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NICOLAS ANTOINE TAUNAY E A PINTURA DOS TRÓPICOS

A primeira década do séc. XIX foi marco de grandes mudanças sociais e culturais
no Brasil, que desde o “descobrimento” pertencia ao sistema colonial português. Hospedaram-
se no Brasil, em 1808, a família real portuguesa e toda sua corte, que fugiam da investida do
exército de Napoleão. Dom João VI instalou sua corte no Rio de Janeiro e para adaptar a
cidade as exigências dos nobres que o acompanhavam ele inicia uma “série de reformas
administrativas, socioeconômicas e culturais, assim são criadas as primeiras fábricas e
fundadas instituições como o Banco do Brasil, a Biblioteca Real, o Museu Real e a Imprensa
Régia” (PROENÇA, 2007, p. 195). Nesse período o Brasil recebe forte influência da cultura
europeia, que desde o século passado vivia sob a influência dos ideais iluministas.

A maior mudança no âmbito artístico aconteceu com a chegada, em 26 de março


de 1816, de um grupo de renomados artistas franceses sob a liderança de Joachim Lebreton,
ex-secretário da Academia de Belas Artes do Institut de France, que vieram ao Brasil com o
propósito de fundar uma Academia de Artes aos moldes dos ideais neoclássicos. A arte
neoclássica cumpria alguns conceitos básicos, tais como, a preferência por temas mitológicos
e históricos, o desenho como técnica primordial e a preferência por materiais como o
mármore. Segundo Dilmar (2011, p. 137) as novas classes dominantes adotam o
neoclassicismo como estilo oficial inspirado no ideal da democracia grega, articulada a
república romana. Os intelectuais e artistas viam nessa retomada aos padrões da arte clássica
uma oportunidade para expurgar o Barroco-Rococó, pois sendo esse século influenciado por
filosofias racionais e humanistas, não mais cabia uma arte que se prendesse a dogmas
religiosos.

Naquele momento era conveniente para D. João VI investir na formação de uma


academia de artes e ofícios para atender as demandas de trabalho, promover a riqueza do
Brasil e iniciar um projeto civilizatório e cultural para acompanhar o avanço a modernidade
que já vinha se estabelecendo na Europa. Dentre esses artistas: pintores, arquitetos, escultores
e vários auxiliares destacavam-se dois pintores, Nicolas Antoine Taunay e Jean-Baptiste
Debret. A corrente neoclássica se reafirmou no Brasil através da Missão Francesa e dos
conceitos acadêmicos que conduziriam a Academia. Enquanto Debret voltava-se para pintar
quadros históricos dos monarcas da corte, além de registrar em sua obra os costumes da
população da época, tornando assim o pintor mais reconhecido da Missão Francesa, Taunay
fazia um percurso diferente no Brasil. Aqui faria pinturas de paisagens e pouco se ocuparia
com as pinturas de cunho histórico.

Taunay já tinha uma carreira notória na França como pintor de paisagens, que era
sua especialidade, porém, produziu algumas telas históricas, sobretudo, os feitos do exercito
Napoleônico. Chegando ao Brasil com a família, o pintor se instalou na Tijuca. Porém, apesar
de encantando com a paisagem local, em uma carta enviada à França (não se sabe para quem)
o pintor “queixava-se do ‘retardo cultural’ do Brasil que estaria ainda submetido ao domínio
religioso e longe da influência do espírito das Luzes” (SCHWARCZ, 2017, p. 133). Taunay
pintou mais de trinta quadros sobre o Brasil e em alguns trabalhos podemos perceber ícones e
símbolos clássicos nas paisagens que aqui pintou, como a inserção de pontes em formato de
arco romano e edifícios com características romanas em algumas pintura, tais como,
Cascatinha da Tijuca e Vista Tomada da Propriedade do Chamberlain. Alencar (2017, p.
2451) observou que enquanto morava na França Taunay estudou três anos em Roma e lá teve
contato com a obra de Claude Lorrain (1600-1682) artista do classicismo barroco que viveu
na Itália, suas telas de paisagens pastorais inspirará Taunay no uso da luminosidade em suas
pinturas.

As virtudes exaltadas do academicismo francês tiveram que se combinar com a


grandiosidade dos trópicos. Uma mata bem valia uma catedral; um riacho
correspondia (mesmo que alterado em seu tamanho e localização) às exaltações dos
monumentos franceses. Com Taunay, a paisagem brasileira vira elemento histórico e
ocupa o lugar da nação (SCHWARCZ, 2017, p. 139).

Taunay também não se deu bem com a escravidão do Brasil e diferente de Debret
preferiu minimizar a presença de escravos de sua obra. Segundo Schwarcz (2017, p. 133)
Taunay enviava quadros para a França, algumas vezes para o Instituto e outras para o Salão de
Paris, sendo assim, era inconveniente para o pintor expor o regime escravista do Brasil á uma
França onde se privilegiava as virtudes e a liberdade. Esse fato nos faria pensar em como
Taunay contribuiu para apresentar uma visão idealizada do que seria a cultura do Brasil, se
não fosse, como bem explicita Schwarcz (2017, p. 134) a estratégia do pintor em retratar os
escravos diminutos, mas, com um olhar critico sobre sua situação. Os escravos, nas suas telas,
estavam sempre trabalhando em alguma ocupação, seja quebrando pedras, seja carregando
tijolos, literalmente construindo a cidade para os nobres. Taunay também irá se pintar ao lado
dos escravos, como na pintura Retorno dos pastos: caminhada dos animais ao nascer do sol,
e Cascatinha da Tijuca, só para citar alguns exemplos. Taunay também pintou retratos
enquanto esteve no Brasil, como o retrato da filha de Carlota Joaquina intitulado Retrato de
Ana de Jesus Maria de Bragança e o Retrato da Marquesa de Belas. Pintou também um
único quadro com temática histórica, Primeiro Passeio de D. João VI e D. Carlota Joaquina
na Quinta da Boa Vista, Infelizmente essa pintura foi destruída no incêndio do Museu
Nacional, em 2018.

Durante a estadia do grupo francês no Brasil, Taunay ocupou a cadeira de pintura


de paisagens na Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios o que viria mais tarde a ser a
Academia Imperial de Belas-Artes. Taunay viveu cinco anos no Brasil e retornou á França
com apenas um dos filhos depois de descontentamentos e desentendimentos sobre os rumos
da nova administração da Academia. Os quadros de Taunay se tornaram verdadeiros
documentos históricos e “a qualidade estética de sua obra brasileira é facilmente comprovada”
(ALENCAR, 2018, p. 2460). Alencar também argumentará acerca de outro legado de Taunay
deixado no Brasil, seu filho Félix-Émelie, que ficou no país e o substituiu na academia de
Belas Artes e assim como o pai foi pintor de paisagens e, posteriormente, se tornou diretor da
Academia Imperial de Belas Artes e o “gênero passaria a se consolidar e a ser mais praticado”
(ALENCAR, 2018, p. 2460).

Assim como Taunay não se deu bem com os trópicos, os artistas locais não se
deram bem com os franceses. A construção da Academia tomou rumos problemáticos e
rodeada de intrigas por parte dos “artistas locais com o apoio do cônsul geral francês que não
viam com bons olhos a presença dos bonapartistas” (BARDI, 1975, p. 150). Além disso, os
artistas da Missão também sofreram os desafios de fixar o neoclassicismo no Brasil.

Na falta de material, técnicos e profissionais acabavam por ressignificar tudo: os


auxiliares eram escravos, mármores e granitos eram substituídos por materiais
menos nobres, as tintas precisavam ser substituídas e a exaltação das virtudes tão
próprias ao estilo agora se voltavam para essa corte expatriada. (SCHWARCZ,
2017, p. 139).

Com a instalação definitiva da Academia, em 1826, dava-se de fato início ao


ensino formal das artes que antes da chegada dos franceses se dera de forma autônoma. Na
ocasião, alguns artistas da Missão já haviam retornado para a França, entre eles, Taunay.
Deve-se destacar a importância da Missão Francesa em catapultar essa mudança no ensino das
artes, mesmo que por influências europeias. As exposições de arte em salões foram realizadas
posteriormente. A arte acadêmica se estabeleceria de forma menos rígida na segunda metade
do século XIX, quando uma nova geração de artistas começa a sugerir novos caminhos para
as artes até esse modelo ser definitivamente questionada pelos ideais da Arte Moderna nas
primeiras décadas do século XX.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, Marco Túlio Lustosa de. A contribuição da pintura de paisagem de Nicolas-


Antoine Taunay para a estruturação identitária da arte brasileira, In Anais do 27o Encontro da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, São Paulo: Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.2448-2462. Disponível em:
http://anpap.org.br/anais/2018/ Acesso em: 16/10/202.

BARDI, Pietro Maria. História da arte Brasileira. Ed. Melhoramentos, São Paulo, 1975.
228p

MIRANDA, Dilmar Santos de. História da Arte I: Da arte rupestre ao neoclassicismo.


ED:UECE: Fortaleza, 2010. 147p

PROENÇA, Graça. História da Arte. Ed. Ática, São Paulo, 2011. 448p

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nicolas-Antoine Taunay e a Arcádia francesa no Brasil. In:


Fléchet, Anaïs; Compagnon, Almeida, Olivier Sílvia Capanema P. de (orgs). Como era
fabuloso o meu francês: Imagens e imaginários da França no Brasil (séc. XIX-XX). Rio de
Janeiro: 7 letras, 2017. p. 113-144. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-
01674576/document. Acesso em: 14/10/2021. 395p

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