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Curso de especialização em Jornalismo Cultural

Oferecido pela Faculdade de Comunicação Social da UERJ

Tema: Arquitetura da destruição com a arquitetura da construção no cenário atual do


Brasil – Uma análise sobre as contradições do transporte público no Rio de Janeiro

Aluna: Ana Letícia Daflon Tinoco


As cidades brasileiras, em especial o Rio de Janeiro - palco desta análise – são
marcadas por profundas contradições que coexistem em desequilíbrio.

Segundo o Mapa das Desigualdades entre as Capitais Brasileiras de 2020 1, “25,3%


é a proporção de pessoas que, em 2018, viviam abaixo da linha da pobreza no
Brasil, ou seja, com renda inferior a US$5,5 por dia”.

Ainda através do documento, é possível reafirmar que as principais desigualdades


no Brasil perpassam por questões de raça e gênero, recortes primários e
fundamentais para a construção das identidades e perfis que transitam pela cidade.

Nessa análise em especial, o objeto de estudo será a desigualdade social através do


recorte da mobilidade urbana, ou a carência dela, com base no relatório De Olho no
Transporte2 lançado em 2020 pela Casa Fluminense e o ITDP (Institute for
Transportation and Develop-ment Policy) em parceria com o Idec (Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor) e apoio do Instituto Clima e Sociedade.

O documento foi lançado em evento para discutir quais propostas de políticas


públicas para a mobilidade precisam ser priorizadas pela próxima gestão da cidade
do Rio, bem como apontar a problemática da redução de frotas devido à pandemia
de Covid-19 ao mesmo tempo que grande parte dos trabalhadores que dependem
desse transporte não foram liberados do serviço, resultando na superlotação dos
veículos. Por fim, o documento é finalizado com a proposta de soluções práticas
para tornar mais efetivo o direito de ir e vir da população.

Ainda segundo o Mapa das Desigualdades de 2020, entre as capitais brasileiras, o


Rio de Janeiro fica entre as piores no âmbito comprometimento da renda com a
tarifa de transporte público e a segunda pior do país em tempo médio de
deslocamento casa-trabalho, perdendo apenas para São Paulo.

Partindo desses pressupostos, a Arquitetura da destruição com a arquitetura da


construção no cenário atual do Brasil se materializam nessa análise contrapondo
Transporte e Gestão Pública - direito básico garantido pela constituição federal 3 – e
o

1.https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/link/mapa-das-desigualdades.pdf
2.https://casafluminense.org.br/wp-content/uploads/2020/11/05_CASA_deolho_notransporte.pdf
3.EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 90, DE 2015. Da nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para
introduzir o transporte como direito social
mau funcionamento desses serviços, concedidos à iniciativa privada, seu
sucateamento e superlotação como consequência.

No início do ano, entre janeiro e a segunda semana de março, foi observada uma média de
4.189 ônibus em circulação no horário de pico da manhã, 52,5% da frota determinada. Em 12
de março foi atingido o número mais alto de 2020, 4.556 ônibus nas ruas. A partir do dia 15
de março, com o início das medidas de isolamento social em virtude da pandemia do novo
Coronavírus, houve uma queda constante do número de ônibus em circulação na cidade.
Observamos uma frota média de 1.877 veículos entre o fim de março e o início de junho,
chegando a uma média equivalente a apenas 23,5% da frota determinada. 4

Se as frotas já funcionavam em quantidade abaixo da determinada em momento pré


pandemia, com o avanço da doença e das medidas sanitárias, essa prestação de
serviço decaiu ainda mais. Em junho de 2020, a resolução 3692 da Secretaria
Municipal de Transportes determinou que as linhas regulares de ônibus deveriam
operar com 100% dos veículos em rotatividade. No entanto, segundo
acompanhamento do relatório referente ao segundo semestre do ano passado, em
outubro, o número de ônibus em circulação ainda não tinha alcançado nem 40% da
frota estipulada pela prefeitura. É mais do que válido ressaltar que na Zona Oeste o
problema é ainda mais grave: a cada quatro ônibus que deveriam estar nas ruas,
apenas um está em circulação. É a cidade dividida, inacessível e em processo de
arquitetura da destruição na prática.

As manchetes reafirmam essa realidade: “Apesar de queda no número de


passageiros, redução na frota faz com que ônibus continuem lotados no Rio”, O
Globo, fevereiro de 2021.

Se o total de passageiros de ônibus transportados no município do Rio caiu durante a


pandemia de Covid-19 e ainda não se recuperou — foram 73,6 milhões de viagens em janeiro
de 2020 contra 47,1 milhões em novembro (último mês disponível) — o número de veículos
em circulação caiu na mesma proporção. É o que aponta um indicador do estudo feito pela
Secretaria municipal de Transportes com base nos dados de GPS dos coletivos: o chamado
índice de passageiro por quilômetro rodado (IPK) se manteve estável ao longo do ano
passado. O de janeiro do ano passado é praticamente idêntico ao de novembro: 1,7 usuário.

4. Relatório De Olho no Transporte, p. 7


Os cálculos incluem pagantes e gratuidades e podem explicar por que os ônibus, apesar das
medidas de isolamento social e de muita gente ter ficado em casa, se mantiveram e sem
mantêm lotados.5

O relatório propõe, então, que a prefeitura da cidade fiscalize as informações


enviadas pelo GPS dos ônibus, bem como amplie a fiscalização sobre os consórcios
e assegure a oferta determinada de ônibus na rua. Além de propor a busca por
novas fontes de financiamento para reequilibrar os contratos; uniformizar as
informações no sistema de transporte integrando veículos, pontos e catracas e, por
fim, garantir a qualidade e disponibilidade dos dados sobre as linhas e demais
informações.

A expectativa com as propostas fazem parte da arquitetura de construção na cidade


do Rio de Janeiro. Se implementadas as melhorias, o reajuste de tarifas não seria
uma realidade tão frequente e com aumento disparado de valores, os passageiros
conseguiriam ter acesso a um monitoramento integrativo dos horários das linhas de
ônibus e informações sobre trajetos, pontos e demais dados.

Na semana de conclusão da análise em andamento, O Jornal O Globo anunciou a


vitória na categoria Fotografia do 43º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos
6
Humanos com foto chamada “Grito do Subúrbio” (Brenno Carvalho, 2021). A
imagem potente mostra um ônibus lotado na estação BRT Mato Alto, na Zona
Oeste, área mais afetada pela irregularidade no transporte público. Não à toa, o
registro captura em essência a discussão em pauta no presente trabalho: a
consequência da falta de acessibilidade, o lugar mais afetado pelo mau
funcionamento do serviço e quem é mais afetado por isso.

As dicotomias das cidades brasileiras, portanto, se materializam na arquitetura da


construção e destruição. Em um contexto de crise política, insegurança alimentar e
desmonte da cultura, a falta de acesso ao ir e vir, bem como valores inacessíveis
desses transportes, representa o distanciamento social e físico entre a cidade, seus
habitantes e sua cultura, incluindo lazer e saúde.

5.https://oglobo.globo.com/rio/apesar-de-queda-no-numero-de-passageiros-reducao-na-frota-faz-com-que-
onibus-continuem-lotados-no-rio-24878114

6 https://br.noticias.yahoo.com/o-globo-vence-categoria-fotografia-211832175.html
Essas dicotomias, por sua vez, se mostram presentes desde as engrenagens mais
básicas que operam a cidade. Cabe à lideranças políticas, movimentos
progressistas e organizações em prol dos direitos humanos, a mobilização para
articular espaços permanentes de construção coletiva de políticas e ações públicas
por um Rio – e um Brasil – mais justo e democrático.

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