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LENA VALENTI

AMOS E MASMORRAS
PARTE VII
Ninguém escapará do tear da Rainha das Aranhas

Ainda sinto seus beijos, assim como noto em minha boca o sangue das
feridas que não cicatrizaram. Por ele, por meu Príncipe das Trevas, por esse
homem moreno, belo e mortal, ajoelhei-me e me deixei submeter com a
confiança de que ele sempre confiaria em mim.
Que iludida.
Em suas mãos experimentei a prazerosa dor do castigo, o gozo sublime
da paixão, o toque redentor do mais puro amor. Mas também saboreei a
amargura da injusta condenação. E hoje, quando o vejo, parece-me mentira
que essa pessoa pela qual ainda sinto tanto, essa pessoa a quem tudo dei, ao
me olhar, deixe-me gelada com sua frieza.
Não obstante, o arrogante Príncipe esquece que ele pode cuspir neve,
pois eu sou a descarada Rainha do Gelo. Sua rainha, embora, ele tenha me
convertido em fogo, para logo em seguida me congelar. Agora, que cada um
purga sua alma como pode, e luta com o pouco que resta de sua consciência.

Palavra da Rainha
CAPÍTULO 1

Limpando cuidadosamente o balcão do Laffite’s Blacksmith Shop, em


Bourbon Street, sob a luz tênue das lâmpadas do teto, Sharon colocava
meticulosamente e em ordem os copos que previamente tinha secado e, por
sua vez, aguentava pacientemente os galanteios dos homens que pediam
sempre uma bebida a mais, como se por chamá-la de “bela” ela fosse impedir
o acidente de carro que teriam depois, ao sair da casa de jogos clandestinos
bêbados, ou a discussão gratuita com a esposa eternamente preocupada.
Não. Atrás do balcão, ela mandava, e não ia alimentá-los com seus
vícios.
Sabia que não fazia nada diferente do que poderia estar fazendo em
Nova Jersey. Ali também teria que trabalhar para pagar os estudos; porque
em nenhum lugar lhe garantiam que depois de ter se formado em Magistério,
encontraria trabalho, já que, em realidade, não haviam oportunidades de
trabalho para ela.
Mas estava claro que preferia a vida de sua cidade natal àquele
mormaço de Nova Orleans, que grudava a roupa à pele e a fazia estar pegajosa
todo o dia, até ao ponto de que às vezes lhe custava respirar. A falta de ar a
agoniava.
Inclusive, nesse momento, depois de já ter passado oito anos desde sua
precipitada e forçosa chegada, continuava preferindo o tumulto de Newark, o
bairro onde nasceu, ao bairro Francês, já que ali não havia saída para ela de
nenhum tipo.
Sentia-se presa como o faria um pássaro livre e veloz. Se ao menos
houvesse algo que a interessasse, algo que a entretivesse, mas não havia
nada, além das obrigações com sua avó octogenária, absolutamente nada que
pudesse lhe chamar a atenção. Nem sequer seu namorado, Sam, a quem ia
deixar em breve.
Não obstante, não podia escolher. Essa era a realidade. Estava presa em
Luisiana, quisesse ou não. Era ali onde devia estar desde que completou
dezessete e sua mãe a deixou sozinha no mundo depois de uma longa
enfermidade.
Bom, não completamente só, já que sua avó Margaret a esperava em
Nova Orleans com os braços abertos para cuidar dela, embora, ao invés, como
se recordava Sharon, foi o contrário. Era sua avó quem necessitava seus
cuidados, já que, naquela época, a mulher contava com setenta anos, e tinha
mal os quadris, assim que sua única neta devia assumir a casa, em troca de
que lhe oferecesse comida quente e um teto sob o qual poder continuar
jogando seus sonhos em saco furado.
Uma jovem de dezessete anos recém completados, sem nenhuma
herança nem familiares próximos, não tinha mais opções que ir para o único
familiar que restava ou aceitar permanecer, até a maioridade, em uma casa de
acolhida.
Sharon escolheu a avó, óbvio.
Outro Estado, outra cidade, outro bairro.
Graças a Deus, nunca foi uma garota delicada, assim acatou seu
destino como pôde.
Considerava-se uma pessoa responsável, que sabia aceitar sua sina; a
maturidade e os anos a haviam tornado realista; de fato, Sharon sempre tinha
acreditado que havia nascido para cuidar dos outros: o fez com seu pai, o fez
com sua mãe, até que faleceu; faria com as crianças a quem esperava dar
aulas no futuro, e agora não só cuidava de sua avó, mas também de todos e
cada um dos bêbados que brigavam cada noite no clube para ser o primeiro a
saudar a morte por meio de um coma alcoólico.
Sharon não permitiria isso, de modo que avisava aos seguranças do pub
para que os acompanhasse à saída e se assegurassem de que fossem andando
ou tomassem um táxi no Bairro Francês, que os levasse às suas casas sãos e
salvos.
—Ei, Rainha! —gritou August.
Sharon balançou a cabeça, porque odiava esse apelido que os homens
da periferia colocavam nas mulheres dos bares.
Ele era um policial aposentado, que sempre contava histórias de guerra
para, no fim, acrescentar que se ele fosse trinta anos mais jovem que ela, não
teria nenhuma dúvida de que seria o amor de sua vida.
—O que quer, August?
—Me sirva outra, anda —August elevou o copo vazio de uísque e o
mexeu, fazendo que os gelos tilintassem contra o frio vidro. Tinha as
bochechas rosadas e o nariz vermelho e brilhante.
—Não —respondeu Sharon.
—A última —lhe pediu com cara contrariada— Estou bem, Rainha.
Olhe-me —estendeu a mão livre e gorda— Não tremem.
Ela sorriu, mas não cedeu nem um pouquinho. August era um bom
homem, mas um dos típicos americanos com mais de cinquenta que, se o
álcool não o matasse, o fariam as artérias obstruídas pela gordura e o
sobrepeso.
—Já é suficiente. Meu chefe me proibiu de te dar outra dose.
—Seu chefe? —August riu— Todos no bairro Francês sabem que a
única chefe do Laffite’s é você. Todos dançam ao som do que toca. E não os
culpo —assegurou embriagado. — Com essa cara e esse corpo, quem não ia
escutar o que diz...
—Então —Sharon passou o pano branco por cima do dispensador de
cerveja até fazê-lo brilhar e respondeu, ignorando o galanteio. — Seja coerente
com o que diz e me obedeça.
—Uma mais, por favor.
—Não. Vá para casa —olhou para Spencer, o rapaz da segurança e lhe
fez um gesto com o queixo para que se fizesse responsável por August, e não
entrasse de novo até que verificasse que tinha pego um táxi.
Spencer, um rapaz negro e com as medidas de um armário embutido,
ajudou August a descer do tamborete e o tirou do local como se
acompanhasse a um velho amigo.
Ela olhou seu relógio Casio amarelo fosforescente para comprovar que
Sam era o mesmo previsível e pontual de sempre. Seu namorado não
demoraria mais de trinta segundos em aparecer pela porta com um sorriso de
orelha a orelha, com o primeiro botão de uma de suas muitas camisas xadrez
desabotoado e o cabelo curto e loiro penteado para trás.
E, efetivamente, Sam mostrou-se enquanto Sharon contava
mentalmente os segundos.
Entrou com aquele andar desajeitado, típico de alguém que se criou em
uma fazenda, e se sentou no tamborete do balcão para olhá-la com adoração.
—Vim buscar a minha princesa —disse ao vê-la, aproximando-se para
receber um beijo que nunca chegou.
Sharon olhou Samy e não pôde recordar o que a fez que, três meses
atrás, o notar e iniciarem uma relação formal.
Certo. Seus olhos eram bonitos e transbordavam bondade, e depois
tinha uma voz agradável e uns ombros largos de arar o campo. Mas... eram
tão diferentes, e queriam coisas tão distintas...
Enquanto soava ao fundo a canção This Ain’t a Love song de Bon Jovi,
decidiu que não ia prolongar mais aquela farsa. Sam seria seu amigo, se ele
quisesse. Mas não podia ser nada mais, porque Sharon procurava em um
homem algo que... E o que sabia Sharon o que queria em um homem? A única
coisa que sabia era que não queria esse caráter masculino a seu lado.
Necessitava outras coisas às quais não sabia nomear, porque nunca as tinha
exposto. Mas talvez fosse a hora de meditar sobre por que suas relações não
duravam, e por que nunca se apaixonou loucamente por alguém.
—E meu beijo? —perguntou Sam, sorridente— Não vai me dar?
“Coitado”, pensou ela, sentindo-se culpada.
—Você recebeu minha mensagem?
—Sim —respondeu ele, fazendo uma careta— Sobre: “temos que
conversar”.
Sam era tão bom e inocente que desconhecia que essas palavras eram
trágicas para um casal.
—E o que acha que isso significa?
Ele encolheu os ombros.
—Não sei. Algo te preocupa?
Sharon passou a mão pelo cabelo loiro que prendia com uma trança de
lado e olhou as pontas macias.
—Sam, me preocupa que não veja que o nosso relacionamento não vai a
lugar algum —tentou ser suave, mas pensou que uma ruptura doía
igualmente olhasse por onde olhasse, então, o que isso importa? Melhor ser
direta e realizar um corte limpo.
Sam abriu a boca, mas dela não saiu nenhum som e muito menos uma
palavra que em sua mente pudesse pensar.
—Mas, se nos damos bem —arguiu finalmente.
—Sim. É verdade —respondeu Sharon— Mas não me sinto como
acredito que deveria me sentir.
—A que se refere? Eu... eu estou apaixonado por você. Nos queremos.
Logo conhecerá minha mãe.
—Bom, poderei conhecê-la, se quiser, mas na qualidade de amiga. Não
estou apaixonada por você, Sam —Sharon lhe acariciou o rosto.
Surpreendentemente, e como faria um gato submisso, em vez de afastar-se,
aproximou a bochecha à mão que lhe dava consolo.
—Mas eu não posso ser seu amigo, Sharon. Não pode ser amigo de
alguém a quem quero tanto —se levantou do tamborete, muito conturbado—
Você é a mulher de minha vida...
Ela sabia o mal que suas palavras o fariam. Mas estavam juntos há
apenas três meses, e não ia prolongar mais.
—Mas você não é o homem da minha, Samy. Estou convencida de que
encontrará uma mulher que o queira como você merece. Logo verá. Mas essa
mulher não sou eu.
—Mas eu não quero outra mulher. Quero você —estava a ponto de
chorar.
Sharon se sentiu incômoda ao ver que Sam se abatia desse modo.
—Sam, vai para casa —ordenou para que não montasse uma cena ali
mesmo. O fez com um tom que impeliu a seu ex-namorado a escutá-la. Tinha
essa habilidade. Os homens acatavam seus desígnios com uma facilidade
surpreendente. Embora, de vez em quando, Sam olhasse para trás como um
cão que procurasse mimos e carinhos de sua proprietária.
A isso se referia Sharon quando disse que não queria esse tipo de
caráter masculino ao seu lado. Não podia apaixonar-se por nenhum homem
submisso. Não gostava que não tivessem personalidade com ela e que se
comportassem como meninos mimados, ou pior ainda, como submissos. Ela
odiava essa última espécie mais que tudo.
Quando viu Sam sair do local, nem sequer sentiu o vazio ou a dúvida
existencial que ficava quando rompia uma relação.
O que a fez perguntar se, em seus vinte e cinco anos, não era estranho
que nunca se apaixonou. Que jamais tivesse entregado seu coração.
—Bom, já era hora, mulher. Por fim, se decidiu.
Sharon se virou e olhou a outra ponta do balcão, localizando a origem
da educada, e ao mesmo tempo, arrogante voz de homem, que tinha
pronunciado essas palavras de alívio e incredulidade.
E, então, o viu pela primeira vez.
Um homem com uma presença magnética e escura a seu redor que,
curiosamente, resplandecia entre tantos detalhes comuns.

Um Príncipe das Trevas.


Prince permaneceu sentado no tamborete com as pernas abertas, os
antebraços sobre o balcão metálico, e a cabeça encurvada, coberta por um
espesso cabelo negro comprido caindo sobre os ombros. Aquela pose
pronunciava mais seu olhar velado através de intermináveis e curvados cílios.
E embora não precisasse olhar para ela outra vez, porque já tinha a imagem
de Sharon de cor, teve a necessidade de encará-la e de fazê-la notar sua
presença, olhando-a diretamente nos olhos.
Os homens olhavam essa mulher como cordeirinhos, mas ele queria
dar-lhe a entender que ele era o lobo.
—Perdão? O que disse?
Prince elevou mais o rosto para que a luz o iluminasse melhor. Não ia se
ocultar diante daquela amazona.
Era verdadeiramente fascinante sentir a força de seus olhos celestes
sobre ele. E era a primeira vez que os sentia; a primeira vez que cruzavam os
olhares.
—Disse que já era hora.
Ela levantou uma perfeita e arqueada sobrancelha loira e isso a deixou
séria. Deus. Era linda como uma musa.
—O que acontece? — perguntou com aquele tom de meretriz descarada
que arrepiava seus cabelos. — Passou muito tempo esperando? Não o vi —se
virou e guardou o pano branco no móvel baixo que havia às suas costas.
Depois encheu um copo de água para si mesma e bebeu com tranquilidade,
para demonstrar a ele que podia fazê-lo esperar mais se lhe desse vontade.
Prince observou com satisfação como bebia com elegância e como
satisfazia suas necessidades.
É óbvio que Sharon não o tinha visto. Tomou cuidado de não se sentar
no balcão, já que ela controlava tudo a seu redor. Ao invés disso, sentou-se
nas mesinhas mais afastadas, semiescondido entre a escuridão, para que
fosse outra garota quem o servisse. Enquanto isso, ele podia estudar o objeto
de seu desejo. E graças à sua observação, tinha aprendido muito mais do que
contaria a ele quando se conhecessem.
E adorava tudo. Essa noite, ao ver que o tonto de seu namorado se
aproximou de novo ao balcão, e ao comprovar com prazer como o despachava,
decidiu que era o momento de apresentar-se. Não podia permitir que essa
mulher, esse prêmio acumulado de poder e de feminilidade, fosse estragado
com baunilhas, isso com muita sorte, ignorantes do diamante que tinham
diante de si.
Agora, ela seria dele.
Somente quando ela decidiu que já o tinha feito esperar o suficiente,
olhou-o divertida e lhe disse:
—O que te sirvo?
“Deixa-me muito excitado”, pensou Prince.
Sorriu sabendo que a tinha meio presa, e sem baixar o olhar,
respondeu:
—Quero um Hurricane.
Bom, ao menos não pedia uma cerveja ou um uísque, pensou ela, farta
de servir o mesmo sempre.
Sharon já se virava, disposta a o servir, mas Prince a deteve com uma
exigência.
—Escute —fez uma pausa com mistério, monopolizando toda sua
atenção— Quero bem gelado. Com a rodela de limão fina e relaxada sobre o
copo, sem muita bebida da paixão e a mesma quantidade de laranja que de
limão.
Ela o olhava por cima do ombro, impressionada por esse tom autoritário
que, longe de incomodá-la, esporeava-a como a um cavalo louco por provocá-
lo mais e mais. E, ao mesmo tempo, queria demonstrar que podia fazê-lo tal e
como ele desejava. Era a melhor “barman” da cidade, e todos sabiam disso.
—E também quer que o penteie?
Prince sorriu por debaixo do nariz. Adorava sua ousadia. Não tinha
nenhum medo dele, e isso era excelente para a natureza da relação que ele
sonhava com ela.
—Isso, depois —respondeu ele, sem dúvida nenhuma de que o faria.
Seus olhos negros brilharam, rebeldes.
Jogou-lhe um último olhar furtivo e foi preparar o Hurricane.
—Esse garoto não a merecia —espetou Prince, audaz.
Sharon, que cortava a rodela de limão, deteve a faca com surpresa. Não
tinha pretendido que sua cena com Sam se convertesse em um conhecimento
popular. Tinha tomado cuidado com os modos e o tom, tentando controlar a
situação a todo momento. Mas parece que esse homem não perdia um só
detalhe de nada, diferente de outros, que mal se aguentavam sentados no
balcão, a ponto de ficar adormecidos, atordoados pelo consumo excessivo de
álcool.
—Gosta de escutar as conversas alheias, Senhor? —de repente, passou
à formalidade. Pensou que o incomodaria que deixasse de usar o tom familiar.
Mas, em vez disso, Prince sorriu abertamente e seu gesto iluminou seu
rosto. Minha mãe, era um homem impressionante. Parecia não encaixar nesse
tempo nem nesse lugar. Deveria estar em um castelo, certamente falando com
os animais e com suas concubinas vampirescas.
Tinha esse ar de mistério e de homem da noite que Sharon adorava, e
que a atraía de um modo magnético.
—Não me interessam as conversas alheias. Mas sim, a sua com seu ex-
namorado.
—E isso por quê? —quis saber— Não é de sua conta.
—Digamos que me preocupava que um pobre menino como esse tivesse
toda uma Rainha como você. Foi um ato de condescendência impróprio de
uma soberana.
“Incrível. Está me repreendendo? ”.
—E o que você sabe da minha relação com Sam? Não considera ousada
essa hipótese?
—De como era, quer dizer —a corrigiu— Não vai voltar para ele.
Aquela ordem a deixou em guarda e, ao mesmo tempo, esquentou seu
sangue como nada até agora o tinha feito. Como podia ser que a excitasse a
atitude e o tom de voz desse desconhecido, quando ela, acostumada a ter o
controle, e a ter o comando, não tolerava nem que bufassem a ela?
Para controlar seus nervos, continuou preparando o Hurricane. Cortou
a rodela de limão e pôs a quantidade justa e necessária de bebida da paixão.
—Como sabe? —perguntou a ele, mexendo a bebida, utilizando uma
colher estilizada e alta que se sobressaía pela borda superior do copo.
—Porque sabe que, com ele, faz o que quer. E isso a aborrece.
A jovem, surpreendida ao escutar essas palavras, voltou-se para olhá-lo
com assombro.
—Você não sabe nada de mim para afirmar isso.
—Eu gostava mais quando me chamava de senhor —sorriu com
petulância— E sim, sei coisas sobre você.
Sharon se aproximou e deixou o Hurricane diante dele.
Depois, admirou os traços de Prince e tentou ver além de seus olhos
escuros. E o que viu a sobressaltou. Em suas profundidades residiam
promessas e pecados, tão escuros como a cor de seu olhar.
—Aqui tem —lhe disse— Senhor —acrescentou cautelosa.
—Não quer ouvir o que descobri de você?
Ela cruzou os braços.
—De qualquer maneira, vai dizer. Surpreenda-me.
Prince observou o fundo da taça. Depois a levou aos lábios e olhou o seu
alvo por cima do vidro anil, imaginando que aquele sabor impetuoso era o de
Sharon.
—Odeia que a chamem de Rainha com o tom dos bêbados. Você não
gosta de seu trabalho, mas é exigente consigo mesma e o faz de um modo
diligente. Não sei ao que você gostaria de se dedicar nem sei qual é sua
profissão —estreitou os olhos, tentando ler sua mente—, mas estou
convencido de que necessita um posto de autoridade.
Ela não sabia nem o que dizer. Até o momento, esse atraente e
misterioso cavalheiro não tinha errado em nada. Tinha aprendido tudo aquilo
só da observação?
—Não acabei ainda —Prince deteve toda interrupção— Compromete-se
com as pessoas que apostam em você, por isso o dono do Laffite´s soube te
delegar, e você se converteu em seus olhos e na autoridade deste lugar. E o
conseguiu sem fazer ruído. Apenas com sua presença. E... o que mais diz de
você, sabe o que é?
—Me diga.
—Nunca foi feliz com nenhum homem, porque nenhum soube
reconhecer o que necessita. Conforma-se com comida de bebês quando tem
estômago para um bom guisado. Mas é questão de tempo que seu estômago
peça o que necessita.
—Sei... E você sabe o que necessito?
Ele não se moveu. Apenas ficou ali, saboreando o Hurricane. Depois
encolheu os ombros e respondeu:
—Escute seu corpo. Ele sabe a verdade.
Nunca ninguém falou com ela com tanta certeza. Era como se ele
soubesse coisas dela que nem ela sabia.
Sharon pigarreou, e olhou ao redor, incômoda.
—Oh, sério?
—Sério, preciosa —disse ele sem mais. Depois se levantou, como se já
tivesse completado a missão outorgada e apoiou suas mãos elegantes e fortes
sobre a superfície do balcão— Pedi a rodela de limão fina —a corrigiu.
—Não fiz como deveria? Fiz errado? —disse, fingindo indiferença.
Embora, a verdade era que o fato de não o haver feito como ele queria a fez
sentir-se mal.
—Errado? Não. Faz o melhor Hurricane de Nova Orleans. Mas não como
eu lhe pedi. No sábado, voltarei, e espero que me faça como eu desejo.
—E o que fará se não fizer assim? Me dará palmadas? —Sharon queria
rir dele.
Mas Prince piscou perigosamente, sorriu ocultando uma série de
imoralidades que só ele conhecia, e esses malditos olhos cor azeviche
resplandeceram com um fundo azul escuro.
—Só se você gostar... —piscou um olho— Talvez até te convide para
jantar. —tirou dez dólares da carteira e os deixou ao lado do copo meio cheio.
Continuando, sem mais, deu a volta e se foi de seu pub, deixando Sharon em
um estado de choque ao que não estava habituada.
Era a primeira vez que um homem a deixava sem palavras. O que não
sabia era que também a faria passar uma noite acordada, pensando em seus
olhos cheios de vida e também de escuridão.
CAPÍTULO 2

Nem sequer sabia seu nome. Desde que o moreno misterioso


abandonou o pub, Sharon se encontrou pensando nele diariamente. Olhando
de esguelha essa poltrona que sempre permanecia vazia, como se estivesse
reservada apenas para ele, como uma brincadeira.
Inclusive sua avó Margaret se deu conta de seu estado entorpecido.
Sharon estava colocando-lhe as sapatilhas de ficar em casa nos pés, já
que a mulher não conseguia calçá-las.
Sua avó era uma boa mulher que sempre lhe perguntava quando ia se
casar e ter filhos, como se aquela fosse a obrigação de todas as fêmeas do
planeta.
A pobre Sharon estava farta disso. Muitos homens do pub falavam de
suas esposas como se fossem suas criadas e as encarregadas de educar aos
seus filhos.
Ela não se considerava uma feminista em potencial, mas sim acreditava
que os tempos tinham mudado e, entretanto, a mentalidade das mulheres
continuava sendo a mesma de séculos atrás no concernente a seus corpos e a
procriar. E a dos homens também, embora estivesse maquiada de
modernismos.
Era bonito ter um filho, mas mais bonito seria poder dedicar-se a criá-lo
e dar as boas-vindas em um mundo no qual poderia aprender bons valores. E,
entretanto, ela não podia assegurar a ele nem tempo, nem um bom mundo.
—Querida, no que está pensando? —perguntou sua avó — Olhe minhas
sapatilhas.
Estavam sentadas no balanço da varanda, tomando um sorvete de
limão. De manhã fazia muito calor para permanecer no interior da casa.
Elas viviam em uma das 4500 moradias que foram construídas
subvencionadas pelo governo, após o terrível Katrina.
Não tinham ar condicionado. Era uma casa modesta, mas dispunham
de bons benefícios disponíveis ao redor, tais como centros comerciais e lojas
de departamento.
Sua fachada era um híbrido de madeira e concreto, e tinha uma
tonalidade cor de terra. Ela consistia de dois andares. O andar de cima era
todo dela, como um único andar. E no andar de baixo estava a cozinha, um
banheiro, a sala de estar e a suíte da avó Margaret, já que não podia subir as
escadas sozinha.
Sharon passava o cortador todos os fins de semana, e se encarregava da
limpeza e da manutenção do lar. Era uma trabalhadora braçal.
A avó só tinha que encarregar-se da comida, mas cozinhava uma
maravilha, e Sharon adorava cheirar seus guisados e provar seus bolos e suas
raspadinhas, porque a faziam sentir-se como em casa.
Ambas falavam muito de quase tudo. E, apesar de sua avó ser uma
obrigação desde os dezessete anos, também a considerava uma bênção,
porque, graças a ela, não estava sozinha.
—Avó, me perdoe —se desculpou Sharon com uma risada tola. — Calcei
suas sapatilhas do contrário.
O terno e redondo rosto de Margaret, marcado pela passagem do tempo,
suavizou-se ao olhar sua neta nos olhos. As lentes dos seus óculos eram
bastante grossas, mas não diminuía a imensidão de seus olhos azuis com
rugas de felicidade e também de um ou outro desgosto. O sol atravessava a
frondosidade de seus cachos brancos, criando a seu redor um halo luminoso.
—No que está pensando, menina? Ultimamente parece que tem a
cabeça em outra parte. Seu humor tem a ver com Sam? Por fim a pediu em
casamento? Quero te ver casada antes de morrer.
Sua avó tinha conhecido Sam quando Sharon o trouxe uma vez para
almoçar, um mês e meio atrás. Seu ex era um rapaz educado e muito sociável,
e tinha passado toda a refeição ganhando Margaret. E conseguiu.
Depois, não deixava de repetir que queria voltar a vê-lo. Sharon sentia
pena de lhe dizer que “este tampouco tinha terminado bem”, mas o diria de
todas as maneiras, para que não fizesse falsas ilusões e encomendasse um
vestido para um casamento que não existiria.
Sharon negou com a cabeça enquanto acertava as sapatilhas no pé
correspondente. A direita no direito. A esquerda no esquerdo.
—Não é pelo Sam, avó. Ele e eu já não estamos juntos.
—De verdade? —disse, lamentando profundamente— Pois é uma pena.
Era um bom rapaz. O que aconteceu?
—Não encaixávamos. Isso é tudo. Não estava apaixonada por ele.
—E por quem você esteve apaixonada, coração? Bem difícil é para você
gostar muito de um homem.
—Talvez seja muito exigente.
A avó fez uma careta e a olhou de esguelha.
—O Tempo não está para ser tão exigente. Já está com vinte e seis anos.
Se não se apressar, logo estará muito velha.
—Avó, pelo amor de Deus. Os tempos não são como antes.
—Sim, pode ser que tenha razão. Agora as mulheres são mais fortes e
duram mais.
—Bom, não me referia a isso...
—Mas ao fim e ao cabo, nós mulheres só temos que nos preocupar de
que nosso homem seja bom e trabalhador. E nos queira como é devido —se
inclinou para ela, apontando com o dedo indicador— E creio que desses não
há muitos. Como Sam. Não está em posição de rejeitar bons partidos, menina.
Essa beleza selvagem que tem não durará eternamente. Deveria encontrar um
bom homem e que te dê filhos. Imagino que você goste de crianças, não? Você
estudou magistério para poder lidar com elas. Não quer ser mamãe?
Sharon preferiu não discutir com Margaret; em seu lugar, deixou que
lhe soltasse toda a enxurrada.
Sua avó era uma mulher feita à antiga, uma filha de Nova Orleans com
estritos valores e muito piedosa. Seu avô e ela permaneceram juntos dos vinte
anos, até a morte dele aos sessenta e cinco anos. Não conheceu mais
ninguém. Ela, ao menos não. Ele... Nunca se soube.
Mas, como Sharon podia explicar a ela que tinha outras necessidades?
Que não se sentia completa nem satisfeita com nenhum?
Sua avó, muito convencional, não compreenderia sua via crucis, então
passou o braço por cima dele, impulsionou-se sobre a ponta dos dedos e
balançou a ambas enquanto a escutava com atenção, por muito que tivessem
opiniões tão diametralmente opostas.
Embora Sharon se considerasse uma garota de Jersey de nascimento,
reconhecia que parte de Nova Orleans ganhou um espaço em seu coração. E o
tinha feito, apesar dessa umidade irritante.
Culpa disso tinha a grande força de vontade que demonstrou as pessoas
do lugar para elevar-se entre suas cinzas. Para renascer depois do Katrina.
Ela chegou dois meses depois, e como uma mais, teve que ajudar aos
orleanianos a reconstruir aquela cidade de tradição, música, jazz e bruxaria, e
ao mesmo tempo tinha que cuidar de sua avó e estabelecer vínculos com ela.
Não foi nada fácil. Margaret sabia que derrubariam sua casa cedo ou tarde, já
que a inundação tinha causado falhas irreparáveis, e a mulher, já idosa,
estava desesperada ao pensar que perderia tudo que possuía.
Entretanto, Sharon acreditava que qualquer mudança seria positiva
para elas, pois era melhor viver em um lar novo que residir em um marcado
por tristes lembranças, pelo inclemente rastro de um passado trágico.
Sharon sabia melhor que ninguém.
Assim, durante meses, tentou animar sua avó, ajudá-la no que podia e
inclusive se ofereceu no grupo de colaboração e recuperação do bairro
Francês. Deu uma mão como pôde, estando ali. Porque tudo somava e tudo
servia. A única coisa que não ajudava era lamentar-se e olhar, ficar de braços
cruzados sem fazer nada.
E ela não era dessas.

Enquanto conduzia com seu velho Mustang negro até o Laffite’s,


pensava sobre o muito que todos tiveram que trabalhar para recuperar o
espírito do lugar e honrar assim àqueles que pereceram sob a água. Foi
terrível.
Inclusive o pub onde trabalhava fazia oito longos anos, cheio de lenda e
de heroísmo, tampouco pôde se esquivar do furacão de ar e mar. E também
teve que ser restaurado, embora ainda a linha da água marcava suas paredes,
como um aviso perene de quão afundados chegaram a estar.
Isso era Nova Orleans. Aquela era a verdadeira essência do Bairro
Francês. Todos tinham tido que reinventar-se para sobreviver. Eram
sobreviventes natos como ela. E aquela era a razão pela qual Sharon, apesar
de ter uma alma de Jersey, tinha cedido parte de seu coração a essa cidade.
Gostava muito dela.
Estacionou o carro duas quadras antes de chegar ao seu trabalho, uma
vez que não podia estacionar nas calçadas que estavam ocupadas pelas mesas
dos bares e restaurantes. O bairro fazia vida tanto dentro de suas lojas,
restaurantes e pubs, como na rua, onde mais gostavam de estar.
Como sempre lhe acontecia, enquanto caminhava com seus sapatos de
salto negros, com cuidado de que não se enchessem de poeira, seus jeans
stretch que marcavam sua figura espetacular e o cabelo loiro preso naquela
trança cor de ouro, deitada sobre o ombro direito, aceitou todos os galanteios
e aplausos de seus vizinhos, assim como os dos turistas que em época de
verão tomavam cervejas nos terraços.
Quando era mais jovem, as adulações desse tipo a ruborizavam; mas
depois, aceitou-as, assim como aceitou seu corpo e sua natureza. Acatou que
suas curvas e seu rosto nunca passariam desapercebidos e, ao final, sentiu-se
à vontade com isso.
O horário que fazia era das quatro da tarde até a uma da madrugada,
de modo que tinha as manhãs para descansar, ler, ir correr, e passear com
Margaret.
Na hora de descanso do trabalho, aproveitava para jantar algo, e fazia
as compras necessárias para ela e sua avó, no caso de que lhes faltassem
mantimentos. Deixava livres os domingos e as segundas-feiras.
Às segundas-feiras, se podia, ia às compras.
Mas aquele dia não era nem domingo nem segunda-feira. Era sexta-
feira, e estava irritada porque passou todos os dias olhando de soslaio se o
moreno de rosto aristocrático e lânguido retornava para lhe pedir outro
Hurricane.
Entretanto, não o fez. Teria que esperar amanhã.
Quem sim estaria nesse dia era Tracey, o reforço que devia trabalhar
nos fins de semana. E essa mulher era como o Google. Tinha informação
sobre tudo e sobre todos.
Talvez conhecesse seu homem impetuoso.
—Susan, não estique os pés.

*****
A mulher, colocada de quatro sobre a mesa, com os tornozelos
acorrentados, assim como os pulsos, assentiu diligentemente enquanto
obedecia a ordem de Prince.
A masmorra em que se encontravam tinha instrumentos de tortura que
Prince não utilizaria jamais, mas sabia que o que podia excitar a sua
submissa se encontrava ali, entre tantos artefatos que podiam fazer mal.
—Quanto tempo faz que a domestico?
—Quatro anos, Amo.
—E por que em quatro anos continua me desobedecendo? —Prince
passou a mão por suas nádegas nuas e capturou com os dedos o vibrador que
enchia a vagina de sua submissa, para ajustá-lo mais à sua cavidade,
pressionando até o fundo— Aguente. Tome ar —o vibrador era longo, e Susan
estava muito dilatada. Se quisesse, Prince podia colocar a mão inteira nela.
Susan adorava que açoitassem as plantas dos pés dela com a vara. Não
eram açoites fortes, nem um pouco, mas picavam o justo para que ardesse e
desviasse a atenção do prazer que palpitava em seu sexo.
—Sei por que me desobedece —assegurou Prince— É porque quer que te
castigue —tampou sua boca com uma mordaça
Não responderia. Mas era verdade.
Ela gemeu. Não podia ver seu rosto. Tinha os olhos cobertos por uma
máscara de couro de cor negra, nem tampouco podia falar, porque agora a
mordaça a impedia.
E Susan adorava todos esses brinquedos, e se havia afeiçoado às
domesticações mais exigentes e duras. A mulher, uma importante empresária
acostumada ao estresse e aos negócios duros, necessitava essas
domesticações como ar para respirar.
Entretanto, Prince não ia permitir que transpassasse a linha com ele e
se tornasse sado. Porque ele não era sadomasoquista, nem queria que ela
fosse, já que, então, teria que mudar de Amo e poderia ir parar em mãos
doentes e inadequadas. Mas, quem podia deter os impulsos mais secretos e
escuros de uma pessoa, a não ser ela mesma?
Se Susan queria mais, Prince deixaria de trabalhar com ela, porque se
preocupava com o prazer e a saúde das mulheres que tinham pedido seus
serviços. E ele não estava ali para marcar até fazer sangue. Isso, que o
fizessem outros, mas ele não.
—É isso, Susan? —bateu duas vezes na planta dos pés dela com a vara
e escutou os gemidos luxuriosos da submissa e como assentia frenética
enquanto encolhia os dedos. Estava tão úmida que gotejava— Sim? Então, a
castigarei.
Com a mão aberta, deu-lhe duas bofetadas fortes nas nádegas. Prince
sabia o que viria a seguir. Sua pele se avermelharia, e depois, o sangue iria
diretamente a seu sexo inchado.
E... Zassss!
Susan começou a tremer, presa de um orgasmo brutal.
Depois de cada domesticação, Prince desatava a sua submissa,
felicitava-a e dizia quão orgulhoso estava dela, e depois a deixava um tempo a
sós para que se tranquilizasse e recuperasse a serenidade. Necessitavam
tempo. Todas as submissas necessitavam tempo para aceitar que se
entregaram e que lhes tinha dado justo o que elas pediam.
Entretanto, fazia tempo que as coisas tinham mudado para Prince.
Desde que tinha visto Sharon, todo seu mundo se pôs de pernas para o ar.
Gostava de ser Amo. Maldição, ele tinha nascido para isso. Era o que o
preenchia, era seu modo de viver, não sabia ser de outra maneira, nem
tampouco queria ser. Mas, havia algo que poderia acontecer a um Amo uma
vez na vida. Algo como o que intuía que aconteceu a Lion Romano, um grande
amigo dele, embora ele não falasse disso.
E era: encontrar a sua proprietária, a sua mulher, e querer entregar-se
de corpo, alma e coração só a ela. À Rainha que se deixaria submeter por ele
na cama, embora na vida fosse sua única e autêntica soberana.
Prince desconhecia quem era a Rainha de Lion, a que amava em
segredo, mas a sua ele tinha encontrado na incrível loira altiva atrás do
balcão do Laffite’s. Inclusive seu nome, Sharon, era todo um desafio. E ela...
por todos os demônios! Ela era espetacular.
Desde que a viu, seu coração de amo sabia que pertencia a ela, mas a
jovem já estava comprometida e uma das coisas que Prince odiava era se
intrometer no meio de uma relação.
Entretanto, esperaria. Porque essa mulher era muito para o cara que
acreditava possuí-la, e sabia que se cansaria. Tinha muito claro que Sharon
era muito forte, e necessitava ao seu lado alguém tão forte como ela. Não
bonecos de pano.
E esse alguém era ele.
Por isso, tão logo terminou com seu ex-namorado, ele não perdeu tempo
e entrou em cena. Prince só esperava que sua intromissão tivesse causado
tanta sensação como a que tinha causado a ele tê-la diante de si e olhá-la nos
olhos.
Ela o tinha acorrentado para toda a vida. E ao fazê-lo, tinha-o estragado
para outras submissas.
Com esse pensamento, entrou de novo na masmorra, para encontrar
Susan sentada em uma poltrona vermelha e dourada, já vestida com sua
roupa de executiva e os saltos de agulha negros. Prince imaginou Sharon
sentada ali, como sua monarca, nua para ele, olhando-o atrevida e travessa, e
se excitou de novo.
Mas não era a loira do Laffite’s a que ocupava esse lugar agora. Era
Susan, uma de suas submissas mais antigas, de cabelo negro e curto, e olhos
azuis muito claros; uma submissa que teria que dispensar, porque só queria
se concentrar em uma mulher em particular.
Susan fumava e jogava a fumaça pelo nariz, olhando-o de cima a baixo.
Tinha eliminado todo o estresse e parecia outra pessoa, inclusive mais jovem.
As domesticações limpavam a merda que alguém carregava. Eram como uma
catarse, ou uma sessão de rejuvenescimento.
—Aqui não se pode fumar, Susan. Já sabe —a repreendeu
amavelmente.
Ela encolheu os ombros e apagou o cigarro na sola de seu sapato.
—E você sabe, querido, que por mais que me diga isso, sempre acabo
fazendo-o.
Se sua relação fosse de outra natureza, Prince não lhe permitiria que
hesitasse assim. Mas Susan só era sua submissa durante uma hora e meia de
domesticação. Depois, podia ser tão irreverente como quisesse.
Susan se levantou e passou a mão pelas nádegas, desfrutando da
ardência.
—Preciso que me bata mais forte —sussurrou, estudando seu Amo com
lascívia.
—Não penso em bater mais forte. Não importa o que utilize: a
palmatória, a mão, a vara, o flogger... Use o que usar, essa é minha
intensidade. E sabe que baterei em seu bumbum com dureza. Mas, para você,
nada já é suficiente —disse aproximando-se dela para virá-la e subir o zíper
da saia com cuidado— Você me preocupa.
—Não tem por que —respondeu com um sorriso, olhando à frente—
Aguento muito bem os castigos. Eu adoro. Pode me pressionar mais.
—Mas eu não aprecio infligindo dor. Eu não gosto de te surrar assim
por capricho. Não sou esse tipo de Amo. De fato, duvido que um Amo real
aprecie dar surras desse tipo. Você está procurando um sado.
—Não é verdade —Susan se virou e aproveitou para rodear o pescoço
dele com os braços, em um gesto que o pegou de surpresa— Eu não preciso
de outro Amo. Só de você. O que acontece... —mordeu o lábio inferior— É que
quero te agradar. Que veja quão forte sou por você.
Não. Prince não queria submissas apaixonadas por ele. Porque ele
nunca poderia as tratar nem lhes oferecer o que desejavam.
Essa parte que nunca tinha dado a ninguém já tinha proprietária,
embora a mesma o desconhecia: e estava em Nova Orleans.
—A mim, como Amo, agrada-me que aprecie dos orgasmos que te dou,
Susan. Não quero que confunda que me agradará mais quanto mais dor
aguente por mim. A submissão não se trata disso. Recorda que é um jogo de
mútuo acordo, não uma tortura.
—Sei, Prince —assentiu um tanto envergonhada— Mas... chegou um
ponto onde já não distingo o prazer da dor.
—Mas tem que aprender a identificar o que você gosta mais, Susan —
elevou o queixo dela delicadamente— Porque tenho medo que se vicie à dor,
mais que ao prazer. Tem alma sadomasoquista. E não posso continuar
alimentando isso.
—Não estou de acordo.
—É o que eu vejo.
—Fala como se já não quisesse fazer mais domesticação comigo —o
olhou assustada.
Ele beijou o dorso de sua mão e respondeu:
—E assim é. Hoje foi a última. Não com você, sozinho, não me interprete
mal, mas sim com todas minhas demais submissas. Mas queria me despedir
de você e dizer isso pessoalmente. Porque passamos muitos anos juntos.
Ela negou com a cabeça, nervosa ao comprovar que o homem que lhe
propiciava o prazer e a dor que necessitava, estava fechando sua masmorra.
—Não pode fazer isto comigo... Prince, preciso dos seus cuidados.
—Posso. E devo. E mais agora, Susan, por seu bem. Tem que parar e
escutar o seu corpo com objetividade, ver o que te diz que necessita.
—Por que vai deixar de me ensinar? Não compreendo. Pensava que vivia
disto.
—Eu não vivo disto —assegurou— Mas isto é meu modo de entender a
vida e desfrutar das relações e do prazer. Sou um pouco como você. Você
trabalha em uma multinacional que paga seu salário, mas a sua vida é outra.
Comigo acontece o mesmo. Não obstante, fecho meus compromissos porque
quero me concentrar em uma submissa apenas.
Susan cobriu a boca com as mãos, assombrada ao escutar isso.
— Você disse que nunca tinha se apaixonado por ninguém. Para se
dedicar apenas a uma mulher, supunha que você entregou a alma e coração.
Devo entender que isso é o que te aconteceu? — Ela adivinhou, trêmula.
—Não sei —disse, conhecedor da verdade. Só que não estava disposto a
machucar mais a sua ex-submissa— Só o tempo dirá.
—Pensava que me escolheria... pensava que estava me esforçando muito
para te agradar...
Antes que Susan se pusesse a chorar e dificultasse mais as coisas,
Prince a acompanhou à saída, tentando tranquiliza-la.
Se ela, como a grande maioria, acreditava que ele seria feliz ao
comprovar o sacrifício e a resistência de suas submissas, é que não tinham
compreendido nada.
Um Amo era feliz quando sua submissa alcançava a plenitude e a
liberação e encontrava a si mesma entre seus braços.
—Adeus, Susan —com carinho, Prince a beijou na testa como a uma
menina pequena, e quando fechou a porta de sua masmorra, soube que tinha
fechado a possibilidade de jogar com outras que não fossem sua Rainha.
E isso era justamente o que seu coração dominante desejava.

*****
Tracey tinha uns cem de peito e quadris proporcionais às suas nádegas
de potranca. Seu cabelo castanho e encaracolado ondeava cercando seu rosto,
de bochechas proeminentes e lábios grossos. Seu top branco deixava pouco à
imaginação, qualquer um adivinharia que vestia um sutiã rosa de renda por
baixo.
Mascava chiclete sem parar, e o fazia com o mesmo ímpeto com o que
limpava as mesas e recolhia as bebidas.
Era um bom apoio, porque era muito trabalhadora.
Sharon esperou que se aproximasse do bar para deixar bebidas vazias,
e viu que todos estavam servidos. Eram cinco da tarde, e a essas horas, os
bebedores ainda estavam dormindo, e os turistas não viriam até a chegada da
noite.
—Tracey —Sharon tomou a bandeja que sua companheira deixava e a
deixou na pia.
—Fale, bonita —respondeu a jovem, apoiando-se na mesa de madeira e
fazendo uma bola com o chiclete.
Sharon arqueou uma sobrancelha loira e elevou a mão com a palma
para cima, olhando sua boca com atenção.
A outra vesgueou os olhos e, ao final, jogou fora o chiclete.
—Causa má impressão que mastigue o chiclete assim —a recordou
como tinha feito já milhares de vezes.
—É uma chata. Além disso, relaxa-me para aguentar alguns
indesejáveis.
—Sei. Toma —Sharon levou a mão ao bolso traseiro de suas calças
apertadas e lhe deu uma bala de melancia com menta— Chupa isso, anda.
Assim deixará de mover a mandíbula dessa maneira.
—Obrigada —respondeu a sulina, longe de sentir-se envergonhada.
Tracey era do Texas, mas tinha se apaixonado por um orleaniano. Fazia
cinco anos que vivia ali. E quatro que vivia sozinha. Seu orleaniano era
casado e com filhos. A decepção que levou foi descomunal.
—Ouça, guarda as caras dos homens que serve, Tracey?
—Apenas se forem bonitos —respondeu brincalhona.
“Perfeito. Então deve recordar a cara do moreno impetuoso”, pensou
Sharon.
—Se recorda de ter servido um rapaz moreno, de olhos negros e cabelo
comprido abaixo das orelhas... assim? —destacou-se os ombros— Muito
corpulento e de costas largas. Tipo, um pouco escuro. Sabe a quem me refiro?
Tracey elevou as sobrancelhas e sorriu.
—Querida, claro que sei a quem se refere. O que não entendo é que você
não o tenha visto nunca por aqui. Vem umas duas vezes por semana. Senta-
se nessa mesa —apontou uma muito coberta atrás de uma coluna de
contenção. Certamente, estava pouco iluminada, com razão nunca o viu—
Sozinho. Chama-se Prince.
—Prince? —gostava de seu nome. Combinava com ele— O que costuma
tomar? Lembra?
—Só uísque com gelo.
—E me pediu um Hurricane —disse em voz baixa— Estava me testando.
—Como diz? —não a escutou.
—Não, nada, nada...
—Não sabe quem é?
—Eu? —disse intrigada— Por que teria que saber?
—É o filho caçula dos Steelman. Sua família é uma das mais
importantes de Nova Orleans.
—Que sorte —isso não a importava o mínimo.
O dinheiro não a impressionava. De fato, apesar de conhecer muitas
pessoas, desconhecia a aristocracia orleaniana. Certamente porque nenhum
deles iriam tomar nada no Laffite’s, nem ela tampouco se dirigia à zona alta de
Nova Orleans.
—Dizem que é a ovelha negra da família. Que é um rebelde, um cara
duro desses que gosta de coisas estranhas. E um paquerador —sorriu
coquete.
—Ah, sim? Coisas estranhas? —isso chamou sua atenção. Nova Orleans
era a capital das excentricidades.
—Sim —assegurou enrolando um cacho em seu dedo indicador— Não
sei ao que se referem com isso. Talvez faça missas do galo ou coisas assim —
disse sem importância. Depois, deu de ombros e saboreou a bala com gosto—
Não me importaria que me fizesse coisas estranhas. Já sabe, toooooda a
noite...
Sharon pôs-se a rir. Não podia culpar Tracey por pensar assim. Ela
mesma tinha passado a semana fantasiando com ele.
Era a primeira vez que fantasiava com alguém; porque, por sorte ou por
desgraça, desisnteresse que Sharon estava de saco cheio, desejo que tinha
caído ipso facto.
Com o Prince não era assim. Ele a tinha mantido em suspense e tinha
despertado seu interesse.
E o certo era que uma estranha excitação percorria seu ventre ante a
expectativa de vê-lo no dia seguinte.
Sorriu pensativa e maliciosa. Iria lhe preparar um Hurricane que não
esqueceria jamais.
CAPÍTULO 3

Sábado

Quantas vezes tinha olhado na mesma direção? E, para quê? Para


verificar uma e outra vez que Prince não estava. Havia lhe dito que viria, e não
tinha aparecido em nenhum momento.
Deveria ter sabido. Deveria supor que só ria dela e fingia interessante.
Um cara de família aristocrática não aparecia de jeito nenhum no Laffite’s,
acotovelando-se com a plebe.
Portanto, aquela não foi a melhor noite de Sharon. Os clientes estavam
mais chatos que o habitual, e a isso devia acrescentar a decepção que sentia
por ter estado pensando toda a semana em um homem que faltava com a sua
palavra.
Se o trabalho solicitava, nos sábados, ficava até mais tarde para ajudar
as garotas, mas não estava com humor para isso, assim que seu relógio
marcou uma da madrugada, decidiu que não iria esperar mais a esse
presunçoso.
E se foi.
Os galanteios não levantaram seu ânimo a caminho do carro. Tirou as
chaves do veículo do interior de sua bolsa, e justo quando ia abrir a porta do
Mustang, uma voz masculina a deteve.
—Já vai? Pensava que tínhamos um encontro.
Ela se virou de repente para encontrar-se com Steelman.
— Droga! —tinha-a assustado e as chaves do carro tinham caído no
chão.
Ele vestia uma camisa polo preta de manga curta que delineava sua
escultural silhueta, e assim, cara a cara, sem o desnível de que gozava detrás
do bar, era muito mais alto do que parecia em um primeiro instante. Era
muito alto. E estava tão bonito... As calças de pinça caíam como uma luva.
Sua pose se parecia com a de um guerreiro relaxado, embora estivesse
intermitentemente alerta, se por acaso algo o espreitasse.
—Perdão, a assustei? —perguntou risonho. Agachou-se para recolher as
chaves.
—Não. Bom, sim. Droga. —ainda estava tomando ar— Não esperava ver
ninguém.
Prince inclinou a cabeça para um lado.
—Por que não? Disse que viria no sábado —respondeu, admirado.
Ofereceu-lhe o chaveiro.
Sharon estreitou os olhos e o arrancou das mãos dele sem muita
delicadeza.
—Meu turno acaba à uma —o recordou cortante— Como você vai
entender, eu não ia esperar para sempre. Além disso, se você vem ou não, eu
não me importo. Não que eu estava pensando em você como uma louca.
Prince balançou negativamente a cabeça e a abaixou para ocultar seu
sorriso.
— Você é impaciente e gosta que as coisas saiam conforme tenha
planejado e visualizado em sua cabeça. Que fofa.
Ela levantou sua impertinente sobrancelha loira, incrédula ante o tom
que escutava de sua boca.
—Fofa? Eu não gosto que me façam esperar, Prince.
—Ah... —disse satisfeito— Procurou saber meu nome?
—Sim. Alguém me disse por aí.
Ele se moveu sem aviso prévio, de um modo que Sharon, em um
segundo, estava presa entre ele e o carro. —: Esteve pensando em mim.
—É um pouco arrogante, não acha?
—Não. Só digo o que eu gostaria que acontecesse —se inclinou mais
para ela— Porque eu, Sharon, não deixei de pensar em você desde que a vi.
E, de repente, depois dessa aberta declaração, afastou-se com a mesma
velocidade com a que se jogou em cima dela.
“Oh, agora... isso foi contundente”, pensou ela. Deste sim, gostava.
Tinha saído com homens muito educados e divertidos. Homens com os quais
tinha passado um bom momento, um bom bate-papo e certo entretenimento
em geral. Quase todos pareciam estar cortados pelo mesmo patrão. Mas este...
este Prince, exsudava segurança e masculinidade em rios. E era muito
estimulante para ela ter à sua frente um exemplar assim.
—Disse que queria te convidar para jantar. Tem fome?
Sim. Estava faminta. E era culpa dele. Por ridículo que parecesse, tinha
estado tão nervosa pensando que o veria de novo, que o estômago fechou,
quando ela era boa de comer e quase nada lhe tirava a fome.
—É uma da madrugada. Não acredito que nos deem de comer em
nenhum lugar, a não ser que vamos a alguma lanchonete. Além disso, não
estou acostumada a sair com desconhecidos.
—Bom, já sabe como me chamo, não?
Sim. Sim, sabia. E ao saber que era um Steelman, também entendia
que estava a salvo. Não faria nenhuma tolice para que seu sobrenome se visse
envolto em algo turvo com ela: não era um estuprador, nem um psicopata.
Os lábios de Prince desenharam um sorriso desses que mostram que
está tudo controlado. Sharon teria jurado, nesse momento, que ele estava
lendo sua mente e que tinha adivinhado o que pensava.
—Não se preocupe pelo jantar. Iremos em meu carro —conveio ele— A
levarei a um lugar onde poderá comer à vontade, preciosa —a olhou fixamente
nos olhos. Em realidade, as pupilas não se moveram de seu rosto, mas
parecia que ele fazia uma completa radiografia da sua alma — Gostaria?
Era a primeira vez que ela não tinha que decidir. Outros se limitavam a
cumprir seus desejos, mas, desta vez, era ele quem tomava as rédeas.
Gostou dessa sensação, e como não tinha nada a perder e seu
aborrecimento tinha passado por deixá-la em brasas toda a noite, ao final,
aceitou.
—Sim. De acordo —respondeu com firmeza.
Prince era o proprietário de um Porsche 911 Coupé, que estava em
harmonia com seu espírito soberbo e agressivo. E Sharon, longe de se deixar
intimidar por esse tipo de personalidade, adorava, porque escasseavam, e
porque, por fim, sentia que ela era a mulher, e não a que levava as calças,
como costumava dizer a si mesma.
Ele conduzia em silêncio, permitindo que a música do Bon Jovi falasse
por eles com seu You give Love a bad name.
Naquela calma, condimentava-se mais do que aparentava: precedia a
algo muito mais quente do que ela imaginava. E não sabia se era atração,
sexo, sedução, ou algo mais que desconhecia. Mas seja o que fosse, queria
conhecer.
—Hoje está muito bonita —provocou Prince— Está sempre, não me
interprete mal —se corrigiu— Mas nunca a tinha visto com essa blusa de
alças de cor marfim, um pouco transparente. Cai muito bem em você. Mas,
para que vou enganá-la? Tudo te cai bem. Embora, isso você já sabe.
Sharon fez caso omisso do último, mas sim se virou para ele para
encará-lo com supremo interesse.
—Você teve muito tempo para me estudar e saber a roupa que visto e se
dar conta de que esta blusa é nova. Ficou obcecado por mim?
—Estou certo que não serei o primeiro —custava a ele não jogar-se em
cima dela nesse mesmo momento.
—Não.
—Não é um pouco arrogante? —lhe devolveu.
Ela se pôs a rir e encolheu os ombros.
—Quer que minta e te diga que não?
—Não. É óbvio que não. Eu não gosto de mentiras.
—Nem eu tampouco.
—Perfeito. Então, esta noite não precisamos fingir e ser quem não sou.
Você gosta das verdades tanto como eu —a olhou de esguelha e pôs a música.
—Embora doam?
—Embora doam —reafirmou.
A Mamasita era um pequeno restaurante afastado em um cais oculto do
Rio Misisipi. Poucos o conheciam, e poucos eram os sortudos em degustar sua
espetacular cozinha crioula.
As luzes decoravam um harmonioso caminho de madeira que levitava
sobre o rio, escondido entre as algas e as plantas aquáticas, que levavam, por
sua vez, a uma adorável casinha de madeira e pedra cinzenta.
—Nunca tinha estado aqui... —disse Sharon, caminhando pelo atalho
iluminado— Nem sequer imaginava que havia um restaurante em um cais e
sobre o rio.
—Dois amigos meus de Miami o administram. É um desses lugares aos
quais deve ir antes de morrer —lhe explicou, fazendo-se de misterioso.
—Mas como alguém vai, estando oculto como está? —perguntou
Sharon.
—Essa é a graça —sussurrou ele, aproximando-se pelas costas dela. —
Os prazeres e os tesouros da vida não estão à vista de todos. Estão ocultos,
esperando que apenas os mais atrevidos os descubram.
Sharon o olhou de esguelha, querendo adivinhar a que se referia
exatamente. Talvez falasse metaforicamente, ou talvez em sentido figurado,
mas parecia fazê-lo por experiência. Isso só podia dizer duas coisas: ou que
naquele lugar se comia como os deuses, ou que Prince experimentou, por si
mesmo, esses prazeres ocultos dos que falava.
Prince abriu a porta, e umas campainhas douradas chocalharam para
avisar ao dono de que tinha recebido dois novos clientes.
E como Sharon pôde perceber: os dois únicos que ocupariam o salão
essa noite.
Neste momento, uma mulher latina, com o cabelo preso com rabo de
cavalo muito alto que deixava mais aparente sua feição morena e atrativa,
aproximou-se deles correndo, tanto como lhe permitiam seus saltos vermelhos
de ponta agulha, com um sorriso de orelha a orelha.
—Olá, grande homem! Por fim, veio! —exclamou risonha, apertando as
bochechas de Prince—. Quando José me disse que hoje nos visitaria, não
pude acreditar... —aproximou seu rosto ao dela e lhe deu um beijo nos lábios.
Um beijinho sem importância— Como está, gostoso?
Sim, esse beijinho incomodou Sharon, ao ponto que se remexeu, um
pouco incômoda. Percebeu que no interior do pulso da beldade latina tinha
tatuado uma espécie de triskel, um símbolo celta.
Os olhos escuros de Prince refletiam simpatia por aquela garota, um
carinho especial.
—Olá, Alejandra. Diga a seu marido que espero que esta noite se
esmere.
—Nem duvide disso, coração. Está desde às cinco na cozinha. Apenas
para vocês. —A latina desviou o olhar para Sharon— Quem é esta beleza?
Prince afastou-se e, educadamente, como o cavalheiro que dava a
impressão que era, apresentou-a.
—É Sharon. Sharon, esta é Alejandra.
—Pois é um prazer, Sharon —disse Alejandra, piscando um olho
perfeitamente maquiado.
—Igualmente.
—Sinto-me afortunada em conhecer a primeira mulher que traz Prince
aqui.
—Bom, foi ele quem me trouxe —esclareceu Sharon.
—Ah, não, querida —sorriu indulgentemente— Sempre somos nós as
que levamos os homens. Nunca o contrário.
Dito isto, Alejandra os levou à única mesa iluminada com uma tigela
com velas flutuantes.
—Sentem-se aqui e relaxem. Em alguns minutos serviremos o jantar.
Quando Alejandra se foi, Prince não deu importância ao comentário,
mas Sharon se virou para ele para dizer:
—Ah, sim?
—Ah sim, o que?
—Que sou a primeira garota que traz aqui, Prince? —inclinou-se para
frente com interesse feminino.
Prince sorriu e jogou o cabelo comprido, pretos, para trás. Era um gesto
muito sexy, que Sharon não pensava que em um homem fosse masculino.
Mas se equivocava. Não se tratava do bonito, e sim do quanto magnético era;
nem tampouco era esse tom profundo de voz que Sharon reconheceria em
qualquer lugar o que fazia de Prince um animal realmente hipnótico para ela.
Era algo que não mostrava o que mais a fascinava. Era o mistério e essa
picante escuridão aderida à sua pessoa.
—Sim. Nunca havia trazido ninguém aqui antes —afirmou— Sempre
vim sozinho.
—Ah... E por que a mim? Por que eu?
—Quer começar o jantar pela sobremesa? Não tão rápido, senhorita
Impaciente.
— E você gosta de manter tudo em suspense.
A luz da vela iluminou seu belo rosto e dançou sobre sua pele. Por um
momento, Sharon ficou presa a isso, e desejou roubar uma daquelas
faiscadas de seus olhos negros, apenas para guardá-la em sua memória por
toda a eternidade.
Suspirou para sair de seu devaneio.
—Ok... Está bem. E vai me contar algo mais? Ou devo esperar que
Alejandra e sua verborreia soltem tudo?
—Pergunte tudo o que quiser —colocou o guardanapo sobre as pernas.
—O que quiser? —Tinha muitas perguntas. Já queria saber tudo sobre
ele, o que pudesse e mais. — Como conheceu Alejandra?
—Frequentávamos os mesmos pubs em Miami. Nos tornamos muito
amigos. E bem —arguiu com normalidade—, José é um chef excelente,
especializado em cozinha crioula e latina. Eu queria investir em algo, assim
construí este restaurante, pensando neles dois para administrar tudo.
Trabalham em La Mamasita há dois anos. José como chef e Alejandra como
Relações Públicas e garçonete.
—Assim, que isto é seu —afirmou.
—Sim.
—E vai bem? —olhou ao redor— Não parece que tenha muita clientela.
—Hoje está reservado somente para nós.
Ok. Isso sim era assombroso. Nunca ninguém tinha feito algo assim por
ela. Fingiria que não estava nem a metade impressionada.
—Normalmente —continuou Prince, enchendo a taça de vinho branco
de Sharon e depois a sua—, há lista de espera para almoçar ou jantar aqui.
Nunca abrem às duas da madrugada, mas me fizeram este favor hoje.
—Deve ser um chefe muito tirano para que acatem suas ordens desse
modo...
Ele encolheu os ombros e a olhou de frente, sem perder um só detalhe
de sua bela face.
—Sou exigente. Mas as pessoas gostam de me agradar.
—Sei. —Sharon bebeu delicadamente e o olhou sedutora— Deve ser
uma piada, Steelman.
—O que?
—Que todo mundo faça o que você quer. Eu gostaria de controlar o que
me rodeia assim. Mas meu sobrenome não é nada influente.
—Meu sobrenome não tem nada a ver com o modo como as pessoas se
recordam de mim, preciosa. Além disso, não sei do que se surpreende, porque
você também tem a mesma energia. Vi como dirige as pessoas no pub,
Sharon. Sua autoridade é indiscutível. Além disso, usa um tom inflexível, que,
entretanto, outros recebem como suave. Eu adoraria ver como reagiria a uma
desobediência.
Ela piscou, confusa. Do que estavam falando? Prince gostava de deixá-
la confusa.
Mudou de assunto rapidamente.
—Posso te perguntar sobre sua família? Ou está vetado...
—Claro. Sem censuras —a satisfez— Além disso, minha família é muito
aborrecida, e toda a cidade conhece tudo sobre todos.
—Eu não —assinalou— Não estou nada informada sobre famílias ricas
de Nova Orleans.
—Sinal de que nunca se interessou em caçar um milionário.
—Não me interessa o dinheiro. Nunca me chamou muito a atenção.
—A mim tampouco —encolheu os ombros— Mas nasci rodeado disso.
Talvez por isso acabou me enojando.
—Em troca, eu nunca tive muito, por isso nem o enojo, nem sinto falta.
É maravilhoso ser pobre, não crê?
—Não sei —fez uma careta— Você é?
Sharon sorriu e depois continuou com seu interrogatório.
—Seu pai e sua mãe fazem o quê? Trabalham? Tem irmãos? Irmãs?
—Bom... que gatinha mais que curiosa —ronronou guturalmente—
Meus pais, Romeo e Janina, faz anos que não trabalham. Vivem de rendas e
benefícios. Minha família é a proprietária de noventa por cento dos cassinos
de Luisiana. Meu irmão, Dominic, trabalha com isso. Eu sou a ovelha negra.
A mim, o jogo não interessa.
—Então não tem cassinos?
—Eu não gosto da ideia de tirar dinheiro dos vícios e das obsessões das
pessoas. Eu não gosto de fazer negócio com isso. Não me interessa a jogatina.
Meus investimentos —passou a fazer círculos na mesa com a base da taça de
cristal— se centram em outras coisas.
—Em que coisas?
—Compra de terrenos para construção de estacionamentos. Esse é meu
negócio.
—Ei... não teria pensado jamais nisso —admitiu assombrada— Se eu
tivesse seu dinheiro, teria pensado em outro tipo de empresas.
—Eu pensei em tirar benefícios imediatos de meus investimentos.
Pensa: não há espaço nas calçadas para estacionar. As cidades necessitam
praças. Assim, apostei nisso. E... ganhei.
Sharon umedeceu os lábios e brincou com o círculo da taça, passando o
dedo indicador pela superfície de cristal.
—Está acostumado a ganhar, Prince?
—Venho de uma família de jogadores. Fizeram sua fortuna apostando, e
depois invertendo em cassinos. Fizeram do jogo uma maneira de viver. Não sei
se sou um ganhador, mas sim sei que tudo na vida é como uma partida, e tem
que apostar para conseguir seus propósitos.
Sharon absorveu suas palavras. E justo quando ia fazer-lhe a seguinte
pergunta, apareceu Alejandra com um carrinho transbordante de bandejas
cobertas por suas tampas prateadas. Cheirava uma maravilha, a especiarias,
a picante, fritura... algo delicioso e exótico.
—Aqui trago o que pediu, Prince.
—Ei... —murmurou Sharon— Já tinha pedido o jantar?
Ele sorriu um pouco envergonhado, embora não muito.
—Tomei a liberdade de pedir algo que acredito que poderia gostar.
—E como sabe o que me agradaria?
Alejandra pigarreou e se virou, sorridente e assombrada pelo tom agudo
de Sharon.
—Pelos tupperwares que já levou para o trabalho. Eu a vi comendo
sentada em uma mesa da cafeteria de frente, em sua hora de descanso...
—Por que não tenho medo de você? —soltou de maneira impulsiva—
Quero dizer: esteve me espiando sem que eu soubesse... A mais de uma
pessoa, isso causaria arrepios.
—Mas não a você.
—Não, a mim não.
—Porque nada a amedronta, Sharon.
Falava como se a conhecesse, como se soubesse quem era, inclusive,
melhor que ela mesma.
—Tenho medos, como todo mundo. Mas, não temo você.
—Isso é porque sabe que não sou perigoso.
—Não é verdade. Acredito que é perigoso. Mas não do tipo Jack, o
estripador...
—Não tenho intenção de te esquartejar —seus dentes brancos reluziram
através da suntuosa forma de seus lábios— E de que modo acredita que sou
perigoso?
Ela estalou a língua e sacudiu a cabeça, como se não soubesse a
resposta.
—Não sei. Ainda estou averiguando.
Prince era muito perigoso para ela. Não necessitava mais referências
para entendê-lo. Ele podia chegar a obcecá-la. Ele e seus olhos que nada
tinham que invejar a noite, nem a sua magia, nem seus mistérios.
—Pois já descobrirá logo —comentou, esticando o braço para descobrir
as bandejas de comida— Nosso jantar esfriará.
Ele sabia que ia deixá-la sem palavras. E se orgulhou de consegui-lo.
— Remoulade com salada de camarões-rosa. Pimentões recheados e... —
abriu a tampa da última bandeja— frango frito com arroz sujo1.
Estava certo. Sabia o que gostava. Sua avó lhe preparava jantar para
levar, e esses três pratos estavam entre seus prediletos.
—Nas vezes que a vi jantar com os tupperwares, me dei conta de que
mudava a expressão dependendo do que tinha para jantar. Não é você quem
cozinha em sua casa? —quis saber enquanto a servia no prato a salada de
camarão-rosa.

1
O arroz sujo é um prato tradicional Cajun, que consiste em arroz branco cozido com fígado picado e outras
vísceras de frango, o que dá uma escura (“suja”) e sabor suave, mas diferente.
—Não. É minha avó. Tem uma mão incrível para cozinhar... —o frango
cheirava tão bem, quase igual ao que fazia sua avó— São meus pratos
favoritos.
—Vive sozinha com ela?
—Sim. Há oito anos —comentou sem rastro de melancolia. O tempo
curava todas as feridas.
—E seus pais?
—Meu pai morreu quando eu tinha nove anos.
—Sinto muito.
—Não... já passou. Ele era alcoólatra e, bem..., teve um acidente
enquanto conduzia bêbado.
—Ei. Sinto ter tocado no assunto…
—Não. De verdade que não me importa.
—Tudo bem —a olhou com orgulho— E sua mãe?
—Minha mãe, Elda, lutou contra uma longa enfermidade durante muito
tempo. Morreu faz oito anos —suspirou, tentando não tingir sua narração de
tristeza— Vivia em Nova Jersey quando fiquei sozinha, e sendo menor de
idade, com dezessete anos, tive que vir a Nova Orleans para morar com minha
avó Margaret.
—Tem vinte e cinco agora?
—Não. Acabei de fazer vinte e seis.
—Você é uma sobrevivente. —apontou com a voz cheia de reverência.
—Tento. A cada dia —confirmou, colocando o cabelo por cima do ombro
esquerdo.
—Sinto tudo o que aconteceu com você, Sharon —reconheceu com
muito tato—, mas agradeço que seu destino tenha te trazido até aqui. Do
contrário, nunca teríamos nos conhecido —sorriu, e ao fazê-lo, misturou
sinceridade e também pesar.
E foi esse sorriso. Esse sincero e tímido sorriso cheio de verdade, que
tocou seu coração e a deixou sem palavras, sem defesas e sem argumentos
que lhe ancorassem a ideia na cabeça de que deveria afastar-se dele se não
quisesse se meter em uma enorme confusão chamada “amor”.
CAPÍTULO 4

O jantar transcorreu em um ambiente extremamente agradável e


descontraído, apesar da eletricidade de alta tensão que percorria o espaço
vital em que eles conversavam. Pura energia, pura atração disfarçada de
amabilidade e camaradagem.
Prince sabia perfeitamente quão bem lutava Sharon com o interesse
masculino. Era uma sedutora consumada, consciente e inconsciente.
Consciente, porque sabia como atrair a atenção com apenas um olhar; e
inconsciente, porque sua indubitável beleza atraía mesmo sem pretender.
Estava acostumada a dominar os impulsos dos homens, a amansá-los
com palavras e olhares adocicados que escondiam uma oculta selvageria. Sua
voz era uma carícia que bem poderia transformar-se em uma bofetada ou em
uma chicotada se em algum momento se excediam com ela. Inferno, deixava-o
todo duro imaginá-la mostrando sua personalidade para ele.
E Prince, que era um Amo consumado em busca de sua verdadeira
mulher, não ia desperdiçar a oportunidade de conquistá-la agora que, por fim,
a tinha encontrado.
Tinha apenas essa noite.
Porque era uma mulher que não daria outra oportunidade se não
conseguia despertar seu interesse, por isso procuraria não dar passos em
falso, e também procederia sem máscaras.
Apenas uma noite para mostrar a Sharon parte de seu mundo; para
atraí-la e para que ela visse e reconhecesse em todo seu esplendor o que sua
alma silenciosa pedia a gritos, embora ela desconhecesse a verdadeira
natureza de suas necessidades.
Ao contrário, ele sim, sabia, porque um dominador versado e autêntico
lia a alma e a mente de sua companheira, e conhecia os desejos de seu par
mesmo antes que os expressasse. Era um dom. E era também uma
responsabilidade e sua obrigação iluminá-la no caminho do prazer e do
autoconhecimento.
Sharon falava olhando nos olhos. Não se ocultava, porque não tinha
nada do que se envergonhar. Era quem era, tinha o que tinha e não pretendia
dar uma imagem que não fosse de acordo com sua essência e sua natureza.
Mordiscava delicadamente os pedaços de frango frito orleaniano e, de
vez em quando, sorria como se rememorasse algo de sua vida.
Antes que Prince perguntasse ao que devia sua expressão, ela o
explicou:
—Tenho a sensação de que copiaram a receita de minha avó.
—Por que diz isso?
—Porque minha avó Margaret é uma enciclopédia da cozinha crioula
autêntica, dessa que se passa de geração em geração, e que apenas uns
poucos conhecem. E este frango está igual. É a primeira vez que degusto um
prato como os dela.
—Sinal de que Alejandra e José sabem muito bem o que fazem na
cozinha.
—Certamente. Tudo está delicioso. E o vinho... —deixou cair os olhos
com prazer— é delicioso. Mas não estou acostumada a beber, e temo que me
suba muito rápido.
—Quer que peça água ou alguma outra bebida? —perguntou solícito.
—Não. Obrigada —voltou a sorrir e cobriu as bochechas com as mãos—
Meu rosto arde. Sabe? Nunca tinha jantado às três da madrugada...
Prince elevou os cantos de seus lábios e a observou com atenção. Ela
nem sequer ficou nervosa em sua inspeção. Devolveu-lhe o olhar e esperou
que dissesse o que tinha a dizer.
—Gosta de sobremesa?
—Acredito que estou muito cheia. Mas pedirei algo se me disser por que
sou a primeira em vir contigo à Mamasita —insistiu de cara.
Nesse instante, Alejandra e seu indelével sorriso trouxeram a
sobremesa: um maravilhoso pudim de banana. Deliciosas camadas de creme
de baunilha, biscoitos e fatias frescas de banana.
Sharon adorava. E, como não, era sua sobremesa favorita e Prince
sabia.
—É caseiro —lhe informou Alejandra— Meu Senhor José tem uma mão
incrível para o pudim.
—Seu Senhor José? —repetiu Sharon, surpreendida pelo modo com que
fazia referência a seu marido.
—Sim, meu lindo marido —riu com obviedade—Vai levá-la mais tarde,
Prince? —perguntou-lhe animadamente— Já sabe que hoje temos uma noite
especial no Cat’S.
Prince fez cara de pensar.
—Já veremos. Este é nosso primeiro encontro —explicou.
—Ah, é um encontro? —interveio Sharon, com interesse.
—Então é perfeito —Alejandra colocou o pudim no meio— Os primeiros
encontros são os mais importantes. Por isso José, na primeira vez, foi comigo
direto e ao ponto. Sem meias medidas... Zas! —Alejandra se deu uma palmada
na nádega rígida e alta. Essa mulher estava em forma— E caí em suas redes.
Sharon, que não entendia do que estavam falando, estremeceu com o
som seco de carne contra carne.
Prince riu em silêncio, observando a reação de Sharon, muito divertido.
Alejandra se afastou e voltou a deixá-los sozinhos.
—Não a entendo —murmurou ela, surpreendida pela energia da garota
de Miami.
—É apaixonada por tudo —Prince lhe ofereceu uma colher e se dispôs a
compartilhar a sobremesa com ela.
—Ah, sim... E o que acontece esta noite no Cat’s?
—Noite temática —respondeu ele, oferecendo de sua colher a ela.
Sharon olhou o oferecimento com atenção, e depois abriu a boca para
aceitá-lo, satisfeita. Aquela intimidade lhe pareceu surpreendente, mas não
por isso gostou menos.
—Noite temática? Deus... —bateu os cílios, mergulhada no doce prazer
do creme de baunilha e da banana— José é um deus. Isto está tão saboroso
que parece divino.
—De repente, tenho inveja de você, homem —Prince falou, olhando por
cima da cabeça loira da Sharon.
Atrás deles, apareceu um homem de cabelos escuros e barba, com
lábios muito grossos. Tinha traços de índio e um piercing bicudo entre o
espaço do queixo e o lábio. Entretanto, a bata de cozinha de cor vermelha que
vestia, atenuava sua impetuosa postura. Sobre o peito esquerdo, escritas em
letras brancas e estilizadas, estava impresso o nome do restaurante.
—Curioso que um príncipe tenha inveja de um trabalhador como eu —
José abraçou Prince com carinho, que se levantou para recebê-lo— Bom, até
que fim nos trouxe alguém, seu convencido! Começávamos a pensar que não
havia ninguém para você.
—Nunca é tarde se a sorte for boa —replicou ele olhando a Sharon com
apreço.
—E como se chama a afortunada? —inquiriu o chef.
—Sharon. Chama-se Sharon.
Ela sorriu e estendeu a mão com educação enquanto limpava o canto
dos lábios delicadamente.
—Devo te felicitar —disse ela— Tudo estava delicioso.
—Muito obrigado, beleza —José inclinou a cabeça— Prince disse que
cortaria minhas bolas se o prato não estivesse à altura da convidada. E a
olhando, não sei se alcancei o esperado.
—Te disse isso?
—Sim.
—Pois espero que fiquem aí quando eu partir. Estava tudo incrível, de
verdade —reafirmou Sharon.
—Me alegro, então —pôs a mão sobre o ombro de Prince para lhe dizer—
: Vai passar pelo Cat’s? Alejandra e eu vamos depois.
Sharon, que observava mais que falava, avistou a mesma tatuagem que
Alejandra levava no interior do pulso de José. Estreitou os olhos, pensativa. O
que significava esse triskel?
—Já veremos —repetiu Prince, dando a mesma resposta que antes—
Esta noite, ela manda.
—Pois aproveita, Sharon —José riu claramente— Prince não está
acostumado a permitir que ninguém, exceto ele, tenha o controle.
—Obrigada. Terei isso em conta —concedeu ela.
—Bom, deixarei que acabem a sobremesa sossegados. Apenas queria
me assegurar de que tudo estava do seu agrado. Sem mais —fez algo parecido
a uma reverência— Os deixo sozinhos. Espero te ver miando, Prince.
Quando se sentaram de novo nas cadeiras, a situação requeria essa
pergunta urgentemente.
—Miando? Quanto mistério com a noite temática... o que vai ser?
—Para entender, terá que ver. Você gostaria de vir?
—Depende.
—Do quê?
Sharon se inclinou para frente e disse em voz baixa.
—De que me diga por que sou a primeira a te acompanhar à Mamasita.
Prince imitou seu movimento, levou uma colherada de pudim à boca e,
quando engoliu, explicou em voz baixa:
—Porque os lugares que eu mais gosto e que são especiais, precisam de
pessoas especiais, Sharon. Pessoas que valorizem a magia que reside nas
pessoas e no que as rodeia, com suas luzes e suas sombras. Desde que a vi,
soube que era especial.
—Por que crê que eu sei apreciar isso? Sou apenas uma garçonete que
trabalha atrás do balcão de um bar.
—Não. Não é isso. Trabalha nisso. Mas não é isso. Sua profissão não
define quem é, e mais se for circunstancial. Eu vejo o que é e o que pode
chegar a ser. E reconheci em você a aceitação das misérias dos outros:
reconheci-a pela maneira que tem de tratar sem julgamentos os homens que
rodeiam seu bar cada noite. Trata-os sabendo como são, deixando de lado sua
merda, e os vê muito mais além.
—Fala como se me conhecesse a vida toda.
Prince aproximou a mão até sua boca e passou o polegar pelo canto,
para remover um pouco de creme de baunilha. Depois o levou à boca e o
saboreou como se a degustasse.
Sharon parou um pouco de respirar.
—Talvez existam pessoas às que não lhes bastam mais que um cruzar
de olhares para saber que, em realidade, conhece-se de sempre. Você me vê, e
eu te vejo.
—Temo que seja muito precipitado que diga algo assim —confessou
nervosa.
—Você acredita?
—Sim. Há muitas coisas que não sei de você.
—E quer saber? Quer me ver de verdade, embora seja em nosso
primeiro encontro?
—Sim. Acredito que um ataque de sinceridade repentino é o melhor.
Nada de fingir, nem de representar.
—Até onde, Sharon?
—Como? —não entendia a pergunta.
—Até onde quer saber?
Ela se acreditava obsessiva e analista, mas, diante de si, tinha um tipo
como Prince que bastava a contemplação para saber coisas de outros, e o
fazia com mestria. Poderia chegar à informação que desejava somente nessa
noite? Sem subterfúgios? Era uma provocação, e talvez uma ousadia.
Armou-se de coragem, porque era o que queria, e depois respondeu.
—Até onde você me permitir, Prince.
Ele havia lançado o desafio e ela o tinha tomado.
CAPÍTULO 5

Cat´s Meow

Prince estacionou o Porsche em um espaço reservado, na calçada


adjacente, cujo letreiro luminoso tremeluzia e ressaltava no fundo escuro da
madrugada.
Não se ouvia som algum, como se no interior do Cat´s Meow não
houvesse vida.
Quando Prince girou a chave e o motor se desligou, ficou absorto
olhando à frente, a um infinito que somente ele divisava.
Sharon, ao seu lado, observou-o espectadora. Não sabia o que esperava
para sair do carro, mas não era tola, e se Prince era hábil em ler as pessoas,
ela também tinha habilidades para fazer perfis.
E Prince, o perfil desse homem, era lindo e, ao mesmo tempo, tinha
claros e escuros que, longe de intimidá-la, tocavam-na para descobrir mais,
como a mariposa que ia para a luz sabendo que ia se queimar.
—Prince? Estamos esperando algo?
—Não —deixou escapar o ar, como se assim pudesse eliminar todas
suas dúvidas.
Porque Prince tinha dúvidas.
Sharon era muito inteligente e viva. Não demoraria para juntar as
pontas, e ver o tipo de gente que ali se reunia, o modo que se dirigiriam uns
aos outros... O que Sharon conhecia de seu mundo? De todos? E, se assim
fosse, teria preconceitos ou, do contrário, sua intuição estaria certa e ela seria
a gata curiosa e selvagem que desejava sua masmorra?
—Sei que não é uma pessoa que faz julgamentos. E desejo, que a
conclusão que chegar esta noite, depois disto... seja a que eu gostaria.
—Olhe, Prince —Sharon franziu o cenho, um tanto tonta como estava
por causa do vinho—: tirando missas de galos e rituais satânicos, posso
tolerar tudo. O que acredita que vai me assustar em um karaokê? —incrédula,
voltou a olhar o rótulo, cujas letras estavam coroadas por notas musicais— É
um karaokê, pelo amor de Deus! — exclamou, rindo dele— Que mal pode me
fazer? Tanto mistério para isto?
—Sharon, não vá tão rápido. Às vezes, as aparências enganam.
Ela pressionou o nariz, um pouco decepcionada pela resolução do
enigma.
—Olhe, durante o trajeto, tinha fantasiado com que era um bruxo,
inclusive profanador de tumbas.
—Não sou nada disso! —olhou-a como se estivesse louca.
—Pois... é uma pena —fingiu lamentar-se— Anda, abre o carro. Desafio-
o a cantar!
Prince saiu primeiro para abrir a porta para ela, como um cavalheiro.
Quando ficou de pé no chão, Sharon perdeu um pouco o equilíbrio,
ligeiramente turva pelo vinho, mas Prince a segurou pela cintura e a apoiou
na carroceria.
—Acredito —sorriu abertamente—, que estou um pouco bêbada.
—É verdade que não está acostumada a beber.
—Eu te disso isso—o recordou— Quando os clientes me convidam para
beber algo, sirvo-me de água, engano-os um pouco e brindo com eles. Não
bebo.
Ele a olhou estonteado, como se contemplasse a um anjo. Ela fez o
mesmo.
—Prince, sabe...?
—O que?
—Seus olhos não são completamente negros. Mas azul escuro —
acariciou a bochecha dele e deslizou os dedos até seu queixo recém barbeado,
para depois lhe dar uma leve palmada carinhosa— É muito bonito. E dá
muita raiva —depois soltou uma gargalhada.
Prince, surpreso por essa bajulação, sorriu. Morria de desejo de beijá-la,
mas não o faria. Não ainda. Beijá-la antes que ela visse o que era, seria sua
perdição.
Sharon inclinou a cabeça para o ombro esquerdo e piscou, charmosa.
Droga, conhecia esse olhar. Os clientes a obedeciam ipso facto.
E ele... ele estava a ponto de ser um bobo como eles. Por isso separou-
se dela, de sua cintura que ainda segurava, e a separou do veículo para ato
seguido animá-la a caminhar na frente dele.
—Anda, vamos.
Ela deixou cair os olhos para trás, por cima do ombro. Seus olhos
grandes, puxados e felinos, claros e limpos, oscilaram sabedores de que o
tinha no papo, mas ao mesmo tempo confusos, porque Prince estava lutando
contra a atração que um sentia pelo outro. Por que? Por que não a beijava?
Por que relutava, se desde o primeiro momento que se viram desejaram prová-
lo?
Dava o mesmo a resposta. Não importava, porque era refrescante ir
acompanhada de um homem que não dissesse sim a tudo, e que salivasse tão
apenas com a ideia de devorar sua boca.
Essa noite se deixaria levar. O jantar, e esse maravilhoso vinho que
tomaram, outorgava-lhe uma liberdade e uma falta de tensão que a centrou
em somente desfrutar e se divertir.
E, talvez, divertir-se com ele.
E isso foi o que fez, embora nunca imaginou que o interior do Cat’s
Meow a levasse a um reino cuja máxima era o pecado, o couro, o látex e a
soberba.
Tudo novo. Agressivo. E valente.
E, entretanto, nada disso impressionou Sharon. Em vez de coibi-la, o
primeiro efeito resultou ser refrescante, tanto, que a animou a prestar atenção
e a não querer perder nada do que ali acontecia.
Por diante dela cruzaram dois homens, que exibiam com orgulho as
suas acompanhantes, às que sujeitavam com um colar metálico e uma
corrente, como se fossem cadelas.
E elas estavam ofendidas? Não! Longe de protestar por esse insulto à
sua humanidade, ambas refletiam com orgulho seu agrado por serem tratadas
assim. Quem comandava essa relação? Eles ou elas? Porque ela apostava que,
por ali, as arrogantes e as que exibiam companheiros eram elas, apesar de
suas poses e suas imagens chocantes de submissão.
—Quer continuar? —perguntou Prince às suas costas. Estavam tão
perto que, se Sharon impelisse o traseiro para trás, poderia esfregar-se contra
sua virilha— Se quiser, podemos ir.
Ir? Mas acabavam de chegar!
Negou, entusiasmada por cada cena e cada situação que ali se dava
entre as pessoas. Era uma troca de sensações pura e dura. Como se tudo
fosse um presente e cada ato a fizesse sentir bem.
—Vamos, continue andando —ordenou ele.
Sobre uma mesa rodeada por quatro pessoas, havia uma mulher
sentada, coberta com duas tiras de couro que lhe cobriam apenas os mamilos.
A parte inferior de seu corpo estava nu. Permanecia de pernas abertas para
que os outros a olhassem à vontade. Um deles, o mais velho e o que parecia
ter mais autoridade, disse-lhe algo ao ouvido, e a mulher assentiu e sorriu
feliz. Satisfeita por agradá-lo.
Em outro canto, um homem estava a açoitar o traseiro de sua consorte,
animado por seus amigos, que comemoravam cada açoite como se sua equipe
de beisebol executasse um home run.
Para Sharon, tudo o que contemplava era muito, uma quantidade vasta
de informação por segundo que não era capaz de julgar, porque nunca tinha
visto nada parecido. Era bom ou era mal? Não obstante, embora houvesse
milhares de imagens e detalhes que lhe chamavam a atenção, como as cores
vermelhas e negras, as tatuagens de triskeles que divisava em quase todos os
presentes, e as atitudes tanto dominantes como submissas que conviviam em
um mesmo lugar, não ignorava o fato de que, desde que ela e Prince tinham
entrado no Cat’s, todos a olhavam com interesse velado e também com
estupefação. Sinal de que Prince tinha uma posição importante entre toda
essa gente e que os tinha em xeque só com sua presença. Aquelas eram
criaturas noturnas, e ele era seu Príncipe.
—Quer tomar algo? —perguntou-lhe solícito, preocupado por ela.
Esperava que o impacto não tivesse sido muito forte.
Ela se voltou e o encarou sem saber muito bem o que dizer, assim só lhe
ocorreu:
—Isto não é um karaokê —assinalou de um modo muito cômico, com as
sobrancelhas arqueadas.
—Em realidade, sim, é —Prince apontou um tablado com um microfone
e uma tela LED que passava letras de canções.
Foi então quando Sharon escutou a música de fundo, que tinha
ignorado, e se deu conta de que era música sem letra, pois esperava que
algum valente subisse no palco e cantasse.
—Isto é como Sodoma e Gomorra.
Prince achou a comparação engraçada.
—Não exatamente. Venha —colocou sua mão na parte baixa de suas
costas. Encaixava perfeitamente— Vamos ali. Estaremos mais tranquilos.
—E visto uma blusa branca que não combina de jeito nenhum. —
acrescentou contrariada— Todos estão de vermelho e negro. Poderia ter me
avisado. É uma noite temática, não?
—Não se preocupe com isso agora, Sharon. É minha convidada especial.
Ela se sentou ao seu lado e daquele canto, sob a evanescente luz
avermelhada, permaneceram os dois como dois voyeurs.
—Me diga o que está pensando.
—Não sei nem o que dizer —respondeu com as bochechas ruborizadas
pelos nervos e a excitação— Me trouxe para uma orgia?
—Não é uma orgia.
—Está bem. É um karaokê no qual ninguém canta, não é Sodoma e
Gomorra, nenhuma orgia, mas que me caia um raio agora mesmo se nesse
canto daí não há um homem possuindo uma mulher de quatro sobre a mesa
—se levantou para mostrá-los.
Prince a puxou pelo pulso e a sentou de novo.
—Não é de boa educação apontar.
—Está de brincadeira? A essa dali quatro homens estão fazendo uma
revisão ginecológica. Tampouco acredito que isso seja de boa educação —
protestou esfregando a nuca— Morro de calor...
—Quer uma água fresca?
—Nem pensar. Peça para mim o que pedir para você. Agora não penso
deixar de beber. Não sei como encaixar este primeiro encontro sóbria.
Desejo concedido em menos de um minuto. Prince levantou a mão, um
garçom se aproximou na velocidade do raio, e lhe pediu uma bebida para ela,
que ele trouxe em um instante.
—Isso quer dizer que a desagrada o que está vendo?
Sharon o olhou de repente, ao detectar pela primeira vez um tom de
insegurança. Tanto lhe importava o que ela pensava? Depois estudou ao seu
redor com olhos analíticos.
—Um primeiro encontro sem meias medidas, né?
—Eu disse. Preferia o vodu? Teria gostado mais que fosse um assaltante
de tumbas?
—Para ser sincera, prefiro que o que seja que faça tenha relação com o
mundo dos vivos. Nova Orleans está cheia de magia negra, e eu não gosto.
—Então, como pode ver —abrangeu a sala com um gesto de sua mão —
Isso está cheio de vida. Embora, também, está de “pequenas mortes”
Um homem gritou extasiado, preso no orgasmo pelas mãos e boca de
uma mulher. Isso pôs os cabelos de Sharon em pé, e a percorreu uma
sensação de emoção muito estranha.
—E... isto... —moveu a mão em círculos—, é seu mundo? É o que você
gosta de fazer?
—É o que sou, Sharon. Está em uma sala em que se pratica a
dominação e a submissão sexual.
—Amos e submissos?
—Sabe o que são?
—Suponho que sei o que todo mundo supostamente pensa saber. E por
isso, certamente, estarei muito equivocada. Mas tenho uma leve ideia...
—Sou um Amo dominante, Sharon.
Ela permaneceu em silêncio, fixando o olhar no gelo que flutuava no
rum com a Coca-Cola que Prince tinha pedido para ela.
Sua mente trabalhava em compreender o que essa palavra abrangia.
—Amo do que, ou de quem? —perguntou de repente, sem passar por
seu filtro de seleção de perguntas.
—Sou amo do que ficar em minhas mãos —lançou sem concessões.
Ela assentiu, fazendo uma ideia do que significava, e depois bebeu de
seu copo, porque tinha a boca seca.
—Já vejo. E isso implica forçar?
—Não — respondeu, assegurando-se de não maquiar nada— A
dominação e a submissão deve ser sempre consensual.
Ela levantou o olhar do copo e observou de novo toda a sala.
Consensual parecia, certamente, de outro modo, não haveria modo de
entender que pessoas aceitassem o jogo dessa maneira.
Açoite, palmadas, sexo oral, coitos... E tudo sob a interpretação de
papéis anuentes e subordinados, versus outros mais autoritários e
dominantes.
Comovia-a até o ponto que raiava o hipnotizante.
Nunca sentiu tanto interesse e assombro por nada. O mundo em si não
chamava sua atenção, e as pessoas sempre lhe tinham parecido muito
simples e fáceis de levar. Não haviam mistérios. A uns ia melhor que a outros:
e cada um devia suportar sua sina e sua sorte.
Mas, havia outro modo de suportar essa simplicidade da vida que não
fosse ser um conformista contumaz?
Sharon não era. Estava farta de se contentar com o que lhe tinha tocado
viver. Com sua sorte e com sua má sorte. Por isso não queria limitar-se a
acatar as regras de uma sociedade que punha limites, em vez de ampliar
horizontes.
Mas aquilo... Ali não haviam regras, só esmagadora confiança e
respeito, além da fortaleza subjacente em cada um dos praticantes desse
estilo de vida.
E se, por uma vez em sua vida, elegia e se desviava do alcance desse
destino comum para todos? Aborreceu-se dos homens, não porque não
gostasse deles, mas sim porque a relação com eles não lhe parecia atrativa.
Tudo ia encaminhado ao mesmo. Conhecer-se. Apaixonar-se. Transar. Casar-
se. Ter filhos... Trabalhar. E envelhecer juntos.
Mas essas pessoas estavam mostrando a ela, abertamente, outra
maneira de entender essas relações, com mais jogo, com mais papéis, com
deferência um para com o outro. Via no modo que tinham de olhar-se.
De tudo aquilo, tinha sabido ler o seguinte: os que dominam, e os que
se deixam dominar são, acima de tudo, valentes, e aceitam uma enorme
responsabilidade para com o outro.
—E todas estas pessoas são seus amigos?
Ele negou com segurança.
—Conheço todos. De fato, todos os que frequentam os locais de BDSM
se conhecem, alguns mais que outros, e nos guardamos um grande respeito.
Mas, tenho muito poucos amigos, embora os que tenho, são de verdade.
—Alejandra e José estão entre eles?
—Sim. Eles dois são amigos aos que gosto muito; depois está Lion, ao
que espero que conheça algum dia e ao que gosto como a um irmão. Algumas
Dominadoras… E, por último, meu irmão Dominic, que por sua vez, é um de
meus melhores amigos.
Sharon pensou que devia sentir-se feliz por ter quatro bons amigos,
porque havia pessoas, como ela, que não tinha nenhum, à exceção de sua avó
Margaret, que era a que melhor a conhecia. Mas, amizades autênticas, não
tinha feito. Isso sim, tinha muitíssimos conhecidos com os quais se dava bem.
—Seu amigo Lion também é um Amo?
—Sim. Esse louco é muito bom Amo —disse orgulhoso.
—E seu irmão?
—Não. Ele não é Amo. Gosta de ver algum espetáculo —sorriu com
carinho— Mas porque é um libidinoso. Entretanto, não é praticante.
—Entendo. E com as dominantes…? Que tipo de relação o une?
—Só amizade. Não me durmo com elas, se for nisso que está pensando.
—Certo. E você...? —Não sabia como expor a seguinte pergunta—. Você
é dos que gostam de compartilhar como esses ginecologistas daí?
Os olhos de Prince se obscureceram e negaram com veemência.
—Eu compartilhei algumas submissas que desejaram e que se puseram
em minhas mãos. Mas não compartilharia meu par, nem a mulher pela qual
estou apaixonado, se está se referindo a isso.
—Sim. Referia-me exatamente a isso —disse, bebendo de sua taça—
Deve ter uma longa lista de submissas, não?
Não gostava da ideia de imaginar Prince com outras. A imagem a
deixava com ciúme.
Ele captou o tom azedo e pegajoso da loira, e uma onda de orgulho o
varreu. Era ciumenta e possessiva. Como ele.
—Melhor deixarmos este assunto—propôs.
—Sim, melhor —murmurou ela.
Sharon imaginava pôr o traseiro descoberto para que outro o deixasse
vermelho como um tomate, e se deu conta de que não aceitaria que qualquer
Amo o fizesse. Se Sharon se deixasse submeter, seria por alguém com muito
mais primazia sobre outros, da que ela podia chegar a inspirar.
Necessitava alguém mais forte. Porque ela não era submissa. Mas seria,
se o homem que a submetesse fosse mais poderoso e utilizasse esse poder
para dar a ela justo o que necessitava. A ideia, subitamente, pareceu-lhe
atrativa ao vislumbrar no olhar animal de Prince, um indício de aberta
proposta e decisão.
—Então, me trouxe aqui para ver como reajo à ideia da dominação,
Prince?
—Trouxe-a aqui porque não quero te dar uma imagem equivocada. Sou
assim. Isto é o que há comigo.
—Faz assim com todas? —perguntou um tanto à defensiva.
—Todas? Com nenhuma fiz o que estou fazendo contigo. Abrir-me desde
o primeiro instante.
—E por que eu sou diferente?
—Porque, com você, não tenho tempo a perder, Sharon. Não quero.
Porque —se inclinou para frente e afirmou sem hesitações— Porque, desde
que a vi, minha parte de Amo dominante entusiasmou qualquer pensamento
coerente.
—O que quer dizer?
—Que tenho paciência para muita gente. Mas nem um pingo para o que
de verdade eu gosto—negou ligeiramente— Gosto pouco ou nada. Mas quando
o faço, é para sempre. É precisamente isso que me converte em um ávido
animal. E, Sharon, desde que a vi naquele bar, com toda sua aura magnética
e poderosa ao seu redor, dando de presente sua atenção a homens como seu
ex, que não chegam nem à sola do seu sapato, meu único desejo foi te possuir
e te fazer minha, para te demonstrar que uma Rainha como você deve ser
adorada como se merece, para que não se entristeça e se desencante. Eu
quero adorá-la, e quero te dar essa vida cheia de adrenalina e emoções pela
qual suspira —pela primeira vez, Prince cobriu sua mão com a dele, tomou e a
levantou para lhe dar um beijo quente e reverenciado na palma— Quero ser
seu escravo e seu Senhor. Mas a decisão é sua.
Quando Sharon notou os lábios de Prince em sua mão, percebeu esse
beijo por todo o corpo. Seu sexo tremeu adiantando-se aos acontecimentos.
Quem falou com ela assim alguma vez? Ninguém.
—A decisão é minha?
—Sim. Podemos continuar nos conhecendo, e entrar em meu mundo.
Ou podemos deixar tudo aqui. Não voltaria a passar pelo Laffite’s e não nos
veríamos mais.
—Quer dizer, que para continuar nos vendo, tenho que aceitar a ideia
de que é um Amo e de que exigirá coisas de mim —disse em voz alta— Do
contrário, não quer ser nem sequer meu amigo? —disse surpreendida.
Ele estreitou os olhos e a transpassou.
—Não. Eu não gostaria de te ver sabendo que não posso tê-la. Além
disso, que tipo de amigo seria se pensasse a todo momento em te pôr sobre
meus joelhos e te bater no traseiro para depois comê-la inteira?
Suas pupilas se dilataram, e teve que forçar-se a engolir saliva. A
imagem foi tão vívida que teve um espasmo vaginal, tomada pela excitação.
Não soube que mais acrescentar, e embora soubesse, nunca poderia ter
pronunciado, porque esse palco órfão de cantores, iluminou-se para dar
entrada a um casal, homem e mulher, vestidos de látex. Ela de negro, com
leggins apertadas, um top que postergava seu busto grandemente, e uma
máscara parecida ao da Mulher Gato.
O mais assombroso foi dar-se conta de que, dos dois, ela era a
dominante, e ele permanecia atrás dela, com a cabeça semi-agachada, com
um colar de cão, cuja correia era sujeita por sua Ama.
Sharon, aniquilada, apoiou-se nos cotovelos e centrou todo seu
interesse nesses dois que já conhecia.
Eram Alejandra e José.

****
Sharon não tinha palavras para expressar o impressionada que estava
por ter passado uma noite como essa na companhia de Prince. Sentia um
profundo agradecimento por ele, por ter dado a ela a possibilidade de entrar
em um mundo como aquele, como convidada, como uma olheira qualquer. O
que não sabia era que, o efeito de ver os dominadores e os submissos em
ação, tinha sido o mesmo que uma tarde de circo para uma criança, a qual,
depois chegaria em sua casa querendo ser trapezista ou domadora de leões.
O certo era que, depois de contemplar esses jogos consensuais, Sharon
sentia que seu corpo vibrava. Seus olhos, vitais e mais iluminados que nunca,
luziam com uma consciência especial. Como se acabasse de descobrir o que
era, e o que queria ser quando crescesse. Tinha sido uma revelação.
Olhou de esguelha seu acompanhante e imaginou um sem fim de
maneiras de jogar com ele. De pôr em prática cada ação, cada martírio, cada
beijo. Entretanto, também tinha algumas dúvidas.
Dúvidas que não passavam inadvertidas a Prince.
—Já chegamos —Prince desligou o motor do veículo, e com isso, a voz
do Michael Bolton cantando Dance with me também se desvaneceu. Ficou na
calçada em frente ao jardim da casa de Sharon. Ela tinha dado o endereço, e
uma vez que eram as seis da manhã e que o sol não demoraria para sair,
decidiu que o melhor seria que se deitasse. Essa noite não podia tê-la, embora
sua alma doesse.
—Deixa-me em casa? —perguntou desorientada.
—Sim.
Piscou aturdida. Esperava que Prince a levasse para sua casa. Que
acabassem a noite como ambos queriam.
—Deve ter sido um grande choque para você, Sharon. Suponho que tem
que pensar em muitas coisas.
Ela observou a escuridão através das janelas. A espessa vegetação e a
umidade da zona de Nova Orleans que rodeava o Misisipi embaçavam os
vidros com facilidade.
Certo. Talvez tivesse que pensar em muitas coisas. Mas havia uma em
que não queria pensar muito, porque o corpo dela pedia: e era beijar esse
canhão dominante, a essa fera que tentava por todos os meios manter contido
o bárbaro que faria com ela o que quisesse.
Olhar os jogos de dominação com ele ao seu lado; sentir sua forte
presença e sua voz rochosa que parecia que penetrava em seu interior cada
vez que lhe explicava por que Alejandra fazia o que fazia com o José, e o que
sentiria José, a deixou quente e úmida. Porque se viu nas duas conjunturas.
A que dava, e a que recebia. E adorava as duas. Acendiam-na como nada o
tinha feito antes.
Assim, sim, tinha dúvidas. Mas a principal era: o que sentiria ao tomar
a boca do Amo entre seus dentes? Queria provar Prince com urgência, como
se de repente o necessitasse para respirar.
Retirou o cinto, e se lançou para subir em cima dele e beijá-lo como
morria de vontade de fazer.
Mas Prince, segurando-a pelos ombros, afastou-a.
—Entre em sua casa, Sharon. Seja uma boa menina —lhe pediu com
expressão aflita.
Ela demorou vários segundos para dar-se conta do que acontecia.
— Está se desviando de mim? —perguntou incrédula.
—Creia-me. É o melhor. Quero que pense e tome uma decisão a nosso
respeito. —tomou ar pelo nariz— Entre em sua casa. Agora.
Parecia estar fazendo esforços sobre-humanos para controlar-se.
Mas Sharon, longe de ser compreensiva, sentiu-se mal e rejeitada. Como
se Prince acabasse de dizer a ela que não ia ter o que queria. Que esse doce
não era para ela.
—Não pode me esquentar a noite toda para depois me chutar do seu
carro —o recriminou com raiva. — É um grande amo covarde de meia-tigela.
Ia sair do carro, mas Prince a puxou pelo braço com força e impediu que
saísse soltando a última palavra.
—Me dê a resposta daqui a dois dias. Pense nisso. E se tiver coragem,
volte a me dizer isso na cara, então.
—Que volte a lhe dizer o que? Veja: É um grande amo covarde de meia-
tigela.
Aquilo o irritou, mas era um Amo versado em controlar suas emoções
para que as submissas não o enganassem com chantagens emocionais.
—Estou te dando tempo. Deveria me agradecer por isso. Não vou te
beijar agora, não antes de decidir se quer continuar me vendo ou não.
—Te agradecer pelo quê? Pensei que gostava de mim... Levou-me para
ver um espetáculo que me deixou louca —assinala frustrada— Depois me traz
para minha casa como uma menina e, ato seguido, rejeita-me. Qual foi seu
jogo toda esta noite?
Ele lamentou que não o entendesse. Mas era o melhor.
—Não vou te beijar agora, não antes de decidir se quer continuar me
vendo ou não.
—E por quê?
—Porque antes quero que esteja segura, compreende?
—Me solte —Sharon deu um forte puxão para libertar-se, e,
envergonhada porque Prince tinha tanto autocontrole e ela tão pouco, abriu a
porta da cerca de sua casa e entrou no jardim.
—Dois dias, Sharon —ele disse do carro.
Ela, que andava como soberana de seu território, levantou o dedo do
meio para ele, sem olhá-lo.
Prince a ignorou, mas anotou a afronta na memória; mesmo assim,
ficou cativado pelo como que seu cabelo loiro brilhava solto e se movia de um
lado ao outro.
Mas que linda era a condenada.
Arrancou o carro com valentia, e se forçou a afastar-se dali antes que
sua vontade cedesse e acabasse escalando a fachada para entrar pela janela e
possuí-la como de verdade desejava, embora seria a primeira vez.
Dava no mesmo. Se Sharon se entregasse, se entregaria a ele com todas
as consequências.
CAPÍTULO 6

Ninguém a tentava. Isso deixara muito claro. Com esse pensamento se


deitou, e ainda ressentida com Prince e alterada pela avalanche de sensações
vividas nessa noite, teve um sonho que rememorava o espetáculo de Alejandra
e José no chão do Cat’S.
Não se esqueceria disso jamais.
Alejandra era a dominante, a Ama.
Sharon segurava a cuba libre com força e a olhava com fascinação.
Tinha-o preso e ela não podia afastar os olhos.
—É...?
—É uma Dominante —explicou Prince em voz baixa.
—Ela é sua Ama?
—Não sei, diga-me você —cruzou os braços, divertido.
—Não?
Pois parecia. Essa mulher a recordava a viva imagem de Sofia Vergara.
Alejandra era sexy, uma latina explosiva que irradiava uma energia impossível
de ignorar.
—Mas é ela a que o leva pelo pescoço com o colar —Custava
compreender. — Ela tem que ser sua Ama... —seguia com suas reflexões.
—Alejandra é uma dominadora. E sim. É a Ama de José.
—Mas não entendo. No restaurante, ela disse que, no primeiro encontro,
José deixou tudo claro.
Prince sorriu.
—Claro. Ficou literalmente a seus pés. Alejandra é Dominante há muito
tempo. Uma Dominante muito respeitada. José é um submisso que se
apaixonou por ela assim que a viu. Quando aceitou um encontro com ele,
José se entregou a ela por completo. E agora estão casados, é um matrimônio
firme há quatro anos. Ele é um bom submisso também.
—E...
Alejandra açoitava José com uma vara com tiras de couro.
—Isso é um flogger.
Prince lhe explicava com paciência como se chamava cada objeto, cada
manobra e exercício que fazia com o corpo de seu marido que estava ante ela
com total submissão. Gemia alto, e Sharon não tinha claro se era de dor ou
prazer.
—Não dói? —perguntou preocupada.
—Não. Há um tipo de dor que tem relação direta com o prazer.
Alejandra sabe qual é o limite de José e não o vai ultrapassar, porque se
machucá-lo, perde seu respeito. Tudo o que lhe faz, o faz porque gosta. E cada
“carícia especial” é destinada a outorgá-lo depois a maior das satisfações.
Sabe qual é, Sharon?
—Um orgasmo —respondeu insinuando um sorriso ardiloso.
Deus. Ver uma mulher dominar um homem desse modo era
verdadeiramente chocante. Mas ali, todos acompanhavam aquela doma com
atenção e encantamento, como se Alejandra fosse uma Deusa.
—É... incrível—sussurrou admirada.
—A dominação pode ser de um homem a uma mulher, ou de uma
mulher a um homem; a isso chamam Fendom.
—Você foi dominado alguma vez? —perguntou, convertendo seus olhos
em uma fina linha turquesa clara.
—Não. Minha natureza é muito dominante. Embora, se a mulher
ganhar meu respeito e minha alma, por que não? —disse com aquela
segurança de que nunca se submeteria— Estou disposto a jogar.
—Não me parece um tipo que um dia se colocará nas mãos de uma
mulher.
Adorava Sharon, porque nunca podia provocá-la. Era inteligente e
astuta. E sabia que não ia sentir-se intimidada por nada do que visse aí,
porque Prince intuía que essa mulher estava forjada na ousadia, e também na
superação. Em seus olhos claros havia uma dureza especial, própria de
alguém que tinha saltado muitos obstáculos.
Era estranho sentir que a conhecia tanto, quando, na realidade, não
tiveram contato direto, até então.
—A dominação no casal pode ser por ambas as partes, ambos podem ter
essa inclinação, embora seja complicado, porque, ao final, um dos dois terá
que ceder à sua verdadeira natureza.
—Aha. —assentiu, tendo muito clara a posição de Prince a esse respeito
e concentrando sua atenção de novo na Ama.
Sharon gostava de Alejandra. Gostava de seu poder, sua autoridade,
sua dominância.
Entretanto, ela não sabia se seria capaz de amar um homem mais fraco
e de aspecto submisso. Somente preconceitos sexistas estavam igualmente
presentes na consciência coletiva. Como era, tomaria a frase de Prince como
dela: “o homem que a submetesse devia ganhar seu respeito”. E, só
respeitando-o, poderia entregar seu coração, preso para sempre.
Amanheceu, fixando seus olhos no teto de seu quarto.
O desejo com o qual Prince a deixou competiam em igual com a raiva e
o desprezo que o gesto, que ele considerava desprendido e altruísta para com
ela, tinha-lhe provocado durante toda a noite e no dia seguinte.
Pelo amor de Deus. Mal tinha dormido. Não deixava de pensar nas
cenas que tinha visto no Cat’s Meow. O reino escuro e de prazer tinha aberto
as portas exclusivamente para ela, aceitando-a em seu mundo de criaturas
noturnas. E, graças a isso, pôde experimentar a mestria na dominação de
José e Alejandra.
Mas tudo se misturava com o aberto “não” de Prince. O que ela havia
feito de errado?!
O domingo era seu dia livre, e teve muitíssimo tempo para pensar e para
sentir-se humilhada por aquela interrupção abrupta em suas intenções de
beijá-lo.
Não era uma mulher insegura, justamente ao contrário, mas mentiria se
dissesse que não tinha considerado a possibilidade de que, talvez, não
agradasse tanto Prince como este dizia, se logo era capaz de rechaçá-la assim.
Que homem rejeitava uma mulher que tinha apetite por ele? Gente
acostumada a ter o que queria quando o queria.
Levantou-se como um zumbi e se olhou no espelho. Apesar da leve
bebedeira da noite anterior, não tinha ressaca. E menos mal, porque não
podia lutar com a enxaqueca e a insatisfação ao mesmo tempo. Tinha
suficiente com seu amor próprio ferido.
Tomou banho, penteou-se e providenciou tudo o que a raiva lhe
permitiu, para depois descer à cozinha e encontrar-se com sua avó
preparando chocolate quente.
Margaret sorria, não por algo, mas sim porque aquele era o rito de seus
lábios. Não do seu olhar, que falava de grandes perdas. Ela acreditava
firmemente que a tristeza e os golpes da vida se faziam mais doces e
suportáveis com um bom chocolate acompanhado de beignets, pastéis
redondos orleanianos que ela mesma preparava. Talvez por isso adorava a
confeitaria. A via desfrutar, embelezada com aquele avental rosado, seu cabelo
branco preso na nuca com um coque, e suas sapatilhas de estar em casa, que
eram as mesmas que Sharon lhe deu de presente com seu primeiro salário, de
couro suave e lilás escuro, com dois botões rosados costurados à parte
superior. Sua avó se movia ao seu ritmo, cantando a canção In the Middle of
the Night em voz alta, de um lado ao outro, apesar das lesões do quadril e a
lentidão de sua idade. Mas não havia nada que deixasse de fazer.
Sharon, que tinha se adequado com a crença hiperglicêmica de sua avó,
apoiada em açúcar como remédio para a depressão, entrou na cozinha e lhe
deu um beijo na bochecha.
—Bom dia, nona —a saudou carinhosamente.
—Olá, querida. Dormiu bem?
—Sim.
—Retornou tarde ontem à noite, não?
Sua avó tinha um sono muito profundo e ficou surpresa que a ouviu
chegar.
—Sim. A acordei?
—Não foi o ruído. Foram as luzes dos faróis do carro que me revelaram.
A janela do quarto de sua avó dava para o jardim, com o qual qualquer
foco frontal de qualquer carro que andasse pela rua daria totalmente em sua
vidraça.
—Sinto muito.
—E quem a trouxe? —perguntou, abrindo o forno para tirar os biscoitos
recém-feitos— Seu carro não está estacionado aí fora, assim...
Sharon inalou aquele aroma que curava a alma, e depois pôs-se a rir
brandamente.
—Nona, é pior que o FBI. Está a par de tudo.
—Mais sabe o diabo por velho, que por ser diabo —serviu o chocolate
em generosas xícaras de cerâmica e as colocou sobre os pratos do conjunto
para, em seguida, colocá-las sobre a mesa da cozinha na qual sempre
tomavam o café da manhã juntas.
—Conhece os Steelman?
A avó Margaret arregalou os olhos com assombro.
—Toda Nova Orleans conhece os Steelman. É um sobrenome de muita
influência, como o dos Romano, ou os Ciceroni.
—Por que eu não conheço nenhum desses sobrenomes? —perguntou-se
confusa— Nunca me falou disso.
—Porque nunca a interessou quem é o rico e quem o pobre, minha
querida. Não se importa com essas coisas. Limitou-se a estudar e a trabalhar,
e esse foi seu mundo —comentou lamentando-se por isso, tirando os biscoitos
do forno para deixá-los esfriar—. Além disso, é jovem. A história das famílias
ricas de Nova Orleans, a conhecemos os originários daqui porque, naquela
época, haviam muitas diferenças entre os poucos que tinham classe alta, e os
que trabalhávamos para eles.
—Você trabalhou para algum deles?
—Seu avô e eu. Trabalhamos nos campos de algodão dos Romano. Isso
já faz muito tempo. Mas graças àquele trabalho, pudemos comprar nossa
casinha. Eu deixei de trabalhar para cuidar de sua mãe, mas seu avô
continuou. Minha aposentadoria e minha pensão de viuvez vem em parte
graças aos campos de algodão.
—Ah —Sharon abriu o armário que havia sobre a pia e pegou um copo
de vidro. Depois, na geladeira, pegou a jarra de chá gelado e também a deixou
sobre a mesa do café da manhã. Então sentou e esperou que sua avó fizesse o
mesmo.
—E o que sabe sobre os Steelman?
—Têm dois filhos chamados Dominic e Prince. Dominic é o mais velho e
está muito envolvido nos negócios da família. Segue com a linha dos cassinos
de seus pais. É um menino muito doce e carinhoso, muito simpático. Um
solteiro de ouro —Margaret lhe sorriu. Mulher esperta. Ao sentar, perguntou
com emoção— Será que Dominic está te cortejando?
—Seu irmão mais novo. Prince —respondeu.
—Oh, bem... —murmurou, não tão contente.
—O que acontece? Você não gosta do mais jovem tanto como do mais
velho?
—Prince é bonito como um demônio, é claro que sim. —Assegurou—
Mas dizem que o que tem de bonito, tem de boa-vida. Não mostra interesse
pelo negócio familiar e não se sabe do que vive...
—Prince investiu em outras coisas —respondeu pegando um delicioso
beignet. Ele seguiu por outro caminho. Tinha sido mais esperto, e por isso o
tachavam de ovelha negra? — Tem um restaurante e compra terrenos para
fazer estacionamentos.
—Estacionamentos? —Margaret não entendia nada— Um restaurante?
Por que quis envolver-se com isso em vez de continuar com o legado dos
Steelman? Sabe quantos cassinos têm? Já não só em Nova Orleans, mas sim
em vários estados mais.
—Não sei —encolheu os ombros— Talvez não quisesse receber tudo
mastigado. Talvez, quisesse lavrar seu próprio futuro. Além disso, disse-me
que não gostava de tirar dinheiro dos vícios de outros.
Margaret a escutava observando-a por cima dos aros de seus óculos.
Fez uma careta de descontente.
—Dizem que o veem com muitas garotas diferentes —apontou com tom
depreciativo— Viaja muito e...
—Sim, imagino. Já vejo que você não gosta dele. —Tampouco gostava
em nada que sua avó precisamente mencionasse as outras garotas de Prince.
Se sua católica nona soubesse o que seu “pretendente” gostava de fazer na
cama, daria-lhe um basta.
Deus? A quantas teria domado? Por que pensar nisso era como se uma
ferida fosse aberta?
—Você gosta? —perguntou Margaret afundando o pastel redondo no
chocolate— Que intenções tem com você?
“Pois verá, avó: Tem intenção de me amarrar, me pendurar no teto, me
pôr sobre seus joelhos e me açoitar as nádegas até que pareçam morangos. Ah,
sim, e depois, transará comigo”, pensou Sharon malignamente. Nunca diria
nada assim à sua avó, assim sorriu como uma boa garota sulina que não era
e lhe respondeu:
—Quer que saia com ele. Mas não é nada sério ainda, porque estamos
nos conhecendo.
—E você quer algo com ele?
—Talvez. —Ainda tinha que considerar suas intenções, e até que ponto
estava interessada na dominação. Valeria a pena tentar e provar algo novo?
—Sharon, esse menino tem muito dinheiro, sua família é muito
importante. Você trabalha em um bar e…
—Sim, eu sei —ficou olhando o pastel redondo untado de chocolate. —
E eu não tenho nada. Trabalho em um bar servindo bebidas desde que
cheguei a Nova Orleans, e tenho o diploma de Magistério, embora não o
exerça. Vivo com minha avó em uma casa que o governo da Luisiana teve que
reconstruir. Sou apenas uma garota de Jersey...
—Não —Margaret puxou a mão dela com firmeza— Não é por isso. Você
não é menos por não ser uma Steelman, ou uma Ciceroni. É uma Fieldman. E
é um sobrenome igualmente digno como qualquer outro.
—Sim.
—Se te disse isto, é porque me preocupa que a machuquem. Estas
pessoas estão acostumadas a outro estilo de vida, e a servir-se dos outros
para conseguir seus propósitos. É só que não quero que tenha uma desilusão.
—Nona... ninguém vai brincar comigo —também tomou sua mão para
tranquilizá-la.
—Eu sou uma velha, e não posso te defender —prosseguiu intranquila—
E é a única pessoa que tenho no meu mundo.
—E você no meu, avó. Mas não quero que se preocupe. Sou adulta, e
não vou me cegar por banalidades de nenhum tipo. Prince e eu apenas
estamos nos conhecendo, entendido?
—Sim, querida.
—Além disso, já sei que não dá a aprovação a ninguém, até que não
passam por sua casa.
Margaret sorriu com uma desculpa.
—E assim tem que ser. As avós são sábias e veem além de um rosto
bonito. Tem que passar por meu filtro.
—Prometo-lhe isso —Sharon tomou outro beignet e o afundou no
chocolate espesso e saboroso.
Seguiram tomando o café da manhã, falando das famílias ricas de Nova
Orleans e do encontro que tinha acontecido entre Prince e ela.
Obviamente, Sharon teve que inventar uma noite completamente
diferente à vivida porque sua experiência não foi feita para ouvidos tão
sensíveis.
Durante a tarde, depois de almoçar, pegou sua bicicleta para ir ao
French Quarter, deixá-la no Laffite´s e pegar o Mustang. Mas não aguentou
mais a curiosidade e se desviou até a biblioteca do Dauphine’s Street Book, a
única de Nova Orleans aberta até às cinco.
Conseguiu um livro sobre dominação e BDSM e o adquiriu. E o melhor
foi que não teve que perguntar nada porque, para sua sorte, as estantes da
livraria estavam perfeitamente bem organizadas e tinha uma seção de
tendência sexual bastante extensa.
O livro era uma introdução muito aberta, livre de preconceitos e
moralidade, e objetiva, sobre a dominação como tal, suas técnicas e os
motivos que estimulam o Amo e o submisso a empreender esses papéis não só
em sua sexualidade, mas também em sua vida diária. Ao final, tinha um
abundante glossário de termos do BDSM. Memorizou alguns termos, mas não
todos, como aqueles com os que não comungava e lhe pareciam repulsivos.
Deus, aquilo parecia uma carreira universitária. Necessitava
qualificação universitária.
Mais tarde, e com um copo de chá de pêssego gelado entre as mãos e
um sanduíche natural que ela mesma fez para não interromper a telenovela
de sua avó, fechou-se no andar de cima, e se dispôs a ler mais sobre o
assunto; para isso se conectou ao todo-poderoso Google.
Viu fotos, vídeos, leu blogs especializados, e não parou até que se deu
conta de que eram quatro da madrugada e continuava acordada, imersa
naquele mundo que não só não lhe dava medo, mas sim, além disso, parecia-
lhe atrativo e todo um ato de coragem. Porque ser diferente só estava ao
alcance daqueles que desafiavam o já preestabelecido.
Dormiu com o iPad ligado, que mostrava uma página sobre a palavra de
segurança e a confiança do casal.
Sonhou com o corpo nu de Prince, possuindo-a e deixando-a sem
forças.

*****
—Homem, acredita no amor à primeira vista?
Prince tomava sua cerveja gelada, sentado em um terraço da rua
Bourbon, enquanto perguntava a seu grande amigo Lion sobre algo que
rondava sua cabeça desde o primeiro momento que avistou Sharon atrás do
balcão do Laffite’s.
Ele e Lion tinham estado ajudando Nina com a elaboração e
reestruturação das melhores masmorras de Nova Orleans. Cada uma era de
um estilo: a do Leão, a do Príncipe, a do Súdito, o Imperador, a Criatura...
Lion e ele eram amigos fazia tempo, já que suas famílias se conheciam e
tinham grande influência no Estado. Ver-se e encontrar-se frequentemente
nos mesmos círculos, uniu a um par de incompreendidos, liberais e selvagens
muito parecidos: nenhum dos dois continuaria com o legado familiar. Romano
tinha uma empresa de software em Washington, o homem era uma fera da
informática. E ele, por sua vez, se dedicaria a investir seus próprias lucros em
outros projetos que considerasse interessantes. Fossem estacionamentos,
restaurantes... Ou o que se interessasse.
Aproveitando que Lion estava em Nova Orleans durante um curto fim de
semana, Nina, uma Ama mulata proprietária de um local secreto e
subterrâneo dedicado à prática de domesticações, solicitou seus
conhecimentos como Amos experientes. Nina era procedente de uma família
de Dominadoras, todas mulheres muito respeitadas dentro do submundo e
tinha pedido conselho aos dois, aproveitando sua boa relação e o fato de que
se conheciam muito bem, já que frequentavam o mesmo mundo de Amos e de
Masmorras.
Depois de lhe dar alguns conselhos sobre cruzes de Santo Andrés e
correntes de teto, os dois, Lion e Prince, que fazia tempo que não se viam,
ficaram para conversar.
Prince tinha em alta estima a Lion. Era um cara legal e sensato, que
nunca tinha criticado nada do que tinha feito e em troca, sempre o tinha
apoiado em tudo.
Nunca falavam de amor. Apenas de dominação e das necessidades que
requeriam as submissas.
Entretanto, aquele dia, o Amo dominante elevou suas sobrancelhas
negras surpreso por sua pergunta, e piscou risonho com dois olhos azuis
grandes e claros.
—Se acredito no amor à primeira vista?
—Sim —Prince deu um gole em seu café, olhando à frente, fingindo
desinteresse por sua resposta quando, em realidade, sabia que qualquer
informação de Lion seria bem-vinda— Nunca falamos disso. Como Amo,
acredita no amor à primeira vista? Pode se apaixonar por alguém a quem não
conheça, e não saiba se agrada ou não a dominação?
Lion bebeu de sua cerveja e fez uma careta.
—Não se acredita no amor à primeira vista. Experimenta-se.
—E você o experimentou alguma vez?
Os olhos do Lion refulgiram com afirmação e depois passou a mão por
sua cabeça raspada ao estilo militar.
—Esse é o ponto, homem —respondeu Romano.
—Por quê?
—Porque eu estou apaixonado pela mesma pessoa desde o primeiro
momento em que a vi. E faz muito tempo. E continuo esperando que a vida
nos una.
—Gosta da dominação? —por fim falava dela.
—Não. Bom, não sei... —respondeu confuso—. Por que me pergunta
isso? —o olhou de esguelha— Caçaram você, Principezinho? —brincou.
Prince exalou, esticou a pernas em todo seu comprimento e deixou sua
cabeça cair para trás, permitindo que as pontas de seu cabelo acariciassem
suas costas.
—Droga... sim.
—Sim? —Lion pôs-se a rir— Nem sequer duvida? Pois o pegou forte.
—Você mesmo disse. Continua apaixonado por sua garota misteriosa
após tanto tempo.
—Certo. Mas o deixa claro?
—Tão claro como você —respondeu com o olhar fixo no céu espaçoso do
entardecer.
—Pois saiba que é uma merda ser Amo querendo e desejando a outra —
advertiu Lion— Porque quando nos apaixonamos, entregamos o coração sem
falar. Ela, minha... bom, a mulher que quero, tem o meu e nem sabe.
—E por que não tenta se aproximar dela? —Prince não o entendia. Era a
primeira vez que se sentia assim, tão louco por alguém, até o ponto que tê-la
visto e conhecido o mostrava quão sozinho até então tinha estado— Se for a
mulher que te submete, deveria tentar.
—Agora é impossível —negou Lion— Tenho muito trabalho em
Washington, com um novo software... Estou esperando que este projeto acabe
de uma vez para tentar me aproximar dela.
—Mas se esperar, pode passar muito. E se ela encontrar outro?
—Não —respondeu com determinação— Rezarei para que isso não
aconteça e me espere.
Prince bufou intranquilo e apoiou os cotovelos na mesa redonda
metálica.
—Pois eu não tenho nem ideia como pôde fazer domesticações e estar
com outras mulheres se é apaixonado por outra que não pode ter.
—Pois fazendo das tripas coração —respondeu com sinceridade— E
tomando as domesticações como uma maneira de me aperfeiçoar para quando
chegar a ela.
—Pois eu não posso —respondeu Prince. Era impossível centrar-se em
nada mais que não fossem os olhos amendoados de Sharon e seu caráter
altivo e rebelde. Deus, obcecava-o e o deixava louco. Tudo de uma vez— Tomei
a determinação de deixar as domesticações.
—Sério? —olhou-o, supreso.
—Sim. No outro dia, cortei o contrato com minhas submissas.
—É uma loucura. É um Amo puro. Esta é sua maneira de viver e de
sentir, como a minha. Não pode deixá-la.
—Quem falou em deixar? —retificou— É só que quero continuar e
seguir em nosso mundo, mas com ela. Como minha companheira de jogos e
de vida. Quero-a em tudo.
—Sei... —murmurou contrariado— Mas, Prince, ela é submissa?
Prince sorriu ante a lembrança de Sharon zangada porque não tinha
podido conseguir o beijo que ambos desejavam.
—Ela não sabe que é. Mas precisa de mim. É descarada e indolente
quando a provoca. Tem um caráter forte e até agora fez o que quis com os
homens.
—E você vai mudar isso?
—Não. Não vou mudá-la. Eu adoro como é, e quero que ela também se
ame assim. Mas Sharon necessita de alguém como eu. Que a impulsione,
estimule e demonstre quem é mais forte, porque no fundo, apesar de sua
autossuficiência, precisa apoiar-se em alguém mais poderoso que ela, que
cuide, apoie e dê o que sua parte mais escura pede. Mentiria para você se não
te dissesse que acredito que tem aptidões para ser uma Dominadora
espetacular. Mas, embora esse é seu talento natural, por seu delicioso caráter
altivo, não é o que ela deseja. Sharon procura que a dominem. E eu estou
louco por ser o primeiro e o último em conseguir isso. Quero que fique comigo.
—A isso se chama ter as coisas claras —augurou Lion— Mas droga, não
sei nem o que te dizer. É delicado introduzir alguém doce demais em nossos
jogos. Às vezes, podem chegar a interpretar mal as coisas.
Prince negou categoricamente.
—Não. Com ela não. Digo a você que acredito que nasceu para isto.
Além disso, não faz nada que não queira fazer. É muito confiante.
Lion escutou com atenção o seu amigo e assentiu com orgulho.
—Um desafio completo. Quisera eu ter sua oportunidade.
—Espero que a tenha logo. Eu não seria capaz de fazer o que você faz
tendo meu coração e minha mente em outra parte.
—Ossos do ofício —replicou Lion, assumindo suas dificuldades— Pois
então, é isso. —Lion elevou sua cerveja e animou Prince a fazer o mesmo—
Que seu plano tenha êxito!
Prince brindou com ele, os fundos das garrafas de vidro chocaram uma
contra a outra, e enquanto continuavam conversando, Prince não deixou de
pensar nenhuma só vez em qual ia ser a resposta de Sharon à sua proposta.
Apenas esperava que chegasse a noite.
Ver-se, e depois... Depois seria dele para sempre.
CAPÍTULO 7

Nem trocaram os telefones. Não sabia sequer se Prince ia contatá-la ou


não. E odiava não ter o controle da situação, porque não se sentia bem, e
porque já tinha clara que resposta daria a ele, caso cumprisse sua promessa e
fosse vê-la após os dois dias.
Segunda-feira era sempre a noite menos movimentada e aborrecida da
semana. Mas como esperava que o Amo fizesse ato de presença, vigiava a todo
momento o lugar onde estava a poltrona que ocupou algumas noites atrás,
esperando que, de um momento a outro, se sentasse para deixá-la nervosa e
observá-la com seus olhos mágicos e repletos de noite de lua cheia.
Adorava esse jogo de olhares, e Prince falava com o seu.
Mas quando chegou a hora de encerrar seu turno, e esse homem que a
estava deixando louca não tinha nem aparecido.
Decepcionada, voltou-se para deixar um copo de cerveja na pia, e ao
fazê-lo, viu pela extremidade do olho a silhueta de um indivíduo sentando-se
na poltrona que esperava ser ocupada.
Ela se virou para comprovar, desanimada, que o novo cliente não só não
era Steelman, mas sim seu ex, Sam, com algumas doses de bebida a mais no
corpo.
—Sam?
—Olá, preciosa —seus olhos estavam muito vidrados para alguém que
queria fazer-se passar por sóbrio.
—O que faz aqui?
—Nada em especial —encolheu os ombros—. E você?
—Eu? Como que o que faço eu? Trabalhar, como sempre.
—Aha... E está bem?
Essa pergunta escondia outra dissimulada, que Sharon sabia entrever
perfeitamente. O que o bom Sam queria lhe dizer era: “Não sente minha
falta?”.
—Sim. Estou bem —respondeu Sharon o olhando como a um velho
amigo— Ouça, de onde vem? Deve ter passado por alguns bares antes de
chegar aqui, não? —supôs ironicamente, por seu aspecto ébrio.
—Bom, estive tomando algo com uns amigos. E já sabe…
—Sim. Já sei. Uma dose seguiu a outra e a outra, né, campeão?
—Ouça, pensei —piscou sonolento, ignorando Sharon—: Já que estou
no French Quarter, por que não visito o amor da minha vida?
Ah, não. Sharon sabia lutar muito bem com os homens, menos com os
que se compadeciam de si mesmos e lutavam por coisas que estavam mais
que acabadas.
—Restam dez minutos para fechar, não?
Ela olhou seu relógio e se deu conta de que o tempo para ela tinha
passado voando, imaginando a conversa que teria com Prince se ele se
dignasse a aparecer.
Não restava nada para ir para sua casa. E já não pensava o esperar.
Estava fazendo o mesmo de sábado à noite.
Se não vinha, então, já tinha visto o suficiente. Não queria que a
provocassem dessa maneira.
—Pois sim, restam apenas dez minutos —exalou com vontade e olhou
seu relógio— Agora nove.
—E está com humor para que tomemos a última em outro lugar?
Ela dissimulou seu aborrecimento.
De jeito nenhum. Não tinha nada a conversar com Sam, e menos ainda
bêbado. Sabia, de fonte segura, de como ficava chato, e não gostava de ter que
ser rude com ele para que voltasse para sua casa.
—Não, Sam. Estou muito cansada, assim que acabar minha jornada,
irei depressa para casa.
Ele fez uma careta decepcionada em seus lábios, olhou-a fixamente e
depois fez uma expressão conformada.
—Tudo bem. Então, deixaremos para outro dia, ok?
Sharon não se negaria nunca a tomar um café com ele. Sam se
comportou bem com ela, mas não ia sair para beber com seu ex. Porque, para
os homens como ele, a noite vinha com deslealdade, e que ela aceitasse sua
proposta, poderia significar, em sua mente alcoolizada, muito mais do que
estava disposta a dar. Como, por exemplo, uma transa e uma reconciliação
imaginária.
—Sim. Um dia saímos e tomamos um café —cedeu com educação.
—Claro —Sam deu um impulso de mãos sobre o balcão, virou-se, um
pouco a tropicões, e desapareceu do Laffite’S.
Sentiu pena pensar que estava mal. Mas haviam coisas que não podiam
funcionar, e a relação entre eles era uma delas.
De fato, nesse momento de sua vida, qualquer homem lhe parecia
descafeinado se o comparava com Prince e seu mundo. Aquilo não se podia
comparar com nada porque, no momento que alguém se entregava a um Amo,
a percepção da interação sexual e emocional mudava por completo.
E Sharon queria experimentar, porque o sexo “baunilha”, como assim se
chamava nas relações tipo Sam, não tinham deixado, nela, marca em seus
vinte e seis anos.
Inclusive chegou a pensar que era incapaz de apaixonar-se por alguém,
porque nenhum homem nem nenhuma mulher a estimulava o suficiente para
querer saber mais deles; ou talvez, sendo tão observadora, sabia muito.
Porque, ao final, todos procuravam o mesmo e estavam, alguns mais que
outros, feitos pelo mesmo padrão.
Entretanto, o que ela pensava ou deixava de pensar, tinha dado um giro
radical desde que Prince entrou em sua vida.
Depois disso, já não era a mesma.
E o pateta ainda não tinha aparecido. Sharon era impaciente e não
gostava nenhum pouco que a fizessem esperar, e ao que parecia, Prince
adorava manter a tensão até o último momento.
“Eu vou dar a ele tensão”, pensou, acabando de colocar os copos em seu
lugar.
Saiu do Laffite´s de moral baixa e com a pulga detrás da orelha. Prince
não seria capaz de deixá-la plantada, não é?
Os locais estavam fechando e havia muito pouca gente ao redor, com
exceção de um par de velhos vizinhos conversando na portaria de sua casa.
Abriu sua bolsa e tirou as chaves do Mustang de seu interior.
Enfurecida pela raiva por permitir interessar-se por um cara que não tinha a
decência de cumprir com sua palavra, e ridícula por todas as horas que tinha
dedicado a “estudar” seu mundo, colocou a chave na fechadura e, antes de
girá-la para abrir a porta, uma mão quente e um pouco suada a puxou pelo
braço.
Sharon se virou, incomodada por alguém tocá-la sem sua permissão.
Estava disposta a soltar uma má resposta, quando encontrou os olhos curdos
e claros de Sam, centrados nela, lutando para permanecerem abertos.
—Pelo amor de Deus, Sam —disse, recuperando o ar perdido.
—A assustei?
—Não… —o bafo de uísque a lançou para trás. E isso porque estava
acostumada a servir bebidas e lidar diretamente com destilarias andantes.
Mas havia homens aos que o aroma se fazia mais forte na boca. E Sam era
um deles— Ouça, o que faz aqui?
—Bem, pensei que talvez havia recon… reconsiderado minha proposta
de ir tomar uma última dose. —a agarrou pela cintura.
Assim que Sharon notou suas mãos nela, sua atitude mudou e se
tornou fria. Já não eram um casal e não podia tomar algumas liberdades.
—Sam —disse segurando seus braços para apartá-lo. Aproximava-se
muito— Está bêbado. Vá para casa.
—É que não quero ir para casa —explicou, bêbado até as
sobrancelhas— Não quero… porque não posso dormir.
Teria gostado de afastá-lo de repente lhe dando uma joelhada nas
genitálias, mas não podia o tratar assim, porque era Sam. Seu ex. E era tão
previsível… Sabia o que ia lhe dizer e não tinha paciência para escutá-lo.
—Sam, já te disse que outro dia sairemos e…
—Não! —gritou dando um golpe no teto do carro com o punho fechado,
abatendo-se sobre ela.
Sharon franziu o cenho e apertou os dentes. Não suportava essas
mudanças de humor, nem tampouco a agressividade. Sam não a fazia sentir-
se ameaçada, mas nem por isso ia relaxar. Um homem bêbado era capaz de
qualquer coisa, porque não pensava com claridade.
—Me escute, Sam… —tentou acalmá-lo.
—Não! Me escute você!
—Está bem. Se acalme.
—Estou calmo, caramba —deu outro golpe com o punho no Mustang—
Eu te quero. Tratei-a bem. Ainda não sei por que me deixou.
—Não vou falar com você disto agora.
—Pois vai sim, porque me deve uma explicação.
—Já a dei —em todo momento falou com ele com suavidade e empatia—
Não estava apaixonada por você. Íamos bem, mas para mim, acabou.
—Gozava comigo na cama? —perguntou fazendo beicinho.
—Sam, por favor —não queria ser vítima de um de seus ataques de
sinceridade. Estava suado e tinha o cabelo colado à cabeça— Olhe. Não pode
vir aqui assim e…
—Sim, posso! Olhe! —agarrou-lhe a mão com dureza e a levou
diretamente à sua virilha. Tinha o pênis semi-ereto— Isto é sua culpa.
Sharon afastou a mão e o olhou com tristeza.
—Não estrague tudo. Não se feche em um casulo, Sam.
—Não. Não o faço. Mas não posso tirá-la da minha cabeça —disse
puxando o ar pelo nariz— E não sei deixar de pensar em você. Vejo-a e só
quero… quero te ter como antes.
—Sam. Nunca me teve. Estivemos uns meses juntos, foi muito bom e
agradável, mas a coisa não passou daí.
—Não! Não é verdade!
—Pare de gritar.
—Não tenho vontade! —lambeu o úmido lábio inferior e a pressionou
contra o carro— Talvez, se nos beijarmos —tentou aproximar-se dela, mas
Sharon o empurrou pelo peito.
—Você está ultrapassando o limite... —o advertiu cada vez mais
aborrecida.
—E se…? —agarrou sua mão de novo e voltou a pousá-la sobre seu
sexo— E se me acalmar? E se o fazemos aqui…?
—Droga, Sam! —empurrou-o com mais força, mas Sam era pesado—
Por que não me deixa em paz?
—Porque só penso em te foder. Mas não sou diferente de outros. Todos
os homens pensam no mesmo quando a veem —afundou seus dedos em seu
cabelo loiro e lhe deu um leve puxão.
—Esqueça o café, imbecil —grunhiu com a cabeça virada— Depois
disto, não vou falar mais com você.
—É sua culpa —disse choramingando— Se não fosse tão bonita…
—Vá para o inferno!
Ia lhe dar uma joelhada nos testículos quando deixou de sentir o peso
suado dele sobre ela. Olhou para frente para ver que demônios tinha
acontecido. E encontrou Sam, sendo sacudido a dois palmos do chão, por um
gigante moreno, de cabelo longo e liso, vestido com roupa escura.
Suas calças caíam por debaixo da cintura, e a parte baixa cobria parte
de seu calçado negro. A camiseta de manga curta se ajustava ao volume de
seus bíceps, largos e poderosos, como suas costas e seus ombros. Os nervos
dos antebraços se moviam como fios cheios de magia e fúria, e seu rosto era
uma máscara de raiva; parecia querer arrancar a cabeça de Sam com uma
dentada.
Vê-lo assim a impressionou. Prince era alto e forte, muito grande, mas
sua compleição saltava mais à vista quando tinha a seu lado homens como
Sam.
Que fazia ali? Teria escutado tudo?
—Ela te disse que a deixasse em paz —o recordou falando entre
dentes— Não ouviu? Não, quer dizer não.
—Inferno, homem! — exclamou Sam com um sorriso— É minha
namorada!
—Não é sua namorada! — gritou Prince ofendido.
—Não sou sua namorada! —protestou Sharon, irritada.
—É que não sabe aceitar um não como resposta? Deixou-o no Laffite´s
faz uma semana. Eu estava lá.
Sam piscou confuso e tonto, incapaz de reagir quando Prince o soltou,
fazendo-o voar pelos ares.
Depois, movido pela ira, dirigiu-se para ele como um guerreiro vingativo,
disposto a dar um golpe final em seu inimigo. Mas aquele não era rival para
Prince. De fato, Sharon duvidava de que alguém fosse.
—Prince! Deixe-o! —ordenou-o preocupada— Está bêbado.
—Sim. Um bêbado que te pediu que o chupe —murmurou arrebatado
pela cólera, disposto a chutar o corpo ébrio de Sam.
Ela, estupefata por aquela repentina e visceral aparição, como se fosse
um herói que em nenhum momento tinha pedido, deixou-se levar pela ira e os
nervos.
—Bom, e o quê?! —gritou zangada, no meio do solitário beco— Acha que
é o único que me pediu isso?
—Como diz?
—Sou uma garota de bar, Prince. Os homens acreditam ter o direito de
me dizer coisas desagradáveis, só porque estou detrás do balcão, como se
tivesse a obrigação de escutá-los. Pensa que o que eles dizem me afeta? Não!
—disse, obstinada— Além disso, nada disto teria acontecido se viesse me
encontrar no bar e me esperasse até que acabasse o turno, em vez de aparecer
de surpresa no beco, como da outra vez. Às escondidas. —Destacou. Em sua
mente sobrevoava o que lhe disse sua avó. Ela era uma garota de bar, talvez
para Prince não interessava que o relacionassem com ela. Talvez só quisesse
fodê-la e pronto. E isso a fazia sentir-se profundamente enganada e
decepcionada.
—O que está insinuando, Sharon? —perguntou ele com voz afiada,
esquecendo-se por completo de Sam, que estava inconsciente no chão.
—Insinuo o que insinuo. Já me fez isso duas vezes. —Elevou os dois
dedos sem amedrontar-se em nenhum momento— É por isso? Porque não
quer que o relacionem comigo? Tem vergonha por ser um Steelman?
—Apenas por isso, já merece que a coloque sobre meus joelhos.
—Faça, se te atreve —o desafiou abertamente. Tinha chegado a pensar
que ele não viria, e essa sensação lhe fez mal, até o ponto de tê-la
emocionalmente frágil nesse momento— Além disso, o que isso interessa a
você? O que te importa a mim? Não vai bater em todos os que me dizem
tolices. Este é meu trabalho e é o que tenho que suportar.
Prince se moveu, diminuindo seus movimentos, e se aproximou dela
como um buraco negro que absorve tudo em sua passagem, inclusive sua
respiração.
Nem um dedo separava seus corpos.
—Se diz isso, é porque não entendeu nada.
—O que tenho que entender, hein? —perguntou, briguenta.
Prince deslizou a mão por detrás de seu pescoço e a puxou pela nuca de
um modo um tanto ávido.
—Que eu não deixo entrar ninguém em minha masmorra. Jamais —
puxou-a até que as pontas dos narizes se tocaram— Se peço que você entre, o
que acha que quer dizer, loira?
—As palavras são levadas pelo vento.
—Vou te colocar uma focinheira.
—Estou avisando, Prince —suas palavras foram diretas à consciência
que ela acreditava que ele tinha— Se apenas quer brincar comigo, é melhor
que me diga isso agora antes que grude em você importunamente. Porque
então, saberei como tenho que agir com você e não terei ideias equivocadas.
Não quero fazer ridículo. Se for apenas uma mais…
Prince colocou o dedo sobre os lábios dela e a fez se calar. Sharon
prendeu a respiração, como ele.
—Mostrei o que sou. Abri as portas de minha noite e a levei pela mão
por meus vícios e minhas fantasias. Responda-me agora: apesar disso, quer
entrar em minha masmorra?
—Depende.
—Depende do que?
—Se vai me beijar. Não compro se não provar —lhe disse insolente.
Prince deixou que seus lábios relaxassem e sorriu como um anjo caído.
—Sharon…
—Vai… beijar-me agora? —arqueou uma sobrancelha loira e
espectadora, submetida à sua força animal e àquele poder que seu corpo
emitia— Um beijo me dirá tudo o que preciso saber para me decidir.
Ele negou com a cabeça.
—Disse que, se te beijar, já não escapará de mim. Já não haverá
retorno, nem para você, nem para mim. Se, depois disso, não me quiser, vai
ter que ter saco. Porque eu não vou te soltar.
—Perfeito. Beije-me agora.
Prince mordeu o lábio inferior e o lambeu levemente antes de deixar que
seus olhos brilhassem como os de um animal e que sua boca caísse sobre a
dela.
Um beijo esclareceria tudo.
Isso pensava Sharon. Um beijo lhe diria se a química que havia entre
eles era real, ou só um desejo secreto e fantasioso por sua parte.
Entretanto, o que recebeu nesse contato de boca contra boca, foi mais
que carne contra carne; tratava-se da alma de Prince tocando a sua.
Foi algo espetacular. Místico. Como se, ao roce de sua boca,
desaparecesse quem uma vez tinha sido, para dar lugar a uma nova pessoa.
Talvez, a que era na realidade.
Cada quadro em sua memória, de menina à mulher, fez-se pedacinhos
em sua mente, como em uma sublime transformação. Aquele seria seu ponto
de desvio, que a transformaria em alguém diferente, mais pura e autêntica.
Foi tão revelador, que os olhos borraram de lágrimas e o coração se
encolheu. Mas Prince nunca se daria conta disso, porque os manteria
fechados para que as lágrimas não deslizassem, delatoras como eram.
Era um novo caminho. Um atalho que a afligia com sua luz, abriu-se
ante ela, ao perceber aquele sabor picante e fresco em seu paladar.
Assim era o sabor de Príncipe.
Ele a abraçou forte contra seu corpo, e continuou com seu beijo,
esmagando-a contra seu Mustang, e erguendo-a até esfregar seu sexo contra o
dela.
O que esse Príncipe das Trevas estava expressando a ela, sem
necessidade de palavras, era que tinha necessidade e apetite.
Um beijo, sua língua contra a dela, que a recordou todas aquelas vezes
nas quais esperava algo mais dos homens para depois, decepção após
decepção, encontrar clones, mais do mesmo.
Seus dentes cravando-se em seu lábio inferior e puxando-o com
exigência a fizeram ver que Prince não era apenas um homem. Era um Amo
esfomeado por ela, um dominante exigente que reclamaria a mesma dedicação
por sua parte. Um animal.
E o que fez Sharon? Afastou-se?
Não. Nem pensar. Sharon estava acostumada a ver o touro de frente,
nunca do lado de fora da proteção. A vida a tinha endurecido muito, e suas
experiências vividas a tinham forjado no risco e no perigo. Nunca na
segurança.
Entretanto, Prince lhe transmitia exatamente isso: uma segurança e
uma supremacia incontestável. E, sem querer, ou talvez querendo muito,
Sharon se tornou viciada nele.
Cativou-se.
Com apenas um beijo. Um beijo que mudou tudo.
O princípio de seu fim. E apesar de temê-lo, lançou-se a ele. Pedindo
mais. Ninguém poderia tiraria esse doce dela. Ninguém o roubaria.
Sharon o agarrou pelos fios negros de seu cabelo e o puxou para ela,
para se aprofundar em sua boca, como se desse modo quisesse gravar-se em
seu corpo para sempre. Como em uma fusão.
Prince a afastou de seu lábio com força e ela gemeu surpreendida e
estimulada pela dor.
—Não —protestou ela.
Prince puxou o ar com o mesmo desespero que Sharon. Cortar aquilo
era pecado.
—Não quero parar. Mas quero mais. Quero mais agora —disse ele sem
titubear.
Ela o olhou com os olhos estreitados pelo desejo.
—Que mais pode me dar? —sussurrou envolta na revelação. Acabava de
descobrir o que queria, e para o que tinha nascido. E tudo tinha relação com
ele.
—Tudo, minha Rainha —acariciou as bochechas dela, apaixonado e
deslizou suas mãos até entrelaçar seus dedos com os dela— E, ainda assim,
nada será suficiente.
Seu sorriso cheio de verdade e de promessas a cegou, até provocar que
seu peito doesse, de tão bonito que era.
—Apenas me diga que sou o que quer, e a partir de hoje, prometo te
mostrar um mundo que nem sequer sonhou. Não julgue se nos conhecemos
pouco ou muito. Entregue-se a mim —encostou sua testa à dela, sem afastar
aquela íris negras de seus olhos de gata.
Sharon deixou as pálpebras cair e passou a língua pelos lábios
inchados. Assim poderia responder com mais segurança, evitando o transe no
qual seu rosto a mergulhava.
Devia entregar-se a ele? É óbvio. Não perderia a oportunidade de viver o
que fosse que Prince queria mostrar a ela, porque teria que estar cega para
não dar-se conta de que ele era extraordinário.
E não se podiam deixar passar ao largo coisas extraordinárias.
Não precisava ter coragem. A coragem era para os inseguros, para os
que temiam perder ou acreditavam que havia possibilidades disso.
Encontrou-se nos braços de seu Amo, e embora ceder à sua proposta
fosse como reafirmar uma promessa inquebrável, Sharon nunca rompia o que
prometia e estava preparada para assumir as consequências.
—Sim —aceitou sem mais— Você é o que quero. Entrego-me a você.
CAPÍTULO 8

Aquela casa estava à altura do Senhor da Noite, um homem misterioso e


selvagem como um animal noturno e, ao mesmo tempo, possuidor de uma
energia especial, que harmonizava com tudo o que o rodeava. Não cabiam
dúvidas.
Era um castelo vitoriano, em Fauborg Marigny, a poucos minutos da
rua Bourbon. As lanternas das paredes estavam acesas e conferiam à casa
uma cor dourada especial, já que o exterior estava pintado de tom mostarda,
com tetos muito altos, duas torres com águas-furtadas planas e os lados
inclinados, além de todos os acabamentos exteriores decorados com molduras
brancas. Tinha um estilo de mansão e, ao mesmo tempo, de espaço urbano.
Sharon teria gostado de ver mais e perguntar por que um Steelman vivia
perto de uma rua tão pública como a Bourbon e não tinha escolhido um lugar
diferente no qual residir. Mas Sharon nem sequer pôde admirá-la como
merecia, porque assim que a tirou do Porsche, Prince voltou a devorar sua
boca e a carregá-la nos braços. E, de boca cheia, não se fala.
Subiu as escadas com ela nos braços, abriu a porta de sua casa com as
chaves, e a fechou com um golpe de pé.
O chão era coberto de madeira envernizada, adivinhava pelo limpo
tamborilar da sola de seus sapatos.
E se tratava de uma sala muito ampla e grande… Cheirava bem.
Seu cérebro tentava ver o que seus olhos não podiam, mas houve um
momento que deixou de processar informação. Foi quando Prince abriu uma
porta que os levava diretamente ao porão.
Uma excitação nervosa a percorreu, mas Prince não deixou que se
assustasse, não ia permitir. Por isso a distraiu, brincando com sua língua,
roçando-a com a dele.
A Sharon faltava o ar. Era como se morresse. Como morrer de amor.
Que incrível experimentar uma sensação como aquela. Ela, cética e prática
para o amor e as relações, estava sendo levada por um trem de alta
velocidade. Pelo trem de Príncipe. E só com um maldito beijo!
Desceram as escadas em câmera lenta. Se Prince acendeu uma luz ou
não, ela não se deu conta. Não saberia dizer. Estava tão concentrada nele, em
seu corpo, na facilidade com a que a segurava, como se não pesasse nada,
que se deixou levar. Seu conhecido controle desapareceu, e permitiu ceder as
rédeas a esse homem cuja força a banhava em torrentes.
Sharon estava preparada para qualquer prova a que ele a submetesse.
Possivelmente, porque tinha desejado isso sempre, e até esse momento não o
tinha descoberto.
O aroma de couro e metal que impregnava essa sala a cobriu e
estimulou, como o fariam os muros seguros e protetores de um lar.
E soube. Sem mais. Aquele castelo, também era seu lar. E lhe dava
boas-vindas.
Prince jamais se encontrou naquela situação. Na de ser absorvido pela
força magnética de uma mulher. Com Sharon queria fazer tudo: queria cuidá-
la e submetê-la. Queria que com ele fosse valente e também que se rendesse.
Estava apaixonado até o mais profundo de sua alma. Sua essência o
tinha capturado e cativado. E sabia que, quando por fim a lesse, prenderia-se
a ela para sempre. Mas, por agora, a atração seria eterna.
Tinha sido uma flechada, e o dom e o milagre de tê-la o colocava em
uma situação incômoda, ao mesmo tempo em que estimulante, já que um
Dominador como ele necessitava da provocação suprema que considerava
fazer feliz à sua Rainha. Porque apenas os Amos mais poderosos, e mais
exigentes, eram capazes de ter uma Rainha acima deles.
A pele de Sharon cheirava a mulher, a rosa selvagem e feminina. Não se
cansava de afundar a língua em sua boca, nem de apertar suas nádegas
enquanto a tinha agarrada.
Conhecia sua masmorra de cabo a rabo, mas a novidade de carregar
nos braços a sua alma gêmea o tinha desorientado um pouco. Mesmo assim,
tinha muito claro o que fazer. Colocou-a em frente a sua poltrona de couro
preto, onde ele se sentaria, e a possuiria montada nele.
Prince acendeu a luz da sala e a graduou mais baixa e tênue.
—Não vejo nada —disse Sharon, impaciente.
—Não tem que ver nada. Só tem que me ver. —Baixou-a lentamente no
chão e a sustentou com as mãos em seus quadris— Agora não se mova.
Sharon engoliu em seco e assentiu.
Deus, estava tão segura de si mesma e tão segura dele, que parecia que
tinham nascido um para o outro.
—Está assustada?
—Não —respondeu ela— Nada disto me dá medo. Nada do que possa me
fazer me assusta.
—Nada?
—Não.
—E sabe por quê?
Sharon estreitou os olhos para ver o rosto e a silhueta recortada de
Prince através dessa fraca luz. Embora não via bem, se avistava atrás de sua
figura uma enorme vidraça que dava a um jardim interno. Um lindo jardim
natural com uma cascata artificial, guardado por um buda de pedra.
Pequenos abajures de chão iluminavam os caminhos gramados e os tanques
que continham peixes. Era um pequeno bosque mágico e particular, somente
para ele e para a mulher que escolhesse. E era tão belo que parecia irreal.
Contrapunha-se ao mobiliário que havia dentro dessa espécie de submundo
de prazer e dor…
Sharon tinha divisado uma cruz de Santo Andrés, um potro, uma maca
com algemas de couro para mãos e pés, uma cadeira de tortura, uma parede
de pedra com correntes e cordas, e outras áreas onde essas mesmas correntes
pairavam sobre locais estratégicos, como por exemplo, a poltrona em frente a
qual estavam nesse momento.
—Sharon? —Não tinha respondido a sua pergunta— Perguntei se sabe
por que razão não tem medo de mim.
—Não sei o porquê —assegurou respondendo com sinceridade— Só sei
que estou aqui contigo, e que nunca me senti tão viva como agora.
—Eu sei por que.
—Me ilumine —o desafiou.
—Tem alma BDSM —disse levando suas mãos ao botão de sua calça—
Foi feita para isto. Para mim —destacou — Sharon, se entrar em minha
masmorra é para se submeter a mim. Entendido? —elevou-lhe o queixo com
delicadeza— Sabe o que isso implica?
—Sim. Sei.
—E tem desejo de me agradar?
—Sim… Senhor —respondeu por iniciativa própria.
Sharon tinha estudado e lido. Além disso, observador que era, ele
manteve a música da noite do Cat´s Meow. Prince não via o momento de
meter-se dentro de seu corpo e demonstrar quem mandava nela. Porque ela,
embora ainda não o compreendesse, mandava também no dele.
—Boa garota —a felicitou beijando-a brandamente. Depois, apartou-se e
sussurrou sobre seus lábios— Não quero que se mova agora. Vou te despir e
você vai ficar muito quieta.
—Não vai continuar me beijando? —perguntou decepcionada.
—Não haverá uma parte de seu corpo que não beije, linda. E se
acabaram as perguntas por agora. Esta é minha masmorra, e aqui mando eu.
—Sim, Senhor. Faz comigo o que quiser. —Sabia que sua voz acariciava
sua nuca, e que aquele tom sulino o deixava como um touro. E assim o
queria. Excitado por ela.
—Levanta os braços acima de sua cabeça.
A cada ordem de Prince, Sharon sorria internamente. Aquilo era um
jogo, deixava-o muito claro. Prince a submeteria porque ela o permitia, e isso
era o mais gratificante. Ceder a liderança. Ceder as decisões a outro. Entregar
a vontade a esse homem que saberia dar a ela tudo o que necessitava.
Obedeceu-o e elevou os braços. Prince não demorou nem dois segundos
em tirar sua camiseta pela cabeça e deixá-la em seu bonito sutiã de renda de
cor roxa. Ele passou a língua pelos lábios e ronronou.
—Inferno… —disse desabotoando o botão de sua calça— estou tão duro
que tudo me aperta.
Ela desviou seus olhos até sua virilha e desejou poder vê-lo nu, embora
suspeitasse que Prince atrasaria aquela contemplação.
Notou seus dedos ágeis desabotoando o sutiã e então, seus seios
emergiram livres diante dele.
Tiraria vantagem de seus noventa de medida.
Prince não pôde evitar não tocá-los e não cobri-los com as mãos. Sharon
sustentou os braços no alto, mas não era uma tarefa fácil fazê-lo enquanto
seus seios estavam sendo acariciados assim.
—Prince…
—Não. Prince não —deu um leve beliscão no mamilo e desfrutou da
mudança turbulenta no olhar de Sharon.
—Argh…
—Argh? —disse malicioso— Você gostou.
—Surpreendeu-me —respondeu pigarreando—… Senhor.
—Bem —Prince abaixou a cabeça e levou o mamilo castigado à boca.
“Ai, meu Deus…”, Sharon deixou cair a cabeça para trás e mordeu o
lábio inferior. Apenas com isso já notava como se umedecia entre as pernas.
—Vou fazer que esteja mais cômoda —Prince se ergueu e sujeitou seus
pulsos com as algemas de couro que pendiam do extremo das correntes.
Prendeu-os bem, e a deixou pendurada— Já pode deixar cair o peso sobre as
bridas de couro. A segurarão bem.
—Mas assim não poderei tocá-lo, Senhor.
Ele balançou negativamente a cabeça e sorriu com doçura. Que ela
quisesse o agradar era um sonho.
—Não. Agora não. Isto é tudo para você. Tudo. Dar o que necessita me
faz sentir bem. Satisfaz-me. Apreciarei ao vê-la desfrutar. Mas não quero te
ouvir, a não ser que eu lhe peça isso. Entendido?
—Sim, Senhor.
—Fecha os olhos. Ou prefere que os cubra com isso?
Excitava-a a sugestão, mas não sabia o que esperar. Que Prince lhe
desse a escolha queria dizer que se preocupava muito por sua primeira
experiência em suas mãos, e isso a fez sentir-se segura.
—Como achar melhor.
Prince deu um passo até tocar com seu torso coberto pela camiseta, o
torso nu da Sharon. Elevou uma mão e afundou os dedos em seu cabelo liso,
que tinha brilhos de sol. Puxou as mechas levemente e lhe mordeu o queixo.
—Quero te ter com os olhos tampados. Quero que se concentre em mim
e no que sente estando em minhas mãos.
Sharon deixou escapar o ar entre os dentes e assentiu, nervosa.
Depois dessas palavras, já não pôde dizer nada mais. Nem ver. Nem
tampouco ouvir nenhuma palavra de sua boca.
Pôs-se em suas mãos.
Prince tirou a calça, abaixou-lhe a calcinha, deixando-a completamente
nua. Seu corpo era divino. Encantava-o o modo que sua cintura estreitava
para logo dar essa voluptuosa forma ao quadril. Sharon tinha a barriga lisa e
dura, no qual as abdominais marcavam ligeiramente, assim como os oblíquos.
Suas pernas torneadas eram resultado de andar de bicicleta. E seu
púbis, sem pelo, era tenro e carnudo, e veio a ele contade de prová-lo de
repente.
—Eu gosto muito assim. Sem pelos. É muito melhor para as relações de
dominação e submissão. O sexo às vezes pode ser rude. —Passoue o indicador
em sua intimidade Sharon estremeceu— E o pelo incomoda. Abra as pernas.
Ela o fez, e esperou a seu toque mais profundo. Mas não veio nada
mais.
Escutou Prince desprender-se de sua própria roupa.
Notou suas mãos nos quadris, e a seguir foi elevada e acomodada
depois sobre suas pernas, que pareciam mármore de tão duras estavam.
Teria desejado tocá-lo, mas Prince mandava, não ela.
Prince ficou louco ao tê-la nua. Tentou esforçar-se para não perder o
controle, mas era muito tarde. Muita mulher.
Queria Sharon. Queria-a para ele.
E tinha chegado o momento de demonstrar a ela tudo o que podia
oferece-la, e de mostrar o mundo das sensações BDSM. Seu mundo. Suas
sensações. Sua maneira de amar e de tocar.
Apalpou suas nádegas com os dedos e depois lhe deu duas bofetadas de
uma vez. Ela mordeu o lábio inferior e ele a beijou, orgulhoso. Seria sua
primeira vez com ele, tudo mudaria para ela.
Prince tinha em suas mãos uma responsabilidade titânica, à sua altura,
mas não a de todos. Sharon era uma joia.
—Sabe o que é o spanking? —perguntou Prince com a voz rouca.
Ela assentiu.
—O que leu? Fale, Sharon.
—Li muito do que vi no Cat´s Meow. Também assisti vídeos.
—Boa garota —a felicitou, acariciando as nádegas que tinha apanhado
segundos atrás— Então sabe o que vou fazer?
—Posso imaginar.
—E está preparada?
—Sim, Senhor.
—Isso espero. Eu vou dar o melhor de mim para estar à altura e não me
deixar levar por tudo o que em realidade quero fazer com você.
—Faça isso. Não quero nada pela metade.
Talvez foi a ordem. O imperativo de uma mulher que, atada e à sua
mercê, pedia que fizesse qualquer coisa com ela. Em realidade, era ele o
Dominador, mas Sharon tinha uma energia tão imperiosa e autoritária que
era difícil julgar seu papel submisso.
Mesmo assim, a adorava do mesmo modo. Adorava que fosse daquela
maneira, que sua personalidade fosse tão definida, porque demonstrava que
se submetia porque gostava e porque queria se render a ele, e isso era um
presente.
Uma oferenda incalculável.
Suas mãos agiram sozinhas ao contemplar àquela deusa nua, em cima
dele, esperando suas carícias e seus açoites, seus beijos e suas ordens. E teria
tudo.
—Conte em voz alta.
E Sharon contou. Contou até vinte açoites em voz alta. Às vezes, a voz
saía pela ardência, mas nunca por uma dor extrema que não pudesse
suportar. A coceira a revitalizava como uma bebida energética. Deixava-a em
guarda.
Tinha as nádegas em vermelho vivo, seu cabelo loiro cobria sua esbelta
e elegante costa, e tomava ar pelo nariz, absorvendo cada impacto com prazer
e com uma concentração inóspita de um aprendiz. A não ser que fosse uma
adepta do BDSM de alma e coração.
—Droga… —murmurou Prince, puxando-a pelo rosto e beijando-a na
boca. As palavras não saíam. Sharon era pura e autêntica para ele, seu par,
feito à sua medida. Suas mãos ardiam do spanking, como queimava a pele do
traseiro daquela mulher. Tirou a atadura negra dos olhos dela. — É incrível. E
linda.
Enquanto a beijava, introduziu uma mão entre suas pernas e tocou
justo o que desejava tocar. Sua umidade.
Isso significava que gostava. Que gostava daquilo tanto quanto ele, que
estava ereto até o umbigo. E que imaginava o que viria a seguir. Isso era o que
mais quente o deixava.
—Que espera que aconteça agora? —Prince encheu a boca dela com sua
língua e seus beijos, enquanto puxava seu longo cabelo dourado e a obrigava
a jogar a cabeça para trás para beijar sua garganta e mordê-la à vontade—
Vou te ter durante horas, Sharon. Não quer meias palavras, não é?
—Não —gemeu ela, abandonada às sensações.
—Então, serei tão bruto como quero, e você gostará. Prometo que você
gostará.
Ela sabia muito bem que ia gostar.
Ele a reacomodou, abrindo mais as pernas dela. E guiou seu próprio
membro ao interior de seu corpo.
Sharon não pôde manter os olhos fechados. Obrigou-se a olhar para
baixo quando notou a grossa invasão e a estranha textura. Usava preservativo
mas, por debaixo do profilático, podia perceber estranhas protuberâncias
duras e algo frio.
—Que diabos tem aí? —perguntou em um sussurro.
Prince sorriu e tampou a boca dela de repente com a mão.
—Permiti que fale? —perguntou apertando os dentes e empurrando
seus quadris para cima para invadi-la.
Ela negou com a cabeça e aumentou mais os olhos ao sentir como ele a
enchia e o inverossímil que lhe parecia tudo.
—Tenho piercings genitais —murmurou apreciando a estreiteza de seu
interior e de quão escorregadia estava— Já os verá, Rainha.
Ela o olhou, compreendendo imediatamente o que queria dizer. Muitos
Amos usavam vários piercings metálicos em seus órgãos sexuais. Tinham
muitos tipos: Príncipe Albert, Dolphin, Ampallang… Prince parecia ter muitas
dessas punções, e ela as notava com intensidade contra as paredes de seu
ventre. Gostou daquilo, ao mesmo tempo que a comoveu que um homem
tivesse adornos em toda sua ferramenta. Talvez, com o tempo, ele a deixaria
brincar com eles… Sharon lhe ofereceu a boca para que ele a beijasse, e ele a
agradou.
Procedeu com ela com todo o cuidado que seu desejo e sua força
permitiram. Com três duras estocadas, estava todo agasalhado em seu
interior, ao máximo, estirando-a e enchendo-a. Os piercings de Prince a
roçavam no clitóris e também na área perianal. Deus, era tão prazeroso…
Ele a rodeou com firmeza com os braços, e começou a mover seus
quadris para dentro, para que ela notasse como profunda era sua penetração.
—Comigo sempre vai ser assim —ele disse, falando sobre a boca dela,
para depois retirar-se e mordê-la ligeiramente na orelha. — Quero
absolutamente tudo de você. Quando eu quiser. Como eu quiser. E você
desfrutará disso… —a puxou dos quadris, para içá-la levemente e depois
empalá-la de novo com contundência— Assim. Bem dentro.
Sharon gemeu e se agarrou às correntes como pôde. Era como se Prince
arrebatasse seu corpo, possuísse sua mente e conquistasse parte de sua
alma.
Estava dentro dela, mas na realidade, estava em todas as partes. Os
piercings metálicos e arredondados escorregavam através do clitóris
avermelhado e inchado e, enquanto isso, sua potente ereção a moldava por
dentro até que não havia um canto a preencher.
Enquanto a possuía, Prince não deixou de olhá-la em nenhum
momento, desfrutando de seus gemidos, e de como estava entregue com ele.
Não tinha tido nenhuma desconfiança. Sharon era transparente; se dizia que
ia fazer uma coisa, fazia. Não enganava, não se fazia passar por alguém que
não era; não era tímida, nem covarde, nem tinha retraimentos, como
tampouco tinha preconceitos. Aceitava o que Prince lhe oferecia, porque era
também o que ela desejava.
E se, até então, não tinha sabido definir o que era o que mais gostava,
ou o que a agradava, ele o demonstraria. Essa mulher, tão poderosa
mentalmente, necessitava que alguém a envolvesse, que alguém mais forte
demonstrasse que ela podia confiar e apoiar-se, que não tinha por que fazer
tudo sozinha.
—Deus… Sharon.
Prince fez amor com ela na poltrona, com a brutalidade que
caracterizava um Amo mandão e arrogante, mas também, com sua bondade e
sua compaixão. Açoitava-a nas nádegas com a palma aberta, quando ela
estava no ápice de seu orgasmo. A conduzia na ponta dos dedos. Jogava com
ela. Sharon se tornava louca. Ambos estavam ensopados em suor, e só
quando ele assim o quis, deu-lhe o primeiro orgasmo dessa noite.
Ela estava inchada, ardia por dentro e por fora. Tremia agarrada às
correntes, e as pernas doíam mantê-las tão abertas durante tanto momento.
Palpitava sem cessar, e tinha o lábio inferior inchado de tanto mordê-lo,
Prince a agarrou pelos cabelos e juntou sua testa à dela.
—Abra os olhos e me olhe —ele ordenou sem deixar de trabalhar seu
interior como um pistão.
Ela tinha o olhar vidrado e as pupilas dilatadas. Estava tão bonita e tão
selvagem que Prince teve que ter força de vontade para não adiantar-se a ela.
—Agora, linda. Agora sim.
Não se deteve até que sentiu os espasmos de Sharon, que se agarrou
com mais força às correntes pendentes, por medo a sair disparada. Soltou o
ar entre tremores e o olhou a todo o momento, gozando com ele no interior.
Para Prince, a primeira vez foi mística. Seus corpos se ataram, e como
um novato, gozou com ela, quando nunca antes tinha acontecido com ele.
—Merda! —rugiu ajustando o movimento de seus quadris à sua
ejaculação— Sharon! —gritou deixando-se ir.
Ela se deixou cair para diante, sobre ele, tudo o que a amarração a
permitia. Lutando para recuperar-se, tomava ar a baforadas. Apoiou a testa
no musculoso ombro do Amo e exalou dizendo uma única palavra, sorrindo
com doçura, sem que ele a visse.
—Prince.
Ele a aconchegou contra seu corpo. Queria que ambos se
tranquilizassem, que apreciassem o que acabavam de compartilhar. Era tão
difícil acoplar-se desse modo na primeira vez.
Entretanto, sua besta interior e avarenta queria mais. Muito mais dela
essa noite.
—Isto é apenas o princípio —ele disse sem desatá-la, para voltar a
acomodar-se em seu interior. Não demoraria nada a inchar-se de novo. Com
ela era impossível não estar excitado permanentemente— Quer mais?
—Sim… —assentiu, passando a língua pelo pescoço de Prince. Desejava
comê-lo, saboreá-lo. Tudo.
Prince grunhiu como um selvagem. Passou as mãos pelas nádegas
quentes e muito avermelhadas. Poderiam estar mais. Quando o sangue se
movesse com mais rapidez de um lado ao outro, da vagina ao traseiro, o
orgasmo e as sensações seriam ainda mais descomunais. O seguinte seria
sempre melhor que o anterior.
—Quanto mais? —perguntou, medindo-a.
Ambos se olharam durante longos segundos. Seus olhos negros e
escuros se iluminaram com a candura e a claridade dos dessa gata de cabelo
loiro que o montava como uma amazona.
Ela inclinou a cabeça para um lado, lambeu o lábio superior e
respondeu:
—Tudo.
Prince sabia. Era tão ávida quanto ele. Matariam-se fodendo um ao
outro, talvez esse seria seu futuro mais imediato. Seu destino. Morrer um nos
braços do outro.
Comprovariam em breve.
—Logo terá. —era uma ameaça em toda regra.
Iria possuí-la tantas vezes como precisasse, até assegurar-se de que
essa mulher, quando saísse de seu castelo, soubesse a quem pertencia, e
compreendesse que não poderiam voltar a estar separados jamais.
CAPÍTULO 9

Tinha ouvido falar sobre um frenesi sexual que podia deixar louco a
quem o sofria. Prince era capaz de levar uma submissa ao estado de absoluta
entrega. Mas nunca experimentou a sensação de ser a vítima, de chegar a
esse ponto com ela.
Não sabia o que o havia possuído. Bem, sim, sabia: Sharon. Ela tinha
fritado seu cérebro. Presumia-se que ele era o dominante. Mas, em casos
autênticos e especiais, como era o deles, era a submissa quem na realidade
dominava o Amo.
E assim havia sido. Porque, embora Sharon estivesse algemada, era ela
quem exigia mais. E ele quem dava e agradava seus desejos.
Seja como fosse, tinha sido muito para ela essa primeira noite. E tinha
medo de ter se excedido.
Ele tinha o pênis irritado, sabia como ela ardia ao mover-se em seu
interior. E ela estava tão inchada que até mesmo era difícil penetrá-la.
Era um maldito selvagem. Mas era assim com a mulher que queria ter a
seu lado. Se ela o aceitasse, teria que aprender a tratá-lo sabendo que suas
necessidades eram… poderosas.
Amanheceu na masmorra. Estiveram possuindo-se durante horas.
Nesse momento, acabavam de chegar ao último orgasmo, onde uma Sharon
suada e esgotada não pedia clemência por ser orgulhosa, mas seu corpo, sim,
exigia a gritos.
Prince levantou as mãos com dificuldade, de tão cansado que estava, e
conseguiu soltá-la. Os braços da jovem caíram frouxos ao lado de seu corpo
nu. Estava ensopada de suor. As gotas salgadas escorregavam entre os seios e
o pescoço.
Estava tão sexy que doía olhá-la. Mas precisava descansar. Ambos o
necessitavam com urgência.
Sharon estava em choque. Nada do que ela tinha feito antes com outros
homens se parecia, nem remotamente, àquela perseguição e demolição que
seu corpo tinha experimentado nessa noite. Prince era um demolidor.
Demolition Man.
O que podia dizer? Precisava dizer algo? Após seis horas sem parar, e
oito prazerosos e dolorosos orgasmos, não era capaz de tecer palavras ou de
dar coerência a algum comentário.
Estava exausta.
E tinha a sensação que ele também. Entretanto, o Amo teve forças para
acariciar suas costas e abraçá-la forte, pele contra pele. Levantando-a nos
braços, saindo dela com cuidado, embora a irritação incomodasse aos dois,
subiu as escadas tirando-a de sua masmorra para sua luxuosa casa exterior.
—Vamos dormir, preciosa —ele disse com voz doce.
—Não posso dormir muito. Tenho que ir ver minha avó —respondeu
meio inconsciente, com o cabelo loiro colado ao rosto e o rosto lânguido e
sublimemente relaxado.
—Shhhii. Agora vá descansar —ele ordenou— A acordarei para levá-la
para sua casa, se desejar.
—Mmm… —respondeu fechando os olhos, acomodando-se contra ele.
Prince subiu ao andar superior, abriu uma porta branca enorme e
entrou em sua suíte. Sharon tentou abrir um olho, e torta como estava, pôde
a ver muito pouco. Ao menos, sabia que aquele lugar estava decorado com um
gosto excelente e que se parecia com uma das suítes de luxo que tinha visto
pela televisão, em programas de decoração.
Prince a deixou com suavidade na cama King, afastou a colcha de seda
marrom, e colocou Sharon sob o frio lençol.
Ele a seguiu e colou seu tronco às suas costas, passando um braço por
cima dela. Molhados como estavam, não poderiam separar-se depois.

O aroma de café a despertou.


Custou-lhe abrir os olhos, mas quando conseguiu separar as pálpebras,
divisou uma xícara fumegante diante de seu nariz, e uns pães doces recém-
feitos que levitavam por arte de magia.
Não levitava nada. Era Prince que os segurava.
Ao ver sua cara de recém levantado, e seu cabelo alvoroçado, Sharon
teve vontades de devorá-lo com beijos ali mesmo, atá-lo às colunas imperiais
desse leito e fazer mil maldades. Mas, estava tão dolorida que ia necessitar
descanso.
—Mãe de Deus… —murmurou lamentosa— Não posso me mover.
Prince sorriu, esticando-se a seu lado, e dispôs uma bandeja sobre o
colchão, para que ambos pudessem tomar o café da manhã como reis.
—Trouxe o café da manhã —explicou abrindo o braço até a bandeja
prateada. — E isto —tomou um frasquinho de vidro com um unguento
transparente—Loção calmante.
—Para mim ou para você? —brincou ela, acomodando-se sobre o
travesseiro.
Prince fez uma ameaça de sorrir, mas seus lábios desistiram, rendidos
pela beleza Troyana que tinha em sua cama.
—Se não estivesse tão ardido como você, daria bom dia como você
merece.
Ela engoliu em seco e sorriu abertamente. De verdade tinha essa sorte?
Aquilo era uma bênção. Um homem assim, só para ela. Maravilhoso. E, além
disso, trazia o café na manhã, coberto apenas só com uma slip2 negra.
Hummm, dava água na boca.
—Tem fome?
—Estou esfomeada —respondeu sincera e sem nenhuma vergonha.
—Então, venha —Prince a levantou pelas axilas, e a sentou entre suas
pernas— Vamos te alimentar.
Ela arqueou uma sobrancelha loira, incrédula.
—Sei comer sozinha.
—Sim, mas eu adoro fazer isso.
Iria acostumá-la mal. Ao provar o primeiro bocado de pão quente
untado com geleia de morango, Sharon girou os olhos de prazer.
—Que delícia…
Durante o café da manhã, Prince lhe contou como era a casa, e como a
tinha reformado, enquanto ela escutava com atenção entre goles de delicioso
café e bocados de saborosos pãezinhos com geleia. De vez em quando, Sharon

2
Modelo de cueca masculina de tecido fino e elástico, sem perna apertado, que segue logo acima da coxa, na
parte inferior do quadril.
lhe dava de comer, colocando pedaços macios de pão na boca dele e
oferecendo de sua xícara.
A casa havia pertencido a uma família de Nova Orleans, e ele a comprou
para restaurá-la e convertê-la no castelo vitoriano que tanto chamava a
atenção por fora. E isso porque não o tinham visto por dentro, pensava
Sharon. Porque ficariam sem palavras. Tinha três andares, contando a
masmorra e o bosque particular, com fontes e cascatas artificiais. Os dois
andares superiores constavam de cinco quartos, uma área de bar com balcão
e bilhar no andar principal, uma cozinha americana aberta que dava a um
salão de quarenta metros quadrados, cujas vistas estavam orientadas à
piscina particular com chillout. Tinha duas suítes com banheiros, e uma
biblioteca e um escritório que parecia um apartamento de solteiro. E tudo
decorado com móveis claros, piso brilhante, vigas de madeira no teto, falsos
tetos altos, mudanças de ambientes com distintas alturas… Enfim, uma
autêntica maravilha de design.
—É incrível. E é toda sua?
—Sim.
—De seus negócios com estacionamentos?
Prince lhe deu um beliscão no traseiro e ela se queixou, morrendo de
rir.
—Não sou o homem do estacionamento, espertinha. Sou proprietário de
imóveis para o aluguel de estacionamentos fixos.
—Certo, entendi… como seja. É linda, Prince. De verdade.
—Você sim é linda.
Ela pigarreou, nervosa.
—Quer que te diga agora como é minha casa? —perguntou, puxando o
cabelo dele, e ignorando seu último galanteio— Ficará pertificado, tenho
certeza.
—Me conte.
—Para começar, tem uma cozinha que necessita uma urgente reforma,
porque a lava-louça perde água e faz umas poças bonitas como as que você
tem em seu bosque particular —Prince pôs-se a rir e cruzou os braços,
divertido. — Minha piscina é inflável, e já tem um esparadrapo, porque furou,
mas a condenada aguenta. Além disso, tem uma linda boia em forma de pneu
que minha avó Margaret adora.
—Sei… —Prince a escutava, segurando a risada.
—Meu chuveiro tem dupla saída, pela ducha e também pela mangueira,
que tenho que trocar. Tenho um forno que não sei controlar e que queima a
comida com uma facilidade espantosa. Tenho a sorte de que minha avó
Margaret cozinhe tão bem e que se entenda com os fogões… Ah, e a casa tem
ar condicionado. Isso sim. Abrem-se todas as janelas e parece Twister —disse
movendo os braços de um lado ao outro— Você assistiu?
—Sim —respondeu, ele retirando uma mecha loira do seu rosto— Eu
gosto da parte da vaca voando…
—Eu também! —disse ela, cobrindo a boca para soltar uma gargalhada.
—Ouça, Sharon… —Prince a cortou de repente quando sentou-a de
novo montada sobre ele. Cara a cara.
—O que? —sussurrou, abraçando-se a ele. Era como se seu corpo, sua
corpulência e aquela montanha de músculos e sombras fossem seu verdadeiro
lar.
Ele cravou seus olhos negros no falso teto de madeira com vigas que
decoravam seu quarto.
—Sabe que isto muda tudo, não é? Acaba de entrar em minha vida, e te
disse que consequências trariam.
Sim. É óbvio que sim. Sua vida já tinha mudado no momento em que
seus olhares se encontraram. E agora, depois de despir um ao outro e ver-se
tal qual eram, não havia volta atrás.
Era dela. E ela era dele.
Antes de responder, pensou sobre o que comportava dar uma resposta
afirmativa. Beijou-lhe o cabelo e apoiou a bochecha sobre sua cabeça.
—Pode pensar o que quiser —disse lendo sua mente— Mas nem eu
poderei dormir longe de você. Nem você poderá fazê-lo longe de mim.
“Pelo amor de Deus…”, Prince sentenciava quando falava. O pior era
que não podia rebatê-lo.
—Sim, sei —reconheceu.
—Sou consciente de sua situação com sua avó. É muito independente.
Mas deixa que eu me encarregue de tudo —pediu com humildade— Permita-
me cuidar de você. De vocês.
—Sei cuidar de mim sozinha —respondeu impressionada por suas
palavras— Não precisa fazer nada disso.
Ele negou com a cabeça, e o coração de Sharon alagou de amor ao ver a
adoração e a preocupação em seus olhos.
—Não. Não me entendeu. Sei muito bem que pode cuidar de si mesma.
Acredito que esteve fazendo isso a vida toda —Aquele era um pensamento
muito dele que tinha decidido dizer em voz alta. Era como se Sharon tivesse
nascido autossuficiente. Como se a vida tivesse invertido os papéis para com
ela, e a tivesse convertido em cuidadora de todos— Mas, eu preciso cuidar de
você. Preciso saber que vai me permitir fazer isso.
—Não sou uma criança —disse lisonjeada, acariciando o cabelo dele.
Que ele permitisse que ela fizesse isso, era como experimentar a maravilhosa
sensação de acalmar a um lobo— Tenho responsabilidades. Minhas. Não
suas.
—Cuidarei delas —ele pediu— Sei que não é uma menina. Mas me deixe
cuidar de você como a Rainha que é para mim.
Contra isso, nada podia rebater. Era a primeira vez que encontrava um
homem verdadeiramente capacitado para cuidar dela como requeria. Porque,
por ele, sim, tinha se apaixonado. Dos outros não.
Como podia pôr freio a essa sensação? Acaso queria? Não.
A resposta era negativa.
Uma noite nos braços de Prince tinha servido para dar-se conta de que
desejava isso todos os dias. Seria ávida e ansiosa por ele. Porque o queria. E o
necessitava.
Prince abriu para ela as portas de seu mundo. E Sharon não queria sair
dele.
—Vai muito rápido, Príncipe —ela murmurou, passando os dedos pela
ponte aristocrática de seu nariz. Tinha que acalmar os ânimos— Não vou
fugir. Não penso ir a nenhum lado. Temos tempo…
—Sei. Não temo que escape. É só que… —Seus olhos não mostravam
hesitação algum. Só decisão e verdade— Esperei muito para encontrar alguém
como você —sorriu com uma desculpa.
—Quer me colocar rédeas curtas?
—Sim. Quero isso.
Sharon negou.
—Não pode controlar tudo.
—Você tampouco —exalou, procurando encontrar as palavras
adequadas— Sharon, quero te dar tudo o que merece. Quero cuidar de você a
partir de hoje. E quero… Quero você, todos os dias comigo —asseverou—
Quero para te fazer feliz. Para te dar tudo o que quiser, tudo o que necessitar.
Para que seja a Rainha de meu mundo, e a soberana do chão que pisar. Me
agrade.
—O que diz? —Uma estranha sensação a percorreu. Era luz, cheia de
amor e agradecimento. Emocionou-se de alegria, porque alguém via nela
muito mais do que ela via em si mesma. Nunca tinha chorado de alegria. De
fato, Sharon era uma mulher que custava chorar. Quando criança, tinha
chorado. Quando adolescente também, sobretudo com a morte de sua mãe.
Mas depois… Depois se fez forte e dura ante a vida, as injustiças e o muito
que se devia brigar pelo bem-estar das pessoas. Mas nunca se emocionou
pelas doces palavras dos outros— Não sou uma submissa desse tipo, Prince.
Está me falando de uma dominação total —se afastou ligeiramente para
assegurar-se de que seus olhos não mentiam— Um… 24/73.
—Sim, inferno. —se reafirmou sem pudor— Sou um Amo. Tenho a
imperiosa necessidade de cuidar de você, de todas suas necessidades. Não
estou louco, não sou um sociopata pirado, nem tenho traumas. Sei o que
quero. Já viu —olhou ao seu redor— Minha própria casa tem uma masmorra
abaixo, para que você e eu joguemos. Mas, à margem do que façamos em
nossa intimidade… —tocou-a nas bochechas e lhe acariciou as maçãs do
rosto com os polegares—, e a risco de que possa parecer precipitado e de que
a assuste, aí vai: quero-a comigo as vinte e quatro horas, os sete dias da
semana.

3
Vinte quatro horas por dia... sete dias por semana. Tudo. Sempre.
—Quer que viva com você? Já?
—Viva comigo, Sharon. A partir de hoje. A partir de agora.
Ela não soube nem o que responder. A ideia lhe parecia maravilhosa,
altamente atrativa, como um sonho feito realidade. Entretanto, deviam pensar
as coisas, não? Não se podia dizer sim a tudo. Não era uma inconsequente.
—Me dê tempo —pediu incômoda. Doeu ver como a luz dos olhos de
Prince se apagava ligeiramente. O tinha magoado.
—Não confia em mim. Se entregou lá embaixo, mas não confia em mim
—disse com o rosto tenso e decepcionado.
—Apenas te peço o normal, Prince. Que levemos com calma.
—Não pode nos tratar como a todos. Não pode acreditar que o que
experimentamos é o que acontece em todas as relações. Você e eu somos
especiais, não se dá conta? Sabe que o que temos não é comum.
—Não o estou tratando como se fosse algo comum. Só estou recorrendo
da pouca coerência que resta comigo quando estou com você. Ouça, Prince,
não ponha essa cara —Sharon o tocou no queixo— Submeti-me a você, em
sua masmorra. Não me diga que não confio, porque não é verdade. Mas não
posso mudar minha vida assim de repente. Minha avó precisa dos meus
cuidados, e eu tenho que trabalhar para poder pagar tudo, e…
—Estou te pedindo que deixe isso tudo para mim. Que me deixe te
ajudar —replicou— Eu não dou importância ao dinheiro que você dá. Para
mim, só é apenas um meio, nada mais. Não rege minha vida.
—Não seja cínico —espetou— Sua vida é a que é porque pagou por isso.
Sim, ganhou também. Mas você a pagou. Nós, a plebe, temos que trabalhar
todos os dias para subsistir e poder comprar algum capricho. Não dá
importância ao dinheiro porque o tem.
—Você não é plebe —ele disse apaixonado— É uma Rainha.
—O que você disser. Mas sou uma Rainha trabalhadora. E, por
enquanto, penso fazer isso. Tudo bem
Ele afastou o olhar, taciturno.
Irritava-o muitíssimo que Sharon não visse que o melhor para ela, e
para ele, era que estivessem juntos. Não via o quão positivo seria que ela não
trabalhasse nesse bar, que sua avó estivesse cuidada por especialistas todo o
dia, e que Sharon, por uma vez em sua vida, cedesse as rédeas totalmente e
se esquecesse de sacrificar-se por outros. Que vivesse sua vida plenamente.
Que a mimassem e a mal criassem.
—Então, não quer em 24/7? —perguntou pela última vez. Não ia
pressioná-la.
—Não —negou terminante— Quero meu espaço. Pode me dar isso?
—É óbvio. Não vou te obrigar a nada.
—E quero que você e eu conheçamos nosso ritmo.
—Eu já te conheço —respondeu seco— E você já me conhece. E, se sabe
como somos e como é a natureza de nossa relação, entenderá que o que pede
vai ser doloroso, verdade?
—Não seja exagerado —respondeu um pouco insegura— Não vai ser
para tanto. Nos veremos todas as noites…
—Não esta semana, preciosa —disse, estalando com a língua— Vou
amanhã a uma reunião de amigos BDSM em Nova Iorque, e estarei aqui na
quinta-feira.
—Ah —disse, emudecendo e pensativa.
—Você gostaria de vir?
—Claro que eu gostaria. Mas… não posso pedir dispensa para te
acompanhar. Não há garotas para me substituir.
—Bom. Não se preocupe. Irei sozinho —comentou como se não tivesse
acontecido nada— Nos veremos em alguns dias.
Sharon o estudou com atenção. Era estranho sentir uma crescente
ansiedade no peito ante a ideia de não o ver.
—É uma reunião como a do Cat´s Meow?
—Parecida, mas mais relaxante. Conversamos, olhamos e apreciamos
juntos.
—Apreciam juntos? Suponho que só vai conversar, não? Quero dizer —
estreitou os olhos— Não vai praticar nada.
Prince encolheu os ombros para provocá-la.
—Não deveria, verdade?
—Não. É óbvio que não —proibiu cortante— E quando sai seu avião?
—Chego lá pela manhã. Sai de madrugada.
Aquilo foi como um jarro de água fria. Poderia ter dito a ela antes.
Acabavam de passar essa noite juntos e já partia. Não gostou de saber.
—Esta noite não nos veremos, então —respondeu, dissimulando sua
decepção.
—Não. Até a quinta-feira, não —esclareceu ele—Dado que não quer se
lançar à piscina comigo —replicou, falsamente submisso—, teremos que
manter esta relação assim. Eu tenho meus assuntos e você tem os seus.
Veremo-nos quando pudermos.
Claro que sim. Assim devia ser. Isso era o normal, não?
Os nervos ante sua ausência antecipada atormentaram seu estômago,
mas apagou seu desconforto com um sorriso resplandecente.
Sim. Iriam pouco a pouco. Era o mais coerente.
—Pois, é melhor aproveitarmos o tempo que resta, não acha? —Sharon
rodeou seu pescoço com os braços— Onde está o unguento?
Prince sorriu como o diabo que era, e qualquer tristeza por ter sido
rejeitado, desapareceu do seu rosto.
—Me dê. Eu o passo em você.
Quando ao meio-dia chegou em sua casa, depois de despedir-se com
beijos de Prince em seu carro, Sharon sorria como uma boba.
Ainda notava os cuidados que ele tinha dedicado entre as pernas; os
beijos, a cadência e a suavidade de sua língua entre suas dobras, como a
tinha degustado e comido. Tinha apagado qualquer rastro de dor em seu
interior e em seu exterior, e a tinha preparado para ele, de novo.
Prince podia ser o mais carinhoso, e também o mais inclemente. Sua
maneira de fazer amor era… especial. Dava tudo, e exigia tudo. Era muito
persuasivo e exigente, e a deixava sem defesas. O Príncipe gostava de tê-la
atada, por isso tinha utilizado umas algemas que guardava no criado mudo, e
as tinha prendido às vigas brancas da cabeceira da cama.
Sharon tinha entendido que não gostava de dominá-la. O que mais
gostava era de saber que ela confiava no que fazia, que não o temia, e que
confiava que um homem alto e musculoso, que quase a dobrava em peso,
desse-lhe prazer e dor. Que controlasse até que ponto podia pressioná-la.
Que soubesse com sabedoria que teclas tocar.
Depois de lhe dar alguns orgasmos mais, e de fazê-la sofrer para
consegui-lo, por fim, Prince deixou que fosse sua vez. A balançou na cama,
provocando que a estrutura se movesse de um lado ao outro, e a obrigou a
sentir sua empunhadura até o fundo. Então, voltou a gozar em seu interior,
protegido pelo preservativo.
Sharon recordava cada detalhe. E também se zangava ao recordar a
negativa de Prince para que ela o tocasse.
Havia dito que não. Que o adiaria porque, assim, quando ele permitisse,
a experiência seria melhor.
—Quero que morra de vontade de me tocar e de me fazer o que quiser,
Sharon. Que deseje tanto que não possa deixar de pensar nisso.
Enfim, coisas do Dominante.
Não a importava que fosse um Amo, de fato, era uma qualidade que
apreciava muitíssimo, não um defeito. Estava tão seguro de si mesmo que era
a única pessoa com a que tinha aprendido a relaxar estando entre seus
braços. E esse caráter mandão a deixava extasiada.

Sharon voltou-se para sorrir e despedir-se dele. Seu Porsche negro se


afastou levantando a poeira da rua, e a jovem se dirigiu a sua casa, tentando
não pensar nas horas que restavam para voltar a vê-lo.
Minha mãe, aquilo era novo… e ruim para ela.
Sua avó Margaret a esperava na cozinha, com a comida já preparada.
Sharon se sentia culpada por chegar com a mesa posta, mas já a tinha
avisado de que passaria a noite fora, e de que não se preocupasse. Mas dizer
isso a uma avó era como dizer ao galo que não desse o bom dia.
Não precisava dizer com quem tinha passado a noite, porque sua nona
não era tola.
Abraçou-a pelas costas, e a saudou carinhosamente.
—Olá, avó —disse beijando seu cabelo encaracolada, cor giz.
—Bom dia —sorriu brincalhona.
—Como está? Sua perna dói hoje?
—Estou como sempre, querida. Mas não tão bem como você. Divertiu-
se?
—Sim —respondeu, pegando um tomate cereja e levando-o à boca.
—Anda, sente-se para comer.
Ela obedeceu sem reclamar.
—Querida, estou preocupada.
—E isso por que?
—Já sabe o que faz?—perguntou, temperando a salada e servindo-a na
mesa.
—A que se refere?
—A você. A seu rosto —a olhou atentamente— Está apaixonando por
ele? Por Prince Steelman?
Ela meditou a resposta e aproveitou para beber o chá gelado que
sempre colocava para comer.
—Isto é diferente, avó.
—Não precisa jurar. Eu já o noto. Noto em você e na luz que tem no
olhar. Isso é de estar apaixonada.
—Bom… —não queria dizer tão abertamente, porque fazia muito pouco
que se conheciam, e Sharon não costumava admitir loucuras desse tipo. Mas,
Prince a deixava louca como ninguém—estamos nos conhecendo.
—Então, é sério? —murmurou, enchendo seu prato de gazpacho
picante, que só ela sabia preparar.
—Eu gosto muito dele.
—Sou sua avó, não tem por que ocultar.
Sharon exalou e deixou descansar as costas no respaldo da cadeira. Um
interrogatório como Deus mandava. Isso era.
—Não quero te ocultar nada. É só que, já sabe, eu não gosto de me
precipitar.
—Com os outros rapazes, não passava as noites fora —a recriminou—
Sempre dormia aqui. Com ele, quebrou essa norma.
E era verdade. Sharon era muito ciumenta de sua privacidade, e não
gostava de dormir em casas alheias. Mas tinha quebrado todos seus
retraimentos com o Steelman. Não pôde resistir, nem tampouco tinha feito
esforços nisso.
—Sinto muito, avó —a puxou pela mão e se desculpou com ela por não
estar atenta ao seu bem-estar.
—O que diz, menina? —Margaret lhe deu dois tapas balsâmicos sobre o
dorso da mão— Quero que viva e que deixe de pensar tanto em mim. Quero
que pense em você, Sharon. Em sua felicidade —admitiu com carinho— Cuida
de mim como ninguém, e eu não gosto que sacrifique seu tempo comigo. Sou
velha, já… E você é jovem, bonita, responsável… merece que te aconteça o
melhor.
—Mas, avó…
—O único que me preocupa é que a machuquem. Nunca a vi assim,
Sharon. Parece uma menina com sapatos novos. E me inquieta pensar que o
menino Steelman possa brincar com você. São muito diferentes.
—Sei, nona —assegurou. Como ia esquecer? — Mas Prince não está
demonstrando ser o louco, materialista e despreocupado que querem vender
que é. É… ele não é assim. É especial.
—De todos os modos, querida —a olhou com seus olhos envelhecidos e
cheios de rugas de tristeza e de felicidade—, mantenha os olhos bem abertos.
Que não a ceguem.
—Não, avó. Sabe que não sou assim —a tranquilizou— Não vou fazer
tolices.
—Está bem. Mas fique avisada —suspirou satisfeita. — E quando vai
me apresentá-lo?
Quando? Não sabia. Sharon não tinha nada do que envergonhar-se.
Sua avó era maravilhosa e sua casa era a que era. Não obstante, não sabia se
Prince ia gostar de passar um dia com elas. Além disso, no que estava
pensando?
—Mais adiante, avó. Ainda é cedo.
—Não quer me apresentar?
—Não é isso. Eu só quero ter certeza que ele é bom o suficiente para ter
o mérito de te conhecer.
Margaret riu e fez uns mimos à sua neta, orgulhosa da resposta.
—Anda, come o gazpacho e me diga se passei da conta no picante.
Sharon tomou a primeira colherada em silêncio, sabendo duas coisas
perfeitamente.
A primeira: sua avó nunca se excedia com os ingredientes. Era a melhor
cozinheira que conhecia.
A segunda: a ausência de Prince nesses dois dias já começava a afetá-
la.
Estava desejando que retornasse de Nova Iorque, e ainda nem tinha ido.
CAPÍTULO 10

Tudo teria ido uma maravilha se as coisas fossem como ela imaginava.
Tentava não pensar muito nele, mas foi impossível. Algumas vezes fracassava
estrondosamente; outras, como a dessa mesma noite da terça-feira, eram
agentes externos os que a deixavam de mau humor e com um desgosto difícil
de ignorar.
Sharon servia um Hurricane a três turistas jovens que não deixavam de
dizer coisas desagradáveis às suas costas. Que estivesse acostumada a isso,
não significava que gostasse. De fato, cada vez lhe parecia mais penoso o
modo de funcionar dos homens. Será que não tinham educação? Não tinham
classe?
Não. Não era isso. A verdade era que, comparados com Prince, todos
esses pareciam saídos de uma creche de crianças, inseguros e descerebrados.
Em uma tentativa para ignorá-los, enquanto Tracey recolhia as bebidas da
mesa cinco, Sharon se dispôs a recolher do balcão e a limpá-la com um pano
amarelo.
Eram onze da noite, e na televisão de plasma do bar se emitia a Fox 8
TV, um canal de Nova Orleans, que a essas horas da noite transmitia um
programa sobre celebridades e fofocas de gente famosa.
Nunca prestava atenção, não como Tracey, que os absorvia por inteiro
como se fosse uma bíblia, em sua cabeça.
Tracey assobiou aproximando-se do balcão, balançando os quadris de
um lado ao outro, provocando o pessoal. Sharon franziu o cenho e elevou o
olhar:
—Por que os assobios? Quer que a olhem mais do que já fazem?
—Bem, uma das duas tem que ser a simpática, não acha? —riu com
soberba— Além disso, não faço para chamar a atenção. Viu isso? —apontou a
televisão.
—Se vi o que?
—O que mostrou na televisão —estalou os dedos para fazê-la despertar.
—Tracey, não me importam besteiras. Eu não me importo com essas
pessoas.
A garçonete deixou a bandeja sobre o balcão e depois apoiou as costas
na estrutura, para observar a televisão com atenção.
—Veja. Todos cospem dinheiro. Uma festa em Nova Iorque para pessoas
que depositam anualmente entre sete e oito dígitos ao ano. Não é
escandaloso? —enrolou um de seus cachos castanhos no dedo indicador— É
injusto que uns tenham tanto e outros tão pouco.
Mal ouviu mencionar Nova Iorque, Sharon prestou atenção.
Exatamente, não sabia o que esperava encontrar ao olhar às imagens, mas
certamente não imaginava ver isso.
As limusines iam e vinham; seguranças abriam as portas, e os
convidados à festa vestiam-se de maneira sexy, ao mesmo tempo elegante;
sorridentes, mostrando o poder e o dinheiro que ostentavam.
—Um desses vestidos vale mais do que ganho em um ano —comentou
Tracey com assombro.
Poderia ter se fixado em todos esses detalhes superficiais que sua
companheira mencionava. Poderia ter se fixado nas joias que usavam, nos
flashes, nos carros que estacionavam, e nas personalidades reconhecidas que
compareciam àquele local da elite de Nova Iorque.
Mas sua mente e sua atenção focalizaram em uma única imagem que a
deixou paralisada, e sobre a qual a repórter dava ênfase.
“O filho mais jovem dos Steelman, donos dos cassinos de Lusiana, que
estão se expandindo pelo Sul dos Estados Unidos, foi muito bem acompanhado
por uma beldade mulata, a bela Zoe Saldaña. Será sua nova namorada?”
Sentiu algo explodir por dentro. Tal e qual. Antes, quando ouvia falar
sobre o ciúme doentio de algumas mulheres, apenas ria deles. Porque nunca
tinha experimentado ciúmes por nada nem por ninguém. Se alguém queria
pôr chifres em outro, os colocava, tivessem medo ou não. Assim, de nada
servia encolerizar-se por isso.
Mas aquela azeda sensação a esbofeteou pela primeira vez quando a
imagem de Prince, de mãos dadas com a tal Zoe Saldaña, gravou fogo em sua
retina. Que fazia ele com outra garota? O que…?
—É bonito o diabo, hein? —disse Tracey em voz alta, ignorando a
relação que tinham Sharon e ele— Aposto que o vestido dourado e apertado
que a modelo mulata usa foi comprado por ele. Já vi essa garota —apontou a
tela— Se parece com uma dessas irmãs afro-americanas que vivem por aqui
perto… —disse pensativa, tocando o queixo com o dedo indicador— Se parece.
Mas acredito que não é.
Pena que tudo se encaixava.
Quando o fogo arrasou suas veias e a raiva fundiu seu bom senso,
Sharon reagiu e jogou o pano com força contra o bar.
Teve um mal-estar de repente.
Virou-se, secando as mãos úmidas nas calças e se abaixou para pegar a
bolsa que deixava sempre debaixo da mesa, em um armário reservado para
isso. Pegou o celular com uma fúria incompreensível, e discou depressa o
telefone de Prince.
O tinha. Não queria ser chata. Nem ele a tinha ligado, nem ela a ele.
Evitava de todos os meios escrever ou lhe telefonar, porque não queria dar
uma imagem de desespero.
Mas essa situação bem o requeria.
Prince havia dito que ia a uma reunião de amigos de BDSM em Nova
Iorque. Era essa a reunião? E o que envolvia a reunião?
Seria capaz de agir como Amo com outras? Bem era verdade que não
tinham estipulado nem normas nem limites em sua relação, e ainda mais
depois de ter rejeitado sua proposta tão abertamente, mas… que demônios
fazia ele com outra, de mãos dadas, diante de tudo e de todos?
Não era justo.
Rangendo os dentes, esperou que ele atendesse o telefone, mas por que
o faria se talvez estivesse se divertindo com essa mulher?
Pensar isso a feria mortalmente. Cortava-a de cima a baixo. Não queria
que Prince tocasse a ninguém que não fosse ela.
Acreditava que ambos se possuíam, não? Como se atrevia a ir com
outras a esses eventos? E o que fariam ali dentro, pelo amor de Deus? E ela
tinha direito de sentir-se assim, por passar a noite mais maravilhosa de sua
vida ao seu lado? Isso lhe outorgava poderes? Quais?
Prince não atendeu em nenhum momento.
—Não quero imaginar como esses acabarão a noite… —disse Tracey,
acrescentando inconscientemente mais lenha ao fogo.
—Ei, garotas… o que nos cobrariam por um beijo? —disse um do trio de
amigos, com meio corpo aparecendo sobre o balcão.
Sua cabeça começou a doer e o peito encolheu. Ela estaria lá, se
pudesse. Mas tinha que trabalhar, e Prince a tinha substituído com a rapidez
com que se remove um prego. Quem era ela?
—Tão bonitos, com tanto poder… —murmurava Tracey, ignorando os
clientes— Acredita que montarão orgias de algum tipo? Cheiram a sexo daqui
—elevou o nariz.
—Apenas um beijo —pediu um daqueles do trio— Ou, se quiserem,
depois podemos montar nossa festa particular. Pagamos muito bem —moveu
os quadris obscenamente.
—Certamente que a morena que acompanha Steelman tem cara de ter
transado no carro. Esse cara, com certeza, sabe como mover esse corpaço…
Sharon explodiu, não aguentando mais.
—Cale a boca, Tracey! —gritou com as bochechas avermelhadas e seus
olhos claros rasgados pela ira— E vocês! —apontou o trio— Saiam daqui!
Agora! Nem Tracey nem eu somos putas! E se fosse, nem por dinheiro
ransaria com você! —olhou o falador e o humilhou diante de todos.
—Mais tarde você vai engolir isso! —espetou o cara com aspecto de
militar da marinha, o mais valentão de todos— Logo verá!
—Você sim, que vai engolir meu punho, imbecis —Pietro, o encarregado
da segurança do Laffite´s, não teve que fazer nada mais que aparecer de
surpresa atrás deles, para que as três perturbações abandonassem o pub com
o rabo entre as pernas.
Jogou-os aos tropeções. Seus dois metros de altura e seu longo cabelo,
ao estilo Steven Seagal, inspiravam grande respeito. Dava a impressão de que,
se ameaçava de morte, cumpria com suas ameaças.
À margem de sua fera aparência, aquele era seu trabalho. Jogar fora o
lixo do local. E era um bom homem.
Tracey olhou com os olhos abertos como pratos a uma irascível Sharon,
que lançava raios contra o televisor e aos três indivíduos bagunceiros.
—Mas, o que aconteceu com você? —perguntou.
A loira se negou a responder, e voltou-se para entrar no banheiro
privado e desabafar à vontade.
Como ia dizer a Tracey que Prince e ela tinham uma relação e que
tinham se apaixonado de uma maneira esmagadora, até o ponto que ele tinha
pedido que fossem viver juntos?
Era um Steelman, para sua desgraça. Um homem que fazia parte da
nata Orleaniana. E ela? Não era ninguém. Simples assim.
Como iam se unir?
A angústia por suas evidentes diferenças deixou-a amedrontada,
sentada sobre a tampa do sanitário, atormentando-se com imagens da mulata
e ele no carro.
E se só tinha sido uma noite louca para ele? E se só fosse uma a mais?
E por que a só ideia de que aquilo tivesse sido uma miragem, uma armadilha
masculina para levá-la à cama, faziam com que se sentisse tão vulnerável?
Ela era uma mulher muito forte. Não podia sentir-se como se estivesse a
ponto de quebrar.
Entretanto, assim se sentia. Como se Prince a tivesse enganado. Não
podia abrir a ela um mundo tão maravilhoso para, depois, com frieza, fechar a
porta no nariz.
Era como tocar o céu com os dedos, e acabar no purgatório.

A quinta-feira não foi melhor do que a quarta-feira.


Sharon tinha umas olheiras escandalosas, pois passava duas noites
sem pregar o olho. Quando se levantou e se olhou no espelho, sentia-se muito
pouca coisa.
Seu aspecto não era bom: o cabelo loiro embaraçado, a alça branca da
blusa do pijama escorregava por um ombro e, para cúmulo, o creme de
limpeza tinha feito um círculo em um olho, fazendo com que parecesse um
urso panda.
—Sharon, sério… —disse a si mesma, apoiando-se na pia— dá pena.
Como um homem, em tão pouco tempo, podia ter feito tanto estrago?
Não o ver, não receber notícias dele, não escrever, era tão inquietante e
desesperador que a deixavam em um estado de nervos que não era normal.
E o pior era que não recordava a incrível experiência de sua masmorra.
Não rememorava o prazer doloroso em seus braços. Mas sim, a dor de vê-lo
com outra.
Sua mente masoquista só lhe mostrava as imagens que tinha saído na
televisão de Nova Orleans, acompanhado daquela mulher tão bonita e que
tanto chamava a atenção.
E ela? Ela morta da raiva e de ciúmes, contando ovelhas na cama.
Tentando não pensar em nada do que dizia Tracey.
Para completar, se a mulher que o acompanhava era de Nova Orleans,
significava que tinham feito a viagem juntos.
Certamente, Prince já tinha pensado viajar com ela. Seu convite era
uma farsa, porque sabia que ela não podia faltar ao trabalho de qualquer
jeito.
Fechou os olhos com tédio, farta de fustigar-se com o mesmo. De ser tão
fraca. De sentir-se tão mal e perdida.
Não falava muito com sua avó sobre Prince.
De fato, não queria fazê-lo, porque Margaret era uma fiel seguidora
desses programas de fofocas, e com toda probabilidade, teria visto as mesmas
imagens que ela.
Agradecia sua discrição, e porque não era dessas mulheres que
recordava os erros com um frio e condescendente: “eu avisei”. Não obstante,
sabia perfeitamente que a nona Margaret conhecia os detalhes de seu mau
humor.
Assim, conversavam sobre fatos sem muita importância. E sobre uma
nova receita médica que a tinham dado para a pressão.
Ao menos, uma boa notícia. Por fim, depois de muitos anos, estava bem
regulada.
Ou isso, ou como dizia sua avó: “estou tão velha já, que me veem como
um caso impossível e já não me querem ver lá”.
Para não pensar, aquele meio-dia convidou sua avó para comer no
Galatoire´s, um restaurante francês da rua Bourbon. E depois, a levou em
uma casa de sucos que sempre estava concorrida de gente. Sua avó adorava
açúcar, e sabia que adorava esse tipo de refresco.
Daria a ela esse capricho.
Uma vez no caixa, Margaret saudou efusivamente uma mulher com os
maiores olhos verdes e cabelo cinza já vista, que acabava de entrar atrás do
balcão. Não usava avental corporativo, como sim o faziam as empregadas.
—Quem é? —Sharon perguntou baixo, com interesse.
Nunca tinha se interessado pelos outros. Sua vida era sua vida. Sua
gente eram aqueles que a rodeavam, fossem poucos ou muitos. Sua família
era sua avó, a única que tinha. Mas em momentos como esse, dava-se conta
de que não sabia nada de ninguém que a rodeava. Que vivia desconectada.
Apenas centrada em seu dia a dia e em seguir adiante.
—É Darcy. A proprietária desta casa de sucos —ela explicou, pegando
em seu braço.
—Margaret! Quantos anos?! Como está? —Darcy saiu detrás da caixa e
a beijou na bochecha.
Sharon pôde comprovar que o apreço que tinham era autêntico.
—Estou bem, querida. Mais velha, mas bem.
Darcy balançou a cabeça em desacordo. Vestia jeans, uma camisa
branca, e um pulôver de casimira azul claro, arregaçado até os cotovelos. Era
muito atrativa e estava na casa dos cinquenta e tantos.
—Eu te vejo fantástica —olhou para Sharon e sorriu.
—Esta é minha neta, Sharon —a apresentou com educação— Está me
mimando um pouco.
—Olá, Sharon. Encantada. Sei… —deu a mão— É bela. —admirou com
sinceridade.
—Obrigada —respondeu a loira— Você também.
Darcy sorriu abertamente.
—Já gosto de você. Sabe que minha raspadinha é tão saborosa graças à
sua avó? —explicou-lhe em uma breve narração.
—Não, não sabia. Por que? —perguntou com interesse.
—Porque ela me deu a receita crioula mais autêntica, e me disse como
tinha que fazê-la.
Margaret riu, recordando outros tempos.
—Foi durante o Katrina. Todos ajudávamos no que podíamos. Você
ainda não tinha vindo viver comigo —esclareceu— Darcy trazia bebidas e
raspadinhas para os que tinham ficado sem teto —disse Margaret— Seu
marido Charles é um herói em Nova Orleans, sabe, Sharon?
—Ah, sim?
—Salvou muitos cidadãos das águas. Pendurava-se de um helicóptero
—explicou Margaret com admiração— e os resgatava.
Darcy assentia, totalmente de acordo com ela.
—Nossa… —sussurrou Sharon, assombrada.
—Quando estive refugiada nos pavilhões, recebi uma de suas
raspadinhas de suas próprias mãos —explicou Margaret— Ela já as fazia
saborosíssimas.
—Mas —Darcy elevou o dedo indicador—, faltava-me o ingrediente
mágico. Assim, quando sua avó o provou, primeiro me agradeceu, e depois me
disse.
—E qual era esse ingrediente? —Sharon estava assombrada pela
camaradagem das duas mulheres, tão diferentes a uma da outra.
—Uma pitada precisa de hortelã triturada —recordou Darcy, imitando a
voz de Margaret.
Aquilo fez as três rirem.
—Minha raspadinha é saborosa, em parte, graças a ela —admitiu
olhando com carinho para Margaret.
—Não é verdade —Margaret não dava importância— Você tem boa mão.
Enfim… Seu marido e suas filhas estão bem?
—Sim, como sempre. Charles cada vez com mais cabelos brancos, e
Cleo e Leslie, pois, com suas coisas…
—Como passa o tempo, não?
Bufou e girou os olhos.
—Eu que o diga! Enfim, vou indo, que tenho pressa —se desculpou—
Alegra-me vê-la tão bem acompanhada. Já pagaram?
—Não. Íamos fazê-lo agora.
—Pois não o façam —pediu Darcy— Fica como convite meu.
—Não precisa —ia dizer Sharon, mas Darcy a impediu.
—É óbvio que sim. Este vai para minha conta. Sou a proprietária, de
algo tem que servir —piscou um olho e se despediu delas, servindo uma
raspadinha extragrande a cada uma.
Quando saíram da casa de sucos, Sharon observou que os lábios de sua
avó se estiravam em um sorriso melancólico.
Só por isso, já gostava dessa tal Darcy.

Quinta-feira à noite

Depois de trabalhar, tinha pensado em voltar para sua casa, como


sempre. Tirar os saltos, a maquiagem, colocar o pijama e enfiar-se na cama
para descansar. As noites de trabalho eram muito pesadas e, embora
estivesse acostumada aos saltos altos que tanto gostava, não consegui se
acostumar à dor que os pés suportavam. Por isso, agradecia tanto tirá-los
assim que entrava no carro.
Sempre o fazia. Era tudo muito robótico, e executava a maioria das
coisas já sem pensar. Era o que acontecia quando todo o dia se realizava o
mesmo.
Sem dúvida, seus pés não a obedeceram. Sem saber muito bem como,
pegou seu Mustang e se plantou diante da casa de Prince.
Nem sequer recordava o trajeto, porque tinha a cabeça embotada de
todas as coisas que queria lhe dizer. Eram duas da madrugada.
Esses dias sem ele foram um pesadelo de temores e remorsos para ela.
Só dois dias, e por pouco tinha enlouquecido. Maldito o momento em que se
viram! Ela não precisava disso!
Prince estava para chegar. Sabia porque, pela primeira vez, ele tinha
escrito, desde que partiu para Nova Iorque, para avisar da hora de sua
chegada, não a Nova Orleans, mas sim em sua casa. Às duas e meia,
presumia que chegaria em seu domicílio.
Na mensagem se desculpava, dizendo que era muito tarde para se
verem. Que amanhã se veriam. E que esperava que tivesse tanta vontade de
estar com ele, como ele tinha vontade de estar com ela.
Era um falso. Um mentiroso. Escrevia agora para tê-la em Nova
Orleans, quando em Nova Iorque não se lembrou dela e tinha estado com
outra. Queria um porto ao que amarrar-se, mas Sharon não pensava ser a
mulher submissa que ele desejava. Não ia ser sua amante de Nova Orleans.
Nem pensar.
“Mentiroso”, pensava cada vez mais ofendida.
Ia deixar uns pontos muito claros, e acabar o que fosse que tinham
começado, porque se agora lhe doía, não queria nem imaginar o que
aconteceria prolongasse mais a agonia.

Restava três quadras para chegar em sua casa.


Estava cansado. A experiência em Nova Iorque tinha sido interessante e
frutífera. Por fim, tinham situado as bases do funcionamento do Fórum de
Papéis de Dragões e Masmorras DS, onde ele seria parte ativa.
Um fórum onde Amos e submissos respeitados e versados, combinariam
uma coligação interna e selecionariam os melhores Dominantes de BDSM
para um torneio anual. Dominantes remunerados e uma coligação financiada
por gente de muito dinheiro, como os que tinham comparecido ao salão do
Doce de Nova Iorque. Todos eles tinham vícios secretos, tendências que
preferiam reconhecer às escuras, ou clandestinamente.
No mundo do BDSM, havia uma palavra por cima do consenso; que era
o respeito e a discrição. Tudo o que ali acontecia, ficava entre os muros. Podia
estar o Presidente dos Estados Unidos, que ninguém diria nada.
A ideia do fórum, da coligação, do torneio… era muito atrativo, e seria,
ao menos, divertido.
Faltava definir os papéis dos personagens, mas, com o tempo,
conseguiriam.
Não obstante, deveria estar mais emocionado a respeito. Infelizmente,
não estava. Porque Prince morria de vontade de compartilhar a experiência
com Sharon cem por cento. Mas a jovem não queria entregar-se a ele por
completo.
Não compreendia por que tinham que deixar que passassem os dias se
ambos sabiam que pertenciam um ao outro. Onde estava estipulado que
deviam passar meses para se viver com alguém? Por quê? Eram adultos.
Continuava de mau humor. Foi para Nova Iorque zangado com Sharon,
embora tenha dissimulado, e havia retornado com um fogo mil vezes maior,
porque não tinha deixado de pensar nela nos dias que esteve fora.
Inclusive, tinha passado por sua cabeça ir vê-la diretamente em sua
casa, e penetrar pela janela de seu quarto, para comprovar se sentia falta
dele.
Esperava que sim. Porque ele ardia de desejos de vê-la.
Precisava convencê-la e a fazer ver que, quando duas pessoas como eles
se uniam, nada podia separá-los, e tinham que aceitar. Porque, inclusive essa
separação provocava dor, tanto física como emocional.
Doía não vê-la. E a ela?
Sentia-se estranho, porque sempre levava o controle de todas as
situações, mas a flechada com Sharon era irracional e mágica, e não queria
que se convertesse em algo mundano, devido ao medo que ela tinha de
comprometer-se tão rápido.
Alejandra e José se tornaram um casal desde a primeira noite que
passaram juntos. Eles o aceitaram porque, simplesmente, não podiam
administrar o que sentiam um pelo outro.
Por que eles não podiam ser assim? Por que não podiam se deixar levar?
Ao virar a última esquina da rua, deu-se conta de que o estacionamento
da calçada em frente à sua casa estava ocupado por aquele carro velho negro.
O mesmo que a mulher que lhe roubava a respiração gostava.
Era toda uma declaração de intenções que dizia: “Sim, não me dá
nenhum medo conduzir coisas grandes”.
Sharon estava sentada nas escadas exteriores. A surpresa foi tão grata
que o coração saiu do peito.
Estacionou diante do Mustang, no espaço que ainda ficava. Através da
janela, a olhou nos olhos, e ela fez o mesmo. Mas Prince não encontrou o que
esperava.
Não sabia o que havia com ela, mas fosse o que fosse, não gostava.
Desligou o motor, e saiu do carro medindo o ambiente, que podia
cortar-se com uma faca.
Estava zangada?
Ia chorar?
—Sharon? —perguntou com suavidade.
Ela se levantou dos degraus do alpendre, onde estava sentada
segurando os joelhos. Fez isso em câmera lenta, como se tivesse medo de
perder o controle.
Seu cabelo loiro preso no alto da cabeça deixava descoberto seus lindos
traços felinos. O top apertado desenhava um decote vertiginoso e se colava às
suas formas. Formas que inclusive a saia curta que usava deixava ao ar.
Tinha as pernas mais espetaculares que já tinha visto. E umas botas de
cano longo de salto a elogiavam ainda mais, torneando suas pernas e suas
coxas.
A boca de Prince salivou. Engoliu saliva, esperando que ela dissesse
algo, estudando-a como um animal.
E então ela falou, e suas palavras foram como um açoite.
—Terminamos. Não quero te ver mais.
CAPÍTULO 11

–Não ouvi bem o que disse —respondeu, surpreso e incrédulo. — Pode


repetir? —Ela tremia, sinal do muito que custava manter a sua fera interior
bem domada.
Prince imaginava-a como uma pantera enorme, rasgando-a por dentro.
Seu olhar estava tão cheio de desilusão, que era como um balde de água fria
sobre ele.
—Não —respondeu altiva, descendo os degraus para afastar-se dessa
casa. Dele.
Agora bem, se Sharon acreditava que podia o deixar com a palavra na
boca, e que Prince ia ser tão inofensivo como outros homens com os quais
tinha estado, então queria dizer que não tinha entendido da missa a metade.
Mas se encarregaria de deixar isso claro.
—Não vai não, Sharon —a puxou pelo antebraço e a aproximou dele, até
colocá-la diante dele novamente, como o pai que repreendia uma menina
pequena e queria assegurar-se de que entendia a reprimenda.
Os olhos de gelo dela pousaram na mão que a segurava com firmeza,
cujo contato queimava não só sua pele, mas sim toda a confiança que tinha
depositado no homem que representava.
—Me solte. Agora mesmo.
—Nem pensar —respondeu arqueando uma sobrancelha negra— Não
vai.
—Me solte —se revolveu como uma cobra— Eu o vi, Prince.
—Me viu? —ele não entendia nada— Não compreendo. Fique quieta.
—O vi com aquela mulher, de mãos dadas! —gritou sem lhe importar se
incomodava aos vizinhos a essas horas. Tudo de Prince a excedia. Seus olhos
se acenderam, febris— Entrando naquele local exclusivo de Nova Iorque!
Ele franziu o cenho, pois não conseguia se localizar no contexto que
dizia Sharon.
—Foi a Nova Iorque? —disse impressionado.
—Não, seu tosco. —o espetou— Eu te vi pelo canal de fofocas de Nova
Orleans. Disse para me soltar! —esbofeteou a mão que a segurava.
Prince achou engraçado o atrevimento que tinha Sharon, de insultá-lo
com tão pouco respeito.
Às vezes, acontecia. A imprensa rosa de Nova Orleans o caçava de vez
em quando, fazendo fotos suas saindo de casas de jogo clandestino e outros
locais. Não compreendia por que interessava sua vida a outros. Mas assim
era. Se soubessem como era sua vida e o que de verdade gostava, iriam
clamar ao céu.
—Guarde as unhas, gata —ele disse entre dentes— E deixa de me bater.
—É um mentiroso! Não tenho nada o que falar com você!
—É claro que tem, sim. —se abateu sobre ela— Não a imaginava como
dessas mulheres que veem programas de fofocas.
—E não sou! —defendeu-se, tentando afastá-lo dela — Mas Tracey me
obrigou a vê-lo!
—Entendo. Então, o que pensa? Que fui a um local de BDSM com outra
que não era você? —sussurrou entre dentes— Acredita que estive com outra
mulher? —perguntou com firmeza— E tome cuidado com o que responde,
Sharon —a ameaçou— Porque não vou permitir que ofenda e manche o que
sinto por você com tanta facilidade. Disse qual é a natureza de nossa relação.
Como especial é para mim. O que acontece? Não acreditou em nenhuma só
palavra? Nenhuma vez disse a alguém o que disse a você, e isto é o que
recebo? Desconfiança? —a fúria em suas palavras era lacerante.
O queixo dela tremeu. Queria que o fogo interior saísse em labaredas
pela boca, como um dragão; mas, se deixasse que essa ousadia e coragem
tomassem às rédeas, possivelmente, as lágrimas também sairiam a seu passo.
E Sharon odiava chorar.
—Eu vi! —exclamou, deixando-se levar pela impotência— Vi, Prince!
—O que viu? Viu-me acompanhando uma garota ao interior do Doce?
—Sim.
—Sharon, não sei por que se importa —assumiu tranquilo— Tenho
meus assuntos e você os seus. Não ficamos nisso? Ao princípio, nossa relação
tem que ser como a de todos, não queria isso?
—Insinua que se não aceitar suas condições, tem carta branca para
continuar transando com quem tiver vontade? —não podia acreditar.
Prince ficou calado. Surpreso porque a jovem se atreveu a insinuar que
a tinha enganado.
—Nunca. Jamais —se abateu sobre ela—, volte a dizer isso.
—Direi quando quiser e como quiser! —Importava-a pouco zangá-lo
mais do que ela estava—Diga à morena que o obedeça! Domine a ela! A faça se
calar! A mim não, porque não sou nem serei nada sua!
Talvez fosse a falta de costume de se relacionar com alguém como
Sharon o que o deslocava naquela discussão. Ela era a única que o enfrentou.
A única que tinha perdido o respeito por ele. A única que o fazia perder a
prudência e os nervos.
Talvez por isso, e por um monte de coisas mais, que queria
compreender com o passar dos dias a seu lado, mas nesse preciso instante,
que ela insinuava ou dizia diretamente a ele que não aceitava suas ordens,
agitou-o e o obrigou a ser o Dominante e o Amo que era em sua totalidade,
tanto fora como dentro da cama.
Prince a agarrou pelos cabelos e jogou sua cabeça para trás,
bruscamente.
Não podia enganá-la com outra. Não podia, porque tinha decidido que
ela era a mulher de sua vida. E Prince acreditava na fidelidade acima de todas
as coisas, nas promessas, na palavra e no amor que não teve, até que a viu.
Nunca trairia seu coração.
—Está passando do limite, gata…
—Eu? Enganou-me muito bem. Acreditei em tudo. Tudo! Pensei que
era…
—Sharon, basta! Cale-se!
—Não tenho vontade!
Prince conhecia seu temperamento, sabia que o tinha em um lugar
seguro e pronto para sair somente quando a ocasião o merecesse, ou quando
seus sentimentos a transbordassem.
Adorava vê-la assim. Excitava-o, e ao mesmo tempo o lisonjeava, porque
Sharon nunca se mostrava, porque temia seu poder, essa parte dela que não
podia sossegar nem acalmar uma vez explodida. Isso era algo que tinha
aprendido com a observação. Comedida, introvertida, embora impossível de
passar desapercebida para outros. Essa era ela, de quem estava
fulminantemente apaixonado até a medula.
Não obstante, com ele, sim dava rédea solta a suas emoções. Mas não
podia permitir que o insultasse desse modo, quando ele odiava a traição e a
infidelidade.
Prince sentiu as narinas inflarem e, utilizando sua força, agarrou
Sharon pelo antebraço e a puxou até ocultá-la sob a pequena cornija que
servia de entrada para o castelo.
A jovem nem sequer se surpreendeu, apenas lhe apresentava batalha,
olhando-o nos olhos, cara a cara, disposta a morder se fosse necessário.
—Eu não estive com nenhuma mulher em Nova Iorque.
—E quem era ela?! — ela exigiu— O que faziam juntos?!
—A mulher que viu é Nina.
—Que Nina? Por que acredita que sei quem é?!
—Porque já te falei dela. Ela e suas irmãs administram umas
masmorras perto de Blackshop. É uma família de Dominadoras.
—Eu nunca as vi.
—Isso é porque você está à margem de tudo e de todos. Não a
interessam os outros. Não percebe.
Sharon ficou pensativa. Tracey havia dito algo parecido sobre umas
irmãs afro-americanas que viviam por ali perto… Mas sua companheira era
uma faladeira de bairro, uma intrometida. Era Nina a garota que Tracey
falava? Podia ser?
—Talvez não interesse muito me comunicar com as pessoas. Isso não é
ruim. Cada um é como é. Mas você, ao contrário, o interessam todas… —
respondeu Sharon amargamente.
—Sharon, maldição. Entenda —a obrigou a olhá-lo, tomando-a pelo
queixo e prendendo-a ainda pelo rabo de cavalo. — Nina e eu comparecemos a
uma reunião de BDSM no Doce, em Nova Iorque. Ela é Ama, compreende? A
essas reuniões, onde há pessoas que costumam praticar e dão conferência,
também vai pessoas com dinheiro, gente muito rica e anônima, que gosta
deste mundo. Alguns são apenas voyeurs e outros querem exercer ou
experimentar a dominação. Nina compareceu como qualquer adepto de BDSM
que queria compartilhar experiências e ter novas notícias. E como nos
conhecemos, e nenhum dos dois gostamos que nos incomodem muito,
decidimos ir juntos ao evento.
—Conhecem-se? Quanto?
—Não do modo como pensa. Sharon, Lion também estava lá —tentou
tranquilizá-la— Estávamos ali os três. De fato, estavam todos os que tinham
que estar. Menos você.
—Eu?
—Sim. Esse é seu mundo. É que ainda não sabe? —Ela se esforçava em
compreender. Queria acreditar nele. Devia fazê-lo— Me faltava você. E chego
aqui e descubro que quer me deixar, porque pensa que a enganei com a Nina
—murmurou incrédulo— Como devo me sentir?
Custou a ela se dar conta de que tinha feito um julgamento muito
rápido, e tinha se deixado levar pelas imagens e pelos comentários, do que
pelas palavras de Prince e a crueza emocional que havia entre eles.
Mas não se ocultou, nem se escondeu com desculpas.
Pouco a pouco, ficou lívida entre os braços do Amo. A obviedade nos
olhos de Prince a encheu de vergonha. Quando se equivocava, sabia
reconhecer. E tinha desconfiado dele. Erro que assumia.
—Perdoe-me —foi a única coisa disse— Não sei o que há comigo —
reconheceu, atordoada— Tudo isto é sua culpa!
—Minha culpa?
—Sim, droga! Eu estava bem antes de te conhecer! —expôs nervosa—
Mas, perco os nervos com você, só consigo pensar em você. É —moveu a
cabeça, fazendo negações— doentio. Nunca tinha acontecido isto com
ninguém. Toma conta de mim…
—E o que pensa que significa, Rainha?
—Não sei!
—Sim, sabe! —recriminou-a— Sente o mesmo que eu. Por que não se
deixa levar? Por que não acredita em mim quando te digo que não podemos
nos distanciar? Tão pouco valor dá ao que te disse na outra noite? Não sou
um homem que pede e que roga, nem tampouco um que encaixe ajustes não
gratuitos. E você recusou viver comigo. Pode ser precipitado, pode ser uma
imprudência. Mas o nosso relacionamento é de loucos! E bendita loucura!
—Prince —se angustiou.
—Volto a te dizer: quero estar contigo, Sharon. Somos um casal de D/S
que se pertencem, e você sabe tão bem como eu. Preciso de você tanto quanto
você me necessita. E se insistir em nos manter separados, agora que por fim
nos encontramos, o que acha que acontecerá? É tão ciumenta e tão
possessiva como eu. Pensa que pode dar as costas a isso? — encurralou-a
contra a parede, encarcerando-a com suas mãos, assegurando-se de que
assim jamais escaparia dele.
Prince tinha razão. Nunca, nem em seus dias mais escuros, havia
sentido a agonia e a ansiedade por não ver outra pessoa. Necessitava saber
dele. Necessitava-o com desespero.
—Não me ligou nem uma vez! —reprovou-o— Não atendeu minhas
chamadas! Por que?! —perguntou impotente.
—Porque não me encaixo com meias palavras, Sharon. Sou assim
decidido —respondeu— Assim exigente. E se me quiser, isto é o que tem. Se
me quiser, queira cem por cento, todos os dias. Acredita que eu gosto de saber
que minha garota está servindo bebidas, porque faz o quem entende, em um
bar de má reputação? Ou que não queira aceitar conviver comigo só porque é
muito rápido? O que é rápido, maldição?! —exigiu saber— Talvez amanhã me
atropelem e eu morra…
—Não diga isso.
—Talvez amanhã seja muito tarde.
—Basta —Deus, Prince era muito intenso.
—Só quero que entenda que quero tudo. Não sou paciente om você. E
quero tudo já. Fica comigo e me deixe te fazer a mulher mais feliz. Me deixe
tentar.
—Mas, o que me pede em troca? Quer que deixe de trabalhar? —
perguntou insegura— E minha avó? Prince, não posso.
—Quero que se coloque em minhas mãos. Acarretou muito peso sobre
seus ombros, desde muito jovem, e eu quero te dar tudo o que não teve. Me
prove, Sharon. Sua avó estará melhor que nunca, a verá todos os dias, não
terá problemas de nada. Você e eu faremos o que tivermos vontade. Entrará
para fazer parte do Reino do BDSM, e será a mulher que quiser ser. Mas o
será a meu lado. Quero te dar o trono que merece.
—Somente isso? Não posso estar sem fazer nada. Em toda minha vida
tive coisas para fazer. Não posso relaxar de qualquer jeito… —respondeu
tensa, contra seu corpo e a parede.
—Quero que faça coisas. Mas as que você quer. Quer se especializar em
algo? Estudou magistério, não?
—Sim.
—Adiante, estude. Eu lhe darei tudo isso, me encarregarei de tudo,
porque não concebo outro tipo de relação com você. Não permito outra coisa,
não porque não seja capaz de se manter sozinha, mas sim, porque se puder,
quero fazer isso. Dar tudo o que precisa. Viva comigo, aqui —olhou a fachada
de sua casa— Em meu castelo. Juntos —destacou, tomando-a pelas
bochechas.
Sharon piscou atônita. Era insólito o que lhe pedia. Conheciam-se
faziam dez dias, tinham feito amor. E, embora tudo parecesse repentino, essa
necessidade que Prince tinha de estar com ela da noite para o dia, ela também
a sentia para com ele.
Não queria ver Prince com outras. Queria que dedicasse seu tempo a
ela. Estavam doentes? Eram incautos e tomavam decisões atropeladas? Ou,
em realidade, a única loucura real era que estavam loucos um pelo outro?
—Prince… —sussurrou, deixando-se cair contra seu peito— Estou
assustada.
—Não diga isso. Você não teme a nada.
—Sim, claro que sim —murmurou insegura— Tudo isto é novo para
mim.
—E para mim. Mas não vou lhe dar as costas. E você? —Ele beijou sua
cabeça loira para dar a quietude e a confiança que ela precisava.
—Não.
—Então, me diga que sim, Sharon. Entregue-se a mim de verdade e não
se arrependerá. Deixa os preconceitos e os obstáculos para trás. Você e eu nos
lemos. Conhecemo-nos. Falamos com estes —apontou os olhos— E com estes
—deslizou os dedos por seu peito, e pôs a mão sobre seu coração— Este
nunca mente. Confia em mim?
—Sim.
—Então, abra a porta para mim. —ordenou.
—E se disser que não?
—Você vai para um lado e eu para o outro. Comigo é tudo ou nada. O
passo a passo e as inseguranças deixo para os outros.
—Mas, e se terminar mal?
—Não pense nisso. Esse resultado entre nós não é possível.
Complementamo-nos e somos almas gêmeas, Sharon. Não necessito toda a
vida para me dar conta.
A garganta se movia para cima e para baixo. Tinha a boca seca. Por
acaso, a continuidade daquela relação dependia de aceitar o que lhe oferecia
naquele momento?
Se dizia não, teria que esquecer Prince.
Se dizia sim, teria que viver com ele, limitar-se a aproveitar seu tempo
de outra maneira, abandonar seu trabalho, e... e o que mais? Nada mais.
Porque continuaria vendo sua avó Margaret todos os dias, já que Prince
residia em Bourbon. Não se mudaria de Nova Orleans.
Não era tão ruim, não é?
O que mais temia Sharon era se prender a alguém desse modo, até o
ponto de depender emocionalmente. Mas, com Prince, apesar de tudo, tinha
ido muito longe.
Já estava atraída por ele de modos incompreensíveis para a maior parte
da humanidade.
—Não pensava que era medrosa. —provocou ele.
—Não sou —respondeu com seriedade.
—E então? Demonstre-me. Decida aqui e agora, porque não penso te
deixar escapar outra vez. Na outra noite, quando disse que se a beijasse, já
não ia se afastar de mim, falei sério. Você aceitou, e no dia seguinte, foi
embora sem mais. Rompeu sua palavra. Se agora voltar a dar isso a mim, se
aceitar tudo o que te ofereço, será de verdade. A partir de manhã viveremos
juntos —prometeu. As mechas longas de seu cabelo negro cobriam seu olhar
apaixonado.
Era tão belo que Sharon ficava sem ar ao contemplá-lo.
—Não é meu carcereiro. Nem eu sua prisioneira.
—Não, é óbvio que não. Poderá ir quando quiser. Mas irá —afirmou com
contundência—, para não retornar. Abro as portas de minha vida uma vez, e
as abro para você. Somente para você. Mas, se decidir voltar atrás, uma vez
começada esta aventura comigo, então, não voltarei para sua vida, nem você
para a minha.
Considerou o que o dominante lhe oferecia. Tinha posto seu coração em
uma bandeja. E o oferecia. Sua vida, seu castelo, sua felicidade. Tudo. Ela só
tinha que aceitá-lo e fazer daquela vida do Príncipe, também a dela.
Nunca se atreveu a sonhar nada parecido. Prince lhe oferecia o amor
que desejava, a paixão que necessitava, e os cuidados que ela requeria e que
nunca recebeu.
E o aceitaria, não porque quisesse tudo aquilo, mas sim, porque estava
tão louca por ele que a verdadeira loucura teria sido rejeitá-lo.
—Sharon, maldição—grunhiu segurando-a com firmeza para colocá-la
em sua casa— Deixe-me refrescar sua memória, e recorde por que você e eu
somos inseparáveis.
Adorava que ele tomasse o controle, que falasse mais alto. E,
possivelmente, era isso o que necessitava para acabar de decidir-se.
Queria que ele refrescasse sua memória, que demonstrasse que
ninguém a lia e tocava desse modo tão único, íntimo e especial.
Sharon não temia o poder de Prince na dominação. De fato, podia
suportar mais do que ninguém imaginava. Porque seu corpo era flexível, e
tinha muita tolerância à dor, e não a aterrava ficar em suas mãos, porque
sabia muito bem o que fazia, e confiava nele às cegas, já que compreendia
que nunca a poria em perigo desnecessariamente. Era um Amo seguro.
Os beijos, os açoites, os spankings, as dentadas… Tudo estava
destinado a dar de presente a maior sensação de todas: um orgasmo
demolidor. E ela o alcançaria. Mataria por um dos orgasmos que o Príncipe
era capaz de arrancar dela.
Mas sim, tinha reservas ao fato de pôr mais que seu corpo em suas
mãos: se tratava de sua plena confiança e de sua vida, não podia tomar
decisões precipitadas.
Entretanto, foi sentir a língua de Prince contra sua garganta, e perceber
os dentes cravando-se em sua carne, e imediatamente todas suas reservas
sumiram. Estava totalmente entregue a ele! Como ia dizer não, se seu próprio
corpo já não era dela, mas sim do dominante?!
—Vou arrancar sua roupa agora mesmo, Sharon, e não vai poder sair de
minha casa. Vou me encarregar de que entenda o que somos —disse lhe
tirando bruscamente a camiseta, rasgando-a pelo peito até a cintura,
deixando-a imprestável.
Sharon riu, excitada. Deixava-a a mil. Excitava-a até limites que
ultrapassavam o racional.
Respiravam apressadamente, desejosos de tocar um ao outro.
—Tire os sapatos —ele ordenou sem mais.

Sharon o fez com tanta pressa que ambos tinham a sensação de que
estavam no meio de uma corrida, cujo final seria a supremacia de um sobre o
outro.
Assim que a deixou descalça, agarrou-a escarranchada nele e caminhou
com ela pela sala, até o balcão do bar. Nem sequer acendeu as luzes.
Colocou-a sobre a superfície, fazendo com que repousasse as costas na
fria madeira de mogno. Depois baixou suas calças e as tirou de um puxão.
Sharon teve que agarrar-se para não cair do balcão.
Depois, pousou as palmas de suas mãos em seus quadris e percorreu
sua silhueta como um artista ante sua obra magna.
—Sharon… —disse em um lamento.
—O que? —ela mal sustentava a respiração.
—Merece uma boa surra por insinuar que a traí.
Ela sabia. Os olhos de Prince reluziam febrilmente pelo impulso de
querer bater em suas nádegas. O ventre dela tremeu ante à expectativa. Com
uma única domesticação, a tinha ao seu dispor sempre que quisesse.
Abaixou-se sobre seu ventre, para penetrar com a língua seu umbigo e
descer a calcinha de uma vez. Quando saboreou sua pele, o mesmo
sentimento de júbilo os percorreu.
Tinham passado apenas dois dias, e nesse tempo sentiram falta um do
outro, até ao ponto de que tinham beirado à loucura.
De amores impacientes, o mundo estava cheio. E, depois, haviam
amores explosivos e fulminantes, como o deles que, por muito que se lutasse
contra isso, explodia na sua cara.
—Quer me castigar? —perguntou ela provocadora— Faça o que achar
melhor, Prince —o convidou.
—Merece —cobriu seus seios com as mãos e desfrutou do suave tato
daquelas sinuosas formas—Foi injusta.
—Sim —reconheceu ela. Esticou seus braços para frente e tocou seu
rosto— Lamento ter agido assim. Não agi bem.
—Eu jamais a trairei —prometeu com ardor— Não há nada que odeie
mais que a infidelidade, Sharon. Não esqueça.
—Não esquecerei. Eu jamais o enganarei —ela assegurou, arrependida
por o ter magoado ao acusá-lo de infiel.
—Então —Prince a cobriu com todo seu corpo e a beijou nos lábios—,
aceito suas desculpas. Mas tem que se redimir.
Ela arqueou as sobrancelhas loiras e depois lambeu os lábios com
nervosismo e antecipação.
—Vire-se, Sharon.
Ela concordou e girou sobre si mesma. Foi Prince quem a colocou na
posição e à altura que ele queria. Depois a admirou e lhe acariciou as
nádegas.
—Conta.
Entendia o que ele pedia.
Sharon confirmou com a cabeça. O spanking se apoiava em açoitar a
pele com a mão aberta. Já o tinha feito na noite que estiveram juntos, mas
não naquela ousada posição submissa, com o traseiro no alto. Quer dizer,
com o bumbum descoberto, para cima.
—Se segure.
Zas! O primeiro contato da palma com a carne ardeu como o demônio.
Estava preparada para esse tipo de trato e de castigos. Amava a sensação de
render-se a Prince, somente a ele, um homem tão forte que predominava não
apenas sobre ela, mas sim sobre todos os outros.
—Um!
Segurou a respiração e apertou os olhos com força. Antes de acostumar-
se à ardência, chegou o segundo açoite. Ardeu mais que o anterior, embora o
formigamento do sangue circulando a toda velocidade a agradava. Sabia que
depois da dor sempre vinha o prazer, e por isso aceitava cada carícia especial.
—Dois!
—Queria me deixar? —perguntou em voz baixa.
—Sim —respondeu. Exalou, esperando assim ganhar tempo para
recuperar-se.
—Por quê?
—Prince… —procurou as palavras— Sou ciumenta. Não sabia —
explicou ainda surpreendida por sua verdade— Mas sou terrivelmente
ciumenta com você.
—Odeia me ver com outras mulheres?
—Sim.
Zas! A terceira palmada ressoou nas paredes do salão do bar. Com as
luzes apagadas não se viam bem os rostos, mas tampouco importava muito.
Sentiam-se, tocavam-se, ouviam-se e se cheiravam. Aquilo já era suficiente.
—Sharon?
—Três! Oh, Deus… —murmurou Sharon, trêmula pelas sensações.
—Eu também sou ciumento. Eu não gosto que os homens a
contemplem no Laffite´s como fazem. E, apesar disso, continua indo a esse
antro. Mas, menos ainda, eu gosto que desconfie de mim.
—Sinto muito.
Zas! Na quarta palmada, Sharon segurou um gemido e se inclinou para
frente até apoiar a testa em suas próprias mãos, que se agarravam ao balcão.
Prince contemplou sua pele ruborizada e decidiu, não que ela já teve o
suficiente, mas sim que ele já não aguentava mais sem possuí-la.
Desabotoou o botão da frente de seus jeans, abaixou a cueca e liberou
seu membro já preparado.
—Deveria te dar uma lição hoje —com gentileza, acariciou a parte baixa
de suas costas, tão elegante e com uma curva tão insinuante como ela—
Deveria te demonstrar que, quando cruza a linha ,sempre há uma penitência
—se inclinou sobre ela e brincou com a ponta de seu membro em sua entrada,
excitada e molhada pela antecipação que a percorria— E se te fizer isso
durante horas, e se a privo do orgasmo? Você gostaria?
Mas se apenas com o roce estava a ponto já de gozar, como ia prolongar
tanto a liberação de um orgasmo?
Era impossível. Se pensava que em uma reconciliação poderiam fazer
amor como quisessem, e ao convencional, estava muito equivocada. Ele era
um Amo, um Dominante em todos os aspectos de sua vida. As coisas se
fariam como ele dissesse.
—Prince…
—Prince o quê? —disse exigente, colocando o preservativo com cuidado.
—Prince, quero te provar. —Desejava-o. Atraíam-na os piercings que
usava e queria sentir sua textura e seu peso nas mãos e na boca. Não era
uma fã do sexo oral, não gostava muito, mas fazer com ele a embriagaria,
porque morria de vontade de ver sua cara de gozo e de prazer.
—Em um castigo, você não exige, princesa —sorriu maleficamente—Eu
domino—Zas! Deu-lhe um açoite na nádega direita para lembrá-la quem
mandava— Entendido? —ato seguido, beijou-a no lugar carinhosamente. E
sem mais, segurando-a bem pelos quadris, penetrou-a como a um cavalo, por
detrás. Depois saiu e voltou a empurrar mais dentro, até estar completamente
agasalhado em seu interior.
Seu corpo se abria para ele porque o reconhecia. Nunca tinha
experimentado invasões tão potentes. Tinha estado com homens que, apesar
de ter um bom aparelho, não o faziam funcionar bem. Prince não tinha
problemas com isso.
Ele dava tudo, e era intenso. Tão intenso que as duras estocadas e o
ângulo de penetração provocaram que se elevasse nas pontas dos pés.
E, apesar da dureza do coito, ele sempre era carinhoso. Nunca a deixou
sozinha, sempre a controlou. E jamais pensou nele.
Tocava-a entre as pernas quando devia fazê-lo, movia-se em seu interior
de um modo profundo e ao mesmo tempo prazeroso, e se considerava que
podia suportar mais aquela agonia, alongava-a.
Envoltos em suor, a posse durou uma eternidade. Até que viu que
Sharon não deixava de estremecer e de mover-se inquieta, sinal de que não
podia atrasar mais seu orgasmo.
—Sharon —pousou seus lábios sobre sua nuca, deslizou seus dedos até
seus clitóris e o começou a acariciar em círculos— Agora, meu bem. Goze.
Não demorou a acatar sua ordem. Ela se deixou ir, liberou-se, e
experimentou o orgasmo mais longo de sua vida, tanto que a onda de prazer
encadeou um muito potente segundo orgasmo, que a deixou desbaratada
sobre o balcão. Com ele dentro ainda, e passados os minutos, de vez em
quando se estremecia, presa pelos resíduos de prazer.
Calados, permaneceram juntos, presos um ao outro. Prince a cobriu por
completo com seu corpo e não se separou dela, nem saiu de seu ser.
Prodigalizou todo tipo de beijos pelas bochechas, e lhe dirigiu todo tipo de
tolices carinhosas ao ouvido.
Não sabia quão necessitada estava dessas palavras até que começou a
escutá-las. Desejava os elogios de Prince, e queria seus cuidados apenas para
ela.
—É linda, minha Rainha —ele disse ao seu ouvido.
—Obrigada.
—Sharon, me diga o que quero ouvir —ele rogou— Não prolongue mais.
Sabe que é o melhor para os dois.
Ela lambeu os lábios ressecados e assentiu, sem muitos conflitos nem
arrependimentos.
—Sim, Prince —sorriu, entrelaçou os dedos com os dele e levou uma de
suas enormes mãos aos lábios, para beijá-la, satisfeito. Sem preconceitos e
sem dúvidas, aceitou a proposta— Viverei com você.
—Deus… —Prince a virou de frente para ele, tomou-a nos braços e
subiram ao quarto, enquanto ele a beijava e acariciava de todas as formas. —
Faz-me o homem mais feliz do mundo —assegurou subindo as escadas como
um conquistador com o troféu mais valioso— E eu a farei a Rainha mais feliz.
—Promete-me isso? —perguntou ela, acariciando o cabelo negro,
apoiada em seu ombro.
—Prometo.
CAPÍTULO 12

Um mês. Tinha passado um mês desde que Sharon tomou a decisão de


entregar-se a Prince por completo. E, nesse tempo, tinha descoberto que foi,
de longe, a melhor decisão de sua vida.
O mais importante, foi fazer com que sua avó Margaret entendesse que
ela queria viver com ele. E que dormir com ele não implicava que deixaria de
vê-la, pois a visitaria todos os dias.
A avó, ante uma notícia tão repentina, não soube o que dizer.
—Mas, menina... —segurou suas mãos com preocupação— Está segura
do que está fazendo, Sharon? Já é adulta. —disse sentando-se no sofá da
sala.
Sharon correu para sentar-se ao seu lado. Sua avó vestia seu avental e
suas pantufas. Deu-lhe tanta ternura que se angustiou ao pensar que ela
sentia que a abandonava.
—Nona, estarei aqui todos os dias. Cada manhã com você. Ajudarei-a a
preparar o que precisar, e… de vez em quando, ficarei dormindo contigo.
—Não, carinho. Não quero que se preocupe por mim. Não é viver
sozinha que me preocupa. É você. Esse homem parece... É escuro.
—Não, avó —negou emocionada— É o melhor homem que conheci. E o
amo. Apaixonei-me por ele.
—Vê como te disse que com este era diferente? —olhou ao teto como se
clamasse ao céu— Sharon, sabe onde se mete? Esse homem não se conforma
apenas com uma. Vi-o pela televisão no outro dia, em Nova Iorque. Com uma
das filhas da Sunta.
—Da Sunta?
—Sim, Sunta e suas filhas. São umas mulheres afro-americanas que
celebram estranhas reuniões. Isso diz as outras pessoas. —comentou com
certa curiosidade— Acredito que fazem bruxaria.
Sharon segurou a vontade de rir. Que sua avó pensasse aquilo era
melhor que soubesse a verdade. A verdade era que Sunta, Nina, e suas filhas
tinham autênticas masmorras que alugavam clandestinamente a praticantes
do BDSM. A sua avozinha teria um desmaio se soubesse o que isso
significava.
—São apenas falatórios —Sharon tirou a importância disso— Prince é
um homem muito bom.
—Sim, e muito bonito, devo acrescentar. Já sei. Mas o Diabo sempre é.
—Avó, eu tampouco sou uma santa. Amo Prince, e quero apresentá-lo a
você tão logo me permita. Fique tranquila, ele cuidará bem de mim.
Margaret a tocou no rosto e a olhou, a prevenindo de possíveis dores
futuras.
—Eu só quero que seja feliz, Sharon. Eu já sou uma velha, e tenho um
pé mais no outro mundo que neste…
—Não diga isso.
—É a verdade, menina. E não quero que se preocupe comigo, quero que
pense em você e aproveite o tempo.
—Avó, vou trazer uma enfermeira para que cuide de você todos os dias e
me avise se por acaso alguma vez acontece algo. Às vezes, precisa de ajuda e
não quero que aconteça nada quando eu não estiver —lhe assegurou tomando
as mãos.
—Deixa de dizer tolices, menina. Sei me cuidar sozinha — Repreendeu-
a.
—Sei. Mas estarei mais tranquila se vier alguém te dar uma mão. Quero
que descanse, que relaxe e que em casa não faça nada, exceto cozinhar, que é
o que você mais gosta.
—Pois se isso é justamente o que faço com você. Você se encarrega da
manutenção de toda a casa, céu. Poda, paga as contas, faz tudo o que eu não
faço por culpa de meu corpo atrofiado e que apenas joga-se…
—Por isso mesmo. Não quero que mude nada para você —prometeu—
Eu virei todos os dias de visita, e a mimarei —lhe fez um carinho no queixo—
Não te faltará nada.
—Mas se eu tenho a vida que quero! —protestou— A única coisa que me
preocupa é você. E temo que estarei muito preocupada com você a partir de
agora. Disse que deixará o trabalho, e que vai viver com ele… —sua expressão
se torceu em uma de inquietação— Ai, Sharon, está certa de que sabe o que
faz?
—Avó —Sharon a abraçou com força— Sim. Sim, sei. Pela primeira vez
em minha vida, estou segura de que passos dar e do resultado que terei.
Quero arriscar tudo por ele —afirmou sem soltá-la— Mas preciso da sua
bênção, por favor.
Margaret se abrandou ao escutar a paixão com que falava sua neta.
Nunca a tinha ouvido falar assim, com tanta energia, e por isso se convenceu
de que sua guerreira loira necessitava dessa experiência. Já era hora de que a
vida sorrisse para ela de verdade. Abraçou-a com força, resignada ante sua
partida, mas feliz por ela, porque não queria ser uma carga para sua jovem
neta.
—Tem minha bênção, minha preciosa Sharon. Só quero que seja feliz.
Mas se o jovem Steelman lhe fizer acontecer algum mal —se afastou
ligeiramente e apontou um dedo para ela—, volte para casa sem pensar. E
aqui estarei te esperando.
Depois voltou abraçá-la e a balançou como nunca tinha feito com ela.
Sharon chegou em sua vida aos dezessete anos, perdeu sua infância. Mas
para ela, sempre seria sua menina.

Obviamente, Sharon deixou de servir doses aos bêbados do bar.


Embora não o tenha feito exatamente como Prince queria. Disse que
tomava um ano de licença, com o que, poderia retornar depois. O proprietário
não se opôs, inclusive aceitou em pagar a Sharon um ano de ausência. Fazia
isso com ela porque era uma exceção, um gesto de agradecimento por ter sido
uma garota responsável e fiel, e ter se envolvido com o negócio como se fosse
dela. O velho Black tinha carinho por ela, e demonstrava daquela maneira.
Ela se mudou para viver com Prince definitivamente. Teve medo de se
sentir estranha, além de sentir falta da sua avó, mas o fato era que estava à
vontade no castelo.
No princípio, pensou, não sem reservas, que ele iria controlá-la. Nada
poderia estar mais longe da verdade. Para o Amo, era um presente tê-la sob o
mesmo teto e, embora passassem a maior parte do tempo juntos, tocando-se,
conversando, conhecendo-se mais do que já o faziam, também a permitia seu
espaço e sua independência.
Prince cuidava dela melhor que ninguém. Dava-lhe a paixão que
sonhara, o amor que necessitava, e a provocação que requeria alguém tão
inquieto como ela. Sharon não era excessivamente doce e melosa. Queria
relações de igual para igual, e embora o vínculo sexual entre eles se apoiasse
na dominação e em jogar com a resistência um e do outro, a vida fora da
cama não era exatamente assim.
Viviam juntos, sim. Mas a dominação não era total as vinte e quatro
horas do dia.
Seu homem era compreensível, relaxado, e tão protetor, que pensar em
como cuidava dela a angustiava. Preocupava-se com seu bem-estar
constantemente, se necessitava algo, se não; se tinha inseguranças, se não as
tinha. Nessa bolha em que ambos viviam mergulhados, o mundo em geral os
sobrava. Tinham tempo para passear, para sair num fim de semana,
compartilhar seus sonhos, para visitar locais de BDSM e para aprender
técnicas um nos braços do outro. Eram almas que se complementavam com
perfeição.
Sharon jamais diria que praticar o BDS a faria sentir-se como uma
criança com um brinquedo novo. Para ela era apenas BDS, porque o M de
masoquismo, ela deixava para os que sim o praticavam. Ela não fazia isso.
Nem gostava.
O que para uns era um mundo escuro e pecaminoso, para ela era seu
universo e o lugar onde gostava de estar. Porque nem todos tinham uma alma
branca, translúcida e pura. Havia almas de diferentes tons e nem por isso
eram menos boas. A de ambos se mesclavam com cores vermelha, preto e
violeta. Poderosos, penetrantes, e tão ousados como atrevida era a natureza
dos dois. Não podiam estar um só dia sem fazer amor, e quando faziam,
comportavam-se como animais. Com toda sua fome e agonia.
Aquele era seu estado natural, seu hábitat. Se os peixes precisavam da
água para respirar e coexistir, eles precisavam um do outro para obter as
energias suficientes e sobreviver a cada dia.
Estava tão apaixonada por ele que doía. E era, simplesmente,
maravilhoso.
Sua relação era idílica, e em ocasiões, também tormentosa. Ambos
possuíam personalidades fortes, e por isso se chocavam frequentemente,
como trens ocupando a mesma via em direções contrárias. Quando se
chocavam, faziam-no muito bem, e de frente. Não guardavam nada um para o
outro, e os importava bem pouco os efeitos colaterais.
A ela recordava um pouco a relação dos protagonistas de O diário de
Noah —tirando os tipos excessivamente baunilhas que eram Rachel McAdams
e Ryan Gosling—, que tão logo, como ela, dava-lhe uma bofetada em um
arranque de ciúmes e fúria, no instante seguinte, estavam se beijando como
condenados.
Viver juntos era fascinante, nunca se aborreciam.
A batalha de poderes mais significativa a tiveram ao final das três
primeiras semanas vivendo juntos. Sharon se deixava dominar por ele.
Permitia que a amarrasse, que a encadeasse, que fizesse com ela todo tipo de
sacanagens pervertidas que ela apreciava, mas Prince ainda não a tinha
deixado, nenhuma só vez, tocar aquele membro cheio de adornos.
Aquele dia, na masmorra, seu lugar sacro, Sharon pensou que também
queria sua parte do bolo. Adorava o que ele fazia e desfazia com seu corpo e
que conhecesse tão bem suas silenciosas demandas, mas era uma mulher que
gostava de dar, não apenas receber.
Adorava seus sorrisos ladinos, e o modo como dizia “não”, jogando com
ela. Ficava louca quando os olhos dele brilhavam de alegria enquanto ela
gozava, e quando ele gozava, sempre ao final, olhavam um ao outro como se
não houvesse manhã. E sua cabeça voava por completo quando lhe
sussurrava ao ouvido sabendo que ela estava completamente entregue a ele.
Entretanto, ela queria dar também a ele esse tipo de prazer, e que ele
enlouquecesse com ela. Era muito complicado fazer um dominante ceder, e
mais a um tão duro como Príncipe, mas Sharon estava convencida de que
podia lhe dar o mesmo. E a enfurecia que não a deixasse tocar essa parte dele
que tanto prazer dava a ela.
Aquele dia, ao entardecer, ela estava lendo o segundo livro da trilogia
dos Homens que Não Amavam As Mulheres, de Stieg Larsson. Adorava a
literatura negra e policial, e coincidia nos gostos com Prince, assim que ia
pegando livros de sua extensa biblioteca. Achava-se sentada no sofá tipo
espreguiçadeira que dava para o jardim de descanso, com as pernas
estendidas sobre Prince, e uma xícara fumegante de café recém feito, que ele
tinha servido.
A sensação era maravilhosa. O sabor do café, o prazer das letras e a
alegria calmante da companhia do homem que amava.
Fazia algum tempo que Prince não lia. Nada lhe parecia o
suficientemente atrativo quando ela estava diante de si, porque essa mulher
monopolizava toda sua atenção. Adorava como cheirava, e o perfume tão
pessoal que carregava que, misturado com sua pele, era uma autêntica
corrente de feromônios que o nocauteavam.
Sharon tinha se convertido no eixo de seu mundo. Tudo que fazia, ele
fazia por ela. Porque ele era feliz se a fazia feliz.
Em certas ocasiões, perguntava-se se Sharon era em realidade sua
submissa, e não o contrário.
Nesse instante, passava já um bom momento observando-a, e sua
reação natural e química não se fez esperar em seu corpo. Estava duro só de
contemplá-la.
—Sharon?
—Mm? —perguntou ela distraída, imersa no que lia.
Eram esses detalhes os que diziam a ele que Sharon não era submissa
por natureza. Mas, que tinha se submetido a ele porque assim o tinha
decidido.
Uma submissa teria se centrado imediatamente nele, em seus desejos.
Teria deixado tudo para agradá-lo.
Sharon não.
E isso dava mais valor à sua submissão, porque era uma joia, e alguém
a quem devia tratar com todo o amor e a consideração que exigiria uma
pessoa com seu caráter, tão terrivelmente forte como vulnerável com aquele a
quem amava. E esse era ele, um maldito sortudo na vida.
—Me olhe, meu bem.
Desta vez, Sharon reconheceu o tom e soube que por trás daquela
ordem, havia algo mais. Por isso elevou as orelhas, como gata curiosa e
levantou seu olhar.
Prince se inclinou para frente, até colocar-se a um palmo de seu rosto.
—Sabia que seus olhos têm dois tons?
Ela sorriu e franziu o cenho, surpresa.
—Ouvi algo —respondeu com desinteresse.
—São marrons claros, quase âmbar, quando você gosta de alguma coisa
ou está relaxada —murmurou esticando a mão para lhe acariciar a maçã do
rosto— Como agora —ele obteve toda sua atenção quando recebeu seu
toque— Eu sei quando mudam de cor —explicou orgulhoso.
—Ah, sim? —perguntou divertida, fechando o livro— Quando?
—Quando algo te faz perder o controle e fica completamente louca.
Quando se altera e suas emoções a dominam. Quando estou tão dentro de
você que parece mentira que alguma vez possa escapar da sujeição de seu
corpo.
Ela entreabriu a boca, persuadida por suas palavras roucas.
—Então, se tornam verdes. Quando me olha, seus olhos mudam de cor,
como aconteceu no primeiro cruzamento de olhares que tivemos —
continuou— Em minhas domesticações, seus olhos mudam de cor. E quando
goza comigo dentro, seus olhos se tornam claros, fulminantes e dilaceradores.
Tornam-se esmeralda. E sabe o que mais?
—O que, meu Príncipe? —disse carinhosamente, elevando uma mão
para lhe acariciar a nuca e enrolar seus dedos em seu cabelo negro. Como
amava seu cabelo!
—Quero ver como mudam agora mesmo.
—Ah, sim?
—Sim. Vá à masmorra, e me espere.
Ela sorriu, mordeu o lábio inferior, e deu um salto do sofá, requebrando
os quadris de forma coquete, sabendo o louco que o deixava. Não necessitava
mais ordens.
Quando pisava no chão da masmorra, Sharon tinha que despir-se,
deixar sua roupa bem dobrada em um canto, acender as velas aromáticas, pôr
a música que mais o agradasse —desta vez, ativou o Baffle Apple enorme que
tinha na sala de torturas e prazer, e pôs a canção Try me de Jason Derulo— e
esperou o Dom, de joelhos no chão, com as pernas abertas e as palmas para
cima em sinal de oferenda.
O fato de que gostavam do BDSM não os convertia em pessoas com
gostos góticos ou heavy metal, como as pessoas pensavam. Ambos gostavam
de todo tipo de música; e, se havia algo que ainda não tinham feito, era
dançar.
Até então, tinha o obedecido em tudo. Entregava-se a ele. Era o que
Prince gostava. E por isso o fazia. Amava tudo dele. Cada ordem e cada
súplica que nunca dizia em voz alta.
Mas aquele devia ser seu momento.
Esperaria-o assim, submetida ante ele, mas depois levaria uma
surpresa. Porque já não tinha paciência, e a longa espera começava a deixar
uma sensação pouco confortável. Queria prová-lo.
Pela mão de Prince estava aprendendo a saber o que queria e a
redescobrir a si mesma. Mas se o Amo não entregasse tudo, e a proibia essas
coisas, nunca saberia se estava fazendo bem.
Quando ele chegou à masmorra, sem camiseta, com aquelas calças
negras que caíam pela cintura e mostravam seu umbigo, Sharon sentiu água
na boca. As mechas de seu cabelo longo ocultavam aquele rosto pecaminoso,
embora ela o pudesse desenhar sem olhá-lo.
Sabia que tinha que baixar o olhar, mas não pôde evitar. Era tão
atraente. Exibia seu torso descoberto, caminhava lentamente como se fosse o
dono do mundo. E era, ao menos, do de ambos.
—Sharon? —Sorriu, sabedor de que lhe daria uns tapas por olhá-lo com
essa expressão de desafio— Baixa o olhar.
Ela negou com firmeza e pouco a pouco se levantou do chão,
conhecedora de seu poder e do que podia provocar no Amo. Certamente
estava ultrapassando, e não deveria fazer isso, mas Prince tampouco tinha
porquê a privar do que ela desejava.
—Senhor —murmurou aproximando-se dele como uma tigresa.
Ele franziu o cenho, mas não pôde evitar excitar-se ao ver como Sharon
era linda, coberta só com a calcinha negra. Toda uma propaganda andante,
uma muito poderosa e feminina, que fazia que os homens se virassem para
olhá-la. E Prince adorava, porque a olhavam estando com ele, e vangloriava-se
com a beleza divina ao seu lado. No final das contas, era ele quem depois
comia o bombom. Outros que olhassem quanto quisessem, mas ninguém a
tocaria.
Sua dominação com ela não era do tipo absorvente em plano: ponha
esta roupa, não diga isso, não coma aquilo...
Não. Nada mais longe da realidade. Adorava cada gesto, cada pincelada
do caráter e da personalidade de Sharon. Ela sabia muito bem como cuidar-
se.
Estava apaixonado e não via defeitos, exceto talvez um; que agora se
apresentava em descarada desobediência. E nem sequer era um defeito
verdadeiro. Porque ele amava sua valentia e sua ousadia, que fosse ela mesma
com ele.
—O que faz? —perguntou ele— Não se levante.
Ela negou com a cabeça, decidida a conseguir seu propósito. Na
masmorra, era Prince quem mandava, e ela o estava provocando com traição.
Merecia uma boa lição pelo que estava cometendo, um pecado aos olhos do
brlo Dom que a possuía.
Mas gostava dos riscos, e sabia que, por muito que ela ultrapassasse,
Prince jamais a machucaria de verdade. Não há pecado que não se possa
perdoar. Talvez por esse motivo decidisse elevar-se em seu calabouço, o
mesmo onde a fazia suplicar até ao ponto de soltar lágrimas.
—Quero me levantar. E quero te fazer uma pergunta.
—Está sendo má, Sharon —espetou, incrédulo por sua rebeldia.
—Má, eu? —Moveu a cabeça de um lado ao outro— Não, Senhor. Mau é
você que não me satisfaz —sabia muito bem como girar a roda. Era inteligente
e muito racional— Pensei que o trabalho do Amo era dar o que sua submissa
necessitava.
—Insinua que não a satisfaço? —perguntou perturbado.
—Não me deixa acessar uma parte de você que também considero
minha. Você me considera sua, não é? —Sharon começou a mover-se ao ritmo
da contagiante canção de Jason Derulo e Jennifer Lopez. Movia-se com graça
e desembaraço, de um modo que era inevitável admirar.
Ele ficou preso ao seu rebolado. Seus quadris se moviam de um lado ao
outro, como seus ombros. E seu sorriso... Seu sorriso era como o amanhecer
depois do Big Bang. Tinha o poder de criar vida. Vida nele, e em suas partes,
que se levantavam deslumbradas pela dança da ninfa.
—O que pretende? —perguntou com voz rouca. Tomou suas mãos para
segurá-la e seguir aquela dança submissa. Gostava da música, e dançar. Mas,
com ela, ainda não tinha dançado assim.
—Quero te dar um presente —Sharon passou os dedos pelo musculoso
peito nu de Prince e lhe dedicou um baixar de olhos digno de uma
imperadora— A você. Somente a você.
Ele engoliu em seco e a observou atentamente. Como se não conhecesse
a vampira que se escondia por trás da mulher... Sharon queria conseguir o
que pretendia.
Deu uma volta ao seu redor, e passou a mão primeiro pelo membro
duro, e depois nas nádegas dele.
“Baby I was looking for some loving tonight”...
(Baby, estou procurando um pouco de amor esta noite…)

Ele exalou e fechou os olhos. Sua mulher, seu par, era persuasiva, e
podia conseguir o que queria sempre que desejasse.
Isso só acontecia com algumas mulheres. Como ela. Tinha esse gene,
essa energia que impelia outros a fazer o que ela queria. E o pior era que
Sharon jogava conscientemente com ele, mas desconhecia que seu poder
poderia enlouquecer a qualquer um se o propusesse.
—Vai dançar para mim, querida? —perguntou ele, afundando o nariz
para cheirar seu maravilhoso cabelo de ouro claro.
—Sim. Quero que me deixe te dar este presente —murmurou inclinando
a cabeça para morder ligeiramente na garganta dele, ao mesmo tempo que
massageava sua virilha— Sempre cuida de mim —desta vez mudou o
discurso, pois sabia que assim aceitaria melhor ao que queria— Permita que
seja eu quem te dê prazer hoje.
—Não seja bruxa, Sharon —ordenou Prince— Sabe quais são minhas
normas.
—Sim, eu sei… mas —sussurrou sobre sua boca para logo puxar seu
lábio inferior— E se acreditar que não está sendo justo, Senhor? Não pode me
obrigar a me entregar inteira se você puser limites entre nós.
—Não há limites em nossa relação. Acabamos de começar —respondeu
deixando que ela o manipulasse— Há somente espera.
—Não quero esperar. Você gosta de me comer, Prince?
—É óbvio —respondeu meio explosivo.
—E por que eu não posso? Faz que me sinta como se não fosse capaz de
te dar o que busca.
—Sharon —Prince sofria para ouvir aquelas palavras— É o que quer?
Ela se virou e colou seu traseiro em sua virilha, para mover-se de novo
ao ritmo da melodia. Ele a balançou ao mesmo ritmo e ela desfrutou de seu
triunfo.
Tinha enlouquecido o Amo. E adorava saber disso.

“So try me in the morning when the sun comes rising up”
“Try me in the afternoon, bet you just can´t get enough”
“Try me in the evening, satisfaction guaranteed”

Experimente-me, pela manhã, quando sair o sol.


Experimente-me ao meio dia, aposto o que queira que não terá suficiente.
Experimente-me ao anoitecer, satisfação garantida.

—Sim, Prince… —murmurou ela, apoiando a cabeça em seu ombro.


—Bem —cobriu seus peitos nus com suas mãos e retorceu os mamilos
até que ela gemeu de prazer. Depois virou-a e beijou sua boca, esmagando-a
contra seu corpo, rodeando-a com seus braços para que nunca pudesse
escapar. Retirou-se ligeiramente e lhe disse—: Então, faz o que deseja,
Sharon.
Era um imperativo que, por uma parte dava a ela o que queria, e a ele,
ao dar a ordem, devolvia-lhe o controle da situação.
Mas a Sharon não importou.
Deslizou-se até o chão como se fosse gelatina. Tirou-lhe uma bota, e
depois a outra. As meias três quartos seguiram as botas, e ficou descalço.
—Me olhe —pediu Prince, acariciando a cabeça dela.
Ela obedeceu.
Com mãos apressadas, sem deixar de olhá-lo, desabotoou a calça,
baixou a cueca até os tornozelos, onde ao final acabou tirando-a.
Atrás da roupa íntima branca, que contrastava com sua pele mais
escura, escondia-se uma maravilhosa ereção, amostra do muito que tinha
gostado da dança que dedicou a ele.
Retirou a slip e esperou que seu pênis saísse. E quando o fez e o olhou
de perto, ficou impressionada ao vislumbrar todos os piercings que iam de
cima a baixo de seu pênis, no prepúcio, no saco dos testículos. Deus, em
todos os lados.
—Doeram? —perguntou Sharon tocando a bola metálica da ponta.
—Sim. Mas com o passar dos dias, dói menos.
—O que sente se o toco? Dá prazer? —disse curiosa.
—Inferno, sim —sussurrou.
Sharon ficou estudando sua ereção e memorizando tudo o que tinha
lido.
—Deus… —murmurou— Os têm todos. O Príncipe Albert —tocou a
cabeça—, o Ampallang, Apadravya, Dydoe, e a Hafada.
—Todos, menos o do frenillo —pôs-se a rir.
—Porque não tem frenillo —respondeu Sharon.
—Muito observadora.
—Bobo.
Ele deixou uma gargalhada sair.
—Nota-os dentro de você quando me movo em seu interior? —perguntou
Prince, brincando com seu cabelo.
—Sim. Sobretudo este daqui —tocou o Príncipe Albert— Quando me
esfrega e se coloca tão dentro que parece impossível.
Ele assentiu e desejou poder beijá-la nesse momento. Quando Sharon
falava assim, seu cérebro voava e incendiava o coração.
—Te dá medo? Vai dar conta? —desafiou-a.
Sharon lhe dirigiu um sorriso de confiança e assentiu sem mais.
—Por você, dou conta de tudo. Isto é seu, é uma parte de você —ela
explicou— E vou amá-la como merece.
Sharon tinha se preparado para lhe dar o maior prazer de todos com a
boca. E foi exatamente o que fez. Brincou com todos seus piercings, engoliu a
vara de carne dura e quente até as bolas e mais à frente, lutando para relaxar
a garganta…
Prince, longe de ser o dominante naquele momento, permitiu que ela
fizesse o que sabia e deixou em suas mãos o êxito de seu trabalho. Se o
conhecia, intuiria o que tinha que fazer para que gozasse.
E a demônio sabia. Sabia muito bem como o torturar, e apertá-lo com
as bochechas para logo soltá-lo e fustigá-lo com a língua, e inclusive os
dentes.
Prince perdia as forças e se agarrou ao cabelo de Sharon com toda a
amabilidade que sua perda de controle o permitia.
Aquela mulher o convertia em gelatina e o sugava com dedicação e
emoção.
—Jesus… Sharon. Vou gozar —Puxou seu cabelo para que o olhasse
enquanto ele gozava em sua boca.
E foram esses olhos, sua força e sua entrega a ele, o que provocou seu
êxtase. Mexeu os quadris e não deixou de fazê-lo, até que explodiu em sua
boca.
Ao cabo dos segundos, Sharon soltou sua ereção e pouco a pouco se
ergueu, até olhá-lo nos olhos, cara a cara.
—Gostou, Senhor?
Prince a observou por debaixo de suas espessas pestanas, e de repente,
tornou-se completamente louco.
—É a Rainha —sentenciou.
Carregou-a nos braços, sentou-a no potro e a colocou em uma posição
que pudesse possuí-la durante horas.
Ela se expressara sem reservas, tinha lhe dado um presente
maravilhoso, e ele queria devolver com a mesma atenção.
Amava Sharon, e sempre lhe daria mais do que ela em realidade
esperava.
CAPÍTULO 13

—Prince, meu querido—disse Margaret, estirada em uma cadeira de


balanço que ele mesmo tinha dado— Por que que não deixa o que está
fazendo e vem tomar o chá conosco?
—Já vou, avó —respondeu Prince, dando a última martelada no
corrimão de madeira.
Sharon, que tinha as pernas cobertas por uma manta de patchwork,
sentada na cadeira de balanço ao lado de sua nona, na sala, ficou embevecida
contemplando Prince. Ele se aproximava delas com um sorriso, o cabelo um
pouco alvoroçado, e um par de pregos oxidados na mão, que ele mesmo tinha
substituído.
—Já não há risco de que pegue tétano, nona —Disse ele, provocando-
lhe um sorriso— Sou seu herói ou não?
Margaret se pôs a rir e deu um tapa na perna dele.
—Este seu namorado, Sharon, que galanteador é…
A jovem não negou, limitou-se a sorrir por cima da xícara de chá. Nem
imaginava sua avó o quanto galante podia chegar a ser.
Sentia-se ridícula por ter pensado alguma vez que seria difícil para
Prince ganhar sua avó Margaret.
Esse homem era um amor com os idosos e com as crianças. Ganhava-
os rapidamente. Era educado, serviçal, sabia escutar e, além disso, adorava
conversar com eles.
Margaret adorara Prince desde o primeiro dia em que Sharon os
apresentou. Não demorou muito em fazer isso, após três semanas vivendo
juntos. E o amor à primeira vista de sua nona foi imediato. Todos seus
preconceitos se foram de um só golpe.
Aquele dia, Prince ficou com ela na cozinha, interessando-se por esse
mágico livro de receitas crioulas e latina que Margaret tinha escrito de seu
punho e letra, revisando folha por folha, maravilhado pelo modo tão pessoal
que tinha de explicar e de mostrar o passo a passo. Para Prince, não só era
um livro de receitas sobre comida crioula, mas sim, também, era um livro de
ingredientes para a vida.
Por isso, no dia em que sua avó completou oitenta e sete anos, Prince
decidiu lhe fazer o melhor presente de todos. Tinha editado o livro em um
tomo rústico autêntico, com ilustrações, glossário, epílogo e dedicatória
inclusa.
A avó ia ficar louca quando o visse.
Sharon se levantou da cadeira de balanço e foi pegar o bolo que tinham
encomendado para entrar de novo na sala com as velas presas e entoando
“parabéns pra você...”. Lilly, uma mulher de meia idade afro-americana, que
era a cuidadora de sua avó, tinha colocado obedientemente todas as velas
para as acender uma a uma.
Todos estavam contentes com Lilly. E Lilly estava feliz com Margaret
porque, como ela dizia: “é boa de natureza, adora falar, e é adorável”.
Margaret sorriu de orelha a orelha e juntou as mãos com emoção ao vê-
las aparecer com seu bolo, para depois pousar uma delas sobre a mão de
Prince, que a segurou imediatamente.
—Não colocou as oitenta e sete velas, Lilly?! —disse ofendida.
—É óbvio —assegurou Sharon— Olhe, nem sequer se vê o bolo — a
colocou de frente, e esperou que sua avó se inclinasse e as soprasse.
Margaret bufou com todas suas forças e faltou ar para apagar de uma
só vez. Mas, na terceira tentativa, conseguiu.
Prince e Sharon ficaram aplaudindo enquanto riam de piadas que só
eles compreendiam.
—Já voltam a fazer isso. —resmungou Margaret— Estão rindo de mim.
O que estão rindo de mim, Lilly?
—Não acredito — negou a cuidadora, mais observadora que ela.
—Não, avó! —negou Sharon— Estou rindo da cara de batata-doce de
Prince — soltou, sabendo que Prince depois revidaria na cama. E ela esperaria
com ânsias.
Ele obscureceu o olhar, mas quando percebeu que a avó o vigiava,
mudou a máscara de demônio por uma de anjo.
—Prince não tem cara de batata-doce —o defendeu a anciã, como não!—
É tão atraente… Oh, olhe —disse satisfeita—, terão uns bebês lindos.
Sharon sorriu e se esquivou das chamas dos olhos de seu companheiro.
Já vinha o assunto dos bebês. Ficava nervosa sempre que sua avó agia nesse
plano.
—E, me diga jovem —Margaret obrigou Prince a o escutar—: Tem
intenções de se casar com minha neta?
—Avó! — Sharon brigou com ela, com a boca aberta— Isso é uma
indiscrição!
—Não é —replicou Margaret cortando um pedaço do bolo para dar a seu
recém batizado neto. Para ela, Prince era um a mais em sua diminuta
família— Prince é um homem completo, não é, querido?
—Não duvide disso, nona —respondeu ele, pedante.
Sharon arqueou as sobrancelhas loiras, dizendo mentalmente a ele:
“nem ocorra ir por aí, entendeu?”.
—Por isso, sei que tem as calças para pedir que se case com ele, não é?
—Sua neta é um osso duro de roer. Quero me casar com ela, e quero ter
uma equipe de basquete com ela. Assim, poderá cuidar e ensinar dos seus
próprios filhos. Mas —encolheu os ombros—, ainda é cedo para isso.
—Uma equipe de basquete? —repetiu Sharon estupefata— O que pensa
que sou? Uma coelha? —perguntou com horror.
Margaret se pôs a rir, e Prince olhou a mulher mais velha com cara de
resignação.
—Vê? É dura e má comigo, nona.
—Eu adoraria ver meus bisnetos nascerem —pôs sua cara de
chantagem emocional que tão bem sabia pôr — Deve apressá-la —disse em
voz baixa.
—Oh —Prince se enterneceu— E os verá. De fato, espero que veja os
três primeiros.
—Pois espero que os tenha nos próximos cinco anos, e seguidos. Porque
minha tataravó durou até os noventa e dois… mas não acredito que eu vá
durar tanto. Porque —ela disse em confidência—, você vai ficar com a Sharon,
não é? Não quebrará seu coração jamais, porque a ama muito, sim? —afirmou
sem dar lugar à dúvida.
—É óbvio —respondeu Prince muito sério— É a mulher de minha vida
—elevou o olhar e transpassou Sharon com ele.
A jovem girou os olhos e se virou para dirigir-se à cozinha e trazer as
taças para brindar. Um minuto depois, sentiu as mãos de Prince na cintura, e
como ele a ajudava a pegar as taças do armário de cima.
Seu torso estava muito colado às suas costas.
—Você quer? —perguntou Prince carinhosamente.
Sharon o olhou por cima do ombro e ficou muda ao ver a paixão e os
sonhos desse homem brilhando no interior de seus olhos negros.
—O quê? —quis assegurar-se Sharon.
—Quer um anel e crianças? —perguntou ele esperançoso. — Não digo
agora —esclareceu— Mas, mais adiante…
—Nada me dá mais vontade que me casar om você e te dar filhos —
jurou Sharon com voz trêmula. — Você os quer?
—Morro por ver uma princesinha com sua cara e seus olhos, brincando
de correr por nosso castelo, minha preciosa.
“Oh, Deus”, pensou Sharon, feliz por ter um homem assim com ela.
—Prince?
—Diga, amor —respondeu, acariciando-lhe o ventre com as mãos.
—Você é o homem de minha vida —o beijou com toda sua alma, girando
a cabeça como pôde, apoiando-se nele e afundando os dedos em seu espesso
cabelo negro— Mas não quero que se sinta pressionado por nada do que
minha avó diz. Você já me faz feliz só de existir. Não preciso de nada mais.
—Oh, querida —Prince disse, e quando estava a ponto de virá-la e beijá-
la como de verdade gostava, Lilly entrou inoportunamente para cortar esse
momento de amor e declarações.
—Ui, sinto —disse envergonhada— Sua avó quer que levemos o rum.
Prince e Sharon se olharam para rir profusamente.
—Vai o álcool à nona —murmurou Prince.
—Bom —Sharon encolheu os ombros— Eu levo o rum, e você o
presente. Lilly —ordenou Sharon—, grave o momento em que minha avó
desembrulhar seu presente, porque vai ser uma lembrança inesquecível.
E assim foi. Margaret jamais esqueceria o dia em que seu receituário
crioulo se converteu em um livro de verdade.
Nem ela, nem todos os que a amavam. Porque vê-la feliz, também os
faziam felizes.

Três meses depois

Era uma da madrugada, e havia uma reunião especial em La Mamasita.


A princípio, pensou que o fato de que Prince fosse Amo, o faria mover-se
apenas nesses círculos, com sua gente. Mas nada mais longe da realidade.
Moviam-se, e muito, mas iam alternando. O cinema, os concertos, os
restaurantes, as lojas… se misturavam com os locais de dominação e
submissão.
Com o passar do tempo, sua relação se afiançava, ao mesmo tempo que
sua perene felicidade. A essas alturas, o mundo do BDSM já tinha tido o
prazer de conhecer a mulher do Príncipe.
Eram muito populares, e inclusive os pagavam para comparecer a festas
e eventos, e mais ainda depois que a coligação de BDSM se formasse e ficasse
em funcionamento o fórum de Dragões e Masmorras DS, onde Prince e
Sharon eram uma parte ativa importante, além dos moderadores, não só dos
temas, mas sim das reuniões clandestinas que se formavam por todo os
Estados Unidos.
Se a coligação era o ponto de partida e atração para um torneio futuro,
bem se devia fazer um crivo e uma prévia seleção do pessoal. O torneio devia
ser um verdadeiro espetáculo, e com os conselhos de um Dom como ele, e de
uma mulher como Sharon, podia-se conseguir algo grande.
Sharon nunca imaginou que chegaria a ganhar tanto dinheiro com o
BDSM. Em um princípio, não viu isso bem, porque considerava que estava
mostrando algo muito particular ao mundo. Mas quando viu o muito que
chamava a atenção esse mundo aos milionários que apenas queriam um
entretenimento, ou que só queriam conversar com eles e avivar sua realidade,
e o que estavam dispostos a pagar para que eles comparecessem e dessem
algum espetáculo, decidiu que não era má ideia. Eles eram tolos por pagar
tanto, não?
Ambos eram requeridos no mundo do BDSM por ser um casal muito
atrativo e, sobretudo, pelos espetáculos que faziam nas salas particulares.
Prince nunca expunha Sharon em público, à vista de outros. Sempre o
fazia em salas envidraçadas, onde outros pudessem os ver, mas nunca fazer
parte do jogo. Nunca tocá-la.
Cumpria sua palavra de não compartilhá-la jamais. E por isso ela o
amava com mais força, por querê-la só para ele. Porque Sharon, do mesmo
modo, nunca permitiria que ele tocasse outra diante de seu nariz.
O amor de verdade não era livre, mas sim, era escravo. E quem amasse
como eles, não deixaria nunca que outro tocasse seu companheiro, porque a
dor de ver seria insuportável. Era inconcebível amar tanto e compartilhar.
Naquele dia, Sharon vestia-se toda de negro, com sapatos saltos de
agulha e um vestido negro tomara que caia que se colava ao torso, mas se
abaulava ligeiramente dos quadris para o meio da coxa. Usava um diadema
metálico que afastava seu longo cabelo de seu rosto e emoldurava seu
irresistível rosto, e tinha os olhos escurecidos pelo Kohl negro e os lábios
muito vermelhos.
Prince, a seu lado, vestido com camisa branca e calças de pinça negras,
entrelaçou os dedos com os dela e começou a caminhar para a entrada do
restaurante.
A Sharon custava afastar os olhos dele porque, simplesmente, embora
fosse um Amo, também era um cavalheiro e a deixava quente o ver vestido tão
finamente.
Deteve-se na ponte de madeira que dava ao restaurante de seus amigos,
puxou-a pelas mãos e beijou a ponta de seus dedos.
—Está linda.
—Obrigada —disse ela, satisfeita.
—Eu adoro o gosto que tem para vestir, Sharon. Complementamo-nos,
não acha?
—Claro que sim.
—E estou muito feliz de que hoje me acompanhe.
Sharon franziu o cenho e jogou uma olhada à estrutura do restaurante.
—O que acontece hoje? Acaso há algo especial que não me disse?
Pensava que apenas íamos jantar.
Prince pôs cara de ter sido pego e depois riu em silêncio.
—E vamos jantar. Mas esta noite é jantar para todos os adeptos do
BDSM, e há alguns que quero que conheça. Quero te apresentar a Lion, a
Nina, e… a meu irmão Dominic.
Ela se surpreendeu ao escutar esse último homem. Prince não a tinha
apresentado a ninguém de sua família, porque tinham estado de viagem
fazendo negócios. Passavam temporadas fora, e ainda mais agora que seus
cassinos se expandiam como o faziam.
—Lion é seu melhor amigo —disse, recordando-se — Nina é a beleza
mulata que o acompanhou ao Doce e a quem ainda não tive o prazer de
conhecer —particularizou. Segundo Prince, Nina estava no mundinho porque
administrava masmorras e estava no negócio só para instruir na dominação e
comprar material para seus dungeons— E Dominic… quando chegou? Disse-
me que ele não é Dominante.
—Não é. Mas gosta e joga uma olhada de vez em quando. Chegou hoje
mesmo pela manhã —respondeu Prince.
—Mas — olhou o vestido e tocou o cabelo—, é seu irmão. Um Steelman.
Não sei se vou lhe dar boa impressão ou se…
—Chist, Rainha —a tranquilizou Prince— Sharon, é incrível. Seja
apenas você mesma e relaxe. Meu irmão a adorará, não só por sua forma de
ser —juntou sua testa com a dela e falou com doçura— Adorará porque nunca
me viu mais feliz. E por isso a mamará imediatamente.
Exalou angustiada, e permitiu que Prince a puxasse até o local.
O nervosismo passaria quando visse no Dominic uma aberta aceitação
para sua pessoa. Ele era o mais importante para Prince, inclusive acima de
seus pais.
Essa noite não queria falhar.
Suas origens eram muito humildes, e se reinventou em Nova Orleans.
Seria isso suficiente para que nenhum Steelman a julgasse?
O primeiro que pensou Sharon ao ver Lion Romano foi que era o
segundo homem mais bonito que tinha visto, depois de Prince, é óbvio.
Sentaram-se em uma mesinha redonda, um pouco separada do resto,
cujas vistas davam ao embarcadoiro do rio.
Não tinha aspecto de um expert da informática, mais bem parecia
alguém da SWAT ou dos GIJOE, com essa aparência um pouco letal, sua
cabeça raspada e seus olhos tão azuis que a aturdiam.
Entretanto, Lion acabou sendo um homem muito cordial e pouco
falador, com quem ela se sentiu à vontade desde o primeiro momento.
Sentaram-se juntos e os três compartilharam uma conversa muito
divertida, em que Sharon não deixou de rir com o senso de humor de
Romano.
—Alguém de sua família sabe que é Amo? —perguntou Sharon com
interesse enquanto bebia seu Cosmopolitan.
—Não. Ninguém, nem sequer meus amigos mais próximos. Só Prince
sabe, e porque um dia coincidimos em um casa de jogo clandestino onde
faziam espetáculos de dominação.
—E agora esses espetáculos —explicou Prince elevando sua taça
sorridente—, nós os fazemos.
—E tem submissa fixa? —quis saber. Esse homem teria as mulheres a
seus pés.
—Lion joga com muitas mulheres —interveio Prince—, mas não está
apaixonado por nenhuma delas.
—Jogo de vez em quando com uma mulher chamada Claudia. Mas não
é nada sério. Apenas nos divertimos um momento —comentou bebendo sua
cerveja.
—Ah —Sharon assentiu, não muito convencida.
Havia algo em Lion, algo escondido entre camadas e camadas de cebola
muito crua. Sharon não sabia do que se tratava, mas olhava como se não
confiasse em ninguém, embora seus olhos parecessem sorrir. Gostou dele.
Mostrava apenas o que tinha que mostrar, exatamente como ela, que não era
muito dada a extroversão gratuita.
Como fosse, Lion tinha muito magnetismo. Muitíssimo.
—O que acha do fórum de BDSM de Dragões e Masmorras DS? —
perguntou Lion, olhando-a de frente.
Ela deixou seu Cosmopolitan sobre a mesa e respondeu, relaxada.
—Pois acredito que é divertido. O mundo de BDSM é pequeno, e há
muito má informação e muito má formação. —Ela não tinha muita
experiência, mas tinha se esforçado em aprender com o melhor— É bom que
se tenha um controle sobre locais e práticas. E se aos usuários agrada a ideia
dessa coligação interna e de ter categorias dentro da comunidade, acredito
que não haja nenhum problema. É uma maneira de estar conectados e
também de denunciar irregularidades e entendimentos não consensuais.
—Maus entendidos —esclareceu Lion.
—Como?
—Uma relação não consensual é uma má relação —esclareceu inflexível.
Sharon elevou sua sobrancelha direita e sorriu com malícia. Sim, que
estava sensibilizado com o tema. Isso fez que gostasse dele ainda mais. Lion
era um Amo como é devido; forte, mas respeitoso. Nunca abusaria de seu
poder com ninguém, e menos com uma mulher.
—Estou de acordo com você —confessou ela.
Prince atendia o celular, e respondia uma mensagem. E embora Sharon
estivesse muito entretida com Lion, percebeu a momentânea desconexão de
seu companheiro. Quando se pertencia a alguém tão intensamente, notava-se
em seguida quando ficava ausente.
—O que acontece? —perguntou ela.
—É meu irmão.
—O que diz?
—Não pode vir esta noite. Que é melhor deixarmos na semana que vem,
na casa de meus pais. Jantaremos os cinco juntos, e os conhecerá todos de
uma vez. Tudo bem, querida?
Sharon não gostava da ideia. Deixava-a nervosa a família Steelman, e
isso que não os conhecia. Mas, por Prince, passaria por isso. Como ia dizer a
ele que preferia colocar os dedos molhados em uma tomada que ir conhecer
seus “sogros”?
—Perfeito —assegurou com voz fingida.
—Genial —Prince sorriu como um menino— Vou ao banheiro um
momento —se desculpou com ela, beijou-a na cabeça e olhou para Lion—
Vigia-a para mim? —perguntou a seu amigo.
Lion assentiu sem problemas. Quando Prince se afastou, o moreno
prestou toda sua atenção à namorada de seu melhor amigo.
—Você não quer ir —disse sem mais.
Sharon piscou atônita, e como se ambos tivesse um acordo sem
necessidade de falar-se, decidiu que não ia mentir para ele. Não serviria de
nada, porque Lion via além das pessoas.
—Tanto se nota?
—Não —negou para tranquiliza-la, dando um gole em sua taça de
vinho— Mas, eu sim, noto isso. Seus olhos não mentem —encolheu os
ombros, comentando esse detalhe como se ouvisse chover— Não se preocupe
—a olhou de esguelha e piscou os olhs um olho—, seu segredo estará a salvo
comigo.
Ela exalou e se acomodou na cadeira, apoiando-se completamente no
respaldo.
—Como são os Steelman?
Lion fez uma careta, sem saber muito bem como responder.
—É gente boa. Conheço-os desde que era pequeno —esclareceu— Fale
com eles sobre cassinos e os terá no papo.
—Só sabem falar disso? —proferiu assombrada.
—Sua vida são seus negócios. É difícil tirá-los daí. Mas são pessoas
bondosas. Não costumam meter-se na vida de Prince, assim, suponho que os
deixarão bastante tranquilos. Mesmo assim, para Prince é importante que os
conheçam, porque está apaixonado por você, e se isso é assim, será a primeira
e a última a pisar em sua casa e conhecer sua família. É muita
responsabilidade. Isso sim deveria te deixar nervosa.
—Não —respondeu Sharon, desenhando um meio sorriso— Não é
nenhuma responsabilidade receber o amor de Prince. É um presente. Além
disso, eu também estou apaixonada por ele —deu um penúltimo gole em sua
taça e dirigiu uma última olhada a Lion.
Lion riu e lambeu os lábios.
—Pois me alegra ouvir isso. Prince merece que o amem e que aceitem
sua natureza.
—Então?
—Então o que?
—Passei em seu teste ou não? —Não mordeu a língua. Lion a analisava
como ela fazia com outros.
Apenas um leve piscar dos cílios lhe indicou que tinha surpreendido
Romano.
—Falou-me muito de você e de quão incrível é. E me alegra ver que não
errava. Estou de acordo com ele, Sharon. Fazem muito bom casal —disse sem
mais.
—Obrigada —respondeu com sinceridade.
E depois, ambos relaxaram por fim, como se tivessem decidido gostar
um do outro e serem amigos.
Alejandra, além de ser a relações públicas de La Mamasita, tinha
decidido servir sua mesa, para conversar de vez em quando com eles e brincar
com Sharon, com quem tinha simpatizado rápido e bem.
A espantosa latina se sentou a seu lado enquanto eles degustavam uma
salada de caranguejo e uns pães especiais com molho picante.
Prince se sentia muito orgulhoso de Sharon, da facilidade que teve para
se encaixar com pessoas importantes para ele. E tinha sido assim,
certamente, porque os que tinham a mesma energia dominante, mas estavam
o suficientemente seguros de si mesmos para não sentir-se ameaçados pela
supremacia, tinham a capacidade de relaxar com os de sua mesma espécie.
Lion, Alejandra e ele eram Dominantes. Sharon era sua submissa, mas
Prince tinha aprendido e assimilado que Sharon não era submissa. Era com
ele porque o amava e confiava com os cinco sentidos. Seu caráter rebelde era
muito forte para que ninguém pudesse submetê-la em realidade.
CAPÍTULO 14

As velas da mesa iluminavam seus rostos enquanto confessavam


confidências. A Ama morena era muito eloquente e se assegurava de deixar
sempre bem claro os pontos e os conceitos do que falava. Seu coque alto
estirava a pele do contorno de seus olhos e lhe outorgavam um olhar e
aparência mais tigresa e sexy.
Vestida de couro preto, com saltos finos, e um top curto que deixava à
vista seu abdômen e levantava seu busto. Estava envolvida em tudo e adorava
escandalizar. Mas o fazia com graça, e não incomodava a ninguém.
No entanto, não era seu físico que atraía Sharon. Era sua essência, uma
declaração aberta que falava de força e inteligência.
Aquela era a característica que mais predominava em sua já ressaltada
atitude dominante.
Entretanto, Alejandra, ao mesmo tempo, adorava brincar e tirar sarro
dos outros, brincar com eles como quem brincava com uma poção de comida
no prato, para depois não deixar nem as migalhas e engolir tudo de uma só
vez.
—Olhe, tenho a cabeça assim —disse Alejandra a Sharon— Todos falam
de Sharon, a parceira de Prince. Que é muito bonita, que é muito misteriosa
—girou os olhos—; que pele mais perfeita ela tem, que olhos... E seu cabelo?
—Está com ciúmes? —replicou Sharon, divertida.
—Não. De fato, eu adoro. A concorrência pode ser muito saudável.
Sabe? Tem os traços que deixam loucos os adeptos de BDSM —confessou
arqueando as sobrancelhas, inclinando-se para ela para falar mais baixinho—
Boca perfeita, olhar valentão, corpo brutal, pose ameaçadora... Todos, homens
e mulheres, adorariam a possibilidade de te submeter. É inquietante —
finalizou, dirigindo-lhe um profundo olhar castanho— Intimida e, ao mesmo
tempo, estimula. Basta apertar o botão certo para que você esteja de uma
forma ou de outra.
—Sharon tem um pouco de tudo. É Switch —comentou Lion, levando
um camarão-rosa ao molho à boca— Eu penso o mesmo que você, Ama
Jandra.
Sharon sabia o que era um Switch: uma pessoa que em um
determinado momento e, dependendo da circunstância, pode dominar ou ser
submetido, pois reside nela os dois impulsos: dominação e submissão.
Sharon não estava de acordo, mas não suportava os julgamentos e os
debates ao redor de sua pessoa, assim, calou-se.
Prince, no entanto, nem confirmou nem negou. Todos tinham chegado à
mesma conclusão que ele, e não precisaram conviver com ela para ver sua
verdadeira natureza. Os limites que ela impunha estavam muito marcados
para passá-los por alto.
—Tenho a grande sorte de que esta adorável nazista em potência seja
minha. —Prince passou seu braço pelo respaldo da cadeira de sua
companheira.
Sharon riu ao ouvir o apelido.
Alejandra não deixava de estudá-la com jeito de quem vê mais à frente e
que não crê em nada, até que não comprovasse.
—Você gosta que a dominem, Sharon? Precisa disso para ser feliz? —
perguntou Alejandra, medindo-a. Seus olhos castanhos se escureceram e os
cantos de seus lábios vermelhos se elevaram ligeiramente.
Sharon não sabia se tinha entendido bem a pergunta. Gostava do que
fazia Prince. Necessitava o toque de Prince. Isso era a única coisa que
importava.
—Eu adoro ser dominada por Prince —sentenciou.
A Dominante sorriu abertamente e dedicou um olhar de soslaio para
Príncipe.
—Mas estaria disposta a que outros a submetam? Participaria de uma
domesticação com Lion e comigo?
A loira considerou a proposta e a resposta veio repentinamente à
cabeça.
—Não. —Por mais que ambos parecessem atrativos, ela não seria capaz
de deixar-se atar por ninguém que não fosse seu Senhor.
—Não. Só me submeto se for a ele —continuou Sharon— Não imagino a
outro.
—Então... ?
—Então —interveio o moreno saindo em sua defesa— Sharon só tem um
Dominador, um Amo, e um parceiro —a repreendeu com seus olhos de noite e
mistérios— E sou eu. O resto não a interessa.
Alejandra elevou as mãos em sinal de defesa.
—Apenas estou transmitindo a pergunta que todos se fazem.
—Pois diga a todos que já se podem ir esquecendo. Ninguém vai tocá-la.
—Sharon sorriu e se apaixonou um pouco mais por ele, se coubesse.
—Mas não está marcada ainda —disse Alejandra, confusa, observando
seus pulsos.
—Para isso estamos aqui hoje.
Sharon não compreendia nada do que falavam nesse momento.
Marcados? Como? A que se referia?
Alejandra esfregou o interior dos pulsos e Sharon viu de novo os
triskeles.
Aquele era o símbolo de BDSM, e era chamado o “Emblema”. Os
adeptos de BDSM o tinham escolhido por sua discrição, já que podia ser um
símbolo que as baunilhas confundiriam com uma joia ou um símbolo
religioso, embora o suficientemente relevante para que os praticantes o
pudessem identificar. A borda e os três braços, que deviam curvar-se na
direção das agulhas do relógio, eram dourados de uma cor metalizada. Os três
campos interiores deviam ser negros com um buraco nos mesmos e
representavam as regras básicas do BDSM: “Saudável, seguro e consensual”.
Era uma marca de clã, de sociedade quase secreta. Sharon tinha lido a
respeito e sabia que o desenho se inspirava na marca que levavam os
integrantes da Sociedade de Roissy, na história de O.
Quase todos os presentes de La Mamasita usavam um; uns poucos se
decidiram por anéis de aço que mostravam com orgulho, ou outros elementos
que tivessem a ver com a dominação e a submissão.
—Por isso estamos aqui? —repetiu Sharon sem compreender nada— A
que se refere, Prince?
—Não lhe disse nada? —disse uma Alejandra à beira do riso.
O Amo apertou os lábios, desenhando uma careta, e depois
acrescentou:
—Por que não vai ver o que faz José com os fogões, querida? —seu tom
venenoso não passou despercebido.
—Porque os únicos fogões que meu José tem que controlar, querido
Dom —o desafiou com um sorriso—, são estes —levou as mãos às sinuosas
curvas de seus seios.
Lion abafou uma gargalhada e olhou para outro lado.
—Que descarada —a desaprovou Prince.
—Olá? —Sharon interrompeu sua discussão— Estou aqui —
cantarolou— O que é que não me contou?
Quando Prince se dispunha a lhe contar tudo, o pequeno altar que
tinham colocado no centro da sala se iluminou, e o potente foco iluminou uma
mulher vestida apenas com tiras de couro, que tinha um pé apoiada em uma
cadeira e olhava à multidão com soberba, com os braços cruzados. Sua pele
escura brilhava com purpurina dourada, e a longa tranca negra dominatrix
lhe caía por cima do ombro direito. Em uma mão segurava um aparelho
metálico, parecido com uma caneta.
—Eu lhe disse que esta noite iria conhecer Nina —a recordou Prince
com expressão de desculpa— Pois aí a tem.
Sharon não entendia muito bem a encenação. O que a bela Dominadora
mulata imaginava fazer com essa ferramenta?
—Olá todo mundo —os saudou Nina como se fosse uma senhora e os
outros seus servos— Nina já está aqui! —ainda por cima falava em terceira
pessoa— Quem dos que se encontram na local deseja ser marcado?
—Marcado? —proferiu Sharon, surpreendida. Não entendia
absolutamente nada. E menos pôde compreender quando Prince se levantou
ao seu lado, e puxou-a para que fizesse o mesmo.
A sala proferiu aplausos de júbilo e vivas animados, destinados a
animá-los em sua decisão.
—Não me foda, Prince —sussurrou Sharon, estupefata.
—Não, Rainha. Agora não.
—Que demônios fez? —protestou nervosa.
—Já verá.
Ele colocou a mão na parte baixa de suas costas e caminhou,
acompanhando-a até o palco. Nina fixou seu olhar pardo em Sharon, que o
devolveu sem intimidar-se.
—Bom, já era hora de que nos conhecêssemos! —saudou-a Nina,
oferecendo-lhe a mão para que subisse ao diminuto palco, onde havia uma
maca e uma máquina com pedais, além de muitos vidros muito pequenos e
coloridos— É um prazer te conhecer, Sharon.
—Não sei se posso dizer o mesmo —respondeu ela com decisão.
Nina riu e prestou atenção em Prince, que subia às suas costas.
—Não vai lhe pôr uma máscara? Parece muito ousada... —reconheceu
Nina.
—Não tinha me dado conta —espetou Prince com sarcasmo.
Nina franziu o cenho para depois voltar a estudar Sharon, que não
simpatizava com ela.
—Assim, que é uma loba, hein? Eu gosto disso. —admitiu Nina.
—Que demônio ela está fazendo aqui, Prince? —exigiu saber com
mostras de uma má educação como submissa. Ignorou Nina e, se a ofendia ou
não com isso, importava-a bem pouco.
—Um momento —Nina arregalou os olhos e sorriu, divertida pela
situação— Não sabe?
Sharon se plantou diante do Amo, elevou seu queixo e o encarou.
—O que é que tenho que saber?
A sala tinha emudecido, pois esperava com ânsia o confronto entre
Prince e sua submissa.
—É a noite do Emblema. Acontece uma vez a cada seis meses —
explicou Nina, incrédula— Prince e você serão marcados.
Sharon abriu a boca, atordoada.
Prince sabia que se metia em uma boa confusão com ela, mas
necessitava aquilo. Necessitava-o para ambos, e esperava que Sharon
compreendesse suas razões.
—Não penso me marcar —Sharon se negou categoricamente—Não quero
tatuar o Emblema.
Prince sorriu, atraiu Sharon tomando-a pela cintura, e disse diante de
todos:
—Não faremos o emblema —assegurou— Não tenho uma só tatuagem
em meu corpo, Sharon. E se me marco, é por você, porque quero que tenha o
significado do que representamos um para o outro. Como um selo de
eternidade e de indivisibilidade.
—A que se refere? —sussurrou. Teria gostado que, antes de tudo isso,
ele a tivesse preparado, que lhe dissesse o que iam fazer. Entretanto, estava
escutando essas palavras de perto.
—Não precisamos usar alianças. Mas sei o tipo de mulher que é, e sei o
que está fazendo por mim e pelos dois. Por isso, como símbolo de nosso amor,
quero que tatuemos uma chave e um cadeado em forma de coração.
—Deus... —murmurou Sharon, inquieta. Não gostava muito das
tatuagens porque tinha ouvido que doíam demais. Ao fim e ao cabo, eram
cortes na pele, e os cortes doíam— Por quê? —exigiu saber— Diga-me o que
simbolizam.
—Acredito que é uma mulher —a abraçou e colou seus lábios em seu
ouvido, falando só para que ela o ouvisse— que só pode apaixonar-se uma
vez. Não entrega seu coração a ninguém, a não ser que esse alguém a
submeta com seu amor. Quero que você leve o coração com o cadeado, e eu
possuirei a chave, o único que poderá abrir a porta de sua alma, Sharon. Esta
é minha maneira de te dizer que a amo, e que o nosso amor é para sempre —
seus olhos cheios de promessas e de paixão resplandeciam com a luz direta
do foco central—Se deixe marcar comigo. Criemos juntos nosso próprio
emblema.
Ela piscou para secar os olhos, úmidos pela emoção. Sim, tinha sido
uma declaração pública de amor. Seu Príncipe subiu a um palco para
demonstrar ao mundo que estava apaixonado por ela, tanto ou mais do que
ela estava por ele.
Não, mais não. Mais seria impossível, porque o que sentia por ele
ultrapassava até o ponto de que não o podia medir com nada.
—O que diz, loira? —insistiu Prince contra sua bochecha— O fazemos?
Sharon pigarreou, e, por fim, conseguiu algo positivo.
—É óbvio, Senhor —respondeu para regozijo de todos os presentes.
Sentaram um ao lado do outro, e em todo momento entrelaçaram os
dedos para suportar a dor que a desumana Ama lhes provocava com a
tatuagem. Desenharam no interior do antebraço, ela do esquerdo, e ele do
direito.
E durante a hora e meia que estiveram escutando a música de Thirty
Seconds to Mars, City of Angels, e sofrendo a marca indelével do desenho
ardente na pele, enquanto o resto dos comensais bisbilhotavam o desenho e
subiam e desciam do palco à vontade. Nem Sharon nem Prince pensaram que
essa tatuagem no corpo fosse mais poderosa que a marca que ambos tinham
deixado um no coração do outro.
O que se via não era apenas estético e simbólico, mas o autêntico e real
era, sem dúvida, o que nunca poderiam mostrar, o mais importante e
poderoso.
Porque não havia maneira de vê-lo, apenas senti-lo estando apaixonado.

Na semana seguinte

Prince Steelman tinha crescido com conforto e segurança, vindo de uma


família rica, e não qualquer uma, mas uma grande de Nova Orleans.
Nisso pensava Sharon enquanto o Porsche subia o caminho de cascalho
da mansão Steelman, rodeada de árvores legendárias e monumentais em seu
imóvel de Audubon Park. Eram carvalhos do Sul, de raízes grossas e folhas
espessas, e tão verdes que os raios do sol viajavam através delas com
dificuldade. A mansão se erguia ao final do atalho, como um gigante, que
deixava claro que, para enfrentá-lo, era necessário ser igual.
Para Sharon parecia adorável, tanto que não se podia tocar, como se
houvesse um muro invisível entre eles e o mundo; a sensação que a percorreu
não atenuava seu nervosismo.
—Está bem, bela? —perguntou Prince, muito atento a dela. Sempre
estava. Em tudo.
Sharon virou o rosto para ele e sorriu ao ver que seu companheiro
queria sossegar sua intranquilidade. Devolveu-lhe o sorriso, pois com ele ao
seu lado, não havia nada a temer.
—Não fique assustada. Meus pais são pais. Só Isso.
Ela reservou a resposta para si, mas fez um gesto de compreensão.
—Sei, Prince. É só que quero dar uma boa impressão. Estou bonita?
—Princesa —murmurou eloquentemente—, sempre está bonita.
—Já sabe a que me refiro —reprovou ela, passando as mãos pela saia
do vestido branco que vestia.
Era um Dior. Acompanhava-o com um bracelete de ouro muito fino que
seu homem a tinha presenteado, uns brincos de pérolas e uma gargantilha
em forma de coração que formavam conjunto com o bracelete. Prendeu o
cabelo em um coque alto, o que lhe deu um ar conservador. E o melhor de
tudo, era que quase tudo foi pago por ela, com os lucros que tinha por
moderar a coligação de Dragões e Masmorras DS, e por comparecer às festas
BDSM dos milionários. Que chegavam a pagar somas escandalosas apenas
por usá-los como propaganda.
Pela primeira vez, podia economizar de verdade, mais do que ela
imaginava.
—Querida, é uma senhorita. Dará uma muito boa impressão. Embora
eu prefira que esteja nua, já sabe —encolheu os ombros.
—Senhor, não seja pervertido. E espero que não me ponha em evidência
nem diga nenhuma barbaridade que possa me ruborizar —o olhou de
esguelha.
Prince deixou cair a cabeça para trás e riu com força.
—Mas é que fica tão bonita quando sua pele se ruboriza! —exclamou
risonho.
—Prince, falo sério —Apontando o indicador, adotou seu tom
ameaçador, embora lhe escapasse uma risada.
—E esse tom de professora...! —disse com expressão sonhadora. —
Como eu gosto!
—Prince —seus olhos bicolores o fulminaram, e ele, embora adorasse
provocá-la, decidiu não deixá-la mais nervosa do que já estava.
—Olhe, querida, eu sou o estranho da família, o rebelde. Quando virem
à mulher que me acompanha, não vão acreditar. É certo que esperavam uma
emo ou uma gótica, mas não uma loira espantosa com ar de Grace Kelly. Vai
deixá-los deslocados.
—Que tranquilizador... —murmurou com sarcasmo— E mais ainda por
saber que é o filho rebelde. O desertor. —o recordou com acidez— E saber que
tipo de mulher acreditam que traz.
—Exato —Prince desenhou um amplo sorriso de satisfação— E eu adoro
ser. Já te disse que Dominic é o favorito. Mas, com meu irmão presente, não
haverá nenhum problema. Você gostará dele —piscou um olho para ela. —
Logo verá. Encarrega-se de alegrar as reuniões familiares.
Ela estudou o semblante do Prince.
—Gosta muito dele, não é? De Dom, refiro-me.
—Sim. É um cara especial —respondeu olhando à frente, rodeando a
fonte ornamental da praça onde repousava a esmagante mansão Steel—
Digamos que não leva a sério ninguém. Nem a si mesmo. Isso o faz ser
divertido, e um cara com o que pode falar de tudo, porque não tem
julgamentos. Além disso, ele sempre cuidou de mim.
—Mas não se veem muito —mencionou— Desde que você e eu vivemos
juntos, não esteve com ele nem uma vez —apontou, curiosa.
—É muito difícil me encontrar com Dom. Sempre está viajando. Ainda
assim, nossa relação é como a de dois melhores amigos, que não se veem em
anos, e quando o fazem, é como se não tivesse passado o tempo. Você o
adorará —tomou sua mão esquerda, virou-lhe o pulso e beijou o coração
tatuado. Cada vez que o via, sentia satisfação por ser o único possuidor de
sua chave— Confia em mim.
Ela o faria sempre. E mais quando a olhava daquele modo tão intenso e
tão esperançoso, apesar de usar seus óculos de sol.
—Claro que confio em você —afirmou.
—Eu a amo, Sharon —a recordou, estacionando o carro. Depois a beijou
com ternura.
—E eu a você.
Ambos sorriram como dois tolos, e saíram do Porsche de mãos dadas,
apoiando-se um no outro.
Sharon tomou sua bolsa de mão como uma senhorita e desejou que o
dia passasse o mais rápido possível.
A mansão Steel era feita de tijolos e cerâmica; tinha chãos de madeira
de pinho antigo, três andares, com três claraboias no andar superior. O salão
era contiguo à sala de jantar, o jardim tinha até labirinto; além disso, na parte
de trás, havia um solar e uma piscina climatizada, sem mencionar o banheiro
turco interior, e uma biblioteca que nada tinha que invejar a do French
Quarter.
—E não se perdeu nesta casa quando criança? —perguntou Sharon em
voz baixa, quando o mordomo —porque sim, tinham mordomo—abriu a porta
para eles.
—Perdi-me de propósito muitas vezes. Tenho lugares secretos onde me
esconder —Prince a guiou pelo interior, até chegar ao salão.
Ali, sentada de costas lendo uma revista, encontrava-se Janina, a mãe
de Prince. Tinha o cabelo liso e negro como seu filho. Virou-se e lhes sorriu
com alegria.
Sharon ficou sem palavras, parecia muito mais jovem do que era. O
vestido negro e vaporoso que usava deslizava de maneira leviana pelas curvas,
que continuava mantendo. Certamente, tinha feito cirurgia plástica.
—Meu filho! —abriu os braços e enterrou Prince neles. Tinha uns olhos
verdes grandes e sem rugas— Como me alegro de vê-lo!
—E eu a você, mãe.
—E esta jovem, quem é? —olhou-a de cima a baixo com aprovação.
—É minha mulher—disse orgulhoso— Sharon.
—Vejamos, me deixe te ver —a puxou pelas mãos para estudá-la com
atenção— Sharon, é um prazer. Sou Janina.
—Encantada, senhora —respondeu, desenhando um sorriso tímido em
seus lábios.
—Oh, que bonita é —Janina não tinha problemas em admitir a beleza
de outras mulheres— Alegra-me comprovar que tem bom gosto, filho —o
felicitou— Sabe que é a primeira mulher que Prince traz para casa?
—Espero ser a última também —respondeu esperançosa.
—Mas que bonita é! —repetiu Janina de um modo que parecia que não
acabava de acreditar.
—Eu que o diga! —exclamou de repente uma potente voz às suas
costas.
Quando Sharon se voltou, ainda segura por Janina, viu um homem que
poderia fazer-se passar pelo gêmeo de Prince. Vestido com roupa de noite e
paletó, um rabo de cavalo baixo e preso à nuca, e tão atraente como seu
irmão, embora Dominic não tivesse esses olhos profundos e rasgados. Sorria
de modo pícaro, apesar de que ocultava um tom de soberba nesse gesto tão
eloquente.
E, contudo, o via tão livre de faltas e pecados que parecia flutuar, sem
peso sobre suas costas.
—Este, Sharon, é Dominic —Prince abraçou seu irmão com alegria, e o
outro respondeu com a mesma energia e o mesmo carinho— O bom da
família.
—Olá —a saudou Dominic com simpatia— Tinha feito uma aposta com
meu pai —explicou sem mais.
—Uma aposta? —perguntou Sharon.
—Sim. Sobre a namorada de Prince. Eu apostei que era punk, e meu pai
advogou por um Anjo do Inferno. E acabou que nenhum dos dois ganhou.
Exceto em que sim, é um anjo.
Sharon oscilou os cílios e piscou um pouco, envergonhada pelo
galanteio, mas reagiu com rapidez.
—Nota-se que são irmãos —mencionou com ligeireza— São igualmente
lisonjeiros.
Janina se pôs a rir, e depois de trocar algumas frases protocolares,
dirigiram-se ao jardim interno, para se sentar sob a tenda já preparada para
compartilhar uma aprazível comida, abrigados por tochas metálicas que
serviam de calefação.
—Se tiver frio aqui, Sharon, podemos comer lá dentro —disse uma
agradável e atenta Janina.
—Estou muito bem, obrigada. Não se preocupe.
—Por favor, sejamos informais —ela pediu. Pôs uma mão sobre o peito e
disse em voz baixa— Me chamar de você me faz sentir menos velha.
—De acordo —assentiu Sharon, olhando-a maravilhada. Velha? Essa
mulher era muito atrativa para ter filhos de trinta anos de idade.
Não era a situação incômoda que imaginou. Enquanto Janina explicava
o que iriam comer e continuava lhe jogando galanteios, Prince e Dominic
brincavam entre eles, conversando em voz baixa.
Até que chegou Romeo, o patriarca dos Steelman.
Então, seus dois filhos ficaram eretos e se levantaram como militares, e
o saudaram do mesmo modo. Não houve abraços nem bajulações. Apenas um
aperto de mãos distante, que a jovem estranhou.
Romeo era um homem que tinha o cabelo branco raspado, e os olhos
negros pequenos, com rugas nos cantos, sinal de ter rido muito; seu olhar era
inteligente, ao mesmo tempo em que desconfiado. Marcava distâncias desde o
começo.
Janina era muito mais próxima que ele. E seus filhos eram uma
explosiva mistura das duas personalidades.
—Pai, esta é Sharon —Prince a introduziu imediatamente.
Romeo a olhou com surpresa e com a expressão inequívoca daquele que
vê algo que gosta.
—Não tem a aparência de alguém que conduza uma Harley —
murmurejou, apertando sua mão.
—Não, senhor —respondeu Sharon— Embora não me desagradam.
Romeo e Prince se olharam. Seu namorado sorria, e no fim de segundos,
seu pai fez o mesmo.
—Surpreendeu-me, Prince. O felicito, tem muito bom gosto.
—Estava entre ela e a irmã da Marilyn Manson —comentou irônico e
provocador— Ao final, ganhou Sharon por uns detalhes mínimos —não deu
importância ao último, assim Sharon chutou o tornozelo dele
dissimuladamente por debaixo da mesa, embora Dominic percebeu isso e
escondeu uma gargalhada.
—Bem, me alegro que você ganhou —confessou Romeo, olhando a sua
futura nora.
—E eu —concordou Sharon, acabando de se acomodar na cadeira.
—Sinta-se em sua casa, por favor. Bem-vinda à família —Romeo avisou
ao criado para que começassem a trazer a comida.
Não havia dúvida. Era o líder da manada. E precisava demonstrar que
era.
—Bom, já era hora! —exclamou Janina— Estava farta de tanta
testosterona. Agora, por fim, terei uma aliada. —A mulher soltou uma risada
de cumplicidade, e Sharon gostou dela imediatamente.
Entretanto, aquela família que adorava ter tudo sob controle, não
demoraria em disparar e levar a cabo seu interrogatório. Essa gente estava
destinada a averiguar se Sharon era digna de Prince ou não.
—Antes de nada —interveio Dominic, sentado desajeitado na cadeira—,
recomendo que se tiver algo a dizer ou algo a ocultar, diga o quanto antes,
porque meus pais vão interrogá-la.
Sharon se pôs a rir ante a ideia, mas Romeo não achou muita graça,
tampouco Prince, então Janina riu sonoramente.
—Em realidade, não é para tanto —censurou Janina— Mas dada a
exclusividade desta visita, queremos nos pôr em dia —se justificou.
—Não é um interrogatório —interrompeu Romeo— É uma troca.
Recentemente, fizemos uma viagem a Napa Valley, e trouxemos um vinho
maravilhoso —explicou Romeo, servindo primeiro a convidada— Gosta de
vinho tinto, Sharon?
—Sim, senhor —respondeu, aproximando a taça.
—De onde é?
—Sou de Nova Jersey —respondeu sem mais.
—Uma cidade em crescimento —apontou o pai de Prince, servindo o
vinho a todos os comensais. A seguir, deixou a garrafa em suspensão e ficou
pensativo— Que cassino é o que íamos comprar em Nova Jersey? Ah, sim. O
Trump Taj Majal. Íamos reconvertê-lo em um SteelLuck. Assim é como se
chamam nossos cassinos, Prince lhe falou sobre isso?
—Sim, senhor. Contou-me que estão ampliando a rede de cassinos por
todo o país.
—Assim é —lhe deu a razão sem mais— Você gosta? Jogou alguma vez?
Sharon encolheu os ombros.
—Não me deixam louca —respondeu muito sincera. Não ia enganá-los
para os agradar— Mas sim, sei que o Cassino Pier and Breakwater Beach
Waterpark é um dos melhores de Nova Jersey.
Romeo arqueou suas grisalhas sobrancelhas e a olhou surpreso.
—Quisemos comprar o Taj apenas para fazer concorrência ao Pier and
Breakwater —explicou, dirigindo um olhar de aprovação a ela.
—E como você sabe disso? —perguntou Prince, igualmente surpreso.
—Porque meu pai jogava pôquer —disse rapidamente, passando
superficialmente pelo assunto— E de vez em quando, falava-nos, comigo e
com minha mãe, de como tinha ido o dia nesse cassino.
Prince franziu o cenho, um pouco surpreso.
—Era jogador profissional? —perguntou Dominic sem olhá-la nos olhos,
pegando entre os dedos o aperitivo de sanduíche e picles.
Sharon se sentia incômoda com o assunto, mas não o demonstraria.
—Sim, era.
—Qual era seu nome? —continuou Dominic, mastigando sem degustar
o sabor da massa que tinha na boca.
—Bom…
—O pai de Sharon morreu —Prince saiu em seu resgate.
—Oh, pobrezinha —Janina estendeu sua mão para pousá-la sobre os
dedos frios de Sharon— E nós aqui, chateando-a sobre seu pai.
—Sinto muito —se desculpou Dominic, arrependido.
—Faz muito que morreu? —perguntou Romeo, ignorando o aviso de
Prince.
Sharon cravou seus olhos nele, e quando compreendeu que o homem
não o fazia para incomodá-la, mas sim porque não tinha muitas habilidades
emocionais, não deu atenção, e respondeu mais relaxada.
—Morreu quando eu tinha onze anos.
—Lamento —apontou Romeo— Adoeceu?
Prince lhe lançou um olhar de soslaio, incrédulo. Seu pai era em
realidade tão casmurro como parecia?
—Um acidente de carro.
—Deve ter sido duro para você e para sua mãe —bebeu de sua taça de
vinho.
Então, compreendeu que o melhor era dizer tudo de repente, antes de
esperar que Romeo continuasse com a enxurrada de perguntas incômodas.
—Foi. Mas há gente que em lugar de viver, sobrevive, senhor —
respondeu sem mais— Depois que meu pai morreu, minha mãe adoeceu, e foi
uma longa enfermidade —explicava com a quietude que o passar dos anos lhe
tinha dado, quando o tempo já mitigou a dor— Minha mãe faleceu seis anos
depois, e tive que vir morar com a única pessoa da família que restava, minha
avó Margaret. Com dezessete anos, me mudei para Nova Orleans, logo depois
do Katrina. Assim, que as condições não foram as melhores. Fui à
universidade e tive que trabalhar para custeá-la.
—Oh —disse com interesse— Você foi para a Tulane?
—Pai —o cortou Prince— Se teve que trabalhar para ir à universidade,
de verdade acredita que poderia ir à Tulane, que é particular?
Romeo compreendeu o que queria dizer seu filho, mas não acrescentou
nada mais. Sharon soube que esse homem vivia em sua própria bolha de
dinheiro e felicidade, e acreditava que todos tinham as mesmas
oportunidades.
—Fui à universidade pública, senhor —respondeu Sharon,
desculpando-o ante seus filhos.
—E o que estudou?
—Magistério.
—Oh! —Janina, que mediava por transmitir uma energia sempre
conciliadora e positiva, deu um salto de alegria ao ouvir isso— É professora!
—Sim. Essa é minha titulação. —sorriu como se não houvesse outra. E
bem orgulhosa que estava disso— Embora ainda não exerça.
—Ah, não? —perguntou Dominic—Por quê?
—Estou tomando um ano de descanso —respondeu sem mais. “Um ano
para que seu irmão me amarre e me faça autênticas barbaridades”, pensou
maliciosamente.
—Sharon o merece. Passou toda a vida trabalhando, estudando e
cuidando dos outros —Prince lhe piscou o olho— Mas, agora, eu cuido dela.
Ela avermelhou até a raiz do cabelo.
—Você gosta de crianças, Sharon? —Janina não cabia em si da alegria,
por isso alternava sua atenção entre Prince e ela.
—Sim, eu gosto muito. —respondeu.
—Isso é maravilhoso! Porque Prince morre de vontade de ter filhos! Esse
é seu desejo mais secreto! Não é?
Sharon não soube como encaixar aquela informação. Olhou seu par,
que não negou o que havia dito sua mãe. Prince a penetrava com aqueles
olhos negros, dizendo abertamente que queria seus filhos. Uma sensação de
frio e calor a percorreu de cima a baixo.
Sharon pigarreou nervosa e se remexeu na cadeira.
—Prince tem muito jeito com as crianças. E com as pessoas idosas —
apontou—Minha avó Margaret o adora.
—Eu sempre disse isso. —assegurou Janina— Prince é um homem de
família.
—Bom, talvez seus filhos sim se interessem pelo negócio familiar —
apontou Romeo com um pouco de aversão.
—Já estamos outra vez —murmurou Dominic, pondo cara de
aborrecimento e fazendo Sharon rir— Pai, já lhe disse. Prince não gosta do
negócio. Não tem importância. Já me tem como escravo —piscou um olho a
Sharon.
—Tolo! —o apontou Prince como uma criança.
—Manobrista! —o espetou Dom.
Sharon não podia acreditar, eram como crianças.
—Como seja, me alegra saber que um de meus dois filhos, por fim, quer
assentar a cabeça —Romeo elevou a taça de vinho e propôs um brinde— Nós
adoramos que esteja aqui, Sharon.
Aquele brinde de aceitação não só ressoou sob a tenda, mas sim no
mais profundo da alma da jovem, que não sabia quanto sentia falta do calor
de uma família de verdade.
CAPÍTULO 15

—Sua mãe não deixava de olhar minha tatuagem. —Estavam estirados


na cama, depois de ter feito amor como selvagens. Sharon tinha a cabeça
apoiada no peito de Prince, enquanto acariciava seu duro ventre.
O dia tinha ido muito bem. Divertido em diversas ocasiões, exceto
quando Romeo lançava farpas em Prince, devido ao seu desapego ao negócio
familiar. Sharon admirava a tranquilidade dele ao interagir com seu pai,
quando ela já teria pulado fora em qualquer outro momento. Mas sabia por
que Prince era assim com ele: porque essa atitude de indiferença era a que
mais chateava ao Patriarca, embora seu filho mais novo fosse de tudo, menos
isso.
Em troca, com Dominic, tinha sentimentos opostos: o filho mais velho
parecia envolvido, como ele, no negócio dos cassinos, e era o braço direito de
Romeo. Não obstante, embora fosse um tipo muito divertido e espontâneo,
denotava uma falta de empatia pelo que o rodeava, que camuflava com sua
lábia e suas muitas perguntas.
As coisas afetavam Prince, porque amava a sua família. E não estava
segura de que Dominic se sentisse igual. Com certeza gostava de todos, mas
se estava no negócio, não era por amor nem por devoção, mas sim, porque
assim tinha a vida que queria, muito mais luxuosa, e talvez correta, que a de
seu irmão.
Prince lhe acariciava as costas com a ponta dos dedos, de cima a baixo.
—Gosta de tatuagens —disse sem mais— Mas nunca teve coragem de
fazer uma.
—É uma senhora da alta sociedade —respondeu Sharon, defendendo-a.
Gostava de Janina— Não deveria ter tatuagens.
—Suponho que nunca se sentiu o suficientemente livre para fazer uma.
Não gosta dos falatórios. O que diriam dela?
—Simpatizei muito com ela. —admitiu, o beijando no peito.
—E você a ela. Gostou muito de você.
—E seu pai?
—Também. Embora sua falta de habilidade para se relacionar com as
pessoas fora de seu negócio, possa fazer acreditar o contrário. É muito
desajeitado.
Sharon se pôs a rir. Não podia negar.
—É verdade. Mas é autêntico.
—É, apesar de tudo.
—Ama a família. Preocupa-se com vocês.
—Quer que sejamos como ele. Com Dominic, conseguiu. Mas eu
escapei.
—Não acredito que o tenha conseguido com Dom.
Prince torceu a cabeça e a olhou nos olhos.
—Por que diz isso?
—Deu-me a impressão de que, bem —procurou as palavras adequadas,
e rezou para que saíssem as corretas e não ferisse assim sua sensibilidade—,
seu irmão sabe atuar para que seus pais estejam contentes com ele. Para que
todos estejam.
—Dom adora o negócio. E gosta de ser apresentado em sociedade como
o filho mais velho, o herdeiro, e o que dará continuidade à marca SteelLuck.
Ela fez uma careta para fazê-lo ver que não acreditava completamente
nessa versão.
—É seu irmão. Você o conhece melhor —acrescentou para resolver o
assunto.
—Assim é —Prince se virou e esmagou Sharon contra o colchão,
submetendo-a debaixo dele— Nunca me falou de seu pai… Não sabia que
jogava pôquer.
Não gostava muito do assunto. Não falava dele porque, tampouco, tinha
nada bonito a dizer. E preferia não falar mentiras.
—Eu não gosto de falar dele.
—Entendo —assumiu, unindo sua testa à dela— Deve ser doloroso.
Sabia que Prince relacionaria seu silêncio com esse assunto, com a dor
da perda de um ser querido.
—Não estou preparada ainda —respondeu, acariciando a bochecha dele
com a mão.
—Não me importa —sorriu— Apenas me importa você. Não me
importam quem foi seus pais, se tinham títulos ou dinheiro, se jogavam
pôquer ou as apostas de cavalos, se a levaram a um colégio particular ou
público… Essas tolices relacionadas com o passado podem importar a meu
pai. Mas não a mim. —ele prometeu— A mim, me importa quem é você, agora.
Aqui e comigo. E é o melhor de todos meus dias.
Sharon gemeu e tocou as bochechas até dele até apertá-las.
—Por Deus… por que é tão perfeito para mim? —sussurrou
emocionada.
—Porque fomos feitos um para o outro, querida —moveu suas
sobrancelhas para cima e para baixo, ao estilo irmãos Marx. E,
repentinamente, sua expressão se serenou, e a olhou com um amor tão
grande que lhe pareceu irreal— Minha mãe não brincava.
—Em relação a que? —perguntou ela, retirando o cabelo negro do seu
rosto.
—Em que eu gostaria de ter filhos. Seus filhos —afirmou— Nossos
filhos.
Ela engoliu em seco e piscou, cativada.
—E não tem que ser agora, nem no ano que vem… Mas quero que saiba.
Quero ser pai e dar aos meus filhos os valores que me faltaram.
—Você é maravilhoso, Prince. Não sei se seus pais colaboraram em te
converter no incrível homem que é. Mas é bom, e o amo com todo meu
coração.
—Sharon, você gostaria de ter filhos comigo? Criar uma família juntos?
Ela tomou ar pela boca e pensou que Prince tinha sido uma bênção, um
presente.
—Eu adoraria —disse à beira do pranto.
—Bem —disse penetrando-a lentamente, fazendo-se espaço entre suas
pernas— Te disse que não há pressa, mas… Então, vejamos se recordarmos
como se fazem. E se não sair hoje, já tentaremos outros dias.
Aquela noite fizeram amor com a doçura e a calma que é permitida
depois de fazer de uma maneira tormentosa.
E com a cumplicidade de saber que, quando se diziam que se amavam,
o diziam de verdade.
Estavam em casa.

Depois da visita à mansão Steel, Sharon e Prince continuaram com suas


vidas, com seus papéis como moderadores dentro dos fóruns e seu lugar de
casal perito de BDSM.
Cada domesticação era melhor e mais especial que a anterior. Até o
ponto de que alcançavam uma comunhão tão bestial entre os dois, que às
vezes acreditavam que um estava na mente do outro.
Com o passar dos dias, Dominic que ia e vinha de Las Vegas, onde tinha
nas mãos o projeto de construir um novo cassino SteelLuck, visitava-os de vez
em quando.
Os três tinham boa relação, e Sharon pouco a pouco aceitava sua forma
de ser e começava a pegar carinho por ele, embora não conseguisse confiar
nele cem por cento. Dom era dessas pessoas que todo mundo falava
maravilhas, mas que ninguém conhecia na realidade. Era um excelente
vendedor de si mesmo, e Sharon o tolerava e o aceitava porque era seu
cunhado, e a pessoa que Prince mais gostava.
Algumas vezes os tinha acompanhado a uma noite BDSM, exceto na
quais eles participavam integralmente; Sharon não gostava da ideia de que,
se eles dois faziam um espetáculo conjunto em uma sala privada, Dom
pudesse vê-los através das janelas.
Aquela era sua intimidade, de Prince e dela, e o faziam dentro de seu
círculo. Não atuavam para outros, e menos para a família.
Sua vida com Prince era idílica. Não podia queixar-se de nada.
Sentia-se amada e cuidada, e muito realizada, já que, graças ao
dinheiro que estava ganhando, viajava muito pelos locais BDSM de todos os
estados, conhecia gente muito interessante, e, além disso, sua conta corrente
aumentava de maneira que já não tinha que preocupar-se com o dinheiro.
Sharon nunca sonhou a felicidade que tinha naqueles momentos, essa
sorte tão plena.
Mas tampouco imaginou que a vida lhe mostrasse a face mais cruel da
moeda, como se sua história com aquele momento feliz que ela vivia, fosse um
final sem fim. Mas o fim estava por chegar, e não era, nem de longe, tão
glorioso como ela pensava.
Não houve perdizes.
As melhores e as piores coisas sempre acontecem quando menos se
espera. As pessoas nunca estão suficientemente preparadas para aceitá-las,
sobretudo quando são más.
Naquele lamentável dia, Sharon se encontrava no Temptations, um
clube de BDSM de Nova Orleans, onde Prince e ela iam uma vez ao mês.
Sharon queria dar um presente para Prince em seu aniversário, e tinha
marcado com Dominic na sala da submissão para poder falar com ele a sós,
uma hora antes de Prince chegar.
Sua ideia era fazer uma festa surpresa para seu namorado com a ajuda
de seu irmão e de seu melhor amigo Lion, a quem tinha chamado no mesmo
lugar.
Tinha uma ideia na cabeça e precisava que Lion e Prince participassem
dela, assim que se apoiou no potro de coro negro, cruzou os braços e esperou
que Dom chegasse.
Lion tinha enviado uma mensagem dizendo que chegaria meia hora
mais tarde, por isso, provavelmente, falaria com ele depois.
Ali, em silêncio, era incrível como suas sensações mudavam quando, na
masmorra, não se encontrava seu Amo, nem ela estava nua, pois vestia um
jeans azul claro e uma camiseta branca, e tinha feito uma trança frouxa que
repousava sobre seu ombro esquerdo.
Os objetos que a rodeavam se despersonalizavam e perdiam respeito a
seus olhos. Compreendia que quem lhes dava poder era Prince, pois, por si só,
não lhe diziam nada. Por isso achava engraçado estar naquela sala sem sua
companhia e sentindo-se tão relaxada, uma sensação que distanciava muito
da excitação e a emoção que despertava nela as sessões com seu
companheiro.
A porta da masmorra se abriu, e Dom sorriu assim que a viu.
Sharon lhe devolveu o gesto e esperou que fechasse a porta às suas
costas.
—Olá, cunhada —a saudou Dom, olhando de um lado ao outro. Vestia-
se todo preto, e tinha o cabelo para trás, que adquiria a forma de pequenas
ondas na cabeça, curvando-se, adaptando-se à sua nova forma de uma
maneira insultante, como ele se adaptava; qualquer um diria que Dominic era
um Amo de verdade, pois controlava tudo de uma maneira muito relaxada,
embora quisesse fazer os outros verem o contrário.
Menos a ela. Ela passara tempo estudando-o, querendo ver se na
realidade era o bom moço que vendia o que tentava passar, e ainda tinha suas
reservas. Ninguém era tão magnífico assim sem razão. Apenas os políticos, em
sua corrida para chegar ao governo, transpiravam a simpatia de Dom.
—Olá, Dom.
—Estamos sozinhos? —perguntou.
—Sim —respondeu— Com Lion e Nina, falarei mais tarde.
—Marcou com eles também?
—Sim.
—Muito bem —arregaçou a camisa negra por cima dos antebraços—
Sou todo ouvidos. Para que precisa de mim?
—Quero dar uma festa surpresa para Prince por seu aniversário, e
preciso de cúmplices —explicou sem mais.
—Oh —disse sem muito interesse— É na terça-feira que vem, não?
—Sim, daqui a quatro dias —Devia saber disso. Era o aniversário de seu
irmão— Já que é seu irmão e seu melhor amigo, estaria bem que nesse dia
inventasse uma desculpa para distraí-lo e deixar que outros preparem o Cat’s
Meow para a festa, o que acha? Vai ser uma celebração com toda pompa.
—Claro. Não há problema. Inventarei qualquer desculpa para levá-lo por
aí. Mas não sei se vai querer separar-se de sua mulherzinha—apontou com
tom jocoso— Não a deixa nem de nenhuma maneira. De fato, surpreende-me
que tenha te deixado sozinha desta vez. O que inventou para conseguir isso?
—Disse a ele que ia ver minha avó Margaret —respondeu com uma
desculpa— Que em uma hora nos reuniríamos aqui.
Dom a olhou de cima a baixo e estalou a língua.
—Garota má —seus olhos adquiriram uma cor estranha— Não está bem
dizer mentiras.
Ela girou os olhos e não deu mais importância do que tinha.
—É uma mentira piedosa. Nada mais. Mas não pense que eu gosto de
provocar.
—Oh, sei —Dom se aproximou dela com ares um tanto ameaçadores.
Você gosta de dizer mentiras piedosas, Sharon?
—Não, não minto jamais —respondeu sem se mover do potro, apesar de
ver que Dom se aproximava muito.
—Tem certeza, Sharon?
Foi o tom o que a pôs em guarda, essas palavras enigmáticas e agudas
que apareciam entre linhas o que acabou por desconcertá-la. Descruzou os
braços e o olhou de frente.
—O que está jogando, Dom?
—Sou o irmão mais velho de Prince. Minha família é Steelman e somos
muito influentes na Luisiana. Talvez para Prince não importa quem se meta
em nossa família. —Tomou a ponta de sua trança entre os dedos e deu uns
puxões delicados— Mas a mim não.
Tinha-a tomado de surpresa, e o coração disparou no peito.
—A deixo nervosa? Tem algo a ocultar?
—Diga-me você —respondeu.
—Sharon Cross Fieldman.
Seu nome completo a desestabilizou. Fazia muito que ninguém a
chamava assim. A última vez foi o dia em que seu pai morreu. Tinha colocado
uma cruz em seu sobrenome, melhor dizendo.
Suas pupilas se dilataram e foi envolvida por uma crescente ansiedade.
Aquilo não podia estar acontecendo.
—Surpreende que eu saiba seu nome? —sorriu, sentindo-se ganhador—
Sei tudo sobre você, Sharon. Absolutamente tudo. Sei o que fez. E sei o que te
aconteceu. E como compreenderá, não posso permitir que uma pessoa assim
esteja em nossa família.
Não foi capaz nem de começar a chorar. Sua língua afiada e sempre
disposta para uma boa réplica ficou nocauteada pelo impacto.
—Deixei sem palavras à Rainha de meu irmão? —lamentou, sem sentir.
Via-o. Via-o pela primeira vez em seu esplendor. A Dominic, a pessoa;
ao ogro. Ao verdadeiro demônio que se escondia por trás da fachada do bom
filho e do melhor irmão, inclusive do genro que todas as mães quereriam.
—Sei o que aconteceu —disse sem mais— E tenho seu histórico clínico,
Sharon, também consegui isso.
—É um filho da puta —respondeu, tentando sair da apatia.
—Bom, não exagere —elevou a mão para lhe tocar a bochecha— Quem é
mau e quem não é? É tudo tão subjetivo… —Sharon lhe esbofeteou a mão,
uma atitude que Dom não gostou em nada— Eu ao menos não matei meu
próprio pai. Você sim.
Foi um golpe. Toda sua vida tinha lutado por ocultar aquela realidade.
Ninguém, exceto ela e sua mãe, sabiam o que tinha acontecido, nem o esforço
que fizeram para seguir adiante e começar de novo.
Falou-se muito em Newark sobre o acontecido, e embora Sharon não o
pudesse esquecer jamais, esperava ao menos que outros sim o fizessem. Por
isso, tinha deixado de usar seu sobrenome naquele Estado.
Entretanto, Dominic era uma possibilidade com a qual não contava, e
acabava de explodir em sua cara.
—Quando me disse que seu pai tinha jogado pôquer, quis saber quem
era. Movi meus fios no mundo dos cassinos, utilizei seu sobrenome Fieldman,
e dei com o caso da pequena Sharon Cross Fieldman, que era a única
coincidência que tinha. Então, a ficha caiu. Havia um jogador profissional —
continuou sem nenhum sentimento de culpa—, chamado Berk Cross, ao que
chamavam “O Castigador”. Acabou que Cross, além de ser um excelente
jogador de pôquer, era também um maldoso —desfrutava em ver a Rainha tão
necessitada, apesar de que tentava manter-se inteira— Cross dava surras em
sua mulher, sua mãe Elda.
—Nem a mencione, cachorro.
—Um dia, Cross retornou para sua casa depois de perder muito
dinheiro em uma partida, e descontou em sua mãe. E você, para defendê-la,
agarrou uma faca da cozinha e o esfaqueou no peito, provocando uma ferida
mortal. Sabia muito bem o que fazia, não é, pequena Sharon? É meio
assassina? —provocou-a.
—Cale a boca. —Disse apenas isso.
—Não me calo, porque há mais. Escuta isto, que é o mais divertido —
elevou o dedo indicador de maneira pedante— Passaram-me a parte sobre as
lesões de Sharon Cross Fieldman, a quem seu pai jamais pôs um dedo em
cima.
E era verdade. Seu pai jamais bateu nela. Mas havia muitíssimas
maneiras de destroçar uma criança e lhe fazer dano, como, por exemplo, ver
como maltratavam a sua mãe.
—E o que?
—Mostraram-me seu relatório clínico e descobri algo muito mais grave
que o fato que é uma assassina —manteve uns segundos de incerteza, e ao
final desenhou um sorriso sem alma— A pequena Sharon teve uma diabetes
do tipo 1 até a idade de doze anos, que lhe causou danos no sistema
reprodutor. É estéril, Sharon —disse com voz divertida— E disse a meu irmão
que vai ter seus filhos, já que esse é seu maior desejo. Você o enganou com
uma vil mentira.
Era uma verdade que ela ainda não assumia. Tentava fazer vida normal
e preferia acreditar que algum dia, sim, poderia ter filhos antes de render-se à
obviedade. Nunca aceitaria que seu corpo não pudesse gerar vida.
Chamava-se negação.
—O que quer? —disse Sharon com a voz trêmula. Queria morrer ali
mesmo.
—Uma vez que não é capaz de dizer a meu irmão que não poderá lhe
dar filhos nem descendência, nem pode dizer a minha mãe que só deseja ser
avó; e posto que meus pais jamais aceitariam uma assassina na família —
encolheu os ombros—, quero que fique comigo. Porque não me importam
estas coisas.
—Como diz?
—Você ouviu. Para mim, tanto faz tudo isso. Eu só quero te ter cada
noite em minha cama, e ver como o tolo do meu irmão abre os olhos com a
ideia de amor. Mas meu irmão… o pobre não a perdoará jamais que o tenha
enganado. Sei que estão tentando ficar grávidos. E que não conseguem —
arqueou as sobrancelhas— E Prince acredita que é por culpa dele —riu com
vontade.
—O quê? —disse em um sussurro.
—Sim, não é divertido? Pode acreditar nisso? Tem a uma mulher estéril,
e para não fazê-la sofrer, joga a culpa de sua infertilidade nele mesmo. Não é
justo —a acusou com tom grotesco— É muito má. Mas seu segredo está a
salvo comigo, se deixá-lo e vir comigo. Você terá o dinheiro e a comodidade
que quer, e eu uma mulher que não passa despercebida, e que me chupará
todas as noites.
—Nem em sonho. É maldoso, Dominic. Você não ama seu irmão. Só
ama a si mesmo —soltou com desprezo— Não penso aceitar esta chantagem.
—Bom, então direi a meu irmão a verdade…
—Não! Não pode! —gritou ela.
—Claro que posso!
—Não!
—Então me dê algo para que não o faça! —gritou com cara de louco—
Porque a primeira coisa que farei, quando encontrar meu irmão, será lhe dizer
tudo o que sei sobre você —a olhou de cima a baixo e passou a língua pelos
dentes— E ele te deixará. Não duvide nem um segundo.
—Por que me faz isto?
—Porque olho por minha família —respondeu sem mais.
—Você odeia a sua família. E odeia a seu irmão. Agora vejo.
—Ora, dá no mesmo. Olhe, já a tenho. —de fato, era isso o que queria
desde que tinha entrado ali. — Vou foder você, e vai deixar que eu faça isso,
para experimentar porque ele está tão apaixonado por você.
—Não —repetiu, sentindo-se entre a espada e a parede. Tinha ocultado
sua identidade e queria seguir fazendo-o, havia feito um nome ao lado de
Prince. Não podia permitir que ninguém arrebatasse seus sonhos de qualquer
jeito— Não o farei. Não pode fazer isto.
—É o que você fará! —agarrou-a pelo cabelo e a virou de repente, até
colocá-la de cara ao potro onde, com movimentos muito rápidos e precisos,
atou-lhe os pulsos com as correias e a imobilizou. Era hábil.
—O que está fazendo?! —exclamou tentando mexer-se contra ele— Pare,
Dominic!
—Deixa de brigar, estúpida —grunhiu no ouvido dela— Aprende-se
muito sendo um voyeur. Tanto você como eu sabemos que não vai gritar e
que, se o fizer, não servirá de nada porque esta masmorra é a prova de som.
Sei quem é e sei o muito que valoriza sua intimidade. Não está disposta a que
ninguém descubra suas vergonhas, por isso não vai chamara atenção. Vai
ficar aqui quietinha —lhe desabotoou os jeans e os baixou de repente, pelas
pernas, arrastando sua calcinha com eles. Deixou-a nua da cintura para
baixo— Sabe? Sei a cara de glória que põe meu irmão quando a fode. Vi em
uma das salas privadas. Fiquei duro.
Sharon estava em choque. Não só se sentia acorrentada fisicamente,
mas também emocionalmente. Não acreditava que Dominic se aproveitaria
dela assim. Não queria que ele a tocasse.
Escutou com incredulidade o som da calça jeans de Dominic. Penetrou
uma perna entre as dela e as abriu.
—Quanto mais resistência oponha, mais desfrutarei. Assim, já pode
gritar o que quiser. Serei rápido —murmurou colocando a ponta de seu
membro entre suas pernas. Nem sequer colocou camisinha— Vou te sentir
por completo.
Sharon não gritou.
Não se mexeu.
Estava impedida em muitos níveis.
Por nada do mundo queria que seu segredo fosse descoberto. Não ia lhe
dar o gosto de brigar, assim que ficou quieta como uma morta e esperou que
Dominic acabasse com ela.
—Quando acabar, eu guardarei seu segredo —a penetrou de repente,
sem delicadeza, mas não obteve dela o grito que seus ouvidos desejavam
escutar— E você não dirá jamais o que aconteceu aqui, de acordo, Fieldman?
—mordeu com força o lóbulo de sua orelha até o fazer sangrar— De fato, é
genial que não possa ter filhos, porque não suportaria ter um bastardo. O
sangue Steelman não deve misturar-se com um Fieldman.
Se houve uma vez em que Sharon agradeceu não poder conceber, seria
essa. Se mataria antes de ter a semente do diabo em seu interior.

Lion Romano entrou no Temptations com o tempo muito apertado.


Tinha chegado de Washington em um voo rápido só para ir ao encontro de
sua amiga Sharon. A quem admirava e apreciava por ter conseguido domar ao
animal interior de seu grande amigo Prince.
Um homem com o caráter de Prince só podia ser administrado por uma
mulher de igual temperamento, e essa era Sharon.
Embora ainda não tivessem transbordado a linha da total confiança,
sim sabiam que tinham um feeling especial, um bom coleguismo. E isso que
se dava muito bem com as mulheres em geral, mas com a Sharon, além de ter
uma aberta simpatia, respeitava-a.
Pelo caminho, se encontrou com Dominic, ao que ainda não acabava de
ler; estava enfiando a camisa por dentro das calças. Sorriu e o saudou com
um gesto de cabeça enquanto passava de longe, e Lion fez o mesmo. Não eram
de se perguntar sobre suas vidas, além disso, o mais velho dos Steelman
parecia ter pressa.
Não sabia se confiava nele ou não. Mas, do que estava seguro, era de
que nunca seriam os melhores amigos. Porque Lion não podia se dar bem com
os elitistas nem com os que acreditavam ter sangue azul. E Dominic era
desses, embora o camuflava com sua educação e sua diplomacia.
Ela o esperava na sala da submissão.
Quando Lion chegou, abriu a porta metálica negra, e o que encontrou o
deixou sem palavras.
Ver a Sharon naquele estado era como ver tropeçar uma Rainha, como
se estivesse totalmente rendida. A loira tinha a trança desfeita e os fios longos
e dourados caíam por suas costas sem tristeza nem glória, desleixadas.
Estava de joelhos no chão, nua, exceto pela camiseta que cobria seu
torso. Tinha os pulsos presos com as correias do potro, e apoiava a testa em
uma de suas patas metálicas, ao mesmo tempo que não podia deixar de
chorar em um silêncio que, por falta de som, parecia ainda mais dilacerador.
Lion não pôde processar o que acontecia, até que compreendeu que
Prince nunca submeteria Sharon daquele modo.
E soube. Soube que alguém tinha abusado dela.
A raiva que o percorreu ao segurá-la e tentar levantá-la do chão o
destroçou, quase tanto como ela estava destroçada.
—Deus, Sharon… O que aconteceu?!
—Lion! —Sharon gritou seu nome, brigando por emergir da crise em que
estava sumida— Tire as correias, Rogo-lhe isso!
—Chist, calma. Já vou, já vou…
—É um filho da puta! —gritou, agarrando-o de forma desesperada pela
camisa.
—Quem foi?! —exigiu saber Lion—Diga-me e irei atrás dele! Meto-o no
cárcere agora mesmo! —assegurou sem dar-se conta de que estava expondo
sua verdadeira profissão a Sharon. Embora, no estado em que ela se achava,
não seria muito consciente de suas palavras. Observou-a. Não tinha golpes,
nem corte, nem machucados… mas tinham abusado dela. Alguém a tinha
violentado. — Quem?!
—Não posso! —gritou ela, quebrada pela dor e as lágrimas— Não
posso…
Um pensamento cruzou sua mente. Visualizou Dominic saindo do
Temptations, um pouco ruborizado, metendo a camisa pelo interior das
calças, e compreendeu que sua intuição não falhava.
—Foi Dominic, não foi?
Sharon ficou como peso morto entre seus braços e permitiu que Lion a
balançasse e a abraçasse com força.
—Sim, foi ele —o silêncio era mais revelador que um mísero nome.
—Vou contar ao Prince.
—Lion, por favor, não pode dizer nada! —aquela ameaça a reativou e a
fez brigar como uma fera— Ele não pode saber nada disto!
Romano se esforçava em compreender por que uma mulher que
acabava de sofrer um abuso protegia o seu agressor. Era por medo, é óbvio.
Mas, do que tinha medo?
—Escute, Sharon —Levantou seu rosto e a obrigou a olhá-lo nos olhos.
Seus olhos azuis e os tons distintos dos dela, cujo marrom e verde se
misturavam para formar uma cor única e atormentada, encontraram-se.
—Não faça que te suplique —pediu ela com desespero— Deixa as coisas
como estão —suas mãos tremiam e não deixava de suplicar— Precisa deixar
que fique assim. Hoje não posso suplicar mais, compreende isso? —seu olhar
era um rogo aberto e perdido— Por favor, Lion, me respeite.
O veneno de conhecer um delito como aquele e não poder denunciá-lo
percorreu suas veias até envenená-lo. Mas a respeitava. Entretanto, era a
companheira de seu amigo Prince. Ele devia saber disso.
Se alguém fizesse isso à sua Cleo Connelly, que desconhecia por
completo quanto estava apaixonado por ela, não descansaria até matar a
quem a tivesse ofendido. Porque os Amos apaixonados eram territoriais e
vingativos. E ninguém tocava a sua mulher.
Certamente, Prince pensaria igual. O que devia fazer?
—São os dois uns filhos de uma cadela.
A voz do Prince, cortante e gelada, os deixou expostos e nus, e qualquer
opção para dar desculpas, perdida no tempo, porque nem o lugar nem o
momento era o ideal.

Prince não podia acreditar no que estava vendo.


Sua mulher. O amor de sua vida. A alma que o ajudava a ser melhor,
estava traindo-o com seu melhor amigo.
Sharon estava nos braços de Lion, nua, dizendo que não queria suplicar
mais. Tinha o rímel dos olhos borrado. Ele a teria feito chorar de dor e prazer.
Encontrou com Dominic no exterior do Temptations, fumando um
charuto. Seu irmão dissera que fazia um momento que tinha visto Sharon
entrando com o Lion na sala da submissão em uma atitude um tanto
estranha.
—Eu não sei, irmão. Mas deveria trazer em rédea curta sua
mulherzinha.
Ele tinha estranhado muito, pois ela havia o assegurado que ia ver sua
nona Margaret. De fato, as palavras de Dom caíram como um tiro ao insinuar
que Sharon tinha algo com Lion.
Não o trairia jamais. Nunca o mentiria.
Mas, já o tinha feito. O que faziam os dois juntos no Temptations?
Quando desceu as escadas que davam ao porão, onde o local de BDSM
tinha suas salas, a sombra da dúvida cruzou sua mente e se sentiu miserável
por isso, porque não devia desconfiar da Rainha. Ela era leal e fiel, não só o
amor de sua vida, mas sim, sua melhor amiga. E nunca o magoaria
gratuitamente.
Entretanto, tudo aquilo no que tinha acreditado: o amor e a amizade
acima do resto; a lealdade e a fidelidade por destaque, desvaneceu-se em um
sopro. Ficou às escuras, faltou o amparo da luz de uma vela, da guia que
sempre teve, do farol que o levou de volta para casa: Sharon e tudo o que
representava para ele, desapareceu ao ver a terrível cena que protagonizava
com Lion.
—Quero que pegue suas coisas e dê o fora de minha casa. —disse
Prince entredentes— É uma puta, Sharon.
—Não, inferno! —gritou Lion, enfrentando-o — Ela não fez…!
Não pôde acabar a frase, pois o punho do Prince partiu sua sobrancelha
de repente. A dor, profunda e intensa, o deixou entorpecido no chão.
—Não volte a se dirigir a mim, Lion. É um merda como amigo. Nossa
relação, a partir de agora, vai se limitar a nossas atividades dentro do Rol, e
da liga BDSM.
Sharon o olhou surpreendida pelo que estava acontecendo, por sua
reação.
—O que você fez?!
—O que fiz com ele?! Preocupa-se com ele e não por mim?!
—Prince… Como pode pensar que ele e eu…?
—Não me olhe assim, maldita! —gritou Prince. —Isto é por sua culpa!
Confiava em você! —repreendeu-a, aproximando-se dela de maneira
ameaçadora, agarrando-a pelo braço e sacudindo-a. Sharon permanecia de
joelhos, observando-o fixamente, como se, ao ser descoberta, perdesse todos
seus ambiciosos sonhos— Rameira vulgar! Tinha que escolher o Lion dentre
todos?! Se queria um trio, poderia ter me dito! Mas não —seu rosto, coberto
de cólera, empalideceu ante o fogo de seus olhos— Preferia ter aos dois, não
é?
Lion se levantou do chão e afastou Prince de um empurrão, como um
touro. A sobrancelha aberta não deixava de sair sangue sobre seu olho e sua
bochecha, e escorregava até o queixo, formando um espetáculo grotesco.
Romano parou diante dele, e não permitiu que se aproximasse de
Sharon novamente.
—Pare. Não piore isso ainda mais. —o ordenou Lion.
Prince se pôs a rir como um homem que perdia a razão por segundos.
Depois, cuspiu nas botas de Lion, e lançando um último olhar a Sharon,
acrescentou:
—Fiquem aqui os dois. Para mim, você morreu.
Quando abandonou a sala da submissão, Prince não voltou a olhar para
trás. Não viu como Sharon chorava desconsoladamente sobre o ombro de um
machucado e estupefato Lion.
Para Prince, dava no mesmo. Nunca voltaria a ser o mesmo, pois tudo o
que uma vez amou, tudo que ganhou, havia perdido, tinham-no esmagado
com sua traição.
A traição lacerante de seu melhor amigo.
A traição imperdoável da mulher com quem queria passar o resto de
seus dias.
A vida, tal e como a conhecia, tinha acabado para ele.
CAPÍTULO 16

Não podia viver com a dor. Para Sharon, a vida era uma tigela vazia, um
filme de cinema mudo em preto e branco. Não queria falar com ninguém.
Nem sequer foi capaz de dizer à sua avó Margaret que Prince e ela
tinham rompido, isso quebraria o coração da nona, pois o tinha querido como
a um filho.
Entretanto, sabia que se ficasse lambendo as feridas, nunca levantaria
cabeça. Só restava reagir por si mesma, e também por sua avó, a quem não
gostava de ver triste.
Tinha que fazer das tripas coração. Não render-se.
Apenas tinha tirado uns dias para o luto sentimental, mas quando viu
que aquela dor nunca desapareceria, decidiu que o melhor seria pôr sua
atenção em um novo objetivo. Algo que a obcecasse, algo em que pudesse ter
fixo diante dos olhos, e não parar até alcançá-lo.
Era um membro da liga de BDSM, uma moderadora na representação
de Dragões e Masmorras DS, e não queria se separar daquele universo,
porque agora era seu mundo, que gostava e a preenchia, o único que poderia
salvá-la.
Desceu de seu novo carro, um Dodge Viper negro SRT Roadster, que
tinha comprado fazia um mês, dando como entrada o velho Mustang.
Eram nove da noite, e no French Quarter, uma sexta-feira, as ruas
buliam de vida, repletas de gente que queriam aproveitar bem. Jantar, beber,
dançar, conversar…
Recordou os tempos que tomava outra rua para dirigir-se a Blackshop
Laffite´s, e pensou que, embora tinha perdido muito nos últimos dias, ao
menos, trabalhava em algo que gostava e, graças a Deus, ganhava mais do
que nunca sonhou.
Sua presença no reino dos dragões e das masmorras era tão importante
que, inclusive sem ser companheira de Prince —porque todos já sabiam, ele se
encarregou de apregoá-lo—, chamavam-na e lhe enviavam mensagens para
que fizesse ato de presença em festas e eventos.
E ela queria estar lá, mas como uma pessoa nova que tentava renascer
de suas cinzas, porque já não podia ser quem uma vez tinha sido.
Mudou quando, sendo ainda uma criança, seu mundo veio abaixo ao
defender sua mãe. Lutou por forjar outra identidade e deixar tudo para trás.
Agora faria exatamente o mesmo.
Cabia a ela ressurgir dentre as chamas do incêndio que Prince provocou
em sua existência e em sua alma. E conseguiria, embora, para isso, tivesse
que abraçar a escuridão mais desafiante.
Deteve-se em um portal de grades negras e douradas e pressionou a
campainha em forma de botão prateado. Alguns vizinhos, todos homens,
sentados em suas cadeiras nas calçadas e fumando tabaco negro,
observaram-na atentamente com ar libidinoso.
Imaginava que ninguém conhecia as masmorras das irmãs Laffayette,
apenas os filhos da noite e da dominação.
—Sim?
—Trago uma recompensa. —respondeu Sharon.
Depois que Nina lhes fez a tatuagem, a Ama mulata disse que dirigia
esse local e que, se alguma vez quisesse conhecê-lo, em qualquer sentido, que
a senha para entrar era “Trago uma recompensa”.
Naquela época, a descarada proposta de Nina fez Prince rir, o qual,
nunca imaginaria que ela pudesse visitá-la por decisão própria.
Mas Prince não imaginava tantas coisas… Nunca saberia a verdade
sobre o ocorrido. E, entretanto, o que mais a decepcionava era que
interpretasse mal o que viu e a acusasse com tanta facilidade.
Naquele momento, pareceu um desconhecido cheio de preconceitos e
julgamentos. E depois, sentiu-se tão enganada pelo que ele dizia sentir por
ela, que a decepção foi como um balde de água fria que apagou o fogo que
sempre mantinha aceso.
A porta se abriu de par em par, e Sharon entrou na mansão. Subiu
umas escadas sem muita iluminação e se plantou frente à porta atrás da qual
Nina e suas irmãs dominatrix ofereciam seus serviços.
Na verdade, foi Nina mesmo quem a abriu, envolvida em um macacão
de látex preto brilhante que mantinha tudo no lugar, seios e nádegas bem
levantados. Ela tinha os cabelos longos encaracolados e com aspecto
selvagem, como se tivesse arrumado com esse propósito. Seus traços
azeitonados e elegantes a observaram com fascinação, como se a estivesse
esperando fazia algum tempo.
—Caramba… Olhe o que trouxe a maré —murmurou apoiando-se em
uma perna e tamborilando com as unhas na moldura da porta— Diga-me a
que veio, Sharon —reclamou.
—Venho contratar seus serviços.
Nina levantou as sobrancelhas, até que a testa enrugou.
—Em que sentido?
—Quero que me ensine a ser como você.
Os olhos pardos da Ama se clarearam até parecer quase irreal, como se
um foco a estivesse iluminando.
—Por fim se deu conta —afastou o corpo da entrada da casa e a
permitiu entrar, estendendo o braço para frente.
Sharon ingressou naquele lugar com seu característico arrojo. Nina a
precedia.
Não sabia para onde se dirigia, até que escutou o som de umas risadas
melodiosas, e a voz de um homem submisso dizendo “Sim, Ama” a tudo.
Quando entrou no salão, o homem estava se passando por mesa,
coberto só com um slip de couro negro. Encontrava-se de quatro no centro de
um salão ocupado por dois sofás que desenhavam um L. Havia duas mulheres
conversando entre elas, rindo do mundo.
Nina pigarreou às suas costas, e as duas garotas se viraram para olhar
por cima do ombro.
—Garotas —as alertou Nina.
Sharon reconheceu Alejandra, que em seguida se levantou para saudá-
la e a abraçou.
—Olhe —ela disse, tão espontânea como era—, não sei o que fez Prince,
nem o que aconteceu entre vocês. Mas lamento muito —acrescentou com
sinceridade— Faziam um casal incrível.
—Sim —disse Sharon em voz baixa. Precisava recuperar a memória e a
compaixão— São coisas que acontecem.
—Conhece a Thelma? —disse Alejandra, apresentando uma loira mais
alta que ela, com aspecto de amazona e olhar letal. Era terrivelmente atraente,
tanto, que parecia pecado olhá-la.
—Não —respondeu Sharon— Encantada —ambas se deram a mão.
—Foi a companheira de Príncipe, não? —aventurou-se a dizer.
Sharon não podia negar a quem tinha pertencido nesse mundo.
—Sim. Prince era meu par —sublinhou, invertendo a frase e colocando
a ela como a forte.
Nina se pôs a rir, assim como Alejandra.
—Eu te disse, Jandra —Nina parecia muito satisfeita— É uma loba.
—Uma loba? —perguntou Sharon.
—Por que veio? —repetiu Nina, para que todas ouvissem.
Sharon se postou diante elas e respondeu com naturalidade. Outras se
sentiriam ameaçadas ao encontrar-se em semelhante reunião de guerreiras.
Mas ela não.
—Quero que me ensine a ser uma Ama.
—Sim —Alejandra a tocou no queixo— É uma de nós. Uma loba alfa.
—E isso, o que significa? —quis saber Sharon.
—Que é uma mulher ingovernável, loira. E que permite que um alfa
como você a submeta, apenas porque você decide. Entretanto, sua natureza é
dominar, embora até agora tenha se submetido.
Ela precisava dominar. Sem dúvida. E mais agora que sentia que perdia
o controle de sua vida. Desejava voltar a recuperar a emoção de saber o que
fazia, e do por que o fazia. Com Prince, havia sentido isso.
Mas, nesse momento, estava sedenta de descobrir a si mesma, e de
converter-se de novo na proprietária de suas emoções.
Queria ser a Ama de seu destino, porque jamais, nunca, voltaria a
deixar-se submeter por nada nem por ninguém.
Com Dominic e, depois, com a posterior mentira de Prince, mais
dolorosa ainda que o que lhe fez seu irmão mais velho, tinha tomado a
determinação de não voltar a ser dominada por nenhum homem.
Mas necessitava a dominação e a submissão em sua vida, e tinha
chegado o momento de abraçar à Rainha que havia em seu interior.
—Assume isso? —perguntou Alejandra, levantando-lhe o queixo— Terá
que ser igualmente valente e responsável para submeter-se e para dominar. É
Dominante?
Sharon exalou e decidiu que não restava outra opção. Aquilo seria seu
salva-vidas.
—Assumo.
—Pois se prepare para aprender com Nina —Alejandra sorriu
maliciosamente e olhou a Ama de soslaio— É impiedosa.
—Perfeito —disse Sharon, assentindo e aceitando o desafio.
Ali, rodeada dessas mulheres, ainda envolta na dor das lembranças e na
falta de batimento de seu coração quebrado, Sharon abrangia um novo
horizonte, um novo início.
Porque, das sombras e da escuridão, também nasciam heroínas.
E tinha chegado a hora de dar a boas-vindas à Rainha das Aranhas.
EPÍLOGO

Sharon sabia que ele viria. Cedo ou tarde, durante a noite, ele
apareceria, porque não poderia suportar não vê-la, assim como ela não
poderia suportar jamais não vê-lo.
Chorava por ele a cada maldita noite. Rolava entre os lençóis,
imaginando que o frio tecido eram os braços duros como granito de seu
companheiro. Recordava seu contato, seu aroma, suas carícias... O modo
como ele falava, às vezes que durante o dia a fazia sorrir...
Mas essa noite, como todas, ele viria por ela e monopolizaria suas
necessidades. Porque era incapaz de subsistir sem sua droga. A mesma droga
que ela necessitava para viver.
O corpo dele. O corpo dela.
Escutou seus passos golpeando com segurança a escada de madeira
que o levaria a seu quarto. Sharon já o cheirava. Inspirava profundamente,
desejando a violência, o sexo que criava um elo tão potente entre eles, uma
simbiose tão mística que às vezes parecia irreal.
Ela fechou os olhos e se ergueu na cama. Seu longo cabelo loiro caía por
cima de seus ombros, e a camisola de seda transparente revelava mais que
ocultava.
—Aí está... —sussurrou ela.
A porta se abriu de um chute e as janelas de madeira branca golpearam
a parede, sacudidas pelo repentino vento de Nova Orleans, uma terra de
furacões e tornados.
E eles eram o mais potente de todos os furacões que existiu e que
poderia existir. Não destruiriam povos nem matariam pessoas. Mas o que
juntos criavam era apoteótico, um amor tão duro e violento que podia arrasar
quartos de hotéis e cidades inteiras, deixando um rastro de paixão e sexo
atrás deles.
E não seria a primeira vez.
Sharon lambeu os lábios com a ponta da língua, e olhou para ele.
Prince, que sob a moldura da porta, era a viva imagem do demônio disposto a
estragar a inocência de uma virgem.
Mas tanto ele, como ela, sabiam que entre os dois não haveria nem
virgens, nem santas, nem demônios. Apenas a lascívia aberta e a honestidade
de duas pessoas que viveriam em corpo e alma um para o outro, dispostos a
chupar até a última gota de poder que albergavam.
Prince tinha o cabelo negro preso em um rabo de cavalo, embora lhe
caía alguma mecha por seu arrebatador rosto.
Agora vinham os segundos de suspense, e então ele tirou a camisa preta
e atirou-a ao chão, mostrando seu torso nu apenas para ela, para sua alegria
e prazer.
Sharon esperava com ânsias os próximos movimentos. O Príncipe, sem
mais demora, tirou a calça e ficou completamente nu ante ela. Nunca sabia
como desapareciam suas botas e sua cueca, mas ficava sem elas em um abrir
e fechar de olhos.
E estava tão ereto... Que Sharon notava como ela mesma palpitava
entre as pernas, preparando-se para sua invasão.
Prince se acariciou sem nenhum pudor diante dela. Acima e abaixo,
sem titubear.
—Me quer? —perguntou-lhe sem um pingo de vergonha— Quer isto?
Sharon o olhou fixamente e não respondeu. Pergunta cretina. Para que
perguntava, se já sabia qual era a resposta? Maldito controlador. Como
adorava estar no comando!
Mas ela também. Por essa razão, nunca respondia.
Prince se aproximava dela, sem trocar a expressão de seu rosto, com os
olhos tão negros como a noite, e escurecidos como sua relação. Ajoelhou-se
sobre o colchão e sorriu sem qualquer traço de calor ou carinho.
—Abra as pernas, Sharon. Vou te comer —anunciou Prince.
—Sim, isso, pode comê-la. —disse outra voz dentro do quarto.
Sharon deu um salto e olhou para Prince, que continuava sorrindo.
—O que? Você se incomoda que ele esteja conosco? —perguntou Prince,
olhando-a de cima a baixo, tratando-a como uma prostituta.
Sharon negou, disposta a acabar com o jogo e a sair daquele quarto.
—Se você transou com Lion, transará com meu irmão e comigo também!
—gritou ele.
—Não! Prince! —protestou Sharon, saltando por cima da cama, disposta
a alcançar a janela e fugir dali, apesar da altura.
Dominic a seguiu. O irmão de Prince, tão parecido com ele, tão alto,
moreno e bonito, tudo o que tinha de belo, o ocultava de falso. Pôs-se a correr
atrás dela com um grunhido de hiena mesquinha.
—Não é verdade! —defendeu-se Sharon.
—Como que não? —agora Dom a tinha presa pelo cabelo e a postava
diante de Prince, colocando-a de joelhos ante ambos— Diga a verdade a meu
irmão, cadela!
—Me diga a verdade, cadela! —exigia Prince, atirando-a ao chão e
colocando-se sobre ela para submetê-la.
O rosto de Prince era uma horrível careta de desprezo e lascívia, o que
fez o gradualmente se parecer mais e mais com Dominic. E ambos se
converteram em um.
E começava o terror, o medo, a tortura.
E a vergonha.
Sharon despertou de repente, suando como se acabasse de correr vinte
quilômetros, com as lágrimas caindo por suas úmidas bochechas, e seus
olhos claros avermelhados pelo pânico e o pavor.
Sim. Sharon se encontrava com Prince a cada maldita noite desde que
se separaram. Era como se não pudesse viver sem sua lembrança.
Ele vinha a ela em sonhos. E suas sensações se deslizavam com
loucura, como pelos trilhos de uma montanha russa.
Passava do desejo e a espera, ao medo e a aflição.
E não sabia como tratar seu terror, que tão angustiada a mantinha.
Os pesadelos se pronunciaram, tornando-se mais vívidas ainda desde
que aceitou transar com Prince no Temptations.
O maldito a tinha deixado ardida e inflamada durante dias. E após esse
contato tão intenso, havia tornado a abrir a caixa de pandora.
Uma caixa cuja fechadura era um coração, impermeável como um forte.
E ela tinha cometido o imperdoável erro de deixar que se aproximasse o único
possuidor de sua chave.
Prince.
O que ia fazer?
Ainda aturdida pelo sonho, por esse maldito pesadelo recorrente,
Sharon decidiu descer à cozinha de sua nova casa.
Sua reputação como Rainha das Aranhas tinha crescido de maneira
excepcional, com o que, depois de muito esforço, suor e lágrimas, erigiu-se
como a Ama mais respeitável de todo o mundo BDSM. Já não tinha problemas
de dinheiro, era independente e podia cuidar de sua avó, mantendo ao mesmo
tempo sua cuidadora, com quem estava muito contente.
Sim, sua vida já não era a mesma de antes em muitos aspectos.
Certamente muitos. Mas, acaso as pessoas não podiam reinventar-se?
O tempo ajudava a desinfetar as feridas, mas nunca acabava de
cicatrizá-las. Prova disso era que ainda sonhava com Prince, apesar de que
fazia muito tempo que já não eram um casal, que deixaram de existir como
Amo e Submissa.
Para Sharon, aquele tempo parecia muito distante, sobretudo quando
fazia doma a homens e a mulheres. Nesse momento, só existia o agora.
Entretanto, no abrigo de sua solidão, as lembranças despertavam vigorosas,
com uma força que era impossível evitar.
Mas agora era a Rainha e soberana de seu mundo. A proprietária de sua
vida. E assim devia continuar sendo, pelo bem de sua paz mental.
Fez um chá bem forte e tomou no sofá de couro da sala, que lhe oferecia
uma vista espetacular da Luisiana. Do alto de seu apartamento de cobertura,
tudo parecia ser o contrário.
Não queria analisar quantas vezes se reencontrou com Prince, nem
quem tinha ganhado ou perdido nos choques frontais. Nem tampouco queria
pensar no fato de que ainda, ainda a essas alturas, continuava acreditando
que pudesse ficar grávida. Por isso tinha se desiludido quando chegou a
menstruação depois da suposta secreta sessão particular com Prince, em que
transaram desprotegido. Em seu desejo secreto, ainda tinha esperanças de ser
fértil. E, é óbvio, Prince continuava desconhecendo seu defeito, já que tinha
insinuado que, talvez, carregasse sua semente em seu ventre.
Deus, que desatino...
Só sabia que não queria voltar a o ver nem a falar com ele, porque
falhou com ela, tinha sido destroçada por sua terrível desconfiança. E Sharon
não esquecia. Às vezes, inclusive duvidava se chegaria a perdoar algum dia.
Por outro lado, não havia tornado a encontrar-se com Dominic.
Nenhuma só vez tornou a vê-lo frente a frente, depois do acontecido. O cretino
tinha saído com a jogada completa. Não só abusou dela, mas sim, além disso,
provocou que ambos rompessem, já que o fato de Prince encontrá-la
amarrada e com Lion, tinha sido sua maldita culpa, consequência de seu
abuso.
Não obstante, apesar do ódio e da aversão, Sharon só queria seguir
adiante. Continuar com seu dia a dia. Ignorar que alguma vez esteve na
Mansão Steel, ou que conheceu Janina, ou... que alguma vez esteve tão
apaixonada que se deixou submeter, quando, com o tempo e as lições de
Alejandra e Nina, que eram grandes companheiras suas, tinha descoberto que
as alfas como ela nunca se ajoelhavam; só aceitavam fazê-lo por amor.
Já não restava nada dessa Sharon falsamente submissa. Nas mãos de
Prince, apreciou como uma condenada.
E, entretanto, essas foram as primeiras e as últimas mãos que a
tocariam. Pois era bem sabido no mundo dos Dragões e as Masmorras, que
Sharon tocava, mas ela jamais se deixava tocar.
Sorveu o chá e saboreou suas nuances intensas e mentoladas. Naquele
tempo de formação com as Amas, aprendizagem, eventos e torneios, seu
mundo havia sido envolvido em muitas polêmicas.
Mais ainda depois do segundo Torneio de Dragões e Masmorras DS,
onde ela ficou conhecida como Rainha das Aranhas. Odiava que os
envolvessem em assuntos tão turvos como o tráfico, as máfias ou a droga. O
problema era que o BDSM era um universo pequeno e clandestino, quase
secreto, no qual as pessoas de dinheiro queriam se introduzir não só para
jogar, mas sim para trapacear; e assim sujavam a impoluta reputação dos que
o adotavam como uma maneira de viver saudável, segura e consensual.
Nesses tristes acontecimentos nas Ilhas Virgens, perdeu Thelma, uma
Ama com a qual chegou a dar-se muito bem. Lion e Tigrão foram gravemente
feridos.
Depois, conheceu Cleo Connelly, a companheira de Lion Romano, com
quem teve uma briga, a quem depois foi apresentada e descobriu que era a
mulher que ele adorava.
Também teve um episódio um tanto escuro com Leslie, a irmã mais
velha de Cleo, em uma domesticação no Temptations, com perseguição
incluída.
Sharon tinha aprendido a respeitar esse grupo de temerários, porque
sempre que apareciam os quatro em cena, havia problemas. Como no dia em
que descobriu que a submissa de Thelma, Sophiestication, que era a mulher
de Tigrão, estava em perigo de morte por culpa da máfia japonesa, e por um
assunto que durava das Ilhas Virgens.
Sim, seu mundo, no qual ela era Rainha, estava sendo golpeado por
gangues, máfias e sadomasoquistas sanguinários.
E estava na hora de pôr as coisas em seu lugar.
Ou talvez fosse hora de deixar o Reino da Noite e concentrar-se no lar de
acolhida para crianças no qual estava pensando. Já tinha uma boa parte,
financiada por Prince.
Sorriu malignamente e ligou o televisor, pois eram quatro da
madrugada, e o pesadelo a tinha acordado por completo.
No canal de notícias, saltaram várias imagens às quais não prestou
atenção, até que, de repente, escutou um nome que deixou seu cabelo em pé.
“Alejandra Siqueira, de trinta anos de idade, continua desaparecida. O
corpo de seu marido, José Mendez, foi achado degolado às bordas do
Mississipi”.
Sharon se inclinou para frente, como se não tivesse escutado bem, e
cravou os olhos na tela de sessenta polegadas de sua sala.
—Como? —perguntou assustada.
José? Morto? Alejandra desaparecida?
Sharon ligou para Nina, sem importar que hora era. Nina não atendeu o
telefone. Normal. Estaria dormindo.
A campainha da porta fez que desse um pulo na sala. O coração saía
pela boca.
O que estava acontecendo? Levantou-se rapidamente, arrastando os pés
descalços pelo piso. Ainda estava impactada pela notícia, e nervosa. Muito
nervosa.
E quando abriu a porta e se encontrou cara a cara com seu visitante,
soube que algo não ia nada bem. Superou a vontade de bater a porta em seu
nariz, e ficou imóvel.
—Prince? Que demônios... ?
—Sharon. Está bem?
—Como sabe onde vivo?
—Sharon, responda. —seus olhos suplicantes delatavam sua aflição.
—Você não deveria estar aqui. Sabe o ocorrido a José? E onde está
Alejandra?
—Sim, sei. Sharon —deu um passo para frente, entrando sem sua
permissão, respirando agitadamente— As irmãs Lafayette me ligaram,
perguntando pelo paradeiro da Nina. Também desapareceu.
—O que diz? —não podia acreditar.
—São duas Amas. Conhecidas. Vocês três sempre foram muito amigas.
E sabe quem é a mais conhecida das três?
Sharon piscou atônita. Enrugou o cenho, primeiro pela terrível notícia
de Alejandra, depois de Nina, e por último, por ter Prince em seu apartamento
de cobertura.
—O que está insinuando?
—Acredito que estão atrás de você..
O Amo, tão enorme e alto como sempre, estudou a ampla e panorâmica
sala.
—O quê? Mas o que está dizendo? —Sharon não compreendia nada
ainda.
—O que quero dizer é que está em perigo.
Então, escutaram um som no andar de cima, onde Sharon tinha o
dormitório.
—Estava acompanhada? —perguntou Prince amargamente.
Sharon levou a mão ao robe de seda vermelha, cobriu-se bem e negou
com a cabeça.
O rosto de Prince mudou em um letal, cravou o olhar nas escadas e
sentenciou com voz mortífera:
—Há alguém em sua casa.

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