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Matéria: literatura

Assunto: modernismo - graça aranha


Prof. IBIRÁ
Literatura

GRAÇA ARANHA (1868-1931)


Obras: Canaã (1902) e A Estética da Vida (1921)
•• Romance de tese, romance-ensaio
•• Justificação da imigração (Mikau e Lentz)
•• A integração “cósmica” do imigrante com a realidade brasileira
•• A visão otimista do futuro brasileiro
•• Linguagem retórica, com acentos impressionistas

À semelhança de Os Sertões, também Canaã agitou os círculos letrados do país quando de sua
publicação, em 1902. Tratava-se de um tipo de romance desconhecido entre nós: o romance-
ensaio, o romance de tese. Nele, dois imigrantes alemães, Mikau e Lentz, recém chegados ao
interior do Espírito Santo (onde trabalharam como colonos) emitem as suas teorias sobre o
papel da imigração sobre o atraso brasileiro e sobre o próprio sentido da vida.
Como romance, Canaã é um fracasso. Prejudica-o não só o caráter de ensaio, como também a
ausência de nexo real entre muitos episódios que se tomam gratuitos. O debate entre Mikau e
Lentz sobre a função do imigrante talvez guarde certo interesse. Vê-se aí a ideologia justificatória
da imigração. Mas, quando as ideias sociais resvalam para o campo da argumentação metafísica,
o malogro literário parece ampliar-se.
Ressalta-se, por fim, a sua participação da Semana de Arte Moderna, da qual foi um dos líderes,
embora por sua retórica cientificista estivesse mais ligado aos modelos do século XIX.

CANAÃ
O personagem Milkau
Milkau representa o otimismo, a confiança no futuro do Brasil e na força regeneradora do amor
universal. A maneira de Tolstói, Milkau prega a integração harmônica de todos os povos na
natureza-mãe, revelando um evolucionismo humanitário. É um humanista saudoso do gênio
livre e individualista da Alemanha. Por isso deplora o desmoronamento da tradição da cidade
brasileira invadida por colônias estrangeiras e sonha com a “ligação do homem ao homem” e
com a realização da liberdade.
Milkau não se limita à defesa de ideias abstratas. Seu humanismo desdobra-se em ação quando
passa a proteger Maria, jovem colona, expulsa pelos patrões quando estes a sabem grávida,
vindo a dar à luz em trágica situação.
Após salvar Maria, libertando-a do cárcere onde estava por ter sido acusada de matar o próprio
filho (na verdade Maria tem o filho devorado por uma vara de porcos), Milkau foge, juntamente
com Maria, em direção a outros horizontes, numa “corrida no Infinito”, em busca da luminosa
Canaã, a Terra Prometida, “onde as feras não fossem homens”, onde a vida não seja uma
competição de ódios mas uma conquista de amor.
Visto desta maneira, Canaã é o poema das raças novas, da miscigenação das raças, de onde
nascerá a perfeita harmonia universal.

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Literatura – Prof. Ibirá Costa

O personagem Lentz
Lentz é um adepto das teorias racistas. Para ele, os brasileiros, por serem mestiços, estão
condenados à dominação por parte de raças “superiores”. Lentz profetiza a vitória dos arianos,
enérgicos e dominadores, sobre o brasileiro fraco e indolente. Suas ideias deixam entrever a
filosofia de Nietzsche e o evolucionismo de Darwin.
Para Lentz, renovar o Brasil é cobri-lo com os corpos humanos da raça superior, demonstração
representativa do colonialismo agressivo, ou seja, imperialismo, calorosamente discutido com
alusões estéticas.

“A lei do amor” x “A lei da força”


Assim, podemos ver que Milkau e Lentz representam duas ideologias postas em debate. E o
contraste entre o universalismo (Milkau) e o racismo (Lentz), entre a “lei do amor” (Milkau)
e a “lei da força” (Lentz). Justamente neste ponto, Canaã  adquire maior importância para a
Literatura Brasileira, pois o romance de confrontação ideológica era inédito entre nós, e
antecipou a tomada de consciência dos modernistas.
Na verdade, Graça Aranha, com Canaã, apresenta tópicos que serão desenvolvidos mais tarde
em A Estética da Vida, de 1921. O brasileiro terá de vencer o Terror Cósmico, superar o lírico
individual e atingir a poesia do cosmos unitário, numa identificação de consciência e universo.
Graça Aranha toca, portanto, no ponto vital das discussões do início do século XX: a campanha
por uma estética nacional assimilada na consciência universal, Este era o debate do dia-a-
dia: a nacionalidade brasileira, vista e analisada profundamente, opondo-se ao ufanismo e ao
patriotismo superficial.

A estrutura romanesca e a linguagem


Muitos têm afirmado que a extrema preocupação de Graça Aranha em discutir ideias (Canaã é,
na verdade, um romance de ideias) prejudicou a composição ficcional (literária) propriamente
dita. José Guilherme Merquior acusa a má intervenção do pensamento, da tese, na matéria
narrada. A dimensão realista do livro é incompatível com a sua dimensão explicativa. Daí
resultaria uma certa deficiência estrutural da obra. O ardente desejo de explicar o “objetivismo
dinâmico” leva o autor a fazer “filosofia ficcionalizada” ou “ficção filosofante”. Formalmente,
isto se revela na intervenção teórica do autor a cada momento do romance, através de
digressões que interrompem o universo ficcional. Daí o esvaziamento das personagens (são
praticamente ideias, e não pessoas), a desvalorização do enredo que serve apenas de pretexto
para análises sociais ou psicológicas do Brasil. Mesmo o drama de Maria, a personagem trágica
do romance, é entremeado de longas cenas que demonstram a lubricidade e a venalidade
dos magistrados locais. Já no final, quando Milkau busca o juiz de direito para tentar uma
solução para o processo em que Maria está envolvida, os dois acabam discutindo sobre a etnia
brasileira, aproveitando Graça Aranha para tecer argumentos sobre o “mulatismo”.
Entretanto, se levado pela preocupação em discutir o Brasil, Graça Aranha não estruturou
personagens ou enredo convincentes, algumas cenas de violência e instinto servem de relevo
e interesse pela linguagem impressionista de que se revestem, assim como as descrições
ricas da natureza brasileira. São cenas tipicamente naturalistas: o enterro do velho caçador,
cujo cadáver é disputado aos coveiros por cães furiosos e urubus famintos; o rito bárbaro dos
magiares, que fecundam a terra com o sangue de um cavalo açoitado até a morte; o pavor

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de Maria na estalagem em que se abriga, dormindo juntamente com uma velha criada que
esconde pedaços de carne sob o colchão e, à noite, os ratos passeiam-lhe sobre o corpo;
enfim o nascimento do filho de Maria em plena mata, entre porcos que acabam por devorar
a criança diante do horror da mãe. Evidentemente, estas cenas vão além do realismo, mas
não chegam a um naturalismo “científico” de um Zola. Este naturalismo é sensível ao nível da
linguagem narrativa, tipicamente impressionista. De fato, natureza, ambiente, homens e coisas
são apreendidos num enfoque impressionista, usando o narrador uma retórica declamatória
com farta adjetivação, na qual dois ou três adjetivos ligam-se ao mesmo substantivo, ou até os
substantivos adjetivam. A descrição de Maria adormecida na mata, coberta pelos pirilampos,
representa bem o impressionismo, filtrado de simbolismo. De fato, formas, cores, aspectos
luminosos confundem-se numa descrição emocional do momento, através de períodos breves,
geralmente no imperfeito do indicativo, sugerindo a ideia de continuidade.  
Assim,  Canaã revela-se uma obra sincrética. Do Realismo encontramos traços na fixação
da paisagem humana da colônia, em prosa quase documental, com a simplicidade da vida
laboriosa dos imigrantes ou as doenças da burocracia judiciária. Do Simbolismo encontramos
a preocupação metafísica, a alegoria retórica, a associação das sensações do momento que faz
com que o naturismo ultrapasse a simples observação da realidade. Note-se ainda a presença
de mitos folclóricos indígenas e europeus, que ajudam no’ desenvolvimento da ideia de Milkau
e na exaltação do Brasil.

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Literatura – Prof. Ibirá Costa

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Bibliografia de Música e Artes Plásticas


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