Pio XII Famílias Numerosas

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Alocução de Pio XII sobre as famílias numerosas

ago 15, 2014


No dia 20 de janeiro de 1958, o Papa dirigiu a palavra a um grupo de dirigentes e
membros da Federação Nacional (italiana) das Associações de Famílias Numerosas.
 
1. Entre as visitas mais agradáveis ao Nosso coração, destacamos a vossa, caros filhos e
filhas, dirigentes e representantes das Associações de Famílias Numerosas de Roma e
da Itália. Conheceis, com efeito, a viva solicitude que dedicamos à família. Não
perdemos nenhuma ocasião de assinalar-lhe a dignidade em seus múltiplos aspectos, de
afirmar e defender-lhe os direitos, de inculcar-lhe os deveres, numa palavra, de fazer
dela um ponto fundamental de nosso ensinamento pastoral.
2. Em razão dessa solicitude para com a família, consentimos com todo o prazer,
quando as ocupações de Nosso cargo a isso não se opõem, em receber, mesmo que seja
por breves momentos, os grupos de famílias que vêm até a Nossa residência e mesmo
em deixar- Nos fotografar em sua companhia, para perpetuar, de algum modo, a
lembrança da Nossa e sua alegria.
3. O Papa no meio de uma família! Não é este um lugar que bem lhe convém? Não é ele
próprio, com um significado altamente espiritual, o Pai da família humana regenerada
no Cristo e na Igreja? E não é por intermédio do Vigário de Cristo na terra que se realiza
o admirável desígnio da Sabedoria criadora, que ordenou toda paternidade humana no
sentido de preparar a família eleita dos céus, onde o amor de Deus, Uno e Trino, a
envolverá num só e eterno abraço, dando-se a Si mesmo como herança de beatitude?
4. Entretanto não representais apenas a família, mas sois e representais as famílias
numerosas, isto é, as que são mais abençoadas por Deus, queridas e estimadas pela
Igreja como os tesouros mais preciosos. Destas recebe, com efeito, com mais evidência,
um tríplice testemunho, pois ao mesmo tempo em que confirmam aos olhos do mundo a
verdade de sua doutrina e a retidão de sua prática, tornam-se, em virtude do exemplo, de
grande auxílio para todas as outras famílias e para a própria sociedade civil. Com efeito,
quando são encontradas com freqüência, as famílias numerosas atestam a saúde física e
moral do povo cristão, a fé viva em Deus e a confiança em sua Providência, a santidade
fecunda e feliz do casamento católico.
5. Sobre cada um desses testemunhos queremos dizer-vos algumas breves palavras.
 
Famílias numerosas, garantia da saúde e moral de um povo
6. Entre as aberrações mais prejudiciais da moderna sociedade pagã, deve-se destacar a
opinião de alguns que ousam definir a fecundidade dos casamentos como uma “doença
social” que os países por ela atingidos deveriam esforçar-se para banir de todos os
modos. Daí a propaganda daquilo que se designa como “controle racional dos
nascimentos”, sustentado por pessoas e entidades às vezes ilustres por outros títulos,
mas infelizmente condenáveis por este. Mas, se é doloroso notar a difusão de tais
doutrinas e práticas, mesmo das classes tradicionalmente sãs, é no entanto reconfortante
assinalar em vossa pátria os sintomas e os fatos de uma salutar reação, tanto no terreno
jurídico como médico.
7. Como se sabe, a Constituição em vigor na República Italiana, para citar apenas uma
fonte, concede, no artigo 31, uma “particular proteção às famílias numerosas, enquanto
a doutrina mais em voga entre os médicos italianos toma cada dia mais força contra as
práticas que limitam os nascimentos. No entanto, não se deve julgar que o perigo cessou
e foram destruídos os preconceitos que tendem a sujeitar o casamento e suas sábias
normas a culpáveis egoísmos individuais e sociais. Deve-se especialmente lamentar que
a imprensa volte, de tempos em tempos, ao problema, com a manifesta intenção de
confundir as idéias do povo simples e induzi-lo em erro com documentações falsas, com
inquéritos discutíveis e mesmo com declarações deturpadas de tal ou qual eclesiástico.
8. Da parte católica, é preciso insistir para se propagar a convicção, fundamentada na
verdade, de que a saúde física e moral da família e da sociedade não se resguarda senão
na obediência generosa às leis da natureza, isto é, do Criador, e antes de mais nada no
respeito sagrado e interior nutrido por elas. Tudo nesse assunto depende da intenção.
Poder-se-iam multiplicar as leis e agravar os sofrimentos, demonstrar por provas
irrefutáveis a inanidade das teorias da limitação e os males que decorrem de sua
aplicação; mas se faltar a sincera resolução de deixar o Criador realizar livremente a sua
obra, o egoísmo humano saberá sempre encontrar novos sofismas e expedientes para
fazer calar, se possível, a consciência e perpetuar os abusos.
9. Ora, o valor do testemunho dos pais de famílias numerosas não consiste apenas em
rejeitar sem meios- termos e com força dos fatos qualquer compromisso intencional
entre a lei de Deus e o egoísmo do homem, mas na prontidão em aceitar com alegria e
gratidão os inestimáveis dons de Deus que são os filhos, e no número que Lhe apraz.
Esta disposição de espírito, ao mesmo tempo em que liberta os esposos de intoleráveis
pesadelos e remorsos, traz consigo, conforme médicos autorizados, as premissas
psíquicas mais favoráveis para o são desenvolvimento dos frutos próprios ao casamento,
evitando na origem dessas vidas novas os tormentos e angústias que se transformam em
taras físicas e psíquicas, tanto na mãe como na prole.
10. Na verdade, exceto casos excepcionais sobre os quais tivemos ocasião de falar de
outras vezes, a lei da natureza é essencialmente harmonia e portanto não produz
desajustes e contradições senão na medida em que seu curso é perturbado por
circunstâncias quase sempre anormais ou pela oposição da vontade humana. Não existe
eugenia que saiba fazer melhor do que a natureza e só será salutar na medida em que
respeitar as leis desta, após tê-las profundamente conhecido, tanto que em certos casos
de pessoas deficientes, é aconselhável dissuadi-las de contrair matrimônio (Cf. Enc.
“Casti Connubii”, 31-12-1930 — A. A. S. a. 22, 1930, p. 565). Aliás, sempre e em toda
parte, o bom-senso popular viu nas famílias numerosas o sinal, a prova e a fonte da
saúde física, enquanto a história não se engana quando aponta o desvio das leis do
casamento e da procriação como uma primeira causa da decadência dos povos.
11. As famílias numerosas, longe de serem “doença social”, são a garantia da saúde
física e moral de um povo. Nos lares em que sempre há um berço de onde se ouvem
vagidos, as virtudes florescem espontaneamente, enquanto o vício se afasta como que
expulso pela infância, que aí se renova qual brisa fresca e vivificante da primavera.
12. Que os pusilânimes e egoístas sigam pois o vosso exemplo; que a pátria vos seja
grata e tenha predileção por vós, por tantos sacrifícios que assumis criando e educando
seus cidadãos; do mesmo modo a Igreja vos deve gratidão, pois, graças a vós e
convosco, pode apresentar à ação santificadora do Espírito Santo multidões de almas
cada vez mais sãs e numerosas.
 
Famílias numerosas, testemunho da fé viva em Deus e da confiança em Sua
Providência
13. No mundo civil moderno a família numerosa vale em geral, não sem razão, como
um testemunho da fé cristã vivida, porque o egoísmo de que acabamos de falar como
principal obstáculo à expansão do núcleo familiar, não pode ser eficazmente vencido
senão recorrendo-se aos princípios ético-religiosos.
14. Recentemente ainda, viu-se que a famosa “política democrática” não obtém mais
resultados apreciáveis, seja porque quase sempre o egoísmo individual prevalece sobre
o egoísmo coletivo, de que ela é freqüentemente a expressão, seja porque as intenções e
os métodos dessa política aviltam a dignidade da família e da pessoa, equiparando-se
quase às espécies inferiores. Somente a luz divina e eterna do Cristianismo ilumina e
vivifica a família de tal modo que, seja no início, seja no desenvolvimento, a família nu-
merosa é tida quase sempre como sinônimo de família cristã. O respeito às leis divinas
lhe deu a exuberância da vida; a fé em Deus concede aos pais a força necessária para
enfrentar os sacrifícios e as renúncias exigidas pela educação dos filhos; o espírito
cristão do amor vela sobre a ordem e a tranqüilidade, ao mesmo tempo em que
prodigaliza, como que as extraindo da natureza, as íntimas alegrias familiares, comum
aos pais, aos filhos, aos irmãos.
15. Exteriormente também uma família numerosa bem ordenada é qual um santuário
visível: o sacramento do Batismo não é para ela um acontecimento excepcional, mas
renova muitas vezes a alegria e a graça do Senhor. Ainda não se encerraram as festivas
peregrinações às fontes batismais e já começam, resplandecentes de igual candura, as
das crismas e primeiras comunhões. Mal o caçulinha tirou sua pequena veste branca,
conservada como a mais cara lembrança de sua vida, e eis que já aparece o primeiro véu
nupcial, que reúne aos pés do altar pais, filhos e novos pais. Como primaveras
renovadas, suceder-se-ão outros casamentos, outros batizados, outras primeiras
comunhões, perpetuando por assim dizer, no lar, as visitas de Deus e de sua graça.
16. Mas Deus também vem às famílias numerosas com a sua Providência, da qual os
pais, principalmente os pobres, dão um testemunho evidente, nela colocando toda a sua
confiança, quando não são suficientes os meios humanos. Confiança bem fundada e de
modo algum vã! A Providência — para nos exprimirmos com conceitos e palavras
humanas — não é propriamente o conjunto de atos excepcionais da clemência divina,
mas o resultado normal da ação harmoniosa da sabedoria, bondade e onipotência
infinita do Criador. Deus não recusa meios de viver àquele que traz à vida. O divino
Mestre ensinou explicitamente que “a vida vale mais que o alimento e o corpo mais que
a veste” (Cf. Mt 6,25). Se fatos isolados, pequenos e grandes, parecem às vezes
provocar o contrário, é sinal de que algum obstáculo foi interposto pelo homem à
execução da ordem divina, ou então, em casos excepcionais, que prevalecem desígnios
superiores de bondade; mas a Providência é uma realidade, uma necessidade de Deus
Criador.
17. Sem dúvida alguma, não é de falta de harmonia ou de inércia da Providência, mas
da desordem do homem — em particular do egoísmo e da avareza — que surgiu e
permanece ainda sem solução o famoso problema do excesso de população da terra, que
em parte existe realmente e em parte irrazoavelmente temido como uma catástrofe
iminente da sociedade moderna. Com o progresso da técnica, com a facilidade dos
transportes, com as novas fontes de energia, de que apenas se começam a colher os
frutos, a terra poderá proporcionar prosperidade a todos que acolher, durante muito
tempo ainda.
18. Quanto ao futuro, quem pode prever os outros novos recursos ainda ignorados que
encerra o nosso planeta e que surpresas, fora dele, nos reservam talvez as admiráveis
realizações da ciência, que apenas começam? E quem pode assegurar para o futuro um
ritmo de procriação natural semelhante ao atual? Será impossível a intervenção de uma
lei moderadora intrínseca do ritmo de expansão? A Providência reservou para si o
futuro do mundo. Na expectativa disso, um fato singular é que, enquanto a ciência
converte em realidades úteis o que outrora era considerado como fruto de imaginações
fantasistas, o temor de alguns transforma as esperanças bem fundadas de propriedade
em espectros de catástrofe. O excesso de população não é, pois, uma razão plausível
para difundir os métodos ilícitos do controle dos nascimentos, mas antes pretexto para
legitimar a avareza e o egoísmo, seja das nações que, da expansão de outras temem um
perigo para sua própria hegemonia política e abaixamento do nível de vida, seja dos
indivíduos especialmente dos mais bem providos de meios de fortuna, que preferem o
mais amplo gozo dos bens da terra à honra e ao mérito de suscitar novas vidas. Chegam
desse modo a violar as leis acertadas do Criador, sob o pretexto de corrigir os erros
imaginários de sua Providência. Seria, pelo contrário, mais razoável e útil que a
sociedade moderna procurasse mais resoluta e universalmente corrigir sua própria
conduta, removendo as causas da fome nas “regiões subdesenvolvidas” ou
superpovoadas, por meio do emprego mais ativo, com fins de paz, das descobertas
modernas, de uma política mais, ampla de colaboração e intercâmbio, de uma economia
mais previdente e menos nacionalista. E, principalmente, reagindo contra as sugestões
do egoísmo pela caridade, da avareza pela aplicação mais concreta da justiça. Deus não
pedirá aos homens contas do destino geral da humanidade, que é de sua alçada; mas dos
atos distintos queridos por eles em conformidade com os ditames de suas consciências
ou em oposição aos mesmos.
19. Quanto a vós, pais e filhos de famílias numerosas, continuai a dar com firmeza
serena o vosso testemunho da confiança na Providência divina, certos de que ela não
deixará de recompensá-los pela prova de sua assistência cotidiana e, se for necessário,
por intervenções extraordinárias de que muitos dentre vós tendes a feliz experiência.
 
Famílias numerosas, testemunho da santidade fecunda e feliz do casamento
católico
20. E agora, algumas considerações sobre o terceiro testemunho, a fim de apaziguar os
inquietos e aumentar vossa coragem.
As famílias numerosas são os mais belos ramalhetes do jardim da Igreja; nelas, como
em terreno propício, floresce a alegria e amadurece a santidade. Qualquer núcleo
familiar, mesmo o mais restrito é, nas intenções de Deus, um oásis de serenidade
espiritual. Existe, porém, profunda diferença no lar em que o número de crianças não
ultrapassa ao do filho único. Essa intimidade serena, que tem um valor de vida, traz em
si qualquer coisa de melancólico e pálido; é de duração mais breve, talvez mais incerta,
muitas vezes perturbada por temores e remorsos secretos. Outra é, pelo contrário, a
serenidade de espírito dos pais cercados por uma vigorosa florescência de vidas jovens.
A alegria, fruto da bênção superabundante de Deus, se manifesta de mil modos, com
constância estável e segura. Sobre a fronte desses pais e mães, mesmo quando carregada
de cuidados, não há traço dessa sombra interior reveladora de inquietações de
consciência ou do temor de uma irreparável volta à solidão. Sua juventude parece nunca
ter fim enquanto dura no lar o perfume dos berços, enquanto nas paredes da casa
ressoam as vozes argentinas dos filhos e dos netos. As fadigas multiplicadas, os
sacrifícios redobrados e as renúncias às distrações dispendiosas são largamente re-
compensadas, mesmo aqui na terra, pelo mundo inesgotável de afetos e de doces
esperanças que lhes invadem o coração, sem todavia oprimi-lo ou cansá-lo.
21. E as esperanças se transformam em breve em realidade, quando a filha mais velha já
começa a ajudar a mãe a cuidar do mais novo; quando o filho mais velho volta para casa
radiante, pela primeira vez, com seu primeiro salário. Esse dia entre todos será
abençoado de modo especial pelos pais, que vêem para sempre afastado o espectro de
uma velhice miserável, e sentem a segurança da recompensa de seus sacrifícios. Os
filhos numerosos, por sua vez, ignoram asolidão e o mal-estar de serem obrigados a
viver no meio de adultos. É verdade que essa companhia numerosa pode às vezes
transformar-se numa vivacidade fastidiosa e suas desavenças, em tempestades
passageiras; mas quando estas são superficiais e de curta duração, concorrem
eficazmente para a formação do caráter. Os filhos das famílias numerosas se educam
por assim dizer por si mesmos na vigilância e na responsabilidade de seus atos, no
respeito e no auxílio mútuo, na largueza do espírito e na generosidade. A família é para
eles um pequeno mundo de experiências antes de enfrentarem o mundo exterior, mais
árduo e mais constrangedor.
 
Recomendação final e Bênção Apostólica
22. Todos esses bens e todos esses valores ganham em consistência, intensidade e
fecundidade quando a família numerosa coloca, como seu fundamento e regra, o espírito
sobrenatural do Evangelho, que tudo eleva acima do humano e tudo perpetua. Nesses
casos, aos dons comuns de providência, de paz, de alegria, Deus acrescenta muitas
vezes, como a experiência o demonstra, os chamados de predileção, isto é, as vocações
ao sacerdócio, à perfeição religiosa e à própria santidade. Mais de uma vez, e não sem
razão, salientou-se a prerrogativa das famílias numerosas como viveiros de santos.
Citam-se, entre outras, a de São Luís, rei da França, composta de dez filhos; a de Santa
Catarina de Sena, de vinte e cinco; a de São Roberto Bellarmino, de doze; a de São Pio
X, de dez. Toda vocação é um segredo da Providência; mas no que diz respeito aos pais,
esses fatos permitem concluir que o número de filhos não impede sua excelente e
perfeita educação; que o número, nesse assunto, não traz desvantagem para a qualidade
no que se refere aos valores tanto físicos como espirituais.
23. Uma palavra, finalmente, para vós, dirigentes e representantes das Associações das
Famílias Numerosas de Roma e da Itália. Tende o cuidado de imprimir um dinamismo
cada vez mais vigilante e ativo à ação que vos propusestes realizar para o bem da
dignidade da família numerosa e sua proteção econômica. Quanto à primeira finalidade,
conformai-vos aos preceitos da Igreja; quanto à segunda, é preciso sacudir a inércia da
porção da sociedade que ainda não se abriu aos deveres sociais.
24. A Providência é uma verdade e uma realidade divina, mas ela se apraz em servir-se
da colaboração humana. De ordinário, move-se e acorre quando é chamada e, por assim
dizer, conduzida pela mão do homem; gosta de esconder-se por detrás da ação humana.
Se é justo reconhecer na legislação italiana posições das mais avançadas no terreno da
proteção às famílias, particularmente às famílias numerosas, é preciso não ocultar que
ainda existem muitas que se debatem, sem que seja por culpa sua, no meio de
dificuldades e privações. Pois bem, vossa ação deve propor-se fazer chegar igualmente a
estas a proteção das leis e, nos casos urgentes, a da caridade. Qualquer resultado
positivo alcançado nesse terreno é qual uma sólida pedra colocada no edifício da Pátria
e da Igreja; e é o melhor que podeis fazer como católicos e como cidadãos.
25. Invocando a proteção divina para as vossas famílias e para as de toda a Itália e
colocando-as ainda uma vez sob a égide celestial da Sagrada Família de Jesus, Maria e
José, de todo o coração Nós vos concedemos a Nossa paternal Bênção Apostólica.

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