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AMOS E MASMORRAS
PARTE VII
Ninguém escapará do tear da Rainha das Aranhas
Ainda sinto seus beijos, assim como noto em minha boca o sangue das
feridas que não cicatrizaram. Por ele, por meu Príncipe das Trevas, por esse
homem moreno, belo e mortal, ajoelhei-me e me deixei submeter com a
confiança de que ele sempre confiaria em mim.
Que iludida.
Em suas mãos experimentei a prazerosa dor do castigo, o gozo sublime
da paixão, o toque redentor do mais puro amor. Mas também saboreei a
amargura da injusta condenação. E hoje, quando o vejo, parece-me mentira
que essa pessoa pela qual ainda sinto tanto, essa pessoa a quem tudo dei, ao
me olhar, deixe-me gelada com sua frieza.
Não obstante, o arrogante Príncipe esquece que ele pode cuspir neve,
pois eu sou a descarada Rainha do Gelo. Sua rainha, embora, ele tenha me
convertido em fogo, para logo em seguida me congelar. Agora, que cada um
purga sua alma como pode, e luta com o pouco que resta de sua consciência.
Palavra da Rainha
CAPÍTULO 1
*****
A mulher, colocada de quatro sobre a mesa, com os tornozelos
acorrentados, assim como os pulsos, assentiu diligentemente enquanto
obedecia a ordem de Prince.
A masmorra em que se encontravam tinha instrumentos de tortura que
Prince não utilizaria jamais, mas sabia que o que podia excitar a sua
submissa se encontrava ali, entre tantos artefatos que podiam fazer mal.
—Quanto tempo faz que a domestico?
—Quatro anos, Amo.
—E por que em quatro anos continua me desobedecendo? —Prince
passou a mão por suas nádegas nuas e capturou com os dedos o vibrador que
enchia a vagina de sua submissa, para ajustá-lo mais à sua cavidade,
pressionando até o fundo— Aguente. Tome ar —o vibrador era longo, e Susan
estava muito dilatada. Se quisesse, Prince podia colocar a mão inteira nela.
Susan adorava que açoitassem as plantas dos pés dela com a vara. Não
eram açoites fortes, nem um pouco, mas picavam o justo para que ardesse e
desviasse a atenção do prazer que palpitava em seu sexo.
—Sei por que me desobedece —assegurou Prince— É porque quer que te
castigue —tampou sua boca com uma mordaça
Não responderia. Mas era verdade.
Ela gemeu. Não podia ver seu rosto. Tinha os olhos cobertos por uma
máscara de couro de cor negra, nem tampouco podia falar, porque agora a
mordaça a impedia.
E Susan adorava todos esses brinquedos, e se havia afeiçoado às
domesticações mais exigentes e duras. A mulher, uma importante empresária
acostumada ao estresse e aos negócios duros, necessitava essas
domesticações como ar para respirar.
Entretanto, Prince não ia permitir que transpassasse a linha com ele e
se tornasse sado. Porque ele não era sadomasoquista, nem queria que ela
fosse, já que, então, teria que mudar de Amo e poderia ir parar em mãos
doentes e inadequadas. Mas, quem podia deter os impulsos mais secretos e
escuros de uma pessoa, a não ser ela mesma?
Se Susan queria mais, Prince deixaria de trabalhar com ela, porque se
preocupava com o prazer e a saúde das mulheres que tinham pedido seus
serviços. E ele não estava ali para marcar até fazer sangue. Isso, que o
fizessem outros, mas ele não.
—É isso, Susan? —bateu duas vezes na planta dos pés dela com a vara
e escutou os gemidos luxuriosos da submissa e como assentia frenética
enquanto encolhia os dedos. Estava tão úmida que gotejava— Sim? Então, a
castigarei.
Com a mão aberta, deu-lhe duas bofetadas fortes nas nádegas. Prince
sabia o que viria a seguir. Sua pele se avermelharia, e depois, o sangue iria
diretamente a seu sexo inchado.
E... Zassss!
Susan começou a tremer, presa de um orgasmo brutal.
Depois de cada domesticação, Prince desatava a sua submissa,
felicitava-a e dizia quão orgulhoso estava dela, e depois a deixava um tempo a
sós para que se tranquilizasse e recuperasse a serenidade. Necessitavam
tempo. Todas as submissas necessitavam tempo para aceitar que se
entregaram e que lhes tinha dado justo o que elas pediam.
Entretanto, fazia tempo que as coisas tinham mudado para Prince.
Desde que tinha visto Sharon, todo seu mundo se pôs de pernas para o ar.
Gostava de ser Amo. Maldição, ele tinha nascido para isso. Era o que o
preenchia, era seu modo de viver, não sabia ser de outra maneira, nem
tampouco queria ser. Mas, havia algo que poderia acontecer a um Amo uma
vez na vida. Algo como o que intuía que aconteceu a Lion Romano, um grande
amigo dele, embora ele não falasse disso.
E era: encontrar a sua proprietária, a sua mulher, e querer entregar-se
de corpo, alma e coração só a ela. À Rainha que se deixaria submeter por ele
na cama, embora na vida fosse sua única e autêntica soberana.
Prince desconhecia quem era a Rainha de Lion, a que amava em
segredo, mas a sua ele tinha encontrado na incrível loira altiva atrás do
balcão do Laffite’s. Inclusive seu nome, Sharon, era todo um desafio. E ela...
por todos os demônios! Ela era espetacular.
Desde que a viu, seu coração de amo sabia que pertencia a ela, mas a
jovem já estava comprometida e uma das coisas que Prince odiava era se
intrometer no meio de uma relação.
Entretanto, esperaria. Porque essa mulher era muito para o cara que
acreditava possuí-la, e sabia que se cansaria. Tinha muito claro que Sharon
era muito forte, e necessitava ao seu lado alguém tão forte como ela. Não
bonecos de pano.
E esse alguém era ele.
Por isso, tão logo terminou com seu ex-namorado, ele não perdeu tempo
e entrou em cena. Prince só esperava que sua intromissão tivesse causado
tanta sensação como a que tinha causado a ele tê-la diante de si e olhá-la nos
olhos.
Ela o tinha acorrentado para toda a vida. E ao fazê-lo, tinha-o estragado
para outras submissas.
Com esse pensamento, entrou de novo na masmorra, para encontrar
Susan sentada em uma poltrona vermelha e dourada, já vestida com sua
roupa de executiva e os saltos de agulha negros. Prince imaginou Sharon
sentada ali, como sua monarca, nua para ele, olhando-o atrevida e travessa, e
se excitou de novo.
Mas não era a loira do Laffite’s a que ocupava esse lugar agora. Era
Susan, uma de suas submissas mais antigas, de cabelo negro e curto, e olhos
azuis muito claros; uma submissa que teria que dispensar, porque só queria
se concentrar em uma mulher em particular.
Susan fumava e jogava a fumaça pelo nariz, olhando-o de cima a baixo.
Tinha eliminado todo o estresse e parecia outra pessoa, inclusive mais jovem.
As domesticações limpavam a merda que alguém carregava. Eram como uma
catarse, ou uma sessão de rejuvenescimento.
—Aqui não se pode fumar, Susan. Já sabe —a repreendeu
amavelmente.
Ela encolheu os ombros e apagou o cigarro na sola de seu sapato.
—E você sabe, querido, que por mais que me diga isso, sempre acabo
fazendo-o.
Se sua relação fosse de outra natureza, Prince não lhe permitiria que
hesitasse assim. Mas Susan só era sua submissa durante uma hora e meia de
domesticação. Depois, podia ser tão irreverente como quisesse.
Susan se levantou e passou a mão pelas nádegas, desfrutando da
ardência.
—Preciso que me bata mais forte —sussurrou, estudando seu Amo com
lascívia.
—Não penso em bater mais forte. Não importa o que utilize: a
palmatória, a mão, a vara, o flogger... Use o que usar, essa é minha
intensidade. E sabe que baterei em seu bumbum com dureza. Mas, para você,
nada já é suficiente —disse aproximando-se dela para virá-la e subir o zíper
da saia com cuidado— Você me preocupa.
—Não tem por que —respondeu com um sorriso, olhando à frente—
Aguento muito bem os castigos. Eu adoro. Pode me pressionar mais.
—Mas eu não aprecio infligindo dor. Eu não gosto de te surrar assim
por capricho. Não sou esse tipo de Amo. De fato, duvido que um Amo real
aprecie dar surras desse tipo. Você está procurando um sado.
—Não é verdade —Susan se virou e aproveitou para rodear o pescoço
dele com os braços, em um gesto que o pegou de surpresa— Eu não preciso
de outro Amo. Só de você. O que acontece... —mordeu o lábio inferior— É que
quero te agradar. Que veja quão forte sou por você.
Não. Prince não queria submissas apaixonadas por ele. Porque ele
nunca poderia as tratar nem lhes oferecer o que desejavam.
Essa parte que nunca tinha dado a ninguém já tinha proprietária,
embora a mesma o desconhecia: e estava em Nova Orleans.
—A mim, como Amo, agrada-me que aprecie dos orgasmos que te dou,
Susan. Não quero que confunda que me agradará mais quanto mais dor
aguente por mim. A submissão não se trata disso. Recorda que é um jogo de
mútuo acordo, não uma tortura.
—Sei, Prince —assentiu um tanto envergonhada— Mas... chegou um
ponto onde já não distingo o prazer da dor.
—Mas tem que aprender a identificar o que você gosta mais, Susan —
elevou o queixo dela delicadamente— Porque tenho medo que se vicie à dor,
mais que ao prazer. Tem alma sadomasoquista. E não posso continuar
alimentando isso.
—Não estou de acordo.
—É o que eu vejo.
—Fala como se já não quisesse fazer mais domesticação comigo —o
olhou assustada.
Ele beijou o dorso de sua mão e respondeu:
—E assim é. Hoje foi a última. Não com você, sozinho, não me interprete
mal, mas sim com todas minhas demais submissas. Mas queria me despedir
de você e dizer isso pessoalmente. Porque passamos muitos anos juntos.
Ela negou com a cabeça, nervosa ao comprovar que o homem que lhe
propiciava o prazer e a dor que necessitava, estava fechando sua masmorra.
—Não pode fazer isto comigo... Prince, preciso dos seus cuidados.
—Posso. E devo. E mais agora, Susan, por seu bem. Tem que parar e
escutar o seu corpo com objetividade, ver o que te diz que necessita.
—Por que vai deixar de me ensinar? Não compreendo. Pensava que vivia
disto.
—Eu não vivo disto —assegurou— Mas isto é meu modo de entender a
vida e desfrutar das relações e do prazer. Sou um pouco como você. Você
trabalha em uma multinacional que paga seu salário, mas a sua vida é outra.
Comigo acontece o mesmo. Não obstante, fecho meus compromissos porque
quero me concentrar em uma submissa apenas.
Susan cobriu a boca com as mãos, assombrada ao escutar isso.
— Você disse que nunca tinha se apaixonado por ninguém. Para se
dedicar apenas a uma mulher, supunha que você entregou a alma e coração.
Devo entender que isso é o que te aconteceu? — Ela adivinhou, trêmula.
—Não sei —disse, conhecedor da verdade. Só que não estava disposto a
machucar mais a sua ex-submissa— Só o tempo dirá.
—Pensava que me escolheria... pensava que estava me esforçando muito
para te agradar...
Antes que Susan se pusesse a chorar e dificultasse mais as coisas,
Prince a acompanhou à saída, tentando tranquiliza-la.
Se ela, como a grande maioria, acreditava que ele seria feliz ao
comprovar o sacrifício e a resistência de suas submissas, é que não tinham
compreendido nada.
Um Amo era feliz quando sua submissa alcançava a plenitude e a
liberação e encontrava a si mesma entre seus braços.
—Adeus, Susan —com carinho, Prince a beijou na testa como a uma
menina pequena, e quando fechou a porta de sua masmorra, soube que tinha
fechado a possibilidade de jogar com outras que não fossem sua Rainha.
E isso era justamente o que seu coração dominante desejava.
*****
Tracey tinha uns cem de peito e quadris proporcionais às suas nádegas
de potranca. Seu cabelo castanho e encaracolado ondeava cercando seu rosto,
de bochechas proeminentes e lábios grossos. Seu top branco deixava pouco à
imaginação, qualquer um adivinharia que vestia um sutiã rosa de renda por
baixo.
Mascava chiclete sem parar, e o fazia com o mesmo ímpeto com o que
limpava as mesas e recolhia as bebidas.
Era um bom apoio, porque era muito trabalhadora.
Sharon esperou que se aproximasse do bar para deixar bebidas vazias,
e viu que todos estavam servidos. Eram cinco da tarde, e a essas horas, os
bebedores ainda estavam dormindo, e os turistas não viriam até a chegada da
noite.
—Tracey —Sharon tomou a bandeja que sua companheira deixava e a
deixou na pia.
—Fale, bonita —respondeu a jovem, apoiando-se na mesa de madeira e
fazendo uma bola com o chiclete.
Sharon arqueou uma sobrancelha loira e elevou a mão com a palma
para cima, olhando sua boca com atenção.
A outra vesgueou os olhos e, ao final, jogou fora o chiclete.
—Causa má impressão que mastigue o chiclete assim —a recordou
como tinha feito já milhares de vezes.
—É uma chata. Além disso, relaxa-me para aguentar alguns
indesejáveis.
—Sei. Toma —Sharon levou a mão ao bolso traseiro de suas calças
apertadas e lhe deu uma bala de melancia com menta— Chupa isso, anda.
Assim deixará de mover a mandíbula dessa maneira.
—Obrigada —respondeu a sulina, longe de sentir-se envergonhada.
Tracey era do Texas, mas tinha se apaixonado por um orleaniano. Fazia
cinco anos que vivia ali. E quatro que vivia sozinha. Seu orleaniano era
casado e com filhos. A decepção que levou foi descomunal.
—Ouça, guarda as caras dos homens que serve, Tracey?
—Apenas se forem bonitos —respondeu brincalhona.
“Perfeito. Então deve recordar a cara do moreno impetuoso”, pensou
Sharon.
—Se recorda de ter servido um rapaz moreno, de olhos negros e cabelo
comprido abaixo das orelhas... assim? —destacou-se os ombros— Muito
corpulento e de costas largas. Tipo, um pouco escuro. Sabe a quem me refiro?
Tracey elevou as sobrancelhas e sorriu.
—Querida, claro que sei a quem se refere. O que não entendo é que você
não o tenha visto nunca por aqui. Vem umas duas vezes por semana. Senta-
se nessa mesa —apontou uma muito coberta atrás de uma coluna de
contenção. Certamente, estava pouco iluminada, com razão nunca o viu—
Sozinho. Chama-se Prince.
—Prince? —gostava de seu nome. Combinava com ele— O que costuma
tomar? Lembra?
—Só uísque com gelo.
—E me pediu um Hurricane —disse em voz baixa— Estava me testando.
—Como diz? —não a escutou.
—Não, nada, nada...
—Não sabe quem é?
—Eu? —disse intrigada— Por que teria que saber?
—É o filho caçula dos Steelman. Sua família é uma das mais
importantes de Nova Orleans.
—Que sorte —isso não a importava o mínimo.
O dinheiro não a impressionava. De fato, apesar de conhecer muitas
pessoas, desconhecia a aristocracia orleaniana. Certamente porque nenhum
deles iriam tomar nada no Laffite’s, nem ela tampouco se dirigia à zona alta de
Nova Orleans.
—Dizem que é a ovelha negra da família. Que é um rebelde, um cara
duro desses que gosta de coisas estranhas. E um paquerador —sorriu
coquete.
—Ah, sim? Coisas estranhas? —isso chamou sua atenção. Nova Orleans
era a capital das excentricidades.
—Sim —assegurou enrolando um cacho em seu dedo indicador— Não
sei ao que se referem com isso. Talvez faça missas do galo ou coisas assim —
disse sem importância. Depois, deu de ombros e saboreou a bala com gosto—
Não me importaria que me fizesse coisas estranhas. Já sabe, toooooda a
noite...
Sharon pôs-se a rir. Não podia culpar Tracey por pensar assim. Ela
mesma tinha passado a semana fantasiando com ele.
Era a primeira vez que fantasiava com alguém; porque, por sorte ou por
desgraça, desisnteresse que Sharon estava de saco cheio, desejo que tinha
caído ipso facto.
Com o Prince não era assim. Ele a tinha mantido em suspense e tinha
despertado seu interesse.
E o certo era que uma estranha excitação percorria seu ventre ante a
expectativa de vê-lo no dia seguinte.
Sorriu pensativa e maliciosa. Iria lhe preparar um Hurricane que não
esqueceria jamais.
CAPÍTULO 3
Sábado
1
O arroz sujo é um prato tradicional Cajun, que consiste em arroz branco cozido com fígado picado e outras
vísceras de frango, o que dá uma escura (“suja”) e sabor suave, mas diferente.
—Não. É minha avó. Tem uma mão incrível para cozinhar... —o frango
cheirava tão bem, quase igual ao que fazia sua avó— São meus pratos
favoritos.
—Vive sozinha com ela?
—Sim. Há oito anos —comentou sem rastro de melancolia. O tempo
curava todas as feridas.
—E seus pais?
—Meu pai morreu quando eu tinha nove anos.
—Sinto muito.
—Não... já passou. Ele era alcoólatra e, bem..., teve um acidente
enquanto conduzia bêbado.
—Ei. Sinto ter tocado no assunto…
—Não. De verdade que não me importa.
—Tudo bem —a olhou com orgulho— E sua mãe?
—Minha mãe, Elda, lutou contra uma longa enfermidade durante muito
tempo. Morreu faz oito anos —suspirou, tentando não tingir sua narração de
tristeza— Vivia em Nova Jersey quando fiquei sozinha, e sendo menor de
idade, com dezessete anos, tive que vir a Nova Orleans para morar com minha
avó Margaret.
—Tem vinte e cinco agora?
—Não. Acabei de fazer vinte e seis.
—Você é uma sobrevivente. —apontou com a voz cheia de reverência.
—Tento. A cada dia —confirmou, colocando o cabelo por cima do ombro
esquerdo.
—Sinto tudo o que aconteceu com você, Sharon —reconheceu com
muito tato—, mas agradeço que seu destino tenha te trazido até aqui. Do
contrário, nunca teríamos nos conhecido —sorriu, e ao fazê-lo, misturou
sinceridade e também pesar.
E foi esse sorriso. Esse sincero e tímido sorriso cheio de verdade, que
tocou seu coração e a deixou sem palavras, sem defesas e sem argumentos
que lhe ancorassem a ideia na cabeça de que deveria afastar-se dele se não
quisesse se meter em uma enorme confusão chamada “amor”.
CAPÍTULO 4
Cat´s Meow
****
Sharon não tinha palavras para expressar o impressionada que estava
por ter passado uma noite como essa na companhia de Prince. Sentia um
profundo agradecimento por ele, por ter dado a ela a possibilidade de entrar
em um mundo como aquele, como convidada, como uma olheira qualquer. O
que não sabia era que, o efeito de ver os dominadores e os submissos em
ação, tinha sido o mesmo que uma tarde de circo para uma criança, a qual,
depois chegaria em sua casa querendo ser trapezista ou domadora de leões.
O certo era que, depois de contemplar esses jogos consensuais, Sharon
sentia que seu corpo vibrava. Seus olhos, vitais e mais iluminados que nunca,
luziam com uma consciência especial. Como se acabasse de descobrir o que
era, e o que queria ser quando crescesse. Tinha sido uma revelação.
Olhou de esguelha seu acompanhante e imaginou um sem fim de
maneiras de jogar com ele. De pôr em prática cada ação, cada martírio, cada
beijo. Entretanto, também tinha algumas dúvidas.
Dúvidas que não passavam inadvertidas a Prince.
—Já chegamos —Prince desligou o motor do veículo, e com isso, a voz
do Michael Bolton cantando Dance with me também se desvaneceu. Ficou na
calçada em frente ao jardim da casa de Sharon. Ela tinha dado o endereço, e
uma vez que eram as seis da manhã e que o sol não demoraria para sair,
decidiu que o melhor seria que se deitasse. Essa noite não podia tê-la, embora
sua alma doesse.
—Deixa-me em casa? —perguntou desorientada.
—Sim.
Piscou aturdida. Esperava que Prince a levasse para sua casa. Que
acabassem a noite como ambos queriam.
—Deve ter sido um grande choque para você, Sharon. Suponho que tem
que pensar em muitas coisas.
Ela observou a escuridão através das janelas. A espessa vegetação e a
umidade da zona de Nova Orleans que rodeava o Misisipi embaçavam os
vidros com facilidade.
Certo. Talvez tivesse que pensar em muitas coisas. Mas havia uma em
que não queria pensar muito, porque o corpo dela pedia: e era beijar esse
canhão dominante, a essa fera que tentava por todos os meios manter contido
o bárbaro que faria com ela o que quisesse.
Olhar os jogos de dominação com ele ao seu lado; sentir sua forte
presença e sua voz rochosa que parecia que penetrava em seu interior cada
vez que lhe explicava por que Alejandra fazia o que fazia com o José, e o que
sentiria José, a deixou quente e úmida. Porque se viu nas duas conjunturas.
A que dava, e a que recebia. E adorava as duas. Acendiam-na como nada o
tinha feito antes.
Assim, sim, tinha dúvidas. Mas a principal era: o que sentiria ao tomar
a boca do Amo entre seus dentes? Queria provar Prince com urgência, como
se de repente o necessitasse para respirar.
Retirou o cinto, e se lançou para subir em cima dele e beijá-lo como
morria de vontade de fazer.
Mas Prince, segurando-a pelos ombros, afastou-a.
—Entre em sua casa, Sharon. Seja uma boa menina —lhe pediu com
expressão aflita.
Ela demorou vários segundos para dar-se conta do que acontecia.
— Está se desviando de mim? —perguntou incrédula.
—Creia-me. É o melhor. Quero que pense e tome uma decisão a nosso
respeito. —tomou ar pelo nariz— Entre em sua casa. Agora.
Parecia estar fazendo esforços sobre-humanos para controlar-se.
Mas Sharon, longe de ser compreensiva, sentiu-se mal e rejeitada. Como
se Prince acabasse de dizer a ela que não ia ter o que queria. Que esse doce
não era para ela.
—Não pode me esquentar a noite toda para depois me chutar do seu
carro —o recriminou com raiva. — É um grande amo covarde de meia-tigela.
Ia sair do carro, mas Prince a puxou pelo braço com força e impediu que
saísse soltando a última palavra.
—Me dê a resposta daqui a dois dias. Pense nisso. E se tiver coragem,
volte a me dizer isso na cara, então.
—Que volte a lhe dizer o que? Veja: É um grande amo covarde de meia-
tigela.
Aquilo o irritou, mas era um Amo versado em controlar suas emoções
para que as submissas não o enganassem com chantagens emocionais.
—Estou te dando tempo. Deveria me agradecer por isso. Não vou te
beijar agora, não antes de decidir se quer continuar me vendo ou não.
—Te agradecer pelo quê? Pensei que gostava de mim... Levou-me para
ver um espetáculo que me deixou louca —assinala frustrada— Depois me traz
para minha casa como uma menina e, ato seguido, rejeita-me. Qual foi seu
jogo toda esta noite?
Ele lamentou que não o entendesse. Mas era o melhor.
—Não vou te beijar agora, não antes de decidir se quer continuar me
vendo ou não.
—E por quê?
—Porque antes quero que esteja segura, compreende?
—Me solte —Sharon deu um forte puxão para libertar-se, e,
envergonhada porque Prince tinha tanto autocontrole e ela tão pouco, abriu a
porta da cerca de sua casa e entrou no jardim.
—Dois dias, Sharon —ele disse do carro.
Ela, que andava como soberana de seu território, levantou o dedo do
meio para ele, sem olhá-lo.
Prince a ignorou, mas anotou a afronta na memória; mesmo assim,
ficou cativado pelo como que seu cabelo loiro brilhava solto e se movia de um
lado ao outro.
Mas que linda era a condenada.
Arrancou o carro com valentia, e se forçou a afastar-se dali antes que
sua vontade cedesse e acabasse escalando a fachada para entrar pela janela e
possuí-la como de verdade desejava, embora seria a primeira vez.
Dava no mesmo. Se Sharon se entregasse, se entregaria a ele com todas
as consequências.
CAPÍTULO 6
*****
—Homem, acredita no amor à primeira vista?
Prince tomava sua cerveja gelada, sentado em um terraço da rua
Bourbon, enquanto perguntava a seu grande amigo Lion sobre algo que
rondava sua cabeça desde o primeiro momento que avistou Sharon atrás do
balcão do Laffite’s.
Ele e Lion tinham estado ajudando Nina com a elaboração e
reestruturação das melhores masmorras de Nova Orleans. Cada uma era de
um estilo: a do Leão, a do Príncipe, a do Súdito, o Imperador, a Criatura...
Lion e ele eram amigos fazia tempo, já que suas famílias se conheciam e
tinham grande influência no Estado. Ver-se e encontrar-se frequentemente
nos mesmos círculos, uniu a um par de incompreendidos, liberais e selvagens
muito parecidos: nenhum dos dois continuaria com o legado familiar. Romano
tinha uma empresa de software em Washington, o homem era uma fera da
informática. E ele, por sua vez, se dedicaria a investir seus próprias lucros em
outros projetos que considerasse interessantes. Fossem estacionamentos,
restaurantes... Ou o que se interessasse.
Aproveitando que Lion estava em Nova Orleans durante um curto fim de
semana, Nina, uma Ama mulata proprietária de um local secreto e
subterrâneo dedicado à prática de domesticações, solicitou seus
conhecimentos como Amos experientes. Nina era procedente de uma família
de Dominadoras, todas mulheres muito respeitadas dentro do submundo e
tinha pedido conselho aos dois, aproveitando sua boa relação e o fato de que
se conheciam muito bem, já que frequentavam o mesmo mundo de Amos e de
Masmorras.
Depois de lhe dar alguns conselhos sobre cruzes de Santo Andrés e
correntes de teto, os dois, Lion e Prince, que fazia tempo que não se viam,
ficaram para conversar.
Prince tinha em alta estima a Lion. Era um cara legal e sensato, que
nunca tinha criticado nada do que tinha feito e em troca, sempre o tinha
apoiado em tudo.
Nunca falavam de amor. Apenas de dominação e das necessidades que
requeriam as submissas.
Entretanto, aquele dia, o Amo dominante elevou suas sobrancelhas
negras surpreso por sua pergunta, e piscou risonho com dois olhos azuis
grandes e claros.
—Se acredito no amor à primeira vista?
—Sim —Prince deu um gole em seu café, olhando à frente, fingindo
desinteresse por sua resposta quando, em realidade, sabia que qualquer
informação de Lion seria bem-vinda— Nunca falamos disso. Como Amo,
acredita no amor à primeira vista? Pode se apaixonar por alguém a quem não
conheça, e não saiba se agrada ou não a dominação?
Lion bebeu de sua cerveja e fez uma careta.
—Não se acredita no amor à primeira vista. Experimenta-se.
—E você o experimentou alguma vez?
Os olhos do Lion refulgiram com afirmação e depois passou a mão por
sua cabeça raspada ao estilo militar.
—Esse é o ponto, homem —respondeu Romano.
—Por quê?
—Porque eu estou apaixonado pela mesma pessoa desde o primeiro
momento em que a vi. E faz muito tempo. E continuo esperando que a vida
nos una.
—Gosta da dominação? —por fim falava dela.
—Não. Bom, não sei... —respondeu confuso—. Por que me pergunta
isso? —o olhou de esguelha— Caçaram você, Principezinho? —brincou.
Prince exalou, esticou a pernas em todo seu comprimento e deixou sua
cabeça cair para trás, permitindo que as pontas de seu cabelo acariciassem
suas costas.
—Droga... sim.
—Sim? —Lion pôs-se a rir— Nem sequer duvida? Pois o pegou forte.
—Você mesmo disse. Continua apaixonado por sua garota misteriosa
após tanto tempo.
—Certo. Mas o deixa claro?
—Tão claro como você —respondeu com o olhar fixo no céu espaçoso do
entardecer.
—Pois saiba que é uma merda ser Amo querendo e desejando a outra —
advertiu Lion— Porque quando nos apaixonamos, entregamos o coração sem
falar. Ela, minha... bom, a mulher que quero, tem o meu e nem sabe.
—E por que não tenta se aproximar dela? —Prince não o entendia. Era a
primeira vez que se sentia assim, tão louco por alguém, até o ponto que tê-la
visto e conhecido o mostrava quão sozinho até então tinha estado— Se for a
mulher que te submete, deveria tentar.
—Agora é impossível —negou Lion— Tenho muito trabalho em
Washington, com um novo software... Estou esperando que este projeto acabe
de uma vez para tentar me aproximar dela.
—Mas se esperar, pode passar muito. E se ela encontrar outro?
—Não —respondeu com determinação— Rezarei para que isso não
aconteça e me espere.
Prince bufou intranquilo e apoiou os cotovelos na mesa redonda
metálica.
—Pois eu não tenho nem ideia como pôde fazer domesticações e estar
com outras mulheres se é apaixonado por outra que não pode ter.
—Pois fazendo das tripas coração —respondeu com sinceridade— E
tomando as domesticações como uma maneira de me aperfeiçoar para quando
chegar a ela.
—Pois eu não posso —respondeu Prince. Era impossível centrar-se em
nada mais que não fossem os olhos amendoados de Sharon e seu caráter
altivo e rebelde. Deus, obcecava-o e o deixava louco. Tudo de uma vez— Tomei
a determinação de deixar as domesticações.
—Sério? —olhou-o, supreso.
—Sim. No outro dia, cortei o contrato com minhas submissas.
—É uma loucura. É um Amo puro. Esta é sua maneira de viver e de
sentir, como a minha. Não pode deixá-la.
—Quem falou em deixar? —retificou— É só que quero continuar e
seguir em nosso mundo, mas com ela. Como minha companheira de jogos e
de vida. Quero-a em tudo.
—Sei... —murmurou contrariado— Mas, Prince, ela é submissa?
Prince sorriu ante a lembrança de Sharon zangada porque não tinha
podido conseguir o beijo que ambos desejavam.
—Ela não sabe que é. Mas precisa de mim. É descarada e indolente
quando a provoca. Tem um caráter forte e até agora fez o que quis com os
homens.
—E você vai mudar isso?
—Não. Não vou mudá-la. Eu adoro como é, e quero que ela também se
ame assim. Mas Sharon necessita de alguém como eu. Que a impulsione,
estimule e demonstre quem é mais forte, porque no fundo, apesar de sua
autossuficiência, precisa apoiar-se em alguém mais poderoso que ela, que
cuide, apoie e dê o que sua parte mais escura pede. Mentiria para você se não
te dissesse que acredito que tem aptidões para ser uma Dominadora
espetacular. Mas, embora esse é seu talento natural, por seu delicioso caráter
altivo, não é o que ela deseja. Sharon procura que a dominem. E eu estou
louco por ser o primeiro e o último em conseguir isso. Quero que fique comigo.
—A isso se chama ter as coisas claras —augurou Lion— Mas droga, não
sei nem o que te dizer. É delicado introduzir alguém doce demais em nossos
jogos. Às vezes, podem chegar a interpretar mal as coisas.
Prince negou categoricamente.
—Não. Com ela não. Digo a você que acredito que nasceu para isto.
Além disso, não faz nada que não queira fazer. É muito confiante.
Lion escutou com atenção o seu amigo e assentiu com orgulho.
—Um desafio completo. Quisera eu ter sua oportunidade.
—Espero que a tenha logo. Eu não seria capaz de fazer o que você faz
tendo meu coração e minha mente em outra parte.
—Ossos do ofício —replicou Lion, assumindo suas dificuldades— Pois
então, é isso. —Lion elevou sua cerveja e animou Prince a fazer o mesmo—
Que seu plano tenha êxito!
Prince brindou com ele, os fundos das garrafas de vidro chocaram uma
contra a outra, e enquanto continuavam conversando, Prince não deixou de
pensar nenhuma só vez em qual ia ser a resposta de Sharon à sua proposta.
Apenas esperava que chegasse a noite.
Ver-se, e depois... Depois seria dele para sempre.
CAPÍTULO 7
Tinha ouvido falar sobre um frenesi sexual que podia deixar louco a
quem o sofria. Prince era capaz de levar uma submissa ao estado de absoluta
entrega. Mas nunca experimentou a sensação de ser a vítima, de chegar a
esse ponto com ela.
Não sabia o que o havia possuído. Bem, sim, sabia: Sharon. Ela tinha
fritado seu cérebro. Presumia-se que ele era o dominante. Mas, em casos
autênticos e especiais, como era o deles, era a submissa quem na realidade
dominava o Amo.
E assim havia sido. Porque, embora Sharon estivesse algemada, era ela
quem exigia mais. E ele quem dava e agradava seus desejos.
Seja como fosse, tinha sido muito para ela essa primeira noite. E tinha
medo de ter se excedido.
Ele tinha o pênis irritado, sabia como ela ardia ao mover-se em seu
interior. E ela estava tão inchada que até mesmo era difícil penetrá-la.
Era um maldito selvagem. Mas era assim com a mulher que queria ter a
seu lado. Se ela o aceitasse, teria que aprender a tratá-lo sabendo que suas
necessidades eram… poderosas.
Amanheceu na masmorra. Estiveram possuindo-se durante horas.
Nesse momento, acabavam de chegar ao último orgasmo, onde uma Sharon
suada e esgotada não pedia clemência por ser orgulhosa, mas seu corpo, sim,
exigia a gritos.
Prince levantou as mãos com dificuldade, de tão cansado que estava, e
conseguiu soltá-la. Os braços da jovem caíram frouxos ao lado de seu corpo
nu. Estava ensopada de suor. As gotas salgadas escorregavam entre os seios e
o pescoço.
Estava tão sexy que doía olhá-la. Mas precisava descansar. Ambos o
necessitavam com urgência.
Sharon estava em choque. Nada do que ela tinha feito antes com outros
homens se parecia, nem remotamente, àquela perseguição e demolição que
seu corpo tinha experimentado nessa noite. Prince era um demolidor.
Demolition Man.
O que podia dizer? Precisava dizer algo? Após seis horas sem parar, e
oito prazerosos e dolorosos orgasmos, não era capaz de tecer palavras ou de
dar coerência a algum comentário.
Estava exausta.
E tinha a sensação que ele também. Entretanto, o Amo teve forças para
acariciar suas costas e abraçá-la forte, pele contra pele. Levantando-a nos
braços, saindo dela com cuidado, embora a irritação incomodasse aos dois,
subiu as escadas tirando-a de sua masmorra para sua luxuosa casa exterior.
—Vamos dormir, preciosa —ele disse com voz doce.
—Não posso dormir muito. Tenho que ir ver minha avó —respondeu
meio inconsciente, com o cabelo loiro colado ao rosto e o rosto lânguido e
sublimemente relaxado.
—Shhhii. Agora vá descansar —ele ordenou— A acordarei para levá-la
para sua casa, se desejar.
—Mmm… —respondeu fechando os olhos, acomodando-se contra ele.
Prince subiu ao andar superior, abriu uma porta branca enorme e
entrou em sua suíte. Sharon tentou abrir um olho, e torta como estava, pôde
a ver muito pouco. Ao menos, sabia que aquele lugar estava decorado com um
gosto excelente e que se parecia com uma das suítes de luxo que tinha visto
pela televisão, em programas de decoração.
Prince a deixou com suavidade na cama King, afastou a colcha de seda
marrom, e colocou Sharon sob o frio lençol.
Ele a seguiu e colou seu tronco às suas costas, passando um braço por
cima dela. Molhados como estavam, não poderiam separar-se depois.
2
Modelo de cueca masculina de tecido fino e elástico, sem perna apertado, que segue logo acima da coxa, na
parte inferior do quadril.
lhe dava de comer, colocando pedaços macios de pão na boca dele e
oferecendo de sua xícara.
A casa havia pertencido a uma família de Nova Orleans, e ele a comprou
para restaurá-la e convertê-la no castelo vitoriano que tanto chamava a
atenção por fora. E isso porque não o tinham visto por dentro, pensava
Sharon. Porque ficariam sem palavras. Tinha três andares, contando a
masmorra e o bosque particular, com fontes e cascatas artificiais. Os dois
andares superiores constavam de cinco quartos, uma área de bar com balcão
e bilhar no andar principal, uma cozinha americana aberta que dava a um
salão de quarenta metros quadrados, cujas vistas estavam orientadas à
piscina particular com chillout. Tinha duas suítes com banheiros, e uma
biblioteca e um escritório que parecia um apartamento de solteiro. E tudo
decorado com móveis claros, piso brilhante, vigas de madeira no teto, falsos
tetos altos, mudanças de ambientes com distintas alturas… Enfim, uma
autêntica maravilha de design.
—É incrível. E é toda sua?
—Sim.
—De seus negócios com estacionamentos?
Prince lhe deu um beliscão no traseiro e ela se queixou, morrendo de
rir.
—Não sou o homem do estacionamento, espertinha. Sou proprietário de
imóveis para o aluguel de estacionamentos fixos.
—Certo, entendi… como seja. É linda, Prince. De verdade.
—Você sim é linda.
Ela pigarreou, nervosa.
—Quer que te diga agora como é minha casa? —perguntou, puxando o
cabelo dele, e ignorando seu último galanteio— Ficará pertificado, tenho
certeza.
—Me conte.
—Para começar, tem uma cozinha que necessita uma urgente reforma,
porque a lava-louça perde água e faz umas poças bonitas como as que você
tem em seu bosque particular —Prince pôs-se a rir e cruzou os braços,
divertido. — Minha piscina é inflável, e já tem um esparadrapo, porque furou,
mas a condenada aguenta. Além disso, tem uma linda boia em forma de pneu
que minha avó Margaret adora.
—Sei… —Prince a escutava, segurando a risada.
—Meu chuveiro tem dupla saída, pela ducha e também pela mangueira,
que tenho que trocar. Tenho um forno que não sei controlar e que queima a
comida com uma facilidade espantosa. Tenho a sorte de que minha avó
Margaret cozinhe tão bem e que se entenda com os fogões… Ah, e a casa tem
ar condicionado. Isso sim. Abrem-se todas as janelas e parece Twister —disse
movendo os braços de um lado ao outro— Você assistiu?
—Sim —respondeu, ele retirando uma mecha loira do seu rosto— Eu
gosto da parte da vaca voando…
—Eu também! —disse ela, cobrindo a boca para soltar uma gargalhada.
—Ouça, Sharon… —Prince a cortou de repente quando sentou-a de
novo montada sobre ele. Cara a cara.
—O que? —sussurrou, abraçando-se a ele. Era como se seu corpo, sua
corpulência e aquela montanha de músculos e sombras fossem seu verdadeiro
lar.
Ele cravou seus olhos negros no falso teto de madeira com vigas que
decoravam seu quarto.
—Sabe que isto muda tudo, não é? Acaba de entrar em minha vida, e te
disse que consequências trariam.
Sim. É óbvio que sim. Sua vida já tinha mudado no momento em que
seus olhares se encontraram. E agora, depois de despir um ao outro e ver-se
tal qual eram, não havia volta atrás.
Era dela. E ela era dele.
Antes de responder, pensou sobre o que comportava dar uma resposta
afirmativa. Beijou-lhe o cabelo e apoiou a bochecha sobre sua cabeça.
—Pode pensar o que quiser —disse lendo sua mente— Mas nem eu
poderei dormir longe de você. Nem você poderá fazê-lo longe de mim.
“Pelo amor de Deus…”, Prince sentenciava quando falava. O pior era
que não podia rebatê-lo.
—Sim, sei —reconheceu.
—Sou consciente de sua situação com sua avó. É muito independente.
Mas deixa que eu me encarregue de tudo —pediu com humildade— Permita-
me cuidar de você. De vocês.
—Sei cuidar de mim sozinha —respondeu impressionada por suas
palavras— Não precisa fazer nada disso.
Ele negou com a cabeça, e o coração de Sharon alagou de amor ao ver a
adoração e a preocupação em seus olhos.
—Não. Não me entendeu. Sei muito bem que pode cuidar de si mesma.
Acredito que esteve fazendo isso a vida toda —Aquele era um pensamento
muito dele que tinha decidido dizer em voz alta. Era como se Sharon tivesse
nascido autossuficiente. Como se a vida tivesse invertido os papéis para com
ela, e a tivesse convertido em cuidadora de todos— Mas, eu preciso cuidar de
você. Preciso saber que vai me permitir fazer isso.
—Não sou uma criança —disse lisonjeada, acariciando o cabelo dele.
Que ele permitisse que ela fizesse isso, era como experimentar a maravilhosa
sensação de acalmar a um lobo— Tenho responsabilidades. Minhas. Não
suas.
—Cuidarei delas —ele pediu— Sei que não é uma menina. Mas me deixe
cuidar de você como a Rainha que é para mim.
Contra isso, nada podia rebater. Era a primeira vez que encontrava um
homem verdadeiramente capacitado para cuidar dela como requeria. Porque,
por ele, sim, tinha se apaixonado. Dos outros não.
Como podia pôr freio a essa sensação? Acaso queria? Não.
A resposta era negativa.
Uma noite nos braços de Prince tinha servido para dar-se conta de que
desejava isso todos os dias. Seria ávida e ansiosa por ele. Porque o queria. E o
necessitava.
Prince abriu para ela as portas de seu mundo. E Sharon não queria sair
dele.
—Vai muito rápido, Príncipe —ela murmurou, passando os dedos pela
ponte aristocrática de seu nariz. Tinha que acalmar os ânimos— Não vou
fugir. Não penso ir a nenhum lado. Temos tempo…
—Sei. Não temo que escape. É só que… —Seus olhos não mostravam
hesitação algum. Só decisão e verdade— Esperei muito para encontrar alguém
como você —sorriu com uma desculpa.
—Quer me colocar rédeas curtas?
—Sim. Quero isso.
Sharon negou.
—Não pode controlar tudo.
—Você tampouco —exalou, procurando encontrar as palavras
adequadas— Sharon, quero te dar tudo o que merece. Quero cuidar de você a
partir de hoje. E quero… Quero você, todos os dias comigo —asseverou—
Quero para te fazer feliz. Para te dar tudo o que quiser, tudo o que necessitar.
Para que seja a Rainha de meu mundo, e a soberana do chão que pisar. Me
agrade.
—O que diz? —Uma estranha sensação a percorreu. Era luz, cheia de
amor e agradecimento. Emocionou-se de alegria, porque alguém via nela
muito mais do que ela via em si mesma. Nunca tinha chorado de alegria. De
fato, Sharon era uma mulher que custava chorar. Quando criança, tinha
chorado. Quando adolescente também, sobretudo com a morte de sua mãe.
Mas depois… Depois se fez forte e dura ante a vida, as injustiças e o muito
que se devia brigar pelo bem-estar das pessoas. Mas nunca se emocionou
pelas doces palavras dos outros— Não sou uma submissa desse tipo, Prince.
Está me falando de uma dominação total —se afastou ligeiramente para
assegurar-se de que seus olhos não mentiam— Um… 24/73.
—Sim, inferno. —se reafirmou sem pudor— Sou um Amo. Tenho a
imperiosa necessidade de cuidar de você, de todas suas necessidades. Não
estou louco, não sou um sociopata pirado, nem tenho traumas. Sei o que
quero. Já viu —olhou ao seu redor— Minha própria casa tem uma masmorra
abaixo, para que você e eu joguemos. Mas, à margem do que façamos em
nossa intimidade… —tocou-a nas bochechas e lhe acariciou as maçãs do
rosto com os polegares—, e a risco de que possa parecer precipitado e de que
a assuste, aí vai: quero-a comigo as vinte e quatro horas, os sete dias da
semana.
3
Vinte quatro horas por dia... sete dias por semana. Tudo. Sempre.
—Quer que viva com você? Já?
—Viva comigo, Sharon. A partir de hoje. A partir de agora.
Ela não soube nem o que responder. A ideia lhe parecia maravilhosa,
altamente atrativa, como um sonho feito realidade. Entretanto, deviam pensar
as coisas, não? Não se podia dizer sim a tudo. Não era uma inconsequente.
—Me dê tempo —pediu incômoda. Doeu ver como a luz dos olhos de
Prince se apagava ligeiramente. O tinha magoado.
—Não confia em mim. Se entregou lá embaixo, mas não confia em mim
—disse com o rosto tenso e decepcionado.
—Apenas te peço o normal, Prince. Que levemos com calma.
—Não pode nos tratar como a todos. Não pode acreditar que o que
experimentamos é o que acontece em todas as relações. Você e eu somos
especiais, não se dá conta? Sabe que o que temos não é comum.
—Não o estou tratando como se fosse algo comum. Só estou recorrendo
da pouca coerência que resta comigo quando estou com você. Ouça, Prince,
não ponha essa cara —Sharon o tocou no queixo— Submeti-me a você, em
sua masmorra. Não me diga que não confio, porque não é verdade. Mas não
posso mudar minha vida assim de repente. Minha avó precisa dos meus
cuidados, e eu tenho que trabalhar para poder pagar tudo, e…
—Estou te pedindo que deixe isso tudo para mim. Que me deixe te
ajudar —replicou— Eu não dou importância ao dinheiro que você dá. Para
mim, só é apenas um meio, nada mais. Não rege minha vida.
—Não seja cínico —espetou— Sua vida é a que é porque pagou por isso.
Sim, ganhou também. Mas você a pagou. Nós, a plebe, temos que trabalhar
todos os dias para subsistir e poder comprar algum capricho. Não dá
importância ao dinheiro porque o tem.
—Você não é plebe —ele disse apaixonado— É uma Rainha.
—O que você disser. Mas sou uma Rainha trabalhadora. E, por
enquanto, penso fazer isso. Tudo bem
Ele afastou o olhar, taciturno.
Irritava-o muitíssimo que Sharon não visse que o melhor para ela, e
para ele, era que estivessem juntos. Não via o quão positivo seria que ela não
trabalhasse nesse bar, que sua avó estivesse cuidada por especialistas todo o
dia, e que Sharon, por uma vez em sua vida, cedesse as rédeas totalmente e
se esquecesse de sacrificar-se por outros. Que vivesse sua vida plenamente.
Que a mimassem e a mal criassem.
—Então, não quer em 24/7? —perguntou pela última vez. Não ia
pressioná-la.
—Não —negou terminante— Quero meu espaço. Pode me dar isso?
—É óbvio. Não vou te obrigar a nada.
—E quero que você e eu conheçamos nosso ritmo.
—Eu já te conheço —respondeu seco— E você já me conhece. E, se sabe
como somos e como é a natureza de nossa relação, entenderá que o que pede
vai ser doloroso, verdade?
—Não seja exagerado —respondeu um pouco insegura— Não vai ser
para tanto. Nos veremos todas as noites…
—Não esta semana, preciosa —disse, estalando com a língua— Vou
amanhã a uma reunião de amigos BDSM em Nova Iorque, e estarei aqui na
quinta-feira.
—Ah —disse, emudecendo e pensativa.
—Você gostaria de vir?
—Claro que eu gostaria. Mas… não posso pedir dispensa para te
acompanhar. Não há garotas para me substituir.
—Bom. Não se preocupe. Irei sozinho —comentou como se não tivesse
acontecido nada— Nos veremos em alguns dias.
Sharon o estudou com atenção. Era estranho sentir uma crescente
ansiedade no peito ante a ideia de não o ver.
—É uma reunião como a do Cat´s Meow?
—Parecida, mas mais relaxante. Conversamos, olhamos e apreciamos
juntos.
—Apreciam juntos? Suponho que só vai conversar, não? Quero dizer —
estreitou os olhos— Não vai praticar nada.
Prince encolheu os ombros para provocá-la.
—Não deveria, verdade?
—Não. É óbvio que não —proibiu cortante— E quando sai seu avião?
—Chego lá pela manhã. Sai de madrugada.
Aquilo foi como um jarro de água fria. Poderia ter dito a ela antes.
Acabavam de passar essa noite juntos e já partia. Não gostou de saber.
—Esta noite não nos veremos, então —respondeu, dissimulando sua
decepção.
—Não. Até a quinta-feira, não —esclareceu ele—Dado que não quer se
lançar à piscina comigo —replicou, falsamente submisso—, teremos que
manter esta relação assim. Eu tenho meus assuntos e você tem os seus.
Veremo-nos quando pudermos.
Claro que sim. Assim devia ser. Isso era o normal, não?
Os nervos ante sua ausência antecipada atormentaram seu estômago,
mas apagou seu desconforto com um sorriso resplandecente.
Sim. Iriam pouco a pouco. Era o mais coerente.
—Pois, é melhor aproveitarmos o tempo que resta, não acha? —Sharon
rodeou seu pescoço com os braços— Onde está o unguento?
Prince sorriu como o diabo que era, e qualquer tristeza por ter sido
rejeitado, desapareceu do seu rosto.
—Me dê. Eu o passo em você.
Quando ao meio-dia chegou em sua casa, depois de despedir-se com
beijos de Prince em seu carro, Sharon sorria como uma boba.
Ainda notava os cuidados que ele tinha dedicado entre as pernas; os
beijos, a cadência e a suavidade de sua língua entre suas dobras, como a
tinha degustado e comido. Tinha apagado qualquer rastro de dor em seu
interior e em seu exterior, e a tinha preparado para ele, de novo.
Prince podia ser o mais carinhoso, e também o mais inclemente. Sua
maneira de fazer amor era… especial. Dava tudo, e exigia tudo. Era muito
persuasivo e exigente, e a deixava sem defesas. O Príncipe gostava de tê-la
atada, por isso tinha utilizado umas algemas que guardava no criado mudo, e
as tinha prendido às vigas brancas da cabeceira da cama.
Sharon tinha entendido que não gostava de dominá-la. O que mais
gostava era de saber que ela confiava no que fazia, que não o temia, e que
confiava que um homem alto e musculoso, que quase a dobrava em peso,
desse-lhe prazer e dor. Que controlasse até que ponto podia pressioná-la.
Que soubesse com sabedoria que teclas tocar.
Depois de lhe dar alguns orgasmos mais, e de fazê-la sofrer para
consegui-lo, por fim, Prince deixou que fosse sua vez. A balançou na cama,
provocando que a estrutura se movesse de um lado ao outro, e a obrigou a
sentir sua empunhadura até o fundo. Então, voltou a gozar em seu interior,
protegido pelo preservativo.
Sharon recordava cada detalhe. E também se zangava ao recordar a
negativa de Prince para que ela o tocasse.
Havia dito que não. Que o adiaria porque, assim, quando ele permitisse,
a experiência seria melhor.
—Quero que morra de vontade de me tocar e de me fazer o que quiser,
Sharon. Que deseje tanto que não possa deixar de pensar nisso.
Enfim, coisas do Dominante.
Não a importava que fosse um Amo, de fato, era uma qualidade que
apreciava muitíssimo, não um defeito. Estava tão seguro de si mesmo que era
a única pessoa com a que tinha aprendido a relaxar estando entre seus
braços. E esse caráter mandão a deixava extasiada.
Tudo teria ido uma maravilha se as coisas fossem como ela imaginava.
Tentava não pensar muito nele, mas foi impossível. Algumas vezes fracassava
estrondosamente; outras, como a dessa mesma noite da terça-feira, eram
agentes externos os que a deixavam de mau humor e com um desgosto difícil
de ignorar.
Sharon servia um Hurricane a três turistas jovens que não deixavam de
dizer coisas desagradáveis às suas costas. Que estivesse acostumada a isso,
não significava que gostasse. De fato, cada vez lhe parecia mais penoso o
modo de funcionar dos homens. Será que não tinham educação? Não tinham
classe?
Não. Não era isso. A verdade era que, comparados com Prince, todos
esses pareciam saídos de uma creche de crianças, inseguros e descerebrados.
Em uma tentativa para ignorá-los, enquanto Tracey recolhia as bebidas da
mesa cinco, Sharon se dispôs a recolher do balcão e a limpá-la com um pano
amarelo.
Eram onze da noite, e na televisão de plasma do bar se emitia a Fox 8
TV, um canal de Nova Orleans, que a essas horas da noite transmitia um
programa sobre celebridades e fofocas de gente famosa.
Nunca prestava atenção, não como Tracey, que os absorvia por inteiro
como se fosse uma bíblia, em sua cabeça.
Tracey assobiou aproximando-se do balcão, balançando os quadris de
um lado ao outro, provocando o pessoal. Sharon franziu o cenho e elevou o
olhar:
—Por que os assobios? Quer que a olhem mais do que já fazem?
—Bem, uma das duas tem que ser a simpática, não acha? —riu com
soberba— Além disso, não faço para chamar a atenção. Viu isso? —apontou a
televisão.
—Se vi o que?
—O que mostrou na televisão —estalou os dedos para fazê-la despertar.
—Tracey, não me importam besteiras. Eu não me importo com essas
pessoas.
A garçonete deixou a bandeja sobre o balcão e depois apoiou as costas
na estrutura, para observar a televisão com atenção.
—Veja. Todos cospem dinheiro. Uma festa em Nova Iorque para pessoas
que depositam anualmente entre sete e oito dígitos ao ano. Não é
escandaloso? —enrolou um de seus cachos castanhos no dedo indicador— É
injusto que uns tenham tanto e outros tão pouco.
Mal ouviu mencionar Nova Iorque, Sharon prestou atenção.
Exatamente, não sabia o que esperava encontrar ao olhar às imagens, mas
certamente não imaginava ver isso.
As limusines iam e vinham; seguranças abriam as portas, e os
convidados à festa vestiam-se de maneira sexy, ao mesmo tempo elegante;
sorridentes, mostrando o poder e o dinheiro que ostentavam.
—Um desses vestidos vale mais do que ganho em um ano —comentou
Tracey com assombro.
Poderia ter se fixado em todos esses detalhes superficiais que sua
companheira mencionava. Poderia ter se fixado nas joias que usavam, nos
flashes, nos carros que estacionavam, e nas personalidades reconhecidas que
compareciam àquele local da elite de Nova Iorque.
Mas sua mente e sua atenção focalizaram em uma única imagem que a
deixou paralisada, e sobre a qual a repórter dava ênfase.
“O filho mais jovem dos Steelman, donos dos cassinos de Lusiana, que
estão se expandindo pelo Sul dos Estados Unidos, foi muito bem acompanhado
por uma beldade mulata, a bela Zoe Saldaña. Será sua nova namorada?”
Sentiu algo explodir por dentro. Tal e qual. Antes, quando ouvia falar
sobre o ciúme doentio de algumas mulheres, apenas ria deles. Porque nunca
tinha experimentado ciúmes por nada nem por ninguém. Se alguém queria
pôr chifres em outro, os colocava, tivessem medo ou não. Assim, de nada
servia encolerizar-se por isso.
Mas aquela azeda sensação a esbofeteou pela primeira vez quando a
imagem de Prince, de mãos dadas com a tal Zoe Saldaña, gravou fogo em sua
retina. Que fazia ele com outra garota? O que…?
—É bonito o diabo, hein? —disse Tracey em voz alta, ignorando a
relação que tinham Sharon e ele— Aposto que o vestido dourado e apertado
que a modelo mulata usa foi comprado por ele. Já vi essa garota —apontou a
tela— Se parece com uma dessas irmãs afro-americanas que vivem por aqui
perto… —disse pensativa, tocando o queixo com o dedo indicador— Se parece.
Mas acredito que não é.
Pena que tudo se encaixava.
Quando o fogo arrasou suas veias e a raiva fundiu seu bom senso,
Sharon reagiu e jogou o pano com força contra o bar.
Teve um mal-estar de repente.
Virou-se, secando as mãos úmidas nas calças e se abaixou para pegar a
bolsa que deixava sempre debaixo da mesa, em um armário reservado para
isso. Pegou o celular com uma fúria incompreensível, e discou depressa o
telefone de Prince.
O tinha. Não queria ser chata. Nem ele a tinha ligado, nem ela a ele.
Evitava de todos os meios escrever ou lhe telefonar, porque não queria dar
uma imagem de desespero.
Mas essa situação bem o requeria.
Prince havia dito que ia a uma reunião de amigos de BDSM em Nova
Iorque. Era essa a reunião? E o que envolvia a reunião?
Seria capaz de agir como Amo com outras? Bem era verdade que não
tinham estipulado nem normas nem limites em sua relação, e ainda mais
depois de ter rejeitado sua proposta tão abertamente, mas… que demônios
fazia ele com outra, de mãos dadas, diante de tudo e de todos?
Não era justo.
Rangendo os dentes, esperou que ele atendesse o telefone, mas por que
o faria se talvez estivesse se divertindo com essa mulher?
Pensar isso a feria mortalmente. Cortava-a de cima a baixo. Não queria
que Prince tocasse a ninguém que não fosse ela.
Acreditava que ambos se possuíam, não? Como se atrevia a ir com
outras a esses eventos? E o que fariam ali dentro, pelo amor de Deus? E ela
tinha direito de sentir-se assim, por passar a noite mais maravilhosa de sua
vida ao seu lado? Isso lhe outorgava poderes? Quais?
Prince não atendeu em nenhum momento.
—Não quero imaginar como esses acabarão a noite… —disse Tracey,
acrescentando inconscientemente mais lenha ao fogo.
—Ei, garotas… o que nos cobrariam por um beijo? —disse um do trio de
amigos, com meio corpo aparecendo sobre o balcão.
Sua cabeça começou a doer e o peito encolheu. Ela estaria lá, se
pudesse. Mas tinha que trabalhar, e Prince a tinha substituído com a rapidez
com que se remove um prego. Quem era ela?
—Tão bonitos, com tanto poder… —murmurava Tracey, ignorando os
clientes— Acredita que montarão orgias de algum tipo? Cheiram a sexo daqui
—elevou o nariz.
—Apenas um beijo —pediu um daqueles do trio— Ou, se quiserem,
depois podemos montar nossa festa particular. Pagamos muito bem —moveu
os quadris obscenamente.
—Certamente que a morena que acompanha Steelman tem cara de ter
transado no carro. Esse cara, com certeza, sabe como mover esse corpaço…
Sharon explodiu, não aguentando mais.
—Cale a boca, Tracey! —gritou com as bochechas avermelhadas e seus
olhos claros rasgados pela ira— E vocês! —apontou o trio— Saiam daqui!
Agora! Nem Tracey nem eu somos putas! E se fosse, nem por dinheiro
ransaria com você! —olhou o falador e o humilhou diante de todos.
—Mais tarde você vai engolir isso! —espetou o cara com aspecto de
militar da marinha, o mais valentão de todos— Logo verá!
—Você sim, que vai engolir meu punho, imbecis —Pietro, o encarregado
da segurança do Laffite´s, não teve que fazer nada mais que aparecer de
surpresa atrás deles, para que as três perturbações abandonassem o pub com
o rabo entre as pernas.
Jogou-os aos tropeções. Seus dois metros de altura e seu longo cabelo,
ao estilo Steven Seagal, inspiravam grande respeito. Dava a impressão de que,
se ameaçava de morte, cumpria com suas ameaças.
À margem de sua fera aparência, aquele era seu trabalho. Jogar fora o
lixo do local. E era um bom homem.
Tracey olhou com os olhos abertos como pratos a uma irascível Sharon,
que lançava raios contra o televisor e aos três indivíduos bagunceiros.
—Mas, o que aconteceu com você? —perguntou.
A loira se negou a responder, e voltou-se para entrar no banheiro
privado e desabafar à vontade.
Como ia dizer a Tracey que Prince e ela tinham uma relação e que
tinham se apaixonado de uma maneira esmagadora, até o ponto que ele tinha
pedido que fossem viver juntos?
Era um Steelman, para sua desgraça. Um homem que fazia parte da
nata Orleaniana. E ela? Não era ninguém. Simples assim.
Como iam se unir?
A angústia por suas evidentes diferenças deixou-a amedrontada,
sentada sobre a tampa do sanitário, atormentando-se com imagens da mulata
e ele no carro.
E se só tinha sido uma noite louca para ele? E se só fosse uma a mais?
E por que a só ideia de que aquilo tivesse sido uma miragem, uma armadilha
masculina para levá-la à cama, faziam com que se sentisse tão vulnerável?
Ela era uma mulher muito forte. Não podia sentir-se como se estivesse a
ponto de quebrar.
Entretanto, assim se sentia. Como se Prince a tivesse enganado. Não
podia abrir a ela um mundo tão maravilhoso para, depois, com frieza, fechar a
porta no nariz.
Era como tocar o céu com os dedos, e acabar no purgatório.
Quinta-feira à noite
Sharon o fez com tanta pressa que ambos tinham a sensação de que
estavam no meio de uma corrida, cujo final seria a supremacia de um sobre o
outro.
Assim que a deixou descalça, agarrou-a escarranchada nele e caminhou
com ela pela sala, até o balcão do bar. Nem sequer acendeu as luzes.
Colocou-a sobre a superfície, fazendo com que repousasse as costas na
fria madeira de mogno. Depois baixou suas calças e as tirou de um puxão.
Sharon teve que agarrar-se para não cair do balcão.
Depois, pousou as palmas de suas mãos em seus quadris e percorreu
sua silhueta como um artista ante sua obra magna.
—Sharon… —disse em um lamento.
—O que? —ela mal sustentava a respiração.
—Merece uma boa surra por insinuar que a traí.
Ela sabia. Os olhos de Prince reluziam febrilmente pelo impulso de
querer bater em suas nádegas. O ventre dela tremeu ante à expectativa. Com
uma única domesticação, a tinha ao seu dispor sempre que quisesse.
Abaixou-se sobre seu ventre, para penetrar com a língua seu umbigo e
descer a calcinha de uma vez. Quando saboreou sua pele, o mesmo
sentimento de júbilo os percorreu.
Tinham passado apenas dois dias, e nesse tempo sentiram falta um do
outro, até ao ponto de que tinham beirado à loucura.
De amores impacientes, o mundo estava cheio. E, depois, haviam
amores explosivos e fulminantes, como o deles que, por muito que se lutasse
contra isso, explodia na sua cara.
—Quer me castigar? —perguntou ela provocadora— Faça o que achar
melhor, Prince —o convidou.
—Merece —cobriu seus seios com as mãos e desfrutou do suave tato
daquelas sinuosas formas—Foi injusta.
—Sim —reconheceu ela. Esticou seus braços para frente e tocou seu
rosto— Lamento ter agido assim. Não agi bem.
—Eu jamais a trairei —prometeu com ardor— Não há nada que odeie
mais que a infidelidade, Sharon. Não esqueça.
—Não esquecerei. Eu jamais o enganarei —ela assegurou, arrependida
por o ter magoado ao acusá-lo de infiel.
—Então —Prince a cobriu com todo seu corpo e a beijou nos lábios—,
aceito suas desculpas. Mas tem que se redimir.
Ela arqueou as sobrancelhas loiras e depois lambeu os lábios com
nervosismo e antecipação.
—Vire-se, Sharon.
Ela concordou e girou sobre si mesma. Foi Prince quem a colocou na
posição e à altura que ele queria. Depois a admirou e lhe acariciou as
nádegas.
—Conta.
Entendia o que ele pedia.
Sharon confirmou com a cabeça. O spanking se apoiava em açoitar a
pele com a mão aberta. Já o tinha feito na noite que estiveram juntos, mas
não naquela ousada posição submissa, com o traseiro no alto. Quer dizer,
com o bumbum descoberto, para cima.
—Se segure.
Zas! O primeiro contato da palma com a carne ardeu como o demônio.
Estava preparada para esse tipo de trato e de castigos. Amava a sensação de
render-se a Prince, somente a ele, um homem tão forte que predominava não
apenas sobre ela, mas sim sobre todos os outros.
—Um!
Segurou a respiração e apertou os olhos com força. Antes de acostumar-
se à ardência, chegou o segundo açoite. Ardeu mais que o anterior, embora o
formigamento do sangue circulando a toda velocidade a agradava. Sabia que
depois da dor sempre vinha o prazer, e por isso aceitava cada carícia especial.
—Dois!
—Queria me deixar? —perguntou em voz baixa.
—Sim —respondeu. Exalou, esperando assim ganhar tempo para
recuperar-se.
—Por quê?
—Prince… —procurou as palavras— Sou ciumenta. Não sabia —
explicou ainda surpreendida por sua verdade— Mas sou terrivelmente
ciumenta com você.
—Odeia me ver com outras mulheres?
—Sim.
Zas! A terceira palmada ressoou nas paredes do salão do bar. Com as
luzes apagadas não se viam bem os rostos, mas tampouco importava muito.
Sentiam-se, tocavam-se, ouviam-se e se cheiravam. Aquilo já era suficiente.
—Sharon?
—Três! Oh, Deus… —murmurou Sharon, trêmula pelas sensações.
—Eu também sou ciumento. Eu não gosto que os homens a
contemplem no Laffite´s como fazem. E, apesar disso, continua indo a esse
antro. Mas, menos ainda, eu gosto que desconfie de mim.
—Sinto muito.
Zas! Na quarta palmada, Sharon segurou um gemido e se inclinou para
frente até apoiar a testa em suas próprias mãos, que se agarravam ao balcão.
Prince contemplou sua pele ruborizada e decidiu, não que ela já teve o
suficiente, mas sim que ele já não aguentava mais sem possuí-la.
Desabotoou o botão da frente de seus jeans, abaixou a cueca e liberou
seu membro já preparado.
—Deveria te dar uma lição hoje —com gentileza, acariciou a parte baixa
de suas costas, tão elegante e com uma curva tão insinuante como ela—
Deveria te demonstrar que, quando cruza a linha ,sempre há uma penitência
—se inclinou sobre ela e brincou com a ponta de seu membro em sua entrada,
excitada e molhada pela antecipação que a percorria— E se te fizer isso
durante horas, e se a privo do orgasmo? Você gostaria?
Mas se apenas com o roce estava a ponto já de gozar, como ia prolongar
tanto a liberação de um orgasmo?
Era impossível. Se pensava que em uma reconciliação poderiam fazer
amor como quisessem, e ao convencional, estava muito equivocada. Ele era
um Amo, um Dominante em todos os aspectos de sua vida. As coisas se
fariam como ele dissesse.
—Prince…
—Prince o quê? —disse exigente, colocando o preservativo com cuidado.
—Prince, quero te provar. —Desejava-o. Atraíam-na os piercings que
usava e queria sentir sua textura e seu peso nas mãos e na boca. Não era
uma fã do sexo oral, não gostava muito, mas fazer com ele a embriagaria,
porque morria de vontade de ver sua cara de gozo e de prazer.
—Em um castigo, você não exige, princesa —sorriu maleficamente—Eu
domino—Zas! Deu-lhe um açoite na nádega direita para lembrá-la quem
mandava— Entendido? —ato seguido, beijou-a no lugar carinhosamente. E
sem mais, segurando-a bem pelos quadris, penetrou-a como a um cavalo, por
detrás. Depois saiu e voltou a empurrar mais dentro, até estar completamente
agasalhado em seu interior.
Seu corpo se abria para ele porque o reconhecia. Nunca tinha
experimentado invasões tão potentes. Tinha estado com homens que, apesar
de ter um bom aparelho, não o faziam funcionar bem. Prince não tinha
problemas com isso.
Ele dava tudo, e era intenso. Tão intenso que as duras estocadas e o
ângulo de penetração provocaram que se elevasse nas pontas dos pés.
E, apesar da dureza do coito, ele sempre era carinhoso. Nunca a deixou
sozinha, sempre a controlou. E jamais pensou nele.
Tocava-a entre as pernas quando devia fazê-lo, movia-se em seu interior
de um modo profundo e ao mesmo tempo prazeroso, e se considerava que
podia suportar mais aquela agonia, alongava-a.
Envoltos em suor, a posse durou uma eternidade. Até que viu que
Sharon não deixava de estremecer e de mover-se inquieta, sinal de que não
podia atrasar mais seu orgasmo.
—Sharon —pousou seus lábios sobre sua nuca, deslizou seus dedos até
seus clitóris e o começou a acariciar em círculos— Agora, meu bem. Goze.
Não demorou a acatar sua ordem. Ela se deixou ir, liberou-se, e
experimentou o orgasmo mais longo de sua vida, tanto que a onda de prazer
encadeou um muito potente segundo orgasmo, que a deixou desbaratada
sobre o balcão. Com ele dentro ainda, e passados os minutos, de vez em
quando se estremecia, presa pelos resíduos de prazer.
Calados, permaneceram juntos, presos um ao outro. Prince a cobriu por
completo com seu corpo e não se separou dela, nem saiu de seu ser.
Prodigalizou todo tipo de beijos pelas bochechas, e lhe dirigiu todo tipo de
tolices carinhosas ao ouvido.
Não sabia quão necessitada estava dessas palavras até que começou a
escutá-las. Desejava os elogios de Prince, e queria seus cuidados apenas para
ela.
—É linda, minha Rainha —ele disse ao seu ouvido.
—Obrigada.
—Sharon, me diga o que quero ouvir —ele rogou— Não prolongue mais.
Sabe que é o melhor para os dois.
Ela lambeu os lábios ressecados e assentiu, sem muitos conflitos nem
arrependimentos.
—Sim, Prince —sorriu, entrelaçou os dedos com os dele e levou uma de
suas enormes mãos aos lábios, para beijá-la, satisfeito. Sem preconceitos e
sem dúvidas, aceitou a proposta— Viverei com você.
—Deus… —Prince a virou de frente para ele, tomou-a nos braços e
subiram ao quarto, enquanto ele a beijava e acariciava de todas as formas. —
Faz-me o homem mais feliz do mundo —assegurou subindo as escadas como
um conquistador com o troféu mais valioso— E eu a farei a Rainha mais feliz.
—Promete-me isso? —perguntou ela, acariciando o cabelo negro,
apoiada em seu ombro.
—Prometo.
CAPÍTULO 12
Ele exalou e fechou os olhos. Sua mulher, seu par, era persuasiva, e
podia conseguir o que queria sempre que desejasse.
Isso só acontecia com algumas mulheres. Como ela. Tinha esse gene,
essa energia que impelia outros a fazer o que ela queria. E o pior era que
Sharon jogava conscientemente com ele, mas desconhecia que seu poder
poderia enlouquecer a qualquer um se o propusesse.
—Vai dançar para mim, querida? —perguntou ele, afundando o nariz
para cheirar seu maravilhoso cabelo de ouro claro.
—Sim. Quero que me deixe te dar este presente —murmurou inclinando
a cabeça para morder ligeiramente na garganta dele, ao mesmo tempo que
massageava sua virilha— Sempre cuida de mim —desta vez mudou o
discurso, pois sabia que assim aceitaria melhor ao que queria— Permita que
seja eu quem te dê prazer hoje.
—Não seja bruxa, Sharon —ordenou Prince— Sabe quais são minhas
normas.
—Sim, eu sei… mas —sussurrou sobre sua boca para logo puxar seu
lábio inferior— E se acreditar que não está sendo justo, Senhor? Não pode me
obrigar a me entregar inteira se você puser limites entre nós.
—Não há limites em nossa relação. Acabamos de começar —respondeu
deixando que ela o manipulasse— Há somente espera.
—Não quero esperar. Você gosta de me comer, Prince?
—É óbvio —respondeu meio explosivo.
—E por que eu não posso? Faz que me sinta como se não fosse capaz de
te dar o que busca.
—Sharon —Prince sofria para ouvir aquelas palavras— É o que quer?
Ela se virou e colou seu traseiro em sua virilha, para mover-se de novo
ao ritmo da melodia. Ele a balançou ao mesmo ritmo e ela desfrutou de seu
triunfo.
Tinha enlouquecido o Amo. E adorava saber disso.
“So try me in the morning when the sun comes rising up”
“Try me in the afternoon, bet you just can´t get enough”
“Try me in the evening, satisfaction guaranteed”
Na semana seguinte
Não podia viver com a dor. Para Sharon, a vida era uma tigela vazia, um
filme de cinema mudo em preto e branco. Não queria falar com ninguém.
Nem sequer foi capaz de dizer à sua avó Margaret que Prince e ela
tinham rompido, isso quebraria o coração da nona, pois o tinha querido como
a um filho.
Entretanto, sabia que se ficasse lambendo as feridas, nunca levantaria
cabeça. Só restava reagir por si mesma, e também por sua avó, a quem não
gostava de ver triste.
Tinha que fazer das tripas coração. Não render-se.
Apenas tinha tirado uns dias para o luto sentimental, mas quando viu
que aquela dor nunca desapareceria, decidiu que o melhor seria pôr sua
atenção em um novo objetivo. Algo que a obcecasse, algo em que pudesse ter
fixo diante dos olhos, e não parar até alcançá-lo.
Era um membro da liga de BDSM, uma moderadora na representação
de Dragões e Masmorras DS, e não queria se separar daquele universo,
porque agora era seu mundo, que gostava e a preenchia, o único que poderia
salvá-la.
Desceu de seu novo carro, um Dodge Viper negro SRT Roadster, que
tinha comprado fazia um mês, dando como entrada o velho Mustang.
Eram nove da noite, e no French Quarter, uma sexta-feira, as ruas
buliam de vida, repletas de gente que queriam aproveitar bem. Jantar, beber,
dançar, conversar…
Recordou os tempos que tomava outra rua para dirigir-se a Blackshop
Laffite´s, e pensou que, embora tinha perdido muito nos últimos dias, ao
menos, trabalhava em algo que gostava e, graças a Deus, ganhava mais do
que nunca sonhou.
Sua presença no reino dos dragões e das masmorras era tão importante
que, inclusive sem ser companheira de Prince —porque todos já sabiam, ele se
encarregou de apregoá-lo—, chamavam-na e lhe enviavam mensagens para
que fizesse ato de presença em festas e eventos.
E ela queria estar lá, mas como uma pessoa nova que tentava renascer
de suas cinzas, porque já não podia ser quem uma vez tinha sido.
Mudou quando, sendo ainda uma criança, seu mundo veio abaixo ao
defender sua mãe. Lutou por forjar outra identidade e deixar tudo para trás.
Agora faria exatamente o mesmo.
Cabia a ela ressurgir dentre as chamas do incêndio que Prince provocou
em sua existência e em sua alma. E conseguiria, embora, para isso, tivesse
que abraçar a escuridão mais desafiante.
Deteve-se em um portal de grades negras e douradas e pressionou a
campainha em forma de botão prateado. Alguns vizinhos, todos homens,
sentados em suas cadeiras nas calçadas e fumando tabaco negro,
observaram-na atentamente com ar libidinoso.
Imaginava que ninguém conhecia as masmorras das irmãs Laffayette,
apenas os filhos da noite e da dominação.
—Sim?
—Trago uma recompensa. —respondeu Sharon.
Depois que Nina lhes fez a tatuagem, a Ama mulata disse que dirigia
esse local e que, se alguma vez quisesse conhecê-lo, em qualquer sentido, que
a senha para entrar era “Trago uma recompensa”.
Naquela época, a descarada proposta de Nina fez Prince rir, o qual,
nunca imaginaria que ela pudesse visitá-la por decisão própria.
Mas Prince não imaginava tantas coisas… Nunca saberia a verdade
sobre o ocorrido. E, entretanto, o que mais a decepcionava era que
interpretasse mal o que viu e a acusasse com tanta facilidade.
Naquele momento, pareceu um desconhecido cheio de preconceitos e
julgamentos. E depois, sentiu-se tão enganada pelo que ele dizia sentir por
ela, que a decepção foi como um balde de água fria que apagou o fogo que
sempre mantinha aceso.
A porta se abriu de par em par, e Sharon entrou na mansão. Subiu
umas escadas sem muita iluminação e se plantou frente à porta atrás da qual
Nina e suas irmãs dominatrix ofereciam seus serviços.
Na verdade, foi Nina mesmo quem a abriu, envolvida em um macacão
de látex preto brilhante que mantinha tudo no lugar, seios e nádegas bem
levantados. Ela tinha os cabelos longos encaracolados e com aspecto
selvagem, como se tivesse arrumado com esse propósito. Seus traços
azeitonados e elegantes a observaram com fascinação, como se a estivesse
esperando fazia algum tempo.
—Caramba… Olhe o que trouxe a maré —murmurou apoiando-se em
uma perna e tamborilando com as unhas na moldura da porta— Diga-me a
que veio, Sharon —reclamou.
—Venho contratar seus serviços.
Nina levantou as sobrancelhas, até que a testa enrugou.
—Em que sentido?
—Quero que me ensine a ser como você.
Os olhos pardos da Ama se clarearam até parecer quase irreal, como se
um foco a estivesse iluminando.
—Por fim se deu conta —afastou o corpo da entrada da casa e a
permitiu entrar, estendendo o braço para frente.
Sharon ingressou naquele lugar com seu característico arrojo. Nina a
precedia.
Não sabia para onde se dirigia, até que escutou o som de umas risadas
melodiosas, e a voz de um homem submisso dizendo “Sim, Ama” a tudo.
Quando entrou no salão, o homem estava se passando por mesa,
coberto só com um slip de couro negro. Encontrava-se de quatro no centro de
um salão ocupado por dois sofás que desenhavam um L. Havia duas mulheres
conversando entre elas, rindo do mundo.
Nina pigarreou às suas costas, e as duas garotas se viraram para olhar
por cima do ombro.
—Garotas —as alertou Nina.
Sharon reconheceu Alejandra, que em seguida se levantou para saudá-
la e a abraçou.
—Olhe —ela disse, tão espontânea como era—, não sei o que fez Prince,
nem o que aconteceu entre vocês. Mas lamento muito —acrescentou com
sinceridade— Faziam um casal incrível.
—Sim —disse Sharon em voz baixa. Precisava recuperar a memória e a
compaixão— São coisas que acontecem.
—Conhece a Thelma? —disse Alejandra, apresentando uma loira mais
alta que ela, com aspecto de amazona e olhar letal. Era terrivelmente atraente,
tanto, que parecia pecado olhá-la.
—Não —respondeu Sharon— Encantada —ambas se deram a mão.
—Foi a companheira de Príncipe, não? —aventurou-se a dizer.
Sharon não podia negar a quem tinha pertencido nesse mundo.
—Sim. Prince era meu par —sublinhou, invertendo a frase e colocando
a ela como a forte.
Nina se pôs a rir, assim como Alejandra.
—Eu te disse, Jandra —Nina parecia muito satisfeita— É uma loba.
—Uma loba? —perguntou Sharon.
—Por que veio? —repetiu Nina, para que todas ouvissem.
Sharon se postou diante elas e respondeu com naturalidade. Outras se
sentiriam ameaçadas ao encontrar-se em semelhante reunião de guerreiras.
Mas ela não.
—Quero que me ensine a ser uma Ama.
—Sim —Alejandra a tocou no queixo— É uma de nós. Uma loba alfa.
—E isso, o que significa? —quis saber Sharon.
—Que é uma mulher ingovernável, loira. E que permite que um alfa
como você a submeta, apenas porque você decide. Entretanto, sua natureza é
dominar, embora até agora tenha se submetido.
Ela precisava dominar. Sem dúvida. E mais agora que sentia que perdia
o controle de sua vida. Desejava voltar a recuperar a emoção de saber o que
fazia, e do por que o fazia. Com Prince, havia sentido isso.
Mas, nesse momento, estava sedenta de descobrir a si mesma, e de
converter-se de novo na proprietária de suas emoções.
Queria ser a Ama de seu destino, porque jamais, nunca, voltaria a
deixar-se submeter por nada nem por ninguém.
Com Dominic e, depois, com a posterior mentira de Prince, mais
dolorosa ainda que o que lhe fez seu irmão mais velho, tinha tomado a
determinação de não voltar a ser dominada por nenhum homem.
Mas necessitava a dominação e a submissão em sua vida, e tinha
chegado o momento de abraçar à Rainha que havia em seu interior.
—Assume isso? —perguntou Alejandra, levantando-lhe o queixo— Terá
que ser igualmente valente e responsável para submeter-se e para dominar. É
Dominante?
Sharon exalou e decidiu que não restava outra opção. Aquilo seria seu
salva-vidas.
—Assumo.
—Pois se prepare para aprender com Nina —Alejandra sorriu
maliciosamente e olhou a Ama de soslaio— É impiedosa.
—Perfeito —disse Sharon, assentindo e aceitando o desafio.
Ali, rodeada dessas mulheres, ainda envolta na dor das lembranças e na
falta de batimento de seu coração quebrado, Sharon abrangia um novo
horizonte, um novo início.
Porque, das sombras e da escuridão, também nasciam heroínas.
E tinha chegado a hora de dar a boas-vindas à Rainha das Aranhas.
EPÍLOGO
Sharon sabia que ele viria. Cedo ou tarde, durante a noite, ele
apareceria, porque não poderia suportar não vê-la, assim como ela não
poderia suportar jamais não vê-lo.
Chorava por ele a cada maldita noite. Rolava entre os lençóis,
imaginando que o frio tecido eram os braços duros como granito de seu
companheiro. Recordava seu contato, seu aroma, suas carícias... O modo
como ele falava, às vezes que durante o dia a fazia sorrir...
Mas essa noite, como todas, ele viria por ela e monopolizaria suas
necessidades. Porque era incapaz de subsistir sem sua droga. A mesma droga
que ela necessitava para viver.
O corpo dele. O corpo dela.
Escutou seus passos golpeando com segurança a escada de madeira
que o levaria a seu quarto. Sharon já o cheirava. Inspirava profundamente,
desejando a violência, o sexo que criava um elo tão potente entre eles, uma
simbiose tão mística que às vezes parecia irreal.
Ela fechou os olhos e se ergueu na cama. Seu longo cabelo loiro caía por
cima de seus ombros, e a camisola de seda transparente revelava mais que
ocultava.
—Aí está... —sussurrou ela.
A porta se abriu de um chute e as janelas de madeira branca golpearam
a parede, sacudidas pelo repentino vento de Nova Orleans, uma terra de
furacões e tornados.
E eles eram o mais potente de todos os furacões que existiu e que
poderia existir. Não destruiriam povos nem matariam pessoas. Mas o que
juntos criavam era apoteótico, um amor tão duro e violento que podia arrasar
quartos de hotéis e cidades inteiras, deixando um rastro de paixão e sexo
atrás deles.
E não seria a primeira vez.
Sharon lambeu os lábios com a ponta da língua, e olhou para ele.
Prince, que sob a moldura da porta, era a viva imagem do demônio disposto a
estragar a inocência de uma virgem.
Mas tanto ele, como ela, sabiam que entre os dois não haveria nem
virgens, nem santas, nem demônios. Apenas a lascívia aberta e a honestidade
de duas pessoas que viveriam em corpo e alma um para o outro, dispostos a
chupar até a última gota de poder que albergavam.
Prince tinha o cabelo negro preso em um rabo de cavalo, embora lhe
caía alguma mecha por seu arrebatador rosto.
Agora vinham os segundos de suspense, e então ele tirou a camisa preta
e atirou-a ao chão, mostrando seu torso nu apenas para ela, para sua alegria
e prazer.
Sharon esperava com ânsias os próximos movimentos. O Príncipe, sem
mais demora, tirou a calça e ficou completamente nu ante ela. Nunca sabia
como desapareciam suas botas e sua cueca, mas ficava sem elas em um abrir
e fechar de olhos.
E estava tão ereto... Que Sharon notava como ela mesma palpitava
entre as pernas, preparando-se para sua invasão.
Prince se acariciou sem nenhum pudor diante dela. Acima e abaixo,
sem titubear.
—Me quer? —perguntou-lhe sem um pingo de vergonha— Quer isto?
Sharon o olhou fixamente e não respondeu. Pergunta cretina. Para que
perguntava, se já sabia qual era a resposta? Maldito controlador. Como
adorava estar no comando!
Mas ela também. Por essa razão, nunca respondia.
Prince se aproximava dela, sem trocar a expressão de seu rosto, com os
olhos tão negros como a noite, e escurecidos como sua relação. Ajoelhou-se
sobre o colchão e sorriu sem qualquer traço de calor ou carinho.
—Abra as pernas, Sharon. Vou te comer —anunciou Prince.
—Sim, isso, pode comê-la. —disse outra voz dentro do quarto.
Sharon deu um salto e olhou para Prince, que continuava sorrindo.
—O que? Você se incomoda que ele esteja conosco? —perguntou Prince,
olhando-a de cima a baixo, tratando-a como uma prostituta.
Sharon negou, disposta a acabar com o jogo e a sair daquele quarto.
—Se você transou com Lion, transará com meu irmão e comigo também!
—gritou ele.
—Não! Prince! —protestou Sharon, saltando por cima da cama, disposta
a alcançar a janela e fugir dali, apesar da altura.
Dominic a seguiu. O irmão de Prince, tão parecido com ele, tão alto,
moreno e bonito, tudo o que tinha de belo, o ocultava de falso. Pôs-se a correr
atrás dela com um grunhido de hiena mesquinha.
—Não é verdade! —defendeu-se Sharon.
—Como que não? —agora Dom a tinha presa pelo cabelo e a postava
diante de Prince, colocando-a de joelhos ante ambos— Diga a verdade a meu
irmão, cadela!
—Me diga a verdade, cadela! —exigia Prince, atirando-a ao chão e
colocando-se sobre ela para submetê-la.
O rosto de Prince era uma horrível careta de desprezo e lascívia, o que
fez o gradualmente se parecer mais e mais com Dominic. E ambos se
converteram em um.
E começava o terror, o medo, a tortura.
E a vergonha.
Sharon despertou de repente, suando como se acabasse de correr vinte
quilômetros, com as lágrimas caindo por suas úmidas bochechas, e seus
olhos claros avermelhados pelo pânico e o pavor.
Sim. Sharon se encontrava com Prince a cada maldita noite desde que
se separaram. Era como se não pudesse viver sem sua lembrança.
Ele vinha a ela em sonhos. E suas sensações se deslizavam com
loucura, como pelos trilhos de uma montanha russa.
Passava do desejo e a espera, ao medo e a aflição.
E não sabia como tratar seu terror, que tão angustiada a mantinha.
Os pesadelos se pronunciaram, tornando-se mais vívidas ainda desde
que aceitou transar com Prince no Temptations.
O maldito a tinha deixado ardida e inflamada durante dias. E após esse
contato tão intenso, havia tornado a abrir a caixa de pandora.
Uma caixa cuja fechadura era um coração, impermeável como um forte.
E ela tinha cometido o imperdoável erro de deixar que se aproximasse o único
possuidor de sua chave.
Prince.
O que ia fazer?
Ainda aturdida pelo sonho, por esse maldito pesadelo recorrente,
Sharon decidiu descer à cozinha de sua nova casa.
Sua reputação como Rainha das Aranhas tinha crescido de maneira
excepcional, com o que, depois de muito esforço, suor e lágrimas, erigiu-se
como a Ama mais respeitável de todo o mundo BDSM. Já não tinha problemas
de dinheiro, era independente e podia cuidar de sua avó, mantendo ao mesmo
tempo sua cuidadora, com quem estava muito contente.
Sim, sua vida já não era a mesma de antes em muitos aspectos.
Certamente muitos. Mas, acaso as pessoas não podiam reinventar-se?
O tempo ajudava a desinfetar as feridas, mas nunca acabava de
cicatrizá-las. Prova disso era que ainda sonhava com Prince, apesar de que
fazia muito tempo que já não eram um casal, que deixaram de existir como
Amo e Submissa.
Para Sharon, aquele tempo parecia muito distante, sobretudo quando
fazia doma a homens e a mulheres. Nesse momento, só existia o agora.
Entretanto, no abrigo de sua solidão, as lembranças despertavam vigorosas,
com uma força que era impossível evitar.
Mas agora era a Rainha e soberana de seu mundo. A proprietária de sua
vida. E assim devia continuar sendo, pelo bem de sua paz mental.
Fez um chá bem forte e tomou no sofá de couro da sala, que lhe oferecia
uma vista espetacular da Luisiana. Do alto de seu apartamento de cobertura,
tudo parecia ser o contrário.
Não queria analisar quantas vezes se reencontrou com Prince, nem
quem tinha ganhado ou perdido nos choques frontais. Nem tampouco queria
pensar no fato de que ainda, ainda a essas alturas, continuava acreditando
que pudesse ficar grávida. Por isso tinha se desiludido quando chegou a
menstruação depois da suposta secreta sessão particular com Prince, em que
transaram desprotegido. Em seu desejo secreto, ainda tinha esperanças de ser
fértil. E, é óbvio, Prince continuava desconhecendo seu defeito, já que tinha
insinuado que, talvez, carregasse sua semente em seu ventre.
Deus, que desatino...
Só sabia que não queria voltar a o ver nem a falar com ele, porque
falhou com ela, tinha sido destroçada por sua terrível desconfiança. E Sharon
não esquecia. Às vezes, inclusive duvidava se chegaria a perdoar algum dia.
Por outro lado, não havia tornado a encontrar-se com Dominic.
Nenhuma só vez tornou a vê-lo frente a frente, depois do acontecido. O cretino
tinha saído com a jogada completa. Não só abusou dela, mas sim, além disso,
provocou que ambos rompessem, já que o fato de Prince encontrá-la
amarrada e com Lion, tinha sido sua maldita culpa, consequência de seu
abuso.
Não obstante, apesar do ódio e da aversão, Sharon só queria seguir
adiante. Continuar com seu dia a dia. Ignorar que alguma vez esteve na
Mansão Steel, ou que conheceu Janina, ou... que alguma vez esteve tão
apaixonada que se deixou submeter, quando, com o tempo e as lições de
Alejandra e Nina, que eram grandes companheiras suas, tinha descoberto que
as alfas como ela nunca se ajoelhavam; só aceitavam fazê-lo por amor.
Já não restava nada dessa Sharon falsamente submissa. Nas mãos de
Prince, apreciou como uma condenada.
E, entretanto, essas foram as primeiras e as últimas mãos que a
tocariam. Pois era bem sabido no mundo dos Dragões e as Masmorras, que
Sharon tocava, mas ela jamais se deixava tocar.
Sorveu o chá e saboreou suas nuances intensas e mentoladas. Naquele
tempo de formação com as Amas, aprendizagem, eventos e torneios, seu
mundo havia sido envolvido em muitas polêmicas.
Mais ainda depois do segundo Torneio de Dragões e Masmorras DS,
onde ela ficou conhecida como Rainha das Aranhas. Odiava que os
envolvessem em assuntos tão turvos como o tráfico, as máfias ou a droga. O
problema era que o BDSM era um universo pequeno e clandestino, quase
secreto, no qual as pessoas de dinheiro queriam se introduzir não só para
jogar, mas sim para trapacear; e assim sujavam a impoluta reputação dos que
o adotavam como uma maneira de viver saudável, segura e consensual.
Nesses tristes acontecimentos nas Ilhas Virgens, perdeu Thelma, uma
Ama com a qual chegou a dar-se muito bem. Lion e Tigrão foram gravemente
feridos.
Depois, conheceu Cleo Connelly, a companheira de Lion Romano, com
quem teve uma briga, a quem depois foi apresentada e descobriu que era a
mulher que ele adorava.
Também teve um episódio um tanto escuro com Leslie, a irmã mais
velha de Cleo, em uma domesticação no Temptations, com perseguição
incluída.
Sharon tinha aprendido a respeitar esse grupo de temerários, porque
sempre que apareciam os quatro em cena, havia problemas. Como no dia em
que descobriu que a submissa de Thelma, Sophiestication, que era a mulher
de Tigrão, estava em perigo de morte por culpa da máfia japonesa, e por um
assunto que durava das Ilhas Virgens.
Sim, seu mundo, no qual ela era Rainha, estava sendo golpeado por
gangues, máfias e sadomasoquistas sanguinários.
E estava na hora de pôr as coisas em seu lugar.
Ou talvez fosse hora de deixar o Reino da Noite e concentrar-se no lar de
acolhida para crianças no qual estava pensando. Já tinha uma boa parte,
financiada por Prince.
Sorriu malignamente e ligou o televisor, pois eram quatro da
madrugada, e o pesadelo a tinha acordado por completo.
No canal de notícias, saltaram várias imagens às quais não prestou
atenção, até que, de repente, escutou um nome que deixou seu cabelo em pé.
“Alejandra Siqueira, de trinta anos de idade, continua desaparecida. O
corpo de seu marido, José Mendez, foi achado degolado às bordas do
Mississipi”.
Sharon se inclinou para frente, como se não tivesse escutado bem, e
cravou os olhos na tela de sessenta polegadas de sua sala.
—Como? —perguntou assustada.
José? Morto? Alejandra desaparecida?
Sharon ligou para Nina, sem importar que hora era. Nina não atendeu o
telefone. Normal. Estaria dormindo.
A campainha da porta fez que desse um pulo na sala. O coração saía
pela boca.
O que estava acontecendo? Levantou-se rapidamente, arrastando os pés
descalços pelo piso. Ainda estava impactada pela notícia, e nervosa. Muito
nervosa.
E quando abriu a porta e se encontrou cara a cara com seu visitante,
soube que algo não ia nada bem. Superou a vontade de bater a porta em seu
nariz, e ficou imóvel.
—Prince? Que demônios... ?
—Sharon. Está bem?
—Como sabe onde vivo?
—Sharon, responda. —seus olhos suplicantes delatavam sua aflição.
—Você não deveria estar aqui. Sabe o ocorrido a José? E onde está
Alejandra?
—Sim, sei. Sharon —deu um passo para frente, entrando sem sua
permissão, respirando agitadamente— As irmãs Lafayette me ligaram,
perguntando pelo paradeiro da Nina. Também desapareceu.
—O que diz? —não podia acreditar.
—São duas Amas. Conhecidas. Vocês três sempre foram muito amigas.
E sabe quem é a mais conhecida das três?
Sharon piscou atônita. Enrugou o cenho, primeiro pela terrível notícia
de Alejandra, depois de Nina, e por último, por ter Prince em seu apartamento
de cobertura.
—O que está insinuando?
—Acredito que estão atrás de você..
O Amo, tão enorme e alto como sempre, estudou a ampla e panorâmica
sala.
—O quê? Mas o que está dizendo? —Sharon não compreendia nada
ainda.
—O que quero dizer é que está em perigo.
Então, escutaram um som no andar de cima, onde Sharon tinha o
dormitório.
—Estava acompanhada? —perguntou Prince amargamente.
Sharon levou a mão ao robe de seda vermelha, cobriu-se bem e negou
com a cabeça.
O rosto de Prince mudou em um letal, cravou o olhar nas escadas e
sentenciou com voz mortífera:
—Há alguém em sua casa.