Sapucaí. Provavelmente, esta justa reivindicação foi
patrocinada por José Bento Leite Ferreira de Mello, que em São Paulo se
preparava para o sacerdócio e gozava das boas graças do prelado diocesano.
O certo é que só oito anos depois de inaugurada, a Capela do Senhor Bom Jesus foi
elevada à categoria de paróquia, pelo Alvará Régio de 6 de novembro de 1810, de
dom João VI, príncipe Regente de Portugal. Em 1811, o arraial de Pouso Alegre
contava com cerca de cinquenta casas bem construídas.
A Matriz erguida em 1857, tinha um telhado pontiagudo e não tinha torres,
e sofreu algumas reformas, sendo melhorada no princípio do século para a sua
elevação a Catedral.

266
201 - Matriz do Bom Jesus de Matozinhos do século XIX

No paroquiato do cônego Vicente de Mello César foram feitas importantes


reformas, constando de abaixamento do ponto do telhado, demolição das taipas
internas e substituição por colunas de madeira, nova capela-mor, forro e assoalho
de toda a igreja. Posteriormente, outra reforma foi contratada para a construção
da nova fachada.
Exteriormente o templo não apresentava grandes lavores artísticos, mas
tinha um interior majestoso: colunas de madeira artisticamente trabalhadas
sustentavam a nave; o teto, apoiando-se sobre os arcos das tribunas, vistosos e
bem ornamentados, primavam pela elegância; no meio da nave erguiam-se, de cada
lado, os púlpitos, de onde se faziam ouvir as palavras de ensinamentos da religião.
Para além da balaustrada que dividia a nave, via-se uma escadaria, coberta por
vistosos tapetes, que levava a um patamar onde ficava o altar-mor e as tribunas do
cabido. O rico altar de madeira era artisticamente burilado e de fino gosto, onde
era venerado o Senhor Bom Jesus, o padroeiro da Matriz. Uma moderna iluminação
a gás acetileno fazia realçar a pintura interior, que apresentava uma combinação
de cores de muito bom gosto.
Na noite de 15 de fevereiro de 1920, esta igreja foi vítima de um grave
incêndio que, só por milagre, destruiu apenas o forro da nave.

267
202 – Antiga praça da Matriz do Bom Jesus de
Matosinhos

Um fator de fundamental importância para o progresso de Pouso Alegre e


desenvolvimento de toda a região sul-mineira foi, sem dúvida, a criação da Diocese
de Pouso Alegre. Aos 4 de agosto de 1900, pelo decreto da Sagrada Congregação
Consistorial, Regio Latissime Patens, foi criada a Diocese de Pouso Alegre,
constituída pela região do Sul de Minas, desmembrada das dioceses de Mariana e
São Paulo.
Para coroar uma série de realizações, durante o seu episcopado de 43 anos,
um dos bispos, dom Otávio, se propôs a construir uma nova Catedral, tendo em
vista a necessidade de uma reforma urgente da antiga. Optou-se pela construção
de uma nova igreja, dada a vultosa quantia necessária para os reparos, sendo mais
prática e interessante uma nova construção. No dia 28 de setembro de 1947, sob a
presidência do Bispo Diocesano, reuniu-se a comissão de obras da nova Catedral,
ficando resolvido dar-se início à construção e adotar a antiga planta do professor
Sachetti, com simplificações.
Em novembro de 1947, teve início a demolição da parte da frente da antiga
Catedral, tão cheia de histórias e tradição, que durante 90 anos serviu os fiéis
pousoalegrenses.

268
203 - Demolição da antiga Matriz

Em 6 de maio de 1948, dom Otávio benzeu a primeira pedra da nova Catedral


e no dia 4 de agosto de 1949 foi inaugurada a primeira parte correspondendo mais
ou menos à metade de todo o templo,
podendo acomodar cerca de 1.200
pessoas. Graças a doações, verbas, e
principalmente ao trabalho humilde
das quermesses, pouco rendoso mas
constante, conseguiram-se os meios
necessários para a construção de todo
a Catedral, inaugurada, ainda sem o
revestimento externo, em 1954, por
ocasião do jubileu de ouro da
ordenação sacerdotal de dom Otávio.

204 - Nova Matriz em construção

269
205 - Actual Matriz

206 - Altar-mor 207 - Nave central

270
FESTA DO BOM JESUS

Em Pouso Alegre, a festa do Jubileu celebra-se a 4 de Agosto, aniversário da

Diocese. Do número de Setembro de 2002 do jornal da Paróquia do Bom Jesus extraí o

relato da Festa de 2002:

A Paróquia Bom Jesus realizou a Novena e Festa do Bom Jesus, entre os


dias 28 de julho a 6 de agosto. Durante esses dias, as diversas pastorais,
movimentos e comunidades participaram da celebração das missas, preparadas pelas
equipes de liturgia. Sacerdotes da região foram convidados a presidirem à
celebração. A festa também contou com a parte social, com a quermesse e o bingo,
entre os dias primeiro a sete de agosto.
O tema da novena, este ano, foi “No encontro com Cristo, formamos a
Igreja viva” que contemplou alguns dos encontros bíblicos entre Jesus e as pessoas
da sua época, refletindo sobre a missão da Igreja hoje. Os temas foram baseados
também no Projeto Pastoral da Arquidiocese de Pouso Alegre “Formamos a Igreja
Viva”.
As missas tiveram boa participação dos fiéis e devotos do Bom Jesus, com
uma liturgia bem preparada (...).
A procissão do Bom Jesus e a missa da festa, como nos anos anteriores, foi
marcada pela grande presença dos fiéis que lotam a Catedral (...).
A quermesse também teve grande participação, tanto dos que a
prepararam, como das pessoas que a movimentaram. A renda está sendo revertida
para as comunidades da Paróquia (...) .
310

310 Bom Jesus – Nossa paróquia, Setembro de 2002, Ano VI, Edição nº 61, Paróquia do Bom Jesus – Catedral
Metropolitana , Pouso Alegre (MG), boletim que recebo regularmente por gentileza desta paróquia.

271
CATAS ALTAS – Minas Gerais

Situada na região central de

Minas, com uma área de 240 kms2 e a 120

kms da capital do estado, Catas Altas tem

cerca de 4000 habitantes, dos quais um

terço é população rural. Situada junto do

imponente e majestoso contraforte da

Serra do Caraça, a pequena cidade de

Catas Altas abriga a maior parte da

Reserva Particular do Patrimônio Natural

do Caraça, além de outras inúmeras riquezas naturais .


311

208 - Vista da cidade com a serra do Caraça ao


fundo

311 A quase totalidade das informações sobre Catas Altas foram extraídas do sítio da Prefeitura
www.catasaltas.mg.gov.br.

272
A cidade possui também um valioso patrimônio histórico e uma "mineiridade"
quase intacta, que se revela na religiosidade de sua gente, nos costumes e
tradições, na fabricação de vinho artesanal, na música dos muitos violeiros, no
bucolismo de sua arquitetura e nos antigos quintais, relíquia já em extinção em
Minas Gerais. Mas é também uma cidade onde a atividade minerária é muito forte
e já deixou sequelas ambientais graves.

209 - Praça principal

O conjunto arquitetônico de Catas Altas é um dos mais homogêneos e


representativos da arquitetura colonial mineira.

210 - Casas antigas

273
Seu nome provém das profundas escavações que se faziam no alto do morro.
Fundado em 1703, o lugar era conhecido como Catas Altas do Mato Dentro para
diferenciar de Catas Altas da Noruega.

Francisco de Carvalho Franco, (...) aí situa o paulista Manuel Dias em 1703,


como descobridor. E de acordo com Basílio de Magalhães dá como fundadores do
arraial o sertanista Domingues Borges, português. O Cónego Trindade informa que,
em 1710, já tinha o seu vigário, Pe. André do Couto Leal (arquidiocese de Mariana,
Lº 68). Lê-se no “Livro de Lotação das Freguesias deste Bispado” que consta do
“1º batismo que se celebrou na capela de N.S. da Conceição de Catas Altas, no ano de
1712”, que a sua fundação havia sido muito anterior ao tempo em que começou a ser
provida de vigários encomendados (...).
O Dr. José Vieira Couto esteve no arraial em 1800 e assim o descreveu “ ... é
um arraial tão grande quanto o de Santa Bárbara, porém muito mais decadente... A
povoação fica na maior parte ao comprido, e se alonga pela estrada ao comprido, à
maneira de feira” (Memória sobre a Capitania de Minas) 312.

Em 1712, já se delineava o aglomerado urbano que se formava ao redor da


mineração. A elevação à freguesia, através de medidas da administração colonial,
deu-se em 1718, sendo a paróquia declarada de natureza colativa e seis anos mais
tarde, foi nomeado seu primeiro vigário colado.
Em 1730, iniciam-se as obras para a construção da Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Conceição, que a partir de 1738, sem ser concluída, passa a ser utilizada
pela população, e que está inacabada até os dias de hoje, confirmando sua
originalidade.

Nessa época aí residiram pelo menos dois irmãos da Confraria do Bom Jesus

de Matosinhos.

312 BARBOSA, Waldemar de Almeida, ob.cit.

274
Com o esgotamento das minas, Catas Altas tornou-se um arraial abandonado
e em ruínas, e os habitantes que ali
permaneceram se dedicaram ao cultivo de
pequenas roças de subsistência. A maior
mineração sobrevivente era feita nas lavras
do Guarda-Mor Inocêncio Vieira da Silva.
Quando o naturalista francês Saint Hilaire
visitou a área aconselhou-o a substituir a
exploração do ouro pela do ferro, cujas
reservas eram abundantes na região, isto em
1816.
Em 1817, os naturalistas alemães Spix e
Martius, hospedaram-se com o Guarda-Mor

211 - Igreja Matriz de Inocêncio Vieira da Silva e visitaram a sua

N.S. da Conceição lavra, que possuía apenas 80 escravos para o


trabalho (...).
Em 1839, por ocasião da emancipação do município de Santa Bárbara, Catas
Altas, passa a pertencer à sua jurisdição.
Em mais de dois séculos, a população do arraial pouco se alterou, somando
2.429 habitantes, em 1950. Sua revitalização se deu graças ao incremento da
mineração do ferro através da Companhia Vale do Rio Doce313.
O conjunto arquitetônico barroco
formado não só pela Igreja da Matriz,
mas também por casas antigas ao redor
da Praça Monsenhor Mendes, entre
outras construções, traz para o presente
a história do passado da pequena e
bucólica cidade mineira.

212 - Outro exemplar de casa colonial Para proteger este rico acervo
histórico, cultural e religioso, o Instituto

313 www.estradareal.org.br.

275
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) tombou
todo o perímetro urbano de Catas Altas. O conjunto arquitetônico e paisagístico
do Santuário do Caraça, a Praça Monsenhor Mendes e a Igreja Nossa Senhora da
Conceição são tombados314 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Além disso, o Parque do Caraça, de propriedade da Província
Brasileira da Congregação da Missão, situado no município de Catas Altas Altas
(parte dele em Santa Bárbara), também foi transformado em Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN), outra medida que visa preservar a área.

O tombamento do acervo é importante porque impede que as construções


antigas sejam substituídas ou modificadas, paralisando o processo de destruição das
preciosas construções, e preserva a memória da cidade.

Catas Altas é, sem dúvida, uma cidade privilegiada: ao perceber a importância


da identidade cultural de seu povo para construção da cidadania e da nação, afirma-
se como uma enciclopédia viva de sua própria história e da história de Minas Gerais
315
.

213 - Prefeitura de Catas Altas

314 Ver n. 154.


315 Sítio da Prefeitura.

276
Capela do Bom Jesus de Matozinhos ou do Senhor do Bonfim– Séc.XVIII

214 - Capela do Bom Jesus de Matozinhos

Situada na rua Direita,

esta pequena capela data do

final do século XVIII.

Construída em madeira e pau a

pique, apesar da simplicidade do

interior possui uma fachada

interessante.

Em seu interior
tem-se a representação
da Paixão de Cristo em
rocaille (elemento usado
no estilo rococó), com o
açoite, escada, esponja
de fel, coluna, cana
verde e a cruz. Nas 215 - Cristo da Capela do Bom Jesus
extremidades tem-se

277
mais quatro rocailles, onde se inserem a coroa de espinhos, cravos, martelo e
turquês. A arquitetura da Capela, do século XVIII, é despojada e simples, tendo
no altar a escultura de Cristo Crucificado. Usada para velórios, mas também para
reunião de grupos de orações 316.

COUTO DE MAGALHÃES DE MINAS – Minas Gerais

Couto de Magalhães de Minas, está

situado a uma altitude de 660m, na serra do

Espírito, na região central de Minas, a 324

Kms da capital do estado. Com uma área de

580 Kms2, tem uma população urbana de

3650 pessoas e rural de 582.

Grandes jazidas de manganês

existentes na região e actividades

extrativas de ouro e diamantes caracterizam a economia deste município, apesar da

importância de sua agropecuária, que ajuda a equilibrar as finanças municipais.

O início do povoamento data


de 1725, quando Sebastião Leme do
Prado, em busca de ouro e
diamantes, assenta acampamento
próximo às margens de um rio
sereno e cristalino, que recebe o
nome de rio Manso. O povoado, de
mesmo nome, localizava-se em uma
área estratégica e propícia ao
216 - Prefeitura Municipal comércio, por ser passagem

316 Sítio da Prefeitura www.catasaltas.mg.gov.br.

278
obrigatória das tropas (único transporte de cargas utilizado na época) utilizando a
estrada de ligação com outras regiões 317.

Incluído na área do Distrito Diamantino, após 1734, o arraial teve, durante


todo o período colonial, seu crescimento contido pela rígida administração imposta
na área e pelo monopólio real sobre os diamantes, que limitava a participação nos
benifícios e lucros da sua extração.

Com a decadência da mineração, as terras fertéis em torno do povoado


passaram a ser melhor exploradas, principalmente com a plantação de frutas –
laranjas, mangas, pêssegos, etc., cuja produção é importante até os nossos dias, ao
lado de outros ramos de lavoura e também da pecuária.

Em 1839, foi o povoado elevado a distrito do município de Diamantina, sendo


a freguesia criada em 1853. Teve sua denominação alterada de Rio Manso para
Couto de Magalhães, no ano de 1938, tornando-se município autônomo com a
criação da cidade, em 1962.

Da época do apogeu da exploração dos diamantes, restaram duas


importantes igrejas coloniais na cidade: a Matriz, dedicada a Nossa Senhora da

217 - Igreja de N.S. da Conceição

317 Sítio do Pojecto Cidades.

279
Conceição, e a pequena capela do Bom Jesus de Matozinhos 318.

Capela do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - Anterior a 1807

Não foram localizados, nas pesquisas procedidas, elementos documentais


sobre a edificação desta capela. Entretanto, ao publicar, em 1899, a Chorographia
do Município de Diamantina, informava J. Augusto Neves, que o pequeno templo
do arraial do Rio Manso dedicado ao Bom Jesus de Matozinhos datava de “90 anos
pouco mais ou menos”, o que leva a crer tenha sido construído por volta da última
década do século XVIII ou primeira do XIX. Entre 1821 e 1826, a capela se
encontrava entregue regularmente ao culto e ornada “com decência”, como
registrava em seu Livro de Visitas Pastorais o então bispo de Mariana, dom frei
José da Santíssima Trindade.
O monumento é tombado 319 pelo IEPHA/MG, conforme Decreto nº18.531, de
2 de junho de 1977.

218 - Capela do Bom Jesus de Matosinhos

318 Este texto foi-me enviado em fotocópia pela Prefeitura de Couto de Magalhães de Minas com escassa referência
bibliográfica. Dele apenas conheço o título que encabeça cada página: Minas Gerais: Monumentos históricos e
artísticos – Circuito do Diamante, VI – Área adjacente a Diamantina..
319 Ver n. 154.

280
A capela está situada numa praça toda gramada, plana, com dois
renques de jacarandás paralelos às suas fachadas laterais.
Tem o partido bem simples, com nave e capela-mor de menor largura,
separadas pelo arco-cruzeiro, sacristia nos fundos e coro.

219 – Vista nocturna da fachada da capela

A construção é em taipa, possui cunhais e enquadramentos dos vãos em


madeira e cobertura de duas águas guarnecida por beirais em cachorros. A torre,
única, de secção quadrada, é central e de madeira, tendo a cobertura em forma
piramidal de telhas coroada por uma esfera armilar.
A fachada, com os vãos distribuídos da maneira tradicional. Mostra portada
com vedação almofadada e sobreporta trabalhada, com graciosa decoração de
relevos em madeira policromada, no estilo das igrejas de Diamantina, e ladeada em

281
diagonal, na altura do coro, por duas janelas rasgadas por inteiro, de postigo
sobreposto, dando para sacadas isoladas com guarda-corpo de ferro batido.

220 - Interior da capela

Como habitualmente na
região de Diamantina, apenas a
capela-mor teve completada sua
decoração interna, congregando
talha e pintura em ambientação
unitária. O retábulo, de colunas
retas e dossel, é simples mas de
boa qualidade, podendo datar
dos finais do século XVIII. Sua
cimalha prolonga-se nas paredes
laterais da capela-mor, servindo
de moldura natural à pintura do
forro, como nas igrejas
diamantinenses.

221 - Altar-mor com a Imagem


do Bom Jesus de Matozinhos

282
Esta pintura é bastante interessante, pois constitui um dos melhores
exemplos mineiros de reinterpretação popular dos padrões eruditos de pintura
perspectivista do ciclo rococó 320.

222 -Altar de N.S. do Rosário

Além da do padroeiro, a capela conserva ainda algumas imagens antigas, tal como a

de Nossa Senhora do Rosário, no altar lateral da esquerda.

Infelizmente, não consegui obter nenhuma informação sobre a festa ao Bom Jesus

de Matozinhos. Sei contudo, que uma das maiores solenidades locais é a de Nossa Senhora

do Rosário que se realiza na capela do Bom Jesus, por coincidência estranha no mesmo dia

em que se festeja o jubileu de Congonhas – 14 de Setembro

320 Ver n. 318.

283
JESUÂNIA – Minas Gerais

Jesuânia , antigo Matozinhos do


321

Lambari, está localizada na região do Sul

de Minas Gerais a uma altitude de cerca

de 871m, constituindo um compartimento

da Serra da Mantiqueira. Com uma área

de 153,7 Kms2 tem uma população de

4742 habitantes. Dista 351 kms da capital

do Estado. A base da sua actividade

económica é o café seguido da produção

do milho.

223- Praça de Jesuânia

321 Este foi um dos municípios que mais problemas levantou. A página da Internet esteve sempre em construção,
não permitindo obtenção de dados, à excepção de 2 fotografias. A Prefeitura nunca respondeu às minhas cartas. Já
com o trabalho em fase de acabamento, o Exº e Reverendíssimo Senhor Bispo da Diocese de Campanha, D. Frei
Diamantino de Carvalho, enviou-me algumas fotocópias de livros não identificados, sem referências bibliográficas,
mas com os elementos de que necessitava e duas fotografias.

284
Jesuânia – a terra de Jesus – outrora São Bom Jesus de Lambari, depois
Bias Fortes, e, mais tarde, Lambarizinho, tem a sua história por demais ligada a
“Águas Virtuosas” da Campanha, hoje Lambari.
Jesuânia começou a escrever a sua história, no século XVIII, quando uma
expedição de baianos e paulistas penetrou rumo ao oeste, através dos vales do
sistema da Mantiqueira, incursionando pelo Sul de Minas Gerais. São testemunhos
eloquentes dessa jornada as cidades de Campanha, Pouso Alto, Aiuruoca, São
Gonçalo do Sapucaí, Itamonte e outras, todas nascidas da "Estrada Geral", cuja
picada inicial fora aberta pelos Bandeirantes.
A princípio pequenos sitiantes se fixaram à beira da estrada, atraídos pela
exuberância do solo, pelas verdes pastagens e pela perspectiva de enriquecimento
para, depois se transformarem em proprietários de grandes fazenda, marcos
iniciais de povoados e vilas.
Origina-se, Jesuânia, desse reduzido número de pequenas lavouras
localizadas à margem da antiga estrada que ligava Campanha à Corte (Rio de
Janeiro), em seu trecho paralelo e mais próximo ao Rio Lambari.
As pastagens que dominavam os vales e as verdejantes colinas em sucessão
àqueles, atraíram pioneiros a se estabelecerem em tais paragens,
providencialmente favorecidas pela exuberância da terra, boas aguadas, climas dos
melhores, estrada aberta ao escoamento da produção
O nome de Lambari, de maior duração nos tempos antigos, procede de um
rio que corre junto à localidade e onde existe abundância desses peixinhos de água
doce.
O Rio Lambari é conhecido desde 1737, quando o ouvidor de S. João d‟El-
Rei, Cipriano José da Rocha, tendo ido à Campanha de Rio Verde para coibir alguns
abusos, teve oportunidade de atravessá-lo e de ali pescar. Lê-se, no ofício então
mandado ao Governador da capitania mineira; “ As terras destas Minas é (sic) uma
dilatada Campanha do Rio Lambari para dentro... Tem o Lambari copiosa abundância
de peixe grosso e miúdo, de admirável sabor e gosto, por ser todo de pedras o rio.
E com redes que trouxe fiz uma grande pescaria, sem muito trabalho 322.

322 VEIGA, José Pedro Xavier da, Ephemerides Mineiras, IV, 88.

285
Não é todo de pedras o rio... Era porem o caminho natural dos que
demandavam Campanha, quando se encontravam na região de Baependi, ou vice-
versa.
Só em 1749 é que aparece, pela primeira vez, o nome de um morador na
região. Trata-se de Manuel Vieira 323
(...). Manuel Vieira era natural de S. Pedro de
Freitas, comarca de Guimarães no Arcebispado de Braga, e filho de Gervásio
Vieira e de Catarina Gomes. Era casado com Teresa Corrêa, natural da Jacareí,
filha de Mateus Fernandes e de Paula Gonçalves 324.
Em 1753 surge a distinção entre Lambari de Cima e Lambari de Baixo,
prova de que iam aparecendo moradores em ambas as partes da estrada325.
Desde 1755, é conhecido o sítio do Lambari, de onde se originou o núcleo
populoso, atual Jesuânia. Dois registos o atestam: “aos oito dias do mês de
Novembro de mil setecentos e cincoenta e cinco anos, nesta Matriz (Campanha)
batizei e puz os santos óleos a José (...). Foram padrinhos Martinho de Siqueira e
Maria Pedrosa, mulher de João Ferreira Ribeiro, moradores no sítio de Lambari
desta freguesia”. O segundo registo é de óbito de uma criança “filha de José
Rodrigues Ayrão e Joana Maria, moradores no Sítio de Lambari Grande desta
freguesia” 326.
Os primeiros moradores do lugar foram Martinho de Siqueira (natural de
Congonhas do Campo, filho de Martinho de Siqueira Ribeiro e de Ana Corrêa
Cardoso; era casado com Catarina Ribeiro da Costa, natural da Piedade de S.
Paulo), João Ferreira Ribeiro, José Rodrigues Ayrão (natural de São João de
Ayrão, Braga) (...).
Quando da descoberta das fontes de água mineral de Águas Virtuosas, o
Arraial de Lambari, às margens do rio do mesmo nome, já crescia e prosperava.
A lei no 336, de 1948 elevou Jesuânia a cidade, criando o Município.

323 O seu nome aparece registado como padrinho de um outro Manuel na pg. 24 do 1º Livro de Baptizados de
Campanha.
324 Informações obtidas num outro livro de baptizados.
325 Informações obtidas no 1º Livro de Baptizados e no 1º de Óbitos da Matriz de Campanha.
326 Id.

286
Igreja do Bom Jesus de Matozinhos de Jesuânia - 1819

Criada a Vila da Campanha, o Alferes António José Ferreira


requereu e obteve que lhe fosse concedida meia légua de terras na Paragem
Lambari Pequeno, terra que confrontavam pelo leste com António de Mira, pelo Sul
com a viúva de João Gomes, pelo Norte com os Borges.
Pouco depois surge outra fazenda, a de Santa Rita na mesma região. Era
propriedade do Alferes José Inácio de Mira, casado com Josefa Maria de Jesus,
vendedores que foram, em 1816, de um campo a António Xavier Mariano,
procurador nomeado para a construção da capela do Senhor Bom Jesus327.Em
1826, o Alferes José Inácio Mira e sua mulher D. Josefa Maria de Jesus,
venderam uma porção de terras na fazenda de S. Rita do Lambari, ao procurador
da Capela do Bom Jesus do Matozinhos do Lambari, António Xavier Mariano, para
património da referida capela, o que nos revela a sua devoção.
Dependente de Campanha e posteriormente de Águas Virtuosas, atual
Lambari, Jesuânia foi sempre um centro apostólico respeitável pois em suas terras
foi construída a primeira capela que deveria servir às gentes desta banda de
Lambari. A primitiva Capela deu origem à primeira catedral, substituída pela
monumental obra arquitetônica dos nossos dias.
Com a primitiva capela começa a sua história:
1 – Capela filial de Campanha, desde o ano de 1820
2 – Paróquia, pela lei mineira de 15 de Julho de 1828
3 – Paróquia de instituição canónica de 2 de janeiro de 1852
4 – Paróquia restaurada pela lei mineira nº 1659, de 14 de fevereiro de
1870
5 – Construção da Primeira Matriz, possivelmente concluída em 1885 e
sagrada em 1886
6 - Atual matriz sagrada em 1851
Edificada sem licença diocesana, a mencionada Capela, só no ano de 1828, a
15 de Julho é que obteve a devida autorização, como o referiu o Cónego Raimundo
Trindade. Por isso lhe foram negados os privilégios de Paróquia. Durante algum

327 Protocolo nº 92 dos patrimónios da Cúria Diocesana.

287
tempo foi sede de paróquia não só local como da vizinha povoação de Águas
Virtuosas de Campanha, actual cidade de Lambari

Primeira matriz

224 - Primeira matriz de Jesuânia

Em contato com antigos moradores de Jesuânia, entre os quais se


distinguia a velha Savitória, sempre pronta a narrar sobre cousas do passado,
apurou-se que o seu pai, ainda moço de seus vinte e cinco anos, trabalhara na
construção da velha Matriz. Chamava-se então o lugar Bias Fortes. Sua narração
aproximada com cálculos comparativos, davam a obra construída e finda em 1885.
Esta data é corroborada com elementos encontrados nos Livros de Campanha ,
onde se diz que no ano de 1886, foi feita a nova Capela de Lambari - Jesuânia.

Matriz actual

Foi lançada a primeira pedra para a nova matriz no dia da festa anual do
Bom Jesus de Matosinhos, em 6 de Agosto de 1949, na presença de autoridades

288
civis e eclesiásticas. Procedeu à benção o Exº Bispo Diocesano de Campanha, D.
Frei Inocencio Engelke, OFM.
Através de uma notícia publicada no jornal “O Diário” em 15 de Agosto de
1951, é-nos possível conhecer alguns dos factos relacionados com a sagração da
Nova Matriz em 1951:
O povo de Jesuânia rejubila-se com a sagração da nova igreja Matriz.

225 - Actual Matriz de Jesuânia

As linhas arquitetônicas do templo, de estilo românico com adaptação do


moderno, cuja planta foi da autoria do renomado arquiteto Benedito Calixto, dão à
obra beleza e originalidade. O altar-mor, oferta do Coronel Américo Dias de
Castro, prefeito do município e presidente da comissão pró-construção, à qual
emprestou toda cooperação, é todo de mármore e ricamente trabalhado.
Também de pedra-mármore verde é o nicho onde se acha colocada
milagrosa imagem, em tamanho natural, do senhor Bom Jesus, padroeiro da cidade.
Essa imagem é obra de artista exímio, trabalhada em madeira vinda diretamente
de Portugal.

289
Vale ressaltar que, posto seja obra de grande vulto, parecendo, à primeira
vista, acima das possibilidades do lugar, com um dispêndio que ultrapassou um
milhão e quinhentos mil cruzeiros, ela foi terminada em dois anos, apenas (...) 328
.

226 - Altar mor e Imagem do Bom


Jesus de Matosinhos

Durante a Semana Santa são feitas na

igreja do Bom Jesus importantes cerimónias

quaresmais de que se destaca a encenação da

Paixão, cujos personagens são encarnados por


227 - Encenação da
destacados actores da TV brasileira .
Crucificação

328 Como disse na nota 321, todos estes textos fora enviados por S. Exa. Reverendíssima o Senhor bispo de
Campanha.

290
CANA VERDE – Minas Gerais

O município de Cana Verde, situado na

região centro-oeste de Minas, está a uma

altitude de 1098 m, ocupando uma área de

213,6 kms2. Nele residem 5065 habitantes,

grande parte dos quais se dedica à

agricultura.

Dista 212 Kms de Belo Horizonte.

228 - Vista geral de Cana Verde com a igreja do Bom Jesus de


Matosinhos no centro

Por volta de 1800, a região era explorada pelo português Romão Fagundes do
Amaral, e denominava-se Matozinhos do Jacaré. Posteriormente, Manoel
Fernandes Airão chega às terras e passa a trabalhar como contador do português.
Juntos, iniciam o plantio da cana-de-açúcar e desenvolvem também o cultivo de

291
cereais. Após algum tempo, ao receber terras através de sesmarias, o contador
enriqueceu-se, recebeu o título de Conde e doou o terreno para a construção da
primeira capela dedicada ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos. O novo povoado
cresce com a denominação de Cana Verde - nome sugerido pelo conde. Passa a vila,
em 1884, e a município em 1962. A cidade apresenta como atrativos naturais a
cachoeira da Usina e a pedra da Laje, com aproximadamente 500 metros, e vista
para os rios Grande, Jacaré e para algumas fazendas da região329.

Igreja do Bom Jesus de Matozinhos de Cana Verde – 1850-1874

A pequena capela que Manuel Fernandes Airão levantou terá sido rapidamente

substituída por um templo maior. Para isso apontam as informações enviadas pela

Prefeitura local330 que dizem

A fundação deste povoado se deu por volta de 1850, altura em que chegou
à região Dona Maria do Rosário da Conceição (matriarca da família Anastácio
Barbosa), com seus familiares e escravos. Por sua ordem, seus escravos
construíram uma capela na parte mais alta da região, onde havia um canavial verde,
o que deu origem ao nome do município. E no pequeno arraial as primeiras famílias
foram se entrelaçando. Com o aumento da população foi edificado no local da
capela um templo maior – uma Igreja Matriz.

329 Informações do site do projecto Cidades em www.cidades.mg.gov.br.


O estudo relativo a esta cidade e à Igreja do Bom Jesus de Matozinhos local foi muito difícil. Trata-se de um
município muito pequeno e de forte componente rural. As pesquisas feitas na Internet ao longo destes dois anos
forneceram pouquíssimos dados. A carta enviada ao Prefeito, pedindo o material de que precisava, demorou muito
a ser respondida e chegou-me através um professor, historiador local, Vicente Barbosa. Como município recente
verifica-se que o estudo histórico da localidade ainda é muito incipiente. Não sendo de muita qualidade nem
variedade, certamente que o material que me enviaram foi o melhor que tinham.
330 Texto composto a partir de vários excertos da autoria de Vicente Freire Barbosa.

292
229 - Igreja do Bom Jesus de Matosinhos de Cana Verde

Em 24 de
Dezembro de 1874 foi
criado o Arraial do Senhor
Bom Jesus da Canna Verde,
pela Real lei provincial
nº2087. Nesse mesmo dia
foi criada a paróquia do
mesmo nome, pela lei
provincial nº2086, ficando a
pertencer à diocese de
Mariana.
O primeiro baptizado
que se celebrou na nova
paróquia foi a 23 de Abril de 230 - Interior da igreja
1876, o de um filho de um

293
casal escravo. Desde a época da sua inauguração, em 1874, até à primeira década
deste século, havia em volta da igreja um muro de pedra, o Adro, dentro do qual
ficava o cemitério .

A imagem do Senhor Bom Jesus de

Matozinhos foi esculpida em estilo barroco

mineiro por Francisco Borgônio de Meneses.

Embora a imagem do Sagrado Coração

de Jesus oculte o pormenor, esta imagem

apresenta os pés pregados separadamente,

à semelhança da imagem portuguesa original

e da maioria das brasileiras ligadas à mesma

devoção.

231 - Senhor Bom Jesus de


Matozinhos de Cana Verde

O mesmo se passa

no que diz respeito ao

rosto do Cristo que

apresenta um olho

voltado para o céu e outro

para terra.

232 - Detalhe do Cristo

294
Segundo o professor Vicente Barbosa, há uma curiosa lenda acerca desta imagem:

O arraial do Senhor Bom Jesus da Cana Verde fazia divisa com o Arraial do
Senhor Bom Jesus dos Perdões (13 kms). Numa época de grande seca na região,
estas duas comunidades fizeram duas procissões durante a qual se procedeu à
troca das duas imagens (a de Cana Verde pela de Perdões) no meio do caminho.
Logo depois choveu.

Como em Congonhas, também em Cana Verde a festa do padroeiro se realiza no dia

14 de Setembro sendo comemorada com alvorada da banda de música, fogos, repiques de

sino, procissão, leilões e animadas barraquinhas.

Bom Jardim de Minas-Minas Gerais

O Município de Bom Jardim de

Minas 331
localiza-se na região Sul de

Minas Gerais a 350 kms de Belo

Horizonte.

Com uma área de 452 Km2, está a

situado a 1145 m de altitude. A vegetação

primitiva, a floresta tropical, foi em

grande parte, substituída por pastagens.

O clima é tropical de altitude.

De acordo com o censo de 1996, o município de Bom Jardim de Minas contava com

6.722 habitantes, 30% dos quais residindo na zona rural .

A história do município começa com a construção, pelo Capitão António Pereira

Lacerda, de uma capela em homenagem ao Bom Jesus, que recebeu provisão eclesiástica

331 Os dados para este município foram colhidos nas páginas de www.bomjardimdeminas.mg.gov.br,
wwwbomjardimdeminas.hpg.com.br e em textos e fotografias enviados pelo Snr. Antoninho Guido de Paula,
responsável pelo Acervo Cultural da cidade.

295
em 1 de Maio de 1755 . A exemplo do que normalmente ocorria no período colonial, o
332

núcleo habitacional do povoado desenvolveu-se ao seu redor.

No ano de 1770, o Sr. Manuel Arriaga d'Oliveira, sua mulher D. Maria Alcântara

Oliveira e 6 filhos, fundaram a colónia do Campo Vermelho, próximo a essa cidade.

Sofreram diversos ataques dos índios e, no último, foi massacrado seu filho Manuel pelo

que mudaram para as margens do córrego do Milho Branco, nome originado da cor do milho

colhido nas suas margens, diferente das restantes espécies. Em 1790, o português Manuel

Arriaga, juntamente com outros elementos separados, como ele, dos restantes

mineradores portugueses que exploravam as margens do Rio Grande, receberam no seu

arraial António Correa de Lacerda, com sua mulher D. Ana de Souza Guarda, de origem

espanhola e diversos filhos, nascidos no Brasil, que aí se instalaram e organizaram uma

fazenda, onde começaram a cultivar melhor a terra e incentivar a indústria pastoril.

Poucos anos depois a localidade tomava o nome de Fazenda Bom Jardim, originado pelo

bem organizado jardim da fazenda.

Em 1856, foram criados a paróquia e o distrito de Bom Jesus do Bom Jardim. O

nome foi simplificado, em 1923, para Bom Jardim. O município foi criado em 1938 e teve

seu nome novamente mudado para Bom Jardim de Minas, em 1943.

233 - Vista aérea de Bom Jardim de Minas

332 Esta data levanta muitos problemas que não consegui resolver por falta de informações mais correctas. Uns
textos falam de uma capela em 1720, outros em 1755 e outros em data muito mais tardia - 1856. Por isso situei
cronologicamente o capítulo dedicado a Bom Jardim de Minas na segunda metade do século XIX, por ser a época de
construção da Matriz que os textos referem.

296
Matriz do Bom Jesus de Matozinhos ou do Senhor dos Passos
( finais de XVIII (?) – 2ª metade de XIX )

Como referi em nota anterior, foi impossível obter a correcta datação deste

templo. Pelo que pude compreender, após a primeira capela terá sido levantada uma outra,

em 1857. O texto que se segue, transcrito tal como me foi enviado333, explica a sua

evolução:

Em 1856, da Fazenda Bom Jardim surgiu um grande arraial que foi


denominado “Arraial do Senhor Bom Jesus do Bom Jardim”. Esta freguesia, com
uma pequena capela filiada à paróquia de Turvo, ficou independente desta, em 2 de
Maio de 1857.
O patrimônio da Matriz foi doado por Antônio Corrêa de Lacerda e
sua esposa, em 12 de Fevereiro de 1892. Veio a falecer em 1903, depois de 11 anos
de doação. Esta capela do Senhor Bom Jesus, hoje Senhor Bom Jesus do
Matozinhos, foi construída no terreiro da Fazenda do Bom Jardim pelo mesmo
doador.

234 - Fotografia muito antiga da


segunda igreja do
Bom Jesus de Matozinhos

333 O texto foi enviado pelo já referido Snr. Antoninho Guido de Paula assim como a fotografia das igrejas e do
Crucificado.

297
O cemitério do arraial que era construído na parte baixa do arraial (Rua de
São Vicente) foi transferido (para) junto da capela, solenemente benta em 22 de
setembro de 1908. Já existia o adro protegendo a capela conforme documento
original da construção pelos escravos 334.
É até hoje o mesmo. Sofreu reformas, aumentos conforme as
necessidades. As pedras que cercam o mesmo foram de uma fazenda de um lugar
chamado São Lourenço perto de Santa Rita de Jacutinga, transportadas por
carros de bois.
A construção desta capela teve três fases: por ocasião da fundação da
Fazenda Bom Jardim, em 1857; em 1900, um novo aumento; em dezembro de 1915
terminou a torre que na época era um serviço arrojado. Dez anos depois nova
reforma trazendo conforto à comunidade católica.
Atualmente temos uma
paróquia organizada. À frente da mesma
um pároco simples mas de grande cultura .

Se bem que o texto nos fale

sempre desta Matriz existe uma outra

muito mais moderna, que veio substituir a

antiga por necessidade de mais espaço

para a prática litúrgica. Felizmente, e ao

contrário do que sucedeu em outras

cidades de Minas Gerais, a sua construção

não implicou a demolição da anterior.

Trata-se de um templo cuja primeira

pedra foi lançada em 7 de Julho de 1969,


235 - Segunda igreja do Senhor dos
tendo as obras de construção começada
Passos ou Bom Jesus de Matosinhos
duas semanas mais tarde, em 23 de Julho.

Foi sagrada e aberta ao público no dia 15 de Agosto de 1971.

334 Deste documento, datado de 20 de Março de 1888, que contém as despesas feitas com a obra do muro foi-me
enviada uma fotocópia cuja má resolução não me permitiu incluir neste trabalho.

298
236 - A actual igreja ainda em construção

Infelizmente não consegui obter fotografias da nova igreja depois de concluída. A

imagem mais aproximada que obtive encontra-se estampada num lenço votivo:

237 - Lenço votivo representando a actual


Matriz

299
238 - Lenço votivo utilizado pelos romeiros

No que diz respeito à imagem do Bom Jesus consegui, pela mesma fonte, uma

fotografia acompanhada por uma curiosa descrição. Assim Segundo José Marinho de

Araújo335

O nosso padroeiro Senhor Bom Jesus


de Matozinhos foi esculpido em 1781,
segundo um historiador e restaurador
oficial de São João . Ele foi feito em cedro
vermelho, coberto de pele de carneiro e
emassado com massa de primeira qualidade.
O artista que o esculpiu teve um erro
ao fazê-lo: o fez com quatro cravos. O
correto em todas as Imagens do Cristo
crucificado são três cravos: um na mão
direita, outro na esquerda e um nos pés,
sobreposto ao outro 336
. Seus olhos são
238 - Imagem do Bom Jesus de feitos de marcassita, um olhando para a
Matozinhos terra e outro para o céu.
de Bom Jardim de Minas

335 ARAÚJO, José Marinho, Monografia histórica. Corográfico do município de Bom Jardim de Minas, 1952.
336 O autor do texto revela certa ignorância sobre a tradicional forma de representação dos pés do Bom Jesus de
Matosinhos. O lenço votivo com o Cristo esttá errado pois tem os pés pregados juntos. Será que localmente pensam
que esta é a forma correcta da Imagem original e que a delas está errada?

300
A festa anual que o meu informador

garante ser muito concorrida, celebrou-

se durante muitos anos entre 13 e 15 de

Agosto. Actualmente por determinação

do Conselho Paroquial passou para o 2ª

domingo de Agosto (dia do Pai no Brasil).

Na altura da festa a cidade é muito

visitada e e ali afluem muitas caravanas

religiosas de vários estados.

240 – Imagem e altar

SABARÁ – Minas Gerais

O município de Sabará, com uma

área de 315 Km2, fica na região

central de Minas. Segundo o censo de

1992, tinha 74.470 habitantes na zona

urbana e 14.996 na zona rural 337.

A topografia é montanhosa

sendo a cidade cortada pelos rios

Sabará e das Velhas, além de

337 As informações para esta cidade foram colhidas do site do projecto Cidades, em www.asminasgerais.com.br e
em www.sabara.mg.gov.br, sítio da Prefeitura local. As informações e fotografias da capela foram-me enviadas
pela Secretaria de Esportes,Lazer, Cultura e Turismo local.

301
inúmeros regatos, nascentes e córregos. Situa-se à margem direita do Rio das Velhas, a

uma altitude de 723m e a 23km da capital do estado. É sede de uma das maiores empresas

siderúrgicas do país, a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, e tem ainda uma

desenvolvida indústria têxtil. A produção agrícola inclui arroz, banana, milho e abacaxi. A

pecuária é muito limitada.

241 - Vista aérea de Sabará

A formação do arraial de Sabará se deu muito provavelmente no último


quartel do século XVII. Sabará-buçu, como era sua designação genérica, era o
termo que se empregava para mencionar um lugar de limites incertos e a que se
ansiava por chegar. Seria o lugar um Eldorado, dito pelas narrativas dos
aventureiros, que aliavam fantasia e realidade, tornando fluidas as fronteiras entre
real e imaginário.

Desta forma, quando correu a notícia da existência do ouro nas areias do Rio
das Velhas as conseqüências foram formidáveis. Desencadeou-se para os sertões
das Gerais uma torrente imigratória que tem poucos paralelos na história da
humanidade, segundo a escritora Mafalda Zemella. As cidades vicentinas tornaram-
se fantasmas, de janelas e portas fechadas, ruas desertas. Seus habitantes foram
os primeiros a partirem para os sertões em busca de riquezas. Milhares de pessoas
abandonaram a região da cana-de-açúcar e dos engenhos, assim como as cidades
litorâneas viram-se ameaçadas de abandono pelos moradores que emigraram para as

302
Gerais. Visto como uma benção dos céus, a princípio, o povoamento da região
mineradora era incentivado pelo governo luso, que via na produção do ouro o
aumento de receita. Logo a imigração tornou-se um problema. Da outra margem do
Atlântico vieram milhares de portugueses quando se soube dos imensos tesouros
das serras mineiras (...) .

A ocupação das terras não se fez, porém, de modo pacífico, registrando a


história vários choques de interesses entre os grupos que disputavam a posse e
exploração das riquezas como a guerra dos Emboabas, um dos mais sérios conflitos
ocorridos na área, no ano de 1707. A disputa pelo controle do comércio e do poder
na região desencadeou luta aberta entre os paulistas e os baianos e portugueses,
estes obedecendo à liderança de Manuel Nunes Viana, aclamado governador das
Minas. Como os paulistas firmassem resistência em Sabará, veio, em consequência, o
arraial a ser atacado e incendiado. A pacificação do território só se efetivaria com
a vinda a Minas, em 1709, do governador Antônio de Albuquerque, com a missão de
dar organização administrativa e legal mais definida à Capitania com a criação das
primeiras vilas. Desta forma, em 1711, o arraial de Sabará foi elevado à categoria de
Vila de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.

A excelente situação geográfica da vila, localizada às margens do Rio das


Velhas e à entrada dos caminhos que alcançavam as fazendas de gado do sertão
nordestino, favoreceu a transformação de Sabará em importante empório comercial
da Capitania. Em 1714, era sede da comarca do Rio das Velhas, com vasta jurisdição,
e cuja influência administrativa e fiscal se estendia de início a quase um terço do
território mineiro, compreendendo dentro de seus limites dezenas de prósperos
arraiais.

A enorme produção aurífera no âmbito de toda a comarca trouxe consigo a


criação de uma “Casa de Intendência” ou de “Fundição”, no prédio do atual Museu do
Ouro, para verificação e cobrança do “quinto” (...), a parte que estava reservada ao
rei.

Da fase de opulência da mineração, são documentos e testemunho os


monumentos de arte da antiga Vila Real, suas igrejas e capelas barrocas e
construções nobres. A mineração aurífera alcança os primórdios do século XIX, o

303
que prolongou a hegemonia regional da cidade, figurando entre os municípios de
maior expressão demográfica e econômica, com destacada atuação também no
quadro político e cultural de toda a província. O viajante e naturalista francês
Saint-Hilaire, por ocasião de sua visita em 1818, relata que “...não é raro encontrar-
se em Sabará homens que receberam instrução e que sabem o latim. O povo da
cidade de Sabará é tão civilizado e amante da instrução, que custa a encontrar-se
um sabarense que não saiba ler, escrever, contar, música e ofício”. A comprovar
estas observações é de se notar a presença singular, numa vila do seu porte, do
teatro como atividade artística quase permanente. Desde os mais remotos anos da
exploração do ouro, grupos de comediante/ciganos, burlando as prescrições do
Santo Ofício, que contra eles pesavam, se apresentavam em Sabará. Até a entrega
ao público da Casa da Ópera, em 1819, as encenações teatrais ocorriam em tablados
armados em praça pública, geralmente o largo da igreja matriz.

A exaustão da mineração do ouro levou a população de Sabará a procurar, no


curso do século XIX, outras alternativas para sua subsistência econômica. A
condição de empório natural do comércio de tropas entre o centro da província e as
regiões do sertão e do norte-nordeste mineiro e a zona de Caeté e Santa Bárbara,
de que a antiga Vila Real já desfrutava desde o período colonial, por si só não
bastaria para absorver a força de trabalho remanescente da atividade mineradora.

A intensificação da lavoura nas áreas circunvizinhas, a criação de pequenas


indústrias rurais e urbanas, a indústria extrativa, mineral e o aprimoramento da
cidade como centro de serviços para a região, em torno, especialmente dos campos
da educação e da saúde, foram fatores que concorreram para a relativa
estabilização da economia local.

Ainda antes da inauguração da via férrea ligando Sabará a Ouro Preto e ao Rio
de Janeiro, ocorrida em 1891, um grupo de sabarenses progressistas fundariam uma
grande fábrica de tecidos na localidade de Marzagão.

Nessa mesma altura, reencetava-se, com participação estrangeira, a


exploração industrial do ouro nas minas de Pompéu, Descoberto, Cuiabá, e Capão. Ao
finalizar do século XIX, a construção da nova capital do Estado – Belo Horizonte,
em território desmembrado do município de Sabará, viria representar, porém, um

304
forte golpe para a vida da velha cidade, notadamente quanto à sua tradicional
função de centro cultural e de serviços. Em 1921, a instalação dos modernos alto-
fornos da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, abriria novos rumos para Sabará,
convertendo-a em importante centro industria 338.

Nesta cidade já viviam alguns irmãos da Confraria no século XVIII.

A capela do Bom Jesus – anterior a 1867

Em 1867, o viajante inglês Richard Burton, na sua visita a Sabará, escreveu a

propósito desta capela:

No cimo do morro, à direita, eleva-se um obejeto muito comum em Minas, o


cruzeiro alto e negro, em frente a pequena capela branca – alvo de peregrinações.
Este Morro da cruz está a 2.800 pés, ou mais exatamente 858 metros acima do
nível do mar 339.

242 - Capela do Bom Jesus e cruzeiro

Sobre a sua fundação, Zoroastro Viana Passos, diz que foi no século XIX

que se ergueu

338 PAULA, João António, O Prometeu no sertão: Economia e sociedade da Capitania das Minas dos Matos
Gerais, São Paulo: Tese de Doutorado em História, USP, 1988, texto em www.asminasgerais.com.br e BURTON,
Richard, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, Belo Horizonte, Itatiaia, 1976.
339 Informações da Prefeitura.

305
No Monte da Cruz (que se dizia o Monte Glorioso), e sob o patrocínio, entre
outros, de Teotônio Rodrigues Dourado, abastado comerciante português, e às
vistas da Irmandade do Rosário, a capelinha da Cruz.

243 -Vista lateral do conjunto

Trata-se de uma capela muito simples,

valorizada pela sua situação num sítio

elevado, de ampla e agradável perspectiva.

Tem planta planta rectângular, com duas

salinhas projectadas lateralmente à capela-

mor que servem de sacristia.

A estrutura da nave foi construída em

alvenaria de tijolos. O piso actualmente está

cimentado e o forro é de tabuado liso. Não

tem púlpitos. O coro apresenta uma

balaustrada rústica de madeira. De interior

bastante pobre, tem dois modestos nichos

nas paredes à maneira de altares.

244 - Nave e coro


A capela-mor, que parece mais antiga,

é uma construção de madeira e adobe. O piso é de tabuado largo e o forro do tecto em

madeira. O seu retábulo, em talha e pintura bem rústicas, tem no trono o Cristo

Crucificado.

306
245 - Nave e capela-mor

246 - Altar-mor

307
A cobertura do corpo principal é em duas águas e as paredes caiadas. A
fachada tem cunhais e empena em massa, beiradas de cimalha pobre, pintadas a
óleo e a cal. Vãos também enquadrados em massa, com vergas em arco batido. As
portas principais e as laterais possuem almofadas tústicas. As duas janelas da
frente estão rasgadas por inteiro, com balaústres de madeira na altura do coro e
pequeno óculo na empena. Não tem torres. Em seu lugar há uma pequena sineira
vazada numa das paredes laterais 340.

247 - Fachada

Nesta capela há registos de duas manifestações

religiosas anuais. Uma delas é a Via-Sacra das Dores que se

celebra às 4h de Sexta-feira Santa em que os fiéis,

transportam em procissão a imagem de Nossa Senhora das

Dores e durante a caminhada revivem os Passos da Paixão de

Cristo. Este tipo de cerimónias acontece um pouco por todo o

lado em Minas Gerais e é uma prática comum das igrejas da

devoção ao Bom Jesus de Matosinhos. Ao longo do caminho do

percurso das procissões existem curiosas capelinhas

248 - Passo

340 Ver n. 337.

308
denominadas Passos que são elementos importantes na arquitectura religiosa local.

A outra festa é a que se realiza em louvor da Santa Cruz, em Setembro, na mesma

época do grande jubileu de Congonhas.

JACU – Terra Nova / Baía

O Município de

Terra Nova integra a

região económica de

Paraguaçu. Seu território

fez parte do de S.

Francisco do Conde até

1727, quando foi criado o

de S. Amaro ao qual

passou a pertencer.

Emancipou-se em 20 de

Outubro de 1961. Com uma

área de 152Km², dele

fazem parte os distritos 249 - Sede de Terra Nova e distrito de Jacu

de Jacú e Rio Fundo. A cidade está a 72m acima do nível do mar. Segundo o censo de

1970, o município possuía 11.192 habitantes e a cidade de 5.510. Esta região mantém

as lavouras tradicionais de cana-de-açúcar e de mandioca.

250 - Prefeitura municipal de Terra Nova

309
Na época em que teve início em 1718, as suas terras obtiveram destaque
como Freguesia de São Pedro de Traripe e Rio Fundo, criada pelo alvará de 11 de
abril daquele ano.
Antigo arraial do mesmo nome, cujas terras pertenciam, em 1888 à
Freguesia da Vila do Rio Fundo, foi edificada nas Fazendas Pojuca e Terra Nova,
situada às margens esquerda e direita do Rio Pojuca. Nesta mesma época, o Barão
de Bom Jardim, homem influente na política, conseguiu com o presidente da
Província da Bahia, Manoel Vitorino Pereira e um grupo financeiro que os mesmos
se interessassem pela instalação de uma Usina de Açúcar na Zona do Recôncavo.
Depois de realizados os estudos necessários, iniciou-se em 1889 a
construção da Usina em terras doadas pelo próprio Barão e esta Usina concluída
em 12 anos, em 1902, no governo de Dr. Severino Vieira dos Santos 341 .
.

Capela do Senhor Bom Jesus de Bouças – posterior a 1890

O distrito de Jacu originou-se a partir de uma fazenda hoje conhecida como

Fazenda Camboatá. Parte da antiga fazenda ainda existe, mantendo algumas estruturas

originais, e nela foi fundada uma escola que recebeu o nome de Bom Jesus de Bouças. À

medida que foram construídas residências, com o estabelecimento de algum comércio e

com a emancipação de Terra Nova, Jacu tornou-se um dos distritos deste município.

Segundo informações de habitantes locais desconhece-se a data exacta da fundação

da capela. Sabe-se. Porém. que foi construída com uma mistura de mel, cinza e adobe.

Nesse período predominava a economia açucareira. Com a cana-de-açúcar era feito o

melaço, muito utilizado na alimentação e, também, na construção.

O seu fundador poderá ter sido um português que possuía uma fazenda naquela

localidade e nela resolveu fazer uma capela em honra do Bom Jesus de Bouças num local

em que a pudesse ver a partir de sua casa. Por isso, construiu-a a cerca de 2 Km num alto

341 Informações extraídas do sítio da Prefeitura Municipal de Terra Nova.

310
em frente da fazenda. Actualmente pertence à Prefeitura de Terra Nova e está sob a

jurisdição da Paróquia de S. Pedro daquela cidade 342.

O templo está
localizado sobre uma colina
tendo no seu sopé a vila de
Jacu que é constituída por
duas fileiras de casas
térreas que formam uma
única rua. Serve de
251 - Situação da igreja frente a Jacu
moldura ao povoado
extensos canaviais. No
fundo da igreja, existe um pequeno
cemitério. Edifício de relevante interesse
arquitetônico. Apresenta planta com três
naves recoberta por telhado de três águas.
A fachada principal dividida em três partes
por pilastras, apresenta porta de acesso
ladeada por duas janelas e quatro vãos ao
nível do coro. Suas torres não chegaram a
ser concluídas. Arremata a fachada principal
uma platibanda com pináculos.
Seu interior tem tratamento neo-
gótico com altares em estuque. Existe forro
252 - Fachada da igreja em gamela na nave central e em abóbada de
berço abatida na capela-mor. Nos demais
ambientes os forros são planos. Em muitos casos, só resta a estrutura dos
mesmos. As escadas do púlpito e do coro são de concreto. Já não existem
imagens343, mas conserva-se um sino com data de 1876, provavelmente, trazido
de outra igreja. A lápide mais antiga encontrada é a do Dr. Francisco Joaquim

342 Segundo informações amavelmente enviadas pela Secretária da Educação de Terra Nova, Maria do Carmo
Ribeiro e sua filha Cristina.
343 Este texto foi escrito em 1978 e depois dessa data verificaram-se algumas alterações e obras de recuperação.

311
Vieira (1899). Segundo os moradores locais a primitiva invocação da igreja era
N. Sra. da Conceição.
Igreja do período de transição do século XIX para o XX. Embora
inspirada no neo-gótico e revivendo o partido em três naves abandonado depois
da Contra Reforma, esta igreja deriva sua planta daquelas das matrizes e
igrejas de irmandade do início do século XVIII, com corredores laterais
superpostos por tribunas e sacristia
transversal. Neste, como em outros casos,
os corredores foram transformados em
naves laterais e as tribunas em trifórios.
Manteve-se, porém, o arco cruzeiro e a
sacristia transversal. Devido à falta de
domínio da técnica da ogiva e pequena altura
do edifício, preferiu-se adotar os
tradicionais arco plenos. A persistência de
elementos coloniais em edifícios religiosos
neo-gótico pode ser observada também na

253 - Galeria e nave lateral Igreja da Ordem Terceira da Santíssima


Trindade de Salvador. Nesse caso mais
compreensível, por se tratar de uma reconstrução de edifício do século XVIII.
Não existem dados sobre a construção da Igreja. Por sua tipologia e
pela data da sepultura
mais antiga (1899) trata-
se de capela do final do
século passado cujas obras
se estenderam até o início
do atual. Segundo a
tradição local, teria sido
edificada pelo Conselheiro
João Ferreira de Moura
.
344 254 - Outro aspecto da galeria

344 Texto compilado pela equipa PPH/CFT in Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia, Vol. II-
Monumentos e sítios do Recôncavo, I parte, Salvador, Junho de 1978, pub. em www.sct.ba.gov.br.

312
Uma pequena placa de mámore na fachada assinala, provavelmente, o fim das obras e

inauguração formal da igreja em 1925.

A festa anual deste padroeiro é celebrada em 6

de Janeiro. Segundo a já citada Secretária da

Educação de Terra Nova, D.Maria do Carmo Ribeiro

A estrutura original da Igreja está


preservada mas em situação de descaso, com mofo,
umidade, paredes sujas, mato ao redor, entre outros
aspectos. A imagem de Bom Jesus de Bouças é de
madeira. Para a proteger dos ataques do cupim está
recolhida na igreja da paróquia local, S. Pedro de
Jacu. Contudo é reposta no altar em ocasiões de
festa.
255 - Parte superior do
altar-mor

256 - Imagem do Bom Jesus de


Bouças

313
Itapecerica e Pedra do Indaiá - Minas Gerais

(um caso enigmático)

Na fase final das minhas investigações apareceu-me na Internet uma referência

ao Bom Jesus de Matosinhos como primeiro padroeiro de Itapecerica, cidade localizada na

região de Formiga, no Centro/Oeste de Minas Gerais. Segundo esse texto

257 - Vista actual de Itapecerica

No ano de l676, quando Lourenço Castanho Taques abria clareiras, em


luta com os índios cataguases, e, em 1739, o Guarda-Mor Feliciano Cardoso de
Camargos e o Capitão Estanislau Toledo e Pisa descobrem ouro, no Ribeirão do
Rosário e de Tamanduá, e que fazem as primeiras choças, denominando a
paragem de “Casa da Casca do Tamanduá”.

Sob a benção do Senhor Jesus de Matozinhos cresceu a povoação,


sendo, em 18 de junho de 1744, instalada a 1.ª Câmara, sob a jurisdição de São
João d‟ El-Rey.

Contudo, os sertões da picada de Goiás estavam infestados de animais


peçonhentos, motivos por que se trocou o nome do padroeiro, e o povoado foi

314
elevado à freguesia de São Bento do Tamanduá, em 15 de fevereiro de l757
345
.

Perante esta informação, iniciei mais uma paciente busca de contactos para obter

pistas que me confirmassem a veracidade do texto. Quando julgava vãos todos os meus

esforços, recebi duas respostas com informações preciosas. A primeira veio da mão do

Reverendo Bispo Auxiliar de S.Paulo, D. Gil Moreira, natural daquela cidade mineira. Diz o

seguinte:

Prezada Sra.Isabel,

Com muito prazer dou-lhe a informação pedida (...).

De fato, o primeiro orago de Itapecerica-MG, à epoca chamada Tamanduá,


foi Sr. Bom Jesus de Matosinhos. Somente mais tarde, julgo que pelos anos de
1735 ou 40, foi dado ao local, como Padroeiro, São Bento Abade, por causa do
aparecimento de muitos ofídios, animais peçonhentos que causavam a morte de
tantos vindouros. Certo é que aos 15 de fevereiro de 1757 foi criada a Paróquia
com o título de São Bento do Tamanduá, desmembrada da Paróquia de São José
del Rey (hoje cidade de Tiradentes).

Como fontes, podemos citar: História Sucinta da Fundação da


Matriz ...(1913), de autoria de Mons. Cerqueira, pároco e natural da cidade
(1850-1932), que, com base em livro de tombo paroquial, dá a notícia da fundação
do lugar, no sertão do Tamanduá, tendo como padroeiro o Sr. Bom Jesus de
Matosinhos. Já o historiador mineiro Waldemar de Almeida BARBOSA, in
Dicionário Hist.e Geog. de Minas Gerais, (1968, pág. 541), diz que a 18 de junho
de 1744 no "lugar denominado São Bento"...foi dada a posse do arraial à Vila de
São José del Rey .

Esta resposta veio confirmar a veracidade do Bom Jesus de Matosinhos ter sido o

primeiro patrono de Itapecerica. Segundo os cânones seguidos na época da ocupação de

345 Texto de uma página sobre Itapecerica inserida em orbitabita.starmedia.com/~case11/ita.htm .

315
Minas, é de supor que ali tivesse existido uma igreja ou capela em sua honra o que poderá

ter acontecido em finais do XVII, época a que remonta a fundação do primeiro arraial, ou

nos alvores do século XVIII.

Um dos amigos que ganhei ao longo deste trabalho, o José Cláudio Henriques de

S.João d‟El-Rei, interessou-se pelo assunto e conseguiu de pessoa conhecida, cuja família é

também original de Itapecerica, a informação que se segue e que menciona a existência, há

alguns anos atrás, de ruínas de uma igreja muito antiga e que seria a do Bom Jesus:

... posso assegurar-lhe que já houve uma igreja em Tamanduá dedicada ao


Senhor Bom Jesus, que era a matriz do povoado e se situava no alto de um morro
sobranceiro ao garimpo que originou a atual cidade, o qual se localizava onde hoje é
o bairro da Bagaginha ou Pé Vermelho, antes também chamado Beira-Linha, às
margens do Rio Vermelho. Esse morro fica ao lado da capoeira do Padre Herculano.
Levado por um amigo já falecido, Ataliba Boaventura, por alcunha Biba, profundo
conhecedor da tradição histórica de Itapecerica, subi esse morro, em minha
mocidade, e lá ele me mostrou as pedras que, segundo ele, seriam as do alicerce
daquela igreja. Muitos anos após é que foi construída a igreja de São Francisco e,
posteriormente, a de São Bento, atual matriz, quando a cidade já se firmara no
lugar atual346.

Esta informação relativa a Itapecerica vinha responder a um dos objectivos deste

trabalho que era o de identificar povoações cujo patrono tivesse sido ou fosse o Bom

Jesus de Matosinhos, mesmo que no local não existisse actualmente nenhuma igreja em

sua honra.

E tudo teria ficado por ali não fosse o acaso de me ter aparecido na Internet, por

mero acaso, uma página sobre uma povoação, muito próxima de Itapecerica, denominada

Pedra do Indaiá sobre a qual se conta uma história que me parece ligar os dois locais entre

si e ambos ao culto do Bom Jesus de Matosinhos:

346 O amigo do José Cláudio Henriques é o Snr. José Maurício Penna.

316
PEDRA DO INDAIÁ

A história do município está ligada à Guerra dos Emboabas, nos anos de


1708 e 1709. Segundo a tradição, os paulistas, para se vingarem dos mineiros que
os perseguiam, roubam uma imagem de Jesus Crucificado ao passarem por São
Bento do Tamanduá, atual
Itapecerica. Ao chegarem no
alto de um monte, viram-se
cercados e, sem condições de
fugirem com a imagem,
escondem-na junto a uma
pedra e partem. Muitos anos
depois, a região passou a
pertencer a dois coronéis da
família Silva. A imagem foi,
então, encontrada e ergueram 258 - Localização de Itapecerica e

uma capela na divisa das duas Pedra do Indaiá

fazendas para abrigá-la. A capela foi construída toda em pedra pelos escravos,
tendo os altares pintados a ouro. Logo correu a fama da "imagem milagrosa" e
muitas pessoas se fixaram no local. O povoado cresceu e recebeu seu primeiro
nome de Senhor Bom Jesus da Pedra do Indaiá. Em 1923, passou a se chamar
Pedra do Indaiá. Foi elevado a município em 1962, emancipando-se de Itapecerica
347
.

Este município está inserido na zona

centro-oeste de Minas, distando 160 kms de

Belo Horizonte. Situado a 837m de altitude

tem uma área de 349,64 kms2. Pelo censo

de 1996, sabe-se que tinha 3828

347 Descubrimasminas.setur

317
habitantes, dos quais 1690 na área urbana e 2138 na rural. A densidade populacional é de

10,23 hab/km2. A actividade económica dominante é a agro-pecuária.

Apesar dos esforços feitos, por carta e telefone, não consegui contactar a

Prefeitura nem o sacerdote responsável pelo Santuário do Bom Jesus de Pedra do Indaiá.

No entanto uma funcionária 348


da “Folha da Diocese”, boletim da diocese de Divinópolis a

cuja circunscrição pertence o santuário, conseguiu obter e enviar-me uma fotografia

daquele templo e informar-me que a festa anual se realiza, à semelhança de Congonhas,

entre 10 e 14 de Setembro, dias em que os devotos se reúnem para orar e agradecer ao

Jesus graças recebidas e em que são celebradas missas festivas e procissões.

259 - Igreja do Bom Jesus de Pedra do


Indaiá

Admitindo que a imagem do Senhor Bom Jesus encontrada em Pedra do Indaiá seja

a que foi roubada em Itapecerica, durante a guerra dos Emboabas, época em que o

padroeiro de Itapecerica ainda era o Bom Jesus de Matosinhos e não S. Bento, esta igreja

hipoteticamente fará parte do culto ao nosso padroeiro. Mas como não o posso afirmar

com toda a certeza refiro este caso apenas como um dos muitos exemplos em que se

348 Trata-se de D. Araceli Braga.

318
verificou a perda dos topónimos Bouças ou Matosinhos facto que me deixa dúvidas sobre

a verdadeira extensão do culto ao Senhor de Matoinhos no Brasil.

319
Conclusão

Como vimos ao longo deste trabalho, as primeiras notícias sobre o Bom Jesus de

Matosinhos terão chegado ao Brasil muito precocemente, talvez mesmo antes das grandes

fases de emigração do Reino para a colónia, levadas pela fé e temores dos marinheiros e

aventureiros. A partir da segunda metade do século XVII, o seu culto impôs-se, organizou-

-se e concretizou-se em variados templos cuja maioria permanece ainda hoje aberta à

veneração popular e cujo conjunto forma um património artístico de notável importância.

Normalmente são os factos históricos que constituem a estrutura da Memória dos

homens e instituições, permitindo que o passado não se dilua ao longo das gerações. No

caso sobre o qual me debrucei, o do culto ao Bom Jesus de Matosinhos, a sua permanência

tem como suporte a fé que une, num sentimento único, se bem que revestindo formas de

religiosidade bem diferenciadas, dois povos que, no aspecto devocional, o mar não separou.

320
APÊNDICE

321
Quadro sinóptico dos locais de culto ao Bom Jesus de Matosinhos no Brasil

Nome da localidade Região Identificação da Igreja Data da 1ª Caracterização Festa anual


fundação

S.Francisco do Conde (BA) Recôncavo baiano Capela do Engenho d‟Água Finais do séc. Particular. Fechada Não tem

XVII ao público

Salvador (BA) Cidade de S. Salvador Igreja do Bom Jesus de Bouças e S. 1725 Ordem 3ª de S. Não tem

Miguel Francisco. Fechada

ao público.

Conc. de Mato Dentro(MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1750 Aberta ao público 24 de Junho

Local de romaria

Congonhas(MG) Região central Basílica do Senhor Bom Jesus de 1757 Aberta ao público 9-14 de

Matozinhos Local de romaria Setembro

Honório Bicalho - Nova Lima Região central Santuário do Senhor Bom Jesus de 1760 Aberta ao público 11-14 de

(MG) Matozinhos Local de romaria Setembro

Bairro do Brás (SP) Cidade de S.Paulo Igreja do Senhor Bom Jesus do Brás 1765 ? Paroquial 6 de Agosto

Itabirito (MG) Região central Santuário do Senhor Bom Jesus 1765 Aberto ao público 14 de Setembro

Local de romaria

Lavras (MG) Região sul de Minas Só resta uma imagem no Museu Sacro 1768 ano da

da Igreja do Rosário provisão da

capela
Ouro Preto (MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1771 Aberta ao público 14 de Setembro

Rio Piracicaba (MG) Região central Santuário do Bom Jesus de 1771.VI.8 Aberto ao público 1-4 de Maio

Matozinhos Local de romaria

São João D‟el Rei (MG) Região central Igreja do Senhor Bom Jesus de 1771.IX.6 Paroquial 5-14 de

Matozinhos Local de romaria Setembro

Werneck- Paraíba do Sul (RJ) Paraíba do Sul Basílica do Bom Jesus de Matozinhos 1773 Aberto ao público Último domingo

Local de romaria de Agosto

Matozinhos (MG) Região central Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1774 Paroquial 14 de Setembro

Local de romaria

Guaicuí –Várzea da Palma (MG) Região norte de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1779 ? Em ruínas

S.António de Pirapetinga - Região da Mata Igreja do Senhor Bom Jesus de 1780 Aberta ao público 2 de Agosto

Piranga (MG) Matozinhos Local de romaria

Serro (MG) Região central Igreja do Senhor Bom Jesus de 1781/97 Aberta ao público 18/19 de Maio

Matozinhos Local de romaria (Com o Divino)

Mogi das Cruzes (SP) Cone leste paulista Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, 1781 Aberta ao público

actualmente denominada Igreja de

S. Benedito

Pouso Alegre (MG) Região sul de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1797/99 Catedral e 4 de Agosto

paroquial

Local de romaria

Catas Altas (MG) Região central Capela do Bom Jesus de Matozinhos Séc.XVIII Local de reuniões e

323
ou Senhor do Bonfim velórios

Couto de Magalhães de Minas Região central Capela do Senhor Bom Jesus de Anterior a Aberta ao público 14 de Setembro

(MG) Matozinhos 1807 Local de romaria ( a N.S. do

Rosário)

Jesuânia (MG) Região sul de Minas Gerais Igreja do Bom Jesus de Matozinhos Anterior a Paroquial 6 de Agosto

1816 Local de romaria

Cana Verde(MG) Região centro-oeste de Minas Igreja do Bom Jesus de Matozinhos 1850/74 Paroquial 14 de Setembro

Gerais Local de romaria

Bom Jardim de Minas (MG) Região sul de Minas Gerais Matriz do Bom Jesus de Matozinhos 1857 Paroquial 2º domingo de

Local de romaria Agosto

Sabará (MG) Região central Capela do Bom Jesus Anterior a Aberta ao público 14 de Setembro

1867 Local de romaria

Jacu - Terra Nova (BA) Região Nordeste da Baía Igreja do Bom Jesus de Bouças 1899 ? Fechada ao público 6 de Janeiro

324
Número de locais de culto

No Brasil em Minas Gerais349

1
3 1

19 11

2
1 1
4
1

349 Mapa do IEPHA/MG em www.iepha.mg.gov.br

325
Igrejas localizadas nos percursos turísticos dos Caminhos do ouro

Locais com igrejas do

Bom Jesus de Matosinhos


FONTES E BIBLIOGRAFIA

SIGLAS

AHU, CU-B/MG – Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarinho-Brasil/Minas Gerais

AMP- Arquivo Municipal do Porto

ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ASCMM – Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos

LC – Livro de contas

LEI – Livro de entradas de irmãos

LIF - Livro de irmãos falecidos

IEPHA/MG – Instituto Estadual do Património Histórico e Artístico de Minas Gerais

IPHAN - Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional

FONTES MANUSCRITAS

ASCMM, Estatutos da Confraria do Sancto Crucefixo de Bouças

ASCMM, Livro de contas nº1

ASCMM, Livros de Entradas de irmãos nº1, nº2 e nº3

ASCMM, Livro de Irmãos Falecidos

AHU, CU-B/MG, cx. 4, doc.87


AHU, CU-B/MG, cx. 9, docs. 21 e 42
AHU, CU-B/MG, cx. 30, doc.20
AHU, CU-B/MG, cx. 37, doc.115
AHU, CU-B/MG, cx. 38, doc.33
AHU, CU-B/MG, cx. 44, doc.80
AHU, CU-B/MG, cx. 52, doc.17
AHU, CU-B/MG, cx. 62, doc.47
AHU, CU-B/MG, cx. 62, doc.36
AHU, CU-B/MG, cx. 69, doc.83
AHU, CU-B/MG, cx. 132, doc. 25
AHU, CU-B/MG, cx. 150, doc.82.
AHU, CU-B/MG, cx, 174, doc.21
AHU, CU-B/MG, cx. 180, doc.3
AHU, códice nº1263 - Compromisso da Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, erecta na
capela do mesmo nome, situada na Varzea do Carmo, suburbio de S. Paulo – S. Paulo 1800, Maio,13.
FONTES IMPRESSAS

AMP, Livro I de Vereações, fól. 154v.

ANTT, Livro Preto da Sé de Coimbra, P.M.H., Dipl. Et Chart., nº54.

ANTONIL, André João, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas, 1711, S. Paulo,

Melhoramentos,1977

COSTA, Padre António Carvalho da, Corografia potugueza e descripçam topografica do famoso
Reyno de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem,
varões illustres, genealogias das famílias nobres, fundações dos conventos, catálogos dos
bispos, maravilhas da natureza, edifícios & outras curiosas observaçoens , Braga, 2ª edição,
1868

PINTO, António Cerqueira, História da Prodigiosa Imagem de Christo Crucificado que com o

título de Bom Jesus de Bouças se venera no lugar de Matozinhos , na Luzitania, em que se


referem notaveis antiguidades deste Reyno, dedicada ao mesmo Senhor e offerecida a elrey
de Portugal D. João V por António Cerqueira Pinto, cidadão da cidade do Porto, academico
supranumerario da Academia real da Historia Portugueza, Lisboa Ocidental, na officina de
Antonio Isidoro da Fonseca, impressor do Duque Estribeiro-mor, MDCCXXXVII

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ZEMELLA, Mafalda P., O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século XVIII, S. Paulo,

Hucitec/Edusp, 1990

PROVENIÊNCIA DAS ILUSTRAÇÕES E FOTOGRAFIAS

S.nº - “Senhor do Padrão” – César Abott (CMM-CA)

1 – Gabinete de Arqueologia da CMM

2 - Estatutos da Confraria – Joel Cleto

3 - Igreja de S. Domingos da Paróquia de Nossa Senhora de Monserrate, em Viana do Castelo

4 – Museu da Santa Casa Misericórdia de Matosinhos, ex-voto nº48

5 - Museu da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos, ex-voto nº4

6 - http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/costa_pau_brasil.html

7 – Oratório de Santa Cruz, localizado na Rua Barão de Ouro Branco, em Ouro Preto. Importado de

www.iphan.com.br
8 – ASCMM,LEI, nº1, 17

9 - Museu da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos, ex-voto nº9

10 - ASCMM,LEI, nº2 e LEI nº3, 6v

11 – Imagem digitalisada da obra Views and customes of the city and neighbourdhood of Rio de

Janeiro, Brazil, from drawings taken by Lieutenant Chamberlain, Royal artillery, during the
years 1819 and 1820, with descriptive explanations, Londres, 1822.
12 - Museu do Oratório de Ouro Preto - www.oratorio.com.br

13 - //sites.uol.com.br/marina.ribeiro/caminouro/caminho4.htm#top

14 e 16 - www.estradreal.com.br

15 e 17 - Le Voyage pittoresque dans le Brésil par Maurice Rugendas. Imagens importadas de

www.nonaarte.com.br/Rugendas/rugend.htm
18,19 - www.asminasgerais.com.br

20, 21 – www.sg.com.br/sao_joao/index.html

22, 23 - www.asminasgerais.com.br

24 - ASCMM,1ºLC (1717 a 1757), fól 17v

331
25 a 27 – Museu do Oratório de Ouro Preto - www.oratorio.com.br

28 – Arquivo fotográfico da Câmara Municipal de Matosinhos

29 – Fotografia de Isabel Lago

30 – Postal da FUMCULT representando ex-voto pertencente ao Banco do Brasil e exposto na sala

dos Milagres do Santuário de Congonhas.

SALVADOR-Baía:

31,32 – Mapas inseridos em www.sct.ba.gov.br

33 – www.bahiatursa.ba.gov.br

34 a 37 - Inventário de protecção do acervo cultural da Bahia, vol.II, 1ºparte, em www.sct.ba.gov.br

38 - Gravura de Salvador em www.raremaps.de/imagessouthamerica/brsalvadorabrissbaya.gif

39 - Planta do Guia do Brasil, 2000, S. Paulo, Ed Abril.

40, 41, 43 e 44 - Fotografias obtidas por Ricardo Bravo, aluno da E.B. 2,3 de Leça da Palmeira,

durante umas férias na Baía.

42 - Fotografia de meu genro Nuno.

CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO – Minas Gerais

45 a 49 e 51 – www.asminasgerais.com.br

50 - www.iphan.gov.br

CONGONHAS - Minas Gerais

52 a 54 - //cidadeshistoricas.terra.com.br/congonhas /

55 – Desdobrável enviado pela FUMCULT

56 a 58 - www.asminasgerais.com.br

59 - Postal enviado pela FUMCULT

60 a 62 - Jim Steinhart em www.planetware.ca/photos/BRA/

63 – Correios do Brasil, Série América, data de emissão 9 de Novembro de 2001. Selo trazido pelo

meu genro Nuno Ortigão de uma das suas viagens ao Brasil.

64 a 68 - //members.tripod.com/~congonhas

69 – Texto enviado pela FUMCULT

HONÓRIO BICALHO (NOVA LIMA) - Minas Gerais


70, 71 e 73 – www.nette.com.br/galerias/novalima1.htm

72 - Fotografia da igreja enviada pelo Dr. Roberto Rabello da Secretaria da Educação e Turismo de

Nova Lima

BAIRRO DO BRÁS – São Paulo


74 e 80 - www.guiasp.com.br

75 - www.memorialdoimigrante.sp.gov.br

76 - www.arquivo.ael.ifch.unicamp.br/gale-historia.htm

77 - Aguarela de J. Washt Rodrigues em www.prodam.sp.gov.br

78 e 83 - Desdobrável da paróquia do Bom Jesus do Brás

332
79 e 81,82 - Fotografias enviadas pelo actual pároco do Bom Jesus do Brás, Rev. P. Enivaldo Alves

ITABIRITO – Minas Gerais

84 a 86– www.asminasgerais.com.br

87 a 95 - Fotografias do Pároco da Matriz da Boa Viagem de Itabirito, Rev. Pe. Miguel Ângelio

Fiorillo

LAVRAS- Minas Gerais

96 e 98 – Sítio de Lavras online www.lavras.com.br

97 - Fotografia enviada pela Dra. Márcia Bento Rosa da Silva, bibliotecária da UFLA

OURO PRETO – Minas Gerais

99 - Foto de José Lima para o Cdrom As Minas Gerais

100 a 102 – www.asminasgerais.com.br

103 a 105 - Fotografias enviadas por Vicente Anastásio da Secretaria de Turismo de Ouro Preto

106 - Pormenor de um postal de Ouro Preto

107 – www.asminasgerais.com.br

108 - www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/chilenas.html

RIO PIRACICABA – Minas Gerais

109 a 112 – www.asminasgerais.com.br

113 - Postal enviado pela Prefeitura de Rio Piracicaba

SÃO JOÃO D’EL-REI – Minas Gerais

114 - Fotografia de João Paulo em www.jpnotícias.com.br

115,117 a 122, 124, 128 a 130 - Fotografias enviadas pelo seu autor, José António Ávila Sacramento

116 – Postal da rua mais antiga

123 - Foto inserida num cartaz do Jubileu

125 – Estampa de N. S. da Lapa enviada por José António Ávila Sacramento

126, 127 - Folheto do Jubileu

133 – Fotografia de Paulo Henrique em www.guiadasvertentes.com.br

133, 134 - Fotografias de Jim Steinhart em www.planetware.ca/photos/BRA/

WERNECK (PARAÍBA DO SUL) – Rio de Janeiro

135 - //morrirderir.com/MapaRio.gif

136 e 140, 141 – Sítio da Prefeitura da Paraíba do Sul – www.paraibanet.com.br

137 - Fotografia enviada por Ricardo Wendling

138, 139 - Fotografias obtidas por digitalização de fotocópias que me enviou a Prefeitura da Paraíba

do Sul. Isso explica a sua má qualidade.

MATOZINHOS – Minas Gerais

142 e 146, 147 – www.asminasgerais.com.br

143 a 145 ,148 a 152 - www.geocities.com/The Tropics/Cabana/9427/index.htm

GUAICUÍ (VÁRZEA DA PALMA) – Minas Gerais

333
153 - www.manuelzão.ufmg.br/jornal/jornal.uted-15/transport1.htm

154 - //uk8.multimap.com

155 - www.iepha.mg.gov.br

156 – Marcello Larcher em www.brasiloeste.com.br/galeriariosaofrancisco/foto26/html

157 - redeglobo.globo.com/programas

158 – Bruno Radicci em www.brasiloeste.com.br/galeriariosaofrancisco/foto24/html

S. ANTÓNIO DE PIRAPETINGA (PIRANGA) - Minas Gerais

159 a 176 – www.asminasgerais.com.br

SERRO – Minas Gerais

177, 178 e 180 a 187 – www.asminasgerais.com.br

179 - www.serronet.com.br

MOGI DAS CRUZES - São Paulo

188 e 191 - www.guianet.com.br/sp/mapasp.htm

189 - www.mogidascruzes.sp.gov.br

190 - Aguarela de Jean Baptiste Debret em Voyage Pitoresque et historique au Brésil, Paris

Firmin Didot Fréres, 1834, importada de www.bibvirtual.futuro.usp

192 a 194 - www.netmogi.com.br/fotosmogi/index3.htm

195,196 – Fotografias enviadas pela Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes

POUSO ALEGRE - Minas Gerais

197 a 199 - www.tvuai.com.br

200 a 207 - Sítio da Paróquia do Bom Jesus do Pouso Alegre em www.overnet.com.br

CATAS ALTAS – Minas Gerais

208 a 214 - Sítio da Prefeitura de Catas Altas em www.catasaltas.mg.gov.br

215 – Fotografia enviada pela Prefeitura Municipal de Catas Altas

COUTO DE MAGALHÃES DE MINAS – Minas Gerais

216, 217 e 219 a 222 - www.asminasgerais.com.br. Todas as fotografias são nocturnas.

218 - Fotografia do sítio do www.diamantinanet.com.br

JESUÂNIA – Minas Gerais

223, 225 e 227 - www.jesuaniatur.hpg.ig.com.br

224, 226 - Reverendo Bispo de Campanha

CANA VERDE - Minas Gerais

228 e 229 – Página de Edmilson Silva em www.ed1000sonnet.hpg.ig.com.br

230 a 232 - Fotografias enviadas pelo professor Vicente Barbosa por intermédio da Prefeitura de

Cana Verde

BOM JARDIM DE MINAS – Minas Gerais

233 – Sítio da Prefeitura de Bom Jardim de Minas

234 a 236,239 e 240 - Fotografias de Antoninho Guido de Paula

334
237 e 238 - Lenços votivos enviados por Antoninho Guido de Paula

SABARÁ - Minas Gerais

241 - www.sabara.mg.gov.br,

242 a 247 - Fotografias enviadas pela Prefeitura de Sabará

248 - www.asminasgerais.com.br

JACU – Baía

249 - www.multimap.com

250 – Sítio da Prefeitura de Terra Nova //freire.com.br/pmterranova/

251 a 256 – Fotografias da autoria da Secretária da Educação de Terra Nova, D. M. do Carmo

Ribeiro e sua filha Cristina Mota

ITAPECERICA/PEDRA DO INDAIÁ - Minas Gerais

257 – Página de Itapecerica em //orbita.starmedia.com/~case11/ita.htm

258 - www.multimap.com

259 – Fotografia enviada por Araceli Braga, responsável pela Folha da Diocese de Divinópolis

Mapas - Todos os mapas deste trabalho respeitantes à localização dos variados municípios de Minas Gerais
relativamente a Belo Horizonte são importados dos sítios do Projecto Cidades e do IBGE.

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