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HISTÓRIA EM
DOCUMENTOS

NAVEGAR É PRECISO
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Janaína Amado
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PARTE I

Introdução:
navegar é preciso

amais um grupo de homens conheceu tantas coisas


novas sobre a Terra, em tão pouco tempo, como na
chamada era dos grandes descobrimentos marítimos. Nos
séculos XV e XVI, os europeus, tendo à frente por-
tugueses e espanhóis, se lançaram em pequeninas embar-
cações aos oceanos, aos “mares nunca dantes navegados”.
Eles descobriram, visitaram ou conquistaram quatro imen-
sos continentes — Africa, Ásia, América e Oceania —, co-
nheceram centenas de povos e os colocaram em contato
entre si.
Depois disso a Terra não continuou a mesma: cada
ser vivo e cada coisa existente no planeta, de alguma ma-
neira, foram afetados pelas consequências dos grandes des-
cobrimentos. O conhecimento e a compreensão que os ho-
mens tinham do mundo não somente aumentou, como mu-
dou. Começou um novo tempo na história da humanida-
de, tão novo que, para medi-lo, tornou-se necessário in-
ventar novos relógios.

Coisas nunca vistas, nem mesmo sonhadas

Para os europeus, foi um tempo de surpresas, tempo


de espantos. Cada um dos quatro continentes, sozinho, era
maior que a Europa inteira e possuía seus próprios ani-
mais e plantas, muitos deles desconhecidos dos brancos,
bem como suas próprias paisagens, climas, riquezas natu-
rais, seus cheiros, sabores, cores... “São coisas grandes e
estranhas [...] é outro mundo, sem dúvida””, resumiu a
respeito um espanhol do século XVI.
Em suas viagens, os europeus encontraram altíssimas
montanhas asiáticas com os picos brancos de neve e.
na
própria Ásia, terras tão baixas que sempre se alagavam.

2
1 ss
Encontraram escaldantes desertos africanos, onde os ho-
mens, quase mortos de sede, sofriam miragens e somente
os camelos conheciam o segredo da sobrevivência. Na mes-
ma África, contemplaram o Nilo, maior rio do mundo, as
cataratas, lagos e lagoas e ainda savanas habitadas por ze-
bras, girafas, leões. Encontraram na América florestas tro-
picais que, de tão deslumbrantes, incendiaram a imagina-
ção dos homens e os fizeram se lembrar de Deus e ter vi-
sões do Paraíso.
Os europeus descobriram seres humanos de todos os
tipos físicos, vivendo de variadas maneiras e em diferen-
tes estágios de desenvolvimento técnico. Na América to-
dos os habitantes eram índios, tinham pele avermelhada
e cabelos lisos, andavam nus ou com pouca roupa, acredi-
tavam em vários deuses. Nenhum conhecia ferro, pólvo-
ra, vidro, arado, animais de carga ou o uso da roda.
Entre os índios da América encontravam-se povos
muito pobres, mas também povos ricos, como os astecas
(no atual México) e os incas (no atual Peru), cujos tesou-
ros enlouqueceram os europeus e despertaram sua ganân-
cia: “tudo é tão fabuloso que não se pode crer que prínci-
pe algum no mundo tenha algo igual””, maravilhou-se o
espanhol Hernán Gortez, conquistador dos astecas.
Na Ásia os europeus depararam-se com grupos Intel-
ramente isolados, preocupados apenas em sobreviver. Mas
encontraram também civilizações milenares, como a chi-
nesa e a hindu, que já haviam alcançado alto grau de refi-
namento e sofisticação em todos os campos da expressão
humana: nas artes, na filosofia, nas ciências, na fabrica-
ção de tantos produtos... Estas civilizações consideravam-
se superiores às outras, inclusive às européias: os chineses
julgavam “todas as outras nações como bárbaras” e os ja-
poneses do século XVII referiam-se à Holanda como “*o
país dos bárbaros de cabelos vermelhos”.
Na Africa os europeus defrontaram-se com uma maio-
ria de negros, mas também com povos de origem árabe,
localizados na região norte e que professavam a religião
muçulmana. No continente africano tanto encontraram tri-
bos vivendo na Idade da Pedra como comunidades com
3
elevado nível técnico, que há muito navegavam pelo Ocea-
no Índico, comerciando com a Ásia Inteira, e que se mos-
travam capazes de construir cidades como Kilwa (na cos-
ta leste, na atual Tanzânia), “com edifícios de quatro a
cinco andares', “das mais belas do mundo”, na opinião
dos árabes e dos chineses.
Tratava-se de “coisas nunca vistas, nem mesmo so-
nhadas””, como escreveu um navegador espanhol do sécu-
lo XVI. Os grandes descobrimentos marítimos abriram pa-
ra os povos da Terra um mundo novo, variado, surpreen-
dente. Um mundo onde seria absolutamente necessário
conviver com as diferenças, encarar o outro.

Tempo de mudanças

Para alcançar os descobrimentos marítimos, foi pre-


ciso que primeiro a Europa transformasse todos os aspec-
tos de sua vida. Foi necessário que os homens, ao longo
de centenas de anos, mudassem as formas de produzir ri-
quezas, trabalhar a terra, negociar, governar, relacionar-
se com a religião, pensar o mundo...
Essas mudanças não ocorreram de uma só vez e nem
todas no mesmo lugar: foram acontecendo devagar, se alas-
trando aos poucos e se unindo umas às outras. Natural-
mente, tudo não se passou de forma planejada, nem mes-
mo com o objetivo de realizar os grandes descobrimentos.
Mas sem essas transformações os europeus não teriam con-
dições de se lançar ao mar.
Uma das mudanças mais importantes foi o desenvol-
vimento do comércio. Desde o século XI o comércio euro-
peu lentamente se fortaleceu, renascendo em lugares
on-
de por muitos anos havia quase desaparecido por comp
le-
to. No início foi exercido timidamente, em pequenos
mer-
cados locais, e, depois, em feiras que se tornaram cada vez
mais movimentadas. A partir de então
atingiu um desen-
volvimento tão grande que fez nascer cidades, gero
quezas fantásticas, empregou muitos trabal u ri-
hadores e atraiu
negociantes de várias partes do mund
o.
No século XIV, as rotas comerciais
Já eram bastante
rr
percorridas, unindo os três continentes conhecidos dos eu-
ropeus à época: Ásia, norte da África e a própria Europa.
Por essas rotas circulavam caravanas transportando me-
tais preciosos, especiarias, artigos de luxo, açúcar, escra-
vos e vários outros produtos valorizados naqueles tempos.
Em sua maioria, eram rotas terrestres, longas e difíceis de
serem transitadas.
Com a experiência, aos poucos os negociantes foram
superando as dificuldades. Aperfeiçoaram o sistema de tro-
cas, aumentaram e diversificaram as mercadorias e as re-
lações mercantis*, utilizaram-se dos bancos, das bolsas de
valores... Nessa caminhada, a atividade comercial passou
a ser o elemento mais importante para dar vida às cida-
des, onde as mercadorias eram produzidas e negociadas.
A fim de abrigar seus habitantes, as cidades ganha-
ram vida própria, cresceram e se embelezaram. O homem
urbano era diferente do camponês, tinha necessidades e
exigências próprias. Nas cidades as pessoas se cruzavam
a toda hora, se comunicavam, as idéias circulavam mais
rapidamente e se espalhavam para longe.
Apropriado aos debates, experiências, estudos, inda-
gações, o ambiente urbano da época fervilhava. A partir
do século XV os europeus das cidades, favorecidos pelas
condições econômicas, se lançaram a uma série de inven-
ções e descobertas que, em seu conjunto, caracterizam uma
das épocas mais criativas da História.
Nesse período, por exemplo, os estudiosos começa-
ram a compreender melhor o funcionamento do corpo hu-
mano, a partir de observações cuidadosas e da prática da
dissecação de cadáveres; desenvolveram, também, os pri-
meiros estudos sobre a circulação do sangue. A Botânica
e a Zoologia aperfeiçoaram-se muito, com a descoberta e
classificação de várias espécies. A Matemática, aprofun-
dada e ampliada, tornou-se um meio importante para aju-
dar o desenvolvimento comercial e científico.
Para que se construíssem edifícios altos, catedrais di-

* As palavras com asterisco são definidas no Vocabulário, no final do


livro.
ferentes, pontes, estradas, palácios, bancos, etc., tão ne-
cessários ao novo ritmo de vida, a engenharia aprimorou-
se. É a arquitetura se inspirou nas belas formas da Anti-
guidade para criar o panorama do novo tempo. Um tem-
po que os homens aprenderam a medir mecanicamente e
a carregar consigo, nos primeiros relógios de bolso já fa-
bricados.
Ao trocar o conhecido pelo desconhecido, os europeus
desvendaram outros espaços, nos mares, na terra, nos céus.
A Geografia e a Astronomia tornaram-se instrumentos de
uma nova concepção do planeta e do Universo. Todos es-
ses conhecimentos adquiridos puderam, a partir do século
XV, ser divulgados muito mais rapidamente. A invenção
da imiprensa transformou o velho livro copiado à mão, mui-
to raro e bonito — quase uma jóia —, em um produto prá-
tico, acessível e mais barato.
Os novos conhecimentos atingiam tantas áreas dife-
rentes que os homens cultos da época, os chamados huma-
mistas, consideravam fundamental dominar diversos cam-
pos do saber. Eles tentavam atingir um conteúdo univer-
sal: ciência, técnica, arte, filosofia, tudo era considerado
igualmente importante para o ser humano.
Leonardo da Vinci, que viveu no século XV e se tor-
nou um dos maiores artistas de todos os tempos, apresen-
tava-se não apenas como pintor ou escultor, mas como pos-
suidor de conhecimentos muito variados. Palavras suas:
“Já fiz planos de pontes muito leves [...] Sou capaz de des-
viar a água dos fossos de um castelo cercado [...) Conheço
meios de destruir que castelo for [.. -] Sei construir:
bombardas* fáceis de deslocar [...] Galerias e passagens
sinuosas que se podem escavar sem ruído nenhum [...] car-
ros cobertos, inatacáveis e seguros, armados com canhões
[-..] Estou, sem dúvida, em condições de competir com
qualquer outro arquiteto, tanto para construir edifícios pú-
blicos ou privados como para conduzir água de um sítio
para outro. É em trabalhos de pintura ou na lavra
do már-

quem for”.

6
Mas quem governava as regiões européias? A partir
do século XI, a maioria das terras pertencentes aos senho-
res feudais e à Igreja, assim como a povos estrangeiros,
foi passando para o poder dos reis, por meio de guerras,
conquistas, heranças, doações, casamentos. Em muitas re-
giões, o enfraquecimento dos senhores feudais, devido à
perda da mão-de-obra dos servos, que seguiam para Os
burgos*, foi mais um fator de fortalecimento dos reis. As-
sim, através de muitos modos, foram surgindo os países
modernos, os Estados Nacionais: Portugal, Espanha, Fran-
ça, Inglaterra...
Os reis necessitavam de muito poder para governar
a tudo e a todos. Esse poder precisava ser sustentado pelas
riquezas: não era possível ser forte sem ser rico. Os reis
se interessaram pelos negócios dos comerciantes e se asso-
ciaram a eles. Em troca, os comerciantes financiaram as
principais despesas dos reinos.
Ao se iniciar o século XV, a Europa possuía uma sé-
rie de conhecimentos básicos para realizar as grandes na-
vegações: “Navegar é preciso””, como diria bem mais tar-
de o poeta Fernando Pessoa. Em condições melhores, Por-
tugal e Espanha se sobressaíram na aventura marítima.
Num período de cem anos, portugueses e espanhóis con-
tornaram a África, atingiram a Ásia, descobriram a Amé-
rica e a Oceania e deram a volta ao mundo, numa das ex-
periências mais empolgantes de todos os tempos.
Aquela época, navegar em mar aberto era preciso, mas
muito perigoso. Os marinheiros tiveram que enfrentar
doenças, tempestades, ventos, fome e sede, perigos de to-
dos os tipos, grandes riscos de naufrágio, solidão... Mas
os navegantes europeus tiveram também que encarar e ven-
cer um inimigo diferente e muito mais poderoso, que se
encontrava dentro deles: o medo. Medo dos monstros ma-
rinhos, dos ímãs que atraíam os navios para o fundo do
mar, das sereias capazes de enfeitiçar marinheiros, do abis-
mo que ficava bem ali, onde a Terra se acabava, da linha
do Equador, cujo calor derretia os miolos...
As grandes navegações demonstraram que no munr-
do real essas coisas não eram encontradas, que elas só exis-
z
tiam na fantasia dos homens. Assim, ajudaram a destruir
a velha concepção medieval do mundo, baseada na im
agi-
nação e no misticismo. E a substituíram por idéias no vas,
fundamentadas na observação, na experiência e na ra
zão.

Em nome de Deus e do lucro

Oitenta por cento dos índios da América mortos, em


combate ou por doença. Cinquenta por cento da popula-
ção original da Oceania dizimada somente no primeiro con-
tato com os brancos. Grande parte dos povos da África es-
cravizada ou assassinada. A conquista européia das terras
e dos povos descobertos revestiu-se de um grau de violên-
cia poucas vezes visto na História.
A avidez dos europeus pelo ouro, que se estendia tam-
bém aos outros metais preciosos e a todos os produtos va-
lorizados na época, era praticamente infinita. A insistên-
cia de Cristóvão Colombo em encontrar ouro na América
dá uma idéia disso: “Estava atento e tratava de saber se
havia ouro [...] Não quero parar, [quero] ir mais longe,
visitar muitas ilhas e descobrir ouro [...] Que Nosso Se-
nhor me ajude, em Sua misericórdia, a descobrir este ou-
ro [...) Nossa atividade é coletar ouro”.
Em apenas três anos, os conquistadores conduziram
para a Espanha todo o ouro extraído pelos índios das An-
tilhas ao longo de mil anos. Antes de degolar o cacique in-
ca Atahualpa, o espanhol Francisco Pizarro exigiu-lhe um
resgate de “pilhas de ouro e de prata que pesavam mais
de vinte mil marcos de prata fina e um milhão e trezentos
e vinte e seis mil escudos de ouro finíssimo”. Após con-
quistar Cuzco, a capital do império inca, no atual Peru,
os europeus comportaram-se assim no Templo do Sol:
“Forcejando, lutando entre si, cada qual procurando le-
var a parte do leão do tesouro, os soldados [...] pisotea-
vam jóias e imagens, martelavam os utensílios de ouro para
reduzilos a um formato mais fácil e manejável [...]
Atiravam-no ao crisol*, para convertê-lo em barras, todo
o tesouro do templo: as placas que cobriam as par
edes, as
assombrosas árvores esculpidas, pássaros e out
ros objetos”,
8
 viagem de Vasco da Gama, a primeira viagem ma-
rítima até às Índias, rendeu seis mil por cento de lucro.
O comércio do marfim na África abarrotou de dinheiro
muitas famílias e coroas européias. O tráfico de escravos
africanos, feito por tantos outros navegadores, foi o ramo
mais lucrativo de todo o comércio colonial. Os ganhos ob-
tidos com um único carregamento de seda asiática foram
suficientes para que um comerciante português vivesse con-
fortavelmente pelo resto da vida. À exploração européia
das terras e dos homens descobertos não conheceu limites.
Explorava-se ''em nome de Deus e do lucro”, como
disse um mercador italiano. À preocupação em cristiani-
zar as populações encontradas foi constante: “mandar pes-
soas às ditas terras [...] para que a gente dela se conver-
tesse à nossa fé católica””, ordenou D. João III, rei de Por-
tugal. “O melhor fruto-que dela [da terra do Brasil] se po-
de tirar, me parece que será salvar esta gente”, opinou
em 1500 Pero Vaz de Caminha. Para catequizar, conver-
ter ao cristianismo os infiéis — e “infiéis” eram todos aque-
les que não professavam o catolicismo, ou seja, a humani-
dade inteira, com exceção de parte dos europeus —, os con-
quistadores não hesitaram em recorrer à força.
Os índios que se recusavam a obedecer ao rei euro-
peu, ou a se converter, podiam ser legalmente combati-
dos, pois esses casos eram considerados na Europa como
“guerra justa””. Antes do ataque, os índios rebeldes ou-
viam dos capitães de conquista estas palavras: “Se não o
fizerdes [a conversão e a submissão] |...) certifico-vos que
com a ajuda de Deus eu entrarei poderosamente contra vós
e vos farei guerrear por todas as partes e maneiras que pu-
der, e vos sujeitarei ao jugo e obediência da Igreja e de
Sua Majestade e tomarei vossas mulheres e filhos e vos fa-
rei escravos, e como tais vos venderei, e disporei de vós
como Sua Majestade mandar, e tomarei vossos bens e vos
farei todos os males e danos que puder”
Nem todos os europeus da época concordaram com
os métodos utilizados para a conquista. “Sei com certeza
e sem medo de errar que os espanhóis nunca tiveram uma
guerra justa contra os índios””, escreveu ainda no século

9
XVI frei Bartolomeu de Las Casas. O francês Montai-
gne, no mesmo século, registrou: | “Quantas cidades arra- |
sadas, quantas nações exterminadas, quantos milhões de
povos passados a fio de espada, e a mais bela e rica parte
do mundo [a Ásia] transtornada pela negociação de péro-
las e pimenta: vitórias mecânicas. Nunca a ambição, nunca
as inimizades públicas incitaram os homens, uns contra
os outros, a tão horríveis hostilidades e a calamidades tão
miseráveis!”
De nada adiantaram essas vozes isoladas. Os interes-
ses falaram mais alto. À conquista européia sobre as ter-
ras descobertas não apenas continuou, como mais tarde
se fortaleceu, através do processo de colonização.

À wagem que este livro faz


Quem estuda História lida com o tempo: com olhos
do presente, visita os homens e acontecimentos do passa-
do para projetá-los no futuro. Este livro buscou os seres
humanos dos séculos XV e XVI que viveram a experiên-
cia emocionante dos grandes descobrimentos marítimos.
Chegamos o mais perto possível desses homens, para
poder ouvi-los e também conversar com eles, fazer-lhes per-
guntas, escutar suas respostas. Como? Através dos docu-
mentos que eles nos deixaram: suas cartas, livros, mapas,
esculturas, relatórios, canções, diários; suas casas, rezas,
ferramentas, lendas, julgamentos, desenhos, armas, valo-
res, pinturas...
Muitas vezes esses homens nos disseram coisas dife-
rentes, até mesmo opostas, sobre o mesmo assunto. Natu-
ral: cada um de nós também não vê, sente, conta e inter-
preta as coisas da nossa própria maneira? Pois gente tão
diversa, como foram os europeus e cada povo descoberto,
situada nas mais distantes partes do mundo, viven
do ex-
periências comuns de lados às vezes opostos, tinha mesmo
k
io ars

que expressar idéias, sentimentos e opiniões


diferentes. Ca-
da qual com sua versão. A História se constrói
=

justamente
do cruz
cima * Raras

amento dessas diferenças.


10
PARTE IH

Documentos
o processo
Es
as
CAPÍTULO 1

A transformação

os séculos XV e XVI a Europa passava por pro-


fundas mudanças, que afetavam todos os aspec-
tos de sua vida. Ela estava abandonando as ma-
neiras de viver que praticava há quase mil anos: estava
abandonando o feudalismo. Aos poucos, diminuía a im-
portância da vida rural, em que as pessoas trabalhavam
na agricultura e pecuária e produziam no próprio local qua-
se tudo de que necessitavam. Os senhores feudais, donos
das terras e dos castelos, e os seus servos, que nelas traba-
lhavam, também perdiam importância no conjunto da so-
ciedade. A Igreja Católica sofria grandes transformações
no seu interior e ia deixando de ser a única autoridade a
quem todos obedeciam.
Essas mudanças todas aconteciam porque novas ma-
neiras de viver estavam aparecendo. Surgiam outras ati-
vidades, profissões, interesses, surgiam outros países, ou-
tros pensamentos... No início, essas mudanças foram acon-
tecendo muito lentamente. Para se completar, levaram cer-
ca de quinhentos anos, do século XI ao XVI. Mas, com
o passar do tempo, elas foram também se intensificando.
De modo que, nos séculos XV e XVI, já eram tantas e
tão importantes, que se tornaram responsáveis por uma
nova época na História: a Epoca Moderna.
Uma das principais mudanças ocorridas na Europa
foi o fortalecimento do comércio, a partir do século XI.
O documento seguinte mostra, através de um exe
mplo, co-
mo surgiam e o que faziam os primeiros mercadores
dessa
época:
12
[...] Godric decidiu não levar a vida de camponês, mas
estudar [...] Fou por isso que, como aspirava a ser co-
mercante, começou a ser bufarinheiro * e aprendeu a ga-
nhar dinheiro vendendo mercadorias de pouco valor [...]
e, depois, de grande valor [...] No princípio percorna
as aldeias e as quintas dos arredores com pequenos arti-
gos; depois, pouco a pouco, associou-se com mercadores
da cidade. Assim adquiriu experiência, percorrendo cida-
des e burgos, feiras e mercados [...]
(Reginaldo de Durham, Vida de Santo
Godric, século XT)

Como demonstra a última frase do documento ante-


rior, as atividades comerciais se desenvolviam principal-
mente nas cidades. O documento a seguir, referente à ci-
dade de Bruges, na atual Bélgica, exemplifica como o co-
mércio foi dando origem às cidades:

[...] Para as necessidades dos habitantes do castelo, co-


meçaram a ajluir diante da sua porta, junto da ponte,
negociantes, depois taberneiros e hoteleiros [...] Tantos
habitantes aí acorreram que em breve nasceu uma cidade
foi
(Jean Le Long, Crônica de São Bertino,
século XT)

Um velho ditado alemão dizia: “O ar da cidade tor-


na o homem livre””. As cidades funcionavam como ilhas
de liberdade dentro da sociedade feudal, liberando os ser-
vos da dependência aos senhores feudais:

[...] Quem residir um ano e um dia na paróquia de Lor-


rs, sem que qualquer reclamação tenha sido feita contra
ele [...), pode aí permanecer livremente e sem ser moles-
tado [...]
(Constituição da cidade de Lorris, na
atual França, 1155)

13
Algumas das importantes cidades da época origina-
ram-se de feiras, locais onde se reuniam os comerciantes
para realizar negócios. Muitas feiras eram imensas e exi-
biam mercadorias de todas as partes do mundo conheci-
do, como se pode observar no próximo documento, refe-
rente às feiras da região de Champagne, na França, no sé-
culo XIV. As mercadorias vendidas na feira eram depois
revendidas no restante da Europa:

/...] Todas as companhias de mercadores e também os


mercadores individuars, italianos, transalpinos, florenti-
nos, milaneses, luqueses, genoveses, venezianos, alemães,
provençass e os de outros países, que não pertencem ao nosso
reino, se desejarem comerciar aqui e desfrutar os privilé-
gios e os impostos vantajosos das mencionadas feiras [...]
podem vir sem perigo, residir e partir — eles, suas mer-
cadorias e seus guias [...] sem que estejam jamais sugei-
tos a apreensão, prisão ou obstáculos, por outros que não
os guardas das ditas feiras [...]
(Ordenança do Rei da França, 1439)

Nos mapas seguintes estão desenhadas as principais


rotas comerciais do século XV. No mapa da fig.1, obser-
ve que a Europa já negociava com o norte da África e a
Ásia, inclusive com o Extremo Oriente. Como as distân-
cias entre esses locais eram enormes e os europeus não con-
trolavam sozinhos todas as rotas, havia uma série de in-
termediários no comércio. Os principais intermediários
eram os árabes (já há muito tempo habituados ao comér-
cio), que traziam a maioria das mercadorias até as cida-
des italianas, como Veneza, Gênova, Pisa, etc. Daí os pro-
dutos eram redistribuídos por toda a Europa, como se ob-
serva no mapa da fig. 2. Nesse mapa estão também in-
cluídas as rotas por onde se comerciavam produtos fabri-
cados na própria Europa. Passando por tantas mãos, as
mercadorias chegavam muito caras aos seus destinos.
Todo esse comércio era feito basicamente por terra,
conforme mostram os dois mapas. A pequena parte marí-
14
oBÍIqui? Bens nouadsap a snadosna so noujosej 'nosjuosus anb sezenh|! 9 SBINJUSAB NOABJISep E
apuo 'oJn!| nes 'ogdep o pje opupbawo 'eisy e sueBeja oenb zaj ejo 'BIjpI| BP OpujHEd “OjOd
cial da época), porque os europeus não sabiam como vele-
tima se realizava sempre junto à costa ou em mares fecha-
dos (como o Mediterrâneo, o mais importânte mar comer-

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2. As mercadorias comerciadas com o Oriente e o norte da África


eram redistribuídas pela Europa a partir da Itália. As cidades loca-
lizadas nessas rotas comerciais tornaram-se centros importantes
e ricos.

f O próximo documento comprova o volume e a exten-


sao que o comércio atingiu no século XV, salientando o
papel desempenhado pelas cidades italianas (no caso, a ci-
dade de Veneza):

[...] Senhores, graças à paz a nossa cidade investe um


capital de 10 milhões de ducados* através do mundo in-
teiro, em parte por meio de naves, em parte por meio de
galés* e outros navios, de tal maneira que daí retiramos
um beneficio de 2 milhões de ducados com a exportação
e de outros 2 milhões com a importação para Veneza,
seja, £ milhões no total. Temos a navegar
ou
três mil em-
barcações de dez a duzentas ânforas * [de capacidade),
puladas por 17 000 marinheiros. Temos tri-
300 naves, tri-
16
puladas por É 000 marinheiros. Pequenas ou grandes,
45 galeras* navegam cada ano, com 11 000 marinheiros.
Felizes vós e vossos filhos! Vistes a nossa cidade cu-
nhar cada ano um milhão e duzentos mil ducados de ou-
ro, ottocentos mil ducados de prata [...] Às compras que
nos faz a Lombardia levam à navegação de um grande
número de barcos e de galeras à Síria, à România, à Ca-
talunha, à Flandres, a Chipre, a Sicília e a outras re-
giões do globo. [Desse negócio resulta] para os Venezia-
nos um lucro de 600 000 ducados [...] e desse trabalho
vivem largamente vários milhares de pessoas [...] Vastes
que os Florentinos nos fornecem cada ano 16 000 panos,
muito finos, finos e médios. E nós os exportamos para
Pouille, Nápoles, Sicília, Catalunha, Espanha, Barbá-
ria fnorte da Africa], Egito, Síria, Chipre, Rodes, Ro-
mânia, Candia, Moréia, Lisboa; e cada semana os Filo-
rentinos nos trazem 7 000 ducados, o que faz 350 000
ducados por ano, para nos adquirirem lãs francesas e ca-
talãs, carmesim, cereais, seda, cera, ouro, prata em bru-
to e fiada, açúcar, especiarias [...] alúmen, indigo, cou-
ro, jóias, com grandes lucros para a nossa terra [...]
(Marino Sanuto, Vida dos duques de
Veneza)

Entre os produtos importados da África e da Ásia, os


metais preciosos eram os mais cobiçados, pois se mostra-
vam capazes de comprar qualquer coisa e, portanto, de
enriquecer homens e governos. Entre as outras mercado-
rias muito valorizadas pelos europeus na época,
encontravam-se os produtos de luxo, como jóias, tapetes,
perfumes, sedas. O açúcar era tão caro que costumava ser
pesado e vendido em grãos.
As chamadas especiarias — canela, cravo, gengibre,
pimenta, noz-moscada, etc. —, a que atualmente damos
pouca importância, ocupavam naquela época papel privi-
legiado. Introduzidas na Europa pelos árabes, aos poucos
foram consideradas insubstituíveis. A culinária européia
17
não mais conseguia dispensar o seu sabor nos alimentos.
Elas também eram usadas na conservação das carnes que,
à época, devido à falta de recursos apropriados, estraga-
vam-se facilmente.
Quando Vasco da Gama desembarcou em Calicute,
foi abordado por dois árabes que lhe perguntaram em es-
panhol:

[...] — Que diabo viestes procurar tão longe, na Índia?


Sem hesitar, Vasco da Gama respondeu:
— Cristãos e especiarias [...]
(Álvaro Velho, Roteiro da primeira via-
gem de Vasco da Gama — 1497-99)

Intimamente ligada a esse enorme desenvolvimento


comercial, uma outra mudança muito importante aconte-
cia na Europa: o surgimento de novos países, os Estados
Nacionais, organizados em torno da autoridade dos reis.
O primeiro Estado Nacional a completar sua formação foi
Portugal, ainda no século XIV. O segundo foi a Espanha,
no século XV. Posteriormente, surgiram outros, como
França, Inglaterra, Holanda...
Governando grandes regiões, que anteriormente per-
tenciam a muitos senhores, os reis acumularam poderes
absolutos. A autoridade deles estava acima de qualquer ou-
tra do reino. Os reis faziam as leis que eles próprios exe-
cutavam e ainda agiam como juízes supremos. Luís XIV,
que reinou na França no final do século XVII e início do
século XVIII, reconhecido como o mais poderoso rei ab-
solutista, gostava de dizer: “O Estado sou eu!”. Com o
passar do tempo, os reis absolutos foram considerados re-
presentantes de Deus na Terra. Seu poder, portanto, es-
taria acima do de qualquer outro homem, pois lhes teria
sido entregue pelo próprio Deus. Este contemporâneo
do
rei Filipe II da Espanha fornece uma idéia dos podere
s de
um monarca absoluto:

ea) É, em matéria de Estado, ele [Filipe II] não


pou-
pava ninguém que tivesse falhado, Josse grande
, fosse pe-
18
queno, e segundo as ocorrências ele lhe instaurava o pro-
cesso sozinho, por sua mão, e o fazia punir [...] nenhu-
ma pessoa viva lhe falava senão de joelhos [...] e poucas
vezes se deixava ver ao povo, e mesmo aos grandes, a não
ser em dias solenes [...]
(Conde de Cheverny, Memórias,
1528-99)

À custa dos reis absolutos um grande número de pes-


soas vivia nas cortes: os cortesãos. Como não tinham fon-
tes de renda suficientes, esses nobres eram parasitas, de-
pendendo inteiramente dos favores dos reis para sobrevi-
ver, € por isso costumavam se comportar do seguinte modo:

/Os cortesãos...] não servem para nada. Se Sua Mages-


tade dá uma ordem, eles repetem a grandes gntos essa or-
dem através dos corredores [do palácio] do Louvre, e se
ela [Sua Majestade] entreabre um pouco a boca para rir
negligentemente, eles escancaram a boca à força de rir [...]
sem saber por quê! [...]
(J. Levron, Os cortesãos)

O surgimento dos Estados Nacionais e dos reis abso-


lutos estava intimamente ligado ao fortalecimento do co-
mércio e dos comerciantes. Uns não poderiam existir sem
os outros. Os comerciantes recebiam dos soberanos leis fa-
voráveis e benefícios econômicos, bem como apoio e pro-
teção para desenvolver suas atividades, como se lê neste
documento real, referente à França do século XV:

/...] o Rei proíbe a todos os capitães e homens de guerra


que ataquem mercadores, trabalhadores, gado ou cavalos
ou bestas de carga, seja nos pastos ou em carroças, e não
perturbem, nem às carruagens, mercadorias e artigos que
estiverem transportando, e não exigirão deles resgate de
qualquer forma; mas sim que tolerarão que trabalhem, an-
dem de uma parte a outra e levem suas mercadonias e ar-
19
figos em paz e segurança, sem nada lhes pedir, sem criar-
lhes obstáculos ou perturbá-los de qualquer forma. A,
(Ordenança do Rei da França, 1439)

Por sua vez, os reis absolutos necessitavam dos co-


merciantes para gerar riquezas e sustentar as despesas do
reino. À seguinte cena, relativa à Inglaterra do século XIV,
demonstra isso:

[...] Sur Robert de Asheby, representando o Rei, Jor à


Municipalidade de Londres e em nome do Rei convocou
o Alcaide* e os Intendentes* da Cidade [...] a compare-
cerem perante o Rei Nosso Senhor e seu Conselho [...]
E o Rei então fez oralmente menção das despesas que rea-
lizara em sua guerra em países além do mar, e que ainda
teram de ser feitas e pediu-lhes um empréstimo de vinte
mal hbras esterlinas [...] Unanimemente eles se prontifi-
caram a emprestar-lhe cinco mil marcos, soma que, se-
gundo disseram, não poderiam ultrapassar. Ao que o Rei
Nosso Senhor rejeitou imediatamente, ordenando ao Al-
caide, Intendentes e outros que se lembrassem do voto de
lealdade que lhe deviam e pensassem melhor sobre o as-
sunto em questão [...] E embora isso fosse dificil, eles
concordaram em emprestar cinco mil libras ao Rei Nosso
Senhor, o que foi por este aceito. Doze pessoas foram es-
colhidas e juradas para procurar todos os homens das ci-
dades mencionadas [... ] e todos segundo sua condição para
levantar a dita soma de cinco mil Libras e emprestá-la ao
Rei Nosso Senhor. [...]
(Memórias de Londres e da vida londri-
na, século XI V)

À importância dos empréstimos de homens


de negó-
cio aos reis tornou-se tão grande que, no
século XVI, o
alemão Jacob Fugger, chefe da mais podero
sa família de
banqueiros da época, podia dirigir-se nes
se tom a Carlos
V, imperador da Espanha e do Sacro
Império Romano-
Germânico:
20
/... | Além disso, adiantamos aos emissários de Vossa Ma-
Jestade uma grande quantia, parte da qual nós mesmos
tivemos que levantar, através de amigos. E bem sabido
que Vossa Majestade Imperial não teria obtido a coroa
do Império Romano [Sacro Império Romano-Germânico/
sem a minha ajuda, e posso prová-lo com os documentos
que me foram entregues pelas próprias mãos dos enviados
de Vossa Majestade. [...]
(Jacob Fugger, Carta a Carlos V, sécu-
lo XVI)
À medida que o comércio se desenvolvia, apoiado pe-
los reis, a Igreja católica ia modificando suas idéias a res-
peito da atividade comercial. A Igreja, que anteriormente
fora tão ligada à sociedade feudal, condenando os lucros
do comércio, a partir do século XIII começou lentamente
a rever suas posições, abrindo espaço na sociedade para
a atuação dos comerciantes. Nesse século um dos mais im-
portantes pensadores da Igreja católica escreveu:

/...] Se se pratica o comércio com vistas à utilidade piú-


blica, se se deseja que as coisas necessárias à existência
não faltem ao país, o lucro [...] é apenas [...] remunera-
ção do trabalho [...] Nada impede portanto de praticá-lo
para um fim necessário ou honesto. [...]
(Santo Tomás de Aquino, Suma teolo-
gia, 12/72)

As transformações descritas aconteceram primeiro em


Portugal e na Espanha, aí surtindo efeito mais rapidamente.
Por isso, no início do século XV esses dois países sentiam-
se prontos para organizar constantes viagens pelos ocea-
nos e iniciar o que depois ficou conhecido como os grandes
descobrimentos marítimos. Seu objetivo era encontrar novos
caminhos para as Índias e o Oriente, onde se localizavam |
os produtos mais valorizados pelos europeus, e também
encontrar novas riquezas. Portugal e Espanha queriam for-
talecer a atividade comercial para enriquecer seus reis e
homens de negócio.

21
CAPÍTULO ?

O medo

ntre o desejo dos europeus do século XV de se lan-


çarem aos oceanos, para descobrir novas rotas co-
merciais e riquezas, e sua capacidade de realizar
este desejo existia uma distância muito grande, quase um
abismo. Os europeus desconheciam os oceanos e não pos-
suíam navios e instrumentos náuticos adequados para viajar
em mar aberto; seus conhecimentos sobre a Terra e o Uni-
verso eram insuficientes.
Antes dos grandes descobrimentos, portanto, foi ne-
cessário realizar numerosas transformações científicas e téc-
nicas, além de todas as transformações econômicas, sociais,
políticas e culturais apresentadas no capítulo anterior. Foi
necessário inventar novos instrumentos, criar outros co-
nhecimentos e aperfeiçoar os existentes. Algumas dessas
transformações técnicas e científicas aconteceram antes das
grandes navegações. A maioria delas, entretanto, foi ocor-
rendo à medida que portugueses e espanhóis se aventura-
vam pelos mares.
A noção que os europeus do início do século XV ti-
nham do Universo baseava-se principalmente nas idéias
muito antigas do filósofo grego Aristóteles (século IV a.C.)
e do astrônomo grego Ptolomeu (século II d.C.).
Segundo esses dois estudiosos (observe a fig. 3), a Ter-
ra, imóvel, ocupava o centro do Universo. Em torno dela
giravam o Sol, a Lua e os outros planetas conhecidos,
ca-
da um em sua própria órbita ou esfera celeste.
A última
órbita, a oitava, que encerrava o Universo, era formada
pelo firmamento de estrelas. O planeta Terra
era consti-
tuído por quatro elementos básicos: terra, fogo, água e ar.
22
Esses quatro elementos podiam se estragar, mas o éter —
o elemento que formava as outras esferas — nunca se es-
tragava. Por isso, os homens jamais poderiam encontrar
a perfeição e a felicidade na Terra, mas somente nas esfe-
ras celestes.
mi
Te

FE ! hp
- as e as ad ao isa o De — +

3. À concepção medieval do universo, baseada em Aristóteles


e Ptolomeu.

(Peter Apian, Cosmografia, 1539)

À essas noções os europeus da Idade Média acrescen-


taram as idéias do cristianismo (observe novamente a fig.
3). Criaram mais duas esferas celestes: a nona — onde si-
tuaram o '*céu cristão”” — e a décima, a partir da qual
instalaram o “império do céu, habitação de Deus e de to-

23
dos os bem-aventurados'*. Bem no centro da Terra, loca-
lizaram o inferno.
Os conhecimentos europeus no início do século XV
sobre o planeta também estavam longe de ser exatos. Mui-
tos achavam que a Terra era quadrada, mas a maioria pen-
sava mesmo que ela tinha a forma de um disco, achatada
terminando de repente em um abismo (veja a fig. 4).

4. Representação popular do Universo, na Idade Média. O Sol bri-


lha no centro enquanto a Lua dorme. Uma pessoa, que se encontra
no fim da Terra, vê em outras esferas, para além do firmamento,
as rodas e círculos que sustentam o mundo e fazem as estrelas se
moverem.

Vários mapas da época nem sequer se preocu


pavam
em tentar reproduzir a distribuição espacial de con
tinen-
tes, paises e mares sobre a Terra. Os mapas mais
pareci-
dos com os que conhecemos atualmente
demonstram que
os europeus tinham uma idéia muito vaga
ou não tinham
idéia alguma sobre os outros continentes e oce
anos: geral-
mente a América não aparecia, a África
e à Ásia eram dis-
24
formes, assim como os oceanos; vários desenhos, dispos-
tos por todo o mapa e em suas bordas, misturavam ele-
mentos reais, relativos a vegetação, fauna, relevo, etc., com
fantasias.
Não apenas os europeus desconheciam as reais dimen-
sões e características da Terra. No século XVI os chine-
ses, construtores de uma das mais antigas civilizações exis-
tentes, embora possuíssem mapas

/...] com o título de descrição uniwersal do mundo inteiro


/...] reduziam a extensão da Terra às suas quinze pro-
víncias e, no mar pintado em volta, juntavam algumas
pequenas ilhas com nomes de reinos dos quaas eles haviam
alguma vez ouvido falar. Todos esses reinos reunidos da-
ficilmente igualavam em tamanho a menor província do
Império chinês, o que fez com que, sem hesitação, ornas-
sem seu império com o nome de todo o universo, chamando-
o “Thien hia” ou, como diríeis: “tudo o que está sob 0
céu”. Quando, portanto, eles ouviram e viram que a Cha-
na estava confinada a um canto do Oriente, admiraram
como coisa para eles inaudita essa descrição tão contras-
tante, em sua opinião, do universo. Desejaram poder ler
a escritura, para julgar a verdade da mesma. [...]
(Matteo Ricci, História da expedição
cristã ao reino da China, 1582-1610)

Os europeus do século XV costumavam misturar co-


nhecimentos geográficos com lendas, realidade com ima-
ginação. Acreditavam, por exemplo, na existência de um
país imaginário, Offir, de onde teriam se originado todos
os tesouros do rei Salomão. Os navegantes Cristóvão Co-
lombo e Sebastião Caboto tentaram encontrar Offir na
América e vários navegantes portugueses o procuraram na
África.
Qutro reino imaginário, governado por um rei cris-
tão bondoso e rico chamado Preste João, reunia as cava-
leiras amazonas, as relíquias de Santo Tomé, a fonte da
juventude e enormes rios de ouro, prata e pedras precio-
25
sas,.. Localizado inicialmente na Ásia e, a partir do sécu-
lo XIV, na Africa, esse reino, apesar de nunca ter existi-
do, recebeu descrições detalhadas, como a seguinte, escri-
ta por dois respeitados europeus, já no final do século XVI:

/...] Ora, devendo fazer menção ao Império do Preste João,


que é o maior e mais rico Principe que se encontra em to-
da a África, digamos, resumidamente, que [... / pode ter
o Império deste Rei Cristão 4.000 milhas. À cidade prin-
cipal [...] chama-se Babelmaleque; e o Estado é rico e
abundante de ouro e prata e de pedras preciosas e de toda
sorte de metal. À gente é de desvairadas cores, branca,
preta e intermediária, de boa estatura e de bom parecer.
Os cortesãos e Senhores trajam-se bem de panos de seda
com ouro e pedraria [...] Na festa de Nossa Senhora de
Agosto, ajuntam-se todos os Reis e Senhores principais
[...] Celebra-se uma procissão muito solene: e, da Lgre-
Ja, de onde sai, levam uma imagem da Virgem Mãe de
Deus, grande como uma pessoa comum, toda de ouro; a
qual imagem tem por olhos dois riquíssimos e grandes ru-
bis; e todo o mais corpo da estátua é coberto e arraiado
de pedraria e de lavores* diversos; e é conduzida num an-
dor de ouro [...]
Nesta procissão, sai em público o Preste João, num
carro de ouro ou em cima de um elefante [... | todo ador-
nado de jóias e de coisas preciosas e raras, vestido de tela
de ouro; e é tanta a multidão de gente que concorre a
ver
aquela imagem, que muitos morrem sufocados
pelo aper-
to. foco)
(Filippo Pigafetta, humanista italiano,
e Duarte Lopes, comerciante português,
Relação do reino de Congo e das terras
circunvizinhas, 1591)
Da ignorância nascia o medo. Os
europeus acredita-
vam que nos oceanos desconhecidos m
Oravam terríveis
monstros, prontos a atacar os marinheir
Os, como se ob-
serva na fig. 5 e no documento seguint
e:
26
[...] Tinha somente a aparência de homem na cara, na
cabeça não tinha cabelos mas uma armação, como de car-
neiro, revirada com duas voltas; as orelhas eram maiores
que as de um burro, a cor era parda, o nariz com quatro
ventas, um só olho no meio da testa, a boca rasgada de
orelha a orelha e duas ordens de dentes, as mãos como
de bugio*, os pés como de bor e o corpo coberto de esca-
mas, mais duras que conchas. [...]
(Relato do português Francisco Correia
a respeito do naufrágio da nau Nossa Se-
nhora da Candelária, na ilha Incógni-
ta, século A VIT)

5. Às viagens
pelos oceanos
provocavam
E terror nos
' homens do
M século XV. No
= desenho, um
monstro
marinho
pronto para
atacar a
embarcação.

A EE 27
Um pouco menos assustadoras eram as
sereias, avis-
tadas por Colombo na América e pelo padre jesuíta Henry
Enriquez na ilha Manor, juntamente com tritões, co
mo
eram chamados os homens-sereias. Outro Jesuíta, Eusé-
bio de Nuremberg, assegurava que os marinheiros da
Galícia

[...] descendem de um tritão e de uma moça (bastante avoa-


da) das redondezas. [...]
(Eusébio de Nuremberg, História natu-
ral, século XVI)

Conta-se que, em 1548, 0 arquiduque Filipe


da Áus-
tria exibiu uma sereia que “viveu longos anos
num con-
vento. Ela não falava, mas trabalhava e tecia, Só
que não
podia corrigir seu amor pela água e fazia todos os esf
orços
para a ela voltar”.
O francês Ganeau, por sua vez, classificou as ser
eias
entre-.. os moluscos!:

[...] Entre os moluscos há um peixe com rosto e seios de


mulher, do tamanho de um novilho, cuja carne tem gosto
de vaca. Dizem que seus dentes são um bom remédio para
disenteria. [...]
(Caneau, Tratado de história natural, sé-
culo XVII)

A partir do século XV, tanto os conhecimento


s sobre
o Universo quanto sobre a Terra passaram
por uma ver-
dadeira revolução. No século XVI, o as
trônomo polonês
Nicolau Copérnico conseguiu apresenta
r ao mundo uma
nova teoria: no centro do Univ
erso situava-se o Sol, em
torno do qual giravam todos os pla
netas, inclusive a Ter-
ra (examine a fig. 6).
Embora Copérnico mantivesse
a noção medieval do
= =—
“E
6. O Universo, segundo Copérnico: “Imóvel, no meio de tudo está
o Sol[...] Quem poria esse candeeiro* em outro ou melhor lugar do
que esse, do qual ele pode iluminar tudo ao mesmo tempo?" (Nico-
e o

lau Copérnico, Da revolução dos Corpos Celestes, 1543)


aa

Giordano Bruno, Galileu Galilei e Isaac Newton estabele-


oO
+ """õ"õooõoã

cessem novas bases para a Física e a Astronomia, redesco-


brindo o Universo e o lugar nele ocupado pelo ser humano.
,+|i4](

Os novos conhecimentos astronômicos foram funda-


mentais para a orientação em alto-mar. No século XV os
europeus aprenderam a calcular a latitude a partir da al-
tura do Sol ou da Estrela Polar. Para isso, simplificaram
alguns instrumentos náuticos já conhecidos dos árabes, co-
mo o astrolábio e o quadrante, e inventaram outros, co-
mo a balestilha. A difusão na Europa, a partir do século
XIII, da bússola, antiga invenção de origem provavelmente
chinesa popularizada pelos árabes, permitiu traçar a dire-
ção das rotas (examine as figs. 7, 8 e 9).

29
7e8.0o
astrolábio e
a balestilha
mediam a
altura dos
astros. À
partir desse
dado, os
navegantes
podiam
calcular sua
própria
posição no
Oceano.

À
| [Rs
“o A

(o S
SE

= d
AA s
pao tá 'z
|E SNTIAva | |pa
o

A ,
>

30
9. Com a ajuda da
bússola, cuja
agulha, atraida
pelo magnetismo
da Terra, aponta
sempre para o
norte, os
navegadores
conseguiam se
orientar em todas

Tr
as direções:
“Quando a noite é

o mm
escura, quando
não se vêem nem

RO
Estrela [Estrela

UT
Polar] nem Lua,
então eles
iluminam a
agulha: já não
podem enganar-se,

TT
visto que a ponta
[da agulha] se vira
para a Estrela.
Assim os
marinheiros ficam
seguros de seguir
o caminho certo”.
(GQuiot de Provins,

a
século XIII)

ES
Sobre a utilidade de um outro instrumento, o qua-
drante — também conhecido como ““relógio solar”? —, ates-
a Road
tou um navegador português:

/...] Dois anos depois fem 1462] o senhor rei Afonso ar-
mou uma grande caravela, onde me mandou por capitão
+ me
ria

/...] E eu tinha um quadrante, quando fui a estes países,


e escrevi na tábua do quadrante a altura do pólo ártico,
ei

e achei aí melhor que na carta [mapa/. [...]


(Diogo Gomes, Relação do descobrimento
RC

da Guiné e das ilhas, 1462)


er mememre

A navegação tornou-se tão importante e especializa-


da que, em 1418, 0 Infante D. Henrique — conhecido co-
mo “o Navegador”” — instalou em seu castelo em Sagres,
no promontório? mais saliente e mais isolado do sul de Por-
tugal, um importante centro de estudos de Geografia e Car-
31
tografia. Na Escola de Sagres reuniram-se Os mais com-
petentes cientistas, estudiosos e técnicos de todo o mun-
do, que produziram enorme soma de conhecimentos. Da-
h se coordenou toda a expansão portuguesa,
Para que as viagens em alto-mar se tornassem reali-
dade, foi necessário ainda aperfeiçoar as embarcações,
até
então destinadas apenas à navegação costeira. Velejar em
mar aberto, enfrentar fortes ventos, tempestades e corr
en-
tes, exigia barcos estáveis, rápidos e fáceis de manejar.
Para
atender a estas novas necessidades, os portugueses criaram
a caravela (veja a fig. 10), a embarcação por excelênci
a
dos grandes descobrimentos,

Os europeus estavam prontos.


Começava a grande
aventura pelos oceanos, pelos * “mares nu
nca dantes nave-
gados” a que se referiu o poe ta Luí
s de Camões em sua
a

obra Os Lusíadas, escrita para glorificar


os feitos dos por-
tugueses e de seus reis em além-mar.

32
CAPÍTULO 3

A aventura

partir do início do século XV, os portugueses ten-


taram chegar à Ásia pelo mar, contornando a
África. Eles desejavam eliminar seus concorren-
tes, principalmente os árabes e os italianos — que contro-
lavam as rotas terrestres e também as rotas do mar Medi-
terrâneo —, para ficarem sozinhos com todo o lucro do
comércio. Esse desejo tornou-se uma necessidade urgente
a partir de 1453, quando os turcos ocuparam a cidade de
Constantinopla e bloquearam as passagens terrestres dos
europeus para o Oriente.
Os portugueses levaram mais de oitenta anos para con-
seguir contornar a África e alcançar as Índias. Foi um es-
forço gigantesco, que lhes custou muitas vidas e muito di-
nheiro. Os relatos seguintes dão uma idéia das dificulda-
des enfrentadas pelos navegantes europeus durante as via-
gens marítimas:

/...] Já não tinhamos mais nem pão para comer, mas


apenas polvo impregnado de morcegos, que tinham lhe de-
vorado toda a substância, e que tinha um fedor insupor-
tável por estar empapado em urina de rato. À água que
nos víamos forçados a tomar era igualmente pútrida e fe-
dorenta. Para não morrer de fome, chegamos ao ponto cri-
tico de comer pedaços de couro com que se havia coberto
o mastro maior, para impedir que a madeira roçasse as
cordas. Este couro, sempre ao sol, à água e ao vento, es-
tava tão duro que tinhamos que deixá-lo de molho no mar
durante quatro ou cinco dias para amolecer um pouco. Fre-
33
gientemente nossa alimentação ficou reduzida à serragem
de madeira como única comida, posto que até os ratos,
tão repugnantes ao homem, chegaram a ser um manjar
tão caro, que se pagava meio ducado por cada um. Dosail
(Antonio Pigafetta, Diário da expedição

a]
de Fernão de Magalhães, 1519-292)
/...] aquém do Equador, tivemos não só muito mau
tempo, entremeado de chuvas ou calmaria, mas ainda pe-
rigosa navegação por causa da inconstância dos ventos que
sopram conjuntamente; apesar de andarem os nossos três
navios perto uns dos outros, não podiam os pilotos obser-
var uma marcha uniforme. Assim como num triângulo,
um 1a para leste outro para oeste e outro para o norte.
Erguiam-se repentinamente borrascas* que com tal fúria
açoitavam as nossas velas, que nem sei como não viraram
cem vezes de mastros para baixo e quilha para cima [...]
O sol é fortíssimo e além do calor que padeciamos
não tinhamos, fora das parcas refeições, água doce nem
outra bebida em quantidade suficiente. Sofríamos assim
tão cruelmente a sede que cheguei quase a perder a respi-
ração e a ficar sem fala durante mais de uma hora, donde
se compreende que o que mais desejam os marinheiros nes-
sas longas viagens é ver o mar convertido em água doce.
E
(Jean de Léry, Viagem à terra do Bra-
sil, 1578)
Desenvolvendo as técnicas, os navegantes portugue-
ses aos poucos foram dominando o mar, conquistando a
costa africana e ultrapassando os pontos mais difíceis. Va-
leu a pena: afinal, descobriram aquela que se tornaria a
mais Importante rota comercial da época — o caminho ma-
rítimo para as Índias —, capaz de enriquecer reis e comer-
ciantes com metais preciosos, especiarias, sedas, escravos
e várias outras mercadorias valorizadas.
Jr” O primeiro ponto conquistado pelos
portugueses na
Africa foi Ceuta, em 1415, após duras batalhas
contra os
mouros. O mapa da fig. 11 mostra Ceuta, situada
no ex-
34
"SIB/2JQUIOD SBJOJ SBAOU LBJGD0/oGBISA
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SOLNANIIDODSAA SAINVHO SÔU SVLOU SIVAIONT
tremo norte da África, junto à passagem do mar Mediter-
râneo para o Atlântico, em ponto estratégico. Como o do-
cumento abaixo deixa claro, Ceuta era também um im-
portante centro comercial:

[...] Ceuta, cidade em o estreito Hercúleo [estreito de Gi-


braltar], em frente de Gibraltar. Esta foi uma das prin-
cipais cidades no tempo dos Mouros assim como em ri-
quezas e nobrezas e mercadorias, e aqui havia a principal
navegação delas para toda a terra do sertão. [...]
(Valentim Fernandes, cronista português,
1507)
Ultrapassar o cabo Bojador (veja o mapa da fig. 11)
foi um dos desafios mais difíceis para os portugueses. À
época, acreditava-se que
[...] depois deste Cabo não há gente nem povoação algu-
ma; a terra não é menos areosa* que os desertos da Lí-
bia, onde não há água, nem árvore, nem erva verde; e
o mar é tão baixo, que a uma légua de terra não há de
fundo mais que uma braça. As correntes são tamanhas,
que navio que lá passe, jamais nunca poderá tornar. [...]
(Gomes Eanes de Zurara, Crônica de
Guiné, 1452)

Em 1434, entretanto, o navegador Gil Eanes

[...] menosprezando todo perigo, dobrou o Cabo /...] onde


achou as coisas muito pelo contrário do que ele e os outros
até ali presumiam. [...]
(Gomes Eanes de Zurara, op. cit., 1452)

Somente depois de cinquenta e quatro anos e mui


tas
tentativas, Os portugueses conseguiram contor
nar o sul da
Africa e, de lá, partir para a Ásia. O
próximo documento
relata essa aventura, chamando a atenção
para a sua difi-
culdade e, ao mesmo tempo, para a
sua importância:
36
/...J Já Jatigados, deram a volta e encontraram então o
que procuravam com pertinácia*, aquele notável promon-
tório escondido havia tantas centenas de anos e tantas di-
higências dos homens. Estes seus descobridores deram-lhe
o nome de Tormentoso, por ali terem passado o perigo
de uma grande tormenta, e Cabo da Boa Esperança lhe
chamou o nosso rei, pela esperança, que lhe prometia, do
descobrimento da navegação da India. [...]
(Manuel de Faria e Sousa, Ásia portu-
guesa, século XVI)

Em 1498, finalmente, o português Vasco da Gama


chegou às Indias:

/...] E ao domingo [20/5/1498] fomos junto a umas


montanhas, as quais mais altas os homens nunca viram,
que estão sobre a cidade de Calicute. E chegamo-nos tan-
to a elas até que o piloto /...] nos disse que aquela era
a terra que nós desejdvamos de tr. [...]
(Vasco da Gama, Diário da viagem,
1498)

A importância desse feito português pode ser com-


preendida tanto em termos econômicos, pela riqueza da
produção e do comércio da India na época, quanto em ter-
mos culturais, pela antiguidade e sofisticação da civiliza-
ção hindu, que já há séculos exercia enorme fascínio sobre
os europeus. Quase quatrocentos anos depois da façanha
portuguesa, o filósofo alemão Hegel escreveu estas pala-
vras sobre a Índia: “Desde os tempos mais remotos todas
as nações dirigiam suas paixões e seus ardores para o ob-
jetivo de abrir caminho aos tesouros dessa terra de mara-
vilhas, as mais preciosas que a Terra conhece, tesouros da
Natureza — pérolas, diamantes, perfumes, essências de
rosa, leões, elefantes, etc. — tanto quanto tesouros da Sa-
bedoria”.
Enquanto Portugal procurava o caminho marítimo pa-
ra as Índias navegando em direção ao nascente, a Espa-
nha, sua maior concorrente nos mares, tentava uma outra

37
rota. Baseados em conhecimentos da época, que afirma-
vam ser a Terra muito menor do que realmente é, os es-
panhóis imaginaram que, navegando em direção ao poente,
chegariam à Ásia antes dos portugueses. liveram uma sur-
presa: no caminho, encontraram um novo continente!
Desta forma o escrivão da esquadra relatou como Cris-
tóvão Colombo descobriu a América e tomou posse dela
para os reis da Espanha:

/...] partimos numa sexta-feira, 3 de agosto de 1492 anos,


da barra de Saltes [...] Quinta-feira, 11 de outubro às
duas horas depois da meia-noite apareceu a terra, da qual
estariam a duas léguas. Amainaram todas as velas [...]
temporizando até o dia de sexta-feira em que chegaram
a uma alhota fatualmente ilha de Watlings, nas Baha-
mas/ que se chamava, em lingua dos Indios, Guanahani
[...] O almirante chamou os dois capitães [...] e disse
que lhe dessem por fé e testemunho como ele perante todos
tomava, como de fato tomou, posse da dita ilha pelo Rei
e pela Rainha, seus senhores [...]
(Cristóvão Colombo, Primeira carta aos
reis de Espanha, 1492)

Portugal e Espanha tinham interesse em garantir ra-


pidamente a posse das imensas terras que estavam desco-
brindo. Como os dois países eram católicos e desejavam
converter ao catolicismo os povos encontrados, tinham no
Papa um grande aliado. Um dos resultados dessa aliança
foi o tratado de Tordesilhas. Assinado em 1494, esse tra-
tado desenhou na Terra uma linha imaginária: as desco-
bertas que se situassem a oeste dela, pertenceriam à Espa-
nha; as situadas a leste, a Portugal (veja a linha de Torde-
silhas no mapa da fig. 11). Assim, o Brasil, por exemplo,
antes mesmo de ser descoberto, já tinha dono: uma parte
de nosso atual território pertenceria a Portugal, e a outra
parte, à Espanha.
Os outros países europeus, que também tinham inte-
resse em descobrir novas terras, mas ainda sem sucesso,
38
reagiram ao tratado. À esse respeito atribui-se ao rei da
França, Francisco I, a seguinte frase: “Desconheço o tes-
tamento de Adão que dividiu o mundo entre Portugal e
Espanha!”. Desde o final do século XV, Inglaterra, França
e Holanda começaram a enviar regularmente expedições
para América, Africa, Asia e Oceania. Dessa época em
diante os mares e terras já descobertos, assim como os que
vieram a se descobrir depois, foram muito disputados pe-
los europeus; nessa disputa a pirataria foi muito utilizada.
Em 1500, os portugueses avistaram pela primeira vez
o Brasil, como relata o escrivão da frota:

/...] E assim seguimos nosso caminho por este mar, de


longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que fo-
ram 21 dias de Abril, estando da dita ilha obra de 660
ou 670 léguas [...] topamos alguns sinais de terra, os
quais eram muita quantidade de ervas compridas [...] E
quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que
chamam furabuchos. Neste dia, a horas de véspera, hou-
vemos vista de terra. Primeiramente dum grande monte,
mui alto e redondo: e doutras serras mais baixas ao sul
dele: e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto
o capitão pôs o nome — o Monte Pascoal, e à terra —
a Terra de Vera Cruz. [...]
(Pero Vaz de Caminha, Carta ao rei de
Portugal, 1500)

Em 1519, os espanhóis já se sentiam em condições de


tentar a mais ousada e ambiciosa viagem jamais feita: dar
a volta ao mundo pelo mar. Para isso, o navegador portu-
guês Fernão de Magalhães, a serviço da Espanha, rece-
beu duzentos e sessenta e cinco homens e

/...] cinco naves: duas de cento e trinta toneladas cada


uma, duas de noventa e uma de sessenta toneladas, com
tripulação, provisões e armas para dois anos [...]
(Declaração real de Valladolid, 1518)
ir, a
39
e ata Md
+ vo ob qm
A viagem durou três anos (veja sua rota no mapa da
fig. 11) e foi dificílima. Ao chegar de volta à Espanha, a
esquadra estava reduzida a apenas dezoito homens e um
único navio. O capitão Magalhães morrera, em combate
nas Filipinas. Mas nessa viagem foi possível comprovar que
a Terra é redonda, acumular muitos conhecimentos sobre
o mundo, descobrir vários corpos celestes, um oceano (o
Pacífico), ilhas e mares e um estreito (estreito de Maga-
lhães), que era a passagem marítima através da América
há tempos procurada pelos europeus, ligando o Atlântico
ao novo oceano.
A viagem de Magalhães completou um ciclo na his-
tória das navegações, iniciado cem anos antes com a con-
quista de Ceuta. Graças às descobertas acontecidas nesse
período, o mundo conhecido cresceu, os horizontes se alar-
garam e os conhecimentos se acumularam. Pela primeira
vez na história, povos de todos os continentes puderam
manter contato. Tudo isso modificou profundamente a
compreensão que os homens tinham do mundo e de si pró-
prios e abriu caminho para novas conquistas, interesses e
maneiras de pensar.

&0
: EM
CAPÍTULO 4

O espanto

uando os europeus chegaram a África, Ásia e


América, sua reação foi de profundo espanto. À
maioria das coisas que encontraram eram intei-
ramente novas para eles, diferentes das existentes na Eu-
ropa. O contrário também aconteceu: africanos, asiáticos
e americanos se surpreenderam com a chegada dos navios
que traziam homens, animais e objetos desconhecidos.
O espanto dos negros ao ver um branco pela primei-
ra vez foi desta forma descrito por um viajante:

/...] Os negros, tanto homens como mulheres, acorriam


todos para me ver, como se se tratasse de uma grande ma-
ravilha, pois parecia-lhes muito extraordinário estarem pe-
rante um cristão, de que nunca tinham ouvido falar. Não
se espantavam menos com a brancura de minha pele e das
minhas roupas, que lhes causaram grande admiração RR)
Alguns mexiam-me nas mãos e friccionavam-me os bra-
ços com saliva, para ver se a minha brancura provinha
de qualquer pintura ou se a carne era mesmo asssim. Quan-
do verificavam isso, ficavam muito espantados. Ne)
(Cadamosto, Relação das viagens à cos-
ja ocidental da África, 1455-57)
Esta foi a descrição que índios que habitavam o atual
México fizeram dos europeus:

/... têm] o corpo envolto, somente as caras aparecem. São


brancas, como se fossem de cal. Têm cabelo amarelo, em-
bora alguns o tenham preto. Sua barba é grande [... J
(Frei Bernardino de Sahagun, História
geral das coisas da Nova Espanha,
1555)

A surpresa dos europeus em relação aos indígenas,


e vice-versa, pode ser percebida neste documento:

[...] não têm barba nenhuma nem vestem vestimento ne-


nhum assim os homens como as mulheres, que como saí-
ram do ventre de suas mães assim vão, que não cobrem
vergonha alguma; e assim pela diversidade da cor, que
eles são de cor como parda [...] e nós brancos; de modo
que sentindo medo de nós, todos se meteram no bosque [...]
(Américo Vespúcio, Carta a Francisco de
Medici, 19/7/1500)
Os europeus retrataram desta forma os habitantes do
norte da Africa, de origem árabe:

[...] Toda esta região é ocupada por homens ocultos e só


seus olhos são visíveis; eles vivem sob a tenda e cavalgam
sobre camelos. [...]
(AÁilas catalão, 1375-80)

Os chineses viram assim os holandeses:

[...] têm os olhos fundos e o nariz longo, os cabelos, as


sobrancelhas, a barba e os bigodes vermelhos. Eles têm
alta estatura, o dobro da normal, e têm grandes pés. Di
(Relatório chinês, século XVII)
Para explicar as diferenças físicas entre si e os povos
que encontraram, os europeus construíram várias
teorias,
| algumas absurdas, como esta, datada do século XVII:

Por que razão os negros têm o nariz chato? Eles


têm na-
nz chato porque as mulheres andam Sempre com
os filhos
às costas embrulhados em panos de algodão,
até quando
batem o milho, e a violência dos movimentos
Jaz com que
42
os tendões se partam, pois o nariz das crianças se choca
continuamente com 05 ombros das mães. [...]
(C. Jannequin, Viagem à Líbia e ao rei-
no do Senegal, 1643)

Como em outros continentes, na América os europeus


onheci-
encontraram enorme quantidade de animais desc
e
dos para eles: “Não existe no Brasil nenhum quadrúped
semelhante aos nossos””, constatou surpreso o viajante fran-
cês Jean de Léry, no século XVI. Um cronista português
conseguiu descrever um destes quadrúpedes para Os euro-
peus que nunca haviam visto o animal:

/...] o mais fora do comum dos outros animais /...] cha-


mam-lhe tatus e são quase como leitões: têm um casco co-
mo de cágado, o qual é repartido em muntas juntas como
lâminas e proporcionadas de maneira que parece totalmente
um cavalo armado. Têm um rabo comprido todo coberto
do mesmo casco. O focinho é como de leitão, ainda que
mais delgado e só botam fora do casco a cabeça. Tém as
pernas baixas e criam-se em covas como coelhos. À carne
destes animais é a melhor e mais estimada que há nesta
terra e tem o sabor quase como de galinha. [...]
(Pero de Magalhães Gandavo, História
da província de Santa Cruz, 1576)

Já outro cronista assim descreveu o mesmo tatu:

/...] é um animal estranho, tem as pernas curtas, cheias


de escamas, o focinho comprido cheio de conchas, as ore-
lhas pequenas e a cabeça que é toda cheia de conchinhas;
os olhos pequenininhos, o rabo comprido, cheio de lâmi-
nas redondas [...] quando este animal teme outro, mete-
se todo debaixo destas armas, sem lhe ficar nada de fora
/...); têm as unhas grandes, com que fazem as covas de-
baixo do chão, onde criam. Mantêm-se de frutas silves-
tres e minhocas, andam devagar e, se caem de costas, têm
a 43
trabalho para se virar, e têm a barriga vermelha toda cheia
de verrugas. [...]
(Gabriel Soares de Sousa, Tratado des-
entivo do Brasil, 1587)

As aves da América encantaram os europeus...

[...] pássaros de diversas formas, e cores, e tantos papa-


gaios que era deslumbrante; alguns corados como carmim,
outros verdes e cor de limão e outros negros, e encarnados,
e o canto dos pássaros que estavam nas árvores era coisa
tão suave, e de tanta melodia, que nos acontece muitas
vezes estarmos parados pela doçura deles. E a mata é de
tanta beleza e suavidade que pensamos estar no Paraiso
Lertestro. fue.
(Américo Vespúcio, Carta a Francisco de
Medici, 18/7/1500)

--. assim como sua vegetação, clima e hidrografia, tão di-


ferentes dos da Europa:

/...Jéa vista muito deliciosa e fresca: está toda vestida


de muito alto e espesso arvoredo, regada com as águas de
muitas e mui preciosas ribeiras de que abundantemente
participa toda a terra, onde permanece sempre a verdura
com aquela temperança da primavera que cá fna Europa]
nos oferece abril e maio. Não há lá frios, nem ruínas de
inverno que ofendam as plantas, como cá ofendem as nos-
sas. E de tal maneira comedida na temperança dos ares
que nunca nela se sente frio nem quentura excessiva. As
fontes que há na terra são infinitas, cujas águas fazem
crescer muitos grandes rios que por esta costa [... | entram
no Oceano. [...]
(Pero de Magalhães Gandavo, op. cit.,
1576)

[...J a terra em si é de muitos bons ares, assim frios e


temperados [...] Aguas são muitas e infindas. E de tal
44
-á nela
maneira é graciosa que querendo-a aproveitar dar-se
Van
tudo, por bem das águas que tem.
(Pero Vaz de Caminha, Carta ao ret de
Portugal, 1500)

viver
Os europeus encontraram infinitas maneiras de
Os relatos que
entre os povos da África, Ásia e América.
am des ses con tat os são hoje font e pre cio sa par a os his-
ser
sobre os cos-
toriadores. Por um lado, os relatos informam
dos pov os des cob ert os. Por out ro lado , esclarecem
tum es
de pen sar dos eur ope us e sua man eir a de ver
as for mas
um via-
o mundo. À seguir, um desses relatos, escrito por
do
jante italiano, a respeito do Senegal (na África negra)
século XV:

/...] Estes povos andam quase sempre sem qualquer es-


pécie de roupa a cobri-los, exceto uma pele de cabra corta-
da em forma de calções que usam para esconder as partes
secretas. Mas os senhores e as autoridades usam camisas
de algodão; este país produz quantidade desta matéria,
que as mulheres fiam [...]
As mulheres, tanto as casadas como as outras, an-
dam nuas da cintura para cima, e da cintura para baixo
cobrem-se com um pano feito de algodão, enrolado à volta
do corpo, que lhes chega até o meio da perna, € andam
todos descalços, sem nada na cabeça exceto 05 cabelos que
penteiam em tranças, engenhosamente dispostas é atadas
de diversas maneiras [.../
Aos homens é [...] permitido ter tantas mulheres
quantas desejar, o que [...] fazem os senhores e os sim-
ples súditos que dispõem de meios para se sustentar.
Neste reino de Senegal nem em nenhuma outra terra
para além dele cresce trigo, centeio, aveia ou vinha, pois
me-
o país é quente em extremo; além disso, durante nove
ses do ano, desde outubro até fins de junho, não cai uma
gota de chuva [.../ Na falta disso, possuem toda a espe-
49
cie de milho, grosso e miúdo, favas e outros legumes, dos
maiores e mais belos do mundo. [...]
(Cadamosto, op. cit., 1455-57)

Em relação ao Brasil, muitas descrições de viajantes


e cronistas registram os costumes dos primeiros habitan-
tes do país:

/...] Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o


menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e
nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto [...]
traziam os berços de baixo furados e metidos neles uns os-
sos brancos e verdadeiros, de comprimento de uma mão
travessa, da grossura de um fuso de algodão, agudos na
ponta como furador. [...]
(Pero Vaz de Caminha, op. cit., 1500)

/...] Os mantimentos que plantam em suas roças, com


que se sustentam [.../ são mandioca e milho. Além disto,
ajudam-se da carne de muitos animais que matam [.../
Também se sustentam de muito marisco e peixes que vão
pescar pela costa em jangadas [...]
(Pero de Magalhães Gandavo, op. cit.,
1576)
/...] Os nossos brasileiros pintam muitas vezes o corpo
com desenhos de diversas cores e escurecem tanto as coxas
e pernas com o suco de jenipapo que ao vê-los de longe
pode-se imaginar estarem vestidos com calças de padre.
/...] Sendo a poligamia permitida, podem os homens
ter quantas mulheres lhes apraz e quanto maior o número
de esposas, mais valentes são considerados [...]
Não havendo cavalos nem asnos ou outros animais
de carga nesse pais, o transporte se faz em geral a pé [...]
Pernostando com outro francês em uma aldeia, certa
ocastão ouvimos, quase à meia-noite, gritos de mulher Va
acudimos imediatamente e verificamos que se tratava ape-
nas de uma mulher em hora de parto. O pai recebeu a
46
criança nos braços, depois de cortar com os dentes o cor-
dão umbilical e amarrá-lo. Em seguida, continuando no
seu ofício de parteiro, esmagou com o polegar o nariz do
filho, como é de praxe entre os selvagens do pais. Note-se
que nossas parteiras, ao contrário, apertam o nariz aos
recém-nascidos para dar maior beleza, afilando-o. Ape-
nas sai do ventre materno, é o menino lavado e pintado
de preto e vermelho pelo par, o qual, sem enfaixá-lo, deita-o
em uma rede de algodão. Se é macho dá-lhe logo um pe-
quenino tacape e um arco miúdo com flechas curtas de pe-
nas de papagaio. [...]
(Jean de Léry, Viagem à terra do Bra-
sil, 1578)

As informações desse último relato são completadas


pelas deste outro, datado já do século XVII:

/...] A mulher, em acabando de parir, se vai lavar ao


rio, e o marido se deita na rede, muito coberto, onde está
em dieta até que se seque o umbigo do filho, e ali o vêm
os amigos visitar [...|
(Frei Vicente do Salvador, História do
Brasil, 1618)

Um costume de certos povos que deixou os europeus


horrorizados foi a antropofagia. Tratava-se de uma práti-
ca ritual, religiosa, em que se matavam e comiam pessoas.
Normalmente os sacrificados pertenciam a tribos inimigas:

/...] Para o ano, se não nos comerem os índios, vos es-


creverei mais [...]
(Carta do padre jesuita Antônio Navar-
ro, 1553)

[...] Morrendo este preso, logo as velhas o despedaçam


e lhe tiram as tripas, que mal lavadas cozem para comer,
e reparte-se a carne por todas as casas e pelos hóspedes
e dela comem logo assada e cozida [...]
(Frei Vicente do Salvador, op. cit.,
1618)

47
[...] Os homens e as mulheres [de uma tribo do Brasilj
são fortes e bem conformados como nós. Comem algumas
vezes carne humana, porém somente a de seus inimigos.
Mas não é por gosto ou apetite que a comem [...] não
os comem nos campos de batalhas, nem tampouco vivos.
Despedaçam o corpo e repartem entre os vencedores [...]
Ísto me foi contado pelo nosso piloto Juan Carvajo que
havia passado quatro anos no Brasil. [...]
(Antonio Pigafetta, Diário da expedição
de Fernão de Magalhães, 1519-22)

Nas terras descobertas, os europeus tanto encontra-


ram povos vivendo de maneira extremamente simples co-
mo povos que já haviam acumulado tesouros incalculáveis
e atingido nível técnico ou cultural sofisticado:

/...] Não há divisão de bens entre eles [os índios brasilei-


rosf. Nada sabem de dinheiro. Suas riquezas são penas
de pássaros; e quem tem muitas é que é rico. Quem traz
pedras nos lábios, entre eles, é dos mais ricos. [...]
(Hans Staden, Viagem ao Brasil, 1557)

[...] Fui a um mercado e feira perto do sítio onde me en-


contrava instalado fno Senegal, Africa]. Reuniam-se ali
homens e mulheres que vinham de cinco ou seis milhas
em redor. Dirigi-me lá para tentar encontrar ouro, mas
achei-o muito mal fornecido de tudo. Podemos avaliar a
grande pobreza que reina entre aquele povo, pelas coisas
que há para vender e que são as seguintes: algodão, fios
e tecidos de algodão, legumes, óleos, milho, conchas de
madeira, esteiras e todos os objetos de que aquela gente
se serve habitualmente. [...]
(Cadamosto, op. cit., 1455-57)

[...] Procurarei dar, mui poderoso senhor, um pequeno


relato das grandezas, maravilhas e estranhezas desta grande
cidade de Tenochtitlán [atual cidade do México /, de
sua
48
gente, seus ritos e costumes, assim como da maneira or-
deira como a governam, o que se dá da mesma forma nas
outras cidades. Mas, certamente, tudo o que direi será pou-
co para descrever o que existe aqui. Mas pode acreditar
Vossa Majestade que, se algum erro cometer, será por ex-
clusão e não por excesso [...| Tem muitas praças, onde
há contínuos mercados e pontos de compra e venda. Há
uma praça tão grande que corresponde a duas vezes a ci-
dade de Salamanca, com pórticos de entrada, onde há co-
tidianamente mais de sessenta mil almas comprando e
vendendo. Flá todos os gêneros de mercadorias que se co-
nhecem na Terra, desde jóias de ouro, prata e cobre até
galinhas, pombos e papagaios. Flá casas como de boticá-
ros, onde vendem medicamentos feitos por eles. Há casas
como de barbeiros, onde lavam e raspam as cabeças. Há
casas onde dão de comer e beber mediante um pagamento.
Há verduras de todos os tipos, mel de abelhas, fios de
algodão para tecer, couro de veado, tintas para pintar te-
cidos e couros, louças de muito boa qualidade, milho em
grão ou já transformado em pão de excelente sabor. En-
fim, vendem tantas coisas, mas é preciso salientar que em
cada rua é vendido apenas um tipo de mercadoria, haven-
do muita ordem quanto a isto. Há no centro da praça uma
casa de audiências, onde estão reunidos dez ou doze juí-
zes para julgar as questões decorrentes de desacertos nas
compras e vendas. Também mandam castigar aqueles que
cometem atos de delingiuência. [...]
(Hernán Cortés, conquistador do Méxi-
co, Segunda carta ao rei de Espanha,
1519)

“Sou o rico Potosí, do mundo sou o tesouro, sou o


rei das montanhas e sou a inveja dos reis”” — assim estava
escrito no escudo da cidade de Potosí (na atual Bolívia),
onde se localizava a maior mina de prata da América.
[...] Não se conhece nenhum porto comercial tão grande
como o de Málaca fna atual Malásia] nem nenhum outro

PF is E
local onde se encontrem mercadorias de tão boa qualidade
e tão valiosas. Existem aqui todos os produtos do Oriente
e vendem-se produtos de todo o Ocidente. Encontra-se tu-
do o que se quer e por vezes mais do que se procura. [...]
(Tomé Pires, Suma oriental, 1515)

Africanos, americanos e habitantes da Oceania, que


pela primeira vez conheciam os objetos e costumes da Eu-
ropa, também se espantaram. Os índios astecas, por exem-
plo, referiram-se às caravelas como “montes mexendo-se
pelo mar'” e descreveram os cavalos, desconhecidos dos
americanos, “*como veados nos quais [os europeus] mon-
tavam e ficavam da altura dos tetos”. O que mais surpreen-
deu os povos descobertos foram as armas de fogo européias:

[Cristóvão Colombo... ] fez disparar uma bombarda e uma


espingarda e fo cacique), vendo o efeito causado pelo es-
trondo, ficou maravilhado. E quando a população ouviu
os tiros, caiu toda no chão. [...]
(Cristóvão Colombo, Diário de viagem,
1492)
O canhão provocou especial assombro e medo entre
os povos encontrados:

q /...] Muito espanto lhe causou ao ouvir como dispara um


canhão f...|, como derruba as pessoas; e atordoaram-se
os ouvidos. E quando cai o tiro, uma bola de pedra sai
de suas entranhas: vai chovendo fogo [...]
(Frei Bernardino de Sahagún, op. cit.,
1555)
o —
ai

/...] Há várias coisas que despertam a admiração dos ho-


a

; mens, entre elas a velocidade dos tiros de besta e, mais


qu

ainda, 0 terrível som da artilharia, o que constatei quan-


do vários negros foram ao nosso navio e eu mandei dispa-
o,

rar uma vez, o que lhes provocou um terror maravilhado:


,

ficaram ainda mais espantados quando lhes disse que o


canhão podia derrubar e matar mais de cem homens. Não
A

50
á
:
conseguiam convencer-se de que não se tratava de algo dia-
bólico. [...]
(Cadamosto, op. cit., 1455-57)

Um pensador europeu do século XVI conseguiu ex-


pressar bem o que sentiram africanos, americanos e habi-
tantes da Oceania diante de uma cultura até então intei-
ramente desconhecida para eles:

f...J o justo espanto em que caíram essas nações ao ver


chegarem inesperadamente homens barbudos, de língua e
religião diferentes, diferentes na forma e no porte, e vindos
de uma parte do mundo afastada [...] montados em gran-
des monstros desconhecidos, de quem nunca vira um ca-
valo ou outro bicho capaz de carregar e sustentar um ho-
mem ou qualquer outra carga; usavam coletes de uma pe-
le luminosa e dura e armas cortantes e resplandescentes [...]
(Montaigne, Ensaios, 1577-80)

91
CAPÍTULO 5

À conquista

s europeus chegaram às terras descobertas como


se fossem seus legítimos donos, delas tomando
posse em nome dos reis. Em nenhum momento
lhes ocorreu que os povos encontrados pudessem ter qual-
quer direito à terra onde nasceram e viviam:

[...] Fincamos uma cruz em cima de uma montanha pró-


xima, a qual chamamos Monte-Cristo, e tomamos posse
desta terra em nome do rei da Espanha. [...]
(Antonio Pigafetta, Diário da expedição
de Fernão de Magalhães, 1519-1522)

/O rei de Portugal já em 1499 intitulava-se...] Senhor


da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etió-
pra, Arábia, Pérsia e India. [...]
(D. Manuel, Carta aos reis da Espanha,
28/8/1499)

[Os espanhóis. ..] tudo pegaram, de tudo se apossaram,


tudo for tomado como se fosse seu, de tudo apropriaram-
a Sr
0 TO

se como se fosse deles. [...]


(Frei Bernardino de Sahagiún, História
gato mo
nr

geral das coisas da Nova Espanha,


a =

1555)
O
a
E

Os conquistadores europeus foram ocupando e domi-


nando as terras descobertas. Em todos os continentes as
cenas de violência foram muito mais frequentes do que o
relacionamento cordial. De uma hora para outra, as po-
22
pulações da Ásia, África, América e Oceania se viram in-
vadidas, obrigadas a aceitar as ordens daqueles homens
que entravam como senhores das terras, das pessoas, das
casas e das riquezas. Diante de tantos metais preciosos,
especiarias, pérolas, jóias, tesouros, a ganância subiu à ca-
beça dos europeus. O resultado foi a conquista à base da
destruição e violência:

[Os astecas... | estavam em tão má situação que [...] pa-


ra combater tinham que caminhar sobre o corpo dos seus
mortos. Foz tanta a mortandade que entre mortos e presos
somou-se mais de quarenta mil almas [somente nesse ata-
e

que]. Quando entramos naquela parte da cidade | Tenoch-


tutlân, atual cidade do México], não havia outra coisa
—————eeeee—

para colocar os pés que não fosse o corpo de um morto. [...]


(Hernán Cortés, Terceira carta ao rei de
Espanha, 15/5/1522)

[Os espanhóis... ] entravam nas vilas, nos burgos e al-


deias, não poupando crianças nem homens velhos, nem
mulheres grávidas nem parturientes e lhes abriam o ven-
=

tre e faziam em pedaços. [...]


(Frei Bartolomeu de Las Casas, Brevis-
De

sima relação da destruição das Indias,


1562)

Em termos de armas, os europeus possuíam enorme


superioridade sobre a maioria dos povos descobertos. Eles
conheciam o uso da pólvora para fins militares, e na épo-
ca já utilizavam tanto os possantes canhões como os arca-
buzes, armas portáteis semelhantes aos atuais fuzis. Em-
pregavam também o ferro, nas armas e nas armaduras,
e com estas protegiam o corpo inteiro.
Embora também tivessem armas e fossem acostuma-
dos às guerras, os povos descobertos não conseguiram re-
sistir aos europeus. À única exceção foram povos asiáti-
cos, capazes de manter os invasores a distância ainda por
bastante tempo. A violência e o medo espalharam-se pelo
mundo:

A ON a 5)
/...] Como armas [os habitantes das ilhas do Oceano Pa-
cífico] não possuem mais do que uma lança contendo um
espinho pontiagudo de peixe [...] usam também a
zarabatana * e grossas flechas de madeira, de um palmo
de comprimento, com a ponta em formato de arpão. Em
outras, a ponta é um espinho de peixe, enquanto as de
bambu têm a ponta envenenada com certa erva [...] Ti-
nham na mão esquerda um arco curto e maciço, cuja cor-
da era feita do intestino da tartaruga. [...].
(Antonio Pigafetta, op. cut., 1519-22)

/Os africanos da costa ocidental... | usam como armas ofen-


sivas azagaias*, semelhantes a um dardo leve, que têm
uma ponta de ferro rodeada de pequenos arpões ou gan-
chos colocados muito perto uns dos outros [...] para que,
ao retirá-la por onde entrou, a carne fique toda rasgada
fool (Cadamosto, Relação das viagens à cos-
ta ocidental da Africa, 1455-57)

[Cortés...] mostrou-lhes as espadas. Eles não as conhe-


ciam, seguravam-nas pelo fio, cortavam-se. f...]
(Bernal Diaz del Castillo, História ver-
dadeira da conquista da Nova Espanha,
1519)

[Os espanhóis... | rápido dispararam um canhão. Tudo


ficou confuso. [Os índios] corriam sem rumo, as pessoas
dispersavam-se sem quê nem porquê, debandavam, como
se fossem perseguidos. Tudo era como se todos tivessem
comido cogumelos estupefacientes *, como se tivessem vis-
to algo assombroso. O terror dominava a todos, como se
todo mundo tivesse perdido o coração. E quando anoite-
cia, era grande o espanto, o pavor se estendia a todos,
por temor perdiam o sono. [...]
(Frei Bernardino de Sahagún, op. cit.,
1555)
12 e 13. O aspecto militar da conquista é ressaltado pela escultura
do Benin (Africa), que mostra um conquistador português, e pelo
desenho asteca retratando o cerco espanhol a Tenochtitlán (cida-
de do México).

Às vezes ocorria de os índios, nos combates, se apo-


derarem das armas dos conquistadores. Mas os valores in-
dígenas, muito diferentes dos europeus, acabavam por des-
tinar para eles um uso diferente:

[...] Todas as vezes que os tarascos [índios do México]


se apoderavam de armas de fogo tomadas dos espanhóis,
as armas eram oferecidas aos deuses nos templos. [...]
(Martins de Jesus de la Coruna, Rela-
ção de Michoacán, 1540)
O cavalo, desconhecido entre os índios, foi um fator
importantíssimo para a vitória militar dos conquistadores.
Os indígenas, em pânico, fugiam desordenadamente ou
se jogavam ao chão. O cacique Tecum chegou a decapitar
o cavalo do espanhol Pedro Alvarado certo de que, dessa
forma, estava cortando também parte do corpo do con-
quistador.
A simples presença física dos europeus foi responsá-
vel pela morte de muitos povos descobertos, pois seus or-
ganismos não possuíam defesas contra os vírus e bactérias
trazidos pelos conquistadores. Os índios da América, por
exemplo, contraíram uma série de novas doenças como té-
tano, pneumonia, disenteria, tracoma, tifo, lepra, gonor-
réia, febre amarela, encheram-se de cáries e morreram até
de gripe. A mais devastadora dessas epidemias, porém, foi
a varíola, cujos sintomas assim os índios descreveram:

/...] tosse, grãos ardentes, que queimam [...] muitos mor-


“reram com a pegagosa, compacta, dura doença de grãos.
[...]
(Frei Bernardino de Sahagun, op. cit.,
1555)

Os europeus souberam explorar antigas rivalidades en-


tre os povos descobertos, aliando-se a uns contra outros.
Na costa leste da Africa, por exemplo, os portugueses apola-
ram os habitantes de Melinde contra seus antigos rivais,
os habitantes de Mombaça, e por esse meio conseguiram
se estabelecer nesta parte do continente africano. Na In-
dia, os mesmos portugueses aliaram-se ao rajá de Cochim
contra seu inimigo, o samorim de Calicute, conseguindo
a partir de então se estabelecer firmemente nesse país. No
México, a aliança com os índios tlaxcaltecas foi decisiva
para a conquista espanhola:

[...J os conquistadores dizem que os tlaxcaltecas merecem


que Sua Majestade lhes conceda muitos favores, porque
se não fosse pelos tlaxcaltecas, eles teriam sido mortos,
quando os astecas expulsaram os cristãos da cidade do Me-
xico, e os tlaxcaltecas os acolheram. [...]
(Frei Motolinia, historiador espanhol, sé-
culo XVI)

O documento seguinte ressalta as formas de domina-


ção que os astecas exerciam sobre os grupos mais fracos.
Isso facilitou a conquista dos espanhóis, que apenas subs- .
tituíram os dominadores astecas:

56 srtáil
dat str

TAS
/...] Os habitantes dessas aldeias [... | queixam-se muito
de Montezuma e de seus coletores de impostos que lhes rou-
bavam tudo o que tinham, e que se suas mulheres e filhas
fossem formosas, violentavam-nas diante deles e de seus
maridos, e roubavam-nas, e que obrigavam-nos a traba-
lhar como escravos [...] e muitas outras queixas. [...]
(Bernal Diaz del Castillo, op. cit,
1519)

Ao impor seus valores, os conquistadores europeus de-


sorganizaram as culturas dos povos descobertos. Altera-
ram o ritmo de vida desses povos, pois mudaram a rela-
ção que mantinham entre si e com a terra, o trabalho, os
animais e as forças da natureza.
Os europeus proibiram os povos encontrados de ex-
pressarem suas próprias religiões; eles tentaram substituir
as crenças locais pelos princípios e práticas do cristianis-
mo. Ao fazer isso, provocaram mudanças profundas na vi-
da desses povos, enfraquecendo-os e desorganizando-os.
Pois era nos mitos*, nas crenças e nos símbolos que esses
povos encontravam as explicações primeiras para a vida,
a natureza, a morte...
A importância dos mitos em algumas das sociedades
descobertas era tão grande que Montezuma, imperador as-
teca, chegou a interpretar a chegada dos conquistadores
como sendo a realização de uma antiga profecia Indígena.
Baseando-se em uma série de presságios, ele reconheceu
nos espanhóis os antigos deuses que, segundo a profecia,
haviam criado o povo asteca e deveriam um dia voltar pa-
ra dominá-lo. Foram estas as palavras de Montezuma a
Cortés:
/...] Não, não é que eu sonhe, não me levanto adormeci-
do do sonho: não vejo isso em sonhos, não estou sonhando
/...] Acontece que já te vt, aconteceu que já coloquei meus
olhos em teu rosto! [...] Há cinco, há dez dias eu estava
angustiado: tinha o olhar fixo na Região do Mistério. E
tu vinhas entre as nuvens, entre neblinas. Era bem como
deixaram-nos dito Os reis, os que regeram, os que gover-
917
naram a tua cidade; que haverias de instalar-te em teu
assento, em teu domínio, que haverias de vir para cá [...]
Pois agora realizou-se: tu já chegaste, com grande esfor-
ço, com grande afã. Chega à terra: vem e descansa; toma
posse de tuas casas reais; dá refrigério ao teu corpo. Che-
gai à vossa terra, senhores nossos! [...]
(Frei Bernardino de Sahagin, op. cit.,
1555)

À chegada dos espanhóis confundiu de tal forma a cul-


tura asteca, que os índios chegaram a duvidar dos seus pró-
prios deuses:

/Os índios... | pediram aos deuses que lhes concedessem


favores e a vitória sobre os espanhois e outros inimigos.
Mas deveria ser tarde demais, porque não obtiveram mais
nenhuma resposta em seus oráculos; então consideraram
os deuses mudos ou mortos. [...]
(Durán, missionário espanhol, relato do
século XVI)

Os povos descobertos tentaram em vão justificar seus


deuses e crenças para os cristãos, como demonstra este diá-
logo entre o cacique inca e um padre espanhol:

/[...] Atahualpa [...] disse quanto à religião, que a sua


era muito boa e que se dava muito bem com ela [...] Ele
dizia além disso que Jesus Cristo tinha morrido, mas que
o Sole a Lua nunca morriam, e perguntou ao frade como
é que ele sabia que o Deus dos cristãos tinha criado o mun-
do. Frei Vicente respondeu-lhe que aquele livro o dizia,
e ao dizê-lo deu-lhe o seu breviário [...] Atahualha tomou-
o, abriu-o, olhou-o de todos os lados, folheou-o e [...]
atirou-o no chão [...] Frei Vicente apanhou o seu breviá-
no e foi ter com Pizarro, gritando: “Ele atirou ao chão
os Evangelhos! Vingança, Cristãos! Carreguem sobre
ELES fa
(F. López de Gomara, História das In-
dias, 1568)

58
Em todo o mundo, os conquistadores estavam deci-
didos a impor a religião pela força:

[Em Goa, Índia, os portugueses.../ tentavam converter


as populações pela força e só faziam maltratar os handus
de tal modo que todas as pessoas fugiam daquela terra.
[.J (Simão Botelho, Carta ao rei de Portu-
gal, século XVI)

[No templo asteca...] há três salas onde estão os idolos


principais, todas de maravilhosa grandeza e belos traba-
lhos em cantaria*, madeiramento e figuras esculpidas.
Dentro destas salas estão pequenos compartimentos, sem
claridade nenhuma, onde ficam alguns religiosos. Ali den-
tro é que ficam seus ídolos. Os principais destes idolos
e nos quais eles tinham mais fé eu derrube: de seus assen-
tos e os fiz descer escada abaixo. Fiz também com que
limpassem aquelas capelas, pos estavam cheias de san-
gue dos sacrifícios que faziam. Em lugar dos ídolos mandei
colocar imagens de Nossa Senhora e de outros santos fa
(Hernán Cortés, Segunda carta ao rei da
Espanha, 30/10/1520)

Quando os conquistados tentavam reagir à imposição


religiosa, os castigos eram redobrados, como demonstram
os documentos que seguem:

[...] Depois de terem deixado a capela, esses homens fin-


dígenas/ jogaram as imagens [cristãs] ao solo, cobriram-
nas com um punhado de terra e urinaram sobre elas; ven-
do isto, Bartolomeu, irmão de Colombo, decidiu puni-
los de modo bem cristão [...] levou alguns homens maus
à justiça e, uma vez definido o crime, fez com que fossem
queimados em público. [...] À
(F. Colombo, historiador espanhol, sé-
culo XVI)

59
/...] Durante todo este tempo batizamos os indígenas de
Cebu fno Oceano Pacífico e das ilhas adjacentes. No en-
tanto, houve uma aldeia em uma das ilhas em que os ha-
bitantes nos desobedeceram. Então queimamos a aldeia
e fincamos no meio uma cruz. [...]
(Antonio Pigafeita, op. cit., 1519-22)

Os métodos violentos da conquista e da imposição re-


ligiosa muitas vezes resultaram num verdadeiro horror dos
povos descobertos aos conquistadores e à sua religião, co-
mo demonstra esta cena:

/O cacique Hatthuey, da atual ilha de Cuba... | foi preso


com toda a sua gente e queimado vivo. E como estava atado
a um tronco, um religioso de São Francisco lhe disse al-
gumas cosas de Deus e de nossa Fé, que lhe pudessem
ser úteis, no pequeno espaço de tempo que os carrascos lhe
davam. Se ele quisesse crer no que lhe dizia, iria para
o céu onde está a glória e o repouso eterno e se não acredi-
tasse iria para o inferno, a fim de ser perpetuamente ator-
mentado. Esse cacique, após ter pensado algum tempo,
perguntou ao religioso se os espanhóis iam para o céu;
o religioso respondeu que sim, desde que fossem bons. O
cacique disse incontinenti, sem mais pensar, que não queria
absolutamente ir para o céu; queria ir para o inferno, a
fim de não se encontrar no lugar em que tal gente se en-
contrava. [...]
(Frei Bartolomeu de Las Casas, op. cit.,
1562)
me

A conquista foi a primeira etapa da dominação eur


o-
péia sobre os povos descobertos. A partir daí iniciou-se
de
fato a colonização, etapa seguinte desse longo pro
cesso de
contato desigual entre os homens do mundo.

60
Conclus ao:
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em alma os índios e os negros? Onde foram parar
os terríveis monstros marinhos e a zona tórrida do
Equador, capaz de tudo queimar? Cadê o caos? Por
que povos bárbaros e infiéis conseguiram acumular tantas
riquezas? Como pessoas tão simples e ingênuas conseguem
aparentar tanta felicidade? Como essa gente pode viver sem
o verdadeiro Deus? Quem explica essa indiferença, esse
desprezo pelo ouro, enquanto nós matamos e morremos
por ele? Afinal, quem tem razão — esses povos ou nós?
Que sei eu?
Essas foram perguntas que europeus do século XVI
se fizeram. Os grandes descobrimentos marítimos, frutos
de uma série de profundas transformações em toda a Eu-
ropa, geraram, por sua vez, mudanças radicais na própria
Europa e em todo o mundo descoberto.
A fim de garantir as conquistas e delas tirar melhor
proveito, os europeus tiveram que enfrentar as diferenças
entre eles e os povos encontrados. Apesar de geralmente
não conseguir compreender ou respeitar os diversos tipos
físicos, línguas, costumes e religiões que encontraram ao
redor do mundo, os descobridores foram obrigados a re-
conhecer-sua existência e, de uma forma ou de outra, a
conviver com eles.
Essa convivência constituiu uma das experiências mais
fascinantes e mais dolorosas de todos os tempos. Para al-
guns europeus, significou confrontar sua própria civiliza-
ção com as civilizações dos outros, pôr em dúvida verda-
des até então aceitas como absolutas, abrir mão de pontos
de vista construídos ao longo de séculos, criar maneiras
de pensar inteiramente novas, capazes de explicar o mun-
do. Mundo esse que os europeus haviam descoberto, mas
que não compreendiam, e que despertava inquietações e
62
perguntas para as quais precisavam encontrar respostas.
Para grande parte dos europeus, essa experiência sig-
nificou, de diferentes maneiras, dominar, saquear, destruir,
escravizar, violentar, corromper, explorar e matar milha-
res de pessoas e de civilizações em todo o mundo desco-
berto; significou enriquecer graças ao empobrecimento e
à humilhação dos outros.
Para os povos conquistados, os descobrimentos e a pos-
terior conquista européia significaram uma total mudan-
ça em seus destinos. Eles conheceram homens diferentes
que trouxeram e impuseram, geralmente pela força, ou-
tras técnicas e costumes, outros valores e crenças. Daí em
diante foi preciso trabalhar até a morte para enriquecer
senhores e reis tirânicos que tudo queriam e nada doavam.
Foi preciso entregar todas as riquezas e todas as belezas,
mesmo as mais secretas, como o ouro escondido nas ro-
chas do interior e as orações oferecidas aos ídolos.
Durante os contatos com os europeus, muitos africa-
nos, asiáticos, americanos e habitantes da Oceania mor-
reram. Para garantir a sobrevivência, muitos outros tive-
ram que reorganizar suas maneiras de viver, suas explica-
ções de mundo, valores e comportamentos. As vezes essas
reorganizações implicaram mudanças tão grandes que, por
fim, esses povos se perderam de si mesmos, se desfigura-
ram, não mais se reconheceram.
Os grandes descobrimentos marítimos e suas conse-
guências transformaram a vida de todos os europeus e de
todos os povos que eles encontraram. Em grande parte,
o mundo de hoje é fruto dessas viagens — as viagens que
um dia um punhado de marinheiros ousou realizar, rumo
ao desconhecido.

63
VOCABULÁRIO

ALCAIDE — Antigo governador de castelo ou de província; an-


tigo oficial de justiça.
ÂNFORA — Vaso grande de cerâmica, com duas asas e fundo
pontiagudo, usado para guardar azeite, vinho, água, etc.
Antigamente, a capacidade de carga de uma embarcação
era calculada pelo número de ânforas que podia carregar.
AREOSA — Cheia de areia; arenosa.
AZAGAIA — Lança curta de arremesso.
BOMBARDA — Peça de artilharia, de cano curto e grosso cali-
bre, que atira grandes bolas de ferro ou pedras.
BORRASCA — Vento forte e súbito acompanhado de chuva.
Furacão. Tempestade no mar.
BUFARINHEIRO — Vendedor ambulante de objetos de pouco
valor.
BuUGIO — Espécie de macaco, de cor escura e grito caracteris-
tico, próprio da América Central e do Sul; guariba.
BURGO — Pequena cidade; na Idade Média, castelos, casas no-
bres ou mosteiros e suas cercanias, rodeados por muralhas
de defesa, muitos dos quais vieram a transformar-se em
cidades.
CADASTE — Peça arredondada, situada na popa da em-
barcação.
CANDEEIRO — Aparelho de iluminação, alimentado por óleo
ou gás inflamável; lampião.
CANTARIA — Tipo de pedra usada para construção.
CRISOL — Recipiente das máquinas fundidoras onde se der-
rete o metal; tipo de caldeira.

64
DucADO — Designação comum a moedas de ouro de vários
países.
ESTUPEFACIENTE — Entorpecente, que causa inércia física ou
moral.
GALÉ — Antiga embarcação de guerra, comprida e estreita,
que emerge pouco acima da água, impelida por grandes
remos e manejada por muitos homens.
GALERA — Antigo navio a vela.
alguma coi-
INTENDENTE — Pessoa que dirige ou administra
ou
sa; antigamente, prefeito de um município, condado
cidade.
LAVOR — Adorno, enfeite.
ial. Relativo a
MERCANTIL — Referente ao comércio; comerc
mercadores.
nte a deuses
MITO — Narrativa simbólica, geralmente refere
encarnadores de forças da natureza e/ou de aspectos da con-
dição humana.
PERTINÁCIA — Persistência; obstinação; teimosia.
PROMONTÓRIO — Acidente geográfico, cabo formado de ro-
chas elevadas.
setas €
ZARABATANA — Tubo comprido pelo qual se sopram
pequenos projéteis, em geral envenenados.

65
CRONOLOGIA

1415 Conquista da cidade de Ceuta pelos portugueses.


1419 Descoberta portuguesa das ilhas da Madeira e de Por-
to Santo, no Oceano Atlântico.
1434 Gil Eanes, português, ultrapassa o cabo Bojador.
1439 Descoberta portuguesa das ilhas de Açores, no Oceano
Atlântico.
1441 Portugueses chegam ao cabo Branco (África).
1442 O Papa concede aos portugueses o privilégio do co-
mércio na África.
1447 Portugueses chegam ao Senegal (África).
1453 Turcos ocupam a cidade de Constantinopla e blo-
queiam a passagem dos europeus em direção ao
Oriente, pelas antigas rotas terrestres.
1456 Descoberta portuguesa das ilhas de Cabo Verde, no
Oceano Atlântico.
1482 Portugueses chegam ao Congo (África).
1487 O português Bartolomeu Dias alcança o cabo da Boa
Esperança (extremo sul da Africa).
1492 O genovês Cristóvão Colombo chega às Antilhas, des-
cobrindo a América.
1493 Segunda viagem de Colombo à América.
1494 Assinado o tratado de Tordesilhas, estabelecendo uma
linha imaginária que dividia o mundo entre Portu-
gal e Espanha.
1497 John Cabot, a serviço da Inglaterra, percorre parte
da costa leste da América do Norte.
66
1498 O português Vasco da Gama chega à Índia.
Terceira viagem de Colombo à América.
1499 Os espanhóis Alonso de Ojeda e Juan de La Cosa e
o italiano Américo Vespúcio exploram a costa da Ve-
nezuela,

1500 A esquadra portuguesa, comandada por Pedro Álvares


Cabral, chega ao Brasil.
1501 Expedição inglesa chega ao Labrador, na costa leste
da América do Norte. Américo Vespúcio percorre a
costa atlântica da América do Sul.
1502 Quarta viagem de Colombo à América.
1511 Conquista de Cuba por Diego Velásquez.
1513 Primeiros portugueses chegados pelo mar desembar-
cam na China.
1519 Hernán Cortés, espanhol, conquista o México.
1519- A expedição espanhola de Fernão de Magalhães e
1522 Juan Sebastián de Elcano dá a volta na Terra.
1523- O italiano Verrazano, a serviço da França, explora
1524 a costa leste da América do Norte.
1531- Francisco Pizarro conquista o Peru para a Espanha.
1532
1534 Jacques Cartier, francês, navega o rio São Louren-
ço, na costa leste do Canadá.

1542 Os portugueses chegam ao Japão.


1545 Descobertas as minas de prata de Potosí (Bolívia).

67
PARA SABER MAIS

Se você gostou deste livro e deseja saber mais sobre o assunto,


aqui vão algumas sugestões:

º O livro História da riqueza do homem, escrito pelo his-


toriador norte-americano Leo Hluberman, publicado no Brasil pela
Editora Zahar, é muito interessante. Em linguagem leve e bem-hu-
morada, consegue dar uma boa visão geral de um período longo da
história do Ocidente, do século XI ao XX. Mostra como, nesse pe-
ríodo, os europeus e, depois, os norte-americanos se organizaram
para produzir riquezas e como os outros povos desempenharam um
papel importante nesse processo.

º O livro As veias abertas da América Latina, do jor-


nalista uruguaio Eduardo Galeano, publicado pela Editora Paz e
Terra, denuncia a exploração econômica, social e cultural da Amé-
rca Latina, desde a chegada dos europeus até a época atual. Apoia-
do em numerosos documentos e utilizando linguagem muito atraen-
te, torna-se um livro agradável de ler e rico em informações.

º Vários contemporâneos das grandes navegações registraram


suas experiências, impressões e pensamentos em diários, cartas, cró-
nicas, apontamentos... Atualmente, muitos desses registros estão pu-
blicados entre nós em forma de livros; a relação da maioria desses
livros encontra-se na parte 2 da Bibliografia.

Se você tem vontade de conhecer algumas dessas obras, para


saber como seus autores viveram as aventuras e o que pensaram a
respeito do mundo descoberto e do contato com outros povos, escolha
uma delas para começar; em caso de dúvida, peça a ajuda do seu
professor.
68
BIBLIOGRAFIA

1. Obras que tratam do assunto em um contexto histórico


e interpretativo abrangente:

BOXER, C. R. O império colonial português (1415-1825). Lisboa,


Edições 70, 1969.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material e capitalismo (Séculos
XV-XVIII). Lisboa, Cosmo, 1970.

CHAUNU, Pierre. Conquista e exploração dos novos mundos (Século


XVI). São Paulo, Pioneira, 1984.

DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa, Estam-


pa, 1984. 2 v.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 2. ed. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
—.. aa

GODINHO, Vitor Magalhães. Os descobrimentos e a economia mun-


dial. Lisboa, Presença, 1963-1971. 2 v.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso — Os motivos
edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 2. ed. São Paulo,
Ed. Nacional, 1969.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 12. ed. Rio de
Janeiro, Zahar, 1976.
MELLO E SOUZA, Laura de. O Diabo e a terra de Santa Cruz. São
Paulo, Companhia das Letras, 1986. cap. 1.
PANIKKAR, K. M. A dominação ocidental na Ásia. 3. ed. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977.

SILVA, Janice Theodoro da. Descobrimentos e colonização. São Pau-


lo, Ática, 1987.
SPENCE, Jonathan D. O palácio da memória de Matteo Ricci. São
Paulo, Companhia das Letras, 1986.
69
TODOROY, Tzvetan. À conquista da América — À questão do Ou-
tro. São Paulo, Martins Fontes, 1983.
VÁRIOS. História geral da África. São Paulo, Ática/Unesco, 1988.
v. 4.
VILAR, Pierre. Ouro e moeda na História (1450-1920). Rio de Ja-
neiro, Paz e Terra, 1981.

2. Diários, crônicas, relatos e apontamentos de navegado-


res, viajantes, missionários e pensadores da época e dos
primeiros historiadores europeus do mundo descoberto:

CAMINHA, Pero Vaz de. 4 carta de Pero Vaz de Caminha. Porto


Alegre, L&PM, 1985.
COLOMBO, Cristóvão. Diários da descoberta da América. Porto Ale-
gre, L&PM, 1986.
CORTÉS, Hernán. 4 conquista do México. Porto Alegre, L&PM,
1985.
GANDAVO, Pero de Magalhães. História da província de Santa
Cruz. São Paulo, Obelisco, 1964.
LAS CASAS, Frei Bartolomeu de. Brevíssima relação da destruição
das Indias. Porto Alegre, L&PM, 1985.
LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo, Martins,
1960.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Porto Alegre, Globo, 1961.
PIGAFETTA, Antonio. À primeira viagem ao redor do mundo. Porto
Alegre, L&PM, 1986.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587
São Paulo, Ed. Nacional, 1971.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. São Paulo, Me-
lhoramentos, 1975.
STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Rio, Tecnoprint, s.d.
VESPÚCIO, Américo. Novo Mundo — Cartas de viagens e descober-
tas. Porto Alegre, L&PM, 1984.

70
3. Coletâneas de textos de época, acompanhados por intro-
dução, prefácio estudo, notas, etc. de especialistas:

COQUERY-VIDROVITCH, Catherine. A descoberta da África. Lis-


boa, Edições 70, 1981.
FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de Fiistória. Lisboa,
Plátano, 1977. 2º v.

LEÓN-PORTILLA, Miguel. Visão dos vencidos — À tragédia da con-


quista narrada pelos astecas. Porto Alegre, L&PM, 1985.
MAHN-LOT, Marianne. A descoberta da América. São Paulo, Pers-
pectiva, 1984.
ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colonial. São Pau-
lo, Perspectiva, 1973.

71
Janaina Amado é Doutora em
História e professora de História
Moderna da UFG. Durante muito
tempo, ensinou História em esco-
las de 1º e 2º graus. Dessa ex-
periência, resultaram o livro didá-
tico Gente, terra verde, céu azul
— Goiás e uma preocupação per-
manente com a discussão e a di-
vulgação da História. E autora de
várias pesquisas sobre assuntos
de História do Brasil, algumas
transformadas em livros, como
Conflito social no Brasil: a Revol-
ta dos Mucker.

Ledonias F. Garcia é Mestre


em História e professora de His-
tória da América da UFG. Por
mais de dez anos, esteve ensi-
nando História no Colégio de Apli-
cação da mesma universidade,
para alunos de 1º e 2º graus.
Nesse tempo, começou a produ-
zir textos de apoio, destinados ao
uso didático, que acabaram se
transformando em livros: Estudos
de História, para as 5º e 6º sé.
ries. Atualmente, está elaboran-
do os volumes destinados às 7º
e 8º séries.
HISTÓRIA EM
Ng” OS
CEE

Ed

NAVEGAR E PRECISO
Grandes descobrimentos
marítimos europeus

Para Bernardo e Janice,


queridos descobridores de mundos novos
que eu apenas imagino.
Janaina

Ao Massimo,
que cinco séculos após a descoberta da América
ainda guarda pelo Novo Mundo
o mesmo fascinio dos descobridores.
Ledonias
nin
E
HISTÓRIA EM

NAVEGAR E PRECISO
Grandes descobrimentos
maritimos europeus
Janaína Amado
Ledonias Franco Garcia

Coordenação:
Maria Helena Simões Paes
Marly Rodrigues
(O) Janaína Amado e Ledonias Franco Garcia, 1989.
Copyright desta edição:
ATUAL EDITORA LTDA,, 1989.
Rua José Antônio Coelho, 785
04011 — São Paulo — SP
Tel.: (011) 575-15d4
Todos os direitos reservados.

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Amado, Janaina.
Navegar é preciso : prandes descobrimen-
tos marítimos europeus / Janaina Amado, Le-
donias Franco Garcia. — São Paulo : Atual,
1989. — (História em documentos)
Bibliografia.
ISBN 85-7056-273-X
1. Europa — Descobertas geográficas 2,
Geografia — Estudo e ensino I. Garcia, Ledo-
nias Franco, II. Título. III. Título : Grandes
descobrimentos marítimos europeus. IV. Série.
e

CDD-910.94
89-1633 -910.7

Índices para catálogo sistemático:


1. Europa : Descobertas e explorações geográficas 910.94
2. Geografia : Ensino de 2º grau 910.7

Série História em Documentos


Editora: Sonia Junqueira
Assistentes editoriais: Henrique Félix/ Thais H. Falcão Botelho
Preparação de texto: Renato Nicolai
Revisão: Noé G. Ribeiro/Maria Luiza Simões/Paulo Sá
Diagramação: Tania Ferreira de Abreu
drte: Alexandre Figueira de Almeida
Produção gráfica: Antonio Cabello Q. Filho/Silvia Regina E. Almeida
Consultoria para o desenvolvimento do projeto: Edgard Luiz de Barros
Projeto gráfico: Ethel Santaella
Capa: Avelino Guedes (baseado na obra Desembarque de Colombo,
de Theodor de Bry, do Acervo America Tertia Pars)
Fotos: Vilu Salvatore
Mapas: Antonio Cabello Q. Filho
Consultoria cartográfica: Prof. Dr. Antônio Teixeira Netto
Roteiro de leitura: Janaína Amado e Ledonias Franco Garcia
Composição: AM Produções Gráficas
Fotolito: Priscor
LMCLVE
NOS PEDIDOS TELEGRÁFICOS BASTA CITAR O CÓDIGO: AZSH 9053C
SUMÁRIO

I
Introdução: navegar é preciso

II
Documentos: o processo E

1. A transformação 12

2. O medo 22
3. À aventura jo
4. O espanto 41
5. À conquista 592

II
Conclusão: o resultado 61

Vocabulário 64
Cronologia 66
Para saber mais 66
Bibliografia 69
Na coleção História em Documentos, o aspecto mais significativo
— comum a todos os volumes — é a ampla utilização
de documentos na organização e desenvolvimento dos assuntos
de cada livro. “Documento” no sentido mais abrangente: desde
os textos oficiais até os registros, em diferentes linguagens,
de experiências humanas no periodo enfocado: depoimentos,
letras de música, textos literários, descrições de viajantes,
artigos de jornal, pinturas, charges, fotos.
Dessa forma, os leitores terão oportunidade de um contato mais
direto e vibrante com o fazer histórico de cada época. Além disso,
percebendo como o autor organiza e interpreta os documentos
e, mais ainda, realizando ele próprio os exercícios propostos —,
o estudante terá condições de conhecer um pouco mais a
linguagem e os principios do trabalho do historiador.

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