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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

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• OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE


Olavo de Medeiros Filho<*>
!


Ao travarem seus primeiros contatos com os primitivos
habitantes do território nacional, cedo os europeus os identificaram
em dois grupos distintos: os TUPIS, que falavam a Língua Geral, a
• Língua Boa - e os T APUIAS, com diversos idiomas, os chamados
Gentios da Língua Travada. O convívio mais estreito entre europeus e
• indígenas - até então separados pela vastidão atlântica - verificou-se
com a nação tupi, habitante do vasto litoral brasileiro.
Considerando-se apenas a antiga Capitania do Rio Grande, ou
dos Potiguares, como mero exemplo, constataremos que os tupis

habitavam o litoral do território, achando-se representados pela tribo
dos potiguares, do ramo tupinambá. A jurisdição de tais indígenas
estendia-se da margem setentrional do rio Paraíba até à serra de
Ibiapaba, já em território cearense. Para fins deste estudo, deixaremos
• de lado o que respeita aos tupis e concentraremos nossas atenções em
tomo dos tapuias, aqueles silvícolas que povoavam, inclusive, os
sertões das capitanias nordestinas.
Em 1618, AMBRÓSIO FERNANDES BRANDÃO, senhor de
engenho, capitão de infantaria e um dos primeiros conquistadores da
Paraíba, compunha a sua obra Diálogos das Grandezas do Brasil,
ocupando-se nos trechos finais do seu livro, em descrever os tapuias,
denominando-os tapuins. A descrição etnográfica desses silvícolas,
apresentada por Fernandes Brandão, coincide com outras narrativas
posteriores, da lavra de autores do partido holandês, mencionadas
mais adiante deste comentário .
JOANNES DE .LAET, autor ,
da História ou Anais dos Feitos
da Companhia Privilegiada das Jndias Ocidentais desde seu começo

<•> Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do


Norte. Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.
242 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

até ao fim do ano de 1636, inicia o ciclo holandês de informações


sobre os tapuias que habitavam o Nordeste.
JACOB RABBI, o famoso aventureiro alemão, delegado
flamengo junto aos tapuias do chamado rei Janduí, e que viveu alguns
anos anos entre aqueles silvícolas, deixou uma Crônica, oferecida ao
conde Maurício de Nassau
, . A síntese de tal obra foi incluída no livro
de GASPAR BARLEU, História dos Feitos Recentemente Praticados

durante Oito Anos no Brasil sob o Governo de João Maurício, Conde
de Nassau, tratando do período em que Nassau esteve no Brasil, de
1637 a 1644.
ZACHARIAS WAGNER, chegado ao Recife em 1634, tendo
posteriormente pertencido ao "staff' do conde Maurício, deixou-nos a -
sua obra Zoobiblion, em que retratou a etnografia dos tapuias de Jan
de Wy, já então aliados do partido holandês.
ELIAS HERCKMAN, o terceiro governador holandês da
Capitania da Paraíba, empossado em 1636, três anos depois escreveu
a Descrição Geral da Capitania da Paraíba , na qual faz referência a .
quatro nações tapuias. Cita inicialmente os Carirys, que habitavam -
transversalmente à Capitania de Pernambuco, e cujo "rei" chamava-se
Kerioukeiou . Um pouco mais para o interior, moravam os
Caririwasys, liderados por Karupoto. A terceira nação era chamada de
Careryjouvs . Concluindo a sua exposição, Herkman explica que a
nação dos tapuias, particularmente conhecida pelos flamengos, era a
dos TARAIRYOU, sendo Janduwy o rei de uma parte da nação, e seu
irmão Caracara de outra .
JORGE MARCGRAVE é o autor da História Natural do
Brasil, publicada em 1648, na qual foi incluído um resumo da crônica
de Jacob Rabbi, em que figuram dados etnográficos colhidos por
aquele delegado dos flamengos, junto aos janduís.
GUILHERMO PISO também nos dá notícia , da tribo Janduí,
em seu livro História Natural e Médica da lndia Ocidental, que
somente viria a ser publicado em 1658. Piso foi médico pessoal do
conde Maurício de Nassau. Nota-se também a influência do relatório
de Rabbi, nas observações etnográficas de Piso.
JOAN NIEUHOF, que veio para o Brasil em 1640, aqui
permanecendo até 1649, escreveu a Memorável Viage111 Marítima e
Terrestre ao Brasil, que viria a ser impressa em 1682. Nieuhof
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 243

informava que os tapuias habitavam no interior do território sob o


poder dos flamengos , no espaço co1npreendído entre o rio Ceará e o
rio São Francisco. Nieuhof, baseando-se em Elias Herckman,
descreve a existência dos tapuias Cariris, governados por Ceriou
Keiou; vizinhos aos mesmos, habitavam os Caririvasu, cujo "rei" era
Carapoto; a seguir, vinham os Caririjou, correspondente aos atuais
Fulniôs, que ainda habitam em Pernambuco. A quarta nação descrita
era a dos Tararijou, "muito conhecidos nossos", chefiada por Janduí,
'"não obstante alguns deles viverem sob a autoridade de um tal
Karakara".
Em 1647, ROULOX BARO realizou uma viagem ao chamado
País dos Tapuias, cruzando o território correspondente à antiga
Capitania do Rio Grande. De tal viagem Baro nos legou um
minucioso Relato, em que menciona diversos episódios relativos ,
àqueles tapuias, e que se acha incluído no livro História das Ultimas
Lutas no Brasil entre Holandeses e Portugueses e Relação da Viagem
ao Pais dos Tapuias , de autoria de PIERRE MOREAU e de
ROU.LOX BARO, respectivamente. A obra conta com comentários
explicativos por CLAUDE BARTHOMY MORISOT.
Um relato muito informativo, escrito pelo final do século
XVII, ou início do seguinte, foi-nos legado pelo capitão PEDRO
CARRILHO DE ANDRADE, , participante do Terço dos Paulistas do
mestre-de-campo Manuel Alvares de Morais Navarro. Tal narrativa,
escrita por quem participou da chamada Guerra dos Bárbaros, aparece
na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande, do
Norte (Vol. VII, 1909), sob o título de Memória sobre os Indios no
Brasil.
Tais autores, são suficientes para o estudo da etnografia dos
tapuias TARAIRIUS, cujo "rei"mais famoso foi Janduí. Os seus
liderados passaram à nossa historiografia sob a d~nominação de
janduís, ou janduins. Os próprios tarairiús se auto-denominavam de
OTSHICAYAYNOE.
Através do que se depreende de todos os relatos acima
referidos, salienta-se a evidência de que os tapuias tarairiús não eram
os mesmos tapuias cariris. Sob o prisma linguístico e cultural
diferenciavam-se perfeitamente. Tais contrastes essenciais passaram
"
despercebidos ao historiador paraibano IRENEO JOFFILY, autor das
Notas sobre a Paraíba, publicação de 1892 . .Joffily, interpretando
244 INDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

apressadamente a Descrição G?ral da Capitaniq da Paraíba, de Elias


Herckman, generalizou como pertencentes à nação cariri, todos
aqueles outros tapuias moradores no interior das capitanias outrora
ocupadas pelos dominadores flamengos.
Joffily classificou os tarairiús como se fossem uma mera
facção dos cariris, lapso que recebeu a chancela do historiador
CAPISTRANO DE ABREU, autor do prefácio aposto ao livro 'Tá
citado. Daí por diante até os dias atuais, quase todos os autores que se
ocuparam dos tapuias nordestinos adotaram o termo cariris para
designar, indistintamente, aqueles silvícolas que não falavam a língua
geral, inclusive os janduís e seus aparentados. Estudos posteriores de
THOMAZ POMPEU SOBRINHO, de PAUL RIVET e de CESTMIR
LOUKOTKA, vieram lançar luzes sobre a controvérsia, retificando
aquele lamentável engano de interpretação etnográfica cometido
anteriormente.
Os mais abalizados ,estudos apresentam como tendo
pertencido ao grupo T ARAIRIU, as seguintes tribos tapuias, muito
citadas ,em nossa, historiografia nordestina do período colonial:
JANDUIS, ARIUS ou PEGAS ( liderados pelo "rei"Pecca),
SUCURUS, CANINDÉS, JENIPAPOS, PAIACUS, PANATIS,
JAVÓS, CAMAÇUS, TUCURIJUS, ARARIÚS, COREMAS.
A seguir, condensaremos crs dados etnográficos fornecidos
pelos velhos cronistas, descrevendo o perfil dos tapui'as tarairiús:

TERRITÓRIO HABITADO PELOS TARAIRIÚS

Os tarairiús espàlhavam-se do Ceará ao rio São Francisco.


Segundo Jacob Rabbi, o acompamento principal do rei Janduí ficava
localizado no rio Otschunogh (Açu), cujo vale recebia o nome de
Kuniangeya. Nas laterais do rio, nas proximidades daquele
acampamento ficavam as lagoas Bayatagh (Piató) e Igtug (Itu, ou
Ponta Grande). Segundo o relato dos antigos cronistas, os tapuias
ocupavam as terras do sertão semi-árido do Nordeste, que ali
habitavam nas bacias dos rios Açu, Apodi e respectivos afluentes.
APARtNCIA FÍSICA

Os antigos cronistas ressaltam a elevada estatura dos tarairiús


do sexo masculino, em contraste com a baixa estatura das mulheres.
Aqueles tapuias eram muito robustos, dotados de incrível força fisica.
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 245

Possuíam uma cor atrigueirada, "uma espessa pele bruna". As


mulheres eram consideradas bonitas de cara, apresentando-se gordas e
grossas. O olhar selvagem dos tapuias impressionava os cronistas.
Possuíam as cabeças grandes e largas, detalhe bem exposto nas telas
do holandês ALBERT ECKHOUT. Em tais cabeças, encontra-se a
origem dos "cabeças chatas" nordestinos ...
Os tapuias apresentavam ossos grossos e fortes. Seus cabelos
eram pretos, espessos e ásperos. Os penteados que usavam podem ser
constatados através da pinturas de Eckhout, pintor que esteve no
Brasil, a serviço do conde de Nassau.
Andavam inteiramente nus; apenas, os homens atavam um
cendal às suas partes genitais, e as mulheres usavam uma espécie de
avental em tomo dos . quadris, confeccionado de folhas frescas. Os
tapuias pintavam-se à maneira dos demais silvícolas: com tintas
extraídas do jenipapo e do urucu. Portavam lindas penas de aves,
introduziam ossos, penas, pedras e pedaços de madeira nas orelhas,
narizes, bochechas e lábios. Calçavam sandálias, feitas da casca de
uma árvore chamada curaguá. Depilavam-se, inclusive as
sobrancelhas.
,
SAUDE, DOENÇAS E MORTE

A longevidade dos tapuias tarairiús impressionou os antigos


cronistas. Chegariam à provecta idade de 200 anos! O rei Janduí
gozava do conceito de contar 160 anos, ainda lépido e capaz de
conduzir um tronco de camaúba aos ombros, em plena carreira! Pedro
Carrilho de· Andrade dizia-os serem "'homens bem dispostos, sadios,
sem achaques e de largas vidas, que bem se podiam comparar com as
cobras, de quem dizem os-poetas que não morrem nunca de velhas,
senão quando as matam" ...
Adoecendo um tarairiú, eram empregados alguns recursos
"medicinais": escarificações cutâneas, sucções bucais, de encontro à
parte ofendida; provocação de vômitos, com a introdução de folhas
silvestres enroladas na garganta do paciente. Também defumações
com tabaco, e aplicações salivares.
Na hipótese de ·se convencerem os indígenas da
incurabilidade do paciente, simplesmente matavam-no com golpes de
clava. Antes do episódio mortal , congratulavan1-se os matado.res com
246 INDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

o doente, e este com eles, por lhe caber morrer virilmente, furtando-se
assim aos sofrimentos!
Segundo as crônicas, os indígenas eram muito vitimados por
acidentes causados por picadas de cobras e mordidas de piranhas,
terríveis peixes que, ainda hoje, infestam as águas dos nossos rios e
lagoas.
Praticavam os tarairiús o endocanibalismo. Até os próprios
ossos dos falecidos tapuias eram consumidos, depois de devidamente
secos pelo calor solar, sendo em seguida cremados ao fogo, pisados e
pulverizados. Os cabelos também eram ingeridos, depois de reduzidos
a partículas diminutas, sendo dissolvidos na água, ou misturados com
mel silvestre e comidos com tapiocas!
No local em que morriam pessoas importantes da tribo,
colocava-se uma memória, ali se reunindo todos os ano·s os seus
companheiros, "para fazerem un1a oferenda ao Diabo".
Também era praticada a antropofagia contra os inimigos da
tribo, os quais eram dilacerados por feroz vingança.
VIDA AMOROSA

Aparecidos os sinais de puberdade, a donzela já se achava em


condições de casar-se. Tais sinais eram revelados pela mãe aos
feiticeiros, que participavam a ocorrência ao rei. Passava· então a
moÇa a ser guardada na casa dos pais. Depois da devida permissão
para o matrimônio, concedida pelo rei, ocorria a cerimônia de
núpcias, ocasião em que o genro agradecia à mã~ da noiva os
cuidados tidos pela mesma com a preservação da virgindade da
filha ...
Na época da escolha dos pares, executavam-se cantos e
danças. A moça tarairiú colocava-se, por ocasião de tais danças, por
detrás do rapaz por ela escolhido, o que equivalia a um futuro
compromisso de casamento. Na fase de noivado, o rapaz presenteava
o rei com gados e frutos, e o futuro sogro com caça e mel silvestre.
Submetia-se também à prova de correr com um tronco aos ombros.
Na hipótese de não surgir um candidato ao casamento com
uma determinada moça, esta era levada à presença do rei, que a
desvirginava.
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 247

Por ocasião da cerimônia matrimonial, os nubentes


masculinos recebiam um buraco em cada uma das faces, em que eram
introduzidos pequenos enfeites de paus ou ossos, com 3 a 5 polegadas
de comprimento. A festa matrimonial estendia-se por quatro ou cinco
dias', quando então a noiva era conduzida ao noivo, à tarde, ocasião
em que ocorria uma dança aparelhada, em que se cantava em
altíssimas vozes.
Os tarairiús eram polígamos e as festividades matrimoniais
eram reservadas apenas para a primeira esposa. O número de
mulheres em poder de um tapuia era sinal de grande prestígio. O
régulo Janduí, nos bons tempos, chegara a possuir cinquenta
mulheres! Segundo os antigos cronistas, Janduí foi pai de sessenta
filhos, o que representava um número reduzido, em comparação com
a grande quantidade de esposas que possuíu. .
Sobre o adultério, não era o mesmo suportado pelos tarairiús.
Além de ser uma ocorrência rara, tal episódio poderia acarretar a
morte' dos infratores. Janduí chegou a matar algumas de suas
mulheres, em virtude de adultério praticado pelas mesmas ...
Quando um tapuia matava, em combate singular, um da
própria tribo, passavam a pertencer-lhe a esposa e os filhos do morto.
GRAVIDEZ, PARTO E INFANTES

Achando-se a mulher tarairiú grávida, o seu companheiro


abstinha-se de relações com a mesma e coabitava com outra. Tal
abstenção sexual prolongava-se por todo o período da lactação.
Prestes a dar à luz, ou logo após, a tapuia retirava-se para as matas e
esconderijos, se o céu estivesse sereno. Nascido o infante, cortava-lhe
o umbigo com um caco afiado ou um concha, devorando, a seguir, o
umbigo juntamente com a placenta, depois de cozê-los.
Na fase puerperal, a mãe e o filho lavavam-se na água
corrente duas vezes ao dia, pela manhã e à tardinha. Ocorrendo uma
mudança de acampamento, outra mulher cuidava da criança,
poupando a mãe de tal tarefa. Os homens tarairiús, à época do parto
das esposas, deitavam-se à maneira de parturiente, comendo então
doces e manjares, manifestando de tal maneira a necessidade de
"restaurar"as forças perdidas. Tal resguardo masculino estendia-se
por oito ou mais semanas ...
248 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

A respeito dos natimortos, as tarairiús adotavam o costume de


devorar tais fetos, sob a alegação de que não lhes poderiam
proporcionar uma sepultura mais condigna do que o próprio ventre de
que tinham provindo.
As crianças começavam a andar na idade de nove ou dez
semanas, época em que também eram lançadas na água para
aprenderem a nadar. Esse fato insólito, até há pouco tempo
desacreditado pelos estudiosos, parece ver-se confirmado na Rússia,
onde criancinhas de tenra idade repetem os precoces feitos aquáticos
dos infantes tarairiús ...
Na hipótese de falecer uma criança tarairiú? era a mesma
comida pela própria mãe e suas parentas. Aos sete ou oito anos, os
meninos eram submetidos à cerimônia de perfuração do lábio inferior
e das orelhas. Na mesma ocasião da cerimônia, também era colocado
um nome no infante.
Desde tenra idade, os tapuias exercitavam-se em destrezas e
forças, tais como lutar, correr e saltar. Tomavam-se também exímios
nadadores, não se encontrando um só deles que não soubesse nadar.
FEROCIDADE, ARMAS E LUTAS

Segundo as antigas crônicas, os tarairiús eram temidos de


todo o demais gentio. Apresentavam um semblante ameaçador, um
olhar feroz. Eram cruéis e nada lhes era vergonhoso, quando
pretendiam a vingança e a glória. Em seus combates adotavam a
tática da surpresa, tentando pela astúcia o que não tinham condições
de proceder pela força, preferindo enganar o inimigo a enfrentá-lo em
guerra aberta. Possuíam eles a inclinação natural de guerrear, matar,
fazer sangue, acostumados e exercitados nas mortes das caças e feras.
Entre os tarairiús, não tinham nome nem fama aqueles que não
fizessem "morte em - gente humana". Na ocasião da vitória eram
propensos a matar os inimigos indistintamente. Acolhiam os amigos
com alegria, ocasião em que choravam; deparando-se com um
inimigo, simplesmente matavam-no.
Os tarairiús igualavam-se às feras , na velocidade do correr,
'
atividade a que podiam se dedicar um dia inteiro. As vezes,
carregavam sobre os ombros um tronco de camaúba, correndo com o
mesmo três ou quatro léguas sem descansar.
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 249

Os tapuias tarairiús não usavam o arco. Seus dardos eram


impulsionados através de uma meia-cana côncava, espécie de
propulsor. Portavam tal canudo, ou prancheta, no dedo. Também
usavam pesados espadões de madeira preta, ou de uma outra também
sólida, como o pau-brasil. As pinturas de Albert Eckhout retratam
com fidedignidade essas clavas, com as quais os tarairiús eram
capazes de partir um homem ao meio, de um único golpe. Os tarairiús
também portavam pequenos machados de pedra, munidos de longos
cabos.
Os tarairiús de Janduí foram preciosos aliados dos
dominadores holandeses. Amigos que, quase sempre, deixavam os
flamengos temerosos, devido à irreprimível agressividade desses
silvícolas.
Por ocasião da chamada Guerra dos Bárbaros, que teve o seu
início cerca de trinta anos após a expulsão dos flamengos, os janduís,
ainda saudosos dos seus amigos neerlandeses, entraram em luta
contra os conquistadores de suas terras, luta que se prolongou por
mais de quatro décadas. Os tarairiús, já manuseando armas de fogo,
chegavam a fabricar a própria pólvora necessária ao emprego de tais
armas. Também já se haviam convertido em ótimos cavaleiros, sendo
considerados hábeis "ladrões de cavalos" ...
HABITAÇÕES E ACAMPAMENTOS

A natureza mutável do sertão, consequência das secas e


estiagens, obrigava os seus primitivos moradores a um regime
nômade de vida. Não tinham aldeias nem casas ordenadas, passando a
vida completamente ao ar livre. Mudavam frequentemente de
acampamento, ao sabor das contingências alimentares. Os tapuias
evitavam as marchas noturnas, com medo de cobras e serpentes,
somente iniciando suas viagens após haver o sol desfeito o orvalho
dos campos. Nos meses de novembro, dezembro e janeiro, quando o
caju começava a amadurecer, eles vinham para o litoral, p~is eram
raros os cajueiros no sertão.
Os tarairiús levantavam ramadas, em forma de um V
invertido, com a finalidade de servirem de abrigos. contra o sol
'
ardente ou a chuva. A noite faziam imensas fogueitas, ao longo das
quais estendiam suas redes para se aquecerem. Costumavam passar as
noites a cantar, sob intenso contentamento.
250 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

Quando acampados, procuravam iniciar o dia com um banho


de rio, após o que, esfregavam-se com areia grossa, banhando-se
novamente em seguida. Aqueciam-se ao fogo e escarificavam a pele
com uma espécie de rapador feito de dentes de peixes.
Por ocasião das mudanças de acampamento, tomavam a
medida de atear fogo ao mesmo. Ao partirem dali, transportavam
consigo dois troncos de árvore conservados no chão, à distância de
um tiro de pedra da tenda do rei. Dois grupos, cujos participantes
eram revesados sucessivamente, transportavam tais troncos sobre os
ombros, em desabalada carreira, até o novo local escolhido para
acampamento. Tal prática era um motivo de intensa diversão e
emulação. BARO dava a tal espécie de esporte praticado pelos
tarairiús, a denominação de correr a árvore. As mulheres e crianças
'
transportavam as armas, as bagagens e os trastes.
Chegados ao local destinado ao novo acampamento, iam os
tapuias cortar árvores, cravando os galhos e ramagens à beira dos rios
para desfrutarem da sombra. Os homens saíam a. apanhar os peixes,
ou para caça e recolher o mel silvestre, enquanto as velhinhas
arrancavam raízes destinadas ao fabrico da farinha e seus pães. As
mulheres dedicavam-se às lides culinárias, preparando as comidas e
bebidas.
Realizavam-se certames de lanças, corridas e lutas.
CAÇA, PESCA E AGRICULTURA

A alimentação básica dos tarairiús compunha-se de caça,


pesca, mel silvestre, frutos e alguns produtos de roça. Apreciavam
muito as cobras e lagartos. Viviam gordos e sadios. Não guardavam
para o dia seguinte, o alimento que pudessem comer de imediato.
Possuíam um apetite impressionante. Segundo os neerlandeses, os
tarairiús podiam consumir a alimentação que seria suficiente a cinco
ou seis europeus!
Quando acossados pela fome, aqueles tapuias conseguiam
passar até cinco dias sem comer, auxiliados por certas cascas de
árvore que atavam ao ventre, e que tinham o efeito de fazê-los
esquecer a fome.
Quando não encontravam água para beber, contentavam-se
então com aquela fornecida pelo orvalho da madrugada e que se
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 251

acumulava nos cantos e recantos dos lajedos. Tal falta d'água forçava
os tarairiús a fazerem uma ou duas incursões anuais ao litoral.
Os tapuias possuíam admirável agudeza de olfato, qualidade
utilíssima à vida de caçadores que levavam.
Quando trovejava e soprava fortemente o vento, havia uma
abundantíssima pescaria, na lagoa Bayatach (Piató, no Açu). Os
peixes eram tão gordos que dispensavam o uso de gorduras para
prepará-los. Tal lagoa, nos meses de março a abril recebia o
transbordamento do rio Otschunogh {Açu), mal conseguindo as
mulheres da tribo transportar todo o peixe apanhado, para o
acampamento.
Os tarairiús assavam as carnes consumidas. Ao término das
refeições, entoavam cantos e dançavam. Fabricavam uma espessa
bebida à base de mel de abelhas, a qual tinha a coloração branca como
o leite. Suas farinhas e pães eram feito s com a fécula de uma raiz, por
eles denominada de attouh( atug), correspondente à mandioca.
Quando o rio Açu voltava ao seu leito, os tarairiús
dedicavam-se ao plantio de milho, jerimuns, amendoins, etc. Antes do
plantio havia uma cerimônia realizada pelos feiticeiros, destinada a
propiciar a fertilidade do terreno. Barléu nos descreve os detalhes
dessa cerimônia, algo de realmente belo.
Na descrição da viagem de Roulox Baro, constata-se que os
tarairiús de Janduí plantavam roças sobre a atual Chapada da Serra
Verde, que àquela época recebia a denominação de Moytiapoa,
localizada no atual município de João Câmara (RN).
LINGUAGEM DOS TARAIRIÚS

O idioma dos tapuias tarairiús, com quem trataram


principalmente os cronistas holandeses e os missionários das Aldeias,
infelizmente não foi preservado. Assim, não dispomos de
informações sobre o léxico daqueles tarairiús, do qual muitas palavras
ainda perduram, ornando os acidentes geográficos dos nossos sertões.
Através da observação dos textos que nos foram legados pelos
cronistas flamengos, poderemos identificar poucos termos tarairiús:
CARFA - Descrito por Herckman, era um peixe ucujo corpo
tem a forma de um porco, exceto a cauda, que é de peixe". ,Era a
piranha, peixe capaz de devorar facilmente qualquer animal.
252 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

,
CORPAMBA - Arvore de cujas sementes os tapuias
preparavam um alucinógeno.
,
CORRAVEARA- Arvore de cujo tronco os tapuias faziam os
pesos utilizados nas suas correrias. Tudo indica tratar-se da
camaubeira.
MANUAH-A Cobra de Veado.
OIUGI - A Cobra Cascavel.
UVA - Espécie de beberagem feita de mel silvestre e frutas
(abacaxi). ~

O etnógrafo eGe CURT NIMUENDAJU colheu diversos


termos do extinto idioma falado pelos indígenas sucurus, habitantes
em Ararobá, como sabemos pertencentes ao mesmo tronco tarairiú.
O pesquisador paraibano JOSE' ELIAS BARBOSA BORGES,
dedicado há muitos anos ao estudo dos tapuias tarairiús, vem
desenvolvendo um trabalho de coleta de palavras do extinto idioma.
Segundo BARBOSA BORGES, em informações que por ele nos
foram prestadas, tem-se observado em muitos termos uma
aproximação com o idioma falado pelo grupo Jê:
.,,..,-
PORTUGUtS TARAIRIU' ~IALETOS JêS\ CARIRI
'
Agua kaité nko dzu
Cabeça kreká krã tçambu
Cabelo UilJ sun dü
Casa sekri ikré era'
Comer Kringó khrem am1
,
Dormir gon-ya nogon Uill

Filho ako ikra inhurae


Fogo kiró, kia korru, kuwi lSU

Mão koreke bkhra müsã


Mulher krippó mprom,piko tidzi
Nariz sikrin khra naembi
Olho aço nto do
Orelha bandulak mpak benhé
Pé .'
po1a par bü

-
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 253

DEMÓNIOS E ESPiRITOS

Os tapuias tarairiús adoravam a Ursa Maior, ou Setentrião,


vulgarmente denominados de Carreta. Ao divisarem pela manhã, tal
constelação, alvoroçavam-se e dirigiam-lhe cantos e danças. Suas
lendas descreviam uma raposa que teria suscitado contra eles o ódio
do seu deus, que deles afastou a proteção. Conservavam a tradição de
que, em tempos remotíssimos, encontravam alimentação sem
necessidade de esforço, gozando ademais de uma ótima vida. Tais
facilidades haviam sido perdidas em consequência da ofensa feita ao
Setentrião, que de tal forma os condenara ao sofrimento.
Os cronistas referem-se ao preponderante papel
desempenhado pelos feiticeiros e agoureiros (adivinhos), junto aos
tarairiús. No entender dos cronistas de antanho, tais tapuias eram
adoradores do Diabo, a quem prestariam culto, servindo-lhes de
intermediários aqueles sacerdotes.
Segundo a crença tapuia, após a morte dos silvícolas, estes
iriam em sua forma espiritual à presença do demônio, que os inquiria
sobre a natureza da morte, sofrida na terra. Depois das devidas
explicações, era-lhes oferecido um local de morada, repleto de
delícias, onde abundavam peixe e mel. ..
Nás planícies sacrificavam às pedras e penedos que topavam,
para não serem, conforme acreditavam, por eles mordidos.
Nada do que interessava à comunidade era resolvido sem o
conselho dos sacerdotes. Segundo o testemunho pessoal de diversos
cronistas, os feiticeiros tapuias conseguiam a materialização de
espíritos sob a forma de animais ou de tapuias. Deixavam-se invadir
pelos espíritos malignos, e começavam a proferir profecias.
Os feiticeiros costumavam dirigir-se a locais ermos, a fim de
manterem contatos pessoais com os chamados demônios. O próprio
rei Janduí costumava acompanhar os feiticeiros em tais viagens. Em
certas ocasiões - e Baro foi testemunha de 'uma dessas ocorrências -
alguns demônios vinham ao acampamento tarairiú, acompanhados
dos feiticeiros, ocasião em que eram alojados em uma cabana
especial, ficando então à ·disposição dos tapuias interessados em
consultá-los.
A agressividade dos tarairiús era tamanha, que às vezes o
próprio demônio era vítima de espancamentos praticados pelos ditos
254 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

consulentes, na hipótese de não lhes agradarem os vaticínios


proferidos! ...
Por ocasião da chegada dos demônios, todos os fogos do
acampamento eram extintos. Um desses seres, '
misteriosos era
conhecido pelo nome de HOUCHA (UXA). Em determinado
momento ele desapareceu instantaneamente das vistas dos tapuias,
"deixando grande espanto e tristeza''.
O uso da fumaça do tabaco era indispensável por ocasião das
visitas dos demônios. Havia uma certa planta denominada corpamba,
que pilada e reduzida a pó, era adicionada à água e ingerida pelos
feiticeiros. Imediatamente a beberagem saía-lhes pelo nariz e pela
boca, agitando-se os feiticeiros como possessos, pondo-se a correr e a
berrar.
Na cabana do rei Janduí encontrava-se uma cabaça ou caixa
sagrada, à qual eram presenteados produtos da caça, mel e frutos
agrícolas. No interior da cabaça encontravam-se pedras chamadas
quenturá, para os tapuias mais preciosas do que ouro. Tal cabaça
servia para fins adivinhatórios, e nela também os tapuias acreditavam
transportar o Diabo, por ocasião de suas festas.
Os sacerdotes também cuidavam da medicina tribal.
Empregavam defumações de tabaco, além de aplicações salivares.
Jorge Marcgrave, baseado em Rabbi, menciona um certo local
distanciado 45 horas de jornada do rio Otschunogh, em cujo sítio os
tarairiús iam acampar, à época em que os frutos estavam maduros. Ali
realizavam eles cultos em honra do sete-estrelo e de outras estrelas,
ocasião em que, como de costume ocorriam danças e ·cantos. ·
ALDEAMENTO E DESAPARECIMENTO DE UMA ETNIA

Concedidas as primeiras datas e sesmarias no interior semi-


árido do Nordeste, certos grupos tapuias, principalmente aqueles
aparentados dos janduís, começaram a sentir os efeitos negativos
representados pela desapropriação de suas terras, para eles
indispensáveis à obtenção de sua alimentação voltada para a caça, a
pesca e a coleta de mel.
Quando já se encontrava bem promissora a criação extensiva
dos rebanhos bovinos e cavalares, naquele sertão, irrompeu um
intenso movimento de reação à presença dos fazendeiros, por parte
OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 255

dos tapuias, fenômeno que é conhecido nas crônicas da época como a


GUERRA dos BÁRBAROS, ou LEVANTE DO GENTIO TAPUIA.
Tal movimento de auto-preservação dos tapuias recebeu, por parte de
escritores mais românticos, a denominação de Confederação dos
Cariris, quando sabemos que os cariris em grande número, foram
utilizados como COJ!?.batentes, na repressão àquele levante, em que
predominou o elemento tarairiú, cuja tríbo mais famosa foi a dos
janduís. A obra básica que trata da insurreição dos tapuias foi
publicada em 1936, sob o título de A GUERRA DOS BÁRBAROS,
de autoria do insigne historiador paulista Affonso de E. Taunay. Este
recorreu à documentação existente na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, no Arquivo do Estado da Bahia, no Arquivo de Marinha e
Ultramar, de Lisboa, depois denominado de Arquivo Colonial,
compendiando a codificação de todo esse material disperso, impresso
e manuscrito.
A Guerra dos Bárbaros teve o seu início no ano de 1683,
sendo o seu epicentro a Capitania do Rio Grande. Como consequência
de tal guerra, milhares de tapuias foram degolados, suas mulheres e
crianças tomadas prisioneiras e escravizadas. Outros milhares
abrigaram-se junto às missões religiosas, escapando à morte ou à
escravidão. Os que puderam, fugiram para o Piauí e Maranhão.
Por volta do ano de 1749, mais de duas décadas após o
desaparecimento dos combates entre o partido português e os tapuias
janduís e seus aparentados, os remanescentes tarairiús achavam-se
aldeiados junto a diversas missões religiosas. A Inforn1ação Geral da
Capitania de Pernambuco (Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, 1906, Vol. XXVIII), datada de 1749, pouco mais ou menos,
aponta a presença tarairiú nas seguintes Aldeias, cuidadas por
missionários de diversas ordens religiosas. Raramente os tarairiús
compartilhavam de uma mesma aldeia, com gentios de outras nações.
ALDEIA DA SERRA DE IBIAPABA, em local hoje
correspondente a Viçosa (CE). Tapuias arariús ou irariús, ocupando
uma das quatro missões que compunham a Aldeia.
ALDEIA DO PAIACU, existente em território atual de
Aquirás, Ceará. Tapuias paiacus, da mesma nação tarairiú.
ALDEIA DA PALMA, localizada no saco da Serra da Palma,
ao sul da bacia do Açtlde do Cedro, próximo a Quixadá (CE).
Habitada por tarairiús canindés e jenipapos.
256 ÍNDIOS DO NORDESTE: TEMAS E PROBLEMAS

ALDEIA DO GUAJIRU, onde hoje encontra-se a cidade de


Estremoz, no Rio Grande do Norte. Ali moravam tapuias paiacus, da
nação tarairiú.
ALDEIA DO APODI, correspondente ao local em que se
encontra a cidade de Apodi, no Rio Grande do Norte. também
composta de tapuias paiacus.
ALDEIA ·DA BOA VISTA, localizada na Serra de
Bananeiras, na Paraíba. Ali ficaram aldeados tapuias canindés e
sucurus, da nação tarairiú.
ALDEIA DA CAMPINA GRANDE, na atual cidade
paraibana de Campina Grande. Ali moravam tapuias Cavalcantis
(uma facção dos ariús ), também tarairiús. _
ALDEIA DO PANATI, em território paraibano de Piancó.
Habitada por tapuias panatis, da nação tarairiú.
ALDEIA DO COREMA aldeamento dos tapuias coremas,
também tarairiús. Corresponde à cidade paraibana de Coremas.
ALDEIA DOS PEGAS, correspondente ao território ora
ocupado por Pombal, na Paraíba. Os pegas eram os mesmos ariús
pequenos, também tarairiús.
'
ALDEIA DO ARAROBA, em território de Ararobá,
Pernambuco. Ali achavam-se aldeiados tapuias da nação tarairiú,
pertencentes à tribo dos sucurus.
Em 1757, existiam na Serra de João do Vale, no atual
município de Belém do Brejo do Cruz(PB), as chamadas Missões dos
Pegas, de que era missionário o Pe. Antônio Saraiva da Silva. Tais
tapuias foram transferidos, em 1761, para a Aldeia de Sant' Ana do
Mipibu, hoje São José de Mipibu, no rio Grande do Norte ..
Na velha documentação pertencente à Freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação da Cidade do Natal da Capitania do Rio
Grande, arquivada no nosso Instituto Histórico e Geográfico,
deparamo-nos com assentamentos relacionados com escravos tapuias,
a partir do ano de 1727, muitos deles casados pelos seus Senhores
com cônjuges da raça negra. Tal ocorrência, que é digna de um
melhor estudo, talvez tivesse por finalidade velada a completa
extinção da etnia tarairiú.
1

OS TARAIRIÚS, EXTINTOS TAPUIAS DO NORDESTE 257

Através do Alvará de 3 de maio de 1757, do Marquês de


Pombal, os missionários perderam a jurisdição temporal que
detinham em todo o Brasil sobre os indígenas. Estabeleceu-se a
liberdade das pessoas, bens e comércio dos índios, elevando-se a vilas
as aldeias por eles habitadas, cessando assim o governo temporal
exercido pelos religiosos.
As aldeias, transformadas em vilas, passaram a ser
governadas por seus diretores, do que resultou que as terras dos
indígenas fossem, pouco a pouco, alienadas por venda, ou
simplesmente desapropriadas. Os índios, privados de sua base
econômica, converteram-se em explorados trabalhadores rurais. No
Rio Grande do Norte, a noção da identidade indígena perdurou até,
mais ou menos, os meados do século passado.
A intensa miscigenação sofrida pelos remanescentes étnicos
indígenas, terminou por fazê-los perder a própria noção de suas
origens. A pobreza, a ignorância, o atraso social, são companheiros
inseparáveis dos descendentes dos antigos donos da terra.

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