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CURITIBA
2000
ADMAR JÚLIO MEDVID
CURITIBA
2000
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha família, que acompanhou e incentivou meus estudos
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01
2 PRIMORDIOS E EVOLUÇÃO .................................................................. 04
2.1 PRIMEIROS TEMPOS ............................................................................ 04
2.2 AS TROPAS FARDADAS: DOS ORDENANÇAS AS TROPAS PAGAS 05
2.3 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL ATÉ A
INDEPENDÊNCIA ................................................................................... 07
2.4 A POLÍCIA NO IMPÉRIO......................................................................... 08
2.5 ORGANIZAÇÃO POLICIAL NA 1ª REPÚBLICA .................................... 10
2.5.1 Antecedentes da organização policial da 1ª República ....................... 10
2.5.2 A Polícia na 1ª República .................................................................... 11
2.6 ORGANIZAÇÃO POLICIAL APÓS A 1ª REPÚBLICA ............................. 12
2.6.1 Comentários Preliminares ................................................................... 12
2.6.2 Trajetórias da Organização Policial até 1969 ..................................... 13
2.6.2.1 Estrutura básica ................................................................................ 13
2.6.2.2 Funcionamento da estrutura ............................................................. 14
2.7 NOVOS RUMOS ..................................................................................... 17
3 NOVOS TEMPOS ..................................................................................... 19
3.1 A NOVA POLÍCIA.................................................................................... 19
3.2 FUNCIONAMENTO DO JUDICIARIO NO BRASIL ................................. 20
4 CONCLUSÃO ........................................................................................... 28
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 34
ANEXO 1........................................................................................................ 36
ANEXO 2........................................................................................................ 43
ANEXO 3........................................................................................................ 50
iv
RESUMO
v
1
1 INTRODUÇÃO
dos tempos, até chegar ao que temos hoje, duas polícias, uma dita Civil e outra
Militar. A primeira denominada de Polícia Judiciária e a segunda Polícia
Administrativa, Polícia Preventiva, ou ainda Polícia Ostensiva.
Se os avanços deste século conduziram a humanidade a um desenvolvimento
jamais sonhado, fizeram-na conhecer crises políticas profundas, que redundaram em
duas guerras mundiais, em extremismos de esquerda e de direita e na bipolarização
ideológica que divide as nações.
Esta situação de confronto que gerou os conceitos da guerra fria e da corrida
armamentista, faz pairar sobre toda a humanidade a ameaça nuclear da extinção da
própria espécie. O arsenal atômico construído pelas nações, paradoxalmente as mais
evoluídas e cultas, contém milhares de megatons. Se disparadas, estas armas têm
potência suficiente para destruir toda a vida existente sobre o planeta. Os homens,
convivendo com esta realidade, bem conhecem o perigo que o ameaça e, fingindo
ignora-lo e querendo crer que as ogivas jamais explodirão, seguem, aterrorizados.2
As decorrências desses fatos se fazem sentir, de imediato, em todos os
países, mercê do desenvolvimento das comunicações, trazendo profundas alterações
dos costumes e da moral, e a negação de valores tradicionais da cultura e da
religião.
Deixando de lado as sombras dos grandes conflitos mundiais e as ameaças
existentes com os poderios atômicos, hoje os governantes se voltam também para
dentro de seus países, onde se trava um duro combate, este entre seu povo. Uma
batalha muitas vezes causada pelas desigualdades sociais, pela fome e por diversos
motivos nem sempre justificados, gerando uma grande violência urbana. Sabemos
que estes fatos não são um privilegio de nossos tempos, pois toda a história da
humanidade é banhada de injustiças e violência, no entanto devemos combate-las, e
este combate é dever do Estado, através de instituições competentes.
O Brasil não foge à regra geral. Nação em desenvolvimento, de economia
dominada, vive a pior fase de sua história. Reage no presente ao efeito de décadas
inteiras de desacertos políticos, econômicos e sociais (anexo 3), que fizeram
1
NOVAIS, F.A. Brasil nos quadros do artigo sistema colonial. In NOVAIS,F.A . et al. Brasil em
perspectiva. 6.ed. São Paulo: Escritos, 1968. p. 55.
2
SCHELL, J. O destino da terra. Rio de Janeiro: ed.Record, 1982
3
2 PRIMÓRDIOS E EVOLUÇÃO
Com este breve histórico das polícias, pretendo mostrar parte de sua
formação, a qual se funde com a história do Brasil, apresentando fatos que
influenciaram na formação de nosso sistema policial.
3
FAORO, R. Os donos do poder. 7.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v.1. p.120-121
4
Ibid., p. 147
5
Ibid., p. 148
6
LEAL, V.N. Coronelismo, enxada e voto. 2.ed. São Paulo: Alfa-omega, 1978. p.181-183
5
SILVA, De P. Vocabulário jurídico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. v.1. p.109 .
5
8
PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. 4.ed. São Paulo: brasileense, 1953.
p.324.
6
9
FAORO, op. cit., p. 185.
10
Ibid., p.163
11
LIMA JUNIOR, A. Crônica militar. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. p.28
7
12
ANDRADE, I.M. Polícia judiciária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p.11
13
Ibid. p. 12
14
Id.
8
15
PRADO JUNIOR, C. op cit. p.282
16
LEAL, op.cit., p.188
17
INSTRUÇÃO POLICIAL. Manual básico. Rio de Janeiro: PMDF/RJ, 1952. p.24
9
18
LEAL, op.cit., p.189
19
Id.
20
FAORO, op. cit., p.191
21
LEAL, op.cit., p.214
22
FAORO, op. cit., p. 305
23
Ibid., p. 369
10
24
LEAL, op. Cit. P. 196
25
Ibid., p.215
11
26
Ibid., 199
27
Ibid., 198
12
Em Minas Gerais, a organização Polícia Civil teve grande impulso com a lei
da Polícia de Carreira, em 1956, quando foram fixados os vários cargos. Entretanto,
a Polícia Judiciária continuou dependendo, principalmente no interior, dos Oficiais
28
ANDRADE, Ibid. p.18
14
29
DITADURA. In: ENCICLOPÉDIA Nosso Século. São Paulo: Abril, 1980. v.10
17
30
ALMEIDA, K.S.. O Poder de Polícia e a Polícia de Manutenção da Ordem Pública. O Alferes, Belo
Horizonte, v.1, n.01, set./dez.1983
19
3 NOVOS TEMPOS
3.1 A NOVA POLÍCIA
31
SANCTIS, F. M. A justiça penal na França. A Força, São Paulo, n.18, p.17-21, abr./mai./jun. 1998
25
4 CONCLUSÃO
32
COSTA, Á. M. Jornal do Brasil , 24/06/79. 1º caderno, p.22.
33
Id.
34
Id.
31
ou adstrito ao superado Inquérito Policial, praticado pela polícia judiciária, que acaba
muitas vezes por atrasar todo o processo penal. O que caracteriza o Sistema Policial
Jurídico é o comando do Ministério Público nas investigações da polícia judiciária
em paises como a França, Japão, Estados Unidos México Itália, etc... porque no
Brasil deveria ser diferente ?
Podemos dizer que no Brasil não temos polícias organizadas, de forma
estável e permanente somente sistemas de policiamento que vão surgindo e
desaparecendo na medida em que são verificadas mudanças sociais e políticas em
nossa sociedade. A situação não é exceção.
Atualmente se comenta em fazer novas mudanças, querendo unir aos policias
estaduais. Agora vejamos, esta divisão de atribuições da polícia no plano
constitucional vigente, não é ruim. Esta divisão dicotômica da polícia militar e a
polícia civil é uma divisão “natural” do possível ou defensável ciclo de polícia e
tecnicamente é boa, até porque, mesmo nas polícias que exercem o ciclo completo,
o policial que atende a ocorrência criminal não é o mesmo que irá investiga-la.
As mudanças pretendidas continuam, pretendendo desmilitarizar a policia
ostensiva. No entanto vejo esta desmilitarização de duas formas: por um lado os
políticos que temem uma nova ditadura, ainda com lembranças dos anos dos
governos militares; por outro, políticos que vêem na policia militar estadual uma força
de repressão dos governadores contra seus opositores. Mais uma vez nota-se os
interesses políticos por traz de mudanças, buscando seus interesses e fazendo
surgir pressões para novas mudanças no sistema policial.
Em países como na França, Bélgica, Espanha, Portugal, Itália e diversos
outros as policias são militarizadas, e funcionam bem. Talvez o problema não esteja
em serem militar, mas sim na administração. Com a desmilitarização elas sem
dúvidas tornariam-se mais fracas e indisciplinadas, e teriam mais dificuldade em
combater o crime organizado, pois este a cada dia usa mais técnicas militares para
se organizar.
À luz do exame dos diferentes sistemas policiais, para a melhoria da Polícia
no Brasil são necessárias algumas providências, como a coordenação entre os
diversos órgãos policiais e depois o aperfeiçoamento de cada órgão e ainda políticos
33
mais sérios que não busquem apenas seus interesses, mas sim o do povo além de
uma maior participação de nossos sociólogos nos problemas brasileiros.
34
REFERÊNCIAS
OBRAS CONSULTADAS:
1) Constituições do Brasil
“Art. 13 - .....................................
§ 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e
segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de
bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército.”
O artigo 150 repete as Constituições anteriores ao estabelecer os Direitos e
Garantias Individuais.
CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
“Ar. 15 – Todos têm direito à vida e à integridade física e moral, sem que
em nenhum caso, possam ser submetidos à tortura nem a penas ou tratos
desumanos ou degradantes. (.....)”
Às 15,45, um carro Citroen, de placa 344 AE 95, azul, de teto branco, foi
descoberto, abandonado, numa estrada vicinal, na floresta de Coye la-Forêt. A
chave estava na ignição; o motor estava quente. A chuva que caia no momento se
condensava e produzia vapor sobre o “capô”.
O veículo foi imediatamente identificado na Prefeitura de ValdÓise: Ele tinha
sido furtado em Villiers-le-bel, na noite de 13 de janeiro.
Às 16,05, o chefe de manobra da SNCF, na estação de Orry-la-Ville,
comunicou a uma patrulha de gendarmes que acabara de ver dois indivíduos
atravessando a via férrea, cerca de 100 metros ao norte da estação e subindo num
trem em manobra.
Seu aviso foi confirmado pela “dispagem”dos cães das Cia de Senlis e
Compiègne que rastreavam desde o “ÏD” 19, abandonado, se dirigindo no sentido
daquela via, tendo-a perdido nas imediações. O pessoal foi deslocado para tais
lugares e passou a empreender uma procura minuciosa.
Às 16,15h, dois cantoneiros da SNCF transmitiram aos gendarmes de
Chantilly uma informação interessante: Às 14,30h, eles haviam visto, estacionado na
orla de um caminho de terra ao longo da via férrea Orry-Chantilly, dói veículo eles
tiveram a intuição de anotar as placas: “344AE95” Citron e “406AW95”Renault.
O condutor da Renault, um homem de cor, saíra desse veículo, entrando na
“ID”, ocupada por dois homens. Instantes após ele retornou ao seu carros e os dois
veículos partiram em direção a Orry-La-Ville.
O “ID” placa 244AE95 era o veículo furtado (foi encontrado, abandonado,
uma meia hora após). Na ocasião já se deduzia que teria sido o veículo que
permitira aos autores retornar às suas residência. O Renault também foi identificado
na Prefeitura de Vald’Oise: Era de propriedade do Sr. S... , residente em Villers-le-
Bel.
A Brigada de Ecouen, convidade a verificar o assunto, informou que o veículo
em questão fora vendido após 13 Jan 69 a H..., residente em Villiers-le-Bel. O novo
proprietário não foi encontrado em seu domicílio, o que levou a Brigada a manter
vigilância sobre o local, aguardando seu retorno.
Às 19,00h, as buscas na zona da estação de Orry-la-Ville foram suspensas.
Às 19,30h, os investigadores se dirigiram a Villiers-le-Bel.
45
14,45h. G... e B... se prepararam e cada um camuflou uma arma sob os respectivos
impermeáveis.
(4º) Depois, os três entraram no “ID19”, deixando o outro veículo estacionado
numa estrada vicinal.
(5º) Após ter feito um reconhecimento prévio dos correios e dos lugares, com
o “ID 19”, H.... que o conduzira, se posicionou no estacionamento em frente ao
posto, com o motor funcionando.
G... e B... entraram na agência dos correios. Dois ou três minutos após, eles
saíram precipitadamente e entraram no carro, o qual abandonaram em local não
muito distante de lá.
(6º) Eles foram à floresta, onde estava estacionado o outro carro e
embarcaram no mesmo. Seguindo até a estação de Orry-la-Ville.
Lá, G... e B... desceram e H... retornou a Villiers-le-Bel.
(7º) Por volta de 18,15h, G… B… e H… se reuniram na casa de G... para
dividir o dinheiro.
ÀS 17,00h, os investigadores se dirigiram a Gonesse e, com a participação
dessa Brigada, se dirigiram à casa de G...., o qual não estava.
Conforme o testemunho dos vizinhos, ele não fora visto após o meio dia de 17
jan. Uma vigilância discreta sobre seu domicilio foi mantida pelos investigadores até
às 21,00h; depois pelos militares da Brigada de Genesse e da Brigada de
Investigações de Montmorency-95.
Foi difundido um pedido de busca referente a G... e B...
Em 19 jan, às 11,00h, H... foi apresentado ao “Ministério Público”e recolhido à
cadeia de Compiégne.
Uma carta-precatória expressa foi imediatamente enviada ao Juiz de
instrução para prosseguimento do inquérito.
Como B... tinha um avô em Béthisg-Saint-Pierre-60, a Brigada de Verberie
dirigiu-se ao seu domicílio em 19 jan, onde conseguiu localizá-lo.
B... foi conduzido pelos investigadores. Ele afirmava não conhecer H...
Como resultado de uma busca minuciosa, foi encontrada a soma de 160,90
Francos. Ele admitiu a mesma provinha de um roubo à mão armada, cometido em
Orry-la-Ville, em companhia de H... e de G...
47
Ensinamentos:
Se, em 72 horas, o inquérito foi encerrado e os autores presos, é necessário
frisar que o rápido resultado é devido:
(1º) À presença de espírito e ao sentido de observação de dois empregados
da SNCF, que tiveram a intuição de anotar as placas de dois veículos que lhes
pareceram suspeitos;
(2º) À estreita colaboração entre as diversas Brigadas que se situam em
Vald’Oise;
(3º) À rapidez de execução em conjunto do pessoal interessado na missão e
ao seu desejo de bem cumpri-la.
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que iriam influir na evolução das nações que tinham em comum apenas a época do
nascimento, a vizinhança geográfica, as raízes religiosas comuns e as origens
político-culturais semelhantes ou, pelo menos, aparentadas.
Octávio Paz prossegue dizendo que “nossos intelectuais abraçaram
sucessivamente o liberalismo, o positivismo e, o Marxismo-leninismo; em quase
todas elas, porém, sem distinção de filosofias, não é difícil advertir, ocultas mas
ainda vivas, as atitudes psicológicas e morais dos antigo campeões da neo-
escolástica. Paradoxal modernidade: as idéias são de hoje, as atitudes são de
ontem. Seus avós juravam em nome de São Tomás, eles, em nome de Marx, mas
para uns e outros a razão é uma arma a serviço de uma verdade com maiúscula. A
missão do intelectual é defende-la. Têm uma idéia polêmica e combativa da cultura e
do pensamento: são cruzados. Assim, perpetuou-se em nossas terras uma tradição
intelectual que pouco respeita a opinião alheia, que prefere as idéias à realidade e
os sistemas intelectuais a critica dos sistemas”.
O fruto político dessa – digamos assim – deformação cultural, ainda não
conseguimos digeri-lo até hoje: “Com a queda do Império Espanhol”, diz Octávio
Paz, “o poder se concentrou em dois grupos: o econômico nas oligarquias nativas e
o político nos militares. As oligarquias eram impotentes para governar em nome
próprio”.
“Sob o regime espanhol”, porque ele, ä sociedade civil, longe de crescer e
desenvolver-se como no resto do Ocidente, viveu à sombra do Estado. A realidade
central de nossos países, como na Espanha, tem sido o sistema patrimonialista.
Nesse sistema, o chefe de governo – o príncipe ou vice-rei, caudilho ou presidente –
dirige o Estado e a nação como uma extensão de seu patrimônio particular, isto é,
como se fosse sua casa”.
Daí o início da caracterização da formação social e política da América Latina.
Os direitos e garantias individuais de seus cidadãos em nada representa ante a
prepotência, a onipresença e o paternalismo do Estado.
Octávio Paz refere-se mais especificamente, é claro, à América Espanhola. O
caso do Brasil tem peculiaridades, que ele mesmo reconhece de passagem, que o
tornam, talvez, menos sombrio quando o que temos em mente é analisar as razões
52
Exemplo disso é que nos países onde a influência soviética triunfou, como
Cuba ou mais recentemente a Nicarágua, os direitos e garantias individuais de seus
cidadãos praticamente não existem.
Ante esse novo quadro, passou o nosso país a viver um drama que cada vez
mais vem dificultando o nosso desenvolvimento político. De um lado, as corrente
estatizantes e partidárias de uma maior ação do Estado na vida dos cidadãos, em
confronto com outra corrente que não difere muito da primeira, só que com uma
opção mais à esquerda. Os liberais e partidários de uma filosofia mais aberta, onde
o Estado não teria uma intromissão maior na vida do cidadão, mas apenas atuando
como árbitro capaz de estabelecer um justo equilíbrio na sociedade, através da
aplicação da lei, da manutenção da ordem e segurança da comunidade e obediência
aos poderes constituídos, são cada vez menor, infelizmente.
Assim sendo, com a mentalidade de um Estado paternalista, passa-se a
esperar tudo do Estado, como se ele fosse o único culpado pelas nossas frustrações
e o responsável direto pela nossa felicidade. Sob esse clima, a lei sofre constantes
desvirtuamentos e começa-se a criar os problemas da população através de leis
positivas, simplesmente. Habitação, alimentação, transportes, educação e até
mesmo lazer e diversão são objetos de “leis”, enquanto a verdade lei é
desobedecida todos os dias sem que se possa fazer nada, uma vez que o Poder
Judiciário, árbitro indispensável em todas as democracias verdadeiras, não pode ter
uma atuação mais dinâmica, pois passa a ser visto como um Poder de segunda
classe, e nunca como o único Poder capaz de manter a sociedade sob um clima da
justiça e harmonia.
Hoje, infelizmente, o povo brasileiro está tão condicionado, psicologicamente,
a aceitar o Estado paternalista – que se assemelha cada vez mais ao Estado
totalitário – quanto qualquer outro povo latino-americano, como descreve Ruy
mesquita em seu artigo “Não nos Resignarmos à passividade do objeto” publicado
no Jornal O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1982. p.6
“Não tivemos a sorte do povo norte-americano, cujos intelectuais, ao longo de
toda a sua História, nunca se afastaram sensivelmente da área do liberalismo. Os
nossos, dele evoluíram para o positivismo e, depois, para um marxismo mal digerido,
já relegado ao esquecimento em todo o mundo democrático desenvolvido, mas que
55
aqui mantém raízes até dentro do próprio aparelho estatal, apesar do rótulo de
direitista pregado pelo regime.”
A nossa crise social no que se relaciona à manutenção da ordem pública e
segurança individual dos cidadãos possui, como já vimos, raízes históricas
profundas. Em todo o nosso processo de desenvolvimento social e político, os
direitos civis nunca tiveram muita importância. Aprendemos a viver sem eles e,
agora quando estamos dando os primeiros passos rumo a uma sociedade
desenvolvida, estamos sofrendo o trauma de uma criminalidade crescente, sem que
saibamos o que fazer exatamente. Falta-nos, como já disse, tradição. A nossa
estrutura judiciária não está e nunca esteve em condições de atender aos reclamos
da população pelos seus direitos, pela sua vida, pela sua propriedade. Por outro
lado, a polícia sempre foi apenas um instrumento do poder, sempre manipulada
pelos poderosos do momento.
Passamos, mais uma vez, a palavra a Aléxis de Tocqueville que, tratando do
fenômeno semelhante surgido em sua época, já definia, com impressionante
clarividência, a diferença fundamental entre a democracia norte-americana e a
democracia que nascera da Revolução Francesa. “... O que acabo de dizer nos faz
compreender bem porque o poder social deve ser cada vez mais forte e o indivíduo
cada vez mais fraco entre um povo que chegou à igualdade através de um longo e
penoso trabalho social ( Revolução Francesa) do que uma sociedade democrática
(Revolução Americana) onde, desde a origem os cidadãos sempre foram iguais. É o
que o exemplo dos americanos acaba de provar... O destino dos americanos é
singular: eles emprestaram da Inglaterra a idéia dos direitos individuais e das
liberdades locais; e puderam conservar uma e outro, porque nunca tiveram que
combater uma aristocracia.”
Essa a diferença fundamental que marcou as democracias européias na sua
fase inicial e a norte-americana: para o norte-americano, até hoje, o Estado
representa um instrumento de defesa do direito individual de cada cidadão ou grupo
de cidadãos que têm plena consciência do seu poder de contrata-lo e de fazer o seu
interesse individual ou de grupo ser zelado por ele. Já o moderno Estado
democrático europeu, nascido da Revolução Francesa, assumiu, desde sua origem,
56
SOARES, Plácido.Segurança pública questionada. Curitiba: Publicação para todos, 1987. p.39/47