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comunicacao-e-relacao-com-o-outro

Publicado em NOVA ESCOLA 24 de Julho | 2019

Inclusão

Autismo: como desenvolver a


comunicação e relação com o
outro
Comunicar-se não tem só a ver com a habilidade de falar e um bom trabalho
envolve mais do que fonoaudiologia
Beatriz Vichessi

Crédito: Getty Images

Quando tratamos de comunicação no universo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), um dos


pilares alterados geralmente diagnosticados em muitas pessoas autistas é o do comportamento verbal,
que diz respeito a se comunicar com o outro, não necessariamente por meio da fala. Levando em
conta que justamente a relação com o outro é um dos pontos de atenção no desenvolvimento de
pessoas com autismo, é preciso investir nessa questão desde a infância. Existem terapias para
trabalhar o comportamento verbal. A fonoaudiologia é a área, por excelência, para lidar com isso, mas
não a única: o trabalho em parceria com uma equipe multidisciplinar é sempre importante.

LEIA MAIS Autismo: como funciona e quais os benefícios da terapia ocupacional

Para saber mais sobre o tema, confira as respostas dadas por Andréa Fonseca, psicóloga, doutora e
mestra em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretora
da clínica Link Soluções Comportamentais, em Belém; Thais Priore Romano, analista do
comportamento e supervisora da equipe transdisciplinar do Grupo Gradual, na capital paulista; e Jullie
Gottschall, fonoaudióloga, responsável pela área da fonoaudiologia na equipe transdisciplinar do
Grupo Gradual.
LEIA MAIS Autismo: conheça o PRT e Denver, duas abordagens para trabalhar com crianças com
autismo

1. O que é comportamento verbal?

Trata-se de um comportamento descrito pelo psicólogo comportamental norte-americano Burrhus


Frederic Skinner (B.F. Skinner) e diz respeito, de maneira geral, à comunicação com o outro e suas
funções, necessariamente. Confira os principais operantes verbais descritos e note que todos são
mediados pelo outro:

Tato (comportamento de nomear): por meio do tato, as pessoas descrevem os aspectos do


ambiente, nomeiam pessoas, objetos, características e eventos. Por exemplo: criança vê água e
nomeia para o ouvinte “água”.
Mando (comportamento de pedir): descreve pedidos, ordens, solicitações. Por exemplo: a criança
está com sede, fala “água” e recebe a água do ouvinte.
Ecoico (comportamento de repetir): da habilidade de repetir verbalmente produções vocais. Esse
é o primeiro operante verbal adquirido pelas crianças. Por exemplo: o parceiro de comunicação
fala “água” e a criança repete “água”.
Intraverbal (comportamento de responder ao ouvinte): relacionado à habilidade de responder,
completar, participar de diálogos. Por exemplo: o parceiro de comunicação fala “o que você tem
no copo?”, e a criança responde “água”.

2. O que os estudiosos observam no comportamento verbal de pessoas autistas?

Uma das características do TEA está relacionada aos déficits persistentes na comunicação social e
interação social que aparecem desde a primeira infância. A dificuldade de comunicação ou a ausência
da habilidade de se comunicar pode aumentar e agravar os chamados comportamentos disruptivos.
Além disso, dada a abrangência da dificuldade na comunicação, há casos em que as crianças autistas
falam, mas isso não quer dizer que se comunicam. É possível ainda que os problemas de comunicação
se manifestem por meio de falas repetitivas ou sem sentido ou ainda de discursos empregados de
forma equivocada ainda que bem elaborados, conhecidos como ecolalias.

Por conta disso tudo, embora o comportamento verbal seja aprendido naturalmente no dia a dia por
crianças neurotípicas, para crianças autistas ele precisa ser ensinado, muitas vezes, de forma
sistematizada, inclusive para as não vocais (ou seja, para que as que não falam).

3. Qual o papel do trabalho do fonoaudiólogo no desenvolvimento do


comportamento verbal?

O fonoaudiólogo tem um papel fundamental na avaliação e na intervenção do comportamento verbal.


É esse profissional que auxilia no diagnóstico diferencial, dando apoio à equipe multidisciplinar para
entender os atrasos na linguagem e na fala, pois é muito comum problemas envolvendo questões
motoras na fala. O principal foco terapêutico com as crianças com TEA é despertar o interesse pela
comunicação, a iniciativa de comunicação, os aspectos suprasegmentais de linguagem (como
reconhecer expressões faciais) e a fala (se alterada).

Vale ressaltar que, quando há questões de fala, apenas o fonoaudiólogo pode intervir aplicando
técnicas específicas para o desenvolvimento de fala. Uma queixa muito comum tem a ver com crianças
que, para pedir que uma porta seja aberta, pegam a mão de um adulto e o leva até a porta, em vez de
pedirem a ele que abra a porta. É o chamado mando mecânico. Conforme já explicado, o mando é um
operante verbal que exige a mediação do outro e o fonoaudiólogo trabalha para estimular essa
comunicação de forma mais assertiva.

4. O que é possível fazer para contribuir com o desenvolvimento de crianças autistas


que não falam?

Alguns estudos revelam que cerca de 25% de crianças autistas são não-vocais, não falam. Para
trabalhar com elas, pode ser usada, dentre outras possibilidades, a chamada comunicação alternativa.
Um exemplo é o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (do inglês, Pictures Exchange
Communication System®, PECS®).

5. Em que consiste o PECS®?


É um sistema de comunicação alternativa e aumentativa desenvolvido nos Estados Unidos em 1985
por Andy Bondy e Lori Frost, que foi implementado pela primeira vez com crianças autistas de pré-
escola no Programa de Autismo de Delaware. Seu principal objetivo é ensinar comunicação funcional.
Há evidências que algumas crianças que usam o PECS® também desenvolvem a fala. Basicamente,
com esse sistema, a criança aprende a se comunicar com outras pessoas usando placas com figuras
que indicam o que ela quer. Essas placas ficam em uma pasta que ela leva para onde for. Em
ambientes como a escola e a casa onde mora, ficam expostas nos diversos cômodos, para que ela as
aponte com facilidade e comunique suas vontades e necessidades. As pessoas à volta dela usam as
placas para se comunicar com ela também, se necessário.

O ensino do PECS® tem como base o livro Comportamento Verbal, de B.F. Skinner, e os procedimentos
da Análise de Comportamento Aplicada (ABA). O PECS® é composto por seis fases, quando são
ensinados todos os operantes verbais de forma gradativa. No início, o indivíduo é ensinado a dar uma
única figura de um item ou ação desejada para o chamado “parceiro de comunicação”, que
imediatamente responda a ele, fazendo a troca da figura pelo que lhe foi pedido. Mais adiante, é
ensinada a discriminação de figuras e como juntá-las em frases. Nas fases mais avançadas, aprende a
responder perguntas e fazer comentários.

6. O uso do sistema PEC® causa dependência?

Não, se orientado por profissionais capacitados e com formação específica, que sabem identificar
quando a criança já tem condições de não fazer mais uso do sistema. Sabem também a importância
de trabalhar as questões de fala em paralelo ao sistema para ter um resultado eficaz na comunicação.
Ainda assim, é preciso destacar que nos casos de crianças em que a fala emerge, elas passam a se
comunicar de forma funcional e deixam de usar o PECS®; no entanto, crianças não-vocais vão precisar
do PECS® ou de outra forma de comunicação para o resto da vida.

7. Autistas que não falam têm condições de serem alfabetizados?

Sim. A alfabetização é a habilidade de decodificar e compreender um código - e para esse processo não
é necessário a fala. As crianças não-vocais podem conseguir decodificar e compreender o código
escrito.

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