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O Brasil e os Commons
Licenças Livres de Direito Autoral no Direito Brasileiro
(Thomas Jefferson )
O Brasil e os Commons
1. Introdução.......................................................................................................... 5
2. Os direitos autorais e o copyright....................................................................... 8
2.1 Histórico do direito do autor.......................................................................... 8
2.2 O direito autoral.......................................................................................... 19
2.3 O copyright................................................................................................. 21
2.4 Limites........................................................................................................ 25
2.5 Distorções................................................................................................... 28
3. Licenças livres de direitos autorais................................................................... 30
3.1 A nova revolução cultural ou “A Guerra das Ideias”.................................... 30
3.1.1 Cultura e comunicação........................................................................ 31
3.1.2 Um pólo que já não é passivo.............................................................. 33
3.2 A sociedade e as leis.................................................................................. 35
3.3 O copyleft................................................................................................... 36
3.4 A GNU General Public License................................................................... 40
3.4.1 As quatro liberdades............................................................................ 41
3.4.2 Além do software................................................................................. 43
3.5 Creative Commons..................................................................................... 43
3.5.1 As licenças Creative Commons........................................................... 44
3.5.2 Natureza jurídica.................................................................................. 56
3.5.3 Aspectos legais.................................................................................... 63
3.5.3.1 Licença de Atribuição.................................................................... 66
3.5.3.2 Licença Atribuição – Uso não Comercial....................................... 67
3.5.3.3 Licença Atribuição – Vedadas obras derivadas............................. 68
3.5.3.4 Licença Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença......69
3.5.3.5 Licenças Atribuição – Uso não comercial – Vedadas Obras
Derivadas ................................................................................................. 69
3.5.3.6 Licença Atribuição – Uso Não Comercial – Compartilhamento pela
mesma Licença......................................................................................... 70
3.6 Críticas....................................................................................................... 70
4. Licenças livres de direitos autorais no Direito brasileiro................................... 73
4.1 Creative Commons no âmbito internacional............................................... 73
4.2 Adaptações ao sistema brasileiro - incompatibilidades e validade..............75
5. Conclusão........................................................................................................ 79
6. Bibliografia........................................................................................................ 81
Sites................................................................................................................. 84
1. Introdução
2
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_copyright_law, acessado em 28/12/08.
“Stationers’ Company Register” assegurando, assim, seu direito exclusivo a
publicar a obra, pelos termos da guilda.
Conforme se percebe, o copyright surge como instrumento comercial de
interesse de livreiros e editores, protegido pelo Estado apenas por servir aos seus
interesses de controle sobre o quanto se publicava. Mesmo depois — quando a
discussão sobre o tema viria a se intensificar e as teorias justificadoras do
copyright mudassem de figura —, seriam os mesmos livreiros e editores os mais
interessados em defender e intensificar a proteção concedida pelo copyright, e
não os autores, conforme veremos no desenrolar desse capítulo.
Posteriormente, já em 1623, o Estatuto dos Monopólios reprimiu a
concessão de monopólios para livreiros, embora o sistema como atuavam os
livreiros tenha se mantido através da adaptação do sistema de patentes, ainda
permitidas.
Historicamente, é relevante lembrar que nesse período a Inglaterra
passava por uma séria reestruturação de valores, demonstrando o início da
derrocada do sistema absolutista. No ano de 1640, houve a Revolução Puritana,
que levou o rei a convocar o Parlamento, que havia sido dissolvido mais de uma
década antes. O Parlamento então destruiu a Câmara Estrelada. Embora o poder
da Stationers’ Company tenha se mantido posteriormente até 1692, por meio de
licensing acts que estendiam a duração da concessão de tal poder ao órgão,
ficava claro que o sistema de controle sobre a publicação de novas obras não
poderia subsistir da forma como vinha sendo gerido.
Após a extinção da Câmara Estrelada, em 1662, foi criado o Licensing
Act, que mantinha a exclusividade da Stationer's Company sobre todo o material
publicado na Inglaterra. Subsistiu, também, o poder sobre todas as prensas do
país, e o direito de que seus funcionários, a mando do Rei, invadissem
propriedades em busca de publicações não-autorizadas, que podiam levar a
punições severas de multas e prisão.
O ato foi prorrogado algumas vezes, e manteve-se em vigor até 1695,
quando a Câmara dos Comuns optou por não renová-lo 3. A partir de então, e até
a promulgação do Copyright Act de 1710, a Inglaterra ficou sem nenhuma lei
positiva de proteção às publicações, restando aquelas do sistema de common
law 4.
Em1688 houve a Revolução Gloriosa, e em 1689 foi imposta a
Declaração de Direitos, que não fazia nenhuma menção à liberdade de imprensa.
Assim, com o fim da vigência do poder concedido à Stationers’ Company em
1692 e a abolição da censura e do monopólio em 1694, os livreiros deixaram de
ser protegidos pelo Estado, passando a ter que lidar com a concorrência
estrangeira. Nesse período, o copyright era regido apenas pela common law,
sendo regulado por lei positiva somente a partir de 1710, ano em que foi
publicado o Statute of Anne, a primeira legislação sobre copyright da história. O
Ato, no entanto, representava uma modificação de extrema relevância na visão
sobre o tema, conforme já se denota de seu próprio título:
Como se vê, trata-se já então de uma visão que preza antes pelo interesse
coletivo do aprendizado do que pelo interesse individual do mercador de livros,
além de haver já então a previsão de uma limitação temporal para o privilégio da
exclusividade que, então, duraria apenas catorze anos, renováveis por outros
3
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Licensing_of_the_Press_Act_1662 , acessado em
16/05/09.
4
LESSIG, Lawrence, Free Culture, p. 86.
5
Disponível em http://www.copyrighthistory.com/anne.html, acesso em 20/05/09.
catorze no caso de obras ainda não publicadas e vinte e um anos para as obras já
publicadas quando da publicação do Ato.
A razão para essa restrição é bastante importante para que se compreenda
a natureza dos direitos concedidos sob o copyright.
Esses direitos, aliás, eram limitados, na época, àquilo que a palavra
efetivamente significa: o de copiar. Não havia, portanto, restrições hoje
existentes, quanto ao posterior uso da obra, à criação de obras derivativas etc;
apenas a cópia é que se proibia. E como à época mesmo essa restrição parecera
periclitante – em face das já mencionadas revoluções que, em parte, combatiam
a concessão de monopólios –, optou-se por conceder o privilégio de forma
limitada, somente à medida que benéfico para a sociedade.
Além disso, sob essa legislação, o copyright era concedido ao autor da
obra, e não ao livreiro, além de assegurar certos direitos ao comprador da obra,
impedindo que o uso fosse, portanto, injustamente limitado.
Outro fato que precisa ser considerado é o de que os próprios vendedores
de livros – detentores dos privilégios que ora se concediam – não eram bem
vistos na sociedade inglesa da época. Isso porque, conforme vimos, eles
costumavam atuar como instrumento para o exercício da repressão real; eram
censores que trocavam a liberdade do povo inglês por benefícios concedidos pela
Coroa 6. Assim, quando da publicação do Ato de 1710, o Parlamento se
preocupou em estabelecer a limitação temporal, como forma de certificar-se de
que a restrição à cópia não se desse de outra forma que não aquela essencial à
defesa do interesse coletivo.
Assim é que o que antes era uma legislação de censura, o Licensing Act,
instrumento de repressão do conhecimento 7, foi utilizado para a criação de uma
lei que trazia em seu preâmbulo os ideais que a justificam: um ato de incentivo
ao aprendizado.
6
LESSIG, Lawrence, Free Culture, p. 89.
7
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 15.
Essas mudanças, por óbvio, não agradaram os livreiros acostumados ao
antigo sistema, de forma que eles passaram a tentar defender uma proteção mais
intensa do copyright, baseando sua argumentação na existência de um direito de
propriedade por parte do autor reconhecido pela common law que não poderia
ser ignorado. O autor teria, portanto, o direito de ceder esse direito aos livreiros
de maneira que não se justificaria a existência de nenhum tipo de restrição a ele.
Foi então que se levantou a discussão quanto à natureza do copyright e à
sua duração. Seria ele um direito dos autores, advindo da própria criação da obra
ou um privilégio concedido pelo Estado e, portanto, passível de limitações por
ele impostas?
Nesse sentido, aliás, é que se apresentam as principais diferenças em
relação ao desenvolvimento do direito autoral na França. Inicialmente, embora a
proteção fosse igualmente realizada por meio de concessões de exclusividade a
livreiros e editores, houve uma diferença fundamental no país, porque também
os escritores franceses brigaram, já no século XVI, pelo reconhecimento de seus
direitos. Nesse caso, defendia-se que, enquanto autores, tinham eles direito de
propriedade sobre tudo quanto produziam com o próprio esforço, tese
reconhecida pela justiça francesa em 1568, no caso que viria a ser conhecido
como “Muret”. Posteriormente, em 1749, o caso Crébillion revelou o
entendimento de que “o autor tinha direito de retirar proveito econômico da
utilização de suas criações e que estas emanavam de sua personalidade, devendo
os livreiros com isso pagar uma quantia contínua sobre seu uso” 8
O tema também foi alvo de inúmeras disputas judiciais na Inglaterra ao
longo do século XVIII, mudando-se constantemente o entendimento sobre a
natureza do direito de cópia. Três decisões de grande relevância levantaram
conceitos contrários para o copyright, sendo a primeira delas no ano de 1769, no
caso Millar v. Taylor, em que se afirmou que os autores possuíam um direito
8
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 17.
perene sobre suas obras; a segunda no ano de 1774, caso Hinton v. Donaldson,
em que foi reconhecido o direito natural, embora este fosse válido somente pelo
termo estabelecido no Ato de 1710; e a terceira, no mesmo ano, no caso
Donaldson v. Beckett, em que foi negado o caráter de direito natural do
copyright, afirmando-se que o direito era concedido pela legislação e não
advinha diretamente da criação da obra.
Assim, no final do século XVIII, na Inglaterra é que a discussão
levantada quanto à natureza do copyright viria a se assentar no sentido de que se
tratava de um “monopólio para fins de regulamentação do comércio, cujo
conteúdo era tópico nevrálgico das discussões e decisões, e limitados no tempo,
em razão do interesse da coletividade” 9 e de que esse monopólio era de
titularidade dos autores. Assim decidiu a justiça inglesa, no caso mencionado:
9
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
Providência com o poder delegado de disseminar
aos seus semelhantes aquela instrução que o
Paraíso designou para o benefício universal: eles
não podem ser egoístas para com o mundo, ou reter
para si a provisão comum. Nós sabemos qual era a
punição para aquele que escondia seu talento; e a
Providência garantiu que não haverá necessidade
dos mais nobres motivos e incentivos para os
homens de gênios comunicarem ao mundo as
verdades e descobertas, que não são nada se não
comunicadas. O conhecimento não tem valor ou uso
para o proprietário solitário; para ser aproveitado,
ele precisa ser comunicado: scire tuum nihil est,
nisi te scire hoc sciat alter. A glória é a recompensa
da ciência; e aqueles que a merecem desprezam
pontos de vista mais vis. Eu não falo dos
garranchos por pão, que caçoam do mundo com
suas produções infames; catorze anos é um período
muito longo para seu lixo perecível. Não foi para
seu ganho que Bacon, Newton, Milton, Locke,
instruíram e deliciaram o mundo. Quando um
vendedor de livros ofereceu a Milton cinco libras
por seu Paradise Lost, ele não rejeitou a oferta e
condenou sua obra às chamas, e ele também não
aceitou a miserável merreca como a recompensa
por seu labor; ele sabia que o preço real do seu
trabalho era a imortalidade, e que a posteridade o
pagaria. Alguns autores são tão descuidados com o
lucro quanto outros são vorazes por ele, e em que
situação estaria o público com respeito à literatura
se não houvesse meios de compelir uma segunda
impressão de um trabalho útil! Todo o aprendizado
estaria prezo nas mãos dos Tonsons e Lintots 10 da
época, que poderiam estabelecer sobre ele o preço
que sua avareza demandasse, até que todo o público
se tornaria escravos dele na mesma medida em que
seus próprios vis carregadores de haquenees 11.”12
10
N.T. “Tonsons e Lintots” é usado com o significado de “editores”.
11
N.T. “Haquenees” são um tipo de carruagem de aluguel francesa, comum na Europa a
partir do século XVII
12
Disponível em http://constitution.org/bcp/camden145.htm, acesso em 15/06/09, tradução
livre.
Foram essas as doutrinas posteriormente adotadas pelos Estados Unidos
– país de origem das principais licenças livres de direitos autorais –, a exemplo
da Inglaterra, e pelo Brasil, adepto da doutrina francesa.
Já no século XIX, tornou-se evidente a necessidade de que a
Propriedade Intelectual, em suas variadas espécies, fosse protegida não apenas
no âmbito nacional, mas também em escala mundial. Assim, em 1886, 3 anos
após a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial estabelecer
imposições internacionais para a regulação de marcas, patentes, modelos de
utilidade, desenhos e modelos industriais, indicações de proveniência ou
denominação de origem, diversos países se reuniram em Berna, na Suíça, para
elaborarem a primeira convenção internacional sobre direitos autorais ou
copyright. Assim é que, neste ano, foi firmada a Convenção de Berna para a
Proteção das Obras Literárias e Artísticas, terminologia adotada em detrimento
de “direitos de autor”, ou “direitos autorais”. O tratado foi ratificado pelo Brasil,
através do Decreto 75.699, de 1975.
O intuito da Convenção foi o de promover internacionalmente o
reconhecimento dos direitos autorais e copyright, bem como estabelecer
proteções mínimas e termos que deviam ser respeitados com o intuito de
alcançar melhor harmonização nas normas dos diferentes países. Para esse fim, a
Convenção determinou o tempo mínimo de proteção em 50 anos após a morte do
autor, além de abolir a exigência de registro para que a obra seja protegida.
Essas exigências – especialmente a última – por irem de encontro a
algumas das principais características do copyright, fizeram com que Inglaterra e
Estados Unidos deixassem de ratificar instantaneamente todos os dispositivos
propostos. A Inglaterra viria a adotar efetivamente a Convenção em 1988, e os
EUA, em 1989.
Posteriormente à Convenção de Berna, em 1952, foi assinada a
Convenção Internacional de Genebra, com intenções similares às da primeira.
Em 1971, ambas as convenções viriam a ser revisadas em Paris.
Em 1994, o TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – reforçou a proteção à
Propriedade Intelectual, sendo adotado por diversos países, inclusive por sua
aceitação ser requisito para a entrada de qualquer país na OMC – Organização
Mundial do Comércio. Como, sob o TRIPS, aplicam-se subsidiariamente as
regras dos tratados da OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual
–, dentre os quais figuram as convenções de Berna e Genebra.
A despeito de críticas por parte dos países que não haviam adotado os
tratados da OMPI, a imposição se manteve. Por fim, obteve-se um sistema
internacional de proteção à Propriedade Intelectual, com regras obedecidas por
todos os países integrantes da OMC.
13
SILVEIRA, Newton, A propriedade intelectual e as novas leis autorais, p. 9.
levando em conta somente o fato objetivo da existência ou não de invenção
idêntica anterior.
O Brasil adota em seu ordenamento o sistema individual de proteção,
surgido na França, conforme previamente abordado. Esse sistema, de caráter
subjetivo, concede proteção ao autor 14, e não à obra. Trata-se de reflexo da tese
defendida pelos livreiros franceses do século XVI, de que ao autor cabia um
direito natural, derivado da própria criação da obra 15. Daí a proteção independer
de registro e terem as concessões de utilização comercial das obras, dos autores
para editoras, distribuidoras, gravadoras etc, alcance limitado 16. A visão de que a
proteção autoral constitui direito natural inafastável é observada na legislação
brasileira, por exemplo no artigo 18 da Lei de Direitos Autorais, que determina
que “[a] proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”.
Essa percepção fica evidente nas palavras de Antônio Chaves, que, ao
estudar a então vigente lei 5.988, de 1973, afirmou conter a lei “uma verdade
que ninguém jamais se atreveria a pôr em dúvida: a de que o autor é titular de
direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual que produziu” 17.
Conforme será mais detalhadamente exposto à frente, essa verdade,
inquestionável em nosso sistema jurídico, não seria merecedora de igual adjetivo
sob o ponto de vista do sistema de copyright.
No entanto, embora encare o direito do autor como proteção a este, e não
à sociedade, conforme se observa nos países que adotam o copyright, não se
pode negar que a legislação brasileira vê nos direitos autorais um importante
instrumento de política pública para o desenvolvimento do país 18. De fato, a
14
BITTAR, Carlos Alberto, Direito de Autor, p. 9.
15
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
16
BITTAR, Carlos Alberto, Op. cit., p. 9.
17
CHAVES, Antônio, A nova lei brasileira de direito do autor, p. 23.
18
VITALIS, Aline, A função social dos direitos autorais: uma perspectiva constitucional e os
novos desafios da sociedade de informação, p. 180.
Constituição Federal de 1988 inclui em seu capítulo referente à “Educação,
Cultura e Desporto” a determinação de que “o Estado garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, dispositivo
esse que fundamenta a proteção aos direitos autorais 19.
Dessa forma é que se observa dentro de nosso ordenamento a necessidade
de conciliação entre a proteção do autor concedida na forma de um direito
natural e os interesses culturais pregados por nossa Constituição. Assim é que a
proteção ao autor se vê como desejável, à medida em que fomenta a produção
cultural: incentivado por vantagens de caráter econômico, o autor poderá prestar
maiores esforços à criação cultural. Essa lógica, conforme veremos, se aproxima
em alguns aspectos daquela adotada pelo sistema de copyright. No entanto, e isto
também se pretende demonstrar, há uma diferença fundamental na forma como
essa relação entre a concessão de vantagens aos autores e a consequente
produção cultural é encarada por ambos os ordenamentos.
2.3 O copyright
19
VITALIS, Aline, Op. Cit., p. 181.
20
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 16.
Ao contrário do que ocorre na proteção do direito autoral, o copyright não
é compreendido como um direito natural do autor, mas como forma de
regulamentação mercadológica na forma de um favorecimento momentâneo do
indivíduo (autor) visando ao favorecimento da sociedade como um todo ao longo
prazo 21. Assim é que, nos EUA, a proteção originalmente só era concedida após
registro, não derivando automaticamente da criação, o que foi alterado com a
adoção, na maioria da nações, inclusive os EUA, das determinações da
Convenção de Berna, de 1886 22.
Tratava-se do sistema comercial de proteção aos direitos do autor, em
que, pelo interesse da sociedade, concedia-se uma proteção de duração limitada
à obra, e não ao autor, que era meramente beneficiado com o intuito de que se
fomentasse a expansão da cultura 23.
Desse intuito, depreende-se com maior clareza o fato de que a existência
existência do copyright visa à proteção do usuário, e não do autor 24. Assim, as
restrições impostas pelos privilégios concedidos sobre o sistema visam a
defender interesses maiores não dos que criam os livros, músicas e demais obras,
mas sim de quem os lê, ouve ou de outra forma utiliza. Aqueles são protegidos
somente à medida em que o interesse destes exigir. Essa característica advém da
fonte primária do sistema no ordenamento americano: a Constituição.
Quando de sua elaboração, foi proposta a existência de um de um direito
natural que defendesse os autores – proposta similar à que sustenta o direito
autoral de inspiração francesa. Essa proposta, no entanto, foi negada, tendo os
21
SOUZA, Allan Rocha de, Op. cit., p. 18.
22
“São protegidos por força da presente Convenção:
a) os autores nacionais de um dos países unionistas, quanto às suas obras,
publicadas ou não;” texti retirado da Convenção de Berna, no sítio do Ministério da
Cultura, Brasil, artigo 3, 1, disponível em http://www.cultura.gov.br/site/wp-
content/uploads/2008/02/cv_berna.pdf, acesso em 16/04/09.
23
BITTAR, Carlos Alberto, Op. cit., p. 9.
24
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Free Software, Free Society:
Selected Essays of Richard M. Stallman, p. 79.
legisladores magnos dos Estados Unidos entendido, conforme a tradição inglesa,
que as restrições impostas aos demais no que diz respeito à obra seriam
privilégios que levariam ao bem geral da sociedade. De fato, em seu artigo I,
seção 8, a Constituição americana concede ao Congresso o poder de estimular a
produção das ciências e das artes, e o instrumento de que o Congresso poderia se
beneficiar para este fim é a concessão de privilégios limitados no tempo. Não
existe, portanto, um poder de conceder privilégios indiscriminadamente; estes
são somente a forma pela qual o legislador pode cumprir seu poder/dever, que é
o incentivo às ciências e às artes.
Além disso, conforme ressalta Stallman, não existe, de acordo com a
Constituição americana, o dever de que exista a proteção ao copyright, apenas
admite-se a possibilidade de que esses privilégios sejam concedidos. O copyright
é instrumento válido, mas sua utilização não é, a princípio, imposta, assim como
tampouco se afirma que outros métodos de incentivo à cultura não seriam
cabíveis – ou mesmo preferíveis.
Interessantemente, um dos principais argumentos a favor de que o
copyright seja visto como privilégio – e não como direito natural – é o fato de a
proteção prever especificamente (e é a própria Constituição quem faz essa
previsão) um limite temporal além do qual o autor não terá exclusividade alguma
sobre a obra. Direitos naturais não se sujeitam, dizem os defensores dessa tese, a
esse tipo de limitação, sendo a não perpetuidade da proteção ao autor uma
evidência de que esta se dá de forma excepcional, e não em derivação de um
merecimento inequívoco do autor. 25
Não se tratando de uma proteção ao autor, portanto, o copyright funciona
de uma forma a que se refere como “a barganha do copyright”. Dessa forma,
concede-se uma parcela da liberdade da população em troca de um aumento na
quantidade de obras criadas, visto que os autores, diante dos privilégios
25
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 79.
recebidos, sentir-se-iam mais dispostos a empenhar seus esforços na produção de
novos trabalhos. A adequação do sistema de copyright, portanto, em muito
depende de quão boa é essa barganha para a sociedade, ou seja, da proporção
entre a liberdade que os usuários cedem em relação ao estímulo que essa cessão
representará para a criação cultural do país.
Se essa relação não resultar em um saldo positivo para os usuários, mas
sim para os criadores, então perceber-se-á uma distinção entre aquilo que a lei
pretende proteger e aquilo que efetivamente vem sendo preservado e, neste caso,
terá chegado a hora de estudar-se mudanças nesse sistema, de forma que ele
volte a apresentar o respeito às suas intenções originais.
No direito norte-americano, embora o termo copyright seja mais
frequentemente utilizado para se referir à proteção positivada que expusemos até
o momento (statutory copyright), existe ainda uma outra forma de proteção
concedida pela common law. Enquanto a primeira consiste em “um direito,
privilégio ou concessão intangível e incorpóreo concedido pelo Artigo I da
Constituição ao Congresso 'de estimular a produção das ciências e das artes,
através da concessão, por prazo limitado, do direito de uso exclusivo de textos e
descobertas, por seus autores e inventores'” 26, o segundo possui um “indício de
propriedade particular” 27, configurando-se no direito de propriedade que
qualquer autor detém sobre sua obra, enquanto ela não tiver sido publicada. Esse
direito, inclusive, transmite-se aos herdeiros com a morte do autor, mas deixa de
existir no momento em que a obra se torna pública, de forma que é comumente
chamado de “direito à primeira publicação”. Assim que o trabalho se torna
público, ele se tornaria, não fosse o “statutory copyright”, parte do domínio
público e, consequentemente, livre para que cada um fizesse com ele o uso que
desejasse. 28
26
TANNENBAUM, Samuel W., Practical Problems in Copyright, p. 9., tradução livre.
27
Idem.
28
TANNENBAUM, Samuel W., Op. Cit., p. 9.
No que diz respeito à área de atuação do copyright, ele contempla, nos
Estados Unidos, o assunto, a forma e o conteúdo das obras, mas não abrange
títulos, ideias que não tenham sido fixadas em meio material, ou slogans que não
tenham valor artístico ou literário 29. Conforme a jurisprudência americana, são
protegidas as “produções da mente e do gênio do autor” 30.
2.4 Limites
29
Idem.
30
Conforme decisão do caso Jollie v. Jaques, de 1852.
nossa Constituição Federal que, entre outros valores, defende a expansão da
cultura.
Assim é que ao mesmo tempo em que nosso sistema reconhece os direitos
do autor e os preserva, ele o condiciona a uma “vinculação social. Em nome do
interesse comum, o autor deve tolerar certas restrições aos seus direitos” 31.
Conforme Aline Vitalis, tais restrições incluem: “(a) o interesse da
assistência judiciária e da segurança pública; (b) o interesse da facilitação do
ensino escolar; (c) a proteção da liberdade da informação; (d) a proteção da
liberdade de criar; (e) o interesse da comunidade de ter acesso a certas
reproduções privilegiadas públicas; (f) fins exclusivamente técnicos; (g) o
interesse no uso privado e outro uso próprio; (h) o interesse da liberdade de
reprodução; (i) a licença compulsória em favor dos fabricantes de fonogramas” 32.
Por isso, de acordo com a nossa lei, algumas formas de utilização das obras são
toleradas, em defesa de interesses maiores da sociedade. Daí poder-se fazer
críticas e paródias, reproduções de um só exemplar, execuções em âmbito
familiar, menções em escolas etc.
Além, porém, das limitações quanto à abrangência, existe uma limitação
temporal relevante não apenas por seus efeitos práticos, mas também por sua
significação teórica. O projeto original do Código Civil de 1916 previa que os
direitos do autor seriam perpétuos. Uma emenda a ele, no entanto, estabeleceu
que, 60 anos após a morte do autor, tais direitos cessariam, entrando a obra no
domínio público.
A mudança não foi bem recebida por Clóvis Beviláqua, autor do projeto
original, que manifestou-se contrariamente a ela:
E tem razão Beviláqua quando afirma que não existe explicação teórica
para que se limite temporalmente o direito autoral, sendo este encarado como um
direito natural inquestionável. No entanto, pouco se discute atualmente quanto à
correção da limitação temporal a esses direitos, sendo-se debatido
principalmente o tempo a que deverão se limitar. O entendimento de que os
direitos autorais não devem se perpetuar no tempo evidencia o relevante
reconhecimento de que os direitos autorais possuem uma peculiaridade em
relação a outros direitos.
Não se pode, portanto, defender que os direitos do autor sejam absolutos
e insubordinados aos interesses da população quanto à difusão e popularização
do conhecimento e da cultura, mesmo nos sistemas jurídicos que os entendem
como direito natural, ou seja, como fins em si mesmos, ao invés de como meros
meios.
33
BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil Comentado, v. 2, Rio de Janeiro, Livraria Francisco
Alves, 1923, p.181-182.
2.5 Distorções
34
LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 133.
3. Licenças livres de direitos autorais
35
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 410
Além disso, quanto mais eficientes os mecanismos de comunicação,
maior a extensão que pode ter uma cultura. Em tempos remotos, era comum que
povos que habitassem regiões geograficamente próximas apresentassem culturas
bastante distintas, em razão das dificuldades de comunicação ali presentes. O
desenvolvimento de Roma pouco beneficiava os povos bárbaros que habitavam o
restante da Europa, podendo o mesmo ser dito da maioria das grandes
civilizações da antiguidade.
O tempo, no entanto, cuidou de mudar essa realidade, de forma que o
contato contínuo entre diferentes povos levou alimentos, ferramentas, costumes
e tecnologias de um país para o outro. Embora esse tipo de influência tenha sido
utilizado de forma questionável pelos séculos em que durou o colonialismo, é
inevitável que se reconheça que esse contato entre povos levou à possibilidade
de que um determinado povo se aproveitasse das tecnologias e melhorias
desenvolvidas pelos demais, à parte a forma autoritária, impositiva e cruel com
que isso foi feito.
Com a invenção do rádio, do telefone, da televisão etc, essa possibilidade
se estendeu. Já não eram mais alguns países que se comunicavam, mas o mundo
todo. No entanto, à medida em que algumas dessas tecnologias são controladas
por países, empresas ou entidades com mais poder, e à medida em que outros
grupos se limitam a receber a informação que os primeiros produzem, a
desigualdade na comunicação se manteve, de forma análoga à que ocorria
durante os tempos de imperialismo.
Em outras palavras, embora de forma mais sutil, as tecnologias
comunicativas continuaram a levar a informação em um caminho só de ida,
impondo determinados padrões culturais como corretos, em detrimento de
outros. Este foi um modelo que perdurou por muito tempo, mas que
recentemente foi confrontado por outro.
3.1.2 Um pólo que já não é passivo
3.3 O copyleft
39
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 22.
Depreende-se, também, que a única forma de incentivo a tais empresas é a
concessão de uma variedade de monopólios sobre a obra.
A ideologia do copyleft, porém, questiona essas premissas. Entendendo
que a proteção dos interesses dessas empresas só se dá enquanto meio para que
se alcance um fim maior – o fomento à cultura –, torna-se relevante perguntar se
essa proteção é a única forma possível de alcançar tal fim, o que, no
entendimento dos adeptos do copyleft, não é verdade. Não se trata de negar que
os privilégios concedidos levem à produção cultural, mas sim de negar que esses
privilégios sejam a única forma de a ela chegar.
Daí já se depreende uma importante diferença entre o impacto dessa
ideologia em um regime jurídico de copyright e um de direitos autorais. Ora,
enquanto o primeiro entende a proteção como uma concessão de caráter
mercadológico, concedida em benefício da sociedade, o segundo a vê como um
direito natural que surge com a criação da obra, não necessitando ser concedida
por alguma autoridade competente.
Se a concessão de certos monopólios é um “mal necessário”, colocar em
cheque essa necessidade é tirar toda a legitimidade do sistema atualmente em
vigor, enquanto no caso de tratar-se de direito natural, o mesmo efeito não é
alcançado. Assim, enquanto os defensores do copyleft podem almejar uma
mudança completa nas normas que regulam o copyright, o mesmo não é válido
no caso daquelas que norteiam os direitos do autor. Nos países que adotam este
último, portanto, no máximo pode-se pretender uma mudança de caráter
ideológico que, a posteriori, resultaria em uma potencial re-estruturação da
proteção ao autor.
Os defensores do copyleft defendem, ainda, que não apenas os privilégios
não são a única forma de assegurar a viabilidade da criação cultural, como
também perderam a proporcionalidade outrora existente, em virtude dos
constantes aumentos dos benefícios assegurados aos autores, conforme
previamente exposto.
E por acreditarem nisso é que criaram um modelo alternativo, que atende
a essa ideologia. Esse modelo surgiu por meio da GNU General Public License
(Licença Pública Geral), uma licença livre criada por Richard Stallman no final
da década de 1980.
40
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 17.
41
“O uso do termo “hacker” para definir “piratas virtuais” é uma confusão por parte da mídia
de massa. Nós, hackers, nos recusamos a reconhecer esse significado, e continuamos
usando a palavra para definir “alguém que ama programação e gosta de ser esperto em
relação a ela”, in STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p.
17, tradução livre.
que nós as façamos” 42. De seu inconformismo com essa postura, surgiu a
iniciativa de Stallman de criar softwares livres, que permitissem que usuários e
programadores pudessem usar um computador sem precisar assinar contratos que
impedissem seu uso.
Compreendendo que o desenvolvimento desses softwares prescindia de
um sistema operacional livre, e sendo ele mesmo um programador de sistemas
operacionais, Stallman iniciou a produção do GNU 43, com base em quatro
liberdades.
42
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p. 18, tradução
livre.
43
“O nome GNU foi escolhido de acordo com uma tradição hacker, como um acrônimo
recursivo para “GNU Não é Unix”, in STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG,
Lawrence, Op. Cit., p. 19, tradução livre.
44
LESSIG, Lawrence, Op. Cit., p xiv.
• A liberdade de usar o programa
• A liberdade de modificar o programa para atender às suas
necessidades
• A liberdade de redistribuir cópias, seja de forma gratuita ou
mediante remuneração
• A liberdade de distribuir cópias modificadas do programa, para
que a comunidade possa se beneficiar das suas melhorias 45.
De acordo com o projeto GNU, essas quatro liberdades são básicas dos
usuários e devem, portanto, ser sempre respeitadas. Por isso é que a utilização da
licença se faz necessária. Considerando-se somente a obra inicial, poderia o
autor disponibilizá-la sem utilizar-se de qualquer licença do tipo e simplesmente
abster-se de exercer seu direito de protestar contra qualquer uso que violasse
seus direitos como autor, nos termos da legislação atual. Se agisse dessa
maneira, porém, tal autor estaria ignorando algumas questões relevantes. Em
primeiro lugar, porque o usuário se encontraria numa posição de insegurança
jurídica já que, a qualquer momento, esses direitos poderiam ser reclamados – se
não pelo próprio autor, talvez por alguma empresa ou terceiro que viesse a
adquirir os direitos patrimoniais sobre a obra. Além disso, não estaria
tranquilizada a inquietação previamente demonstrada por Stallman, já que seria
possível, nesses termos, que o usuário criasse uma obra derivada da inicial e a
distribuísse de forma proprietária, desrespeitando as citadas liberdades.
É para isso, portanto, que foi criada a GNU, a primeira licença livre de
direitos autorais: para permitir que obras fossem distribuídas ao público de
forma a manter respeitadas algumas liberdades consideradas essenciais, e de
forma a assegurar que essas liberdades continuaram a ser respeitadas dali para a
frente, em tudo quanto derive da obra original.
45
STALLMAN, Richard M., GAY, Joshua e LESSIG, Lawrence, Op. Cit. p. 20
3.4.2 Além do software
46
http://en.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons, acessado em 10/10/08.
licenças mais utilizadas são 6, todas elas incluindo a exigência de atribuição e
combinando as demais cláusulas. Analisada à luz do direito brasileiro, vemos
desse fato que são os direitos patrimoniais do autor os que geralmente são
cedidos, em maior ou menor escala, enquanto os direitos morais são preservados
no mais das vezes.
À semelhança da GNU, os trabalhos distribuídos sob essa licença são
protegidos pelas leis de copyright, e é justamente essa proteção que dá ao autor o
direito de aplicar as cláusulas expostas a seus trabalhos. No entanto, não sendo
voltada especificamente para um tipo determinado de obra — como o software
no caso da GNU GPL —, as licenças Creative Commons podem ser aplicadas a
todos os trabalhos passíveis de proteção sob o copyright.
A possibilidade de atribuição de uma licença Creative Commons,
portanto, assim como qualquer outra licença livre de direitos autorais, depende
de que o sistema jurídico do país em que tal atribuição se dá conceda ao autor
direitos suficientes para que ele possa deles dispor.
Por outro lado, o poder de atuação das licenças é limitado pelo que, no
sistema de copyright, se chama de “fair use”, ou “uso justo”. Segundo esse
instrumento, são legítimas algumas formas de utilização de obras alheias,
dependendo de qual o intuito da utilização, a natureza da obra protegida, a
porcentagem da obra que é efetivamente utilizada e os efeitos de tal utilização
para o valor e a comercialização da obra original. O instituto, previsto na lei
americana, não pode ser ferido por eventuais cláusulas de licenças Creative
Commons, preocupação essa que se justifica inclusive pelo escopo das licenças.
Além disso, ainda existe a possibilidade de um mesmo trabalho ser
distribuído sob diferentes licenças Creative Commons e, nesse caso, caberá ao
usuário decidir qual delas será válida. Não fosse assim, ao atribuir uma nova
licença a produto que já vinha sendo distribuído sob outras cláusulas, o autor
acabaria criando uma grande insegurança para todos os usuários da obra, que não
teriam meios de descobrir propriamente quais os termos vigentes em um
determinado momento. A previsão de que cabe ao usuário decidir qual das
licenças aplicar evita esse problema.
Com o tempo, e em atenção a necessidades posteriores, surgiram outras
licenças, mais especializadas, além das originais, acima descritas. Por exemplo,
para mixagem de músicas, existe uma licença que autoriza qualquer uso (exceto
para publicidade) de trechos da música protegida, porém permite, sobre a obra
íntegra, somente utilização não-comercial.
Ao mesmo tempo, outras licenças – como aquelas que não possuem a
cláusula de atribuição –, por serem pouco utilizadas ou por não atenderem
verdadeiramente aos princípios de uma cultura livre, acabaram por ser
desativadas, sendo sua utilização desincentivada. Assim, diversas licenças que
não permitiam o uso não-comercial da obra deixarem de ser apoiadas pela
organização. Essas mesmas licenças eram, também, motivo de críticas à Creative
Commons por parte de partidários do Movimento pelo Software Livre, que viam
nelas uma restrição abusiva e inadequada à bandeira que a organização
levantava, em favor da liberdade para a criação. Ao deixar de suportá-las, a
Creative Commons reatou com o movimento, ainda que alguns adeptos do
software livre continuem a ver falhas na adequação das licenças Creative
Commons a seus ideais.
47
Art. 24. São direitos morais do autor:
49
Http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/br/legalcode/ , acessado em 15/06/09
(por exemplo, webcasting) da [o]bra.” 50 e de “seu direito exclusivo de coletar,
seja individualmente ou através de uma entidade designada como seu agente (por
exemplo, a agência Harry Fox), royalties relativos a quaisquer gravações que [o
usuário] criar da [o]bra (por exemplo, uma versão "cover") e distribuir,
conforme as disposições aplicáveis de direito autoral” 51.
53
http://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.5/br/legalcode , acessado em 17/06/09.
[elementos] desta licença, ou de uma licença do Creative Commons
internacional e(iCommons) que contenha os mesmos [elementos] desta [l]icença
(por exemplo, Atribuição-Compartilhamento pela Mesma Licença 2.5 Japão)” 54
54
http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5/br/legalcode , acessado em 17/06/09.
55
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/, acessado em 17/06/09.
56
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/, acessado em 17/06/09.
3.6 Críticas
57
SANTOS, Manuella, Direito autoral na era digital – impactos, controvérsias e possíveis
soluções, p. 151.
comercial de sua obra, o que significa que os valores correspondentes aos
direitos autorais continuam a ser cobrados, caso as obras sejam exibidas
comercialmente.
Além disso, as licenças Creative Commons exercem um papel
importantíssimo na conciliação dos direitos autorais com a internet, facilitando
sobremaneira a divulgação e circulação de trabalhos. Se bem utilizada pelos
autores, a ferramenta pode se reverter em maior visibilidade para a obra, de
formas que talvez não pudessem ser alcançadas sem um instrumento similar.
4. Licenças livres de direitos autorais no
Direito brasileiro
Note-se que, caso uma obra seja licenciada em um país e utilizada por
usuário em outra jurisdição, configura-se a existência de um contrato
internacional, sujeito, portanto, às regras processuais e de direito internacional
privado que especifiquem foro competente e legislação aplicável a cada caso.
Como nas licenças não existe cláusula de escolha de foro – e de
qualquer forma, mesmo a validade deste tipo de cláusula tem sido questionada
pelo STJ 58 –, de acordo com o Código de Processo Civil, artigo 88 59, a
competência da Justiça brasileira é concorrente, ou seja, tanto o caso pode ser
58
Nesse sentido, STJ. Recurso Especial 804306, 03/09/2008, Relator Ministra Mancy
Aldrighi.
59
Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no n o I, reputa-se domiciliada no Brasil a
pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
levado à nossa Justiça quanto à do país do usuário. Quanto
à lei aplicável, de acordo com o direito internacional privado brasileiro, aplicar-
se-ia a lei brasileira, de acordo com o artigo 9º da LICC 60.
Como alguns ordenamentos jurídicos não autorizam a cessão de certos
direitos, o Legal Deed já faz alerta nesse sentido em sua cláusula 5,
estabelecendo que, no caso de o usuário se encontrar sob um desses
ordenamentos, determinadas concessões não se aplicarão a ele. Conforme se
torna evidente, esse tipo de previsão afeta sobremaneira a eficiência das licenças
no sentido de dar maior transparência ao usuário quanto aos direitos cedidos
pelo autor, o que mais uma vez demonstra a relevância de buscar-se a máxima
unificação possível das leis sobre direitos autorais no âmbito internacional.
Com o intuito de evitar problemas advindos da existência de diferentes
legislações sobre a matéria, a Creative Commons adotou uma ferramenta
eficiente na maioria dos casos. Trata-se da estipulação de equivalências entre
licenças adaptadas a diferentes países, mas que licenciem, de acordo com cada
legislação, direitos correspondentes. Assim, a licença “By” e a “Atribuição”
possuem redação distintas e estão adequadas cada uma à lei de um país – EUA e
Brasil. No entanto, ambas concedem direitos equivalentes e são fungíveis, de
acordo com os termos de seus contratos.
Com isso, as obras podem ser licenciadas em diferentes países,
utilizando licenças adequadas a cada uma das legislações, sem que, contudo, se
altere seu objeto principal, ou seja, os direitos que o autor concede ao usuário.
Essa ferramenta facilita a distribuição internacional de obras licenciadas
sob Creative Commons, impedindo que aspectos técnicos das legislações dos
60
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituirem.
61
http://www.direitorio.fgv.br/cts/index.html, acessado em 21/06/09.
62
http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000018.html , acessado em 20/06/09.
63
http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000019.html , acessado em 20/06/09.
Conforme exposto, os contratos que servem como diferentes licenças no
sistema do Creative Commons foram adaptados às leis brasileiras, assim como
podem o ser os contratos referentes a diferentes tipos de licenças livres de
direitos autorais. Isso dirime problemas de inadequação tanto da linguagem
quanto de certos termos, e funciona de forma muito eficiente para solucionar a
questão da tendência à universalização desses contratos, decorrência direta a
universalização que a internet representou para a circulação das criações do
intelecto.
No entanto, restam aspectos cuja solução não é tão simples, seja porque
nosso ordenamento jurídico não permite, seja porque nossa cultura encara os
direitos autorais de forma diferente da que prevalece nos sistemas de copyright,
conforme abordado anteriormente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a exemplo da Inglaterra, a proteção
do copyright não configura verdadeira proteção à pessoa do autor. Trata-se, na
verdade, de proteção à obra, embasada pelos já expostos princípios de estímulo
ao desenvolvimento cultural. Essa despreocupação com o autor é refletida pelas
licenças que se originam nesses ordenamentos, como é o caso da Creative
Commons. Por outro lado, o mesmo não se observa na legislação brasileira, em
que, adotando-se os valores da doutrina francesa, temos um sistema de direitos
autorais que protege o autor.
Em nosso ordenamento jurídico, por conseguinte, temos a restrição de
que os direitos morais do autor possuem a característica dos direitos da
personalidade, sendo, portanto, irrenunciáveis e inalienáveis, conforme o artigo
27 da lei 9610/98.
Embora, conforme anteriormente exposto, as licenças Creative
Commons que abdicassem da cláusula “Atribuição” tenham caído em desuso por
diversas razões, elas não são impraticáveis sob o sistema, assim como alienações
similares são possíveis em outras formas de licenciamento de direitos autorais
baseados em regimes internacionais. No entanto, se um autor brasileiro fizer uso
de uma dessas licenças, ela será inválida diante de nossa lei, visto que ele estará
se comprometendo a renunciar a direito personalíssimo.
Assim, por mais que se busque adaptar as licenças ao nosso
ordenamento, esse tipo de previsão nunca será concebível. No caso específico
das licenças Creative Commons, tem-se previsão nos próprios contratos de que
as licenças só são válidas à medida em que não ferem a legislação, e de que a
eventual invalidade de uma disposição não invalidará o restante do contrato.
Isso, se serve para não inviabilizar completamente as licenças em nossa lei, não
evitará que se crie uma situação de insegurança jurídica sempre que tais licenças
forem adotadas em jurisdições diferentes.
Tanto é assim que uma licença atualmente utilizada fora do Brasil não
pode ser adaptada ao nosso ordenamento: a licença de Domínio Público, pela
qual o autor deliberadamente insere no domínio público uma obra sobre a qual
detenha o copyright, em detrimento de seus herdeiros e sucessores. Tal licença
nunca poderia ser utilizada no Brasil, de acordo com a lei atualmente vigente,
independente de quanto esforço se fizesse para adaptá-la. Em face da forma
como funciona a internacionalização das licenças Creative Commons – conforme
exposto acima –, esse tipo de incompatibilidade representa um grande entrave às
pretensões da organização.
Ademais, ainda não houve, em nosso judiciário, caso de julgamento
referente à validade das licenças Creative Commons – ou outra similar – como
forma de licenciamento de direitos autorais. Na Holanda, porém, em que se
adota sistema de proteção autoral similar ao brasileiro, houve julgado
reconhecendo a validade da licença, e admitindo que “os termos da licença
Creative Commons aplicam-se automaticamente sobre o conteúdo licenciado por
ela, e vincula usuários daquele conteúdo às condições da licença mesmo que não
estejam cientes da licença, ou que não tenham expressamente concordado com
ela” 64.
64
http://www.direitorio.fgv.br/cts/blog_commento.asp?
blog_id=156&month=4&year=2006&giorno=&archivio=OK, acessado em 20/06/09.
5. Conclusão
Sites
http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_copyright_law , acessado em
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http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br/legalcode , acessado em
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http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000018.html ,
acessado em 20/06/09.
http://lists.ibiblio.org/pipermail/cc-br/2003-August/000019.html ,
acessado em 20/06/09.
http://www.direitorio.fgv.br/cts/blog_commento.asp?
blog_id=156&month=4&year=2006&giorno=&archivio=OK , acessado em
20/06/09.