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A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E

OS DIREITOS HUMANOS

SILVEIRA, Rubens Curado. A imunidade de jurisdição dos organismos


internacionais e os direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007. 175 p.

Por Antônio Augusto Cançado Trindade*

É com grata satisfação que escrevo este prefácio à obra A Imunidade de


Jurisdiçãodos Organismos Internacionais e os Direitos Humanos, de autoria do
Juiz Rubens Curado Silveira, por distintasrazões. Em primeiro lugar, tive a
ocasião de acompanhar – em meio a meus constantes deslocamentos à sede
da Corte Interamericana de Direitos Humanos em San José da Costa Rica – o
desenvolvimento pelo autor de seu projeto de pesquisa, no período 2001-2004,
de que resultou este livro. Durante seus estudos de mestrado em Direito na
Universidade de Brasília, cursou ele minhas disciplinas Direito Internacional
Público (Organizações Internacionais) e Direito Internacional dos Direitos
Humanos, nele pude identificar, além de uma já sólida formação jurídica, suas
alentadoras preocupações de cunho humanista. Recordo-me, com satisfação,
de nossos muitos diálogos, em que identifiquei ademais sua vocação
acadêmica, a par do exercício principal da magistratura; tanto é assim que, no
período 2003-2005, lecionou Direito Processual do Trabalho tanto na
Universidade de Brasília como na Escola Judicial do Tribunal Regional do
Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins).
Em segundo lugar, o tema escolhido e aqui desenvolvido pelo autor, atinente
à imunidade de jurisdição e à responsabilidade das organizações
internacionais, reveste-se da maior atualidade e relevância, em um momento
em que passou a ser tratado – para preencher uma lacuna no Direito
Internacional contemporâneo – pela própria Comissão de Direito Internacional
(CDI) das Nações Unidas. Em nada surpreende que, em 2000, o tópico tivesse
sido incluído na agenda da CDI, e que, até a defesa da tese de que resultou o
livro, tivesse a CDI produzido três relatórios e 16 projetos de artigos adotados
provisoriamente a respeito. Em terceiro lugar, o tratamento dispensado pelo
autor ao tema é dos mais salutares e alentadores, ao analisá-lo a partir do
prisma do Direito Internacional dos Direitos Humanos, em suas vertentes tanto
doutrinária como jurisprudencial.
O livro A Imunidade de Jurisdição dos Organismos Internacionais e os Direitos
Humanos, de autoria do Juiz Rubens Curado Silveira, resulta da sua tese de
estrado na Universidade de Brasília, que defendeu com brilhantismo no dia 16
de dezembro de 2005. Tive a oportunidade de compor a Banca Examinadora,
na companhia de minhas distinguidas colegas, a Professora Loussia P. Musse
Félix (orientadora da Universidade de Brasília) e a Professora Deisy Ventura
(da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul). Recordo-me da
segurança e tranqüilidade com que o autor expôs seus pontos de vista, no
auditório Joaquim Nabuco da Universidade de Brasília, tendo a tese sido
unanimemente aprovada pela banca com a nota máxima.
Compõem o trabalho de Rubens Curado Silveira cinco capítulos, além da
introdução e conclusão da obra. A matéria é examinada em seqü.ncia lógica, a
saber: proclamação e garantia dos direitos humanos (I); organismos
internacionais – da origem à imunidade absoluta (II); os limites da imunidade de
jurisdição dos organismos internacionais (III); a jurisprudência dos tribunais
brasileiros sobre a imunidade de jurisdição dos organismos internacionais (IV)
e a execução de sentenças desfavoráveis a organismos internacionais (V). A
par da análise dos reais propósitos da imunidade de jurisdição dos organismos
internacionais, o ponto central desenvolvido pelo autor, ao longo da obra, diz
respeito à responsabilidade “civil” daqueles organismos por lesão aos direitos
individuais, abordada tal responsabilidade sobretudo a partir do conteúdo
material do direito à jurisdição, da necessária supremacia do direito
imperativo (jus cogens), no entendimento de que a imunidade de jurisdição em
definitivo não é, e não pode ser, um subterfúgio para a busca indevida da
impunidade inaceitável.
Permito-me aqui recordar que, há vinte anos, emiti, então como consultor
jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, meu Parecer CJ/14, de
22 de abril de 1986, intitulado “A Questão da Imunidade de Jurisdição do
Agente Diplomático em Matéria Trabalhista”1 (pronta e devidamente acatado e
seguido pelo Itamaraty), em que, ainda que me atendo ao plano das relações
essencialmente interestatais à luz da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas de 1961, sustentei a tese da necessidade de se pôr um fim à
imunidade absoluta e se prever limitações e restrições à mesma, com o fim de
salvaguardar direitos individuais intangíveis em matéria trabalhista (inclusive
com o estrito cumprimento da Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 38, p. 90-92,
jul./set. 2007 legislação trabalhista local, ademais das normas internacionais
de proteção).
Transcorridas duas décadas, vim a ter a grata satisfação de constatar o mesmo
raciocínio retomado, no plano das organizações internacionais, com tanta
lucidez, pelo Juiz Rubens Curado Silveira, abrindo caminho para esta nova
maneira de pensar o Direito no presente domínio das imunidades jurisdicionais.
A tese de Rubens Curado Silveira é produto e reflexo dos novos tempos, dado
o fenômeno, que denominei e examinei com detalhes em meu recente Curso
Geral de Direito Internacional Público na Academia de Direito Internacional da
Haia em 2005, da expansão da personalidade jurídica internacional 2. As
organizações internacionais, como sujeitos do Direito Internacional (a par dos
Estados, dos indivíduos e da humanidade como um todo), também, assumem a
correspondente responsabilidade de respeitar os direitos individuais, vendose
no dever de abster-se de invocar imunidades quando há lesão a tais
direitos.
Com a consolidação da personalidade e capacidade jurídicas internacionais
das organizações internacionais3, têm-se tornado indispensáveis a
configuração e a determinação do regime jurídico de sua responsabilidade
internacional (a par da dos Estados e demais sujeitos do Direito Internacional),
de modo a assegurar seu cumprimento das obrigações internacionais e evitar
lesões a direitos individuais4. O Juiz Rubens Curado Silveira corretamente
assinala o declínio da imunidade absoluta a acompanhar pari passu a
emergência da imunidade relativa e identifica as tendências jurisprudenciais
centradas na necessidade funcional daimunidade, com a primazia das normas
imperativas do Direito Internacional e o direito universal à jurisdição.
Em seu correto entendimento, os direitos individuais devem ser protegidos
independentemente do agente causador da lesão ou de quem figure no pólo
passivo dos processos judiciais. Para ele, impõe-se compatibilizar a regrada
imunidade jurisdicional com o próprio direito universal à jurisdição, o qual só se
consuma com a entrega efetiva e plena da prestação jurisdicional. É o que
requerem, inclusive, diversos tratados de direitos humanos, hoje vigentes nos
planos tanto universal como regional.
Como o autor assinala – em suas próprias palavras –, com particular acerto
e lucidez, em sua conclusão:
A tendência judicial que condiciona o reconhecimento da imunidade à adoção
de mecanismos alternativos de solução de controvérsia é amplamente
reconhecida pelos tribunais internacionais eestrangeiros. A sua grande
aceitabilidade decorre sobretudo da sua adequação ao Estado democrático,
pois coloca no centro da discussão um dos seus pilares – o direito à jurisdição
– e a necessidade contemporânea de o Direito servir como instrumento à
efetiva proteção dos direitos humanos.
O próprio Juiz Rubens Curado Silveira tem contribuído, no âmbito de nosso
Direito interno, não só como acadêmico, mas, também, como magistrado, a dar
expressão concreta à tese defendida neste livro, ao haver inspirado a mudança
da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em
25/10/2005, sobre a matéria em apreço5. A respeito, assume o autor, de modo
louvável, uma postura crítica quanto ao hermetismo da maior parte dos
operadores do Direito em nosso País, normalmente avessos ao Direito
Internacional e aos debates jurídicos travados mais além de nossas fronteiras.
Convida-os a uma reconsideração de sua posição fechada, para melhor
aproveitarem a experiência acumulada nos últimos anos pelos tribunais
internacionais e estrangeiros em temas que extrapolem nossas fronteiras, tais
como a asserção e vindicação de direitos humanos universais, que requerem
que a linguagem comum de tais direitos alcance as bases das sociedades
nacionais e a operação dos distintos sistemas jurídicos nacionais. Este livro A
Imunidade de Jurisdição dos Organismos Internacionais e os Direitos
Humanos, de autoria do Juiz Rubens Curado Silveira, constitui uma valiosa e
pioneira contribuição neste sentido, dá mostras da formação humanista do
autor como destacado expoente das novas gerações promissoras dos
magistrados brasileiros e preenche uma lacuna na bibliografia especializada
pátria sobre a matéria.
NOTAS E REFERÊNCIAS
1 Reproduzido no volume VIII (período 1985-1990) da coletânea Pareceres dos
Consultores Jurídicos do Itamaraty. Brasília, Ministério das Relações
Exteriores/ Senado Federal, 2004, p. 254-273.
2 TRINDADE, A. A. Cançado. International Law for Humankind: towards a new
Jus Gentium – General Course on Public International Law – Part I, 316 Recueil
des Cours de l’Académie de Droit International de Ia Haye, 2005, p. 203-333.
3 ___________. Direito das organizações internacionais. 3. ed. rev. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003. p. 9-251.
4 REY ANEIROS, A. Una aproximación a la responsabilidad internacional de
las organizaciones internacionales. Valencia: Tirant lo Blanch, Universidade da
Coruña, 2006. p. 26, 34 e 194-195.
5 Consoante o verbete n. 17/2005, ao descartar a antiga tese da imunidade
absoluta dos organismos internacionais (que esposara ainda em 2004), no ano
seguinte o Pleno do TRT entendeu que tais organismos só gozam da
imunidade quando disponibilizam mecanismos alternativos de solução da
controvérsia, inclusive em respeito ao princípio da reciprocidade
– acolhendo assim a tese do autor deste livro.
* Antônio Augusto Cançado Trindade é juiz e ex-presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos; professor titular da Universidade de
Brasília e do Instituto Rio Branco; doutor honoris causa por distintas
universidades latino-americanas e membro titular do Institut de Droit

International e do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia.

Imunidade de Jurisdição: aspectos conceituais e


discussões polêmicas
Imunidade Diplomática: Aspectos Conceituais E Discussões
Polêmicas[1]

Ethel Lustosa Lacrose, Geraldo Lavigne de Lemos, Laissa Lais Lopes


Costa, Lucas Cunha Mendonça, Lucas Nogueira e Ferreira, Luciana
Andrade Lima, Marcos Sandes Souza, Paulo Roberto Mendes, Priscila
Matos Oliveira, Tatiane Oliveira Tokushigue[2]

RESUMO: Aborda as imunidades diplomáticas, através de texto


didático, objetivando sintetizar a matéria. Para isso, apresenta o
conceito de imunidade, sua conotação de restrição à soberania estatal
e seu fundamento legal. Traz os aspectos de imunidade dos
embaixadores, cônsules e funcionários de OI’s, além de abordar
hipóteses de abuso e renúncia e casos concretos acerca do tema.
PALAVRAS-CHAVE: internacional; jurisdição; diplomatas; Vienna;
cônsules.

ABSTRATC: It approaches the diplomatic imunities, trough didatic text,


objectifying to synthesize the theme. For this, it presents the concept
of immunity, its connotation of sovereingty limitation and its legal
base. It brings the immunity of ambassadors, consuls and IO
employees. It even approaches the cases of abuse and renounciment,
and true cases about the theme.
KEY-WORDS: internacional; jurisdiction; diplomats, Vienna, consuls.

1. INTRODUÇÃO
Os avanços alcançados pelo desenvolvimento do Direito
Internacional Público na relação dos atores internacionais tem como
um de seus principais e relevantes institutos a Imunidade Diplomática.
Este instituto se originou quando o Estado passou a ter uma base
territorial fixa, e a imunidade era explicada pelo princípio da
extraterritorialidade, pelo qual se criou a ficção de que o lugar em que
se situa uma embaixada ou órgão representativo do Estado
estrangeiro é considerado território de seu país em situação absoluta
de não submissão à lei local.
O que poderemos verificar durante a exposição do tema
neste presente artigo é que a problemática da imunidade do agente
estrangeiro em outra jurisdição nunca foi pacífica e, muito menos,
teve tratamento equânime. O tema ganha contornos especiais, haja
vista a relevante necessidade de saber o porquê da imunidade
presente para aqueles atuantes diplomáticos uma vez que ao se
encontrarem em território estrangeiro não se submetem ao
ordenamento jurídico ali vigente.
A expansão das relações internacionais no pós-guerra e o
aumento extraordinário do número de atores nesse cenário, indicam o
caráter verdadeiramente universal da vida internacional,
multiplicaram-se as missões diplomáticas permanentes, as repartições
consulares de carreira, revelando a grande importância de levar à tona
este instituto.
O presente trabalho vem efetivar a noção de que tais
privilégios são concedidos em virtude de garantir a necessária
independência para a execução de seus deveres oficiais, defendendo,
por conseguinte, o interesse recíproco dos Estados, vindo a relatar,
posteriormente, vários casos de imunidade diplomática de grande
repercussão internacional.
1. IMUNIDADE COMO RESTRIÇÃO A DIREITO FUNDAMENTAL DO
ESTADO
O Estado, possui todos os direitos reconhecidos pelo
Direito Internacional bem como deveres e obrigações impostos pelo
mesmo ordenamento. A Carta da Organização dos Estados
Americanos dispõe, em seus artigos 9º ao 22, todos os direitos tidos
como fundamentais. Dentre eles pode-se dizer o direito à
independência, igualdade jurídica, legítima defesa, autodeterminação
dos povos e, precipuamente, o direito à soberania de sua jurisdição.
O destaque ao direito à soberania da jurisdição se dá em
razão de sê-lo elemento constitutivo do estado assim como Direito.
Segundo Accioly (2009) consiste no direito em exercer a jurisdição em
seu território e sobre sua população[3].
Sendo um Direito fundamental, seria lógico pensar não
poder ser disponível, no entanto, o D.I. dispões exceções a este direito
na Convenção de Vienna[4].
A imunidade de jurisdição permite aos Estados e seus
representantes, sendo eles chefes de Estado, diplomatas ou cônsules,
não serem julgados pelos tribunais de outros Estados, caracterizando-
se como uma real restrição ao direito fundamental ora abordado.
Sendo assim, fica claro que nem os Direitos
Fundamentais, para o Direito Internacional, são absolutos já que
comporta uma forte limitação à prerrogativa da soberania e da
jurisdição ao determinar a imunidade de jurisdição aos agentes
habilitados pelo Estado.
1. FUNDAMENTO LEGAL DA IMUNIDADE DIPLOMÁTICA
A imunidade diplomática é regulada pela Convenção de
Viena sobre Relações Diplomáticas (CVRD), esta é um tratado que foi
elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Relações e
Imunidades diplomáticas, em 18 de abril de 1961, no palácio Neue
Hofburg, em Viena, Áustria. A Convenção foi recepcionada no Brasil
através do Decreto nº 56.435, datado de 8 de junho de 1965, e visa
tratar sobre as relações diplomáticas entre os Estados, seus direitos e
deveres, assim como dispõe sobre os privilégios e imunidades dos
membros das missões diplomáticas. Hoje, aproximadamente 150
países seguem a Convenção.
Fala-se privilégio, mas este não deve ser visto como um
“prêmio” para os que dele se beneficiam, e sim como uma maneira de
viabilizar uma melhor execução das missões diplomáticas.
De acordo com a Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas, os representantes diplomáticos e sua família gozam dos
privilégios e imunidades dispostos nos artigos 29 a 36, mas desde que
não sejam nacionais do Estado acreditador. Já os demais membros da
missão, da parte administrativa e técnica, só gozam de imunidade civil
e administrativa para os atos que pratiquem no exercício de sua
função.
A CRVD é de suma importância para a sociedade
internacional, pois sua criação codificou um tema basilar para o
Direito Internacional, que são as missões diplomáticas. Elas possuem
funções fundamentais para o Estado, descritas no artigo 3º da
Convenção, mormente no que diz respeito à representação do Estado
acreditante frente ao Estado acreditador, equilibrando interesses
políticos, econômicos e também culturais.
1. IMUNIDADE E SUAS ABRANGÊNCIAS FUNCIONAIS
4.1. Imunidade Do Embaixador E Do Cônsule
Desde tempos remotos, os Estados têm reconhecido a
condição dos agentes diplomáticos e consulares com a finalidade de
desenvolver relações amistosas entre as nações. Atualmente, duas
convenções internacionais regulam o direito diplomático: a Convenção
de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e a Convenção de Viena
sobre Relações Consulares de 1963, promulgadas no Brasil,
respectivamente, pelo Decreto 56.435/1965 e pelo Decreto
61.078/1967.
A primeira convenção consagra as definições, regras,
privilégios e deveres relativos às relações diplomáticas, adotando um
conceito restrito de agente diplomático, que engloba o Chefe da
Missão e o pessoal diplomático. O Estado que envia deve obter do
receptor o agreement, para estabelecer a relação diplomática.
A segunda convenção consagra as definições, regras,
privilégios e deveres relativos às relações consulares, estabelecendo
duas categorias de funcionários: 1) os funcionários consulares de
carreira, denominados cônsules missi; 2) os funcionários consulares
honorários, denominados cônsules electi. O Estado que envia deve
obter do receptor o exequatur, para estabelecer a relação consular.
As missões diplomáticas geralmente são chefiadas por um
Embaixador. A pessoa investida neste cargo detém algumas
imunidades, que são: inviolabilidade, imunidade de jurisdição cível e
criminal, isenção fiscal. Elas abrangem desde o cargo de Terceiro
Secretário até o Embaixador. O Embaixador é representante do Estado
dele encarregado dos assuntos oficiais, enquanto o Cônsul é um
representante das áreas privadas, comerciais, culturais, ou seja, um
genuíno encarregado de negócios. Importante notar que Embaixador
tem todas as garantias, bem como imunidade de jurisdição plena,
dentro ou fora de suas funções. Já Cônsul só está imune no exercício
das suas funções, sendo a imunidade restrita e limitada. Destarte, na
de prática de crimes comuns por um Cônsul, quando não for
exercendo suas funções consulares, pode ser processado. Já o
embaixador continua imune, mesmo que esteja exercendo atividade
fora do âmbito de atribuições diplomáticas.
4.2. A Imunidade Dos Funcionários Das Organizações
Internacionais
O governo brasileiro, através do decreto 27.784/50,
adotou a Convenção de Privilégios e Imunidades das Nações Unidas,
que em seu artigo V, traz disposições outorgando privilégios e
imunidades aos funcionários de organizações internacionais. Em geral,
tais funcionários gozam de isenção fiscal e aduaneira, inviolabilidade
de arquivos e documentos, liberdade de comunicação, inviolabilidade
de residência e propriedade, imunidade de jurisdição penal, civil e
administrativa, além de isenção quanto à legislação social e
trabalhista.
Com efeito, a relação jurídica dos trabalhadores que, no
Brasil, presta serviços a organismos estrangeiros está subordinada à
OI, e não a leis brasileiras. Essa questão trouxe aos tribunais brasileiros
inúmeros discussões acerca da competência da justiça do trabalho no
julgamento de causas que versem sobre reconhecimento de emprego
e parcelas decorrentes. Se por um lado temos nossa carta magna que
em seu art. 114 prevê a competência da Justiça do Trabalho para
dirimir conflitos oriundos de relação de trabalho, por outro se vê a
adoção do governo brasileiro a uma convenção internacional que
garante imunidade de jurisdição aos empregados dos OI’s. Pese a
controvérsia estabelecida, o entendimento do tribunal pleno do TST,
em decisão recentíssima[5] foi no sentido de declarar a incompetência
da Justiça do Trabalho para julgar a matéria, extinguindo o processo
sem julgamento de mérito.
Quanto a isenção de tributação dos rendimentos
auferidos por funcionários das OI’s, a questão esta prevista no art. art.
5º, II da lei 4.506/64[6], nas normas contidas no Decreto nº 27.784/50
e no Decreto nº 59.308/66, que autorizam a isenção do recolhimento
do Imposto, por entenderem que servidores de OI’s, mesmo que
sejam domiciliados no Brasil, fazem jus a imunidade e no art. 23 do
Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº
1.41/94, que traz a mesma redação do inciso II, art. 5º da lei 4.506/64.
Em que pese a previsão sobre a imunidade de tributação
dos rendimentos auferidos por funcionários da OI’s alcance ampla
previsão legal, no últimos anos, a Secretaria da Receita Federal
resolveu por bem autuar grande parte de prestadores de serviços a
Organismos Internacionais alegando que os rendimentos auferidos
por tais pessoas não podiam ser declarados como isentos e não
tributáveis, uma vez que os prestadores de serviços não gozavam do
benefício de imunidade ou isenção fiscal conferidos pelos Tratados
Internacionais, e desse modo não poderiam usar em seu favor tal
entendimento que em tese revogam as normas tributárias vigentes
nos termos do artigo 98 do Estatuto Tributário Pátrio.
Contudo, como visto, é forçoso concluir que é
perfeitamente possível o reconhecimento da imunidade tributária a
prestadores de serviços vinculados à Organismo Internacional desde
que configurado o vínculo empregatício entre as partes, bastando que
se configure os requisitos presentes no artigo 3º da Consolidação das
Leis do Trabalho.
1. DISCUSSÕES POLÊMICAS
5.1. Prisão em Flagrante
A prisão em flagrante está prevista no art. 301 e seguintes
do Código de Processo Penal brasileiro e pode ser definida como uma
prisão que restringe a liberdade de alguém, independente de ordem
judicial, possuindo natureza cautelar, desde que este alguém esteja
cometendo ou tenha acabado de cometer uma infração penal, seja
perseguido logo após a infração ou é encontrado, logo após, com
objetos que façam presumir ser ele autor do crime.
Em determinadas situações, a prisão em flagrante segue
um rito diferente do determinado pelo CPP devido à função exercida
pelo agente do crime. Assim, se o agente for Presidente, Senador,
Deputado, advogado no exercício de sua função, chefe de Estado e de
governo, diplomata ou cônsul, as providências tomadas no flagrante
dependerá da função exercida.
Os diplomatas estrangeiros, em decorrência de tratados e
convenções internacionais não podem ser presos em flagrante delito.
Ela prevê absoluta inviolabilidade a todos os agentes diplomáticos,
bem como aos seus entes familiares e funcionários das organizações
internacionais. Imunidade essa também aplicada aos chefes de Estado
e de governo quando em atividade no exterior.
Os cônsules gozam de uma imunidade restrita,
compreendendo somente os atos praticados no exercício de suas
funções, de forma que para os demais atos, poderão ser preso em
flagrante. Esta imunidade não significa que uma autoridade policial
deve se omitir quando uma dessas autoridades estiver cometendo um
crime, ao contrário, deve impedi-lo, porém, não pode efetuar a prisão.
5.2. O Abuso E Renúncia Da Imunidade Diplomática
5.2.1. Abuso e primado do direito local
A priori, a imunidade diplomática não confere ao
diplomata o direito de se considerar acima da legislação do Estado
acreditado. A Convenção de Viena de 1961, embora afaste a aplicação
de normas do Estado acreditado aos beneficiários da imunidade,
prevê, em seu Artigo 41, a necessidade de observância, pelos
membros da missão diplomática, dos preceitos do ordenamento local,
como forma de preservar o equilíbrio das relações entre os Estados.
Objetiva-se, através estas recomendações, prevenir
abusos por parte dos beneficiários, mantendo aplicáveis, deste
modo, em especial no âmbito criminal, a integridade dos preceitos
incriminadores, restando, inviabilizada, tão somente a
possibilidade de imposição da pena respectiva, por força da
imunidade de jurisdição, salvo a hipótese de renúncia desta
prerrogativa[7].
Merece destaque, em sentido oposto, a evolução do
posicionamento do STF brasileiro, no sentido de relativizar-se a
imunidade de jurisdição quando se trate de reclamação trabalhista
movida por ex-empregado pessoal dos membros da missão
diplomática, conforme se vê no seguinte julgado: RE 222368 Ag.
R., Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado
em 30/04/2002, DJ 14-02-2003 PP-00070 EMENT VOL-02098-02
PP-00344.
Diante de episódios de abuso da imunidade
diplomática, para contornar conseqüências agravantes, a função
diplomática do agente pode ser terminada pela remoção do agente
para outro posto noutro Estado ou pelo retorno ao País de origem,
onde, face às circunstâncias, poderá responder pelo delito segundo
as leis locais.
Não havendo iniciativa imediata do País de origem, o
Estado estrangeiro pode declarar o diplomata, persona non grata,
situação geralmente seguida de sua providencial remoção.
5.2.2. Renúncia
Em tese, o agente diplomático não pode renunciar à
imunidade, senão ficaria vulnerável a procedimentos de julgamento
do país acreditado onde está. Portanto, a legislação o protege como
nacional (inclusive de suas próprias imprudências). A imunidade
diplomática, por seu turno, não confere ao diplomata o direito de se
considerar acima da legislação do Estado acreditado - é obrigação
expressa do agente diplomático cumprir as leis daquele Estado.
Em caso de abuso das imunidades, deve-se considerar a
possibilidade que tem o Estado acreditante de renunciar
expressamente à imunidade de jurisdição dos seus agentes
diplomáticos e das demais pessoas referidas no art. 37 da Convenção
de Viena de 1961, consoante previsão no art. 32, § 1º.
Relativamente à legitimidade para o ato de
renúncia, é de se destacar que a imunidade é conferida em
favor do Estado acreditante, de modo que apenas este, na
qualidade de legítimo titular, pode renunciá-la. De nenhum
efeito, portanto, a renúncia operada pelo próprio agente
beneficiário. E, importante ressaltar que, a renúncia às
imunidades diplomáticas será sempre expressa.
A propósito da possibilidade de renúncia, é interessante
observar as disposições do acordo, por troca de notas, relativo ao
exercício de atividades remuneradas por parte de dependentes do
pessoal diplomático, consular, administrativo e técnico, entre o
governo da Republica Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos
Países Baixos - (Brasília, 31/07/1996), aprovado pelo Decreto nº
2.778/98. E, no mesmo diapasão, as disposições do artigo 15º, do
Regulamento da Republica Popular da China, relativo a privilégios e
imunidades diplomáticas.
5.3. Casos interessantes
A par dos conceitos vistos acima, podemos passar à
análise de casos concretos como forma de melhor compreensão do
assunto em questão.
Caso interessante, citado por Francisco Rezek (2009) diz
respeito à diferença entre imunidade diplomática e imunidade dos
cônsules. No caso em tela, o Supremo Tribunal Federal teve a
oportunidade de analisar um Habeas Corpus, em 1971, que tinha
como ponto de discussão um caso de injúria praticado por um cônsul
da República Dominicana em São Paulo contra um vice-cônsul do
mesmo país. O STF reconheceu a imunidade à jurisdição penal local
por se tratar de um crime relacionado com correspondências de cunho
oficial entre dois funcionários consulares, acerca de irregularidades na
aplicação da receita do consulado a que ambos serviam, sendo
evidente também que a eventual prova da verdade teria de conduzir
ao exame de documentos diplomáticos invioláveis.
Outro caso, também citado por Rezek, ocorreu em 1906
com o filho do embaixador do Chile em Bruxelas, que matou por
motivos pessoais o secretário da embaixada. O caso ficou conhecido
como Balmaceda-Waddington, e ilustrou a impossibilidade da
renúncia da imunidade por parte do próprio diplomata ou familiar,
visto que D. Luys Waddington, embaixador, visando a abstenção das
autoridades belgas, compareceu ao foro e afirmou que renunciava à
imunidade de seu filho, entretanto, somente após a confirmação da
chancelaria chilena acerca da renúncia, o processo teve curso no
tribunal belga.
O caso acima ilustra que somente o Estado acreditante
pode renunciar às imunidades de índole penal e civil que gozam seus
representantes diplomáticos. Dessa forma, em nenhum caso o próprio
beneficiário da imunidade dispõe de um direito de renúncia.
Outro acontecimento que teve grande repercussão no
noticiário carioca trata-se de notitia crimine feita, no dia 03 de julho
de 2000, pela adolescente R.R.N., acusando o professor de hebraico,
George Schteinberg, do Colégio A. Liessin e o cônsul-adjunto de Israel
no Rio de Janeiro, Arie Scher de estarem envolvidos com uma
quadrilha internacional especializada na exploração sexual de crianças
e adolescentes. De acordo com os documentos apurados na
investigação, há fortes indícios acerca da participação do professor,
bem como do cônsul-adjunto como integrantes da quadrilha que
explora o turismo sexual internacional de menores. Acontece que
devido às acusações que foram imputadas ao cônsul-adjunto, Arie
Scher, o mesmo fugiu para a Argentina e de lá seguiu para seu país.
Os termos da Convenção de 1963 fazem ver que, em
linhas gerais, os cônsules e funcionários consulares gozam de
inviolabilidade física e de imunidade ao processo – penal ou cível –
apenas no tocante aos atos de ofício. Portanto, conforme o caso
supramecionado, o cônsul-adjunto de Israel no Rio de Janeiro, não
gozava do privilégio de imunidade ao processo penal, já que a
acusação que lhe foi imputada de prática pedófila, bem como a
divulgação ou publicação, por qualquer meio, inclusive rede mundial
de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia
ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente, não se
tratam de atos que guardam pertinência com o desempenho de
funções consulares.
Na oportunidade, cabe salientar que por se tratar de
crime comum, tipificado no artigo 241 do ECA, o cônsul-adjunto, Arie
Scher, poderia ser processado e punido in loco, segundo os
ensinamentos do mestre Francisco Rezek.
Por fim, conforme as informações divulgadas pela
imprensa carioca, a polícia civil fluminense pediu pela prisão
preventiva do cônsul-adjunto, esta somente é permitida, desde que
autorizada pelo juiz, e em casos de crime grave.
O crime em questão encontra-se previsto no artigo 241 do
ECA, circunstância que, somada ao disposto no art. 61, inciso II, alínea
“h” do Código Penal, enfatiza o caráter grave do crime, o que é
realçado pela existência de diversos diplomas protetivas da infância
subscritos pelo Brasil. Ao apreciar o fato, o Supremo Tribunal Federal
confirmou, em 2002, a legalidade da prisão preventiva decretada,
conforme HC 81.158-RJ, com fundamento nos termos do que dispõe o
art. 41 da Convenção de Viena[8]:
1. CONCLUSÃO
Após esta análise da imunidade diplomática, em que
foram abordados, em apertada síntese, os mais importantes aspectos
conceituais do assunto e trazidos à baila alguns exemplos de conflitos
envolvendo o tema, é relevante que se conclua este trabalho com
destaque à importância do instituto para o Direito Internacional e para
a regulação das relações internacionais.
Inobstante sejam comuns os casos em que podem ocorrer
conflitos decorrentes das restrições à soberania estatal, não há que se
pensar na possibilidade de limitações às imunidades diplomáticas em
geral, além do que já estabelecido. Parece-nos acertada a forma como
são regidas essas situações, com as distintas características para
cônsules, embaixadores, funcionários de OI’s, em razoável
proporcionalidade às funções exercidas. Configura-se esse instituto
uma verdadeira conquista do Direito Internacional.
Deste modo, sem o intuito de esgotar a matéria, espera-
se que este artigo tenha contribuído para a disseminação do
conhecimento acerca das imunidades diplomáticas e seu grau de
importância para a manutenção da soberania estatal e para a
consolidação das relações internacionais num mundo cada vez mais
integrado.
1. REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Hildebrando. CASELLA, Paulo Borba. SILVA,
Geraldo Eulalio Do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2009.
BARBOSA, Rodrigo Costa Resumo de Direito Internacional Público.
Editora Método, 2008
BRASIL. Decreto Nº 2.778, de 10 de setembro de 1998.
BRUNO, Anibal. Direito Penal; Parte geral. Tomo 1° - Introdução;
norma penal; fato punível. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1978. p.
246-247.
CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES
DIPLOMÁTICAS, firmada em 18 de abril de 1961, ratificada pelo
Brasil através do Decreto Legislativo n° 106/64 e promulgada pelo
Decreto n° 56.435/65.
MONTESQUIEU. O Espírito das leis. Brasília: Universidade de Brasília,
1982. p. 521.
PINHEIRO, Gislene. Imunidade de jurisdição penal dos agentes
diplomáticos. Brasília: Monografia, 2005. p. 1.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. v.1.
3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 169.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva,
2009.
VALLS, Joaquim Navarro. Porta-voz do Vaticano citado por John L.
Allen Jr, "Vatican asks Condoleezza Rice to help stop a sex abuse
lawsuit", National Catholic Reporter, 3/11/2005. Capturado em:
<http://nationalcatholicreporter.org/update/bn030305.htm>, visitado
em 05/11/2009.

Artigos, Pareceres, Memoriais e Petições

Imunidade de Jurisdição

João Batista Brito PereiraMinistro do Tribunal Superior do Trabalho

A questão atinente a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, quando


em face deles são propostas ações por nacionais, ainda hoje suscita grande
debate em razão da doutrina a respeito do tema e do entendimento atual do
Excelso Supremo Tribunal Federal.

Na Justiça do Trabalho, o tema ganha maior relevância quando os pedidos


deduzidos emreclamação trabalhista têm natureza alimentar e, materialmente
considerados, há enorme desequilíbrio entre os litigantes: de um lado, o Estado
estrangeiro dotado de soberania, de outro, a figura geralmente de um ex-
empregado.

A partir do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, na Apelação Cível 9.696-


SP (RTJ 133/159) tomou importância a teoria limitada ou restrita, que objetiva
conciliar a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro (expressão de sua
soberania) com a necessidade de fazer prevalecer o direito do particular
nacional ao ressarcimento de eventuais prejuízos que aquele Estado houver-lhe
causado em território local. E assim o é porque o Estado estrangeiro, ao
contratar um empregado atua em domínio estritamente privado e, figurando na
relação jurídica processual como litigante, deve-se submeter à soberania do
Estado-Juiz nacional, que se expressa no exercício da atividade jurisdicional.
Recentemente, a Primeira Turma do STF, confirmou a aplicação dessa teoria,
no julgamento do AGRAG-139.671 (RTJ 161/643).

Não se pode pretender, a meu ver, dar a todos os entes de Direito Público
Internacional, o mesmo tratamento que se tem concedido aos Estados
estrangeiros, pois insere-se nesse debate em torno da imunidade de jurisdição
questão ainda mais acirrada, envolvendoOrganismos Internacionais. Em outras
palavras, dispensar a estes organismos o mesmo tratamento que se tem dado
aos Estados estrangeiros – reconhecendo-lhes apenas imunidade relativa –
significa igualar desiguais, quando se trata de entes distintos em sua essência,
apesar da mesma natureza jurídica.

A posição dos organismos internacionais é distinta daquela dos Estados, visto


que em relação aos primeiros não se cogita de soberania e sua criação deve-se
ao interesse de solidariedade entre os Estados com a finalidade de prestação de
um serviço público internacional.

Indaga-se, afinal: em relação aos organismos internacionais deve-se aplicar o


princípio consuetudinário par in parem no habet imperium, para reconhecer-lhes
a imunidade de jurisdição absoluta ou, abandonando esse princípio, conferir-lhes
apenas imunidade relativa?

Creio que aos organismos internacionais ainda detém a prerrogativa de


imunidade de jurisdição absoluta.

Primeiramente, em razão de ser, em sua essência, distinto de um Estado


estrangeiro, não se podendo pretender igualar um organismo internacional
àquele. Tais organizações não dispõem de território próprio, não conferem
nacionalidade e não exercem jurisdição da mesma forma que os Estados.
Portanto, negar suas prerrogativas seria situá-los em posição ainda mais
vulnerável e à mercê da conduta dos Estados soberanos. Justifica-se, assim, a
aplicação do direito costumeiro e a prerrogativa da imunidade absoluta.

Em segundo lugar porque entendo, apoiado em doutrina de Celso Albuquerque


de Mello, que o princípio consuetudinário par in parem no habet imperium, que
dá guarida à imunidade de jurisdição absoluta ainda não desapareceu do Direito
das Gentes em virtude de um grupo de países que adotou em legislação interna
(v.g. Estados Unidos - “Foreign Sovereign Immunities Act” de 1976), pois
observa-se que um costume deve ser prática geral e uniforme aceita como
direito.

Em relação aos Organismos Internacionais, por último, há ainda que são


resguardados por convenções internacionais específicas e a manutenção de
suas prerrogativas independe de aplicação do princípio de origem costumeira
internacional.
Exemplo eloqüente é a Organização das Nações Unidas (ONU), cujas
prerrogativas de imunidade de jurisdição foram-lhe reconhecidas na Convenção
sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas (“Convenção de Londres”),
aprovada pelo Decreto Legislativo nº 4, de 13 de fevereiro de 1948, ratificada
pelo Brasil em 11 de novembro de 1949 e promulgada pelo Decreto nº 27.784,
de 16 de fevereiro de 1950. Prescreve o artigo II da citada Convenção: “Seção
2. A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja
sua sede ou o seu detentor gozarão de imunidade de jurisdição, salvo na
medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso.
Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas
executivas” (grifos nossos).

Conquanto possa causar estranheza o fato de se estar flexibilizando a soberania


dos Estados (para adotar uma expressão atual), com a adoção imunidade
relativa, e por outro lado, em relação aos organismos internacionais, que da
mesma forma contratam - atuando more privatorum -,ainda se lhes reconhece a
imunidade absoluta de jurisdição, explica-se, a par dos argumentos já aduzidos,
por analogia, em que os Estados soberanos, nesse quadro internacional, são
vistos como indivíduos, e os organismos internacionais, a coletividade desses
(Estados), cujo interesse coletivo deve-se fazer prevalecer sobre o individual.

Diante dessas considerações, concluo que, em se tratando de litígios entre


entes de Direito Público Internacional, há que se fazer a distinção entre Estados
estrangeiros e Organismos Internacionais, obedecendo ao princípio da isonomia,
visto que, em relação a estes, o direito consuetudinário ainda tem aplicação no
que diz respeito à questão da imunidade de jurisdição, salvo em casos
específicos em que o ordenamento jurídico brasileiro já tenha incorporado
normas lançadas em convenções internacionais.

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