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Anais do 43º Congresso Brasileiro de Cerâmica 01501

2 a 5 de junho de 1999 - Florianópolis – S.C.

USO DA ESPECTROSCOPIA INFRAVERMELHA NO ESTUDO DE ARGILAS DO


MATO GROSSO DO SUL

S.V. Silva, A.R. Salvetti


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -UFMS, Depto de Física - CCET
C P: 549; CEP: 79070-900; Campo Grande, MS; e-mail: salvetti@nin.ufms.br

RESUMO

A radiação infravermelha encontra-se na região de baixas energias do espectro


eletromagnético; sendo assim, sua interação com a matéria ocorre em nível de
ligações químicas (cada molécula ou estrutura cristalina absorve a radiação em
determinadas freqüências). A espectroscopia infravermelha de absorção consiste em
incidir radiação sobre a amostra, verificar as freqüências absorvidas, e então
identificar as substâncias presentes em sua composição. É possível, também,
estudar as transformações ocorridas em uma amostra, quando esta sofre um
determinado processo. O efeito da temperatura nas bandas de absorção
infravermelha de folhelhos argilosos da Formação Ponta Grossa, foi estudado para
identificar as transformações que ocorrem entre ambiente e 1150C.

PALAVRAS-CHAVE: Infravermelho; Argilominerais; Desidroxilação.

INTRODUÇÃO

A interação da radiação infravermelha com a matéria ocorre através da


excitação das ligações químicas, ocasionando vibrações ou rotações dos átomos ou
grupos funcionais em torno da ligação; ou seja, devido a sua baixa energia as
interações acontecem em nível molecular ou de estrutura cristalina. Uma vez que os
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níveis de energia de um átomo ou moléculas são quantizados, a excitação só é


possível em freqüências características, determinadas pelo átomo, molécula ou
cristal sobre o qual a radiação incide. Assim sendo, o espectro de absorção
(freqüências nas quais a amostra absorve radiação) possibilita conhecer a
composição da amostra; este é o princípio da espectroscopia infravermelha (01).
Os folhelhos argilosos da Formação Ponta Grossa, unidade da bacia do Paraná,
afloram numa faixa estreita de direção N-S que se estende de Rio Negro a Pedro
Gomes. Os folhelhos são cinzas escuros, quando não alterados, e amarelo-
esbranquiçados no perfil de alteração superficial, considerados como principal fonte
de matéria prima para as cerâmicas do norte do Estado de Mato Grosso do Sul. As
exposições destes folhelhos configuram feição geomórfica caracterizada por quebra
de relevo com superfície plana sustentada por concentrações de posicionamento
geomórfico, com exposição dos folhelhos em regiões elevadas, o que facilita a
extração.
As estruturas cristalinas dos argilominerais sofrem transformações durante o
processo de queima. Tais mudanças estruturais modificam o seu espectro de
absorção, desse modo podemos estudar as transformações decorrentes da queima
através da análise espectral da amostra.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizadas argilas da Formação Ponta Grossa, da região de Rio Verde de


Mato Grosso/MS, identificadas por RV-8 e RV-9, sendo a primeira um folhelho
alterado pela ação do intemperismo e a segunda um folhelho não intemperizado. A
preparação das amostras obedeceu à seguinte metodologia: queima das amostras
em forno tipo mufla Brasimet a 200°C, 400°C, 600C, 800°C, 1000°C e 1150C, com
taxa de aquecimento de 10C/min e patamar de queima de 2h na temperatura
máxima; moagem em moinho de ágata Retsch e peneiramento, em peneira 170
Tyler/Mesh, das amostras cruas e queimadas; em seguida, utilizando as amostras
cruas e queimadas foram confeccionadas as pastilhas com Kbr (transparente à
radiação infravermelha). As pastilhas são feitas mediante prensagem a vácuo 10
toneladas, com 1mg de amostra por pastilha, pesadas na balança do TGA-50
Shimadzu. Os espectros foram obtidos no intervalo de 4000 cm -1 a 800 cm-1, em
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espectrômetro BOMEM Hartmann & Braun - The Michelson series FT-IR


spectrometer.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As principais responsáveis pelo espectro de absorção dos argilominerais são: as


ligações hidrogênio dos grupos estruturais OH, as vibrações Si-O e Al-O nas
subcamadas tetraédricas e octaédricas e outros óxidos minerais associados (02); as
bandas de absorção para os folhelhos alterado (RV8) e não intemperizado (RV9),
para as diferentes temperaturas estão nas Figuras 1 e 2.

215
1150

1000

800

600
165
110

400

115
T ra n s m itâ n c ia

200

65

15
1261
1416

1724

2033
2187

2496

2804
2959

3267

3730
1570

1879

2341

2650

3421
3576

3884
11 0 7

3 11 3
953
798

-35
Número de onda (cm-1)

Figura 1: Espectro de absorção infravermelho do folhelho alterado (RV8), para


diferentes temperaturas.
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190

1150

170 1000

800

150
600

400

130
T r a n s m itâ n c ia

110
110

200
90

70

50

30

10
1296
1462

1960

2291

2623

2955

3286

3618

3950
1628
1794

2125

2457

2789

3121

3452

3784
11 3 0
964
798

Número de onda(cm-1)

Figura 2: Espectro de absorção infravermelho do folhelho não alterado (RV9), para


diferentes temperaturas.

Absorção entre 4000 e 3400 cm -1

Nessa região as principais bandas de absorção, para amostras cruas, estão a:


3620 e 3690 cm -1. A banda de absorção em 3620 cm -1 é atribuída ao grupo hidroxila
(6,7,8,9)
interno à estrutura do silicato ou ao grupo OH lateral da estrutura octaédrica .A
banda de absorção em 3690 cm -1 é atribuída ao grupo hidroxila (OH) livre que é
(3,4,7)
assimétrica na vibração da ligação H-O-H .
As Figuras 1, 2, 3 e 4 apresentam os espectros de absorção das amostras RV-8
e RV-9, onde identificou-se as bandas referentes aos grupos OH interno (3620 cm -1)
e externo (3690cm -1). Verificou-se que essas bandas referentes ao folhelho alterado
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(RV8) são mais intensas, indicando maior quantidade de água de estrutura, em


relação a porção não alterada (RV9) devida, provavelmente, à maior presença do
argilomineral caulinita em relação ao argilomineral ilita/mica, pois enquanto o primeiro
(17)
apresenta 14% de água de estrutura, o segundo possui 4,5% , isso é um efeito da
alteração sofrida pelo processo de intemperização. A amostra RV-9 crua, apresentou
bandas em 3620, 3628, 3649, 3670, 3676 e 3691 cm -1; enquanto as bandas
referentes à RV-8 crua, foram observadas em 3620, 3653, 3668, 3697 cm -1; isso
pode indicar diferentes graus de cristalinidade para as caulinitas ( 10,11 ) (ver Figura 5).

120

1150
100

1000

800 600

80
T r a n s m itâ n c ia

400

60
200

40 110

20

0
3350
3377
3404
3431
3458
3485
3512
3539
3566
3593
3620
3647
3674
3701
3728
3755
3782

Número de onda (cm-1)

Figura 3: Espectro de absorção infravermelho, entre 3300 e 3800cm -1, do folhelho


alterado (RV8), para diferentes temperaturas.

Podemos observar que para as amostras queimadas a 200C e 400C, não há


mudança perceptível nas bandas de absorção referentes aos grupos OH, quer em
intensidade ou em freqüência, para temperaturas iguais ou superiores a 600°C, as
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bandas em 3690 e 3620 cm -1 desaparecem conforme podem ser observados nas


Figuras 1, 2, 3 e 4. Este comportamento está relacionado ao processo de
desidroxilação (perda de água de estrutura) que inicia-se a 450°C e conclui-se a
600°C(18,19). Nesta faixa de temperatura, ocorre uma reação endotérmica na qual a
estrutura cristalina dos argilominerais se altera, no caso da caulinita há a formação
de uma fase metaestável semicristalina denominada metacaulinita.

140

130

1150
120
1000
T ra n s m itâ n c ia

110
800

100
600

90
400

110
80

70 200

60

50
3389
3427
3466
3504
3543

3659
3697
3736
3774
3350

3582
3620

número de onda (cm-1)

Figura 4: Espectro de absorção infravermelho, entre 3300 e 3800cm -1, do folhelho


não alterado (RV9), para diferentes temperaturas.
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Absorção entre 1200 e 800 cm -1

Nessa região as principais bandas de absorção, para as amostras cruas, estão


a: 1110, 1031, 1008, 935 e 913 cm -1 , conforme apresentadas nas Figuras 1,2, 6 e 7.
A absorção em 1100 cm -1 é atribuída à vibração assimétrica fora do plano do Si-
O (5,12,09,10), se o alumínio foi substituído por silício, a banda pode deslocar-se para 960
cm-1 (20)
. Para amostras queimadas a 600C ou acima, a banda a 1100cm -1 não ficou
mais definida e fundiu-se na banda a 1020cm -1. Isso pode ter sido devido ao
crescimento de Al3+ no tetraedro(13) e ao crescimento da perturbação na ligação Si-O
pela ligação Al-O(11). Miller (6)
atribuiu a banda a 1100cm -1 como sendo devida à
vibração Al-OH, isto também justificaria o desaparecimento dessa banda a partir de
600C.
Absorção a 1010 e 1030cm -1 foi atribuída a interação Si-O-Si(5,14,15) ou a vibração
Si-O da camada tetraédrica (08); Essa banda se mantém para temperaturas de 200C e
400C. Com a aumento da temperatura até 600°C verificou-se um alargamento da
banda a 1020 cm-1, e para temperaturas superiores a banda tende a deslocar-se para
a região de freqüências mais elevadas (ver Figuras 6 e 7). Este deslocamento é
geralmente atribuído à condensação do tetraedro Si-O, quebra da ligação Si-O-Al, e à
(16)
desidroxilação dos grupos Si-OH . Desta forma, a reação térmica do Si-O 2-Al2O3
(entre 500 e 1000°C), na qual Al 2O3 é substituído por Si-O3 (amorfo) é provavelmente
(09)
a responsável pelo deslocamento da banda .
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105

100
T r a n s m itâ n c ia

RV8
95

90

85

80 RV9

75

70

65
3626
3639
3653
3666

3693
3599
3612

3680

3707
60

Núm ero de onda (cm -1)

Figura 5: Espectro de absorção infravermelho entre 3600 e 3700cm -1 dos folhelhos


alterados (RV8) e não intemperizado (RV9), para amostras cruas.

100

90 1150

80
T ra n s m itâ n c ia

70

60 1000

800
50
600
40

30 110

20
200

10
400
1018
1055
1092

1202
1238
11 2 8
11 6 5

0
835

908

982
798

872

945

Número de onda(cm-1)

Figura 6: Espectro de absorção infravermelho, entre 800 e 1200cm -1, do folhelho não
alterado (RV8), para diferentes temperaturas.
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Figura 7: Espectro de absorção infravermelho, entre 800 e 1200cm -1, do folhelho não
alterado (RV9), para diferentes temperaturas.

A banda de absorção a 935cm -1 devido à deformação OH (3)


desaparece a 600C. A
banda de absorção a 910 cm -1 tem como responsável a vibração do Al-O(OH) da
camada octaédrica(3,6,8). Quando a temperatura cresce, esta banda diminui, em
(6,8)
intensidade, e desaparece a 600C, devido a destruição da camada octaédrica .
Essa banda é mais intensa no folhelho alterado.

CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, pudemos identificar a presença dos grupos hidroxilas


(OH), interno e externo à estrutura do silicato. O folhelho alterado, apresenta essas
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bandas de absorção mais intensa do que o folhelho não intemperizado, devido à


maior presença do argilomineral caulinita, em relação ao argilomineral ilita/mica,
como resultado da ação do intemperismo. Ao aquecermos as amostras, a
desidroxilação das hidroxilas internas e externas não se inicia antes de 400 C e já
está completa em 600C. Os folhelhos argilosos estudados apresentavam caulinita
com diferentes graus de organização. Pudemos observar a vibração Si-O e Si-O-Si
da camada tetraédrica, bandas essas que fundem-se, a partir de 600C, numa única
banda que alarga e desloca-se para regiões de freqüências mais elevadas para
temperaturas maiores; para a folhelho alterado essas bandas são mais intensas.
Observamos ainda a banda de vibração da camada octaédrica Al-O(OH) que diminui
em intensidade e desaparece a partir de 600C, indicando a destruição da camada;
para o folhelho intemperizado essa banda é mais intensa.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES, CNPq, CPq/PROPP-UFMS e SEBRAE/MS


pelo apoio financeiro, e ao Depto de Química/UFMS pelo uso do espectrômetro.

REFERÊNCIAS

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New York, Brisbane, Toronto, Singapore (1995).
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Pergamon Press, Inst.Edt.,(1979).
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6. G.J.Miller, J.Phys. Chem., 65(1961)800.
7.V.Lorenzelli and G.Busca, Mat.Chem.Phys., 13,(1985) 261.
8. H.J. Percival, J.F. Duncan and P.K. Foster, J.Am. Cera. Soc., 57,(1974) 57.
9. Teruo Henmi, Clays Clay Minerals, 29,(1981) 124.
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13.F.Elass and D.Oliver,Clay Minerals, 13,(1978) 299.
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17. P.Souza Santos; - Ciência e Tecnologia de Argilas; 2Ed. Edgard Blucher Ltda,
São Paulo, (1989).
18. A.R.Salvetti; P.C.Boggiani, A.L.Gesicki; Cerâmica 275,(1996) 244.
19. A.R.Salvetti; H.M. Rodrigues; Anais do 42 Congresso Brasileiro de Cerâmica
(1998) a ser publicado.

INFRARED SPECTROSCOPY ON CLAYS FROM MATO GROSSO DO SUL

ABSTRACT

The effect of temperature on infrared absorption bands of two different clay


minerals, from Ponta Grossa Formation on Mato Grosso do Sul State, has been
investigated with a view to identify the thermal transformation occuring between 110
to 1150C. On heating, the dehydroxylation takes place with inner and outer hidroxyl
group, the dehydroxylation is complete around 600 C.

Key words: infrared, clay, dehidroxilation.

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