Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Temos visto no decorrer do ano de 2020, tempo marcado por políticas Estatais
de quarentena e limitação das atividades do dia a dia em decorrência da situação de
calamidade pública decretada em razão da pandemia de COVID-19, um exponencial
aumento dos números de homicídios e violência em relação aos últimos anos, com um
aumento de número de mortes em 43% em cidades como o Rio de Janeiro. Um cenário
no mínimo curioso, que nos evidencia as políticas de exceção praticadas pelo Estado
brasileiro contra populações social e economicamente vulneráveis – as mais afetadas
nessa escalonada da violência - e que se mostra mais evidente no período extraordinário
de pandemia em que vivemos. O problema da violência sempre vem acompanhado de
justificativas referentes ao tema da segurança pública, que é utilizada como apaziguador
de denúncias acerca dos excessos cometidos contra populações periféricas, pobres e
negras.
Nesse contexto político e social, podemos dizer que o Estado brasileiro trabalha
sua gestão da segurança pública, e violência urbana, com características muito similares
ao conceito de Necropolítica desenvolvido pelo autor camaronês Achille Mbembe. Isso
pois, como desenvolvido pelo autor, o Estado utiliza de seu poder soberano e monopólio
da violência para gerir o controle sobre a vida, utilizando esse poder como ferramenta
de exclusão daqueles que não são compatíveis - pobres e negros - com o sistema de
manutenção da vida, pregado pelos Estados neoliberais. Essa exclusão é promovida por
meio da administração da morte, onde a raça encontra uma atribuição fundamental,
exercendo um papel naturalizante acerca da morte e de como a sociedade e as políticas
de Estado a compreendem.
Fundamentação
Essa redução do status político das populações negras fica clara com a
formulação de Foucault (1976) acerca do que o autor denomina como Biopoder: o
Biopoder é a ideia de que o Estado detém a prerrogativa de promover a vida e, para tal,
desenvolve uma ampla variedade de tecnologias políticas. O Biopoder não possui a
prerrogativa de agir sobre o corpo individual, mas sim, sobre conjuntos de populações,
de forma a geri-las e normatizá-las. Essa sistemática distinção feita entre grupos, a
subdivisão da população, é o que Foucault chama de “racismo”. A raça está sempre
relacionada as políticas da morte, e sua existência é o que torna possível a regulação da
Necropolítica e de sua aplicabilidade assassina pelas políticas do Estado. A raça é
utilizada para se pensar a desumanidade.
Mas como um Estado que tem como função promover a vida pode matar? Isso
pode ser explicado pelo racismo estrutural existente dentro Estado. Se o Estado se
fundamenta a partir da proteção do Homem, ele só pode agir de forma violenta contra
grupos que representem algum risco para a sociedade, o Estado só mata aqueles que
ameaçam a vida, e esse risco sempre provem de grupos racializados. O racismo é um
mecanismo biopolitico pelo qual o Estado justifica a morte daquele que o ameaça.
Mbembe traz a Necropolítica como formuladora de mecanismos da morte, produtora de
regimes de exceção que apelam para a percepção do outro racializado como um
inimigo, com sua existência sendo construída a partir da percepção de um atentado a
vida que só pode ser resolvido através de sua eliminação biofísica. A Necropolítica tem,
nesse sentido, uma definição política bélica por excelência, que tem como ponto final a
eliminação da alteridade para com o outro.
Essas ideias, separadas da noção de cidadania plena com direitos sociais amplos
e igualitários para todas as diferentes raças, são muito perigosas na medida em que
contribuem para sedimentação da Necropolítica da forma como foi tratada
anteriormente. Por ser muito disseminado e aceito socialmente, governantes utilizam da
mística que envolve a democracia racial a fim de dar continuidade e expansividade a sua
Necropolítica Estatal, que é responsável pelos amplos processos de exclusão,
reprodução da desigualdade e violência genocida que afetam as populações negras e
periféricas do Brasil. Políticas que se escondem por de traz da imagem de uma nação
igualitária e miscível.
Conclusão
Com tudo o que foi tratado até aqui, podemos constatar que as minorias sociais,
principalmente em países extremamente desiguais como o Brasil, são os grupos
populacionais que mais tem sofrido, e morrido, durante o período de pandemia. Isso
ocorre não somente por conta da pandemia em si, que tem sim afetado mais essas
populações, fragilizadas e com acesso a um sistema precário de saúde, tendo de se expor
diariamente aos riscos produzidos pela COVID-19 uma vez que, na enorme maioria dos
casos, não é possível seguir as recomendações profiláticas que evitariam a
contaminação e disseminação da doença. Mas também, e principalmente, pela
Necropolítica que age sobre essas populações, se servindo dessa situação extraordinária
para determinar aqueles que vivem e aqueles que morrem em nome da reprodução de
um sistema econômico e social do qual o Estado brasileiro está inserido. A pandemia é
somente um acelerador desse processo político de reprodução de violências e
desigualdades estruturais do sistema de controle social e segurança pública no Brasil.
Por esses motivos, as políticas sociais, que vem sendo constantemente atacadas
nos últimos tempos, são de vital importância para a democratização plena do país,
levando igualdade de oportunidades econômicas e sociais para essas minorias
racializadas, que se encontram em situação de vulnerabilidade social tão alarmante. As
políticas sociais de inclusão do negro, da mulher e de populações de baixa renda em
geral – compreendendo que essas categorias sempre andam juntas – desmascaram a
Necropolítica em que vivemos, demostrando as necessidades de se investir em
igualdade em uma sociedade tão segmentada e desigual quanto a brasileira. É
importante salientar que esse constante ataque as políticas de ações afirmativas que vem
ocorrendo no contexto político brasileiro atual, são evidenciadores das terríveis
orientações raciais e de classe que possui a COVID-19, pois, esses ataques mostram o
quanto as políticas de Estado são voltadas para o genocídio de negros e pobres, que
observam de forma acelerada a precarização do trabalho e o aumento da violência em
suas comunidades, acentuadas pela deslegitimação das políticas de inclusão que foram
duramente construídas ao longo dos últimos anos. Dessa forma, a pandemia não
representa uma descontinuidade, somente marca como evidente as desigualdades e
violências que acompanham o Brasil e suas políticas desde sempre.
Bibliografia: