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Teoria geral das provas em

criminalidade organizada
1 de outubro de 2016

Resumo: O presente artigo tem por finalidade discutir a teoria geral de provas,
particularmente, a produção de provas em criminalidade organizada em conjunto
com o princípio da proporcionalidade. Também analisa as principais provas
utilizadas para o desmantelamento de organizações criminosas, como a
interceptação telefônica, a infiltração de agentes e a delação premiada.

Abstract: This article aims to discuss the general theory of evidence, particularly the
production of evidence in organized crime in conjunction with the principle of
proportionality. It also analyzes the main evidence used for the dismantling of
criminal organizations, such as telephone interception, infiltration of agents and the
award-winning tipoff.

Palavras-Chave: teoria geral das provas, teoria da proporcionalidade,


criminalidade organizada, interceptação telefônica, infiltração de agentes e delação
premiada.

Sumário: 1.Introdução; 2. Teorias da proporcionalidade, razoabilidade e prova


ilícita pro reo; 3. Escutas Telefônicas; 4. Infiltração de Agentes; 5. Delação
Premiada; Conclusão.

1.Introdução:

Para que se firmem as premissas do tema proposto, se faz necessário estabelecer


alguns conceitos eminentemente fundamentais acerca do conceito de prova, suas
espécies e a finalidade do processo penal.

Por prova, genericamente falando, podemos tê-la como aquele dado ou substrato
que permite fixar ou firmar a existência de um fato.

Conforme preleciona MARCO ANTÔNIO MARQUES DA SILVA: “A prova é dado


concreto e objetivo que leva o juiz a ciência sobre um fato, para que sobre ele seja
feito um julgamento”[1].

A prova reconstrói um fato pretérito, de maneira que tenta permitir às partes


visualizar, ainda que precariamente, a existência ou não de um fato, cuja natureza
tenha interesse e pertinência com o objeto a ser julgado; demonstrar a existência ou
inexistência de um fato consiste, analiticamente falando, a finalidade geral da prova.

O processo penal materializa o direito penal, um dos mais importantes ramos do


direito, senão o mais importante, na medida em que tutela os bens jurídicos de
maior valia para a convivência harmônica na sociedade. Nesse sentido, é
importante analisar que o direito penal tem como elemento intimidador a pena, que
pode chegar, em casos extremos, ao cerceamento da liberdade.

Considerando esse elemento intimidador – a pena – o processo penal é regido pelo


princípio da verdade real ou material, isto é, orienta-se no sentido de descobrir a
verdade efetiva dos fatos, diferentemente do processo civil, onde vige a verdade
formal, o que significa dizer, basta ao julgador os elementos que são a ele
apresentados para o julgamento do feito.

Ao materializar o direito penal, um dos resultados possíveis é o cerceamento da


liberdade, um dos bens mais valiosos previstos no art.5º da Constituição Federal de
1988, à exceção da vida, portanto, deve o magistrado esgotar os meios probatórios
necessários e disponíveis visando comprovar ou não a existência do fato submetido
a julgamento, sob pena do cometimento de injustiça.

Nesse sentido, vale trazer à baila o que escreve VERA KAISER SANCHEZ KERR a
respeito da verdade material enquanto finalidade do processo penal e sua
impossibilidade de consecução integral: “Contudo, hodiernamente, entende-se que
a verdade material é inalcançável, pois o que deve ser buscado é a verdade
possível de ser atingida, a verdade processual”[2].

Conquanto sua finalidade acima destacada, a coleta de prova, especialmente em


seara penal, deve obedecer a um rito, a um conjunto de normas previamente
estabelecidas em lei, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal e da
vedação de provas ilícitas, conforme preceitua o art.5º da Carta Magna.

A coleta de prova sem a necessária obediência às regras estabelecidas na


legislação infraconstitucional acarreta na sua invalidade, vale dizer, será declarada
como ilícita e retirada dos autos.

Em virtude dos fundamentos e objetivos do processo penal, o legislador nacional


não estabeleceu quais são os meios de provas existentes no direito brasileiro, mas
limitou-se a estabelecer regras gerais, orientadas no princípio da vedação de provas
ilícitas, no contraditório, na ampla defesa, no devido processo legal e,
especialmente, na dignidade da pessoa humana, para sua obtenção. Diante disso, a
doutrina encarregou-se de definir e classificar as espécies de provas atuantes no
direito processual penal, quais sejam, as provas típicas e atípicas, por típicas
entendam-se as provas explicitamente previstas na legislação, sobretudo, no
Código de Processo Penal e leis extravagantes; por atípicas aquelas que não se
encontram previstas na legislação.

A respeito de tema tão importante, trazemos à análise o que escreve ANTONIO


SCARANCE FERNANDES[3] sobre a classificação das provas: “[…] a prova típica é
aquela prevista e dotada de procedimento próprio para sua efetivação; a prova
atípica, por conseguinte, é aquela que, prevista ou não, é destituída de
procedimento para a sua produção.”

Porquanto, é fundamental para o estudo do presente texto, identificarmos o novo


conceito de prova após a reforma de Lei 11.690/2008, no qual o legislador,
privilegiando os postulados da ampla defesa e do contraditório, deu nova redação
ao art.155 do Código de Processo Penal, in verbis:

‘Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares,
não repetíveis e antecipadas.”

Portanto, consoante a nova redação do dispositivo legal acima em destaque,


considerar-se-á prova, apenas e tão somente, aquelas que forem produzidas sob
crivo dos princípios do contraditório e da ampla defesa, à exceção das que forem
impossíveis de serem repetidas.

A título de exemplo, as provas testemunhais deverão obrigatoriamente ser repetidas


em juízo, por outro lado, dados obtidos através do monitoramento telefônico serão
submetidos ao contraditório diferido, uma vez que não podem ser repetidos.

Nesta linha, o processo penal contemporâneo encontra-se em uma fase


extremamente sensível, isso porque a sociedade vem enfrentando o aumento
desenfreado de todas as formas de criminalidade, especialmente, as de cunho
organizado, seja com matiz violento ou não.

Esse aumento da criminalidade organizada vem exigindo uma reposta mais eficaz
tanto do direito penal como do processo penal, entretanto, a criminalidade com
matiz organizacional, com base piramidal ou de torres, com infiltração no poder
público e etc., consiste em matéria de difícil comprovação, haja vista a dificuldade
na obtenção de provas em um processo extremamente complexo e intrincado de
demonstração de condutas.

A respeito da dificuldade na obtenção de provas relacionadas à criminalidade


organizada, sobretudo a existência de redes de relacionamentos complexas, JOÃO
PAULO BALTAZAR JÚNIOR[4] assim disserta sobre o tema:
"Os delitos de organizações criminosas, sejam elas de tipo violento ou empresarial,
apresentam dificuldades probatórias se comparadas com a criminalidade tradicional.
A prova em delitos de criminalidade organizada é fragmentária, dispersa,
assemelha-se a um verdadeiro mosaico […]."

Para esse tipo de criminalidade os meios convencionais de provas já se mostraram


deveras ineficientes, sendo necessário lançar mão de técnicas especiais de
investigação, conhecidas popularmente como T.E.I., conforme ensina FAUSTO
MARTIN DE SANCTIS[5]:

"As chamadas técnicas especiais de investigação são consideradas indispensáveis


para o enfrentamento da criminalidade organizada e estão em consonância com as
obrigações assumidas pelo Brasil, no campo internacional, por meio da Convenção
Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção
de Viena de 1988, artigo 11, itens 1,2 e 3), da Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção da ONU de 2000, artigo 20)
e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (Convenção da ONU
contra a corrupção de Mérida de 2003, artigo 50)."

Entretanto, referidas técnicas especiais de investigação, em virtude de sua


agressividade, ferem ou lesionam direitos e garantias individuais previstos na Carta
Política de 1988, especialmente, a intimidade dos investigados e envolvidos direta
ou indiretamente nesse tipo especial de criminalidade.

Assim, o binômio garantia e eficiência consiste na pedra fundamental do processo


penal contemporâneo, sobretudo naqueles que têm como fundamento o Estado
Democrático de Direito.

Como estabelecer o equilíbrio entre a prevalência de garantias fundamentais ao


investigado, em despropósito de uma investigação eficiente, em benefício da
sociedade, tão refém de atos criminosos e de barbáries das mais ignóbeis, consiste
em tarefa das mais árduas.

O binômio – garantia e eficiência – deve sustentar-se equilibrado, sob pena de


afronta ao Estado Democrático de Direito e o cometimento de enormes injustiças,
seja em desfavor do investigado, seja em desfavor da própria sociedade, que já
vivenciou regimes totalitários e ditatoriais nos quais eram suprimidas diversas
garantias e direitos fundamentais, sob o manto da ilegítima proteção e manutenção
da paz social.

ANTONIO SCARANCE FERNANDES[6] assim se posiciona a respeito do tema:

"Entende-se ser eficiente o processo que além de permitir uma eficiente persecução
criminal, também possibilita uma eficiente atuação das normas de garantia. Assim,
é dotado de eficiência o ordenamento formado por regras que permitam o equilíbrio
entre o interesse do estado em punir autores de infrações penais e o interesse do
acusado em se defender plenamente.[…]

Não se deve pender para os extremos de um hipergarantismo ou de uma repressão


a todo custo."

Feito este escorço, passemos agora à análise dos tópicos delineados no título do
presente artigo.

2.Teorias da proporcionalidade, razoabilidade e prova


ilícita pro reo;

Façamos um recorte na teoria da proporcionalidade, pode parecer exaustivo, mas


se faz necessário para que entendamos sobre quais premissas assentar-se-ão o
presente texto acadêmico.

Nossa linha de pesquisa adotará como fundamento a Teoria da Proporcionalidade,


aquela defendida por ROBERT ALEXY, em que pese o respeito que temos pela
linha defesa sustentada por RONALD DWORKING, no entanto, entendemos que a
teoria principiológica desenvolvida pelo jusfilósofo alemão se adapta melhor ao
nosso ordenamento jurídico.

Porquanto, antes de adentrar na aplicação do princípio da proporcionalidade, é


fundamental estabelecer o conceito de princípio e suas variantes, bem como quais
sãos suas diferenças com as regras e por qual razão é invocado o princípio da
proporcionalidade.

Primeiramente, deve-se ter em mente que tanto o princípio como a regra são
espécies do gênero norma, no entanto, a despeito de serem do mesmo gênero,
possuem diferenças fundamentais em sua conceituação.

O princípio fornece carga axiológica na interpretação do Direito, não regula


situações concretas, mas abstratas, pode ou não estar previsto explicitamente no
texto constitucional, mesmo assim é dotado de validade positiva. Outrossim, os
princípios não se relacionam a uma situação específica, de maneira que sua
interpretação não leva a cabo uma consequência jurídica imediata, mas sim futura.

Segundo WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO[7] os princípios “[…] devem ser


entendidos como indicadores de uma opção pelo favorecimento de determinado
valor […]”.
Por seu turno as regras regulam situações concretas, podem estar previstas no
texto constitucional ou não, comumente prevêem uma consequência jurídica
imediata a uma situação específica.

Assim, para se estabelecer a diferença entre regras e princípios existem diversas


formas: ROBERT ALEXY[8] disserta que “[…] é utilizado com mais frequência é o
da generalidade.”, o que significa dizer que os princípios possuem nível de
generalidade bastante alto, ao passo que as regras, possuem generalidade baixa ou
relativa. Outra diferença citada por ROBERT ALEXY[9] diz respeito à relação de
conteúdo para continente entre o princípio e a regra, ou seja, o princípio orienta a
regra, fornecendo razões para sua existência e validade jurídica.

A grande problemática a respeito deste tema está relacionada aos conflitos entre as
espécies de normas, isto é, os conflitos entre regras e princípios. Nesta situação de
conflito é possível obter com maior clareza suas diferenças.

Conquanto o tema suscite inúmeras discussões de valioso conteúdo acadêmico,


nos deteremos – por ser o foco do presente estudo – na colisão de princípios de
ordem constitucional, especialmente, a colisão entre o princípio constitucional que
protege a intimidade e a dignidade da pessoa humana e o direito à segurança como
direito fundamental, colisão essa que trás à baila a necessidade do equilíbrio entre o
binômio eficiência e garantismo.

Em havendo colisão ou choque de princípios constitucionais, o princípio da


proporcionalidade será responsável pela solução do conflito, elegendo, no caso
concreto, qual princípio irá prevalecer.

Porquanto, não se delineou ainda como a proporcionalidade irá definir qual princípio
deverá prevalecer, ou seja, prevalece o direito à segurança ou o direito à intimidade,
liberdade, englobados na dignidade da pessoa humana.

A partir desta dialética surgem duas teses a respeito do assunto, a tese


comunitarista e a individualista.

Pela tese comunitarista, significa dizer que em qualquer espécie de colisão entre
princípios constitucionais, prevalecerá aquele que atingir o interesse da coletividade.
Referida posição é de difícil aceitação, mesmo porque estaria muito próxima a
regimes totalitários, no qual as decisões do Estado são sempre fundamentadas no
bem da coletividade.

JOÃO PAULO BALTAZAR JÚNIOR[10] posiciona-se contra a tese comunitarista, na


medida em que tal posição legitimaria, a priori, “[…] até mesmo a existência de uma
presunção de liberdade (in dubio pro libertate), de modo que não haveria uma regra
geral de interpretação dos direitos fundamentais nesse sentido.”
Por outro lado, a tese individualista afirma sempre a prevalência pelo interesse
individual sobre o coletivo, dando razão à leitura subjetiva dos direitos fundamentais,
sobretudo, ao princípio da proibição do excesso.

Esta posição tem como supedâneo a origem dos direitos fundamentais, os quais
foram concebidos como direitos e garantias dos cidadãos frente ao arbítrio do
Estado, o qual num passado não muito distante violava a dignidade da pessoa
humana, apresentando como justificativa a manutenção do bem comum.

Ocorre que esta posição nos dias atuais deve sofrer uma releitura. Concordamos
que a dignidade da pessoa humana deva prevalecer, a princípio, quando em colisão
com os demais direitos fundamentais.

Entretanto, deve-se destacar que ao lado dos direitos conferidos às pessoas há,
igualmente, suas obrigações junto à sociedade.

A interpretação da tese individualista permite ao indivíduo ter uma posição,


absolutamente, egoísta e descompromissada com os demais membros da
sociedade.

Entendendo pela prevalência da dignidade da pessoa humana, em sua leitura


individualista, frente a princípios de ordem coletiva, significa dizer que existiria um
princípio absoluto, por seu turno, este princípio absoluto conflitaria com outros
princípios absolutos da coletividade, analisando cada pessoa, individualmente, as
quais veriam seus direitos serem lesionados em benefício da individualidade de
outrem.

Em virtude dos argumentos acima destacados comungamos do entendimento que


afere primazia inicial à dignidade da pessoa humana, com leitura na individualidade,
contudo, apenas primazia inicial. Caberá ao Estado demonstrar, através da
aplicação da proporcionalidade, que a dignidade da pessoa humana deverá ceder,
no caso concreto, em favor da coletividade[11].

Estabelecidas essas premissas, encontramos argumentos jurídicos sólidos para a


fundamentação da prova ilícita pro reo e também pro societate, conforme
fundamenta ANTONIO SCARANCE FERNANDES[12].

Em sua obra ele analisa dois exemplos claros e em sentido diametralmente opostos,
no qual ambas as modalidades foram admitidas: o primeiro exemplo seria
relacionado à obtenção, por parte do réu, de uma prova ilícita mediante
interceptação telefônica, prova essa que seria cabal para demonstrar sua inocência,
vale dizer, sem ela o réu seria condenado a uma pena injusta, dito de outro modo,
referida prova ilícita demonstraria que ele não foi o autor do fato que a ele seria
imputado, nesse caso, obviamente, a prova ilícita deve ser aceita, inclusive o próprio
Supremo Tribunal Federal já se posicionou a favor nesse sentido (STF, HC 74.678-
1/SP, 1a Turma, Rel. Min. Moreira Alves, votação unânime, DJ 15/07/1997); o
exemplo oposto diz respeito à abertura de correspondências no âmbito do sistema
prisional, visando com essa medida evitar a fuga de presos considerados perigosos,
na qual se descobriu um plano para assassinar um Juiz de Direito, pela
interpretação do texto constitucional tal prova seria de todo ilícita, por violação a
norma constitucional, porém, sabiamente o Supremo Tribunal Federal posicionou-se
pela admissão da prova em favor da sociedade (STF, HC 70.814-5, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ 24/06/1994).

A aplicação escorreita do princípio da proporcionalidade permite uma interpretação


constitucional coerente com os valores e fundamentos estabelecidos na Carta
Política de 1988, tendo como norte sempre o Estado Democrático de Direito com
base na dignidade da pessoa humana, conforme preleciona ANTONIO SCARANCE
FERNANDES[13]:

"Em suma, a norma constitucional que veda a utilização no processo de prova


obtida por meio ilícito deve ser analisada sob à luz do princípio da
proporcionalidade, devendo o juiz, em cada caso, sopesar se outra norma, também
constitucional, de ordem processual ou material, não supera em valor aquela que
estaria sendo violada."

3.Escutas Telefônicas;

Serão feitas algumas considerações sobre esse valioso instrumento de


investigação, tanto de ordem prática, sob o ponto de vista de como ela é
materializada, como também sobre sua utilização como meio de prova no processo
penal.

A interceptação telefônica é regida pela Lei 9296/96 a qual regulamenta em quais


casos tal meio de prova poderá ser utilizado. Referido ato normativo disciplina toda
sua metodologia e como materializar-se-á a prova obtida por esse meio tão
importante de produção probatória.

O tema é extenso, por isso faremos um recorte para delimitação do seu estudo; o
recorte feito será na delimitação de casos relacionados à criminalidade organizada.

Dentro do contexto de técnicas especiais de investigação, o monitoramento


telefônico é ferramenta fundamental para qualquer tipo de investigação relacionada
ao enfrentamento da criminalidade organizada. É uma ilusão acreditar que é
possível desmantelar uma organização criminosa sem essa ferramenta.
Na verdade, também devemos ser coerentes e não depositar toda a confiança
apenas e tão somente no monitoramento telefônico, mas sim ao conjunto de
mecanismos agora disciplinados pela Lei 12.850/2013.

A interceptação telefônica, atualmente, muito mais serve como norte à Autoridade


Policial encarregada de uma investigação, norte esse no sentido de saber aonde,
como e o porquê tal prova precisa ser colhida.

Através da análise dos diálogos monitorados é possível estabelecer o perfil


criminológico do investigado e identificar sua rede de contatos, pois mediante esse
dado é possível aferir qual a extensão do grupo que está sendo investigado.

Não somente a extensão do grupo, mas de que maneira ele afeta bens jurídicos
tutelados pela norma penal.

O monitoramento telefônico permite materializar as condutas investigadas no curso


da investigação, materialização essa realizada com a utilização de outras provas,
sejam elas típicas ou atípicas, que necessitem ou não de chancela judicial para sua
obtenção.

Destaque-se que a Polícia Federal, em que pese o respeito pelas outras forças
policiais do Brasil, assumiu o protagonismo em metodologia de investigações
relacionadas ao enfrentamento à criminalidade organizada; protagonismo esse
realizado mediante a provocação junto aos Juízes de primeira instância e de
Tribunais Superiores, ao apresentar provas atípicas que jamais tinham sido
utilizados dentro do panorama jurídico nacional.

Como provas atípicas temos: a busca exploratória, a instalação de equipamentos


para escuta ambiental, a interceptação de fluxo telemático e etc., provas essas já
reconhecidas pelos tribunais superiores como válidas dentro do processo.

A despeito de tais considerações, façamos aqui mais um pequeno recorte: as


provas descritas nesse pequeno parágrafo são extremamente agressivas, mas
dentro do contexto investigatório coube à Autoridade Policial demonstrar ao Juiz e
ao Ministério Público que sem esse meio de prova, não seria possível desmantelar o
grupo que se investigava, dito de outro modo, sem essas provas – que não são
ilícitas, frise-se – não seria possível avançar na investigação.

Porquanto, coube ao Poder Judiciário realizar a aplicação do princípio da


proporcionalidade, através de suas balizas, e pender, nesse momento, para a tese
comunitarista, como mencionamos acima.

Pois bem, voltemos ao nosso tópico.


A própria interceptação telefônica era utilizada para casos simples, menos
complexos. No entanto, a Polícia Federal, no início dos anos 2000 passou a utilizá-
la em conjunto com a ação controlada, prevista na antiga Lei 9034/95 como
mecanismo que possibilitasse à Autoridade Policial observar o teatro criminoso,
observação essa que permitia identificar toda a rede de relacionamentos, extensão,
forma e maneira de atuar de um grupo criminoso, deflagrando o cumprimento de
medidas constritivas de liberdade no momento mais oportuno sob o ponto de vista
de produção probatória, visando identificar o efetivo capo dos grupos organizados.

Obviamente, que no início houve alguns equívocos práticos e operacionais que


foram corrigidos pelo Poder Judiciário, de modo que a Polícia Federal teve que se
adequar ao que a jurisprudência estava determinando.

Como exemplo, citamos: a necessidade transcrição de diálogos e não apenas a


utilização de ementas, a demonstração de que outros meios de prova são inábeis
para demonstrar os fatos, a própria duração da interceptação telefônica, a obtenção
de dados cadastrais de interlocutores que dialogavam com pessoas monitoradas,
bem como a obtenção de extratos de telefônicos de terceiros que dialogavam com
números interceptados e etc.

Não comungamos com a utilização desproporcional da interceptação telefônica,


comungamos da opinião no sentido de que ela deve ser utilizada e defendida como
meio de obtenção, disponível ao Estado, de prova em casos em que outras provas
se mostram ineficazes para a consecução de seu objetivo.

4.Infiltração de Agentes;

A infiltração policial consiste em meio de prova excepcional, permitido pela Lei


12.850/13, nos arts. 10 a 14, estando, portanto, no rol das mencionadas técnicas de
investigação especiais aplicadas no enfrentamento à criminalidade organizada.

Consiste a infiltração no ingresso por policial em organização criminosa, de maneira


velada, mediante a utilização de identidade falsa fornecida pelo Estado, com a
finalidade de obter informações e provas a respeito da forma de atuação,
integrantes, líderes dentre outros.

É preciso dar a devida importância e credibilidade à prova obtida através da


infiltração, na medida em que as informações coletadas são provenientes, quando
bem empregadas, do âmago da organização. Provas e informações deste nível são,
demasiadamente, difíceis de serem obtidas, haja vista as complexas redes de
ramificações de um grupo organizado, bem como sua intrincada rede de
relacionamentos.
No Brasil a exemplo de outros países como a Argentina e Espanha, o procedimento
de infiltração policial deve ser precedido de fundamentada autorização judicial para
sua utilização.

A infiltração é técnica excepcional de investigação, o que significa dizer que


somente deve ser utilizada, quando outros meios de prova se demonstrem
ineficientes no processo de investigação. Esta análise da viabilidade e implantação
da infiltração deve ser feita com bastante seriedade, haja vista os riscos que este
meio de prova pode levar.

Os riscos vão desde o vazamento da investigação, risco de vida pessoal e familiar


do agente infiltrado e até da própria legalidade da prova, podendo, se mal
empregada, contaminar as demais provas obtidas.

5.Ação Controlada;

O instituto da ação controlada, anteriormente, previsto na Lei 9.034/95, no art.2º,


inc.II e agora no art. 8º e art.9º da Lei 12.850/13, cujo conteúdo permite, quando se
estiver diante de investigação atinente à criminalidade organizada, postergar a ação
policial para momento mais conveniente no que se refere à produção de provas.

A Convenção de Palermo no art.20 do referido diploma legal também fez a previsão


expressa do que denominou “entrega vigiada”.

Para ANTONIO SCARANCE FERNANDES[14] a ação controlada consiste em “[…]


permissivo legal adotado nos mais civilizados e democráticos países do mundo,
onde por razões históricas estão efetivamente preparados para combater o crime
organizado”.

A essência do referido dispositivo legal, consiste em permitir ao presidente da


investigação, leia-se, Delegado de Polícia de carreira, sob pena de não incorrer em
crime de prevaricação, postergar eventual ação ou operação policial[15], no
momento em que as provas estiverem mais sólidas, sobretudo, no que se refere à
identificação do maior número de integrantes de um grupo criminoso, sua forma de
agir, infiltração no poder público e, se possível, seus líderes.

Trata-se de uma estratégia de investigação bastante eficaz, haja vista que na


maioria das vezes os líderes ou capos de grupos organizados não se envolvem na
prática direta do delito, utilizando-se de interpostas pessoas para a consecução de
seu desiderato, de modo que a ação controlada possibilita, quando bem empregada
e em cotejo com outros meios de provas (monitoramento telefônico, telemático,
vigilância e etc.) identificar o funcionamento efetivo de um grupo criminoso.
6.Delação Premiada e valoração da prova.

Nos dias de hoje é quase um modismo falar em delação premiada, muito


provavelmente pela sua ampla divulgação nos autos da conhecida Operação Lava
Jato, capitaneada pela Polícia Federal, através da Delegacia de Repressão a
Crimes Financeiros do Paraná.

Referida investigação, seguramente, entrará para a história como um dos grandes


marcos no combate à corrupção no país; diversos veículos de imprensa já anunciam
que, em virtude de grande soma de valores locupletados por grupos empresariais,
seria um dos maiores escândalos de corrupção da América Latina, quiçá do mundo.

Mas muito além de um grande escândalo, temos novamente a Polícia Federal


provocando o debate na comunidade jurídica e acadêmica sobre esse meio de
prova que está muito longe de ser um consenso sobre sua origem, finalidade e
aplicação.

Malgrado conheçamos alguns dos responsáveis pela investigação, não temos


conhecimento sobre detalhes de tão importante trabalho, tendo apenas uma
certeza, a que foi feita sob a égide da Lei e a obediência à Constituição Federal,
notadamente, aos preceitos inscritos no art.5º.

Fato é que, conforme noticia a imprensa, estamos diante de um dos mais


sofisticados e complexos esquemas de desvio de recursos públicos, no qual temos
a simbiose do poder público[16] com fortíssimos grupos empresariais que
praticamente dominam o mercado brasileiro em sua área de atuação.

Quando falamos em simbiose com o poder público, temos que ampliar o nosso o
horizonte e perspectiva de análise, ampliar no sentido de entender qual o nível de
informações privilegiadas da qual o referido grupo criminoso organizado pode deter.

Para atuar com a desenvoltura que atuavam, pode-se dizer que tinham certeza da
impunidade, certeza porque tinham acesso a informações tanto sobre como o
Estado investiga, como também quem estava sendo investigado.

Especificamente no que se refere a “sobre como o Estado investiga”, cabem alguns


comentários: a prática em investigações relacionadas ao crime organizado tem
demonstrado que há sempre um fator de necessidade, ou seja, a presença de
elementos ligados à segurança pública. Referidos elementos são necessários para
que forneçam uma consultoria aos grupos criminosos de como blindar-se de ações
policiais, bem como no fornecimento de informações privilegiadas, especificamente,
sobre investigações em andamento.
Apenas esse dado, se analisado de forma isolada, já permite ampliarmos o
horizonte acima destacado, isto é, que nesse tipo de investigação é absolutamente
irrisório valer-se de mecanismos comuns de investigação.

É absolutamente necessária a utilização de mecanismos agressivos de busca do


dado negado; é fundamental o cotejo de todos os instrumentos disponíveis na Lei
12.850/13 para o desmantelamento de um grupo criminoso, especialmente, o que
esta a se comentar; a utilização conjunta dessas ferramentas permitirá demonstrar
ao Estado-Juiz a verdade real que paira sobre os fatos, ou, como sustentado em
tópico anterior a verdade possível de ser obtida.

Em havendo manifestação do acusado em auxiliar as autoridades, as informações


por ele fornecidas devem ser analisadas com extrema seriedade, haja vista que ele
pode induzir ou mesmo levar a erro as autoridades encarregadas da investigação,
com o fito de obter o benefício de redução de sua pena, quiçá o perdão judicial.

Finalmente, pese a eficiência do instituto, comprovadamente utilizada em países de


primeiro mundo, há posicionamento doutrinário no sentido de que a utilização da
delação estaria eivada de imoralidade, na medida em que incentivaria a traição
entre os membros da organização. Logo, o Estado não poderia valer-se deste meio
de prova por ser considerado aético e imoral.

A despeito das inúmeras posições a respeito da suposta imoralidade e a ausência


de ética no instituto da delação premiada, ousamos pensar de maneira distinta.
Aético ou imoral é, justamente, aquele que pratica o crime, sobretudo, quando
comprovado seu envolvimento na criminalidade organizada, de extrema gravidade,
danosa e nociva à sociedade.

Portanto, se ao delator for conveniente a delação, desde que preenchidos os


requisitos legais, respaldado ainda no respeito à sua dignidade, conforme determina
a Constituição Federal, entendemos, perfeitamente cabível ao Estado utilizá-la
como mecanismo de enfrentamento à criminalidade organizada, despindo-se de
ilações filosóficas neste sentido.

Em nosso entendimento o delator, quando auxilia as instituições responsáveis pela


persecutio criminis demonstra sim, ética e moralidade, na medida em que o
resultado final de sua delação poderá contribuir para condições melhores de vida
em sociedade.

CONCLUSÃO:

Do que foi brevemente exposto neste artigo, conclui-se pela efetiva e real
necessidade de utilização de técnicas especiais de investigação para o
desmantelamento de organizações criminosas.
Além da utilização destas técnicas, especiais por excelência, necessário ainda ter
em mente a aplicação do princípio da proporcionalidade, especialmente, com base
no direito à segurança como direito fundamental, de modo a legitimar a flexibilização
de garantias fundamentais em prol da sociedade.

As técnicas especiais acima citadas, a interceptação telefônica, a infiltração de


agentes e a delação premiada, como instrumentos de combate ao crime organizado
devem ser utilizadas com responsabilidade e, quando usadas de maneira
concatenada e sob estrita coordenação policial, seguramente, produzirão o
resultado esperado, qual seja, a produção de provas robustas o suficiente para
desmantelamento de organizações criminosas.

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais: tradução Virgílio Afonso da


Silva. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.

FERNANDES, Antonio Scarance. Provas no Processo Penal, Estudo


Comparado. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

_____________________________. O conceito de crime organizado na Lei


9034. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.31, p. 03, jul. 1995.

_____________________________. Processo Penal Constitucional. São Paulo:


Editora Saraiva, 6ª Edição.2010.

_____________________________. O Equilíbrio na Repressão ao Crime


Organizado. In: Crime Organizado, Aspectos Processuais, Coordenação Antônio
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