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AÇÕES AFIRMATIVAS

A raça humana é composta por seres diferentes e desiguais, desde a sua


essência. Em se tratando da esfera biológica, cada pessoa possui traços únicos,
sendo um ser, por excelência, único. Na esfera sociológica diferenças foram
construídas e profundamente enraizadas na cultura, o que implica na constituição de
povos com particularidades e costumes próprios. Assim, seja por motivo natural ou
social, a humanidade é, por excelência, diferente e desigual (CONCI; AVOGLIO,
2008).
Essas diferenças tornam-se o maior desafio na busca por uma sociedade
igualitária, transformando a busca pela igualdade um desejo moral, social e
politicamente almejado; mostrando-se como um anseio de bem estar social, onde os
indivíduos tenham seus direitos respeitados e sejam tratados igualitariamente;
estando inclusive disposto na Constituição Federal. Inclusive a própria democracia
está fundamentada no princípio da igualdade.
As ações afirmativas surgiram como meio de efetivação da igualdade material
traduzida em igualdade de oportunidades, para que as minorias sociais pudessem
ter as mesmas oportunidades da classe dominante e serem elevadas ao mesmo
patamar de igualdades daquela (ALMEIDA; TEIXEIRA, 2011).
Conforme o expresso por Almeida e Teixeira (2011, p. 107):

As políticas de ação afirmativa não nasceram no Brasil; surgiram


primeiramente em outras nações que também continham em sua sociedade
algum tipo de discriminação ou preconceito para com os que não faziam
parte da classe dominante. O surgimento das ações afirmativas ocorreu
quase simultaneamente na Índia e nos Estados Unidos da América. Na
Índia, quando ainda estava sob o domínio britânico, no início do século XX,
reservavam-se vagas para membros das castas dalit e advasi para que
participassem da organização política de suas províncias, uma vez que
sempre foram discriminadas pela casta brâmane.

Já no Brasil, as ações afirmativas surgiram de uma discussão entre o


Ministério do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho, que se declaravam
favoráveis a leis que instituíssem um percentual de emprego para negros na
iniciativa privada, como forma de resolver a discriminação racial no mercado de
trabalho (ALMEIDA; TEIXEIRA, 2011). No entanto, somente com o advento da
Constituição Federal de 1988, é que foram introduzidas inúmeras mudanças no
quadro legal brasileiro, que as ações afirmativas puderam ser verdadeiramente
aplicadas em favor das minorias sociais.
As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas especiais que
buscam remediar um passado de discriminações, de injustiças, e almejam acelerar o
processo de alcance à igualdade por parte dos grupos socialmente vulneráveis,
sejam mulheres, minorias étnicas ou raciais, os portadores de necessidades
especiais (PIOVESAN, 2009).
Sarmento (2007) define ação afirmativa como sendo medidas públicas ou
privadas, de caráter coercitivo ou não, que visam promover a igualdade substancial,
através da discriminação positiva de pessoas integrantes de grupos que estejam em
situação desfavorável, e que sejam vítimas de discriminação e estigma social. Elas
podem ter focos muito diversificados, como mulheres, os portadores de deficiência,
os indígenas ou os afrodescendentes, e incidir nos campos mais variados, como
educação superior, acesso a empregos privados ou a cargos públicos, reforço à
representação política ou preferências na celebração de contratos.
Essa definição de ação afirmativa se enquadra perfeitamente nas disposições
constitucionais expressas no artigo 3º da Constituição Federal de 1988 que se
encontra a maior proteção de uma ação afirmativa, determinando a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária; onde haja a garantia do desenvolvimento
nacional; erradicando a pobreza e a marginalização e sobretudo, reduzindo as
desigualdades sociais e regionais; promovendo assim o bem de todos “sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação” (BRASIL, 2010).
Sobre este aspecto, Piovesan afirma:

Nesse sentido, como poderoso instrumento de inclusão social,


situam-se as ações afirmativas. Essas ações constituem medidas especiais
e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório,
objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade
substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e
raciais, as mulheres, dentre outros grupos.
As ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas
para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado
discriminatório, cumpre uma finalidade pública decisiva ao projeto
democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social.
Trata-se de medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a
crença de que a igualdade deve se moldar nos respeito à diferença e à
diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade
material e substantiva. (PIOVESAN, 2009, p. 199-200).
Assim, as ações afirmativas encontram amparo na Constituição Federal de
1988, assim como numa vasta legislação infraconstitucional, além dos tratados e
convenções internacionais ratificados pelo Brasil e incorporados ao ordenamento
jurídico interno, sobretudo naqueles que versam sobre a proteção dos direitos
fundamentais (PIOVESAN, 2009).
As ações afirmativas são dirigidas a grupos sociais determinados, o que as
distingue das políticas universalistas, que atendem a toda a coletividade sem levar
em consideração qualquer tipo de necessidade de reparação (BRANDÃO, 2010, p.
8-9).
É importante, para uma melhor compreensão das políticas de ação afirmativa,
conhecer quem e quais são os indivíduos beneficiários das políticas de ação
afirmativa, as denominadas minorias.
De Plácido e Silva (2004, p. 918-919) identifica minorias do sentido político
como um grupo de pessoas de mesma raça, língua, religião e origem nacional,
vivendo em outra região que não a sua nação e querendo viver como se estivesse
em seu país de origem, embora com os mesmos direitos civis e políticos.
A Organização das Nações Unidas, em busca de uma definição para o termo,
por intermédio da subcomissão para Prevenção da Discriminação e a Proteção das
Minorias, traz o entendimento de Francesco Capotorti, que assim define:

Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em


posição não-dominante, cujos membros – sendo nacionais desse Estado –
possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do
resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um
sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas
tradições, religião ou língua. (MONTEIRO et al., 2011).

As minorias sociais no Brasil existem desde o seu “descobrimento” pelos


europeus. Por esta ocasião, o primeiro grupo a surgir foi o indígena, que foi
subjugado pelo colonizador, tendo seus direitos naturais e sua cultura violados.
Enquanto minoria, o foi efetiva e legalmente reconhecido por meio do Estatuto do
Índio, Lei 6.001/73, e posteriormente com a Constituição Federal de 1988, que
também determinou a proteção aos costumes, cultura e terra do povo indígena.
O índio foi o primeiro grupo de minoria identificado, porém não o único.
Mesmo com a Constituição Federal de 1988 vedando todo tipo de discriminação
entre pessoas e ainda buscando oferecer uma série de tratamentos diferenciados
para a mulher, em virtude de sua fragilidade e de sua condição de mantenedora da
ordem do lar; para o negro, ao determinar nos incisos XLI e XLII do artigo 5º a
punição para a prática do racismo, sendo este crime inafiançável e imprescritível,
além de vedarem a distinção de salários e critérios de admissão tendo por base a
cor da pele; para os deficientes físicos, ao definir no artigo 37, VIII, a reserva de um
percentual de vagas em concursos públicos; e há as exigências do Estatuto da
Cidade na promoção de acessibilidade em edificações e vias públicas; para a
pessoa idosa, trazendo obrigatoriedade de proteção, na conjugação dos artigos 230,
5º caput e 3º, IV, e o Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, também promove sua
proteção integral.
Ao lado do direito à igualdade, surge também, como direito fundamental, o
direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes
assegura um tratamento especial. Como se percebe a busca é no sentido de que
todo cidadão deve ser recebedor daquilo que lhe é de direito de acordo com sua
capacidade, porém com especial atenção aos que estão em posição social
desprivilegiada, valorizando, portanto, o princípio da diferença.

[...] ninguém merece a maior capacidade natural que tem, nem um ponto de
partida mais favorável na sociedade. Mas, é claro, isso não é motivo para
ignorar essas distinções, muito menos para eliminá-las. Em vez disso, a
estrutura básica [da sociedade] pode ser ordenada de modo que as
contingências trabalhem para o bem dos menos favorecidos. Assim somos
levados ao princípio da diferença se desejamos montar o sistema social de
modo que ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar arbitrário na
distribuição de dotes naturais ou à sua posição inicial na sociedade sem dar
ou receber benefícios compensatórios em troca. (RAWLS, 2002, p. 108).

Rawls (2002, p. 79), ao aliar o princípio da igualdade de oportunidades –


também chamado de oportunidade equitativa com o princípio da diferença, propõe o
que define como igualdade democrática. Neste escólio, cabe a exemplificação de
Kymlicka (1996, apud MOEHLECKE, 2004):

Aqueles que nasceram com alguma deficiência não possuem uma igual
oportunidade de adquirir benefícios sociais, e sua ausência de sucesso não
tem nenhuma relação com suas escolhas ou esforços. Se estivermos
genuinamente interessados em remover desigualdades não merecidas,
então a visão dominante de igualdade de oportunidades é inadequada.

No mesmo sentido, Boaventura de Souza Santos afirma que


[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e
temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades. (SANTOS, 2003, p.56).

Ainda que não tratem do mesmo objeto, o princípio da diferença proposto por
Rawls apresenta várias similitudes com as políticas de ação afirmativa. Assim, as
desigualdades dos dons naturais e/ou posições menos favorecidas advindas de
gênero, raça, etnia, por questão de deficiências, dentre outras, não são merecidas e
por isso, devem ser compensadas de alguma forma (MOEHLECKE, 2004). Ao se
referir acerca do princípio da diferença, Rawls (2002, p. 107) enfatiza a necessidade
da atenção que ser atribuída a determinadas pessoas como forma de compensação:

O princípio determina que a fim de tratar as pessoas igualitariamente, de


proporcionar uma genuína igualdade de oportunidades, a sociedade deve
dar mais atenção àqueles com menos dotes inatos e aos oriundos de
posições sociais menos favoráveis. A ideia é de reparar o desvio das
contingências na direção da igualdade.

As ações afirmativas se mostram como um poderoso instrumento de inclusão


social, já que constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar
um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo com o alcance da
igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e
raciais e as mulheres, entre outros grupos.
As ações afirmativas, como políticas compensatórias adotadas para aliviar e
remediar as condições resultantes de um passado de discriminação, cumprem uma
finalidade pública decisiva para o projeto democrático: assegurar a diversidade e a
pluralidade social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à
igualdade, com a crença de que a igualdade deve moldar-se no respeito à diferença
e à diversidade. Por meio delas transita-se da igualdade formal para a igualdade
material e substantiva.
Por essas razões a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial prevê, no artigo 1º, parágrafo 4º, a possibilidade de
“discriminação positiva” (a chamada “ação afirmativa”) mediante a adoção de
medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, visando a
promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os demais.
As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias que, buscando
remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo com o alcance
da igualdade substantiva por parte dos grupos socialmente vulneráveis, como as
minorias étnicas e raciais, entre outros grupos (PIOVESAN, 2005).
De forma semelhante, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher também contempla a possibilidade jurídica de uso
das ações afirmativas, pela qual os Estados podem adotam medidas especiais
temporárias, visando a acelerar o processo de igualização de status entre homens e
mulheres. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo. São, portanto,
medidas compensatórias para remediar as desvantagens históricas, aliviando o
passado discriminatório sofrido pelo grupo social em questão (PIOVESAN, 2005).
As polêmicas envolvendo as ações afirmativas são múltiplas. Enquanto os
defensores insistem na importância da adoção de políticas sensíveis para diminuir
ou extinguir o impacto da condição vulnerável no longo prazo, seus críticos
entendem que a ação afirmativa, ao invés de emancipar os negros, os “sacrificou” ao
perpetuar a noção de inferioridade perante os brancos, resultando em novas tensões
envolvendo a questão racial e não sendo capaz de os integrar de maneira efetiva a
uma comunidade “indiferente à cor”.
É importante eu não se reduza a abrangente questão das ações afirmativas
(que se manifestam de diversas formas e através de distintas políticas) com a
utilização de cotas nas universidades para a admissão de minorias social e
economicamente segregadas. As ações afirmativas, afinal, se encaixam numa
perspectiva mais ampla da busca por remediar as desigualdades existentes na
sociedade (boa parte proveniente da loteria natural). De qualquer modo, a utilização
das ações afirmativas é emblemática e pode servir de modelo para outras tentativas
de correção de distorções injustas das posições ocupadas pelas pessoas
originariamente.
Existem vários mecanismos de ações afirmativas e o uso de cotas é apenas
um deles. No caso das pessoas com deficiência, o art. 37, VIII da Constituição
Federal prevê a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos, enquanto a
Lei 7.853/1989 foi um importante marco regulador, com a previsão de políticas
afirmativas de direitos em diversos setores como na educação, na saúde, na
formação profissional, nos recursos humanos e nas edificações.
No que tange à proteção dos idosos, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003,
protege o direito ao atendimento prioritário aos idosos, nos órgãos públicos e
privados prestadores de serviços à população, a prioridade no recebimento da
restituição do imposto de renda bem como na formulação e execução de políticas
públicas específicas.
Estas ações afirmativas encontram defesa e embasamento no princípio da
igualdade, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal de (1988), o qual
reclama a redução das desigualdades. Razão pela qual não basta que o Estado
proíba a discriminação ou se abstenha de discriminar. Importa, também, atuar
positivamente no sentido da redução das desigualdades, até porque a mera vedação
de tratamentos discriminatórios, conforme já acentuado, não tem o condão de
realizar os objetivos fundamentais da República constitucionalmente definidos.
Acentuando a adoção e a validade das ações afirmativas no sentido de promover a
igualdade respeitando as diferenças.
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