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10º Congresso Brasileiro de Engenharia de Fabricação

05 a 07 de agosto de 2019, São Carlos, SP, Brasil

DESENVOLVIMENTO DE DISPOSITIVO 4.0 PARA MEDIÇÃO EM


TEMPO REAL DE GOLPES MARCIAIS UTILIZANDO PLATAFORMA
ARDUÍNO

Lucas Augusto Dias


Prof. Dr. Alessandro Marques
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, Paraná
lucasdias27@gmail.com, amarques@ufpr.br

Prof. Dr Pablo Deivid Valle


Universidade Federal do Paraná
Curitiba, Paraná
pablo.valle@ufpr.br

Resumo. ​O objetivo desse trabalho é construir, a partir da plataforma de desenvolvimento livre Arduíno, um
instrumento para medir intensidade e intervalo entre golpes de um lutador em um saco de pancadas. O objetivo é criar
um dispositivo portátil que possa ser levado ao local de treinamento, extinguindo a necessidade de um local específico
para testes. O dispositivo se comunicará com aparelhos android através de Bluetooth por meio de um aplicativo
próprio. Para fins de calibração, foi utilizado um pêndulo de massa conhecida e o gráfico obtido através do software
do Arduíno. Os objetivos foram atingidos com uma taxa de erro médio de 10,529%, aceitável considerando as
incertezas envolvidas no processo.

Palavras chave​: Instrumentação. Medição. Arduíno. Acelerômetro. Engenharia

1. INTRODUÇÃO

O uso da tecnologia é cada vez maior no auxílio do desenvolvimento da performance esportiva. O design e a
engenharia de materiais estão há muito tempo presentes no desenvolvimento de equipamentos, porém meios
computacionais foram introduzidos aos poucos conforme a tecnologia era desenvolvida.
No início apenas atletas de ponta possuíam tais recursos, mas temos cada vez mais difundido o auxílio tecnológico
ao público comum com ​gadgets e aplicativos. Relógios que medem a frequência cardíaca e número de passos,
aplicativos que controlam a série de exercícios da academia, distância percorrida, e calorias gastas são alguns exemplos
das facilidades levadas pela tecnologia ao atleta amador por um preço razoável.
Isso se deve, em grande parte, ao desenvolvimento dos MEMS (sistemas microeletromecânicos), dispositivos em
miniatura compostos por partes elétricas e partes mecânicas, em grande parte sensores e atuadores. Os MEMS estão
presentes em diversos equipamentos como ​smartphones​. Neles, micro acelerômetros detectam quando o telefone está
em modo retrato ou paisagem, por exemplo. Além dos dispositivos comercializados, podemos encontrar os sensores
avulsos em chips prontos para uso em placas de prototipagem como Arduíno, isso permite uma infinidade de projetos a
um custo acessível.
Este projeto tem objetivos de aprimorar o uso de placas de prototipagem com IMU (Unidade de Medição Inercial),
desenvolver um programa que identifique nos dados gerados pelo sensor aqueles dados dos quais necessitamos e os
envie via ​bluetooth a um telefone celular o qual, por sua vez, terá um aplicativo que possa ser ajustado facilmente por
um leigo. O programa deve gerar resultados de fácil interpretação para o esportista, como a força de um golpe, o
número de golpes em determinado espaço de tempo, tempo entre cada golpe, variação do intervalo entre golpes com o
passar do tempo, maiores golpes e intervalos, média dos dados no intervalo selecionado.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
L. Dias, A. Marques, P. Valle
Desenvolvimento de dispositivo 4.0 para medição em tempo real de golpes marciais utilizando plataforma A​rdu​íno

2.1. PLATAFORMA ARDUÍNO

Os componentes utilizados na construção do experimento consistem na placa microcontroladora Arduíno UNO R3;
nas unidades de medição inercial MPU6050 e ADXL377, sendo que a primeira possui seis graus de liberdade e escala
de leitura de aceleração limitada em ​16g,​ porém possui saída digital e é amplamente utilizada em diversos projetos; já a
segunda possui escala de aceleração até ​200g mas conta apenas com saídas digitais e é menos utilizado; no conversor
analógico-digital ADS1115 para reduzir o ruído e transformar em digital o sinal analógico do ADXL377; no módulo de
transmissão ​bluetooth ​HC-06 para transmitir os dados colhidos a um ​smartphone​; em placas universais ilhadas para
montagem do circuito e um suporte com plug P4 para quatro baterias AA que servem de alimentação para tornar o
dispositivo ​wireless​.
Para amortecer e proteger uma das placas do circuito, foi utilizado polipropileno expandido. Um saco de pancadas
com massa de ​30.3kg foi utilizado para a aferição dos resultados. e um pêndulo com massa de ​4.9kg foi construído para
executar o golpe de teste. São necessários dois acelerômetros pois aquele com menor escala é mais preciso e, portanto,
utilizado para determinar os picos de aceleração, porém muitas vezes sua escala não é suficiente (aceleração do corpo
ultrapassa ​16g)​, então há a IMU de maior escala para nos transmitir o valor da aceleração quando o pico é detectado.

2.2. AMBIENTE DE CONTROLE

Softwares utilizados para programar o instrumento e o aplicativo para dispositivos Android foram: Arduíno IDE
1.8.5 - Plataforma oficial de desenvolvimento com linguagem baseada em C/C++ com ampla variedade de bibliotecas
criadas por usuários; MIT App Inventor ​2 - Plataforma livre criada pelo ​Massachusetts Institute of Technology com
diversos tutoriais e guias disponíveis.

2.3. MONTAGEM DO SISTEMA

Para fazer a ligação dos componentes ao Arduíno, duas placas universais ilhadas foram selecionadas. Uma delas
abriga os acelerômetros e o conversor, a outra contém o Arduíno e o transmissor ​bluetooth.​ Esta última é amortecida
com polipropileno expandido a fim de evitar danos a estruturas que não foram construídas para sofrer impacto.
Iniciando com o MPU6050, devemos ligar os pinos SDA e SCL do sensor aos pinos A4 e A5 (portas I2C) do
Arduíno, além da alimentação e do aterramento. A ligação do pino interruptor é opcional e não foi utilizada.
O ADXL377 possui apenas saídas analógicas, diferente do MPU6050 que possui a interface I2C e utiliza apenas
dois pinos (Camara, 2018). O ADXL377 possui, além da alimentação e aterramento, um pino para cada eixo de leitura e
uma saída de tensão de referência. Os chips da fabricante Adafruit já possuem conversor de voltagem, permitindo que
sejam ligados na alimentação 5V do Arduíno. Alterações devem ser feitas, no entanto, no programa, a fim de evitar
erros de leitura ao usar uma placa microcontroladora de 5V. Tais alterações são fornecidas pelo próprio fabricante.
O conversor analógico-digital ADS1115 permite que até quatro diferentes sinais analógicos sejam transmitidos
digitalmente através de interface I2C. Através do programa é possível também ajustar o ganho do sinal transmitido,
permitindo que o ruído seja manipulado. Na ligação utilizada, o pino A0 é ligado à alimentação para servir como tensão
de referência e o pino ADDR é ligado ao terra para designar o endereço I2C da placa, outras ligações são possíveis de
forma a obter outros endereços. É interessante mudar o endereço quando se tem outro componente I2C com o mesmo
endereço e este não pode ser mudado, uma vez que todos os dispositivos I2C são conectados nos mesmos pinos da placa
microcontroladora. Existem formas de criar pinos I2C virtuais, porém só são necessários quando dois componentes têm
o mesmo endereço e nenhum pode ser alterado. Os três eixos do acelerômetro são ligados, finalmente, nas três entradas
analógicas restantes do conversor.
O passo seguinte foi conectar o módulo ​bluetooth.​ O HC06 é compatível com a tensão de 5V gerada pelo Arduíno,
porém sua linha de transmissão não é, então é necessário dividir a tensão com o uso de dois resistores. Saindo do pino
TX do HC06 são ligados os resistores. O resistor de 2, 2kΩ é ligado ao aterramento, enquanto o resistor de 1kΩ é
ligado ao pino RX do Arduíno. O pino RX do transmissor é ligado ao pino TX do microcontrolador, enquanto a força e
o terra são devidamente conectados.
A alimentação se dá por meio do de quatro baterias AA acopladas ao suporte conectado com um plug P4. Os
componentes são acomodados em uma caixa de acrílico com fita dupla-face (Fig. 1a).

2.4. APLICATIVO PARA ANDROID

No aplicativo temos a opção de escolher a qual dispositivo ​bluetooth conectar, definir o tempo durante o qual o
aplicativo coletará dados, a massa do saco de pancadas utilizado e se queremos que uma lista dos golpes e intervalos de
tempo sejam mostrados. Um cronômetro opera em contagem regressiva e este pode ser parado e reiniciado. A força será
apresentada com base no valor inserido para massa do saco de pancadas, multiplicando-o pelo valor da aceleração
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05 a 07 de agosto de 2019, São Carlos, SP, Brasil

recebido. Ao zerar do cronômetro ou ao ser apertado o botão ​Stop​, aparece na tela o número de golpes e de intervalos
entre eles, a média de força dos golpes e de intervalos, o golpe com maior força e o maior intervalo entre golpes.

2.5. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

A fim de atestar a confiabilidade dos dados medidos pelos sensores, um pêndulo com um aríete foi elaborado (Fig.
1b). O sistema possui massa m1 = 4.9kg e foi elevado a uma altura Δh1 = 0.08m , de forma que o impacto ocorre no
ponto mais baixo da trajetória. Na ponta do pêndulo há uma tira de velcro para que o mesmo mantenha contato com o
saco de pancadas após o choque, simulando uma colisão inelástica. O acelerômetro foi posicionado num ponto do saco
de pancadas com maior rigidez possível, baseado em Busko ​et al. (​ 2016), de modo a produzir erros menores devidos à
deformação do corpo alvo (Fig. 1c).

Figura 1. a)Instrumento acoplado ao saco de pancadas; b)Pêndulo para testes.

Segundo literatura (Halliday ​et al.​, 2016), a conservação de energia nesta situação ocorre por meio da Eq. (1) e a
velocidade do sistema pêndulo-saco logo após o choque inelástico, deduzida na Eq. (3), pode ser obtida através da
conservação do momento linear definida na Eq. (2). Nas equações, ​g é​ a aceleração da gravidade; m1 , v 1 , m′1 , v ′1 são as
massas e velocidades do primeiro corpo antes e depois do impacto; m2 , v 2 , m′2 , v ′2 são as massas e velocidades do
segundo corpo antes e depois do impacto e ​V é​ a velocidade do sistema todo após o impacto.

(1)

(2)

(3)

Ainda segundo Halliday ​et al. (2016), a variação da velocidade do sistema após o impacto pode ser obtida através
da integração de um gráfico que mostre a variação da aceleração (​a​) com o tempo (Δt) . Como o gráfico se assemelha a
uma reta inclinada, a área sob ela - logo, a velocidade - pode ser obtida através da Eq. (4).

(4)

Com o uso da Eq. 4 também foi possível chegar à aceleração a qual teoricamente deveria ter sido lida de acordo
com a variação de tempo do repouso à velocidade teórica.

3. RESULTADOS OBTIDOS
L. Dias, A. Marques, P. Valle
Desenvolvimento de dispositivo 4.0 para medição em tempo real de golpes marciais utilizando plataforma A​rdu​íno

Num primeiro momento os acelerômetros foram testados em repouso. Como os acelerômetros se encontrariam em
posição vertical, o eixo Z foi selecionado para captar a variação de aceleração no saco de pancadas. Como demonstrado
na Tab. 1, quando na posição vertical (logo o eixo de medição Z está orientado horizontalmente) a leitura dos
acelerômetros deve se manter o mais próximo possível de zero, já quando os acelerômetros são dispostos em uma
superfície horizontal, os resultados devem ser próximos de 1, uma vez que os acelerômetros captam a gravitação da
Terra.

Tabela 1.Dados estatísticos das leituras com os acelerômetros em posição vertical e horizontal.

Aceleração Aceleração Aceleração


Aceleração Posição
Posição Horizontal Posição Horizontal Posição Vertical
Vertical ADXL377 [g]
MPU6050 [g] ADXL377 [g] MPU6050 [g]
Média: 0.988 1.068 0.006333333333 -0.066
Desvio Padrão: 0.007143842297 0.03517444213 0.005560534168 0.03470069064
Repetibilidade: 0.01428768459 0.07034888426 0.01112106834 0.06940138128

Com o uso da Eq. 1 utilizando a massa do pêndulo m1 =4,9kg​, Δh1 = 0, 08m e aceleração da gravidade
g = 9, 81m/s2 , foi possível obter a velocidade teórica do pêndulo antes do choque v 1 = 1, 253m/s .
Aplicando a Eq. 3 chegou-se ao valor de V t = 0, 174m/s para a velocidade teórica do sistema após a colisão. A
massa do saco de pancadas m2 é de ​30,3kg​.
Foram realizadas na bateria de testes 30 medições. A média aritmética das medições foi realizada e o resultado foi
de ​7,93g​.
Capturando e ampliando o gráfico do pulso em uma medição próxima à média (Fig. 2), é possível inferir que o
tempo necessário para atingir a velocidade inicial após o impacto é de aproximadamente Δt = 0, 004s .

Figura 2 - Gráfico aproximado capturado de uma medição com aproximadamente ​8g​. Os valores que constam no
eixo horizontal são de ​25445ms​ e ​25545ms​, delimitando intervalo de ​100ms.​

Como pode ser verificado no gráfico da Fig. 10, é possível calcular a área aproximada abaixo da primeira
aceleração através do cálculo da área de um triângulo, e assim obter a variação de velocidade que, partindo do repouso,
é igual a ​V​. Logo, aplicando a Eq. 4 e utilizando como aceleração ​a a aceleração média de ​7,93g ( 77, 84m/s2 ), obtemos
10º Congresso Brasileiro de Engenharia de Fabricação
05 a 07 de agosto de 2019, São Carlos, SP, Brasil

uma velocidade experimental média pós-impacto de V = 0, 156m/s . Com a mesma equação, porém empregando a
velocidade teórica V t , é possível obter a aceleração teórica at = 8, 892g (87, 20m/s2 ).
A Eq. (5) foi utilizada para encontrar o percentual médio de erro na medição.

Erro = 1 − (a/at )⋅100% (5)

Os valor obtido foi de Erro = 10, 53% .


Na Tab. 2 podemos conferir os valores da aceleração nas medições realizadas, a velocidade experimental e o erro
percentual em relação à aceleração teórica at , bem como as respectivas médias, desvios padrões e repetitividades.

Tabela 2 - Dados estatísticos das trinta medições realizadas com o pêndulo.

Aceleração Aceleração Velocidade


Erro [%]
[g] [m/s^2] Experimental [m/s]
Média: 7.934666667 77.83908 0.15567816
Desvio Padrão: 1.213625896 11.90567004 0.02381134008 10.5297931
Repetibilidade: 2.427251793 23.81134008 0.04762268017

4. CONCLUSÃO

O experimento consiste em sensores e componentes disponíveis ao público em geral através de ​websites no Brasil.
A plataforma é livre e universal, por isso pode ser construído a custo relativamente baixo. O resultado é satisfatório e
confirma principalmente a possibilidade de construir facilitadores para a vida. Neste caso, foi criado um dispositivo para
otimizar os treinos de um praticante de artes marciais e acompanhar sua performance. A expectativa é de que quanto
maior a massa e mais rígido o saco de pancadas, mais fiéis serão os resultados.
Ocorreram, porém, algumas dificuldades durante o teste, como esporádicos travamentos do dispositivo e do
aplicativo. Uma possível fonte dos erros é falha na programação, principalmente se tratando do aplicativo.
Outra possibilidade é o fato de o acelerômetro ADXL377 mostrar possuir uma taxa de leitura mais lenta do que o
MPU6050, isso pode se dever à baixa capacidade da placa microcontroladora Arduíno UNO ou à natureza do
acelerômetro de ser otimizado para leituras estáticas e não dinâmicas. Quando apenas o MPU6050 está ativado, a
fluidez do sistema é muito maior e os travamento são muito menos recorrentes. Outro motivo pode ser a otimização que
existe devida à vasta aplicabilidade do MPU6050 no mercado, sendo utilizado desde as pesquisas com rastreadores de
movimento à construção de drones. Possíveis soluções seriam a implementação de ​Fastwire (biblioteca que torna mais
rápida a leitura do protocolo I2C) ou a conversão para outra placa microcontroladora com maior capacidade de
processamento. Essas possíveis soluções podem ser desenvolvidas em pesquisas futuras. Após o experimento foi
observado que, ao possuir um alvo com massa suficientemente grande para que a aceleração não alcance o topo da
escala, é possível utilizar apenas o MPU6050 e obter resultados precisos.
Muitas lições foram aprendidas ao longo do processo, desde a programação do Arduíno à programação do
aplicativo e a comunicação entre ambos. A chamada “Internet das Coisas” é um campo em amplo desenvolvimento e
com tremendo potencial tanto científico quanto de mercado. Uma versão comercial do produto poderia ser
desenvolvida, e traria a necessidade de uma revisão no aplicativo por especialistas com plataformas profissionais de
desenvolvimento, construção de uma placa de circuito impresso específica para os componentes e construção de um
circuito integrado que substitua o Arduíno.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUŚKO, Krzysztof et al. Measuring the force of punches and kicks among combat sport athletes using a modified
punching bag with an embedded accelerometer. ​Acta of bioengineering and biomechanics​, v. 18, n. 1, p. 47--54,
2016.

CAMARA, Romulo. ​Protocolo I2C​. Disponível em:


<http://www.univasf.edu.br/~romulo.camara/novo/wp-content/uploads/2013/11/Barramento-e-Protocolo-I2C.pdf>.
Acesso em: 28 out. 2018.
L. Dias, A. Marques, P. Valle
Desenvolvimento de dispositivo 4.0 para medição em tempo real de golpes marciais utilizando plataforma A​rdu​íno

HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. ​Fundamentos da Física​: Mecânica. 10. ed. [S.l.]: LTC,
2016. 372 p. v. 1.

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