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FACULDADE DE DIREITO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Departamento de Direito Internacional

O Brasil e os Commons
Licenças Livres de Direito Autoral no Direito Brasileiro

Orientadora: Maristela Basso


Gabriel Mourão Soares
Nº USP 5439478

São Paulo, 26 de junho de 2009.

Essa obra é licenciada sob uma licença Creative Commons Atribuição-Compartilhamento


pela mesma licença 3.0.
“If nature has made any one thing less susceptible than all
others of exclusive property, it is the action of the thinking
power called an idea, which an individual may exclusively
possess as long as he keeps it to himself; but the moment it is
divulged, it forces itself into the possession of every one, and the
receiver cannot dispossess himself of it. Its peculiar character,
too, is that no one possesses the less, because every other
possesses the whole of it. He who receives an idea from me,
receives instruction himself without lessening mine; as he who
lights his taper at mine, receives light without darkening me.
That ideas should freely spread from one to another over the
globe, for the moral and mutual instruction of man, and
improvement of his condition, seems to have been peculiarly and
benevolently designed by nature, when she made them, like fire,
expansible over all space, without lessening their density in any
point, and like the air in which we breathe, move, and have our
physical being, incapable of confinement or exclusive
appropriation.”

(Thomas Jefferson )
O Brasil e os Commons

1. Introdução.......................................................................................................... 5
2. Os direitos autorais e o copyright....................................................................... 8
2.1 Histórico do direito do autor.......................................................................... 8
2.2 O direito autoral.......................................................................................... 19
2.3 O copyright................................................................................................. 21
2.4 Limites........................................................................................................ 25
2.5 Distorções................................................................................................... 28
3. Licenças livres de direitos autorais................................................................... 30
3.1 A nova revolução cultural ou “A Guerra das Ideias”.................................... 30
3.1.1 Cultura e comunicação........................................................................ 31
3.1.2 Um pólo que já não é passivo.............................................................. 33
3.2 A sociedade e as leis.................................................................................. 35
3.3 O copyleft................................................................................................... 36
3.4 A GNU General Public License................................................................... 40
3.4.1 As quatro liberdades............................................................................ 41
3.4.2 Além do software................................................................................. 43
3.5 Creative Commons..................................................................................... 43
3.5.1 As licenças Creative Commons........................................................... 44
3.5.2 Natureza jurídica.................................................................................. 56
3.5.3 Aspectos legais.................................................................................... 63
3.5.3.1 Licença de Atribuição.................................................................... 66
3.5.3.2 Licença Atribuição – Uso não Comercial....................................... 67
3.5.3.3 Licença Atribuição – Vedadas obras derivadas............................. 68
3.5.3.4 Licença Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença......69
3.5.3.5 Licenças Atribuição – Uso não comercial – Vedadas Obras
Derivadas ................................................................................................. 69
3.5.3.6 Licença Atribuição – Uso Não Comercial – Compartilhamento pela
mesma Licença......................................................................................... 70
3.6 Críticas....................................................................................................... 70
4. Licenças livres de direitos autorais no Direito brasileiro................................... 73
4.1 Creative Commons no âmbito internacional............................................... 73
4.2 Adaptações ao sistema brasileiro - incompatibilidades e validade..............75
5. Conclusão........................................................................................................ 79
6. Bibliografia........................................................................................................ 81
Sites................................................................................................................. 84
1. Introdução

O presente trabalho tem por objetivo estudar um dos principais


instrumentos criados para flexibilizar o licenciamento de direitos sobre obras
criativas distribuídas, as licenças livres de direitos autorais – como as licenças
Creative Commons ou GNU.
Entendemos que a atual realidade das tecnologias de comunicação
provocou transformações profundas na forma como o direito autoral é encarado,
de modo que o sistema de proteção tradicional passou por inúmeras provas e
contestações. Nesse contexto, viu-se erigir um grupo de usuários de obras
intelectuais ávido por fazer uso das tecnologias de compartilhamento e edição
disponíveis atualmente e um grupo de artistas e criadores de conteúdo
interessados em fruir dos benefícios dessas mesmas ferramentas sem, contudo,
abrir mão completamente de seus direitos sobre suas obras.
Ao mesmo tempo, vemos diariamente os efeitos do conflito desses
interesses com um sistema rígido de proteção ao direito autoral, defendido por
um sem número de empresas e profissionais atuantes na área de gravação,
publicação etc. Numa realidade em que alguns interesses parecem impossíveis
de serem harmonizados e protegidos sob uma mesma legislação, algumas
pessoas passaram a buscar alternativas viáveis para a coexistência de interesses e
a criação de regimes que permitam aos autores ter real poder de decisão quanto
aos direitos que pretende ver protegidos.
Assim é que se desenvolveram as licenças livres de direitos autorais,
tendo seu principal representante na figura das licenças do grupo Creative
Commons. São contratos de licenciamento de obras intelectuais protegidas pela
legislação, através dos quais os autores podem conceder ao seu público os
direitos que melhor atenderem aos seus objetivos, permitindo a construção de
um relacionamento mais transparente e livre entre criadores e usuários.
Essas licenças surgem com o intuito de facilitar a comunicação entre os
criadores e um público conectado, que acessa a obras de todas as partes do
mundo, as compartilha e edita. Portanto, é necessário que elas sejam válidas e
eficazes em diversos ordenamentos jurídicos concomitantemente, sob o risco de
perderem totalmente a sua utilidade.
No entanto, existem no mundo formas muito distintas de proteção aos
direitos do autor, tanto pelas peculiaridades internas de cada ordenamento
quanto pela adoção de um dos dois grandes sistemas protetivos existentes: o
sistema de copyright, surgido na Inglaterra e adotado nos Estados Unidos, país
onde se originaram as principais licenças que ora estudaremos; e o sistema de
direitos autorais, modelo que, tendo surgido na França, vigora na legislação
brasileira.
Neste trabalho, estudaremos esses dois sistemas, seu surgimento e
evolução, assim como os aspectos em que se aproximam e em que diferem.
Avaliaremos as diferenças de natureza e enfoque enxergadas num e noutro, e os
processos históricos que levaram à existência dessas diferenças, assim como
estudaremos as formas pelas quais tentou-se, ao longo dos anos, harmonizá-los e
diminuir-lhes as diferenças.
Veremos, também, em que se baseiam os grupos que questionam a
proteção concedida sob ambos os regimes, e quais os métodos que tais grupos
adotam para contornar os problemas enxergados. As principais licenças livres de
direitos autorais serão analisadas pormenorizadamente, explicitando-se-lhes o
funcionamento, as ideologias e as motivações de seu surgimento.
Por fim, pretende-se estudar a forma como essas licenças podem atuar
internacionalmente, adequando-se ao mesmo tempo a diferentes ordenamentos
jurídicos e permitindo o intercâmbio entre eles. Veremos em quais aspectos essa
adequação é viável e em quais ela não pode ser feita, especialmente no que diz
respeito às normas brasileiras de proteção ao autor. Pretende-se, assim, avaliar a
viabilidade de utilizarmos-nos dessas licenças dentro de nosso ordenamento
jurídico, diante das já mencionadas diferenças que existem entre nossa lei e a
americana, sob a égide da qual foram criadas as referidas licenças.
2. Os direitos autorais e o copyright

“An act for the Encouragement of


Learning, By Vesting the Copies
of Printed Books in the Authors
or Purchasers of such Copies,
during the Times therein
mentioned”
(preâmbulo do Copyright Act, de
1710)

2.1 Histórico do direito do autor

Ainda que se busque identificar proteções legais aos direitos do autor


sobre sua obra em outros ordenamentos, é consensual que a história da proteção
jurídica a esses direitos nasceu na França e na Inglaterra. Em Roma, por mais
esforço que se faça para vislumbrar a proteção à imaterialidade, é preciso
recorrer a caminhos indiretos e questionáveis 1, o que em muito se deve às
dificuldades práticas enfrentadas por quem pretendesse reproduzir trabalhos
alheios, de forma que não existiam grandes demandas referentes à matéria.
Historicamente, todavia, diversos dos direitos ora tutelados pelas leis de
copyright e direitos autorais já haviam sido reconhecidos, tanto no que diz
respeito aos direitos morais do próprio autor quanto aos direitos patrimoniais de
1
SOUZA, Allan Rocha de, A Construção Social dos Direitos Autorais, p. 11.
benfeitores que por ventura financiassem a criação das obras 2, mas a dificuldade
de reprodução dos originais – à época feita à mão – tornava raras as discussões
nesse sentido. Em Roma, embora editores às vezes pagassem para ter o primeiro
acesso a trabalhos originais, tendo vantagens comerciais ao replicá-los, não
havia nenhuma exclusividade por parte destes editores, e também o autor não era
recompensado pelas vendas das obras reproduzidas.
A situação mudou drasticamente na Idade Média, a partir do século XV.
Com a invenção da prensa móvel de Gutenberg, em 1436, e a subsequente
popularização do papel na Europa, é que tornou-se verdadeiramente relevante a
proteção da obra enquanto ideia, e não apenas como objeto físico. A partir desse
momento, os trabalhos podiam ser rapidamente reproduzidos centenas de vezes.
Surgiram, portanto, diversos interesses, muitos dos quais antagônicos e
excludentes entre si, que tornaram necessário o surgimento de legislações
específicas para regular a matéria.
Em 1403, foi criada, na Inglaterra, a Worshipful Company of Stationers
and Newspaper Makers, mais conhecida como Stationers’ Company, que viria a
se tornar uma guilda de editores. Em 1557, foi-lhe concedida um decreto real
que lhe concedia o monopólio sobre a publicação de livros, além do direito e do
dever de fiscalizar tudo quanto fosse publicado, atuando como instrumento de
censura da realeza. À Stationers’ Company cabia procurar, apreender e destruir
livros com conteúdo proibido, além de prender quem quer que fosse responsável
pela impressão. Esse poder foi concedido à Stationers’ Company até 1641 sob a
supervisão da Câmara Estrelada.
Nessa época confeccionou-se o termo “copyright” justamente do
monopólio instituído pela guilda, segundo o qual um livro que fosse adquirido
por um membro não poderia ser publicado por nenhum outro. Os membros que
recebessem primeiro uma cópia de algum trabalho registravam tal fato no

2
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_copyright_law, acessado em 28/12/08.
“Stationers’ Company Register” assegurando, assim, seu direito exclusivo a
publicar a obra, pelos termos da guilda.
Conforme se percebe, o copyright surge como instrumento comercial de
interesse de livreiros e editores, protegido pelo Estado apenas por servir aos seus
interesses de controle sobre o quanto se publicava. Mesmo depois — quando a
discussão sobre o tema viria a se intensificar e as teorias justificadoras do
copyright mudassem de figura —, seriam os mesmos livreiros e editores os mais
interessados em defender e intensificar a proteção concedida pelo copyright, e
não os autores, conforme veremos no desenrolar desse capítulo.
Posteriormente, já em 1623, o Estatuto dos Monopólios reprimiu a
concessão de monopólios para livreiros, embora o sistema como atuavam os
livreiros tenha se mantido através da adaptação do sistema de patentes, ainda
permitidas.
Historicamente, é relevante lembrar que nesse período a Inglaterra
passava por uma séria reestruturação de valores, demonstrando o início da
derrocada do sistema absolutista. No ano de 1640, houve a Revolução Puritana,
que levou o rei a convocar o Parlamento, que havia sido dissolvido mais de uma
década antes. O Parlamento então destruiu a Câmara Estrelada. Embora o poder
da Stationers’ Company tenha se mantido posteriormente até 1692, por meio de
licensing acts que estendiam a duração da concessão de tal poder ao órgão,
ficava claro que o sistema de controle sobre a publicação de novas obras não
poderia subsistir da forma como vinha sendo gerido.
Após a extinção da Câmara Estrelada, em 1662, foi criado o Licensing
Act, que mantinha a exclusividade da Stationer's Company sobre todo o material
publicado na Inglaterra. Subsistiu, também, o poder sobre todas as prensas do
país, e o direito de que seus funcionários, a mando do Rei, invadissem
propriedades em busca de publicações não-autorizadas, que podiam levar a
punições severas de multas e prisão.
O ato foi prorrogado algumas vezes, e manteve-se em vigor até 1695,
quando a Câmara dos Comuns optou por não renová-lo 3. A partir de então, e até
a promulgação do Copyright Act de 1710, a Inglaterra ficou sem nenhuma lei
positiva de proteção às publicações, restando aquelas do sistema de common
law 4.
Em1688 houve a Revolução Gloriosa, e em 1689 foi imposta a
Declaração de Direitos, que não fazia nenhuma menção à liberdade de imprensa.
Assim, com o fim da vigência do poder concedido à Stationers’ Company em
1692 e a abolição da censura e do monopólio em 1694, os livreiros deixaram de
ser protegidos pelo Estado, passando a ter que lidar com a concorrência
estrangeira. Nesse período, o copyright era regido apenas pela common law,
sendo regulado por lei positiva somente a partir de 1710, ano em que foi
publicado o Statute of Anne, a primeira legislação sobre copyright da história. O
Ato, no entanto, representava uma modificação de extrema relevância na visão
sobre o tema, conforme já se denota de seu próprio título:

An Act for the Encouragement of Learning, by


Vesting the Copies of Printed Books in the Authors
or Purchasers of such Copies, during the Times
therein mentioned. 5

Como se vê, trata-se já então de uma visão que preza antes pelo interesse
coletivo do aprendizado do que pelo interesse individual do mercador de livros,
além de haver já então a previsão de uma limitação temporal para o privilégio da
exclusividade que, então, duraria apenas catorze anos, renováveis por outros

3
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Licensing_of_the_Press_Act_1662 , acessado em
16/05/09.
4
LESSIG, Lawrence, Free Culture, p. 86.
5
Disponível em http://www.copyrighthistory.com/anne.html, acesso em 20/05/09.
catorze no caso de obras ainda não publicadas e vinte e um anos para as obras já
publicadas quando da publicação do Ato.
A razão para essa restrição é bastante importante para que se compreenda
a natureza dos direitos concedidos sob o copyright.
Esses direitos, aliás, eram limitados, na época, àquilo que a palavra
efetivamente significa: o de copiar. Não havia, portanto, restrições hoje
existentes, quanto ao posterior uso da obra, à criação de obras derivativas etc;
apenas a cópia é que se proibia. E como à época mesmo essa restrição parecera
periclitante – em face das já mencionadas revoluções que, em parte, combatiam
a concessão de monopólios –, optou-se por conceder o privilégio de forma
limitada, somente à medida que benéfico para a sociedade.
Além disso, sob essa legislação, o copyright era concedido ao autor da
obra, e não ao livreiro, além de assegurar certos direitos ao comprador da obra,
impedindo que o uso fosse, portanto, injustamente limitado.
Outro fato que precisa ser considerado é o de que os próprios vendedores
de livros – detentores dos privilégios que ora se concediam – não eram bem
vistos na sociedade inglesa da época. Isso porque, conforme vimos, eles
costumavam atuar como instrumento para o exercício da repressão real; eram
censores que trocavam a liberdade do povo inglês por benefícios concedidos pela
Coroa 6. Assim, quando da publicação do Ato de 1710, o Parlamento se
preocupou em estabelecer a limitação temporal, como forma de certificar-se de
que a restrição à cópia não se desse de outra forma que não aquela essencial à
defesa do interesse coletivo.
Assim é que o que antes era uma legislação de censura, o Licensing Act,
instrumento de repressão do conhecimento 7, foi utilizado para a criação de uma
lei que trazia em seu preâmbulo os ideais que a justificam: um ato de incentivo
ao aprendizado.
6
LESSIG, Lawrence, Free Culture, p. 89.
7
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 15.
Essas mudanças, por óbvio, não agradaram os livreiros acostumados ao
antigo sistema, de forma que eles passaram a tentar defender uma proteção mais
intensa do copyright, baseando sua argumentação na existência de um direito de
propriedade por parte do autor reconhecido pela common law que não poderia
ser ignorado. O autor teria, portanto, o direito de ceder esse direito aos livreiros
de maneira que não se justificaria a existência de nenhum tipo de restrição a ele.
Foi então que se levantou a discussão quanto à natureza do copyright e à
sua duração. Seria ele um direito dos autores, advindo da própria criação da obra
ou um privilégio concedido pelo Estado e, portanto, passível de limitações por
ele impostas?
Nesse sentido, aliás, é que se apresentam as principais diferenças em
relação ao desenvolvimento do direito autoral na França. Inicialmente, embora a
proteção fosse igualmente realizada por meio de concessões de exclusividade a
livreiros e editores, houve uma diferença fundamental no país, porque também
os escritores franceses brigaram, já no século XVI, pelo reconhecimento de seus
direitos. Nesse caso, defendia-se que, enquanto autores, tinham eles direito de
propriedade sobre tudo quanto produziam com o próprio esforço, tese
reconhecida pela justiça francesa em 1568, no caso que viria a ser conhecido
como “Muret”. Posteriormente, em 1749, o caso Crébillion revelou o
entendimento de que “o autor tinha direito de retirar proveito econômico da
utilização de suas criações e que estas emanavam de sua personalidade, devendo
os livreiros com isso pagar uma quantia contínua sobre seu uso” 8
O tema também foi alvo de inúmeras disputas judiciais na Inglaterra ao
longo do século XVIII, mudando-se constantemente o entendimento sobre a
natureza do direito de cópia. Três decisões de grande relevância levantaram
conceitos contrários para o copyright, sendo a primeira delas no ano de 1769, no
caso Millar v. Taylor, em que se afirmou que os autores possuíam um direito

8
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 17.
perene sobre suas obras; a segunda no ano de 1774, caso Hinton v. Donaldson,
em que foi reconhecido o direito natural, embora este fosse válido somente pelo
termo estabelecido no Ato de 1710; e a terceira, no mesmo ano, no caso
Donaldson v. Beckett, em que foi negado o caráter de direito natural do
copyright, afirmando-se que o direito era concedido pela legislação e não
advinha diretamente da criação da obra.
Assim, no final do século XVIII, na Inglaterra é que a discussão
levantada quanto à natureza do copyright viria a se assentar no sentido de que se
tratava de um “monopólio para fins de regulamentação do comércio, cujo
conteúdo era tópico nevrálgico das discussões e decisões, e limitados no tempo,
em razão do interesse da coletividade” 9 e de que esse monopólio era de
titularidade dos autores. Assim decidiu a justiça inglesa, no caso mencionado:

Se há alguma coisa no mundo comum a toda a


humanidade, a ciência e a literatura são, em sua
natureza, publici iuris, e elas devem ser livres e
gerais como o ar ou a água. Elas esquecem seu
Criador, assim como seus companheiros, enquanto
criaturas, que querem monopolizar seus mais
nobres dons e seus maiores benefícios. Por que
entramos na sociedade, afinal, senão para
enriquecermos as mentes uns dos outros, e melhorar
nossas faculdades para o bem comum da espécie?
Aqueles grande homens, aqueles mortais
privilegiados, aqueles espíritos sublimes, que
dividem aquele raio de divindade que nós
chamamos de gênio, são presenteados pela

9
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
Providência com o poder delegado de disseminar
aos seus semelhantes aquela instrução que o
Paraíso designou para o benefício universal: eles
não podem ser egoístas para com o mundo, ou reter
para si a provisão comum. Nós sabemos qual era a
punição para aquele que escondia seu talento; e a
Providência garantiu que não haverá necessidade
dos mais nobres motivos e incentivos para os
homens de gênios comunicarem ao mundo as
verdades e descobertas, que não são nada se não
comunicadas. O conhecimento não tem valor ou uso
para o proprietário solitário; para ser aproveitado,
ele precisa ser comunicado: scire tuum nihil est,
nisi te scire hoc sciat alter. A glória é a recompensa
da ciência; e aqueles que a merecem desprezam
pontos de vista mais vis. Eu não falo dos
garranchos por pão, que caçoam do mundo com
suas produções infames; catorze anos é um período
muito longo para seu lixo perecível. Não foi para
seu ganho que Bacon, Newton, Milton, Locke,
instruíram e deliciaram o mundo. Quando um
vendedor de livros ofereceu a Milton cinco libras
por seu Paradise Lost, ele não rejeitou a oferta e
condenou sua obra às chamas, e ele também não
aceitou a miserável merreca como a recompensa
por seu labor; ele sabia que o preço real do seu
trabalho era a imortalidade, e que a posteridade o
pagaria. Alguns autores são tão descuidados com o
lucro quanto outros são vorazes por ele, e em que
situação estaria o público com respeito à literatura
se não houvesse meios de compelir uma segunda
impressão de um trabalho útil! Todo o aprendizado
estaria prezo nas mãos dos Tonsons e Lintots 10 da
época, que poderiam estabelecer sobre ele o preço
que sua avareza demandasse, até que todo o público
se tornaria escravos dele na mesma medida em que
seus próprios vis carregadores de haquenees 11.”12

Ficava definido, assim, o entendimento inglês sobre a natureza do


copyright, muito diferente, portanto, do que se passava à mesma época na
França. Iniciava assim a construção de duas doutrinas distintas para a proteção
da criação e do criador, o copyright e o droit d'auteur.
Somente depois da Revolução Francesa, porém, é que o último viria a se
aperfeiçoar. Inicialmente abolido junto com os demais privilégios – tanto de
autores quanto de livreiros –, os direitos de autor voltariam a ser protegidos na
França, não mais como uma concessão arbitrária do Estado, mas como um
direito natural advindo da criação. É relevante notar que, de início, a proteção
concedida aos livreiros era um privilégio outorgado pelo monarca, advindo,
portanto, do poder deste, e não de algum direito natural do autor ou de seu
representante. Com o surgimento do Estado Democrático de Direito, porém, esse
embasamento já não era suficiente, de forma que variadas correntes de
pensamento buscaram, por inúmeras vias, justificar a concessão do privilégio,
sempre tendo em vista o desenvolvimento cultural e a criação artística.

10
N.T. “Tonsons e Lintots” é usado com o significado de “editores”.
11
N.T. “Haquenees” são um tipo de carruagem de aluguel francesa, comum na Europa a
partir do século XVII
12
Disponível em http://constitution.org/bcp/camden145.htm, acesso em 15/06/09, tradução
livre.
Foram essas as doutrinas posteriormente adotadas pelos Estados Unidos
– país de origem das principais licenças livres de direitos autorais –, a exemplo
da Inglaterra, e pelo Brasil, adepto da doutrina francesa.
Já no século XIX, tornou-se evidente a necessidade de que a
Propriedade Intelectual, em suas variadas espécies, fosse protegida não apenas
no âmbito nacional, mas também em escala mundial. Assim, em 1886, 3 anos
após a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial estabelecer
imposições internacionais para a regulação de marcas, patentes, modelos de
utilidade, desenhos e modelos industriais, indicações de proveniência ou
denominação de origem, diversos países se reuniram em Berna, na Suíça, para
elaborarem a primeira convenção internacional sobre direitos autorais ou
copyright. Assim é que, neste ano, foi firmada a Convenção de Berna para a
Proteção das Obras Literárias e Artísticas, terminologia adotada em detrimento
de “direitos de autor”, ou “direitos autorais”. O tratado foi ratificado pelo Brasil,
através do Decreto 75.699, de 1975.
O intuito da Convenção foi o de promover internacionalmente o
reconhecimento dos direitos autorais e copyright, bem como estabelecer
proteções mínimas e termos que deviam ser respeitados com o intuito de
alcançar melhor harmonização nas normas dos diferentes países. Para esse fim, a
Convenção determinou o tempo mínimo de proteção em 50 anos após a morte do
autor, além de abolir a exigência de registro para que a obra seja protegida.
Essas exigências – especialmente a última – por irem de encontro a
algumas das principais características do copyright, fizeram com que Inglaterra e
Estados Unidos deixassem de ratificar instantaneamente todos os dispositivos
propostos. A Inglaterra viria a adotar efetivamente a Convenção em 1988, e os
EUA, em 1989.
Posteriormente à Convenção de Berna, em 1952, foi assinada a
Convenção Internacional de Genebra, com intenções similares às da primeira.
Em 1971, ambas as convenções viriam a ser revisadas em Paris.
Em 1994, o TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – reforçou a proteção à
Propriedade Intelectual, sendo adotado por diversos países, inclusive por sua
aceitação ser requisito para a entrada de qualquer país na OMC – Organização
Mundial do Comércio. Como, sob o TRIPS, aplicam-se subsidiariamente as
regras dos tratados da OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual
–, dentre os quais figuram as convenções de Berna e Genebra.
A despeito de críticas por parte dos países que não haviam adotado os
tratados da OMPI, a imposição se manteve. Por fim, obteve-se um sistema
internacional de proteção à Propriedade Intelectual, com regras obedecidas por
todos os países integrantes da OMC.

2.2 O direito autoral

O direito autoral é espécie do gênero Propriedade Intelectual, que


abrange, também, a propriedade industrial (marcas, patentes, cultivares etc). No
Brasil, a proteção do autor se dá principalmente por meio da Lei 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998 — a Lei de Direito Autoral. Essa proteção se distingue
daquela dada à propriedade industrial por depender unicamente da originalidade
da obra, aspecto subjetivo que leva em consideração somente a esfera do autor,
em oposição ao requisito da novidade, válido para a propriedade industrial, que é
avaliado de maneira fática, objetivamente 13. Noutros termos, a originalidade
depende somente do fato de o autor não ter conhecimento da pré-existência de
criação idêntica ou similar, enquanto a novidade ignora essa questão subjetiva,

13
SILVEIRA, Newton, A propriedade intelectual e as novas leis autorais, p. 9.
levando em conta somente o fato objetivo da existência ou não de invenção
idêntica anterior.
O Brasil adota em seu ordenamento o sistema individual de proteção,
surgido na França, conforme previamente abordado. Esse sistema, de caráter
subjetivo, concede proteção ao autor 14, e não à obra. Trata-se de reflexo da tese
defendida pelos livreiros franceses do século XVI, de que ao autor cabia um
direito natural, derivado da própria criação da obra 15. Daí a proteção independer
de registro e terem as concessões de utilização comercial das obras, dos autores
para editoras, distribuidoras, gravadoras etc, alcance limitado 16. A visão de que a
proteção autoral constitui direito natural inafastável é observada na legislação
brasileira, por exemplo no artigo 18 da Lei de Direitos Autorais, que determina
que “[a] proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”.
Essa percepção fica evidente nas palavras de Antônio Chaves, que, ao
estudar a então vigente lei 5.988, de 1973, afirmou conter a lei “uma verdade
que ninguém jamais se atreveria a pôr em dúvida: a de que o autor é titular de
direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que produziu” 17.
Conforme será mais detalhadamente exposto à frente, essa verdade,
inquestionável em nosso sistema jurídico, não seria merecedora de igual adjetivo
sob o ponto de vista do sistema de copyright.
No entanto, embora encare o direito do autor como proteção a este, e não
à sociedade, conforme se observa nos países que adotam o copyright, não se
pode negar que a legislação brasileira vê nos direitos autorais um importante
instrumento de política pública para o desenvolvimento do país 18. De fato, a

14
BITTAR, Carlos Alberto, Direito de Autor, p. 9.
15
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
16
BITTAR, Carlos Alberto, Op. cit., p. 9.
17
CHAVES, Antônio, A nova lei brasileira de direito do autor, p. 23.
18
VITALIS, Aline, A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os
novos desafios da sociedade de informação, p. 180.
Constituição Federal de 1988 inclui em seu capítulo referente à “Educação,
Cultura e Desporto” a determinação de que “o Estado garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, dispositivo
esse que fundamenta a proteção aos direitos autorais 19.
Dessa forma é que se observa dentro de nosso ordenamento a necessidade
de conciliação entre a proteção do autor concedida na forma de um direito
natural e os interesses culturais pregados por nossa Constituição. Assim é que a
proteção ao autor se vê como desejável, à medida em que fomenta a produção
cultural: incentivado por vantagens de caráter econômico, o autor poderá prestar
maiores esforços à criação cultural. Essa lógica, conforme veremos, se aproxima
em alguns aspectos daquela adotada pelo sistema de copyright. No entanto, e isto
também se pretende demonstrar, há uma diferença fundamental na forma como
essa relação entre a concessão de vantagens aos autores e a consequente
produção cultural é encarada por ambos os ordenamentos.

2.3 O copyright

A proteção concedida nos Estados Unidos e na Inglaterra, bem como nos


países por estes influenciados, encara o copyright como privilégio necessário
para incentivar a produção cultural. Como espécie de monopólio, é um “mal
necessário”, como definiu Thomas Babington Macaulay, já no século XIX20.

19
VITALIS, Aline, Op. Cit., p. 181.
20
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
Ao contrário do que ocorre na proteção do direito autoral, o copyright não
é compreendido como um direito natural do autor, mas como forma de
regulamentação mercadológica na forma de um favorecimento momentâneo do
indivíduo (autor) visando ao favorecimento da sociedade como um todo ao longo
prazo 21. Assim é que, nos EUA, a proteção originalmente só era concedida após
registro, não derivando automaticamente da criação, o que foi alterado com a
adoção, na maioria da nações, inclusive os EUA, das determinações da
Convenção de Berna, de 1886 22.
Tratava-se do sistema comercial de proteção aos direitos do autor, em
que, pelo interesse da sociedade, concedia-se uma proteção de duração limitada
à obra, e não ao autor, que era meramente beneficiado com o intuito de que se
fomentasse a expansão da cultura 23.
Desse intuito, depreende-se com maior clareza o fato de que a existência
existência do copyright visa à proteção do usuário, e não do autor 24. Assim, as
restrições impostas pelos privilégios concedidos sobre o sistema visam a
defender interesses maiores não dos que criam os livros, músicas e demais obras,
mas sim de quem os lê, ouve ou de outra forma utiliza. Aqueles são protegidos
somente à medida em que o interesse destes exigir. Essa característica advém da
fonte primária do sistema no ordenamento americano: a Constituição.
Quando de sua elaboração, foi proposta a existência de um de um direito
natural que defendesse os autores – proposta similar à que sustenta o direito
autoral de inspiração francesa. Essa proposta, no entanto, foi negada, tendo os

21
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 18.
22
“São protegidos por força da presente Convenção:
a) os autores nacionais de um dos países unionistas, quanto às suas obras,
publicadas ou não;” texti retirado da Convenção de Berna, no sítio do Ministério da
Cultura, Brasil, artigo 3, 1, disponível em http://www.cultura.gov.br/site/wp-
content/uploads/2008/02/cv_berna.pdf, acesso em 16/04/09.
23
BITTAR, Carlos Alberto, Op. cit., p. 9.
24
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Free Software, Free Society:
Selected Essays of Richard M. Stallman, p. 79.
legisladores magnos dos Estados Unidos entendido, conforme a tradição inglesa,
que as restrições impostas aos demais no que diz respeito à obra seriam
privilégios que levariam ao bem geral da sociedade. De fato, em seu artigo I,
seção 8, a Constituição americana concede ao Congresso o poder de estimular a
produção das ciências e das artes, e o instrumento de que o Congresso poderia se
beneficiar para este fim é a concessão de privilégios limitados no tempo. Não
existe, portanto, um poder de conceder privilégios indiscriminadamente; estes
são somente a forma pela qual o legislador pode cumprir seu poder/dever, que é
o incentivo às ciências e às artes.
Além disso, conforme ressalta Stallman, não existe, de acordo com a
Constituição americana, o dever de que exista a proteção ao copyright, apenas
admite-se a possibilidade de que esses privilégios sejam concedidos. O copyright
é instrumento válido, mas sua utilização não é, a princípio, imposta, assim como
tampouco se afirma que outros métodos de incentivo à cultura não seriam
cabíveis – ou mesmo preferíveis.
Interessantemente, um dos principais argumentos a favor de que o
copyright seja visto como privilégio – e não como direito natural – é o fato de a
proteção prever especificamente (e é a própria Constituição quem faz essa
previsão) um limite temporal além do qual o autor não terá exclusividade alguma
sobre a obra. Direitos naturais não se sujeitam, dizem os defensores dessa tese, a
esse tipo de limitação, sendo a não perpetuidade da proteção ao autor uma
evidência de que esta se dá de forma excepcional, e não em derivação de um
merecimento inequívoco do autor. 25
Não se tratando de uma proteção ao autor, portanto, o copyright funciona
de uma forma a que se refere como “a barganha do copyright”. Dessa forma,
concede-se uma parcela da liberdade da população em troca de um aumento na
quantidade de obras criadas, visto que os autores, diante dos privilégios

25
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 79.
recebidos, sentir-se-iam mais dispostos a empenhar seus esforços na produção de
novos trabalhos. A adequação do sistema de copyright, portanto, em muito
depende de quão boa é essa barganha para a sociedade, ou seja, da proporção
entre a liberdade que os usuários cedem em relação ao estímulo que essa cessão
representará para a criação cultural do país.
Se essa relação não resultar em um saldo positivo para os usuários, mas
sim para os criadores, então perceber-se-á uma distinção entre aquilo que a lei
pretende proteger e aquilo que efetivamente vem sendo preservado e, neste caso,
terá chegado a hora de estudar-se mudanças nesse sistema, de forma que ele
volte a apresentar o respeito às suas intenções originais.
No direito norte-americano, embora o termo copyright seja mais
frequentemente utilizado para se referir à proteção positivada que expusemos até
o momento (statutory copyright), existe ainda uma outra forma de proteção
concedida pela common law. Enquanto a primeira consiste em “um direito,
privilégio ou concessão intangível e incorpóreo concedido pelo Artigo I da
Constituição ao Congresso 'de estimular a produção das ciências e das artes,
através da concessão, por prazo limitado, do direito de uso exclusivo de textos e
descobertas, por seus autores e inventores'” 26, o segundo possui um “indício de
propriedade particular” 27, configurando-se no direito de propriedade que
qualquer autor detém sobre sua obra, enquanto ela não tiver sido publicada. Esse
direito, inclusive, transmite-se aos herdeiros com a morte do autor, mas deixa de
existir no momento em que a obra se torna pública, de forma que é comumente
chamado de “direito à primeira publicação”. Assim que o trabalho se torna
público, ele se tornaria, não fosse o “statutory copyright”, parte do domínio
público e, consequentemente, livre para que cada um fizesse com ele o uso que
desejasse. 28
26
TANNENBAUM, Samuel W., Practical Problems in Copyright, p. 9., tradução livre.
27
Idem.
28
TANNENBAUM, Samuel W., Op. Cit., p. 9.
No que diz respeito à área de atuação do copyright, ele contempla, nos
Estados Unidos, o assunto, a forma e o conteúdo das obras, mas não abrange
títulos, ideias que não tenham sido fixadas em meio material, ou slogans que não
tenham valor artístico ou literário 29. Conforme a jurisprudência americana, são
protegidas as “produções da mente e do gênio do autor” 30.

2.4 Limites

No sistema de copyright, conforme vimos, a proteção concedida ao autor


se sustenta de forma muito mais tênue do que no sistema de direitos autorais.
Isso porque ela não se trata de um fim em si mesma, mas sim de um mero
instrumento para a obtenção de um bem maior que poderia prescindir de sua
aplicação, caso outros meios fossem igualmente eficientes.
Assim é que o copyright, por sua própria natureza, está limitado à sua
necessidade enquanto forma de fomento à produção cultural. De fato, de acordo
com o texto constitucional americano, não poderiam os privilégios concedidos
aos autores irem além daquilo que o Congresso compreendesse como essencial
para o fomento da criação no país.
Já no sistema de direitos autorais, prevalece o reconhecimento dos
direitos do autor como um direito natural, decorrente do próprio ato de criar e
independente de concessões por parte do Estado, ou seja, não se trata de um
privilégio que o Estado artificialmente concede. No entanto, nem isso evita que
tais direitos se submetam a certos interesses da sociedade, conforme visto em

29
Idem.
30
Conforme decisão do caso Jollie v. Jaques, de 1852.
nossa Constituição Federal que, entre outros valores, defende a expansão da
cultura.
Assim é que ao mesmo tempo em que nosso sistema reconhece os direitos
do autor e os preserva, ele o condiciona a uma “vinculação social. Em nome do
interesse comum, o autor deve tolerar certas restrições aos seus direitos” 31.
Conforme Aline Vitalis, tais restrições incluem: “(a) o interesse da
assistência judiciária e da segurança pública; (b) o interesse da facilitação do
ensino escolar; (c) a proteção da liberdade da informação; (d) a proteção da
liberdade de criar; (e) o interesse da comunidade de ter acesso a certas
reproduções privilegiadas públicas; (f) fins exclusivamente técnicos; (g) o
interesse no uso privado e outro uso próprio; (h) o interesse da liberdade de
reprodução; (i) a licença compulsória em favor dos fabricantes de fonogramas” 32.
Por isso, de acordo com a nossa lei, algumas formas de utilização das obras são
toleradas, em defesa de interesses maiores da sociedade. Daí poder-se fazer
críticas e paródias, reproduções de um só exemplar, execuções em âmbito
familiar, menções em escolas etc.
Além, porém, das limitações quanto à abrangência, existe uma limitação
temporal relevante não apenas por seus efeitos práticos, mas também por sua
significação teórica. O projeto original do Código Civil de 1916 previa que os
direitos do autor seriam perpétuos. Uma emenda a ele, no entanto, estabeleceu
que, 60 anos após a morte do autor, tais direitos cessariam, entrando a obra no
domínio público.
A mudança não foi bem recebida por Clóvis Beviláqua, autor do projeto
original, que manifestou-se contrariamente a ela:

O Projeto primitivo propusera a perpetuidade para o


direito dos autores. Contra esse modo de ver
31
HAMMES, Bruno Jorge, O direito da propriedade intelectual: subsídios para o ensino , p. 30.
32
VITALIS, Aline, Op. Cit., p. 187.
levantam-se objeções, que não são muito
convincentes. (…) E, uma vez criada essa riqueza
imaterial, não há, em princípio, razão teórica para
que se não transmita pelos modos adotados para a
transmissão da riqueza material. São razões de
ordem prática, e uma certa obscuridade de idéias,
próprias da fase evolucional, em que se acha o
direito autoral, que explicam essa forma de
propriedade menos plena, de propriedade temporária
e revogável, que leis imprimem ao direito dos
autores. 33

E tem razão Beviláqua quando afirma que não existe explicação teórica
para que se limite temporalmente o direito autoral, sendo este encarado como um
direito natural inquestionável. No entanto, pouco se discute atualmente quanto à
correção da limitação temporal a esses direitos, sendo-se debatido
principalmente o tempo a que deverão se limitar. O entendimento de que os
direitos autorais não devem se perpetuar no tempo evidencia o relevante
reconhecimento de que os direitos autorais possuem uma peculiaridade em
relação a outros direitos.
Não se pode, portanto, defender que os direitos do autor sejam absolutos
e insubordinados aos interesses da população quanto à difusão e popularização
do conhecimento e da cultura, mesmo nos sistemas jurídicos que os entendem
como direito natural, ou seja, como fins em si mesmos, ao invés de como meros
meios.

33
BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil Comentado, v. 2, Rio de Janeiro, Livraria Francisco
Alves, 1923, p.181-182.
2.5 Distorções

O que se vê atualmente, porém, em muito difere dos princípios gerais que


teoricamente norteariam o funcionamento da proteção do autor, seja no sistema
de copyright seja no do direito autoral.
No primeiro, parece-nos, o caso é mais grave, pois, conforme vimos, o
sistema tem por objetivo inicial a proteção ao usuário, e não ao autor ou à obra,
como ocorre no sistema do direito autoral. Dessa forma, toda concessão de
privilégios aos autores deveria ser precedida de um questionamento quanto aos
benefícios que ela traria ao público. O raciocínio, portanto, deveria ser no
sentido de que uma concessão a mais se justifica na medida em que benéfica ao
usuário. No entanto, o que se percebe é um entendimento segundo o qual os
interesses dos autores passou a ter a mesma relevância que o do usuário, na
discussão. Dessa forma, muitas mudanças foram aprovadas levando-se em conta
não um eventual benefício ao público, mas sim a ausência de prejuízo que se
sobrepusesse ao benefício recebido pelo autor. Em outras palavras, ao invés de a
concessão de privilégios ser encarada como meio para o alcance de um fim que
seria a satisfação da sociedade, atualmente ambos são vistos como fins em si
mesmos, tendo peso idêntico na hora de avaliar-se eventuais mudanças. Assim é
que a própria restrição temporal prevista desde os primeiros atos de copyright
vem sendo relativizada cada vez mais.
De fato, “nos primeiros cem anos da República, o prazo do copyright foi
mudado uma vez. Em 1831, o prazo foi aumentado de um máximo de 28 anis
para um máximo de 42, ao aumentar o prazo inicial do copyright de 14 para 28
anos. Nos cinquenta anos seguintes, o prazo foi aumentado mais uma vez. Em
1909, o Congresso aumentou o prazo de renovação de 14 para 28 anos,
aumentando o prazo máximo para 56 anos.
Então, a partir de 1962, o Congresso começou uma prática que definiu a
legislação sobre copyright a partir de então. Por onze vezes nos últimos quarenta
anos, o Congresso aumentou os prazos de copyrights existentes; por duas vezes
nestes quarenta anos, o Congresso aumentou o prazo de futuros copyrights.
Inicialmente, a extensão dos copyrights existentes era curta, somente um a dois
anos. Em 1976, o Congresso aumentou todos os copyrights existentes em 19
anos. E, em 1998, no Sonny Bono Copyright Term Extension Act, o Congresso
aumentou o prazo dos copyrights existentes e futuros em vinte anos.
O efeito dessas extensões é simplesmente tolher ou atrasar a passagem de
obras para o domínio público. Esta última extensão significa que o domínio
público terá sido tolhido por trinta e nove de cinquenta e cinco anos, ou 70
porcento do tempo, desde 1962. Portanto, nos vinte anos que seguiram o Sonny
Bono Act, enquanto um milhão de patentes passarão para o domínio público,
zero copyrights cairão em domínio público em virtude da expiração de um prazo
de copyright” 34.

34
LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 133.
3. Licenças livres de direitos autorais

“Deus quer. O homem sonha. A


obra nasce.”
(Fernando Pessoa)

3.1 A nova revolução cultural ou “A Guerra das Ideias”

Conforme anteriormente analisado, o estudo sobre direitos autorais e seu


surgimento aponta para a Inglaterra e a França, para Gutemberg e para o
Renascimento vivido pela Europa no início da Idade Moderna. E existe razão
para isso.
Antes da invenção da prensa, pouco interesse havia nas questões que
desde então seriam tão frequentemente levantadas, conforme exposto no capítulo
2.1.
Percebe-se, assim, a relação entre uma transformação fática – a invenção
da prensa – e a consequente adaptação do Direito, que teve que abarcar os
direitos autorais com o intuito de preservar determinados interesses, conforme
posteriormente se pretenderá demonstrar. Séculos depois, com a popularização
da internet e a evolução das ferramentas comunicativas relacionadas ao
ciberespaço, uma nova transformação fática alterou de forma significativa a
forma como o conhecimento pôde ser produzido, multiplicado e distribuído.
Dessa vez, porém, com uma diferença fundamental: havia já no Direito a
previsão e a proteção dos direitos autorais.
Por isso é que nos parece essencial ilustrar inicialmente a nova
transformação fática por que passamos e que, em nosso entender, dá ensejo à
renovada relevância dos direitos autorais e do movimento pela cultura livre.
Assim como nos parece essencial entender porque é que, ao contrário do que
ocorreu no século XV, dessa vez é a realidade fática que se vem pretendendo
adaptar ao Direito.

3.1.1 Cultura e comunicação

A conceituação de cultura encontrada em dicionários possui, em geral,


viés sociológico, explicando significar o termo o “complexo de padrões de
comportamento, das crenças, das instituições e doutos valores espirituais e
materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade” 35. Em
outras palavras, são aqueles aspectos que definem uma sociedade, a caracterizam
e distinguem-na das demais.
A cultura se forma, portanto, da capacidade de um povo de criar um
conhecimento coletivo, ao mesmo tempo gerado e absorvido por todos aqueles
que desse grupo fazem parte. A cultura está, portanto, intimamente ligada à
informação e ao conhecimento que circula por uma sociedade. Quanto mais
amplas as possibilidades de um povo compartilhar informações, mais eficiente
será o desenvolvimento de sua cultura, mais possibilidades haverá para os
esforços criativos e mais democraticamente será dividido o resultado desse
desenvolvimento e desses esforços.

35
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 410
Além disso, quanto mais eficientes os mecanismos de comunicação,
maior a extensão que pode ter uma cultura. Em tempos remotos, era comum que
povos que habitassem regiões geograficamente próximas apresentassem culturas
bastante distintas, em razão das dificuldades de comunicação ali presentes. O
desenvolvimento de Roma pouco beneficiava os povos bárbaros que habitavam o
restante da Europa, podendo o mesmo ser dito da maioria das grandes
civilizações da antiguidade.
O tempo, no entanto, cuidou de mudar essa realidade, de forma que o
contato contínuo entre diferentes povos levou alimentos, ferramentas, costumes
e tecnologias de um país para o outro. Embora esse tipo de influência tenha sido
utilizado de forma questionável pelos séculos em que durou o colonialismo, é
inevitável que se reconheça que esse contato entre povos levou à possibilidade
de que um determinado povo se aproveitasse das tecnologias e melhorias
desenvolvidas pelos demais, à parte a forma autoritária, impositiva e cruel com
que isso foi feito.
Com a invenção do rádio, do telefone, da televisão etc, essa possibilidade
se estendeu. Já não eram mais alguns países que se comunicavam, mas o mundo
todo. No entanto, à medida em que algumas dessas tecnologias são controladas
por países, empresas ou entidades com mais poder, e à medida em que outros
grupos se limitam a receber a informação que os primeiros produzem, a
desigualdade na comunicação se manteve, de forma análoga à que ocorria
durante os tempos de imperialismo.
Em outras palavras, embora de forma mais sutil, as tecnologias
comunicativas continuaram a levar a informação em um caminho só de ida,
impondo determinados padrões culturais como corretos, em detrimento de
outros. Este foi um modelo que perdurou por muito tempo, mas que
recentemente foi confrontado por outro.
3.1.2 Um pólo que já não é passivo

Nos últimos anos, o mundo passou por mudanças significativas na forma


como o conteúdo é criado, manipulado e distribuído. O Youtube talvez seja o
exemplo máximo da modificação entre a relação de consumidores e criadores de
conteúdos nos últimos anos e o próprio nome do site revela esse teor. Durante
muitos anos, o cidadão normal era um receptor de conteúdo. Seja por meio de
livros, jornais, revistas, transmissões de rádio ou televisão, a maior parcela da
população sempre foi formada por consumidores que recebiam passivamente as
informações que alguns poucos criavam e transmitiam.
Quando primeiro se deu a popularização da internet, esse paradigma não
foi alterado. A primeira geração da internet, atualmente conhecida como Web
1.0, se caracterizava por fornecer o conteúdo pronto, da mesma maneira que a
mídia já vinha fazendo há tempos. O advento da Web 2.0, no entanto, mudou
essa realidade, baseando-se na participação dos usuários na criação do
conteúdo 36. Foi a mudança do “They Tube” para o “You Tube”.
Dotado de meios para gerar seu próprio conteúdo, o cidadão normal
passou a gerar informação de uma forma nunca antes possível, de forma que
blogs, foruns e sites como a Wikipedia, o Flickr e o próprio Youtube se tornaram
muito mais populares do que aqueles cujo conteúdo é fechado, estritamente
gerado por empresas. E, a despeito de alguma insegurança inicial, o conteúdo
criado por usuários se demonstrou bastante confiável 37.
36
http://en.wikipedia.org/wiki/Web_1.0, acessado em 12/05/09.
37
De fato, diversos estudos revelaram que a informação fornecida pela Wikipedia não
merece muito menos credibilidade que aquela encontrada em enciclopédias tradicionais.
Um estudo da revista científica Nature
(http://blogs.nature.com/wp/nascent/2005/12/comparing_wikipedia_and_britan_1.html), por
exemplo, encontrou 123 erros em 42 artigos da Enciclopédia Britannica Online, contra 162
Criou-se, assim, uma geração de jovens que produz e disponibiliza
material criado por meio de mixagem, uma geração que compartilha músicas
pela internet e que participa ativamente da criação de conteúdo. No entanto, de
acordo com a legislação atual, criou-se também uma geração de criminosos que
dedicam boa parte do seu tempo à infração de direitos autorais.
Essa situação resultou em uma verdadeira guerra, conhecida como
“copyfight”. De um lado, uma geração que cresceu em meio ao
compartilhamento de imagens, textos, músicas, filmes, jogos etc; que se auto-
denomina “o futuro” e repleta de pretensões revolucionárias. De outro, vistas
como “o passado” 38, as empresas detentoras dos direitos autorais sobre as obras
que os primeiros compartilham através de torrents e tecnologias P2P. Copyleft
contra Copyright.

3.2 A sociedade e as leis

Entre o Direito e a sociedade, existe uma curiosa relação de causa e


conseqüência, pois, embora aquele surja como espelho desta, refletindo seus
usos e costumes, sua moral, seus valores, sua organização e seus princípios, não
se pode negar que em muito o presente e o futuro da sociedade dependem do seu
Direito. A relação, portanto, é mútua. Enquanto a sociedade molda os parâmetros
que formarão seu Direito, este determina em grande escala a forma como se
desenvolverá futuramente a sociedade, quais serão os caminhos trilhados e os

erros nos mesmos artigos da Wikipedia.


38
Há diversas referências à oposição entre os defensores do copyleft e os do copyright como
“futuro” e “passado”. Uma menção enfática e relevante pode ser vista no documentário RIP
– A Remix Manifesto, de Brett Gaylor, 2008, disponível online em http://www.ripremix.com/.
princípios protegidos. A viabilidade de modificações e desenvolvimentos será
sempre avaliada à luz do Direito de uma sociedade e, portanto, o sistema jurídico
de um país deve estar sempre atento à sociedade que pretende ver existente no
futuro.
Conforme vimos, a proteção às obras surgiu com base em certos valores
da sociedade da época, adequando-se particularmente aos interesses de livreiros.
O passar dos anos, porém, mudou significativamente a sociedade, e a tecnologia
trouxe possibilidades de comunicação e compartilhamento de conhecimento que
seriam impossíveis em qualquer outra época. Diante dessas mudanças, surgiu um
conflito entre a sociedade atual e seu direito, ainda baseado em uma realidade
ultrapassada.

3.3 O copyleft

O copyleft é um termo que, contrapondo-se ao copyright, define uma


forma de licença de uso que prioriza a livre distribuição do conteúdo protegido.
Não se trata de um regime jurídico, como é o caso do copyright ou do regime de
direitos autorais, mas sim de uma concessão dada pelo autor dentro de um desses
regimes e que deles depende, para seu funcionamento.
De fato, para que se licencie um software em copyleft, atualmente, é
necessário que primeiro se assegure sobre ele os direitos autorais.
Posteriormente, atribui-se a ele termos de distribuição que permitam ou neguem
a utilização, cópia, venda, edição etc do programa ou daqueles que dele
derivaram e, finalmente, especifica-se que essa permissão é concedida somente
caso esses mesmos termos de distribuição sejam aplicados ao trabalho resultante,
de forma que “o código e as liberdades se tornam inseparáveis”. 39 Dessa forma,
Stallman encontrou um meio de evitar que as obras criadas através de
modificações de programas distribuídos em copyleft se tornassem proprietárias,
o que inviabilizaria o funcionamento das licenças de forma sistêmica.
E o exemplo utilizado acima, do programa de computador, não foi
fortuito, já que o conceito de copyleft guarda relação intrínseca com o
Movimento pelo Software Livre. Por isso, parece-nos relevante estudá-lo, ainda
que com brevidade.
Foi de programadores, hackers e usuários de computadores de um modo
geral que surgiu o movimento, e não de legisladores, doutrinadores ou membros
do judiciário. Trata-se, portanto, não de um sistema jurídico, posição doutrinária
ou jurisprudencial, mas sim de uma ideologia, nascida em contraposição aos
monopólios detidos, conforme previamente exposto, não apenas pelos gigantes
da indústria de software, mas também por editoras, gravadoras e demais
detentores de direitos sobre obras intelectuais.
O raciocínio que embasa essa ideologia, portanto, nasce do
questionamento das premissas que norteiam a proteção dada ao software, em
particular, e à propriedade intelectual, de modo geral. Como vimos, a proteção a
estes direitos é encarada, no caso dos países que adotam o sistema de copyright,
como um “mal necessário” à produção cultural. Nesse princípio subentende-se a
premissa de que fora do sistema empresarial de produção, a cultura não poderia
ser feita ou, ao menos, não poderia ser feita com igual eficiência. No caso
específico dos softwares, ela consiste em dizer que não seria possível termos
programas em igual variedade, utilidade e qualidade sem o empenho das grandes
empresas que os comercializam. Isso porque seriam essas empresas as
responsáveis por assegurar aos autores o sustento, a visibilidade, a promoção etc.

39
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 22.
Depreende-se, também, que a única forma de incentivo a tais empresas é a
concessão de uma variedade de monopólios sobre a obra.
A ideologia do copyleft, porém, questiona essas premissas. Entendendo
que a proteção dos interesses dessas empresas só se dá enquanto meio para que
se alcance um fim maior – o fomento à cultura –, torna-se relevante perguntar se
essa proteção é a única forma possível de alcançar tal fim, o que, no
entendimento dos adeptos do copyleft, não é verdade. Não se trata de negar que
os privilégios concedidos levem à produção cultural, mas sim de negar que esses
privilégios sejam a única forma de a ela chegar.
Daí já se depreende uma importante diferença entre o impacto dessa
ideologia em um regime jurídico de copyright e um de direitos autorais. Ora,
enquanto o primeiro entende a proteção como uma concessão de caráter
mercadológico, concedida em benefício da sociedade, o segundo a vê como um
direito natural que surge com a criação da obra, não necessitando ser concedida
por alguma autoridade competente.
Se a concessão de certos monopólios é um “mal necessário”, colocar em
cheque essa necessidade é tirar toda a legitimidade do sistema atualmente em
vigor, enquanto no caso de tratar-se de direito natural, o mesmo efeito não é
alcançado. Assim, enquanto os defensores do copyleft podem almejar uma
mudança completa nas normas que regulam o copyright, o mesmo não é válido
no caso daquelas que norteiam os direitos do autor. Nos países que adotam este
último, portanto, no máximo pode-se pretender uma mudança de caráter
ideológico que, a posteriori, resultaria em uma potencial re-estruturação da
proteção ao autor.
Os defensores do copyleft defendem, ainda, que não apenas os privilégios
não são a única forma de assegurar a viabilidade da criação cultural, como
também perderam a proporcionalidade outrora existente, em virtude dos
constantes aumentos dos benefícios assegurados aos autores, conforme
previamente exposto.
E por acreditarem nisso é que criaram um modelo alternativo, que atende
a essa ideologia. Esse modelo surgiu por meio da GNU General Public License
(Licença Pública Geral), uma licença livre criada por Richard Stallman no final
da década de 1980.

3.4 A GNU General Public License

Richard Stallman trabalhava no Laboratório de Inteligência Artificial do


MIT desde 1971, Nessa época, embora o termo sequer houvesse sido cunhado,
predominava no instituto o uso do que atualmente chamaríamos de softwares
livres 40. Os programas eram livremente cedidos para quem por eles se
interessasse, códigos-fonte eram compartilhados e os jovens e entusiasmados
programadores se dedicavam a fazer alterações, melhorias e adaptações aos
programas então existentes. Na década de 1980, porém, a situação mudou, com o
declínio da comunidade e dos computadores PDP-10, até então utilizados por
Stallman e seus colegas hackers 41, que tiveram que ser substituídos pelos novos
computadores de então. Estes, porém, eram vendidos com contratos de
confidencialidade que impediam a formação de comunidades colaborativas. “A
regra criada pelos donos de software proprietário era, 'Se você compartilha com
seu vizinho, você é um pirata. Se você quer quaisquer mudanças, implore para

40
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 17.
41
“O uso do termo “hacker” para definir “piratas virtuais” é uma confusão por parte da mídia
de massa. Nós, hackers, nos recusamos a reconhecer esse significado, e continuamos
usando a palavra para definir “alguém que ama programação e gosta de ser esperto em
relação a ela”, in STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p.
17, tradução livre.
que nós as façamos” 42. De seu inconformismo com essa postura, surgiu a
iniciativa de Stallman de criar softwares livres, que permitissem que usuários e
programadores pudessem usar um computador sem precisar assinar contratos que
impedissem seu uso.
Compreendendo que o desenvolvimento desses softwares prescindia de
um sistema operacional livre, e sendo ele mesmo um programador de sistemas
operacionais, Stallman iniciou a produção do GNU 43, com base em quatro
liberdades.

3.4.1 As quatro liberdades

Terminologicamente, a expressão “free software”, em inglês traz uma


ambiguidade que felizmente não subsiste no português, qual seja a confusão
entre o termo “free” significando “livre” e “gratuito”. O próprio Stallman afirma
que sua expressão “free software” deve ser entendida como em “free speech”
(liberdade de expressão), e não como em “free beer” (cerveja de graça). A
distinção é retomada por outros autores, como Lawrence Lessig. 44
Trata-se de um friso importante, porque denota o teor do manifesto GNU.
Não se trata de uma abdicação do lucro, mas sim de uma negação ao controle
excessivo e injusto exercido sobre a obra. O que se defende, portanto, não é a
gratização, mas a observação de quatro liberdades:

42
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 18, tradução
livre.
43
“O nome GNU foi escolhido de acordo com uma tradição hacker, como um acrônimo
recursivo para “GNU Não é Unix”, in STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG,
Lawrence, Op. Cit., p. 19, tradução livre.
44
LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p xiv.
• A liberdade de usar o programa
• A liberdade de modificar o programa para atender às suas
necessidades
• A liberdade de redistribuir cópias, seja de forma gratuita ou
mediante remuneração
• A liberdade de distribuir cópias modificadas do programa, para
que a comunidade possa se beneficiar das suas melhorias 45.
De acordo com o projeto GNU, essas quatro liberdades são básicas dos
usuários e devem, portanto, ser sempre respeitadas. Por isso é que a utilização da
licença se faz necessária. Considerando-se somente a obra inicial, poderia o
autor disponibilizá-la sem utilizar-se de qualquer licença do tipo e simplesmente
abster-se de exercer seu direito de protestar contra qualquer uso que violasse
seus direitos como autor, nos termos da legislação atual. Se agisse dessa
maneira, porém, tal autor estaria ignorando algumas questões relevantes. Em
primeiro lugar, porque o usuário se encontraria numa posição de insegurança
jurídica já que, a qualquer momento, esses direitos poderiam ser reclamados – se
não pelo próprio autor, talvez por alguma empresa ou terceiro que viesse a
adquirir os direitos patrimoniais sobre a obra. Além disso, não estaria
tranquilizada a inquietação previamente demonstrada por Stallman, já que seria
possível, nesses termos, que o usuário criasse uma obra derivada da inicial e a
distribuísse de forma proprietária, desrespeitando as citadas liberdades.
É para isso, portanto, que foi criada a GNU, a primeira licença livre de
direitos autorais: para permitir que obras fossem distribuídas ao público de
forma a manter respeitadas algumas liberdades consideradas essenciais, e de
forma a assegurar que essas liberdades continuaram a ser respeitadas dali para a
frente, em tudo quanto derive da obra original.

45
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit. p. 20
3.4.2 Além do software

Conforme frisado acima, a licença GNU surgiu do ideal de um


programador, Richard Stallman, e, portanto, foi criada tendo em vista os
programas de computador. No entanto, os princípios defendidos por ele
extrapolam esse âmbito.
Desde sua formação, a discussão pelo Software Livre envolveu debates
mais profundos, questionando a proteção autoral em todos os âmbitos, e não
apenas no que diz respeito aos programadores. Diversos artigos referentes à
necessidade de remodelagem do sistema de copyright foram escritos por
entusiastas do Free Software e a discussão acabou fugindo do escopo original da
GNU General Public License.
Chamando cada vez mais atenção de outros autores e defensores de uma
flexibilização do copyright em benefício de uma cultura mais livre, começaram a
surgir outros movimentos que, aliados à GNU, se interessaram em criar
propostas para permitir que autores disponibilizassem suas obras — de qualquer
gênero — ao público sem tantas restrições quanto aquelas previstas em lei.
Dentre essas propostas, a de maior destaque, tanto por sua solidez teórica
quanto pelo êxito prático, foi o projeto Creative Commons.

3.5 Creative Commons


3.5.1 As licenças Creative Commons

Lawrence Lessig é um advogado americano autor de diversos livros e


artigos relacionados a Propriedade Intelectual e Tecnologia da Informação. Entre
as ideias que defende, está a de que a cultura americana se baseia na liberdade de
criação, e que as restrições cada vez maiores impostas pelas modificações no
copyright americano são um empecilho à preservação e multiplicação dessa
cultura.
Para ele, sob o louvável pretexto de combater a pirataria, diversas leis
estão impedindo o desenvolvimento de novas tecnologias que trariam muitos
outros benefícios à sociedade, provavelmente sobrepujando os prejuízos
advindos do crime combatido. Essas ideias, expostas em livros como Free
Culture ou The Future of Ideas, o levaram a se tornar um dos principais nomes
relacionados à discussão da flexibilização do copyright, resultando, por fim, na
criação da organização não-governamental sem fins lucrativos Creative
Commons.
Com o intuito de criar uma licença mais flexível, que permitisse aumentar
tanto quanto possível a disponibilidade de trabalhos sobre os quais se poderia
licitamente criar, Lawrence Lessig fundou a Creative Commons. Possivelmente
a principal instituição no que diz respeito a licenças livres de direitos autorais, o
objetivo da Creative Commons é oferecer uma alternativa ao regime de
copyright, mudando o famoso slogan “todos os direitos reservados” para um
mais flexível: “alguns direitos reservados”.
Embora atue em outras frentes, prestando auxílio e fornecendo
informações para pessoas interessadas em cultura e comunicação, a organização
é particularmente relevante para nosso estudo por causa das variadas licenças
oferecidas sob esse mecanismo, com as quais o criador da obra pode escolher
livremente quais direitos ele pretende preservar para si e quais ele está disposto
a ceder a quem quiser utilizar-se de sua obra e criar em cima dela. 46 Para atingir
esse objetivo, são oferecidas diversas licenças com níveis diferentes de cessão de
direitos.
Originalmente, as licenças disponíveis baseavam-se em combinações das
seguintes cláusulas:

Atribuição - o dever de indicação do nome do autor por quem


quer que se utilize da obra. Esse dever é comum para todas as
licenças Creative Commons.
Uso não comercial - a obra pode ser utilizada, desde que
gratuitamente.
Não a obras derivadas - a obra poderá ser utilizada somente
em sua forma integral, sem qualquer alteração.
Compartilhamento pela mesma licença - à semelhança do que
ocorre na licença GNU, qualquer trabalho derivativo de obra
sob essa licença poderá ser distribuído somente sob a mesma
licença.

A combinação dessas cláusulas resulta em dezesseis possibilidades.


Dessas, quator não são válidas como licenças Creative Commons por possuírem
tanto a condição “não a obras derivadas” quanto “compartilhamento pela mesma
licença”, sendo que as duas são excludentes. Além disso, uma quinta
combinação é inválida por não possuir nenhuma das condições, de forma que
restam onze possíveis combinações.
Cinco dessas onze combinações possíveis não possuem a cláusula
“atribuição”, sendo portanto muito raramente utilizadas, de forma que as

46
http://en.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons, acessado em 10/10/08.
licenças mais utilizadas são 6, todas elas incluindo a exigência de atribuição e
combinando as demais cláusulas. Analisada à luz do direito brasileiro, vemos
desse fato que são os direitos patrimoniais do autor os que geralmente são
cedidos, em maior ou menor escala, enquanto os direitos morais são preservados
no mais das vezes.
À semelhança da GNU, os trabalhos distribuídos sob essa licença são
protegidos pelas leis de copyright, e é justamente essa proteção que dá ao autor o
direito de aplicar as cláusulas expostas a seus trabalhos. No entanto, não sendo
voltada especificamente para um tipo determinado de obra — como o software
no caso da GNU GPL —, as licenças Creative Commons podem ser aplicadas a
todos os trabalhos passíveis de proteção sob o copyright.
A possibilidade de atribuição de uma licença Creative Commons,
portanto, assim como qualquer outra licença livre de direitos autorais, depende
de que o sistema jurídico do país em que tal atribuição se dá conceda ao autor
direitos suficientes para que ele possa deles dispor.
Por outro lado, o poder de atuação das licenças é limitado pelo que, no
sistema de copyright, se chama de “fair use”, ou “uso justo”. Segundo esse
instrumento, são legítimas algumas formas de utilização de obras alheias,
dependendo de qual o intuito da utilização, a natureza da obra protegida, a
porcentagem da obra que é efetivamente utilizada e os efeitos de tal utilização
para o valor e a comercialização da obra original. O instituto, previsto na lei
americana, não pode ser ferido por eventuais cláusulas de licenças Creative
Commons, preocupação essa que se justifica inclusive pelo escopo das licenças.
Além disso, ainda existe a possibilidade de um mesmo trabalho ser
distribuído sob diferentes licenças Creative Commons e, nesse caso, caberá ao
usuário decidir qual delas será válida. Não fosse assim, ao atribuir uma nova
licença a produto que já vinha sendo distribuído sob outras cláusulas, o autor
acabaria criando uma grande insegurança para todos os usuários da obra, que não
teriam meios de descobrir propriamente quais os termos vigentes em um
determinado momento. A previsão de que cabe ao usuário decidir qual das
licenças aplicar evita esse problema.
Com o tempo, e em atenção a necessidades posteriores, surgiram outras
licenças, mais especializadas, além das originais, acima descritas. Por exemplo,
para mixagem de músicas, existe uma licença que autoriza qualquer uso (exceto
para publicidade) de trechos da música protegida, porém permite, sobre a obra
íntegra, somente utilização não-comercial.
Ao mesmo tempo, outras licenças – como aquelas que não possuem a
cláusula de atribuição –, por serem pouco utilizadas ou por não atenderem
verdadeiramente aos princípios de uma cultura livre, acabaram por ser
desativadas, sendo sua utilização desincentivada. Assim, diversas licenças que
não permitiam o uso não-comercial da obra deixarem de ser apoiadas pela
organização. Essas mesmas licenças eram, também, motivo de críticas à Creative
Commons por parte de partidários do Movimento pelo Software Livre, que viam
nelas uma restrição abusiva e inadequada à bandeira que a organização
levantava, em favor da liberdade para a criação. Ao deixar de suportá-las, a
Creative Commons reatou com o movimento, ainda que alguns adeptos do
software livre continuem a ver falhas na adequação das licenças Creative
Commons a seus ideais.

3.5.2 Natureza jurídica

As licenças Creative Commons, à semelhança das demais licenças livres


de direitos autorais, baseiam-se na cessão, por parte do titular dos direitos
autorais, de alguns direitos para os eventuais usuários da obra. Têm, portanto,
natureza contratual.
Através das licenças, o autor seleciona alguns dos direitos de que é
possuidor e os cede aos futuros usuários da obra e é por isso que essas licenças
só podem existir sobre obras protegidas por direitos autorais, assim como sua
extensão é limitada pelos limites de poderes concedidos ao autor pelo sistema de
direitos autorais de cada país.
O objetivo é que o autor torne claro para o usuário quais usos podem e
quais usos não podem ser feitos da obra, evitando-se uma restrição completa,
conforme no sistema tradicional de proteção imposto pela lei, e permitindo a
elaboração de concessões e restrições específicas para cada obra e, portanto,
mais adequadas. Da mesma forma as licenças Creative Commons buscam
impedir que vigore uma insegurança quanto aos usos tolerados e não tolerados
de obras, visto que mesmo o Fair Use, conforme exposto acima, é origem de
graves inseguranças para os usuários de obras, o que acaba prejudicando a
posterior criação intelectual.
Nesse sentido, difere ao mesmo tempo do sistema de copyright quanto
do copyleft, visto que, enquanto aquele prega a reserva de “todos os direitos” e
este a de “nenhum direito”, o Creative Commons permite que se reserve ao autor
“alguns direitos”, tantos quanto for do desejo do autor. Daí levantarem-se
críticas às licenças por parte de defensores do sistema de copyleft.
As licenças Creative Commons se apresentam de três formas, o
Common Deed, o Legal Deed e o Digital Code. O primeiro importa em uma
explicação da licença sem linguagem jurídica, visando ao entendimento do
público leigo quanto ao que se pode e o que não se pode fazer com a obra em
questão; o segundo configura em um documento jurídico que adapta a licença a
cada sistema legal, fazendo com que ela seja juridicamente eficaz; e o terceiro
traz as liberdades e as reservas em linguagem computacional, permitindo que o
próprio computador reconheça o que se pode fazer com um determinado trabalho
e evitando que sistemas “inteligentes” – que pretendam impedir por meio de
código o uso indevido de trabalhos protegidos por copyright – proíbam o usuário
de fazer um uso que seria permitido pelos termos da licença sob a qual a obra é
licenciada.
Destes, o que mais se releva discutir é o Legal Deed, porque configura
não apenas na estrutura jurídica da licença, mas também porque é ele quem deve
atender aos ordenamentos nos quais são inseridas as licenças. Além disso, como
as licenças têm alcance mundial, ou seja, pretendem ser válidas em qualquer
ordenamento, é relevante que se analise com atenção as formas como busca
atender a tal pretensão.
A respeito dos direitos cedidos em cada licença , importa ressaltar que o
direito de “atribuição” – reservado em todas as licenças suportadas pela Creative
Commons, inclusive naquelas mais permissivas – faz parte do que no direito
brasileiro se chama de direito moral do autor, ou seja, o direito de exigir que o
nome do criador da obra original seja sempre veiculado como tal 47. O fato de a
Creative Commons não mais dar suporte a licenças que excluam a cláusula de
atribuição é bastante relevante para a inserção dessas mesmas licenças em nosso
ordenamento jurídico, visto que os direitos morais do autor possuem a natureza
dos direitos de personalidade e não podem ser cedidos contratualmente. As
demais cláusulas dizem respeito a direitos de ordem patrimoniais, previstos n o
artigo 29 da Lei de Direitos Autorais 48.

47
Art. 24. São direitos morais do autor:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;


II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou
anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
48
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por
quaisquer modalidades, tais como:
I - a reprodução parcial ou integral;
II - a edição;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV - a tradução para qualquer idioma;
3.5.3 Aspectos legais

V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;


VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com
terceiros para uso ou exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra
ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da
obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por
quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por
qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica,
mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e
meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a
microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser
inventadas.
De um modo geral, todas as licenças Creative Commons são criadas
tendo como modelo um mesmo contrato de licenciamento, de forma que todas
elas possuem disposições em comum além daquelas que caracterizam cada uma
das licenças.
Ainda, as licenças são concedidas de forma não-exclusiva – ou seja, o
licenciado não contará com nenhuma garantia de exclusividade da fruição dos
direitos que lhe forem cedidos –, gratuita – nenhuma forma de royalties será
cobrada em retribuição aos direitos concedidos pelo autor sob uma licença
Creative Commons – e perpétua.
A respeito da referida perpetuidade, porém, convém ressaltar que as
licenças serão válidas enquanto for válido o direito do autor sobre a obra. Em
outras palavras, como as licenças se baseiam nos direitos do cedente sobre sua
criação, cessando-se estes, cessa também seu poder de licenciá-los sob uma
licença Creative Commons. Ressalta-se, porém, que, de um modo geral, esse
direito cessa após o decurso do prazo previsto pelo ordenamento jurídico e que
uma vez findo coloca a obra definitivamente no domínio público.
Existe, ainda, a possibilidade de licenciante e licenciado alterarem os
termos do contrato, o que pode ser feito por meio de instrumento por escrito
assinado por ambas as partes, sendo vetada a alteração unilateral por qualquer
delas. Ao autor, contudo, ainda caberá o direito de distribuir outras cópias de sua
obra sob licenças diferentes, para outras pessoas. Cabe lembrar, porém, que,
conforme anteriormente exposto, caso um mesmo licenciado tenha acesso à obra
sob diferentes tipos de licenças, poderá ele fazer uso da que melhor atender a
seus objetivos.
Por fim, as licenças, enquanto contrato, apresentam ainda a
possibilidade de resilição, no caso de o licenciado violar os termos sob os quais
a obra foi distribuída pelo licenciante. Trata-se da revogação meramente do
contrato estabelecido entre o licenciante e aquele usuário em particular, e não da
revogação geral da licença sobre a obra, de forma que os termos continuam a
valer para todos os demais usuários. Isso vale, aliás, mesmo para os contratos
entre o autor e aqueles usuários que entraram em contato com a obra por meio do
usuário que violou os termos da licença, visto que a relação entre cada usuário e
o autor se dá na forma de uma relação jurídica inter-partes, independente,
portanto, dos demais contratos, com outros usuários.
Além desses aspectos, porém, existem outros relativos a cada licença
específica, de acordo com as concessões e restrições por elas englobados.

3.5.3.1 Licença de Atribuição

Esta licença concede ao usuário, além dos termos acima explanados, os


direitos de “reproduzir a [o]bra, incorporar a [o]bra em uma ou mais [o]bras
[c]oletivas e reproduzir a [o]bra quando incorporada em [o]bra Coletiva; criar e
reproduzir [o]bras [d]erivadas; distribuir cópias ou gravações da [o]bra, exibir
publicamente, executar publicamente e executar publicamente por meio de uma
transmissão de áudio digital a [o]bra, inclusive quando incorporada em [o]bras
[c]oletivas; distribuir cópias ou gravações de [o]bras [d]erivadas, exibir
publicamente, executar publicamente e executar publicamente por meio de uma
transmissão digital de áudio [o]bras [d]erivadas” 49.
Como não são proibidas formas de utilização comercial da obra
original, a licença inclui a renúncia expressa, por parte do autor, de “seu direito
exclusivo de coletar, seja individualmente ou através de entidades coletoras de
direitos de execução (por exemplo, ECAD, ASCAP, BMI, SESAC), o valor dos
seus direitos autorais pela execução pública da obra ou execução pública digital

49
Http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/br/legalcode/ , acessado em 15/06/09
(por exemplo, webcasting) da [o]bra.” 50 e de “seu direito exclusivo de coletar,
seja individualmente ou através de uma entidade designada como seu agente (por
exemplo, a agência Harry Fox), royalties relativos a quaisquer gravações que [o
usuário] criar da [o]bra (por exemplo, uma versão "cover") e distribuir,
conforme as disposições aplicáveis de direito autoral” 51.

3.5.3.2 Licença Atribuição – Uso não Comercial

Esta licença é uma variação mais restritiva da licença acima,


concedendo os mesmos direitos, com exceção do uso comercial da obra. Esta
licença estabelece que o usuário “não poderá exercer nenhum dos direitos [...]
concedidos [...] de qualquer maneira que seja predominantemente intencionada
ou direcionada à obtenção de vantagem comercial ou compensação monetária
privada”, fazendo a ressalva de que a “troca da [o]bra por outros materiais
protegidos por direito autoral através de compartilhamento digital de arquivos ou
de outras formas não deverá ser considerada como intencionada ou direcionada à
obtenção de vantagens comerciais ou compensação monetária privada, desde que
não haja pagamento de nenhuma compensação monetária com relação à troca de
obras protegidas por direito de autor”. Além disso, o autor reserva a si o direito
de coletar os valores relativos a royalties ou à compensação por exibição pública
da obra, se a gravação ou a exibição forem “predominantemente intencionada ou
direcionada à obtenção de vantagem comercial ou compensação monetária
privada” 52. Subsiste, porém, a possibilidade de que o usuário exibia
50
Idem.
51
Idem.
52
http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br/legalcode , acessado em 17/06/09.
publicamente a obra, a distribua ou modifique, desde que o faça sem intenção de
comercialização.

3.5.3.3 Licença Atribuição – Vedadas obras derivadas

Esta licença, também uma variação mais restritiva da licença Atribuição,


não concede ao usuário permissão para que modifique a obra original, para criar,
reproduzir, ou exibir obras derivadas 53. Modificações na obra original são
permitidas somente à medida em que necessárias para exercer os direitos
licenciados através de outras mídias que não aquela em que a obra fora
originariamente distribuída, respeitando-se, porém, a condição de que essas
modificações não transformem a obra a ponto de que se fale na criação de uma
obra derivada.

3.5.3.4 Licença Atribuição – Compartilhamento pela mesma


Licença

Essa licença, traz, além das exigências da licença Atribuição, a restrição


de que o usuário “pode distribuir, exibir publicamente, executar publicamente ou
executar publicamente por meios digitais uma [o]bra [d]erivada somente sob os
termos desta [l]icença, ou de uma versão posterior desta licença com os mesmos

53
http://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.5/br/legalcode , acessado em 17/06/09.
[elementos] desta licença, ou de uma licença do Creative Commons
internacional e(iCommons) que contenha os mesmos [elementos] desta [l]icença
(por exemplo, Atribuição-Compartilhamento pela Mesma Licença 2.5 Japão)” 54

3.5.3.5 Licenças Atribuição – Uso não comercial – Vedadas Obras


Derivadas

A Licença Atribuição – Uso não comercial – Vedadas Obras Derivadas


apresenta uma combinação das restrições previamente descritas, não permitindo
o uso comercial, bem como a criação de obras derivadas 55.

3.5.3.6 Licença Atribuição – Uso Não Comercial –


Compartilhamento pela mesma Licença

A Licença Atribuição – Uso não comercial – Compartilhamento pela


mesma Licença, também combina restrições de duas licenças, não permitindo o
uso comercial e exigindo que obras derivadas sejam distribuídas pela mesma
licença por por licença equivalente 56.

54
http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5/br/legalcode , acessado em 17/06/09.
55
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/, acessado em 17/06/09.
56
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/, acessado em 17/06/09.
3.6 Críticas

Conforme exposto, não são unânimes as licenças livres, havendo críticas


advindas mesmo de quem defende seus ideais. Essas críticas, porém, de um
modo geral contestam mais a adequação de uma ou outra licença a um
determinado princípio, e não a existência dessas licenças, propriamente, assim
como não questionam sua funcionalidade jurídica.
Existem, contudo, pessoas que as contestam também nesse âmbito, e são
essas as críticas que surgem como relevantes ao presente estudo, por apontarem
eventuais limitações jurídicas – e não meramente ideológicas – às licenças livres
de direitos autorais.
Muitas das críticas ao Creative Commons partem do fato de que
algumas pessoas acusam a licença de pretender substituir o regime de direito
autoral 57. Tal crítica, conforme, vimos, não procede, visto que as licenças não
apenas não negam os direitos autorais, como se fundamentam em sua
prerrogativa de que os autores podem fazer o uso que entenderem de seus
direitos, dispondo deles, se necessário.
Além disso, costuma-se associar o uso das licenças com uma renúncia,
por parte do autor, a pretensões econômicas sobre a obra, acreditando-se
erroneamente que a distribuição de uma obra sob uma dessas licenças
necessariamente leva o autor a abrir mão de seus direitos patrimoniais sobre a
obra. Mais uma vez, a crítica é infundada, pois nem mesmo o regime de copyleft
– muito mais radical do que o das licenças Creative Commons – impede a
comercialização das obras. Além disso, no caso destas licenças, a forma mais
comum de distribuição é justamente a que impede que o usuário faça uso

57
SANTOS, Manuella, Direito autoral na era digital – impactos, controvérsias e possíveis
soluções, p. 151.
comercial de sua obra, o que significa que os valores correspondentes aos
direitos autorais continuam a ser cobrados, caso as obras sejam exibidas
comercialmente.
Além disso, as licenças Creative Commons exercem um papel
importantíssimo na conciliação dos direitos autorais com a internet, facilitando
sobremaneira a divulgação e circulação de trabalhos. Se bem utilizada pelos
autores, a ferramenta pode se reverter em maior visibilidade para a obra, de
formas que talvez não pudessem ser alcançadas sem um instrumento similar.
4. Licenças livres de direitos autorais no
Direito brasileiro

“Can ye bow to the gale, can ye


bend to the storm?”
(Terry Pratchett)

4.1 Creative Commons no âmbito internacional

Note-se que, caso uma obra seja licenciada em um país e utilizada por
usuário em outra jurisdição, configura-se a existência de um contrato
internacional, sujeito, portanto, às regras processuais e de direito internacional
privado que especifiquem foro competente e legislação aplicável a cada caso.
Como nas licenças não existe cláusula de escolha de foro – e de
qualquer forma, mesmo a validade deste tipo de cláusula tem sido questionada
pelo STJ 58 –, de acordo com o Código de Processo Civil, artigo 88 59, a
competência da Justiça brasileira é concorrente, ou seja, tanto o caso pode ser

58
Nesse sentido, STJ. Recurso Especial 804306, 03/09/2008, Relator Ministra Mancy
Aldrighi.
59
Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no n o I, reputa-se domiciliada no Brasil a
pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
levado à nossa Justiça quanto à do país do usuário. Quanto
à lei aplicável, de acordo com o direito internacional privado brasileiro, aplicar-
se-ia a lei brasileira, de acordo com o artigo 9º da LICC 60.
Como alguns ordenamentos jurídicos não autorizam a cessão de certos
direitos, o Legal Deed já faz alerta nesse sentido em sua cláusula 5,
estabelecendo que, no caso de o usuário se encontrar sob um desses
ordenamentos, determinadas concessões não se aplicarão a ele. Conforme se
torna evidente, esse tipo de previsão afeta sobremaneira a eficiência das licenças
no sentido de dar maior transparência ao usuário quanto aos direitos cedidos
pelo autor, o que mais uma vez demonstra a relevância de buscar-se a máxima
unificação possível das leis sobre direitos autorais no âmbito internacional.
Com o intuito de evitar problemas advindos da existência de diferentes
legislações sobre a matéria, a Creative Commons adotou uma ferramenta
eficiente na maioria dos casos. Trata-se da estipulação de equivalências entre
licenças adaptadas a diferentes países, mas que licenciem, de acordo com cada
legislação, direitos correspondentes. Assim, a licença “By” e a “Atribuição”
possuem redação distintas e estão adequadas cada uma à lei de um país – EUA e
Brasil. No entanto, ambas concedem direitos equivalentes e são fungíveis, de
acordo com os termos de seus contratos.
Com isso, as obras podem ser licenciadas em diferentes países,
utilizando licenças adequadas a cada uma das legislações, sem que, contudo, se
altere seu objeto principal, ou seja, os direitos que o autor concede ao usuário.
Essa ferramenta facilita a distribuição internacional de obras licenciadas
sob Creative Commons, impedindo que aspectos técnicos das legislações dos

60
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituirem.

§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que


residir o proponente.
diferentes países impossibilitem ao autor – especialmente se leigo em direito – a
concessão dos direitos que eventualmente deseje ceder a seu público.

4.2 Adaptações ao sistema brasileiro - incompatibilidades


e validade

Seguindo o projeto de internacionalização das licenças Creative


Commons a partir de sua adaptação aos mair variados ordenamentos
(iCommons), o Brasil possui uma versão das licenças, já totalmente adaptadas à
nossa legislação.
Quando da adaptação das licenças Creative Commons para o sistema
jurídico brasileiro, foram exigidas algumas alterações em sua redação, de acordo
com as diferenças entre nossa proteção autoral e a do sistema de copyright.
Essa adaptação foi liderada por Ronaldo Lemos, e dirigida pelo Centro
de Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas,
no Rio de Janeiro 61, que representa o projeto Creative Commons no Brasil. A
adaptação foi feita coletivamente, e discussões referentes às modificações
necessárias podem ser encontradas na internet 62.
O processo, incluindo um relatório das mudanças necessárias e da forma
como se deu a adaptação, também foi compartilhado com a comunidade
internacional, sendo reconhecido, por seu detalhismo e compleição, como uma
ajuda importante no projeto de internacionalização das licenças 63.

61
http://www.direitorio.fgv.br/cts/index.html, acessado em 21/06/09.
62
http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000018.html , acessado em 20/06/09.
63
http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000019.html , acessado em 20/06/09.
Conforme exposto, os contratos que servem como diferentes licenças no
sistema do Creative Commons foram adaptados às leis brasileiras, assim como
podem o ser os contratos referentes a diferentes tipos de licenças livres de
direitos autorais. Isso dirime problemas de inadequação tanto da linguagem
quanto de certos termos, e funciona de forma muito eficiente para solucionar a
questão da tendência à universalização desses contratos, decorrência direta a
universalização que a internet representou para a circulação das criações do
intelecto.
No entanto, restam aspectos cuja solução não é tão simples, seja porque
nosso ordenamento jurídico não permite, seja porque nossa cultura encara os
direitos autorais de forma diferente da que prevalece nos sistemas de copyright,
conforme abordado anteriormente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a exemplo da Inglaterra, a proteção
do copyright não configura verdadeira proteção à pessoa do autor. Trata-se, na
verdade, de proteção à obra, embasada pelos já expostos princípios de estímulo
ao desenvolvimento cultural. Essa despreocupação com o autor é refletida pelas
licenças que se originam nesses ordenamentos, como é o caso da Creative
Commons. Por outro lado, o mesmo não se observa na legislação brasileira, em
que, adotando-se os valores da doutrina francesa, temos um sistema de direitos
autorais que protege o autor.
Em nosso ordenamento jurídico, por conseguinte, temos a restrição de
que os direitos morais do autor possuem a característica dos direitos da
personalidade, sendo, portanto, irrenunciáveis e inalienáveis, conforme o artigo
27 da lei 9610/98.
Embora, conforme anteriormente exposto, as licenças Creative
Commons que abdicassem da cláusula “Atribuição” tenham caído em desuso por
diversas razões, elas não são impraticáveis sob o sistema, assim como alienações
similares são possíveis em outras formas de licenciamento de direitos autorais
baseados em regimes internacionais. No entanto, se um autor brasileiro fizer uso
de uma dessas licenças, ela será inválida diante de nossa lei, visto que ele estará
se comprometendo a renunciar a direito personalíssimo.
Assim, por mais que se busque adaptar as licenças ao nosso
ordenamento, esse tipo de previsão nunca será concebível. No caso específico
das licenças Creative Commons, tem-se previsão nos próprios contratos de que
as licenças só são válidas à medida em que não ferem a legislação, e de que a
eventual invalidade de uma disposição não invalidará o restante do contrato.
Isso, se serve para não inviabilizar completamente as licenças em nossa lei, não
evitará que se crie uma situação de insegurança jurídica sempre que tais licenças
forem adotadas em jurisdições diferentes.
Tanto é assim que uma licença atualmente utilizada fora do Brasil não
pode ser adaptada ao nosso ordenamento: a licença de Domínio Público, pela
qual o autor deliberadamente insere no domínio público uma obra sobre a qual
detenha o copyright, em detrimento de seus herdeiros e sucessores. Tal licença
nunca poderia ser utilizada no Brasil, de acordo com a lei atualmente vigente,
independente de quanto esforço se fizesse para adaptá-la. Em face da forma
como funciona a internacionalização das licenças Creative Commons – conforme
exposto acima –, esse tipo de incompatibilidade representa um grande entrave às
pretensões da organização.
Ademais, ainda não houve, em nosso judiciário, caso de julgamento
referente à validade das licenças Creative Commons – ou outra similar – como
forma de licenciamento de direitos autorais. Na Holanda, porém, em que se
adota sistema de proteção autoral similar ao brasileiro, houve julgado
reconhecendo a validade da licença, e admitindo que “os termos da licença
Creative Commons aplicam-se automaticamente sobre o conteúdo licenciado por
ela, e vincula usuários daquele conteúdo às condições da licença mesmo que não
estejam cientes da licença, ou que não tenham expressamente concordado com
ela” 64.

64
http://www.direitorio.fgv.br/cts/blog_commento.asp?
blog_id=156&month=4&year=2006&giorno=&archivio=OK, acessado em 20/06/09.
5. Conclusão

Durante o trabalho, percebemos como o desenvolvimento do direito


autoral se deu em função de realidades fáticas e atendeu, durante sua história, a
diferentes objetivos. Sua natureza foi por diversas vezes questionada e
reformulada, visto que sua primeira forma – a de monopólios concedidos por
monarcas – não se sustentava depois das revoluções porque passaram Inglaterra
e França. Mesmo assim, embora sobre outros pilares, a proteção se manteve.
Diante, porém, de uma nova realidade fática e de novos interesses,
surgiram também novas teorias para a proteção do autor, da obra e,
principalmente, da criação e da cultura. Dessa nova forma de encarar os direitos
autorais e o copyright é que surgiram movimentos como o copyleft, a defesa do
software livre e a criação de licenças livres de direitos autorais.
Estas, atendendo à função de viabilizar licenciamentos menos rígidos
entre autor e usuário, firmaram-se como um dos principais instrumentos
daqueles que, sem necessariamente questionar a legislação de proteção ao autor,
pretendiam ver concretizada a liberdade de compartilhamento e disseminação do
conteúdo criado, em tempos em que o mundo todo se conecta.
Conforme vimos, a capacidade de funcionar em diferentes
ordenamentos é essencial às pretensões de licenças livres como as do sistema
Creative Commons. As modificações trazidas pela internet e por alguns de seus
mecanismos propicia um ambiente favorável ao compartilhamento de criações e,
nesse âmbito, é um dos objetivos das licenças simplificar e tornar mais
transparente o licenciamento entre partes vivendo sob leis diferentes.
Para atender a esse fim, e frente as diferenças existentes entre cada
legislação, o poder das comunidades é essencial, sendo que nelas reside o maior
trunfo de iniciativas como a Creative Commons. Assim, diversos países já
possuem versões das licenças adaptadas a seus ordenamentos, e muitos outros se
encontram em processo de adaptação. Como exposto, essa adaptação é
fundamental ao intercâmbio de conteúdo através da internet, e foi um
mecanismo inteligente e eficiente encontrado pelos Commons para propiciar a
efetivação de seus interesses.
No Brasil, apesar das diferenças existentes entre nosso modelo de
direitos autorais e o modelo de copyright vigentes nos Estados Unidos, as
licença já foram traduzidas e adaptadas, de forma que obras licenciadas no
mundo todo podem ser utilizadas por quem aqui reside. Este usuário, a partir
delas, terá espaço para produzir novo conteúdo e distribui-lo com as licenças
brasileiras.
Durante a execução deste estudo, pretendeu-se estudar as licenças não
apenas do ponto de vista de sua criação histórica e ideológica, mas também
quanto à sua capacidade de atuar em diferentes países, particularmente o Brasil.
Como vimos, embora alguns elementos de nosso direito não existam no direito
americano, e embora concessões viáveis sob a lei dos Estados Unidos não sejam
admitidas sob a nossa, as principais licenças existentes são perfeitamente
cabíveis em nosso ordenamento e constituem um importante instrumento para a
disseminação da cultura, tão carente em nosso país.
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