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EXECUÇÃO FISCAL E PENHORA "ON LINE": UMA ANÁLISE DA LEF, DO ART.

655 DO CPC E DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ1

Diego Diniz Ribeiro, advogado, especialista em


direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários – IBET, mestre em direito tributário pela
Pontifícia Universidade Católica em São Paulo –
PUC/SP, professor dos cursos de pós-graduação em
direito tributário do IBET, FMU e EPD, todos em
São Paulo.

1. As recentes reformas processuais: introdução ao problema

Há alguns anos o processo civil tem sido palco de importantes reformas,

todas elas com um objetivo comum: buscar a efetividade do processo. Apesar da sua

autonomia, o processo retoma sua característica marcante: a de servir como instrumento para

satisfazer o bem jurídico da vida objeto de litígio. Nesses termos, um processo efetivo é

aquele que “realize o direito material vindicado”2.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno, em um processo efetivo, “uma vez

obtido o reconhecimento do direito indicado como ameaçado ou lesionado, e que, por isso

mesmo, justifique a atuação do Estado-juiz (a prestação da ‘tutela jurisdicional’), seus

resultados devem ser efetivos, isto é, concretos, palpáveis, sensíveis no plano exterior do

processo, isto é, ‘fora’ do processo”3.

Percebe-se então que a efetividade do processo apresenta, ao menos em

1
Publicado na Revista Dialética de Direito Processual n.º 83.
2
JÚNIOR DIDIER, Fredie, curso de direito processual civil (vol. 1). 8ª. ed. Salvador: Podivm, 2007. p. 37.
regra, íntima relação com a satisfação do pedido mediato nele formulado. Como é sabido, o

pedido, como um dos elementos identificadores da ação (art. 301, §2º, do CPC), é

didaticamente dividido em imediato e mediato.

Pedido imediato é sinônimo de prestação jurisdicional. É a intenção do

proponente da ação em ter uma tutela jurisdicional capaz de compor a lide,

independentemente do seu conteúdo. Já o pedido mediato é o próprio bem jurídico da vida

almejado pelo autor da ação, o qual foi objeto de controvérsia.

Em se tratando de uma ação executiva, o pedido imediato é a pretensão do

exeqüente em alcançar decisões constritivas do patrimônio do devedor (penhora, leilão,

adjudicação etc.), enquanto que o pedido mediato é aquele que busca a satisfação do crédito

em cobro.

Em outros termos, é o que também afirma José Miguel Garcia Medina ao

professar que “depreende-se que a tutela jurisdicional executiva: (a) realiza-se não só com o

intuito de ver restaurado um direito violado, como também para impedir a ocorrência de

tal violação; (b) abrange não apenas o resultado da execução forçada ( = realização material

do direito do demandante), mas também os meios tendentes à sua obtenção”4.

Neste cenário, pautado pela efetividade do processo, é que o legislador

nacional promoveu inúmeras mudanças no processo executivo. Atualmente não se fala mais

em execução de título judicial, mas sim em cumprimento da sentença5. Ademais, a execução

de títulos extrajudiciais ganhou um novo procedimento, muito mais célere e focado na

3
BUENO, Cássio Scarpinella, Curso sistematizado de direito processual civil (vol. 1). 2ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 148 (grifos do autor).
4
MEDINA, José Miguel Garcia, Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 25 (grifos do autor).
5
Segundo Humberto Theodoro Júnior, “em pleno século XX, voltou-se a presenciar o mesmo fenômeno da
Idade Média: o inconformismo com a separação da atividade jurisdicional de cognição e de execução em
compartimentos estanques, e a luta para eliminar a desnecessária figura da ação autônoma de execução de
sentença (a velha actio iudicati do direito romano)” (JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual
civil (vol. II). 39ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 11) (grifos do autor).
satisfação do crédito6.

Dentre as medidas adotadas, destaca-se a repaginação do art. 655 do Código

de Processo Civil7 e o advento do novel art. 655-A do citado Estatuto Processual8. Tais

dispositivos tratam, respectivamente, da ordem preferencial de bens passíveis de penhora,

bem como do procedimento para a realização da constrição indevidamente9 denominada de

penhora “on line”.

6
Os artigos 615-A, 685-C, 689-A, 694 e 736 e s.s., todos do CPC, são exemplos dessa mudança. Não
analisaremos aqui as injuridicidades de algumas dessas alterações, já que o estudo desses dispositivos não é o
foco do presente trabalho. Havendo interesse em nossa opinião, em especial nos reflexos dessas mudanças para
as execuções fiscais, sugerimos a pesquisa da obra A reforma do CPC e a execução fiscal [MARQUEZI
JÚNIOR, Jorge Sylvio, RIBEIRO, Diego Diniz, SALOMÃO, Marcelo Viana (coordenadores). A reforma do
CPC e a execução fiscal. 2ª. ed. São Paulo: MP Editores, 2009.], bem como o artigo por nós publicado na
Revista Dialética de Processo Civil (RIBEIRO, Diego Diniz. A suspensividade dos embargos na execução fiscal
– a (não) incidência do novo art. 739 do CPC, Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo/SP, vol. n.º
61, pp. 22-32, abril-2008).
7
“Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II - veículos de via terrestre;
III - bens móveis em geral;
IV - bens imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - ações e quotas de sociedades empresárias;
VII - percentual do faturamento de empresa devedora;
VIII - pedras e metais preciosos;
IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;
X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
XI - outros direitos.
§1o Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá,
preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse
intimado da penhora.
§2o Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado”.
8
“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a
requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por
meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato
determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.
(Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do
inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade. (Incluído
pela Lei nº 11.382, de 2006).
§3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição
de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente,
entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida. (Incluído pela
Lei nº 11.382, de 2006).
§4º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à
autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre
a existência de ativos tão-somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que
tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos
praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995”.
9
Explicaremos o equívoco da designação “penhora on line” mais adiante.
É sobre esses prescritivos, em especial, que nos debruçaremos.

2. Antinomia de leis e técnicas de resolução de conflitos

Antes de tratarmos, todavia, dos eventuais reflexos dos artigos 655 e 655-A

do CPC nas execuções fiscais, mister se faz verificar o problema da antinomia de leis e as

técnicas empregadas pelo ordenamento jurídico para contornar tais conflitos.

O art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil10 estabelece dois critérios para

resolução de antinomia, sendo eles: a) o critério temporal e b) o critério da especialidade.

Dessa feita, havendo antinomia entre uma norma geral e outra especial de igual teor, essa

última deve prevalecer. Da mesma forma, existindo um conflito entre uma lei anterior e outra

temporalmente posterior, sobrepõe-se a segunda.

O problema surge quando ocorre um conflito de critérios, ou seja, no caso de

uma lei geral posterior veicular norma jurídica11 idêntica a outra inserida no sistema por

intermédio de lei especial cronologicamente anterior à primeira.

Nesses casos, deve prevalecer o critério da especialidade face ao temporal. É

o que ensina Noberto Bobbio ao dizer que “o conflito entre critério de especialidade e critério

cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho

a lei especial precedente. O que leva uma posterior exceção ao princípio lex posterior derogat

priori: esse princípio falha, não só quando a lei posterior é inferior, mas também quando é

10
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a
lei anterior.
(...)”.
11
A expressão norma jurídica é aqui empregada como o resultado de uma atividade interpretativa, ou seja, como
juízo de valor formado a partir da interpretação de um ou vários textos normativos. Sua estrutura lógica é dual,
sendo composta por um antecedente, descritor de um determinado fato hipotético, e um conseqüente, prescritor
de uma relação jurídica, os quais são vinculados um ao outro por um dever-ser neutro.
generalis (e a ‘Lex prior é specialis’)”12.

Não obstante tais considerações, cabe aqui a seguinte indagação: há conflito

entre a lei n.º 6.830/80 e o Código de Processo Civil? Parece que não.

Para se chegar a tal conclusão importante sublinhar que o art. 1º da lei das

execuções fiscais determina, de forma muito clara, que o Estatuto Processual Civil só se

aplicará nas ações exacionais fiscais de forma subsidiária, i.e., quando não houver disposição

da LEF tratando do tema.

Face à tal prescrição, não há que se falar em antinomia entre a LEF e o CPC.

A própria lei n.º 6.830/80 já resolve questão por meio da aplicação subsidiária do Estatuto

Processual Civil.

Nesta senda, se houver disposição sobre o mesmo assunto na LEF e no CPC

aplica-se a primeira em detrimento ao último e se determinado assunto não estiver

disciplinado na LEF aplica-se o CPC de forma subsidiária13.

Na pior das hipóteses, caso se admita a possibilidade de conflitos entre a lei

de execuções fiscais e o Código de Processo Civil, a primeira deve se sobrepor, na medida em

que, como visto linhas acima, norma geral posterior não tem o condão de revogar norma

especial anterior.

3. Os artigos 655 e 655-A do CPC, as execuções fiscais e a

jurisprudência do STJ

Uma vez fixadas as premissas alhures expostas, podemos agora adentrar no

12
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10ª. Ed.. Brasília: UNB, 1999, p. 108.
13
MARQUEZI JÚNIOR, Jorge Sylvio, RIBEIRO, Diego Diniz. “A reforma dos títulos extrajudiciais e sua
repercussão nas execuções fiscais”, in A Reforma do CPC e a execução fiscal. 2ª. ed. São Paulo: MP Editores,
2009, p. 23.
tema aqui proposto, analisando as alterações promovidas pelos artigos 655 e 655-A, ambos do

Código de Processo Civil, e seus eventuais reflexos para a execução fiscal.

Assim, procedendo a análise do art. 655 do CPC, convém destacar que a

primeira mudança significativa diz respeito à menção expressa no caput do dispositivo quanto

a ordem ali exposta ser preferencial. Em outros termos, em sede de execução civil a penhora

recairá, preferencialmente, sobre os bens ali indicados.

A primeira dúvida que surge diante desse prescritivo é se este incide ou não

em execuções fiscais, o que desde já respondemos negativamente, haja vista que a lei n.º

6.830/80 trata textualmente do assunto no seu art. 1114. O citado dispositivo da lei especial

prevê um rol de bens passíveis de penhora e que tal rol obedece uma ordem, o que denota a

sua preferencialidade.

Não obstante, outra questão que surge refere-se à previsão da penhora “on

line”, capitulada no art. 655-A do CPC15 e sua incidência subsidiária em execuções fiscais.

Segundo alguns doutrinadores, por inexistir expressa previsão da penhora

“on line” pela lei n.º 6.830/80, aplicar-se-ia subsidiariamente a regra do art. 655-A do CPC,

nos termos do art. 1º da LEF. Coadunando com tal conclusão, recentemente o Superior

14
“Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
I - dinheiro;
II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;
III - pedras e metais preciosos;
IV - imóveis;
V - navios e aeronaves;
VI - veículos;
VII - móveis ou semoventes; e
VIII - direitos e ações.
§1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem
como em plantações ou edifícios em construção.
§2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º.
§3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública
exeqüente, sempre que esta o requerer, em qualquer fase do processo”.
15
“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a
requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por
meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato
determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução”.
Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL EM


AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA ON LINE. ARTS. 655 E
655-A DO CPC. ART. 185-A DO CTN. SISTEMA BACEN-JUD. PEDIDO
REALIZADO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DA LEI N. 11.382, DE 6 DE
DEZEMBRO DE 2006. PENHORA ENTENDIDA COMO MEDIDA
EXCEPCIONAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO EXAURIMENTO DE
DILIGÊNCIAS PARA BUSCA DE BENS DE EXECUTADO. SÚMULA
N. 7/STJ. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO STJ APLICÁVEL AOS
PEDIDOS FEITOS NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DA ALUDIDA LEI.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção


desta Corte é firme no sentido de admitir a possibilidade de quebra do sigilo
bancário (expedição de ofício ao Banco Central para obter informações
acerca da existência de ativos financeiros do devedor), desde que esgotados
todos os meios para localizar bens passíveis de penhora.

2. Sobre o tema, esta Corte estabeleceu dois entendimentos, segundo a


data em que foi requerida a penhora, se antes ou após a vigência da Lei
n. 11.382/2006.

3. A primeira, aplicável aos pedidos formulados antes da vigência da


aludida lei, no sentido de que a penhora pelo sistema Bacen-JUD é
medida excepcional, cabível apenas quando o exeqüente comprova que
exauriu as vias extrajudiciais de busca dos bens do executado. Na
maioria desses julgados, o STJ assevera que discutir a comprovação
desse exaurimento esbarra no óbice da Sumula n. 7/STJ.

4. Por sua vez, a segunda solução, aplicável aos requerimentos


realizados após a entrada em vigor da mencionada lei, é no sentido de
que essa penhora não exige mais a comprovação de esgotamento de vias
extrajudiciais de busca de bens a serem penhorados. O fundamento
desse entendimento é justamente o fato de a Lei n. 11.382/2006
equiparar os ativos financeiros a dinheiro em espécie.

5. No caso em apreço, o Tribunal a quo indeferiu o pedido de penhora


justamente porque a considerou como medida extrema, não tendo sido
comprovada a realização de diligências hábeis a encontrar bens a serem
penhorados.

6. Como o pedido foi realizado dentro do período de vigência da Lei n.


11.382/2006, aplica-se o segundo entendimento.

7. Recurso especial provido”16.

(...).
16
REsp n.º 1101288/RS; RECURSO ESPECIAL: 2008/0241056-0; Relator: Ministro BENEDITO
GONÇALVES; Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento: 02/04/2009; Data da
Publicação/Fonte: DJe 20/04/2009; V.U. (grifos nosso).
Segundo o entendimento veiculado no julgado transcrito, os pedidos de

penhora “on line” formulados antes da reforma CPC, ou seja, antes do advento do art. 655-A,

demandariam prova por parte do exeqüente no sentido de demonstrar o exaurimento na busca

de outros meios passíveis de constrição, nos termos do que prescreve o art. 185-A do CTN.

Já os pedidos posteriores a redação do novel dispositivo legal não

demandariam mais tal prova, mesmo em ação exacional fiscal, visto que nessa hipótese

haveria, segundo entendimento do STJ, incidência do referido dispositivo do Estatuto

Processual Civil.

Com a devida vênia, o entendimento veiculado pelo Tribunal Superior está

absolutamente equivocado, por inúmeras razões.

Primeiramente, convém lembrar que o instrumento da penhora “on line” já

vinha sendo utilizado de longa data em execuções fiscais, ou seja, antes mesmo do advento do

art. 655-A do CPC. Isso porque a própria lei de execução fiscal já previa a possibilidade de

penhora sobre dinheiro, conforme se confere do seu art. 11, inciso I, não havendo espaço,

pois, para a aplicação subsidiária do Estatuto Processual Civil.

A grande diferença, todavia, da penhora “on line” na execução fiscal face à

execução civil é que nesta última praticamente basta o pedido do exeqüente17 para obtê-la,

enquanto na primeira tal contrição se dá apenas de forma excepcional.

Para se chegar a tais conclusões é necessário traçar um paralelo quanto ao

procedimento adotado nessas diferentes execuções. Assim, convém desde já destacar que, em

se tratando de execução civil, o executado não tem mais o direito de indicar livremente bens à

penhora. Uma vez citado, cabe ao executado pagar o débito ou se defender por meio de

17
Não se pode olvidar que o art. 620 do CPC, o qual prevê que a execução deverá ser realizada de forma menos
gravosa ao executado, continua vigente.
embargos à execução18. Mais do que isso, o próprio exeqüente, já na sua petição inicial, pode

indicar os bens que pretende penhorar, inclusive dinheiro. Essa é a regra do art. 652, §2º, do

CPC19.

Já na execução fiscal a sistemática é diferente. Uma vez citado, o suposto

devedor tem o prazo de 05 (cinco) dias para saldar o débito, ficar inerte ou indicar bens à

penhora20, ou seja, na ação exacional de natureza fiscal o executado mantém a faculdade de

indicar livremente bens à penhora, diferentemente do que ocorre na execução civil.

Assim, fazendo-se uma interpretação lógica do procedimento existente nas

execuções fiscais, conclui-se que a penhora “on line” não poderá ser levada à cabo em

execução fiscal diante do simples pedido do credor, isso porque o devedor tem – repita-se – a

faculdade de indicar outros bens à penhora que não dinheiro.

Os bens indicados pelo devedor devem ser analisados pelo juízo e, sendo

eles suficientes para garantir o débito e de fácil alienação em um futuro leilão, devem ser

constritados, em detrimento a eventual pedido do exeqüente quanto à eventual penhora “on

line”.

18
“Art. 621. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será
citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos.
(...).”
“Art. 736. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por
meio de embargos”.
19
“Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.
(...)
§2o O credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art. 655)
(...)” (g.n.).
20
“Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de
mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes
normas:
(...)”.
“Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão
de Dívida Ativa, o executado poderá:
I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure
atualização monetária;
II - oferecer fiança bancária;
III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
(...)” (g.n.)..
Isso porque, caso se admita a prevalência pura e simples da penhora “on

line” frente aos outros bens passíveis de penhora e elencados no art. 11 da lei n.º 6.830/80,

estar-se-ia esvaziando de conteúdo a norma extraída dos artigos 8º e 9º da LEF, os quais

prevêem a faculdade do devedor indicar bens à penhora. Tais dispositivos perderiam a razão

de existir.

Ademais, existe ainda um outro argumento a ser levantado: em matéria

tributária a penhora “on line” continua sendo medida excepcional, nos termos do que

prescreve o art. 185-A do Código Tributário Nacional21.

Antes, entretanto, de analisar aludido dispositivo, importante neste momento

esclarecer que a chamada “penhora on line” não é penhora, mas sim decretação de

indisponibilidade de bens, mais precisamente de ativos financeiros.

Isso porque para que haja penhora, mister se faz a existência de auto ou

termo de penhora, nos parâmetros do que dispõe a lei n.º 6.830/80. É o que se depreende,

v.g., dos artigos 1222 e 1323 da lei de execuções fiscais:

Sobre o tema, Humberto Theodoro Junior lembra que “a penhora, para

produzir efeito, precisa constar de termo processual adequado. O ato em questão

denomina-se ‘auto de penhora’, quando é lavrado fora do processo, pelo oficial de justiça,

em cumprimento do mandado executivo; e ‘termo de penhora’, quando redigido pelo

21
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à
penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus
bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que
promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades
supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam
cumprir a ordem judicial.
§1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz
determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.
§2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão
imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido”.
22
“Art. 12. Na execução fiscal, far-se-á a intimação da penhora ao executado, mediante publicação, no órgão
oficial, do ato de juntada do termo ou do auto de penhora.(...)” (g.n.).
escrivão nos próprios autos do processo, diante da aceitação ou aprovação da nomeação feita

pelo executado”24.

Ademais, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que,

mesmo em caso de depósito em dinheiro realizado pelo executado, ainda sim haveria a

necessidade de formalização de auto de penhora para que esta constrição estivesse

devidamente aperfeiçoada. É o que se extrai da seguinte ementa:

“EXECUÇÃO FISCAL - ICM - DEPÓSITO EM DINHEIRO - PENHORA


- PRAZO PARA OS EMBARGOS À EXECUÇÃO - INTIMAÇÃO
PESSOAL DO DEVEDOR - LEI N. 6.830/80 (ARTS. 9., I, E II, 16, III).

1. Depósito em dinheiro (art. 9., I, e parágrafo 2º, Lei 6.830/80) diferencia-


se de nomear bens à penhora, observando-se a ordem legal que contempla o
dinheiro convertido em depósito (art. 9., III, II, I, e parágrafo 2º, Lei ref.).

(...)

3. O prazo para oferecimento dos embargos não começa a fluir do


depósito. Inaplicável, pois, o disposto no artigo 16, inciso I da Lei n.º
6.830/80. A contagem do prazo inicia-se a partir da intimação da
penhora, que tendo sido feita em dinheiro, será convertida em depósito,
nos termos dos artigos 11, parágrafo 2º e 9º, inciso I, da Lei 6.830/80.

4. Recurso a que se nega provimento”25.

O citado julgado demonstra, de forma cabal, a necessidade da formalização

de auto ou termo para que se possa efetivamente falar-se em penhora, razão pela qual a

simples ordem decretando a indisponibilidade de ativos financeiros, equivocadamente

denominada “penhora on line”, não é penhora.

Tais considerações são importantes na medida em que, em matéria tributária

e consequentemente em sede de execução fiscal, existe norma especial tratando dos

pressupostos e requisitos indispensáveis para a decretação de indisponibilidade de bens de um

23
“Art. 13. 0 termo ou auto de penhora conterá, também, a avaliação dos bens penhorados, efetuada por quem
o lavrar(...)” (g.n.).
24
THEODORO JUNIOR, Theodoro. Lei de Execução Fiscal. 8ª. ed. 2002. São Paulo: Saraiva, p. 73 (g.n.).
suposto devedor: é a norma extraída do art. 185-A do CTN26.

Assim, em se tratando de execuções fiscais, a decretação de

indisponibilidade de bens do devedor, que também se manifesta com a indisponibilidade dos

seus ativos financeiros, só pode ocorrer se o executado for citado, não nomear bens à penhora

e a Fazenda ainda não encontrar bens de sua propriedade passíveis de constrição.

Por outro giro verbal, a simples inércia do executado ou a discordância da

Fazenda com os bens nomeados, por si só, não autoriza tal constrição. Nesta senda, é o

entendimento de Hugo de Brito Machado Segundo:

“Pelo que se pode perceber do texto no qual a norma em exame é veiculada,


para a sua incidência são exigidos os seguintes pressupostos de fato: (i)
existência de um processo de execução fiscal; (ii) realização de citação
válida; (iii) decurso ‘in albis’ do prazo legal para pagamento ou oferecimento
de bens a serem penhorados; (iv) insucesso na tentativa de localização de
bens pelo exeqüente e pelo órgão judiciário. É preciso, em outras palavras,
que o sujeito passivo da relação tributária, tendo sido executado, saiba da
existência da execução e, propositadamente, se mantenha inerte, não
procurando solver a dívida nem oferecer garantias para discuti-la. E, ainda, é
necessário que o exeqüente e o Juízo da execução tenham tentado encontrar
bens penhoráveis e não os tenham localizado. Só depois disso a medida
extrema poderá ser aplicada”27.

Mais adiante, assim concluiu o supracitado autor:

“Percebe-se, portanto, ainda sem fazer qualquer consideração quanto à


validade da ‘indisponibilidade’ em questão, que a mesma não pode ser
decretada se o executado, citado, apresenta bens à penhora, mesmo que

25
(STJ, RESP 39672/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento: 18/04/2000,
Data da Publicação: 22/05/2000) (g.n.).
26
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à
penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus
bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que
promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades
supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam
cumprir a ordem judicial.
§1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz
determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.
§2o Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão
imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”
27
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. “A indisponibilidade de bens on-line na execução fiscal e o
postulado da proporcionalidade”, in Processo Judicial Tributário, sob a coordenação de Clélio Chiesa e
Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 279.
estes não sejam aceitos pela Fazenda Pública, ou sejam considerados
insuficientes. Do mesmo modo, se, citado, o executado deixa transcorrer o
prazo de que dispõe para pagar ou oferecer bens (muitos fazem isso, pois
tudo o que perdem é o direito de escolher sobre quais bens a constrição irá
recair) a indisponibilidade não poderá ser decretada sem que antes sejam
procurados, pelo oficial de justiça, bens penhoráveis”28.

Em resumo, por tratar-se de medida drástica, a indisponibilidade de ativos

financeiros é o último provimento a ser adotado em juízo em prol do credor. Nesta senda, para

que haja sua incidência, mister se faz a presença concomitante de um pressuposto, qual seja,

(a) a citação do executado e dois requisitos, sendo eles (b) a inércia do pretenso devedor e (c)

a não localização de outros bens passíveis de constrição em nome do executado29.

Em matéria tributária e, consequentemente, em execução fiscal, existe norma

especial dispondo que a decretação de ativos financeiros é medida excepcional e só pode

advir depois de preenchidos os requisitos elencados no art. 185-A do CTN. O caráter

excepcional dessa medida extrema, por sua vez, é um consectário lógico decorrente da forma

como o título executivo fiscal é formado.

Isto porque a Certidão de Dívida Ativa - CDA é produzida unilateralmente

pelo Fisco. Diferentemente do que ocorre com o título executivo de natureza civil, a formação

28
Op. cit. Loc. cit. (g.n.).
29
Neste diapasão é o entendimento do Tribunal Regional Federal, consoante se depreende do seguinte julgado:
“Ementa
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL -
DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE DECRETAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE DOS BENS OU
DIREITOS DO DEVEDOR – AGRAVO IMPROVIDO.
1. O art. 185-A do CTN, introduzido pela LC 118/2005, usando o modo imperativo, dispõe que o juiz
determinará a indisponibilidade de bens, do que se conclui que o juiz não poderá deixar de cumpri-la, desde que
observados três requisitos: a citação do devedor, ter deixado ele de apresentar bens à penhora e a não
localização de bens sobre os quais possa incidir a constrição judicial.
2. A redação do referido dispositivo não deixa dúvida acerca da desnecessidade de se exigir do credor que esgote
os meios disponíveis para localização de bens para garantia do Juízo. A expressão "e não forem encontrados
bens penhoráveis", contida no "caput" do art. 185-A, não pode ser interpretada como necessidade de
esgotamento de meios pelo credor tributário na busca de bens e, sim, como sendo a atividade do oficial de justiça
encarregado de efetivar a constrição judicial.
3. No caso, a citação dos devedores foi feita por edital, sendo certo que não efetuaram o pagamento, nem
nomearam bens à penhora. Todavia, a estes autos não veio a certidão no sentido de que o oficial de justiça
não encontrou bens penhoráveis, não coexistindo, assim, os pressupostos para incidência do disposto no
art. 185-A do CTN.
4. Agravo improvido”.
da CDA não se dá por meio de acordo de vontade das partes, mas sim por imposição

unilateral do Fisco.

O que se afirma é que a imposição da “penhora on line” como primeira

medida constritiva nas execuções de natureza civil estaria, em tese, justificada, na medida em

que há aparente, ou melhor, presumida “manifestação de vontade” das partes na formação do

título executivo extrajudicial cível, o qual seria elemento suficiente para justificar essa medida

extrema.

Já no caso da Certidão de Dívida Ativa - CDA, a mera ausência de

participação do devedor no seu processo de constituição reforçaria, em contrapartida, a

necessidade de se garantir uma execução ainda menos gravosa se comparada à execução civil,

admitindo-se, por conseguinte, a faculdade do executado indicar livremente bens passíveis de

penhora e de se adotar a decretação de indisponibilidade de ativos financeiros como medida

excepcional.

4. Conclusões

(I) As recentes reformas processuais, dentre as quais aquelas promovidas

em sede de execução, têm por objetivo dar maior efetividade ao processo;

(II) Havendo antinomia entre normas, o art. 2º da Lei de Introdução ao

Código Civil estabelece dois critérios para sua resolução: a) o critério temporal e b) o critério

da especialidade. Havendo, entretanto, conflito entre tas critérios, o da especialidade deve

prevalecer;

(III) Não há que se falar em antinomia entre as normas extraídas do CPC e

aquelas depreendidas da lei de execução fiscal, já que essa última, em seu art. 1º, prescreve

(Acórdão Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO; Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO –


que o Estatuto Processual Civil só se aplicará nas ações exacionais fiscais de forma

subsidiária, i.e., quando não houver disposição da LEF tratando do tema;

(IV) O art. 655 do CPC não se aplica às execuções fiscais, haja vista haver

disposição expressa sobre o assunto no art. 11 da lei n.º 6.830/80;

(V) O STJ tem proferido decisões no sentido de que há aplicação subsidiária

do art. 655-A (penhora “on line”) nas execuções fiscais para aqueles casos em que o

requerimento foi procedido posteriormente a vigência da Lei n. 11.382/2006, mantendo-se o

caráter excepcional dessa medida para os casos anteriores a tal marco temporal;

(VI) Entendemos, contrariamente ao que defendido pelo STJ, que o art. 655-

A não tem aplicação nas execuções fiscais, vez que a chamada penhora “on line” tem

disciplina própria em matéria tributária;

(VII) Admitir a incidência do art. 655-A do CPC em ações exacionais fiscais,

com a preferencialidade obrigatória da constrição sobre dinheiro em prejuízo de outros bens,

implicaria o esvaziamento dos artigos 8º e 9º, ambos da LEF, já que a faculdade do executado

em indicar livremente bens à penhora tornar-se-ia nula;

(VIII) Ademais, “penhora on line” não é penhora, mas sim decretação de

indisponibilidade de bens, mais precisamente de ativos financeiros e, em matéria tributária, o

art. 185-A do CTN (norma especial) trata do assunto, prescrevendo ser tal restrição medida

excepcional, só passível de incidência após a citação do executado e na hipótese deste não

nomear bens penhoráveis e ainda a Fazenda não encontrar bens de sua propriedade passíveis

de constrição; e

(IX) A excepcionalidade da decretação de indisponibilidade de ativos

293461; Processo: 200703000183111; Relatora: Dra. Ramza Tartuce. V.U.) (g.n.).


financeiros no âmbito tributário é consectário lógico da própria formação da CDA (título

executivo), já que essa é elaborada unilateralmente pelo Fisco. Em outros termos, o que se

quer dizer é que a imposição da “penhora on line” como primeira medida constritiva nas

execuções de natureza civil estaria, em tese, justificada, na medida em que há aparente, ou

melhor, presumida “manifestação de vontade” das partes na formação do título executivo

extrajudicial cível, o que, por seu turno, não acontece em matéria tributária.

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