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A TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO PRIVADO E O DIREITO

FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO

OUTSOURCING IN THE PRIVATE SPHERE AND THE


FUNDAMENTAL RIGHT TO DECENT WORK

Amanda Carlos Araújo1


Vitória Maria Xavier Albuquerque2

RESUMO

A política neoliberal, que visa a não intervenção do Estado na economia, incidiu sobre
diversas esferas da sociedade. Em se tratando do direito do trabalho, houve uma flexibilização
das normas que regem as relações empregatícias com o intuito de maximizar os lucros
empresariais a partir da diminuição dos custos com os empregados. O aumento dos gastos da
população não contribuiu de maneira satisfatória com a lei da oferta e da procura, o que
ocasionou um elevado índice de desemprego. Com o escopo de sanar tal problema, a
terceirização surge como alternativa para enfrentar os desafios advindos da instabilidade
econômica. Assim, ao tratar sobre este tema tem-se o objetivo de proporcionar uma reflexão
sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações de emprego, decorrentes do instituto
mencionado, no âmbito privado.

Palavras-chave: terceirização - direitos fundamentais - direito do trabalho.

ABSTRACT

The neoliberal policy, which aims to no government intervention in the economy, focused on
different spheres of society. In terms of labor law, there was a relaxation of the rules of
employment relations in order to maximize corporate profits from lower costs with
employees. The increased spending of the population did not contribute satisfactorily to the
law of supply and demand, which led to a high unemployment rate. With the scope of solving
such a problem, outsourcing is an alternative to face the challenges posed by the economic
instability. Thus, when treating on this topic, the goal is to provide a reflection on the impact
of fundamental rights in the employment relationship, arising from the institute mentioned in
the private sphere.

Key-words: outsourcing - fundamental rights – labor law.1

1. INTRODUÇÃO
12
Graduandas em Direito na Universidade Estadual da Paraíba.
Os direitos fundamentais são pretensões da sociedade que atendem às perspectivas do
momento histórico em que está inserida. Cabe decidir quais pretensões podem ser
consideradas como fundamentais, a fim de que elas sejam concretizadas e, assim, garantam a
convivência digna, livre e igual para todas as pessoas.

A evolução dos direitos fundamentais perpassa três gerações distintas. A primeira


geração manifesta o interesse dos indivíduos na minimização da intervenção do Estado em
seus âmbitos particulares, com o objetivo de diminuir os abusos do poder público. A segunda
geração dos direitos fundamentais visa estabelecer a liberdade para todos através da ação
protetiva do poder público, os quais são definidos como direitos sociais. Por fim, têm-se os
direitos da terceira geração, que podem ser difusos ou coletivos e que visam à proteção da
coletividade ou dos vários grupos que compõem a sociedade, sem contemplar tão somente
apenas o indivíduo em particular.

Dentro dessa perspectiva, no âmbito do direito do trabalho, as relações jurídicas


estabelecidas não devem contrariar os princípios assegurados como fundamentais pela
Constituição Federal, como o princípio da dignidade da pessoa humana, do valor social do
trabalho e da isonomia. Assim, no que se refere à observância de tais princípios
constitucionais, a terceirização, que via de regra simplificou a vida do empregador, trouxe um
estado de insegurança jurídica na seara do direito do trabalho. Dessa forma, os direitos do
trabalhador têm sido negligenciados, o que enfatiza a questão de até que ponto a terceirização
respeita a integridade física e moral do indivíduo.

2. TERCEIRIZAÇÃO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS GERAIS

A terceirização, como consequência dos avanços do sistema econômico e


flexibilização das normas trabalhistas, consiste em um fenômeno de repasse das atividades-
meio de uma empresa principal (tomadora) para outra empresa (prestadora de serviços), que
ficará responsável por contratar seus próprios funcionários e manter com eles o vínculo
empregatício. Trata-se de uma relação trilateral entre o trabalhador ou prestador de serviços, a
empresa tomadora e a empresa interposta.

Utiliza-se a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho como reguladora desta


prática, visto que ela não é prevista pela CLT (Código de Legislação Trabalhista) ou pela
Constituição Federal.
O dispositivo buscou esclarecer a diferenciação existente entre terceirização lícita e
ilícita. A lei estabelece como situações permitidas os serviços de vigilância, serviços de
conservação e limpeza e serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador do
serviço.

A terceirização possibilita ao tomador uma maior qualidade na sua produção, visto que
se concentra apenas em sua atividade-fim, deixando as atividades-meio ou periféricas a cargo
das empresas prestadoras, assim como ocorre uma redução dos custos.

3. A TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE


EMPREGO

Para que cada indivíduo possa exercer sua função de maneira segura e satisfatória é
extremamente necessário que o empregador conceda os elementos necessários para cada tipo
de atividade, desfazendo-se, assim, do desejo excessivo pela obtenção e maximização dos
lucros e preocupando-se cada vez mais com as necessidades daqueles que foram contratados
pela empresa interposta. A adoção de tal iniciativa revela que o homem não deve se submeter
completamente às exigências do sistema capitalista, mas sim deve almejar adaptá-lo de modo
a zelar pela integridade física e moral dos empregados.

No entanto, em se tratando de terceirização ilícita, o que se tem percebido é o aumento


da falta de assistência aos empregados. Este tipo de terceirização pode ocorrer das seguintes
maneiras: a partir da terceirização das atividades que dizem respeito ao objetivo final da
empresa e não das atividades-meio, salvo no caso de trabalho temporário, e através da
formação de vínculo direto de emprego com o tomador, ou seja, ocorre por intermédio da
inobservância ao que preceitua a súmula 331 do TST sobre a terceirização.

Destarte, verifica-se que a ausência dos elementos que caracterizam a relação de


emprego, como a subordinação direta, neste caso, ao tomador, e a pessoalidade, são
pressupostos para que seja aferida à empresa que terceirizou seus serviços a sua licitude.
Portanto, se for constatada a pessoalidade ou a subordinação jurídica haverá o surgimento do
vínculo empregatício e, consequentemente, deverão ser observados todos os direitos
trabalhistas, como forma de suprir as negligências da empresa tomadora, a qual possui
responsabilidade subsidiária advinda do inadimplemento dos encargos trabalhistas pela
empresa contratante.
Segundo Rinaldo Marinho, diretor do Departamento de Saúde e Segurança do
Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, os terceirizados são os que estão mais
sujeitos a acidentes. Dentre os vários casos que demonstram o crescente descaso em relação
ao bem-estar do trabalhador, os que mais preocupam são aqueles que têm ocorrido nas
empresas do ramo de energia elétrica, pois tem sido crescente o número de acidentes de
empregados terceirizados de tais empresas. A Companhia de eletricidade da Bahia (Coelba)
foi sentenciada a pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor de cinco milhões de
reais em razão da prática de terceirização ilícita em razão da execução de atividades-fim pelos
empregados e também pela falta de capacitação, da remuneração menor e das condições
precárias de trabalho dos terceirizados, o que resultou no aumento do número de mortes,
assim como alegou o procurador Alberto Balazeiro, autor da ação.

Assim, pode-se inferir que a consequência mais ultrajante do aumento da terceirização


com a ausência de suprimento dos direitos trabalhistas é o frequente desrespeito aos vários
princípios que estão presentes na Constituição Federal e que se constituem como base de tais
direitos, o que, consequentemente, gera o estado de coisificação do homem e resulta na
desvalorização de sua participação nos setores produtivos da economia.

4. A FUNDAMENTALIDADE DA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS


CONSTITUCIONAIS NA TERCEIRIZAÇÃO

Diante da crescente demanda de casos que envolvem violações aos direitos


trabalhistas, é altamente necessário que os princípios constitucionais sejam observados e
aplicados às normas trabalhistas, de modo que inspirem a sua interpretação e ampliem a
dimensão da proteção que é concedida aos que alienam a sua força de trabalho para
cooperarem com o desenvolvimento social e econômico.

Os princípios constitucionais não tão somente oferecem diretrizes que facilitam a


compreensão das normas e da maneira como devem ser implementadas, mas também
possuem função supletiva, isto é, atuam como preenchedores das lacunas presentes nas
normas trabalhistas. Pode-se inferir isto através daquilo que está previsto no artigo 8º da CLT,
o qual estabelece que na falta de disposições legais ou contratuais o intérprete pode socorrer-
se dos princípios do Direito do Trabalho. Desta forma, tais princípios assumem o papel de
indicadores da verdadeira finalidade da lei.
O princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é utilizado nas mais diversas
situações e que possui importância incomensurável para o ordenamento jurídico, pois é por
intermédio de tal princípio que se pode visualizar a preciosidade e a importância do ser
humano tão simplesmente por assim o ser, independentemente da posição que ele ocupe no
meio social e, assim, constata-se que o seu valor inestimável reside em sua essência.

Destarte, o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se como fundamento


basilar para todos os direitos que estão positivados no ordenamento jurídico, em especial,
neste contexto, para o direito do trabalho.

O princípio da isonomia, o qual possui íntima ligação com o princípio da dignidade da


pessoa humana, em se tratando do direito à remuneração, estabelece a equivalência entre os
salários do empregado terceirizado e o do empregado do tomador, no caso da terceirização
ilícita, para que assim inexista qualquer tipo de exploração em relação àqueles.

Conforme a Constituição Federal enfatiza em seu artigo 1º, inciso IV, que firma o
valor social do trabalho como princípio fundamental orientador das normas do direito do
trabalho, depreende-se que este se caracteriza como instrumento substancial de afirmação do
ser humano, tanto no que diz respeito a sua individualidade quanto ao contexto familiar e
social em que está inserido. Portanto, assim como assevera Maurício Godinho Degaldo:

“Sabiamente, instituiu a Constituição que o trabalho, em especial o regulado,


assecuratório de certo patamar de garantias ao obreiro, é o mais importante veículo
(se não o único) de afirmação comunitária da grande maioria dos seres humanos que
compõem a atual sociedade capitalista, sendo, desse modo, um dos mais relevantes
(se não o maior deles) instrumentos de afirmação da Democracia na vida social”.

5. CONCLUSÃO

Destarte, verifica-se a necessidade de maior rigidez, no que diz respeito ao conteúdo


da legislação, no sentido de coibir as atividades que não estão previstas como atividades-meio
e também da observância aos princípios constitucionais referentes à terceirização, a fim de
evitar os desrespeitos que atingem os direitos dos trabalhadores, que muitas vezes submetem-
se às condições adversas por temerem o desemprego e a competitividade do mercado de
trabalho, primando, assim, por condições de trabalho que condigam com a sua dignidade.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 Agência PT de Notícias. Sindicalistas e juristas criticam terceirização. Disponível em:

<http://www.pt.org.br/sindicalistas-e-juristas-criticam-terceirizacao/>. Acesso em: 23


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DA SILVA, Rogério Geraldo. A terceirização no Brasil e a Súmula 331 do TST.


Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9225&revista_caderno=25>. Acesso em: 29
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DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho.
Disponível em:
<http://www.fdv.br/publicacoes/periodicos/revistadireitosegarantiasfundamentais/n2/1.pdf>.
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FILADELFO, Giovana Cardoso. Terceirização ilícita e seus efeitos - cabimento da


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POCHMANN, Marcio. As Relações do Trabalho Terceirizado. Disponível em:


<http://www.sindeepres.org.br/images/stories/pdf/pesquisa/terceirizacaonobrasil.pdf>.
Acesso em: 26 out. 2014.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
LTr, 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2008.

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