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Carlos Drummond de Andrade – Fazedor de homens

William Shakespeare – Coletânea escolhida


Giuseppe Guiaroni – A palavra querida
Fazedor de Homens

Todo homem é uma ilha...


É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.

Todo homem possui uma ponte


pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.

Todo homem é um mundo.


O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.

E quando o homem encara o


mundo e se depara
- homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:
Todo homem ama sua ilha.

II

O homem faz o homem.


E porque fez o homem, sem nem o
homem querer aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.

Diz ao homem: Trabalhe!


E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.

Um dia ele morre.


Se a vida foi longa para viver -
é curta para morrer -
porque o homem não fez, não escolheu,
não pensou nada.

III

O que faz um homem diferente de


outro homem é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.

Todo homem é uma vontade.


E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.

Todo homem é seu corpo.


E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também, a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.

Quanto mais ele precisa


mais ele é maior. E dá.
Pede. Reivindica. Exige, quanto pode.
Luta e sofre.

Todo homem quer deixar sua ilha.


Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem.

Carlos Drummond de Andrade

Publicado no Jornal Última Hora (RJ) de 23/04/73

Título
Soneto 18 - Shakespeare

Devo igualar-te a um dia de verão?


Mais afável e belo é o teu semblante:
O vento esfolha Maio inda em botão,
Dura o termo estival um breve instante.

Muitas vezes a luz do céu calcina,


Mas o áureo tom também perde a clareza:
De seu belo a beleza enfim declina,
Ao léu ou pelas leis da Natureza.

Só teu verão eterno não se acaba


Nem a posse de tua formosura;
De impor-te a sombra a Morte não se gaba
Pois que esta estrofe eterna ao Tempo dura.

Enquanto houver viventes nesta lida,


Há-de viver meu verso e te dar vida.
Se Nada Há de Novo

Se nada há de novo e tudo o que há


já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?
Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espírito em seus signos iniciais.
Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que é a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,
se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
louvaram mais com bem menores pretextos.

William Shakespeare, in "Sonetos"


Tradução de Carlos de Oliveira

A Noite não me Deu nenhum Sossego

Como voltar feliz ao meu trabalho


se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.
Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.
Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o mel
na sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.

William Shakespeare, in "Sonetos"


Tradução de Carlos de Oliveira

Meus Olhos Veem Melhor se os Vou Fechando

Meus olhos veem melhor se os vou fechando.


Viram coisas de dia e foi em vão,
mas quando durmo, em sonhos te fitando,
são escura luz que luz na escuridão.
Tu cuja sombra faz a sombra clara,
como em forma de sombras assombravas
ledo o claro dia em luz mais rara,
se em sombra a olhos sem visão brilhavas!
Que benção a meus olhos fora feita
vendo-te à viva luz do dia bem,
se a tua sombra em trevas imperfeita
a olhos sem visão no sono vem!
Vejo os dias quais noites não te vendo,
e as noites dias claros sonhos tendo.

William Shakespeare, in "Sonetos (43)"

Soneto 107

Medos, nem alma capaz de prever

Medos, nem alma capaz de prever


Os sonhos de porvir do mundo inteiro,
Podem o meu amor circunscrever,
Nem dar-lhe fado triste por certeiro.
A Lua seu eclipse superou,
Os agourentos de si podem rir,
A incerteza agora se firmou,
A paz proclama olivas no porvir.
Com o orvalho dos tempos refrescado
O meu amor a própria morte prende
E em meus versos vivo consagrado,
Enquanto as tribos mudas ela ofende.
Aqui encontrarás teu monumento,
E o bronze dos tiranos vai com o vento.

Soneto 54

Oh, como a beleza parece mais bela


com o doce ornamento que a verdade produz!
A rosa tão bela, mas mais bela a julgamos
Pelo doce aroma que nela seduz.

As rosas silvestres têm a cor tão profunda


Quanto a tintura das rosas perfumadas,
Têm os mesmos espinhos e brincam tão vivamente
Quando o sopro do verão expõe os botões velados;

Mas exibem-se apenas para si mesmas,


Vivem esquecidas e murcham obscuras;
Morrem sozinhas. As doces rosas, não;
De suas doces mortes surgem as mais doces essências.
e assim também a ti, a bela e adorável mocidade,
Fenecido o frescor, revela em versos tua verdade.

Soneto 73

Em mim tu vês a época do estio

Em mim tu vês a época do estio


Na qual as folhas pendem, amarelas,
De ramos que se agitam contra o frio,
Coros onde cantaram aves belas.
Tu me vês no ocaso de um tal dia
Depois que o Sol no poente se enterra,
Quando depois que a noite o esvazia,
O outro eu da morte sela a terra.
Em mim tu vês o brilho da pira
Que nas cinzas de sua juventude
Como em leito de morte agora expira
Comido pelo que lhe deu saúde.
Visto isso, tens mais força para amar
E amar muito o que em breve vais deixar.

William Shakespeare

Resumo

William Shakespeare foi um poeta e dramaturgo inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais
influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de "Bardo do
Avon" (ou simplesmente The Bard, "O Bardo").

Nasceu em 26 de abril de 1564 em Stratford-upon-Avon onde também foi criado.

Foi um poeta e dramaturgo respeitado em sua própria época, mas sua reputação só viria a atingir o nível
em que se encontra hoje no século XIX. Os românticos, especialmente, aclamaram a genialidade de
Shakespeare, e os vitorianos idolatraram-no como um herói, com uma reverência que George Bernard
Shaw chamava de "bardolatria". No século XX sua obra foi adotada e redescoberta repetidamente por
novos movimentos, tanto na academia e quanto na performance. Suas peças permanecem extremamente
populares hoje em dia , e são estudadas, encenadas e reinterpretadas constantemente, em diversos
contextos culturais e políticos, por todo o mundo.

William Shakespeare morreu em 23 de Abril de 1616, mesmo dia de seu aniversário.É bem conhecida a
coincidência das datas de morte de dois dos grandes escritores da humanidade, Miguel de Cervantes e
William Shakespeare, ambos com data de falecimento em 23 de Abril de 1616. Porém, é importante notar
que o Calendário gregoriano já era utilizado na Espanha desde o século XVI, enquanto que na Inglaterra
sua adoção somente ocorreu em 1751. Daí, em realidade, Miguel de Cervantes faleceu dez dias antes de
William Shakespeare.

Título
A palavra Querida...
Giuseppe Ghiaronni

A palavra "querida", está para a garganta,


como o mel para a boca e a mulher para o olhar.
Quando um santo do céu, se dirige a uma santa,
de face imaculada e expressão comovida,
é assim, penso, que ele a deve chamar:
oh!querida!

Querida é um substantivo espiritual, é um nome.


É um fio emocional de um ouro cristalino,
que se estende e que atrai um destino e um destino...
Que alinhava e que enleia uma vida e uma vida.

Não é somente um modo de tratar, é um nome,


Assim como Izabel, Marina, Margarida...
No entanto é mais que isso, é um nome divino,
que em si define um sonho, um sentimento e um bem.

Querida, não é só uma palavra, é alguém,


alguém que tem a vida em nossa própria vida.
Querida quer dizer eu mesmo e mais alguém...
oh! querida!

Querida é um adjetivo estranhamente feito


de carinho, ciúme, adoração, ternura.
Ninguém dirá "querida" a uma mulher impura,
pois parte da expressão fica em ecos no peito daquele que a usou...

A expressão querida não é bem para ser falada, nem ouvida.


É para que uma alma pense e outra a sinta.
Sempre será maldita uma mulher que minta, em silêncio atendendo
a alguém que assim a chama,
se não se ouviu chamar, antes que ele falasse,
por um tic no peito e um carinho na face,
se não é profundamente a querida que o ama!

Que cruel, que infiel esta mulher fingida,


que se deixa chamar de querida e, não ama,
oh!querida!

Querida, quer dizer a que eu amo e estremeço,


a que é a minha amante, a minha amiga e irmã,
conheço-a mais que a mim e a tudo que conheço,
e com ela eu esqueço o ontem e o amanhã.

A palavra querida é a articulação do primeiro vagido instintivo e inconsciente.

É Deus na nossa boca e o céu na nossa frente,


é ter mundos no olhar, ter estrelas na mão,
é ser um fio d´água e uma constelação...
é partilhar da grande Vida Universal,
é viver, mas viver como anjo e animal,
é encontrar o espaço e resumir a vida,
é trilhar confiante uma senda perdida
é ser quase divino é ser quase brutal,
é ter uma utopia entre a sala e o quintal
é prender-te, sentir-te integrada, diluída em meus braços, em mim,
infiltrada em meus poros, depois que eu derrubei os gigantes e os toros
da floresta do mundo e a transpus triunfante!

É te chamar "querida" e ver o teu semblante


transtornado de luz, uma luz comovida...

É chegares o ouvido ao meu peito anelante


e ouvir meu coração dizer de instante em instante:
Oh! querida... querida...

Título

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