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O que acontece ao dom artístico das crianças

no nosso sistema de ensino?


Ensaio

Julieta Pincho
Milene Farinha
Patrícia Quintas
3º LEB – Turma B

Setúbal, 7 de Junho de 2010


Introdução

As crianças nascem com apetência para se desenvolver em todas as áreas, salvo


casos cujas características fisiológicas ou de desenvolvimento cognitivo não
correspondam ao padrão. Cabe aos professores e educadores fornecer-lhes meios para
estas explorarem o mundo a seu redor, permitindo-lhes crescer, adquirir e consolidar
competências. A valorização do processo de descoberta dos diferentes materiais implica
que o educador esteja apto para estimular construtivamente o desejo de melhorar e
aperfeiçoar, tanto o processo como o produto final.

“O domínio das diferentes formas de expressão implica diversificar as situações


e experiências de aprendizagem, de modo a que a criança vá dominando e utilizando o
seu corpo e contactando com diferentes materiais que poderá explorar, manipular e
transformar de forma a tomar consciência de si próprio na relação com os objectos.”

(Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, pág. 61)

A educação artística inicia-se no pré-escolar, de uma forma mais livre, e


prolonga-se até ao final do 3º ciclo, propiciando a criação, a expansão do património
cultural e para a fundação do pensamento crítico. A educação visual é tida como uma
plataforma de interface da comunicação e da cultura dos indivíduos.

Com a realização deste trabalho, procuramos compreender qual o peso e a


influência dos modelos curriculares utilizados no nosso sistema educativo na capacidade
artística das crianças, nomeadamente ao nível do dom, que tende a desaparecer com o
crescimento e a maturação. A elaboração deste trabalho tem como intuito a comparação
de cinco modelos curriculares utilizados no sistema educativo nacional, tendo em conta
a relevância que dão à área da expressão plástica contribuindo deste modo para o
desenvolvimento do dom artístico.

“Através da Expressão Plástica, direccionada quer seja para a pintura, para o


desenho, ou para execução de trabalhos artesanais, a criança estimula a criatividade;
trazendo benefícios para outras áreas de estudo. Uma criança que tem por hábito
desenhar, colorir, pintar, estudar música, ou fazer algum tipo de artesanato adquire
uma habilidade mental maior e uma capacidade de criar também maior, originando
consequentemente  um crescimento de sua desenvoltura, bem como o estimulo para ter
iniciativa diante de situações e uma maior facilidade de comunicação com o mundo
que a cerca.”1

dom2
s. m.
1. Donativo; dádiva; benefício.
2. Prenda, talento, dote natural.

Fundamentação

As crianças vão para a escola preparadas de uma certa forma de perícia nas
expressões simbólicas que, muitas vezes se perde durante os primeiros anos de
escolaridade. A realidade é que, de facto, a maior parte das crianças deixa de “saber”
desenhar algures durante a sua infância. A perda desta facilidade pode reflectir um curso
natural de desenvolvimento, afinal, nem todos são talhados para vir a ser artistas. Mais
preocupante é que este desinteresse das crianças relativamente à representação gráfica e
simbólica pode ter origem durante a aquisição de um conhecimento académico pouco
estimulante ou como reflexo da pouca relevância que a escola dá à cultura por este
domínio. Felizmente ainda existem os educadores pela arte, que valorizam o desenho
pelas potencialidades que possui, proporcionando uma libertação das sensações e
emoções, é um escape para a expressão.

Numa perspectiva cognitiva, a perda da capacidade para usar livremente os


símbolos gráficos não é tratada tão facilmente como a perda de um escape para a
energia ou a emoção. Esta degeneração deve, pelo contrário, ser reconsiderada como a
perda de capacidade para construir a compreensão ou o conhecimento. Segundo Piaget,
defensor da perspectiva cognitivista, a criança progride das acções físicas sobre os 61
objectos até às acções mentais sobre conceitos abstractos. Centra-se na luta para
equilibrar e manter o conhecimento de cada uma das partes em função de um
entendimento simultâneo. Já Vygotsky focaliza-se no contexto social, através do qual as
crianças informam e operacionalizam as suas conceptualizações internas. Para ele é

1
Retirado de http://www.portalis.co.pt/expressao-plastica-pre-escolar em 4/06/10
2
Retirado de http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dom em 13/05/10
muito interessante o acto de as crianças nomearem as suas representações, considerando
este fenómeno como um passo no desenvolvimento da capacidade de planificar das
crianças.

Segundo a abordagem cognitivista, o desenvolvimento do dom funciona como


um crescimento comportamental em U, isto é, o dom aparece, ponto alto no U,
desaparece, é a base do U, e aparentemente volta aparecer. A maior parte das vezes o
desenvolvimento em U no desenho não é completado. Como muitos indivíduos não
ascendem ao segundo ponto alto do U, o seu desenvolvimento nunca chega a formar o
U, mas sim uma rampa descendente mais simples. Poucos são aqueles que
experimentam a terceira fase, para a maioria dos indivíduos, a fase dois do U, marca o
termo permanente.

O sistema de ensino Português possui alguns instrumentos de regulação, que


ditam as competências essenciais a desenvolver nos primeiros anos de escolaridade,
instrumentos esses que referentes as diferentes áreas pedagógicas. Não ditam conteúdos,
mas sim indicações mais generalizadas para ajudar o docente a orientar a sua prática
consoante a temática em questão. Para o pré-escolar existem as Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar, onde os educadores podem encontrar pontos
onde basear a sua prática, para qualquer das áreas temáticas a desenvolver. Para o
ensino básico existe um único documento, que visa referir as competências essenciais a
trabalhar nos primeiros 9 anos de ensino formal.

Contudo, estes são apenas auxiliares das práticas, não ditam os conteúdos a
trabalhar. Para tal, existem os programas disciplinares do 1º, 2º e 3º ciclo. Existem ainda
diferentes modelos teóricos para auxiliar o docente nas suas práticas. Designam-se por
modelos de orientação curricular e foram criados a partir de diferentes princípios, que
ditam as suas diferenças funcionais.

O primeiro a referir é a metodologia do projecto, que não se considera


exactamente um modelo curricular, mas sim um conjunto de ideias para orientar uma
prática baseada na execução de projectos. Este conjunto de princípios defende a
autonomia completa da criança, o desenvolvimento do espírito de equipa, a elaboração
de um projecto, a realização de pesquisa sobre o tema do projecto e consequentemente a
apresentação dos resultados finais ao grupo, o papel do educador/professor enquanto
orientador da criança, as reflexões e comunicações constantes em todo o processo e,
sobretudo, o respeito pelos interesses e motivações que cada criança possui. Não faz
referencia específica à expressão plástica, pois os projectos são transdisciplinares, não
sendo por si só um meio promotor do desenvolvimento/consolidação do dom artístico.

O segundo é o MEM, Movimento da Escola Moderna, modelo pedagógico que


assenta numa prática democrática da gestão das actividades, dos materiais, do tempo e
do espaço e pretende, através da acção dos educadores que dele fazem parte,
proporcionar uma vivência democrática e um desenvolvimento pessoal e social das
crianças, garantindo a sua participação na gestão da vida da sala e da escola.

O MEM opera uma pedagogia de cooperação educativa, onde alunos e


professores negoceiam actividades e projectos a desenvolver em torno dos conteúdos
programados, tendo por base os interesses e saberes dos estudantes e o contexto cultural
das comunidades. A grande filosofia deste modelo é partir do interesse e conhecimentos
da criança para a aprendizagem e desenvolvimento de competências. De acordo com
Niza (1998), a organização do espaço da sala de actividades contempla a existência de
seis áreas distintas, sendo destas o espaço de actividades plásticas e artísticas. Apesar
deste modelo curricular dar importância a esta área, criando uma área de artes onde as
crianças podem livremente criar, explorar e desenhar, não específica a importância de
desenvolver/consolidar o dom artístico. Reflecte sim, sobre a importância de as crianças
efectuarem experiências e aprendizagens sozinhas conforme as suas vontades, mas não
indica quais os benefícios em termos de desenvolvimento que as expressões plásticas
implicam.

O terceiro modelo que vamos referir é o de João de Deus, que tem como base
uma perspectiva psicopedagógica da educação, pois este considerava que educar e
ensinar eram tarefas distintas. Em primeiro lugar era necessário formar moral e
espiritualmente o indivíduo, ou seja, educar, depois era a altura de ensinar, defendendo,
assim, que os indivíduos necessitam primeiramente de formação moral e espiritual para
adquirirem uma educação equilibrada. Neste modelo acredita-se nas potencialidades de
actividades como o desenho, enquanto forma de expressão facilitadora do
desenvolvimento da linguagem e da expressão artística da criança. É notória a grande
importância que João de Deus implica na expressão artística, sendo um grande motor de
desenvolvimento das crianças.

O quarto modelo é o COC, Currículo de Orientação Cognitivista, também


conhecido como High-Scope, modelo fortemente influenciado pelo paradigma
cognitivo-desenvolvimentista, que defende um desenvolvimento de forma sequencial e
organizado em estádios sequenciais de pensamento. Tais estádios correspondem a metas
conceptuais, que se traduzem na forma como conhecemos, pensamos e raciocinamos
sobre a realidade envolvente. Nesta perspectiva, o desenvolvimento é realizado pela
interacção com o ambiente.

No que concerne à expressão artística, este modelo defende que a arte deve ser
parte integrante de todos os programas da primeira infância, pois a arte promove o
desenvolvimento de uma vasta gama de percepções, habilidades físicas (nomeadamente
a motricidade fina), da linguagem, e das capacidades cognitivas e sócio-emocionais. As
artes são importantes, pois possibilitam o desenvolvimento de juízo estético, trazendo a
satisfação pessoal. Neste modelo é enfatizada a importância de envolver a família,
artistas e espaços de cultura, de modo a desenvolver a apreciação da arte para que seja
possível criá-la.

Este modelo tem como filosofia no que diz respeito à expressão plástica que os
professores devem ser treinados para apoiar as crianças a desenvolver uma compreensão
do realismo versus abstracção. As actividades artísticas devem ser usadas para
promover e reforçar a aprendizagem das crianças em alfabetização (escrever e ilustrar
histórias, rotulagem fotos), matemática (sequências e padrões), e outras áreas cognitivas
e sociais.

Por último o modelo Reggio Emilia, que tem como base o impulso natural do ser
humano em querer investigar, valorizando do processo de busca e descoberta das
crianças. Este modelo é fundamentado nas bases do modelo pedagógico da Pedagogia
da Escuta e das Cem linguagens da criança, integrando a arte como ferramenta para o
pensamento. Os educadores têm como competência básica a sensibilidade, para que
possam perceber os sinais das crianças e as suas várias formas de linguagem ao
tentarem interpretar o mundo que as rodeia. A criança é encorajada a explorar o seu
ambiente, organizado de forma que seja rico em possibilidades, e a expressar-se através
de todas as suas “linguagens” – desenho, pintura, palavras, movimento, colagens,
dramatizações, música, escultura, montagens – o que lhe possibilita inúmeras vivências
simbólicas e de criatividade.

Este modelo tem como base a criação de um ateliê, um espaço de expressão e


desenvolvimento das “cem linguagens” da criança. Acredita-se que o ateliê é um espaço
para a investigação das motivações e teorias das crianças, para explorar uma variedade
de instrumentos, técnicas e materiais que apoiam as actividades e experiências. No
trabalho do ateliê, existe uma pessoa responsável pelas crianças, o artista plástico, que
ajuda-as a tornarem-se competentes numa diversidade de técnicas de expressão plástica,
nomeadamente, em desenho, pintura, modelagem, colagem entre outros. O domínio da
técnica é tido como importante, porque possibilita às crianças expressarem-se através de
múltiplas linguagens. As crianças, ao usarem diferentes formas de expressão gráfica,
desenvolvem o pensamento crítico e a criatividade, aprendendo a comunicar ideias e
sentimentos. Deve-se possibilitar às crianças diferentes formas de expressão, destacando
este modelo grande importância na arte e nas expressões artísticas, assumindo, desta
forma, uma experiência pedagógica.

“Arte significa ter mais linguagens e mais linguagens significa diferentes


formas de ver e representar o mundo. Queremos que as nossas crianças tenham mais
do que uma imagem acerca da coisa…Quantas mais formas de linguagem se
introduzirem mais rica a escola será.”

(Rabitti, 1994)

A utilização de diferentes formas de linguagem, quer seja verbal, gestual ou


gráfica, para representar o mesmo conceito permite à criança desenvolver e aprofundar
os seus conhecimentos. Deste modo, as crianças são encorajadas a representar a mesma
ideia através de diversas formas. Contactar diariamente com as variadas formas de
expressão e com o apoio do professor especializado nesta área, favorece o
desenvolvimento da capacidade crítica e permite à criança conseguir elevados níveis de
representação e expressão.

O modelo Reggio Emília, tem sofrido diversas influências e evoluções ao longo


do tempo, a partir de teorias e práticas de autores como, Freinet, Dewey,Vygotsky,
Erickson, Piaget, Bronfenbrenner, Howard Gardner, Shaffer, Gabriel Mugny, etc.,
autores esses que também influenciaram alguns dos modelos anteriormente referidos,
mas a sua essência permanece na teoria construída pela prática de Loris Malaguzzi
“(...) incentiva o desenvolvimento intelectual das crianças dando apoio e
estímulo sistemático à sua representação simbólica.” 
Conclusão

O dom artístico não é uma competência que possa ser adquirida pela prática ou
pelo estudo, é uma predisposição natural do indivíduo. Mas tal como todas as outras
competências com que as crianças nascem, está inerte, é necessária uma estimulação
apropriada e permanente para que esta capacidade se desenvolva plenamente. Contudo,
a apetência para a expressão plástica não está reservada apenas aqueles que possuem um
dom natural, ela deve ser considerada como uma importante forma de expressão do
indivíduo, pois, como forma não verbal, permite transmitir emoções, sensações e
opiniões de uma forma mais livre, mais natural.

Com este trabalho procuramos compreender o que é feito, ao nível do sistema de


ensino, para estimular as crianças para a expressão plástica. Para tal decidimos
comparar cinco dos modelos de orientação curricular utilizados em Portugal, por serem
estes os orientadores das práticas dos docentes, não considerando apenas os conteúdos
mas essencialmente os métodos.

A pedagogia do Projecto, como referido anteriormente não deve ser considerada


um modelo mas sim uma metodologia de ensino, não faz referência específica à
importância da expressão plástica, é uma forma de ensino que se baseia na realização de
projectos temáticos com uma componente transdisciplinar, ou seja, a expressão plástica
pode estar incluída na execução de um dos projectos, contudo não será o foco mais
importante, será considerada como um meio para atingir um fim, e não como um
veículo importante no processo de desenvolvimento da criança.

O modelo João de Deus e o MEM podem ser colocados lado a lado na escala.
Ambos dão importância à existência de momentos dedicados à expressão plástica,
orientada ou não, permitindo à criança experimentar uma nova forma de se exprimir,
aperfeiçoar a sua capacidade gráfica e trabalhar a sua motricidade fina. Ambos não
especificam a importância do dom artístico e da sua consolidação, enfatizando antes a
importância das experiências e da capacidade que as crianças apresentem em aprender
sozinhas, consoante as suas necessidades, não valorizando, assim, os benefícios da
expressão plástico no desenvolvimento infantil.
Consideramos que os dois modelos que mais se adequam a um desenvolvimento
saudável e favorável das capacidades plásticas são o High-Scope e o modelo Reggio
Emília. O High-Scope porque defende que a arte deve ser parte integrante de todos os
programas da infância, promovendo o desenvolvimento de uma vasta gama de
capacidades que permitem o desenvolvimento de juízo estético que colabora no sentido
das crianças serem capazes de atingir a satisfação pessoal. Este modelo privilegia um
espaço dedicado às artes, munido de uma grande variedade de materiais, permitindo que
a crianças escolha, e conheça, diferentes materiais, técnicas e processos de expressão
artística e, simultaneamente, permite-lhe ser autónoma neste processo, pois todos os
materiais encontram-se à sua disposição.

O Reggio Emília é sem dúvida o modelo curricular com maior potencialidade no


âmbito das artes plásticas. As crianças têm o privilégio de dispor de um artista plástico
que as acompanha no seu processo de desenvolvimento, ensina-lhes novas técnicas e
apoia as suas produções, dando-lhes assim confiança para ir sempre mais além,
explorando o mundo em seu redor e representando-o consoante as suas concepções, pois
este modelo também as capacita de um pensamento crítico e reflexivo.

Após aprofundarmos os nossos conhecimentos sobre estes modelos,


questionámo-nos sobre a veracidade das propostas teóricas que consultámos. A
variedade é muita, mas na realidade a oferta é diferente. Na grande maioria das escolas
portuguesas, a nível pré-escolar, são utilizados o MEM, a pedagogia do Projecto e o
High-Scope, pois o modelo João de Deus está reservado para escolas específicas
(designadas Escolas João de Deus) e o modelo Reggio Emília também não é comum
encontrar, talvez por exigir uma equipa mais completa sendo, consequentemente, mais
dispendioso de manter.

Ao nível do primeiro e do segundo ciclo, os modelos são pouco aplicados, a não


ser no caso dos colégios privados que prezam por manter as orientações curriculares
durante toda a escolaridade. Os mais utilizados nestes níveis de escolaridade são, assim,
a pedagogia de Projecto, pela facilidade que confere à gestão do programa, pois permite
que, autonomamente, as crianças estudem e trabalhem determinada temática, e o MEM,
cujas características foram acima referidas. Podemos verificar que, ainda assim, existe
uma maior preocupação com as metodologias de ensino ao nível do ensino pré-escolar
e, é neste período que se verifica uma maior preocupação com as capacidades artísticas
das crianças. Á medida que vão avançando no percurso escolar, o foco de atenção vai
sendo desviado para as aprendizagens formais, do Português e da Matemática, e dos
conhecimentos específicos do mundo, relativizando-se, assim, a importância das
expressões no desenvolvimento da criança.

A investigação mais recente sobre as artes, realizada a partir de uma perspectiva


cognitiva, poderia sugerir aos educadores e investigadores que revissem a sua
abordagem à actividade de expressão gráfica. Os investigadores usam os desenhos como
meio de determinarem o estádio de conhecimento em que as crianças se encontram ou o
nível do seu bem-estar emocional. Os educadores usam os desenhos para ajudarem as
crianças a adquirirem as competências gráficas mais importantes da linguagem escrita.

Por vezes, os educadores desvalorizam um pouco os desenhos das crianças, pois


estes impõem as palavras escritas à composição visual da criança, ou seja, sempre que
uma criança faz um desenho a reacção habitual é “fala-me do teu desenho”, e isto torna
patente que o desenho só por si não diz nada, que para o entender-mos é preciso uma
explicação da parte da criança e o seu registo escrito. O educador acaba por olhar para o
desenho como um depoimento simbólico que tem que ser traduzido por palavras. A
acrescentar a tudo isto, há ainda o facto de que o educador, ao escrever no desenho, dá a
entender que a composição daquelas formas no papel não tem grande importância, uma
vez que as suas palavras podem ser acrescentadas sem, no entanto, violarem a
integridade da composição.

Em vez de pedir à criança que lhe fale do desenho, o educador pode, antes de
mais, tentar entendê-lo, comentar e elogiar alguns aspectos, isto é, comentar
pedagogicamente. Ao prestar atenção, o educador pode expressar o seu agrado pelo
conhecimento intuitivo que a criança expressou no seu desenho.

Todas as razões anteriormente mencionadas vão ao encontro da resposta à nossa


questão, pois é essencial desenvolver a criatividade nas crianças, com base no
documento “Processos no desenvolvimento da criatividade”, de Dalila D’Alte
Rodrigues podemos afirmar que o que acontece ao dom artístico das crianças no nosso
sistema de ensino é muito culpa do mesmo, pois é essencial não privar nem criticar as
crianças pelos desenhos que realizam, sendo esta razão a responsável para o abandono
da continuidade de se expressarem livremente através dos desenhos. A criança deverá
ter oportunidade de escolher os materiais usados na elaboração das expressões plásticas,
pois a criatividade é um ponto alto da expressão.

“ Compete ao professor proporcionar meios motivadores que contribuam para o


desenvolvimento da capacidade expressiva e criativa da criança. Compete a cada um
encontrar a forma de expressão que melhor se adapta às suas reais capacidades físicas
e psíquicas.”3

É essencial que o educador/professor tenha sensibilidade artística apurada para


entender e ser sensível ao desenho infantil, não é por acaso que Picasso afirmou que
aprendia imenso a ver uma criança a desenhar. O dom artístico pode ser desenvolvida e
benéfica se o educador for consciente e sensível a estas questões, estimular a criança a
continuar a desenvolver-se artisticamente sem ser criticada pode levá-la a progredir no
que concerne ao dom artístico.

Em suma, podemos afirmar que a realização deste trabalho permitiu-nos pensar


um pouco na forma como o sistema de ensino está estruturado, nos mecanismos que
dispõe e na forma como estes são utilizados para dar resposta a todas as vertentes
curriculares previstas. Fomos obrigadas a constatar que, de facto, a expressão plástica
nem sempre é explorada da forma mais produtiva, de modo a fornecer à criança uma
maior capacidade de lidar e de se adaptar às diferentes técnicas e processos. O facto de
muitas das tarefas serem repetitivas e sem espaço para a expressão pessoal, faz com que
as crianças e os jovens percam o interesse por este modo de comunicação com o mundo
e consequentemente não lhes seja possível desenvolver o dom artístico.

3
Retirado do site: http://www.debatereducacao.pt/relatorio/files/CpII1.pdf em 2/06/2010
Bibliografia

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