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• INTRODUÇÃO

O fígado, maior órgão do organismo, estende-se do hipocôndrio direito ao esquerdo, seu


limite superior se situa no 5º espaço intercostal direito e seu lobo direito é recoberto
pelo pulmão, pleura e diafragma até a 8ª costela. As áreas de contato do fígado com o
diafragma, veia cava inferior e vesícula constituem a “área nua” e o restante do órgão é
recoberto pela cápsula de Glisson (uma camada de tecido conjuntivo).

O sangue venoso que drena para o fígado provém da veia porta, formada pelas veias
mesentérica e esplênica e o sangue arterial provém da artéria hepática. A drenagem do
sangue é realizada pelas veias hepáticas, direita e esquerda, que drenam para a veia cava
inferior.

A drenagem linfática do fígado é realizada em direção aos linfonodos da região do


tronco celíaco e, para o tórax, através dos vasos linfáticos que chegam ao mediastino. A
inervação é realizada por fibras simpáticas originadas entre os segmentos T7 e T10.

A partir da confluência dos ductos hepáticos direito e esquerdo que emergem do fígado,
forma-se o ducto hepático comum. Este ducto se une ao ducto cístico vindo da vesícula,
formando o colédoco ou ducto biliar comum. O encontro do colédoco com o ducto
pancreático origina a ampola de Vater, que se projeta ao duodeno como papila
duodenal.

A vesícula biliar é encontrada sob o lobo direito do fígado e apresenta aproximadamente


de 8 a 9 cm de comprimento e 30 a 50 ml de volume. É vascularizada pela artéria
cística, que provém da artéria hepática direita.

A unidade anatômica do fígado consiste no lóbulo hepático, que apresenta uma


configuração geométrica formada por um centro ocupado pela veia central (ou veia
centrolobular), circundado por trabéculas ou colunas de hepatócitos, no qual os limites
são os espaços porta.

Os espaços porta estão presentes 4 a 6 vezes ao redor dos lóbulos, dando-lhes um


formato de hexágono. Esses espaços contêm ductos biliares, um ramo da veia porta, um
ramo da artéria hepática e ductos linfáticos.

Nos hepatócitos, as mitocôndrias produzem energia principalmente através das reações


de fosforilação oxidativa. O retículo endoplasmático rugoso (RER) está relacionado
com a síntese proteica e o retículo endoplasmático liso (REL) com a conjugação da
bilirrubina, síntese de colesterol, triglicerídeos, ácidos biliares e destoxificação de
substâncias.

A bilirrubina, conjugada nos hepatócitos, consiste no produto da degradação do heme,


principalmente derivado da hemoglobina de eritrócitos senis. A formação da bilirrubina
ocorre nas células reticuloendoteliais no baço e no fígado. A primeira reação de
degradação, catalisada pela enzima heme oxigenase, cliva o heme, gerando biliverdina,
monóxido de carbono e ferro.

A segunda reação, catalisada pela enzima biliverdina redutase, converte a biliverdina


em bilirrubina, que é insolúvel em água. Dessa forma, para ser transportada no sangue, a
bilirrubina deve estar ligada à albumina, que a transporta até o fígado.

Após entrar no hepatócito, a bilirrubina não conjugada é transportada ao REL, onde a


enzima bilirrubina uridina difosfato glicuronosil transferase (UDPGT) catalisa a
solubilização da bilirrubina através da conjugação com o ácido glicurônico.

A bilirrubina conjugada (solúvel) é excretada na bile, que drena para o duodeno, e não é
captada pela mucosa intestinal. Quando atinge a parte distal do íleo e o cólon, é
hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas enzimas betaglicuronidases bacterianas.
Essa bilirrubina não conjugada é reduzida pela flora bacteriana intestinal normal para
formar os urobilinogênios.

A maioria dos urobilinogênios são excretados nas fezes e o restante é absorvido


passivamente, penetra no sangue venoso portal e é reexcretado pelo fígado. Uma
pequena porção escapa da captação hepática, é filtrada pelos glomérulos renais e
excretada na urina.

• SEMIOTÉCNICA

Na primeira fase do exame, a inspeção, deve-se examinar o paciente à procura de


icterícia. A icterícia consiste em uma coloração amarelada da pele e das mucosas devido
à impregnação dos tecidos por pigmentos biliares. Para investigála, deve-se examinar a
coloração da pele, esclerótica e mucosas, atentando-se para a região do freio da língua.

Na região abdominal, somente grandes nódulos ou massas na superfície hepática podem


ser percebidos durante a inspeção. Nesses casos, observa-se a elevação ou abaulamento
na área hepática. Já a vesícula, quando obstruída, pode aumentar de volume e ser visível
como uma área elevada e arredondada no quadrante superior direito.

A maior parte do fígado se localiza dentro da caixa torácica, dificultando sua avaliação.
Porém, pode-se tentar estimar o tamanho e a forma do fígado a partir da percussão e da
palpação. Para realização do exame físico, o paciente deve estar em decúbito dorsal e
com o abdome relaxado.

Através da percussão, é possível medir o limite vertical da macicez hepática na linha


medioclavicular direita. Deve-se começar a percussão em uma região abaixo do
umbigo, no quadrante inferior direito, que apresente timpanismo, e continuar percutindo
suavemente para cima, em direção à arcada costocondral, tentando identificar a borda
inferior da macicez hepática na linha medioclavicular.

A seguir, o examinador deve determinar o limite superior da macicez hepática na linha


hemiclavicular, no nível do 5º espaço intercostal esquerdo, identificado pelo som
maciço. Deve-se começar a partir da linha mamilar, percutindo levemente, deslocando-
se do som claro pulmonar para baixo no sentido da macicez hepática. Em mulheres,
deve-se afastar levemente a mama para que se comece a percussão em uma região de
som claro pulmonar.

Por fim, deve-se determinar a distância entre os limites determinados. Os limites do


fígado geralmente são maiores nos homens e nas pessoas altas do que nas mulheres e
em pessoas baixas.

Alguns cuidados que se deve ter são relativos à macicez do derrame pleural direito ou
da condensação pulmonar, que podem induzir uma superestimação do tamanho do
fígado, e ao gás presente no colo intestinal, que pode gerar timpanismo no quadrante
superior direito, sobrepondo à macicez hepática e reduzindo falsamente o tamanho do
fígado.

As informações clínicas sobre o fígado são obtidas a partir da palpação de sua borda,
superfície, sensibilidade e consistência. Referente à borda, esta pode ser examinada de
duas formas. Na primeira, a mão direita, aberta e espalmada, é colocada no ponto onde a
percussão identificou o limite inferior e o examinador irá palpar o órgão de modo
ascendente em direção ao rebordo costal.

A palpação junto ao rebordo costal deve ser realizada no mesmo ritmo dos movimentos
respiratórios, ou seja, durante a expiração, a mão do examinador deve se ajustar à
parede abdominal sem fazer compressão e sem se movimentar, e durante a inspiração, a
mão do examinador deve comprimir a parede de forma a buscar a borda hepática.

Uma forma de posicionamento de mãos que facilita o exame do fígado é realizar a


palpação com a face radial do indicador ou com a face ventral dos dedos e polpas
digitais do dedo mínimo, médio e anular. Nessas situações, a mão do examinador deve
se posicionar transversalmente, acompanhando o rebordo costal direito.

Para facilitar a palpação, o examinador pode colocar a mão esquerda sob a região
lombar, na topografia da loja renal direita, em uma área limitada pela margem externa
da musculatura paravertebral e o arco costal, de modo que os dedos empurrem as
estruturas para cima. Essa manobra tem o objetivo de empurrar o fígado para que este se
aproxime da mão direita do examinador.

Em seguida, deve-se realizar movimentos rápidos e firmes, deprimindo a parede em


sentido ascendente. Quando não há hepatomegalia, nenhuma resistência é encontrada
até a arcada costal, mas quando há, as pontas dos dedos encontram uma resistência
sólida, correspondente à borda. Dessa forma, o examinador deve continuar o exame
para sentir a borda em toda sua extensão.

Se não for possível realizar a manobra ou se o examinador tiver dúvida, a palpação pode
começar a partir do quadrante inferior direito. Assim como na primeira manobra, a mão
do examinador deve estar suave e totalmente apoiada na parede abdominal, com sua
borda interna paralela à linha média do abdome, com exceção do polegar.

Na segunda maneira de realizar a palpação do fígado, utiliza-se a “manobra em garra”.


Para realizá-la, o examinador, situado à altura do ombro direito do paciente em decúbito
dorsal, deve colocar os dedos mínimo, anular e médio de ambas as mãos, alinhados e de
forma que as extremidades dos dedos médios se toquem, no local onde se identificou a
borda previamente através das outras manobras.

Nessa posição, solicita-se ao paciente que inspire de forma profunda e lenta novamente,
causando a descida da borda hepática, para que os dedos possam avaliá-la. Referente à
mensuração da superfície localizada entre a borda costal e a borda hepática, esta é mais
precisamente realizada com fita métrica, pois a medida em “dedos transversos” pode
variar de acordo com o tamanho dos dedos dos examinadores.

Na avaliação da borda hepática, pode-se a definir como fina ou romba. A espessura


normal da borda é fina e pode ser percebida pelo deslocamento da mesma pelos dedos
do examinador, porém, nem toda borda fina indica um fígado normal. A borda romba é
espessa e tem altura variável dependendo da presença de doença e do tempo de
evolução.

Outro ponto a ser avaliado ao tocar a borda é a superfície hepática. Esse aspecto é
avaliado através do deslizamento da palma dos dedos do examinador pela superfície
hepática em toda sua extensão. Dessa forma, pode-se perceber pequenas irregularidades,
como nódulos, até grandes massas.

Ao encontrar um nódulo, o observador deve descrever sua localização e diâmetros


aproximados. Além disso, pode-se encontrar cistos e abcessos, que são formações
nodulares não endurecidas que causam a sensação de flutuação durante a palpação.

Após avaliar a superfície do fígado, o examinador necessita avaliar sua sensibilidade e


consistência. Para isso, deve-se pressionar o órgão com a polpa dos dedos enquanto
pergunta ao paciente se sente dor.

Conforme o examinador avalia a sensibilidade, a pressão sobre a superfície também


permite determinar a consistência do órgão. Um fígado firme ou duro está presente na
cirrose devido à fibrose do tecido. Já na infiltração gordurosa ou esteatose aguda da
gravidez, pode-se encontrar um fígado de consistência diminuída ou amolecida.

Ainda, em pacientes com cardiopatia aguda (como ICC), deve-se realizar a pesquisa do
refluxo hepatojugular. Essa manobra é realizada a partir da realização de uma
compressão firme e contínua da superfície hepática. Após esse movimento, o
examinador deve observar se há enchimento e turgência da veia jugular externa direita.
Em caso positivo, há refluxo hepatojugular, um dos sinais de insuficiência ventricular
direita.

Por fim, a ausculta da área de projeção hepática pode ser útil, pois em algumas doenças
podem ser ouvidos sopros suaves, como no câncer primitivo e na hepatite alcoólica. As
neoplasias hepáticas também podem produzir um pequeno atrito que pode ser
auscultado.

Geralmente, a vesícula biliar é palpável somente em condições patológicas, em que


ocorre alteração na consistência de suas paredes ou aumento de tensão em seu interior
por dificuldade de escoamento da bile devido à obstrução do ducto cístico ou colédoco.
Uma vesícula biliar palpável em paciente ictérico (sinal de Courvoisier) indica a
presença de neoplasia maligna, que, na maioria dos casos, se localiza na cabeça do
pâncreas.

Na colelitíase e na colecistite crônica, mesmo que a vesícula não seja palpável, é


frequente a presença de dor quando é realizada compressão sob o rebordo costal direito,
no ponto cístico, durante a inspiração profunda (sinal de Murphy).

Para pesquisar o sinal de Murphy, o examinador, localizado à direita do paciente em


decúbito dorsal, deve colocar sua mão esquerda de maneira que o polegar se direcione
sob a reborda costal direita no nível da borda interna do músculo reto anterior, enquanto
a face palmar da mão se apoia sobre o flanco.

Sem afrouxar a pressão realizada pela mão que está palpando, pede-se ao paciente que
respire profundamente. Em caso de dor, ele irá interromper o movimento respiratório e
indicar a sensação dolorosa.

Em pessoas magras, o ponto de palpação da vesícula corresponde à interseção da borda


externa do músculo reto abdominal com a cartilagem costal. Já nos pacientes obesos, ele
pode ser encontrado na linha que une a crista ilíaca esquerda à arcada costal, passando
pelo umbigo.

autoimunes e neoplasias. Além disso, algumas sorologias podem ser solicitadas, como
para hepatite viral.

• DESFECHO DO CASO CLÍNICO

A partir da história da paciente, destacam-se os sintomas de fadiga, dispneia e edema de


MMII, característicos da ICC. Complementando essa suspeita, há a presença de
taquicardia e pressão arterial elevada.

Dessa forma, um dos achados que poderiam ser encontrados no exame físico abdominal
através da percussão e palpação do quadrante superior direito é a hepatomegalia
congestiva por insuficiência ventricular direita. Além disso, pode-se também pesquisar a
presença de refluxo hepatojugular através da visualização da turgência da veia jugular
externa direita à compressão do fígado.

A hepatomegalia ocorre em casos de insuficiência ventricular direita porque a


insuficiência cardíaca faz com que o sangue retorne do coração à veia cava inferior,
aumentando a pressão nesse vaso e em outras veias que drenam sangue para ele, como
as veias hepáticas. Se essa pressão for alta o bastante, o fígado fica cheio de sangue e
não funciona direito.

Caso haja dificuldade ao exame físico abdominal, pode-se recorrer aos exames de
imagem para confirmar a presença hepatomegalia e outras suspeitas. Se forem
necessários exames complementares referentes ao sistema cardiovascular para o
diagnóstico da ICC, pode-se solicitar também, caso necessário, exames de função
hepática, pois a congestão maciça do fígado por ICC indica doença grave. Nesse caso, o
tratamento deve ser focado na doença base, a ICC.

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