Você está na página 1de 8

XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Flauta Doce Eletroacústica de Baixo Custo


Marco Antônio Barcellos
Conservatório Pernambucano de Música – barcellosmarco@yahoo.com.br

Raphael Sousa Santos


Universidade Federal de Campina Grande – raphaelss@gmail.com

Liduino José Pitombeira de Oliveira


Universidade Federal de Campina Grande – pitombeira@yahoo.com

Paulo Márcio Coutinho Passos


Universidade Federal de Campina Grande – passoscg@hotmail.com

Resumo: Este artigo descreve uma interface para a interação entre uma flauta doce e meios de produção
eletroacústica. Tendo como objetivos a fácil replicabilidade e o baixo custo, a interface foi construída a
partir de ferramentas de arquitetura livre, tais como a plataforma Arduino e softwares de código livre
para síntese e manipulação de áudio. Apresentamos ainda, como forma de verificação do
funcionamento do sistema, um experimento em nível composicional para o instrumento.

Palavras-chave: Flauta doce, Música eletroacústica, Arduino

Low Cost Electroacoustic Recorder

Abstract: This article describes an interface for the interaction between a recorder and electroacoustic
means of production. Having as objectives to be low cost and easily replicable, the interface was built
from open architecture tools such as the Arduino platform and open source software for audio synthesis
and manipulation. We also present, in order to verify the operation of the system, a compositional
experiment for the instrument.

Keywords: Recorder, Electroacoustic music, Arduino

1. Introdução
A idéia desse projeto surgiu a partir da necessidade de se produzir a interação
entre um instrumento de baixo custo, que pudesse ser facilmente replicado e aplicado no
sistema de ensino fundamental e médio, como a flauta doce, e meios de produção
eletroacústica, disponíveis em arquiteturas livres. Após um exame de iniciativas similares, tais
como a e-recorder desenvolvida a partir da flauta de Paetzold, as quais são amplamente
examinadas em Barcellos (2011) e Villavicencio (2010), indagou-se sobre a possibilidade de
se construírem acessórios, que, incorporados a uma flauta doce convencional, pudessem
permitir a manipulação sonora do instrumento. Observe-se que o preço de uma flauta doce
Paetzold varia de 1.200 a 6.000 dólares, o que consideramos ainda um alto custo para os
padrões brasileiros.

2. Arquitetura do instrumento
A realização desse projeto ocorreu em dois estágios concomitantes.
Primeiramente, verificamos, através de experimentos, a eficácia de controle de aplicativos
XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

não-proprietários (software livre), como o Pure Data ou CSound, dentre outros, através de
uma interface de baixo custo baseada na plataforma de computação física Arduino, cujo
código e hardware também são livres. Paralelamente a esse processo, tivemos que
desenvolver uma maneira ergonômica de efetuar esse controle, através da adaptação de
acessórios no corpo de uma flauta doce de plástico. Nas seções seguintes, descrevemos as
dificuldades e as descobertas associadas a cada uma dessas fases de desenvolvimento.

2.1. Controle em nível de hardware/ software


O Arduino foi concebido como uma plataforma de prototipagem para o
desenvolvimento de objetos e ambientes interativos para artistas e designers. Consiste
basicamente de uma placa com microcontrolador (ATMEGA 328) e outras facilidades já
embutidos, além de ambiente de desenvolvimento com linguagem de programação
simplificada e diversos recursos úteis já inseridos na linguagem em si, ou em bibliotecas que a
acompanham, distanciando, desta forma, o usuário das dificuldades de lidar diretamente com
um microcontrolador e da necessidade de implementar funções que seriam básicas a diversos
projetos. Referências e especificações detalhadas sobre o Arduino podem ser encontradas em
SCHMIDT (2011).
Ao Arduino foram conectados botões (fixos no corpo da flauta) e potenciômetros
(em um módulo externo) para, através da porta USB por ele fornecida, gerar a interface entre
o instrumentista e o software no computador. A manipulação e consequente variação de
estado de um destes dispositivos é detectada pelo programa carregado no microcontrolador e,
assim, uma mensagem informando o novo estado do botão ou potenciômetro é enviada ao
computador. Estas mensagens são, portanto, genéricas, isto é, transmitem apenas a
informação de qual botão ou potenciômetro foi manipulado e o valor referente a seu novo
estado, não estando, por isso, associadas, a princípio, a nenhum comportamento específico. O
aplicativo no computador deverá se encarregar de atribuir funções específicas a essas
mensagens, tais como ativar e desativar algo ou variar algum parâmetro. Desta forma, o uso
da interface não está restrito a nenhum software e a utilização de seus recursos é definida pelo
seu usuário e/ou programador responsável pela implementação do software a ser controlado.
Por exemplo, no diagrama da Figura 1, o som da flauta doce é captado por um microfone,
convertido para sinal digital e enviado a um software, que o processará de acordo com os
comandos enviados pelo Arduino.
XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Figura 1: Estrutura do projeto

Na comunicação com o computador pela porta USB, a plataforma Arduino se


utiliza de um conversor USB – serial, ou seja, qualquer aplicativo com acesso à porta serial é,
em princípio, capaz de interagir com a interface proposta. O programa carregado no Arduino
envia uma mensagem serial, que consiste numa série de caracteres, no formato XY, caso um
botão tenha sido pressionado ou XY Z, caso um potenciômetro tenha sido manipulado. X
pode assumir os valores B (botão) e P (potenciômetro), Y é o número que identifica qual
botão ou potenciômetro foi manipulado e Z é uma série de caracteres que representam os
inteiros de 0 a 1023, para os potenciômetros. Como já mencionado, as mensagens são
enviadas ao serem detectadas variações de estado. Além disso, mensagens são enviadas
informando o estado dos potenciômetros, no momento em que o programa carregado receber,
do software, uma mensagem serial consistindo unicamente do caractere R. Essa
funcionalidade é implementada para evitar problemas de sincronismo entre os estados dos
potenciômetros e os valores correspondentes no software. O diagrama da Figura 1 ilustra esse
processo, mostrando a estrutura geral do projeto.

2.2. Desenvolvimento de controladores na flauta doce


A interface se divide em dois módulos: um acoplado à flauta e outro externo. O
módulo externo (Figura 2) comporta o circuito com o Arduino e os potenciômetros, os quais
são utilizados para modificar parâmetros, que não precisam ser modificados durante a
performance. Desse módulo saem um cabo USB para o computador e um cabo com
condutores para o módulo acoplado à flauta (Figura 3), que consiste basicamente em um
conjunto de dez sensores capacitivos de toque. A Figura 4 mostra o diagrama dessa interface.
XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Figura 2: Módulo externo da Flauta Doce Eletroacústica

Figura 3: Módulo acoplado à Flauta Doce Eletroacústica

Figura 4: Diagrama da interface

3. Experimento com repertório


Com o objetivo de verificar o funcionamento do instrumento, realizamos um
experimento em nível composicional. A obra é intitulada KLTPZYXM, como referência a
uma personagem dos quadrinhos Superman da DC Comics. A obra foi concebida a partir de
experimentações com síntese granular, sampling, e superposição das sonoridades obtidas a
XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

partir dessas técnicas com o som real da flauta. No caso da síntese granular, o processamento
é feito a partir do som da flauta doce. Estas experimentações foram realizadas a partir de
patches criados no PureData (Figura 5), utilizando o microfone de uma webcam e uma flauta
doce Aulos. Em seguida, foi elaborada uma partitura, utilizando um processo composicional
que aplica notação time-bracket, que foi criado e utilizado por John Cage, nas obras de sua
última fase composicional (1987-92), denominadas Number pieces (WEISSER, 2003). A
Figura 5 mostra um trecho da obra SEVEN2, de Cage. Na parte superior esquerda, a
numeração designa a faixa de tempo onde o músico pode iniciar a execução da nota indicada
e na parte superior direita, outra faixa de tempo indica quando essa nota pode cessar. No caso
do trecho mostrado na Figura 6, o músico pode iniciar a execução do Dó1 entre 0 e 45
segundos e pode concluir entre 30 segundos e 1 minuto e quinze segundos.

Figura 5: Patch para experimentação do protótipo criado no PureData.

Figura 6: Fragmento de SEVEN2, de Cage.

Após o processo experimental inicial, foi implementado o patch definitivo,


utilizando todas as técnicas supracitadas, na linguagem SuperCollider. Com relação à síntese
granular, o compositor optou por filtrar cada grão individualmente, através de um filtro de Q1
constante. Essa técnica é denominada por Roads (2001, p.216) de microfiltragem, que
XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

“articula microvariações injetando colorido espectral em texturas, que seriam de outra forma,
estáticas”. A partitura indica também os botões que serão acionados com o objetivo de ativar
determinados módulos do patch. Os botões R1, R2 e R3 se referem a buffers, sobre-
escrevendo qualquer conteúdo anterior. Os botões P1, P2 e P3 disparam os samples gravados
nos buffers respectivos (em loop ou uma única vez, dependendo de escolhas feitas na interface
gráfica do patch). O botão X interrompe as saídas. O botão G ativa a textura granular, que
ainda é controlada pelos botões D1 e D2 (densidade textural). A bula da obra é mostrada na
Tabela 1 e a primeira página da partitura, na Figura 7.

Tabela 1: Bula de KLTPZYXM


XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Figura 7: Primeira página de KLTPZYXM


XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

4. Conclusão
Neste trabalho, descrevemos os estágios iniciais de desenvolvimento de uma
Flauta Doce Eletroacústica, utilizando software livre e uma estrutura física de baixo custo 2,
incluindo-se aqui a plataforma livre Arduino, para o qual escrevemos um protocolo de
comunicação serial (USB). Embora os aspectos ergonômicos do módulo acoplado à flauta
doce possam sofrer modificações que venham a melhorar seu desempenho, já se obteve um
resultado satisfatório com as experimentações realizadas no protótipo descrito nesse artigo.
Estas experimentações culminaram na composição de uma obra especificamente para este
instrumento, que foi viabilizada através da utilização de aplicativos de produçao
eletroacústica. Um item a ser melhorado, mas que poderá encarecer o custo final do projeto, é
o microfone que capta o som da flauta.

Referências

César Villavicencio homepage. Página do flautista com informações sobre música barroca,
flauta eletrônica e improvisação. Disponível em: <http://www.cevill.com/pt/index/html>.
Acesso em: 10 mar. 2010.

BARCELLOS, M.A.. A Flauta Doce no Século XXI: Trajetórias e Perspectivas. João Pessoa,
2011, 120f. Dissertação (Mestrado em Musicologia), Universidade Federal da Paraíba.

ROADS, Curtis. Microsound. Cambridge, Massachussetts: The MIT Press, 2001.

SCHMIDT, Maik. Arduino: A Quick-Start Guide. Dallas, Texas: The Pragmatic Bookshelf,
2011.

WEISSER, Benedict.´...The Whole Paper Would Potentially Be Sound´: Time-Brackets and


the Number Pieces”. Perspectives of New Music, Vol. 41, No.2 (Verão, 2003): p. 176-225.

Notas

1
O Q (qualidade) de um filtro é a relação entre a frequência central e a largura de banda.
2
O custo total do protótipo foi de R$ 455,00, incluindo a plataforma Arduino, a flauta doce de plástico, os
componentes eletrônicos (placa de circuito impresso, microfone, potenciômetros, resistores, capacitores e LEDs)
e o gabinete do módulo externo.

Você também pode gostar