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ISSN 2177-3548
[1] Pontifícia Universidade Católica, São Paulo | Título abreviado: Estudo experimental da desfusão cognitiva | Endereço para correspondência: Matheus H. S.
Mello, Laboratório de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Rua Bartira, 387, CEP 05009-000 – São Paulo – SP | Email: matheushsmello@gmail.
com | doi: 10.18761/PAC.2021.v12.RFT.15
Revista Perspectivas 2021 Early View RFT Special Volume pp.105-124 105 www.revistaperspectivas.org
Abstract: Relational Frames Theory (RFT) is a behavioral-analytic approach for the study of
verbal behavior. Acceptance and Commitment Therapy (ACT) is a therapeutic philosophi-
cally based on functional contextualism, and conceptually influenced by RFT and basic be-
havioral principles. Despite it said to be based on the RFT, many ACT concepts and terms
lack conceptually consistent definitions and experimental validation. ACT and RFT are part
of an even larger movement, named Contextual Behavioral Sciences (CBS), which proposes
a reticulated model to produce knowledge, in which basic and applied research evolve inde-
pendently, but in continuous interaction. This article discusses the research methods adopted
to define, investigate and approximate one of the main therapeutic techniques of ACT, named
by the middle-level term cognitive defusion, of the basic behavioral processes. The practical
and experimental problems arising from these strategies of investigation are analyzed criti-
cally. Finally, new directions and experimental strategies are proposed for the investigation
and definition of cognitive defusion.
Keywords: Relational Frame Theory; Acceptance and Commitment Therapy; Cognitive
Defusion; Experimental Analysis of Behavior
O presente artigo foi realizado com total apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
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Matheus H. S. Mello, Paola E. M. Almeida 105-124
A Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame que podem ser aplicadas a quaisquer conjuntos
Theory – RFT) é uma proposta comportamental de eventos, mesmo aqueles que não apresentam as
contemporânea para o estudo do comportamento propriedades físicas definidoras da relação (Hayes
verbal (Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001). Para et al., 2001). No presente caso, os diferentes tama-
a RFT, os fenômenos comumente descritos como lin- nhos de objetos. É nesse sentido que o responder
guagem e cognição abrangem eventos comportamen- relacional se torna arbitrariamente aplicável (Hayes
tais que podem ser explicados a partir do conceito et al., 2001; Perez, Nico, Kovac, Fidalgo & Leonardi,
de Responder Relacional Arbitrariamente Aplicável 2013). Por exemplo, ao assistir um filme de heróis
(RRAA), um operante generalizado contextualmen- em que os personagens apresentam a mesma estatu-
te controlado. Em virtude da complexidade e den- ra, um pai diz ao filho que “o batman é maior do que
sidade desta proposta teórica, cuja compreensão é o super-homem”. Posteriormente, ao ser questiona-
imprescindível para as discussões levantadas no pre- do qual é o maior entre ambos os heróis, a criança
sente artigo, é importante deixar claro os princípios pode prontamente se orientar para batman. Aqui, a
fundamentais da RFT. dica maior que foi empregada arbitrariamente pelo
O termo responder relacional diz respeito a um pai com base em convenções sociais, visto que os
comportamento operante sob controle de relações personagens não apresentam características defini-
entre eventos ambientais. Para que este tipo de doras deste tipo de relação; para a criança, esta dica
controle se estabeleça, é necessário um Treino de contextual foi a variável ambiental responsável por
Múltiplos Exemplares, que envolve o reforçamento controlar o estabelecimento, no seu repertório, de
de respostas à propriedades relacionais específi- uma relação de comparação arbitrária entre ambos
cas, presentes na relação entre diferentes conjun- os personagens. Em outras palavras, o padrão de
tos de estímulos. Por exemplo, é possível reforçar responder relacional contextualmente controlado
a resposta de uma criança de apontar ao maior de de comparação foi arbitrariamente aplicado à um
diferentes pares de objetos sempre que um adulto conjunto de estímulos, independente das suas ca-
demanda que escolha o maior. Após um histórico racterísticas formais.
de reforçamento consistente desse tipo, a criança Segundo Hayes et al. (2001), a comunidade
pode apontar para o maior de um conjunto com- verbal sustenta contingências que consistentemen-
pletamente novo de objetos assim que solicitado, te evocam e fortalecem respostas relacionais arbi-
indicando que o seu responder ficou sob controle trárias tanto unidirecionais (e.g. palavra→objeto)
da relação “maior que” – uma propriedade que não quanto bidirecionais (e.g. objeto→palavra) aos mais
existe isoladamente, mas apenas enquanto parte de diversos eventos ambientais. Em virtude do treino
relações entre eventos. direto deste responder bidirecional à inúmeros es-
O comportamento exemplificado acima ainda tímulos, respostas relacionais bidirecionais podem
não é o foco da RFT, pois trata-se um responder re- ser derivadas, sem reforçamento explicito, a partir
lacional não-arbitrário, uma vez que os anteceden- do treino de respostas unidirecionais à novos con-
tes controladores consistem em relações formais juntos de estímulos. O produto desse histórico de
entre estímulo. Dada a exposição às contingências reforçamento não é apenas o fortalecimento de ins-
adequadas, respostas relacionais podem ficar sob tâncias específicas de respostas relacionais, mas sim
controle discriminativo de outras variáveis am- do operante generalizado de responder a relações
bientais presentes ao longo da história de reforça- arbitrárias entre eventos (RRAA) sem treino explí-
mento, cunhadas de dicas contextuais, de tal forma cito (Hayes et al., 2001; Perez et al., 2013).
que a sua ocorrência deixa de depender unicamente O RRAA é definido pelas propriedades con-
das propriedades formais de conjuntos de estímu- textualmente controladas de (i) implicação mútua
los. No exemplo anterior, maior que pode adquirir (se A está relacionado com B, implica-se que B
controle contextual sobre o responder à esse tipo está mutuamente relacionado com A), (ii) implica-
de relação de comparação. Uma vez estabelecido o ção combinatória (as relações mútuas A-B e B-C
controle contextual, as dicas contextuais podem ser podem ser combinadas, implicando uma terceira
utilizadas para se estabelecer relações arbitrárias, relação mútua A-C), e (iii) transformação de fun-
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ção (as funções comportamentais de estímulos são portamento de “emoldurar estímulos relacional-
modificadas de acordo com as relações das quais mente” (Hayes et al., 2001, p. 45, tradução nossa).
participam). No que diz respeito à sua regulação No mesmo sentido, estímulos verbais são entendi-
ambiental, o RRAA é sensível a duas formas de dos como estímulos cujas funções comportamen-
controle antecedente, descritas como contexto re- tais foram derivadas em virtude da sua participação
lacional e contexto funcional. Por contexto relacio- em molduras relacionais (Hayes et al., 2001).
nal entende-se as variáveis controladoras do tipo A RFT permite, assim, explicar de que manei-
de relação estabelecida entre eventos; por exemplo, ra eventos ambientais adquirem indiretamente
em “Sócrates é maior que Platão”, a palavra maior funções comportamentais, independente de ex-
que controla o estabelecimento de uma relação de posição direta às contingências operantes ou res-
comparação arbitrárias entre Sócrates e Platão. Por pondentes: enquanto contextos relacionais podem
outro lado, o contexto funcional se refere ao con- controlar o estabelecimento e derivação de novas
trole contextual sobre a transformação de função relações mútuas e combinatórias entre estímulos,
entre estímulos. Por exemplo, em “imagine a tem- contextos funcionais podem controlar a aquisição
peratura de sorvete”, a palavra sorvete está relacio- de diferentes funções por estes estímulos, em con-
nada ao alimento em si, mas não compartilha de formidade com a natureza das relações que partici-
todas as suas funções evocativas – e.g. a resposta de pam (Blackledge & Drake, 2013; Hayes et al, 2001;
morder ocorre frente ao alimento, mas não à pala- Hayes et al., 2012a). A RFT é, portanto, um ins-
vra. O enunciado imagine a temperatura seria um trumento teórico promissor para a investigação de
contexto responsável por selecionar a transforma- aspectos singulares do ser humano, principalmen-
ção das funções táteis do alimento para a palavra – te daqueles envolvidos no comportamento verbal,
sensação térmica, e não outras (Hayes et al., 2001; como a possibilidade de responder à estímulos
Hayes, Strosahl & Wilson, 2012a ). Nota-se assim sem nunca tê-los experienciados anteriormente, o
que a relação estabelecida entre estímulos depende fenômeno da insensibilidade às contingências de
do tipo de contexto relacional, enquanto as funções reforçamento e o treino necessário para que o ou-
transformadas a partir destas relações depende do vinte compreenda e responda ao comportamento
contexto funcional em vigor. do falante (Hayes et al., 2001).
O termo “Moldura Relacional” foi empregado Sob influência da RFT, a Terapia da Aceitação
para descrever padrões específicos deste operante e Compromisso (Acceptance and Commitment
generalizado pois, metaforicamente, assim como Therapy – ACT) concebe que o sofrimento psico-
uma moldura pode ser aplicada a diferentes pintu- lógico tem como uma das principais fontes o con-
ras, uma resposta relacional sob controle contextual trole do comportamento por funções de estímulos
pode ser aplicada a diferentes conjuntos de estímu- derivadas (Blackledge & Drake, 2013; Hayes et al.,
los. Molduras Relacionais, portanto, são as diferen- 2012a). Conforme a concepção de psicopatologia
tes classes de respostas relacionais arbitrárias, defi- da ACT, a função aversiva de muitos estímulos,
nidas pelas variáveis contextuais que as controlam. públicos e privados, pode ter sido adquirida não
Estas classes envolvem relações de coordenação só via experiência direta, mas também derivada
(e.g. igual a), oposição (e.g. contrário de), distinção de relações complexas e extensas, estabelecidas
(e.g. diferente de), comparação (e.g. maior que), hie- verbalmente com outros estímulos. As funções de
rárquicas (e.g. parte de), temporalidade (e.g. antes estímulo aversivas derivadas poderiam sobrepor
de), espacialidade (e.g. acima de), condicionalidade outras fontes de controle ambiental, fortalecendo
(e.g. Se...Então), e relações dêiticas (e.g. Aqui-Lá) repertórios de esquiva generalizadas – que, por sua
entre estímulos (Hayes et al., 2001). vez, implicaria no distanciamento de reforçadores
Em resumo, o RRAA é um operante generali- positivos importantes ao indivíduo, potencializan-
zado, enquanto molduras relacionais são os padrões do o sofrimento individual. Nesse sentido, o mo-
específicos deste operante. Acrescenta-se ainda que, delo de tratamento adotado pela ACT envolve, de
conforme a proposta da RFT, o conceito de compor- maneira geral, intervenções direcionadas à (i) redu-
tamento verbal passa a ser definido como o com- zir o controle problemático por funções derivadas
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sobre o comportamento, (ii) fortalecer o controle devido à distância da pesquisa básica e de técnicas
por regras que descrevem reforçadores relevantes de investigação precisas, está mais sujeito à adoção
ao cliente, e (iii) construir repertórios consistentes de explicações confusas e imprecisa, e cuja efeti-
com estas regras (Blackledge & Drake, 2013; Hayes vidade ainda merece ser testada (Barnes-Holmes,
et al., 2012a). Conforme o modelo atual da ACT, Hussey, McEnteggart, Barnes-Holmes & Foody,
suas intervenções são divididas em seis compo- 2016; Hayes et al., 2012b). Como uma alternativa
nentes: aceitação, desfusão cognitiva, contato com a ambas as estratégias, a CBS propõe a adoção do
o momento presente, self-como-contexto, valores, denominado modelo reticulado – o qual, por sua
e ações comprometidas (Blackledge e Drake, 2013; vez, encoraja tanto a continua produção no domí-
Hayes et al., 2012a). nio aplicado, independente da ausência de respaldo
conceitual e empírico para tecnologias desenvolvi-
das, quanto no domínio básico, independente de
RFT e Ciências Comportamentais utilidade aplicada imediata. Concomitantemente
Contextuais: Propostas e desafios ao desenvolvimento individual, encoraja-se esfor-
para o desenvolvimento da área ços na integração e aprimoramento mútuo entre
ambos os domínios (Barnes-Holmes et al., 2016;
Além das relações teóricas e práticas discutidas, a Levin et al., 2016).
RFT e a ACT integram um campo da ciência ain- Adicionalmente, a ciência proposta pela CBS
da maior, denominado Ciência Comportamental evolve a adoção dos chamados termos médios (e.g.
Contextual (Contextual Behavioral Science – CBS). fusão cognitiva, aceitação, self-conceitual): termos
A CBS define-se como uma estratégia para o desen- com (i) um menor grau de precisão, (ii) baseados
volvimento científico e prático das ciências com- em princípios básicos, que descrevem (iii) con-
portamentais, tendo como fundamento filosófico o juntos de relações funcionais, e que (iv) orientam
contextualismo funcional (Hayes, Barnes-Holmes, a aplicação de técnicas específicas (Hayes et al.,
& Wilson, 2012b; Levin, Twohig, & Smith, 2016 ). 2012b). Todos os componentes da ACT são des-
Apesar das influências iniciais do behaviorismo critos por conceitos desta natureza. A utilização de
radical, os proponentes da CBS argumentam que uma terminologia de nível médio, defendem Hayes
o movimento possui características próprias, como et al. (2012b), é uma prática considerada adequa-
a grande ênfase no estudo de processos verbais, da e encorajada pela CBS, pois, além de alinhada
pesquisa básica com participante humanos e visão à proposta de uma estratégia reticulada, o menor
contextualista do comportamento. Essas carac- grau de precisão conceitual dos termos médios se-
terísticas, argumentam seus proponentes, seriam ria compensado pelo valor pragmático em orientar
diferentes às da Análise do Comportamento – o a prática de terapeutas pouco familiarizados com
suficiente para justificar uma cisão e a constituição princípios comportamentais básicos. Os termos
de uma ciência independente (Hayes et al., 2012b). médios, portanto, permitiriam que terapeutas apli-
Tal separação envolveria ainda a adoção de uma quem técnicas e produzam mudança de compor-
forma de interação diferente entre os domínios de tamento, mesmo que não compreendam concei-
pesquisa básica e aplicada descritos como estraté- tos básicos da ciência que respalda as técnicas que
gias top-down e bottom-up. As estratégias bottom- aplicam (Barnes-Holmes et al., 2016; Hayes et al.,
-up permitem o desenvolvimento de conceitos 2012b; Levin et al., 2016).
mais precisos e com maior grau de rigor conceitual Uma vez que a estratégia reticulada encoraja a
construído a partir de dados resultantes da pesqui- interação constante entre os diferentes domínios, a
sa básica; por outro lado, a sua evolução é lenta e utilização de termos médios pela ACT – dimensão
muitas vezes distante de fenômenos clinicamente aplicada – traria a necessidade investigações expe-
relevantes. Já a estratégia top-down envolve uma rimentais e conceituais direcionadas à refinar a pre-
maior ênfase em fenômenos complexos, permitin- cisão destes termos – dimensão básica. Da mesma
do o desenvolvimento de tecnologias e conceitos forma, desenvolvimentos empíricos da RFT contri-
para lidar com as demandas clínicas; entretanto, buiriam com a criação de novas técnicas clínicas
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terpretações aparentarem coerência com a termi- capaz de relacionar as variáveis independentes ma-
nologia básica, argumentam os autores, não con- nipuladas aos conceitos básicos (Guilhardi, 2002;
duzem, necessariamente, à análises experimentais Michael, 1980). Problemas práticos decorrentes
do responder relacional. Por exemplo, até o presen- de imprecisões conceituais já foram denunciadas
te momento, não existe nenhuma pesquisa básica por autores contemporâneos. Barnes-Holmes et
análoga que reproduza e permita observar direta- al. (2016) apontam para uma frequente confusão
mente o responder relacional descrito na definição por parte de praticantes de ACT em relação à di-
de desfusão cognitiva discutida acima. Conforme ferenciação da desfusão enquanto procedimento,
será discutido à diante, existem pesquisas dedi- processo e resultado. Um exemplo de circularida-
cadas à verificação experimental de estratégias de de decorrente dessa confusão seria o caso em que
desfusão sem, entretanto, possibilitar a reprodução um clínico identifica que o cliente se encontra “fu-
de relações sistemáticas entre responder relacional sionado” com pensamentos negativos, e, portanto,
e manipulações contextuais alinhadas a conceitu- utiliza técnicas de desfusão (procedimentos) para
alização da estratégia. As definições de Blackledge ativar o processo de desfusão e então produzir
e Barnes-Holmes (2009), embora coerente com um repertório desfusionado (resultado). Uma vez
os princípios da RFT, parece não ter despertado a que um mesmo termo é utilizado para se referir
curiosidade de pesquisadores básicos em delinear a diferentes fenômenos, a descrição do que é ma-
experimentos capazes de validar empiricamente o nipulado e o que é modificado perde a coerência
conceito. É nesse sentido que Barnes-Holmes et al. conceitual e assume a circularidade. Definir pre-
(2016) defendem o posicionamento de que a evolu- cisamente, em conformidade com o jargão teórico
ção de uma ciência não pode se basear unicamente e experimental adotado, à quais processos, proce-
em interpretações dos fenômenos clínicos descritos dimento ou resultados um termo médio se refere
por termos médios através de outros termos funcio- é de relevância prática – e a pesquisa básica é um
nalmente precisos: “Interpretações da RFT que per- caminho para cumprir esta tarefa.
manecem nada além de interpretações, têm pouco Levin e Villatte (2016) apontam para duas di-
mais a oferecer do que confiar exclusivamente em reções tomadas pelos estudos de laboratório, con-
termos médios RFT.” (p. 377, tradução nossa). Em forme orientados pela proposta da CBS, voltados
resumo, ainda que a interpretação possibilite uma à aproximação entre termos médios e processos
definição do conceito utilizado pelo cientista de comportamentais básicos.
maneira coerente com os princípios básicos, a dis- Em primeiro lugar, encontram-se as pesquisas
tância entre dados experimentais e os termos mé- dedicadas à verificar, em contexto experimental, se
dios permanece. estratégias de intervenção que compõe o modelo da
ACT apresentam efeitos consistentes com o modelo
teórico subjacente. Estudos dessa natureza podem
Investigação Experimental ser entendidos como uma aproximação entre as di-
mensões aplicada e experimental de produção de
Voltar a atenção à pesquisa básica afim de esclare- conhecimento. De maneira geral, o delineamen-
cer empírica e conceitualmente a qual fenômeno to destas pesquisas envolve seleção e aplicação de
os termos médios se referem não se limita a uma componentes terapêuticos isolados ou em combi-
preocupação puramente teórica. Confusão na teo- nações específicas, e a verificação dos seus efeitos
ria, afirma Skinner (1953/2003), implica em con- sobre (i) comportamentos clinicamente relevantes,
fusão na prática, e as confusões conceituais por quando mais próximas do continuum aplicado, ou
parte dos praticantes prejudicam ainda mais o de- sobre (ii) análogos clínicos ou medidas de proces-
senvolvimento de novas aplicações tecnológicas. sos, quando mais próximas do continuum básico
Por exemplo, o praticante pode utilizar-se de um – estes, têm sido denominados, na literatura, de
procedimento efetivo em produzir mudança com- análogos experimentais.
portamental; entretanto, a generalidade dos resul- A literatura conta com uma grande variedade
tados é comprometida quando o terapeuta não é de produções de pesquisas análogas, vinculadas
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operante, foi estabelecida função aversiva e evoca- todos os casos, trata-se de variáveis independentes
tiva para uma resposta de esquiva ao estímulo B1, cujo grau de complexidade vai além daquele que se
seguido por um teste de transferência de função busca na pesquisa básica.
para C1. Aqui, as respostas de esquiva derivada ao A ausência de controle histórico e experimental
estímulo C1 foram consideradas análogas à esquiva sobre a variável independente não permite identi-
experiencial de um evento verbal, devido à fusão ficar precisamente quais funções comportamentais
cognitiva. Na fase experimental, um dos grupos de a variável assume, qual dos seus aspectos foram
participantes recebeu um protocolo adaptado do responsáveis pelas mudanças comportamentais
exercício de desfusão de repetição de palavras. Os que se seguem, e quais são os processos básicos em
participantes foram instruídos a repetir a palavra curso desencadeados pelo procedimento. Com isso,
“milk” e, em seguida, fazer o mesmo exercício com o uso dessas estratégias clínicas enquanto variável
C1 (no caso, uma palavra sem sentido) por sete independente em estudos análogos pode implicar
minutos e meio. Por fim, verificou-se os efeitos do não só em falhas na identificação dos processos
procedimento sobre a ocorrência esquiva derivada comportamentais, como também em imprecisões
em uma segunda exposição ao estímulo C1. O es- quanto à quais processos se devem os resultados
tudo de Donati et al. (2019) destaca-se pelas esco- comportamentais obtidos.
lhas metodológicas: pode-se dizer que os procedi- Uma outra direção tomada pelas pesquisas de
mentos empregados consistiram em um esforço em laboratório são investigações experimentais dire-
“construir” totalmente a variável dependente. cionadas à aproximação entre fenômenos clínicos
Ainda assim, a utilização de medidas ou mes- e princípios comportamentais básicos (Levin &
mo padrões de comportamentos construídos em Villatte, 2016). Estudos deste tipo partem do pressu-
laboratório não é suficiente para permitir, aos aná- posto de que o fenômeno básico experimentalmen-
logos experimentais, a verificação de processos te estudado está vinculado à fenômenos complexos
comportamentais básicos quando as variáveis in- observados em situações práticas. Em relação às
dependentes não apresentam o mesmo cuidado de escolhas metodológicas, há um grande cuidado em
controle experimental em relação à sua construção. garantir o completo controle experimental tanto
Por exemplo, Gil-Luciano et al. (2017) buscaram sobre as variáveis manipuladas, quanto pela men-
verificar o efeito de um protocolo de desfusão com suração precisa do comportamento de interesse,
molduras dêiticas ou hierárquicas sobre a tolerân- condições estas que não podem ser atingidas pe-
cia na pressão ao gelo e tempo de exposição a um las pesquisas translacionais, de processo-resultado
filme aversivo. O protocolo apresentado ao grupo e estudos de componente (Levin & Villatte, 2016).
experimental envolveu uma interação de aproxi- De acordo com Dymond et al. (2013), tais estudos
madamente 20 a 30 minutos, no qual o experi- envolvem procedimentos para o treino e derivação
mentador passou instruções ao participante, como de redes relacionais, bem como para a transforma-
imaginar-se maior que a dor, encontrar um lugar ção de funções de estímulos a fim a estabelecer ou
para dor, etc. Aqui, o controle experimental foi modificar um responder análogo ao tratamento de
prejudicado pois as funções comportamentais em comportamentos clinicamente relevantes. Como
vigor em cada parcela das frases apresentadas não aponta Dymond et al. (2013), ainda há uma quan-
foram construídas em laboratório; os experimen- tia limitada de pesquisas dessa natureza, cujo foco
tadores inferiram, a partir do uso cotidiano, que os principal consiste em análogos de medo e esquiva.
termos utilizados (imagine-se maior que) funcio- Um exemplo é o trabalho de Roche, Kanter,
nariam como dicas contextuais para o responder Brown, Simon e Fogarty (2008), na qual os autores
dêitico e hierárquico. As mesmas questões também buscaram comparar o efeito do procedimento de
estão presentes no estudo de Donati et al. (2019): extinção de esquiva de funções adquiridas direta-
apesar do elevado grau de controle experimental mente ou por derivação. Para estabelecer o com-
sobre a variável dependente, os autores utilizaram, portamento de esquiva análogo, inicialmente, os
como variável independente, um procedimento participantes passaram por um treino no qual foi
desfusão derivado de um protocolo clínico. Em estabelecida uma rede relacional entre cinco estí-
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mulos (B1 igual C1; B2 igual C2; B1 oposto C2 e B1 Direções para a Pesquisa
oposto C1). Em seguida, foi estabelecida a função Experimental
evocativa de esquiva para B1, e verificou-se a de-
rivação da função para o estímulo C1. Os partici- Se, conforme postula Hayes et al. (2012b), uma
pantes foram divididos em dois grupos: o primeiro, completa abordagem científica exige “um esforço
passou por um procedimento de extinção diante constante para que os termos médios sejam gradu-
B1 (extinção direta); o segundo grupo foi exposto almente ancorados em abordagens mais técnicas”
à extinção diante C1 (extinção derivada). Em se- (p.7), então uma direção promissora para investi-
guida, os participantes foram expostos novamente gações futuras é o retorno à pesquisa básica, à for-
aos estímulos B1 e C1. Como resultado, a condição ma de produção de conhecimento originalmente
extinção derivada produziu menor porcentagem de proposto pela Análise do Comportamento. Com
esquivas para B1 e C1 do que a condição direta. efeito, existe um grande volume de pesquisas ex-
O que se destaca no estudo de Roche et al. (2008) perimentais rigorosas demonstrando os princí-
diz respeito à seleção e controle experimental sobre pios mais básicos da RFT – implicação mútua e
as variáveis manipuladas. Os pesquisadores garanti- combinatória, transformação de funções –; o que
ram a reprodução análoga em laboratório tanto de é criticado é a ausência de estudos de laboratório
uma intervenção – exposição – quanto de um com- que demonstrem relações confiáveis entre variáveis
portamento clinicamente relevante – esquiva a fun- independente e dependentes na investigação dos
ções aversivas diretas ou derivadas, característica do processos envolvidos em intervenções teoricamen-
quadro de ansiedade. Ademais, apesar da pesquisa te baseadas na RFT.
não se propor de antemão ao estudo da desfusão, a Dymond et al. (2013) defendem um “padrão
partir dos dados obtidos, levantou-se a hipótese de ouro” para a pesquisa experimental acerca do res-
que os exercícios de desfusão cognitiva constituídos ponder relacional envolvido em intervenções clí-
por repetição de palavras (e.g. “milk, milk, milk”) nicas ou psicopatologias: a condução de estudos
envolveriam os processos investigados neste estudo. cuidadosamente planejados, de tal forma que o
Isto é, repetição de palavras – pensamentos desa- delineamento experimental permita o “completo
gradáveis – corresponderia a um procedimento de controle experimental sobre o próprio processo
extinção das funções aversivas derivadas adquiridos relacional, durante a emergência e tratamento aná-
por este estímulo; com isso, a extinção é transferi- logo de comportamentos clinicamente relevantes”
da para demais estímulos relacionados à palavra, as (p. 201, tradução nossa). Os autores propõem que
quais deixam de exercer o controle derivado. pesquisas deste tipo utilize procedimentos para o
Apesar de desempenhar um papel relevante treino e derivação de redes relacionais e transfor-
tanto na prática terapêutica quanto na própria his- mações de função, tanto para o estabelecimento
tória da ACT, a desfusão cognitiva tem ganhado, quanto diminuição de comportamentos análogos
no campo da pesquisa de laboratório, muito mais aos processos psicopatológicos.
atenção em pesquisas de eficácia de componentes No que tange às direções para a pesquisa expe-
do que em tentativas de esclarecimento dos pro- rimental, o que o presente artigo propõe é voltar
cessos comportamentais básicos envolvidos nesta o foco a investigações experimentais dos eventos
intervenção. O excesso de estudos do primeiro tipo referidos pelos termos médios e demais definições
e a ausência do segundo implicam na sustentação interpretativas por meio de análogos de fenômenos
de uma técnica “efetiva”, mas cujos mecanismos e intervenções clínicas, delineados de tal forma que
responsáveis pela efetividade permanecem desco- seja garantido o completo e rigoroso controle expe-
nhecidos. Ainda que disponha de interpretações da rimental sobre as variáveis dependentes e indepen-
RFT para a desfusão cognitiva, a literatura ainda dentes. Como já foi discutido acima, a literatura já
carece de estudos empíricos planejados com deli- conta com um extenso engajamento na condução
neamentos que permitam esclarecer, em termos de de análogos experimentais dedicados à investigação
princípios básicos, as relações funcionais relaciona- de procedimentos clínicos sobre análogos de com-
das ao termo.
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o controle experimental, estas escolhas metodoló- mentar à análise individual e gráfica; como afirma
gicas são justificadas e contribuem com o objetivo Andery (2010), “o problema existe quando e se a
do estudo. Por exemplo, em análogos de desfusão quantificação tornar o grande objetivo da pesqui-
com delineamentos entre sujeitos, testes estatísticos sa (p. 332)”. O objetivo da pesquisa experimental
são imprescindíveis para que se verifique se, após as sempre é a descrição de relações funcionais entre
manipulações, os valores assumidos pelas variáveis variáveis independente e dependentes, e os dados
dependentes foram estatisticamente diferentes en- obtidos através da análise estatística são comple-
tre os grupos controle e experimental. mentares, e não substitutos aos dados gráficos.
Por outro lado, é importante apontar algumas No que diz respeito à seleção e descrição das
das limitações destas metodologias quando o inte- variáveis dependentes e independentes, a pesqui-
resse do pesquisador está na observação de parti- sa de Roche et al. (2008) citada acima é um bom
cularidades de processos comportamentais básicos. exemplo do controle rigoroso proposto para o es-
Nestes casos, defende-se uma preferência pelo deli- tudo do responder relacional. Até a presente data,
neamento de sujeito único. Relações comportamen- nenhum análogo direcionado à investigação dos
tais são fenômenos que ocorrem em organismos processos básicos envolvidos na desfusão cognitiva,
individuais, e nenhum organismo responde exa- conhecido pelos autores, seguiu o mesmo nível de
tamente da mesma forma às condições a que está controle experimental em relação às variáveis in-
exposto (Andery, 2010; Johnston & Pennypacker, dependente e dependente atingido por Roche et al.
2009). A observação dessas relações, portanto, (2008) no estudo dos processos básicos envolvidos
pode ser facilitada através do delineamento de su- na exposição.
jeito único, uma vez que permite produzir dados A pesquisa de desfusão que mais se aproximou
acerca de variações do responder de um mesmo do padrão ouro proposta por Dymond et al. (2013)
indivíduo conforme exposto à diferentes valores da foi, como já discutido, o experimento de Donati
variável independente. (2019). A variável dependente, assim como na pes-
Em relação ao tratamento dos dados, a estatís- quisa de Roche et al. (2008), foi uma resposta de
tica inferencial pode informar ao experimentador esquiva sob controle de funções derivadas adquiri-
se a variável independente afeta a variável depen- das por um estímulo por participar de uma classe
dente, ou em que medida ambas estão relacionadas; de equivalência. Entretanto, os autores falharam
entretanto, o interesse da pesquisa experimental vai em construir experimentalmente uma variável in-
além: diz respeito a observar as mudanças no fluxo dependente análoga, recorrendo à um protocolo
comportamental e a avaliar mudanças e estabili- clínico (exercício de repetição de palavras).
dades ao longo do tempo (Andery, 2010; Hopkins, Um análogo experimental padrão ouro exi-
Cole, & Mason, 1998). As variáveis manipuladas giria construir em laboratório tantos as variáveis
sempre afetam o comportamento de indivíduos, dependentes quanto independentes análogas ao
e limitar os dados ao tratamento estatístico não fenômeno de interesse, e investigar suas relações
permite que o experimentador identifique de que funcionais em delineamentos de sujeito único. Um
maneira o responder foi modificado ao longo de di- estudo coerente com a presente proposta envolveria
ferentes condições. Em contrapartida, o tratamento não só a reprodução de um análogo do comporta-
gráfico de dados obtidos via delineamento de su- mento de esquiva derivada, mas também, ao invés
jeito único, no qual o mesmo organismo é exposto da aplicação de uma estratégia clínica, um análogo
à condição controle e experimental, permite que o experimental das variáveis manipuladas nos pro-
experimentador observe cuidadosamente as alte- cedimentos de desfusão. Se, conforme a definição
rações na regularidade e nas dimensões compor- de Blackledge e Barnes-Holmes (2009), a desfusão
tamentais que seguem às manipulações (Andery, se refere ao procedimento de manipulação de uma
2010; Johnston & Pennypacker, 2009; Sampaio et condição contextual controladora da transforma-
al., 2008; Velasco et al., 2010). Não se propõe, con- ção de função, é esta variável que deve ser constru-
tudo, um abandono completo da estatística, mas ída em um estudo análogo. O experimento como
sim a sua utilização enquanto recurso comple- um todo consistiria em inserir e retirar esta condi-
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ção contextual, e verificar as mudanças – processos poladas de pesquisas básicas, e pouca efetividade
e resultados – que se seguem em uma resposta de em orientar pesquisas experimentais básicas (Assaz
esquiva derivada. Atualmente, os presentes autores et al., 2018; Barnes-Holmes et al., 2016; Dymond et
têm conduzido estudos nesta direção. al., 2013).
Partindo de tais argumentos, propõe-se que
uma direção, no campo da pesquisa básica, para
Considerações finais que termos médios atinjam maior grau de precisão
é a investigação experimental dos princípios com-
O modelo reticulado de investigação científica pro- portamentais envolvidos em questões aplicadas
posto pela CBS diverge da forma de produção de – procedimentos e fenômenos clínicos –, através
conhecimento originalmente adotado pela Análise da condução de pesquisas alinhadas aos cuidados
do Comportamento. O objetivo principal do pre- metodológicos originais à Análise Experimental
sente artigo consistiu em discutir as fragilidades do Comportamento: delineamentos de sujeito úni-
decorrentes da forma como o modelo reticulado co, ênfase no controle rigoroso e na mensuração a
foi colocado em prática no que tange à investigação partir da observação direta das variáveis indepen-
dos princípios comportamentais básicos estudados dentes e dependentes, descrições conceitualmente
pela RFT, no desenvolvimento tecnológico da ACT, consistentes das relações funcionais sistemáticas
e das interações teórico-experimentais entre ambos observadas, e preferência pela análise gráfica ao in-
os domínios. É importante enfatizar que estas fra- vés do tratamento estatístico de dados (Johnston &
gilidades não são características intrínsecas à pro- Pennypacker, 2009; Sidman, 1960) . Nas pesquisas
posta conceitual de um modelo reticulado, mas sim de processos básicos da RFT, tal preocupação nun-
derivações da forma como foi colocado em prática: ca esteve ausente; o que se enfatiza aqui é a impor-
em tese, o modelo propõe uma interação constante tância de estendê-la também ao estudo dos proces-
entre as dimensões teórica, básica e aplicada – mas sos básicos subjacentes a intervenções e fenômenos
esta interação não tem sido efetivamente praticada. clínicos.
As principais fragilidades destacadas foram o Os impactos das propostas e esforços da CBS
distanciamento entre os procedimentos da ACT e a na psicologia é inegável. Entretanto, ao decla-
base teórico-experimental da RFT, e a consequente rar a sua independência, a CBS também deixou
falta de precisão dos termos médios. No que diz res- para trás aspectos característicos da Análise do
peito à desfusão cognitiva, a falta de precisão é um Comportamento, pois este seria o custo para o de-
resultado do emprego da estratégia reticulada desde senvolvimento de uma “ciência comportamental
o princípio da sua formulação. Cronologicamente, mais adequada aos desafios da condição humana.”
em sua origem, tratava-se de um procedimento su- (Hayes et al., 2012b, p.15, tradução nossa). Além
postamente efetivo – o distanciamento cognitivo –, de contribuir com a disseminação e adoção de tec-
mas alheio aos pressupostos behavioristas radicais, nologias comportamentais por novos praticantes, é
uma vez que originado enquanto parte de uma te- importante lembrar que esta cisão também contri-
rapia cognitiva; o procedimento foi então ampliado buiu com a perda da precisão e rigor conceitual na
e reinterpretado de acordo com princípios analíti- produção de conhecimentos, teóricos e experimen-
co-comportamentais skinnerianos; posteriormen- tais, acerca de fenômenos comportamentais.
te à produção de evidências empíricas da RFT, a É importante deixar claro que a posição assu-
desfusão foi novamente reinterpretada nos termos mida no presente artigo não é a de que a pesquisa
do responder relacional arbitrariamente aplicável. de processos básico, independentemente de qual-
Como resultado, as problemáticas decorrentes das quer diálogo com as demais áreas, seja suficiente
imprecisões da desfusão cognitiva envolvem a refe- para resolução de demandas práticas – mas é consi-
rência à procedimentos diversos, confusão a respei- derada imprescindível. O ponto central foi enfatizar
to dos mecanismos através dos quais atua, circulari- cuidados metodológicos e direções para o estudo
dade ao ser utilizada para se referir à procedimento, experimental de fenômenos e intervenções clínicas,
processo e resultado, definições imprecisas e extra- a fim de aumentar a precisão de termos médios e a
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confiabilidade das relações funcionais supostamen- and REC model to a multi-dimensional multi-
te referidas por esses termos. Nesse sentido, suge- -level framework for analyzing the dynamics
re-se que um rumo mais promissor para garantir of arbitrarily applicable relational responding.
a reticulação almejada pela CBS envolve esforços Journal of Contextual Behavioral Science, 6(4),
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Informações do Artigo
Histórico do artigo:
Submetido em: 26/11/2020
Primeira decisão editorial: 13/04/2021
Aceito em: 02/08/2021
Editor: William F. Perez
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