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13 de dezembro

Princípio da novidade ou exclusividade

Âmbito de proteção das firmas:

Princípio exclusividade ou novidade: importante perceber qual a proteção que as


firmas têm. Distinguir 3 situações diferentes:

i) temos as firmas de pessoas coletivas, têm proteção nacional

ii) quanto ao âmbito dos comerciantes em nome individual

a. Regra geral: a firma do comerciante nome individual não tem qualquer tipo de
proteção. À partida dois comerciantes em nome individual podem ter a mesma
firma (podem ter firmas que sejam confundíveis).

b. Exceção: quando a firma do comerciante em nome individual que não seja


apenas composta pelo próprio nome do comerciante individual, e for composta
por ainda expressão alusiva à atividade ou por alcunha do comerciante. Esta
firma terá proteção no âmbito do concelho onde o comerciante exerce a sua
atividade ou onde tem o seu estabelecimento principal. Neste caso, esta firma
terá proteção concelhia, ou seja, terá proteção no âmbito do concelho onde o
comerciante exerce a sua atividade e/ou onde tem o estabelecimento principal

iii)

Naturalmente que, mesmo nas situações em que o princípio da exclusividade ou este


âmbito de proteção não existe, ou existe de forma reduzida, existem outros meios de defesa
que podem ser utilizados pelos comerciantes em nome individual, nomeadamente a
possibilidade de exercer a tutela do direito ao nome. Nos termos do 72º CC. E ainda, nos
casos aplicáveis, a possibilidade de recorrer a uma tutela contra a concorrência desleal
nomeadamente a prevista no 317º do CPI.

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Outro princípio que as firmas têm que cumprir:

Princípio da capacidade distintiva

Princípio da capacidade distintiva = as firmas têm que ser compostas por elementos
que permitam efetivamente distinguir o nome do comerciante do resto do vocabulário por nós
utilizado, ou seja, as firmas não podem ser compostas apenas por elementos ou sinais fracos
de distinção. Sinais fracos de distinção, são sinais ou palavras genéricas que são por exemplo
utilizadas por toda a indústria, ou por exemplo designações de locais específicos (Porto,
Coimbra, Guimarães, Rua x), ou ainda qualquer outra expressão genérica que seja utilizada
por qualquer pessoa.

Tudo somado, as firmas não podem ser compostas por elementos que não tornem
difícil a outra pessoa saber que está perante uma firma. Exemplos: se eu tivesse uma
sociedade ligada ao comércio de maçãs, a firma não podia ser “come uma maça S.A” porque
não havia capacidade distintiva, este conjunto de palavras é utilizado no dia a dia para outras
finalidades. Por exemplo, se quisemos ter uma firma para uma marca de cafés “bom dia” é
uma expressão demasiado genérica, não confere capacidade distintiva a nenhuma firma.

Agora, este princípio só tem verdadeira aplicação quando estamos perante firmas-
denominação, porque se forem nome ou mistas são firmas que têm o nome do comerciante ou
nomes dos sócios da sociedade, e a existência destes nomes considera-se bastante para
atribuir capacidade distintiva;  e se as pessoas com esse nome têm capacidade distintiva
então esse nome à partida também tem capacidade distintiva.

Exemplo de firma chumbada quando foi pedido o certificado de capacidade de firma:


firma “shirt makers – confeções Lda”  porque a firma não pode ser composta apenas por
vocábulos de uso corrente que permite identificar ou se relacionar com a atividade. Não pode
recorrer exclusivamente a vocábulo de uso corrente.

Princípio da Unidade:

À partida, cada comerciante só pode ter uma firma. Mas há exceções.  A mais
relevante é: o comerciante em nome individual, que seja proprietário de um estabelecimento

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de responsabilidade ilimitada (EIRL) terá duas firmas (a sua própria firma, e a firma do
próprio EIRL). Estes estabelecimentos são raros.

Princípio da licitude residual 

Há um conjunto de expressões que também não podem ser utilizadas nas firmas como
expressões contrárias a moral ou bons costumes (como a utilização de palavrões), expressões
que sejam contrarias ao respeito pela liberdade religiosa, politica ou ideológica, e ainda
expressões de alguma forma que desrespeitam ou se apropriem de símbolos nacionais,
personalidade, eventos, épocas, etc. ….. desde que por razões diversas históricas,
patrimoniais se deva proteger a utilização destas expressões.

Exemplo de firma: José Martinho Carago – não é um palavrão, é o nome dele.

Alteração da firma

Os comerciantes têm um direito de alterar a sua firma quando quiserem, e, portanto,


qualquer sociedade comercial e qualquer comerciante em nome individual pode pedindo um
novo certificado de admissibilidade de firma, e a partir do momento em que essa firma seja
aprovada, pode começar a utilizar o novo nome do comerciante/a nova firma. Há, no entanto,
situações em que ele não terá o direito de fazer, mas terá sim a obrigação de o fazer, ou seja,
há situações em que o comerciante está obrigado a alterar a sua firma. Por exemplo será
necessário alterar a firma para continuar a cumprir com o princípio da verdade, e isto é
relevante por exemplo quando a sociedade muda de atividade ou quando por exemplo perde
algum sócio cujo nome aparece na própria firma. Por outro lado, se a firma for vendida,
também haverá aí necessidade de indicar na própria firma que ela foi vendida a outro
comerciante.

Transmissão

A firma pode ser transmitida em vida ou em morte.

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o Em vida  é transmitida nos termos do art 44º

Em vida: existem 3 requisitos para que a firma seja transmitida.

1º a firma para ser transmitida tem de ser transmitida com o estabelecimento comercial;

2º a firma tem de ser transmitida por documento escrito e onde expressamente se declare a
transmissão da firma;

3º é necessário que, se altere a própria firma para que nela passe a constar a referência a essa
transmissão. A ideia é uma ideia de cumprimento do princípio da verdade, porque se
consideramos que a firma é o nome do comerciante é importante que toda a gente saiba que,
aquela firma agora está a ser utilizada por outra entidade que não a entidade que inicialmente
estava a utilizá-la (para nós, por exemplo fornecedores, pode não ser igual contratar com uma
entidade em comparação com outra).

Apesar de ser idêntica, tem que se dar a conhecer que estão a contratar com outra
entidade.

o Em morte  é transmitida também nos termos do 44º.

Tutela de firma

Existem dois tipos de tutela:

- preventiva: é conseguida por via do certificado de admissibilidade de firma, quando uma


pessoa quer utilizar uma determinada firma, quer constituir uma sociedade, tem que ir ao
registo nacional de pessoas coletivas, e solicitar a utilização dessa firma. Ora, aqui temos a 1ª
linha de proteção das firmas já existente, e proteção dos princípios que vimos porque o
registo nacional de pessoas coletivas para autorizar a utilização da firma vai ter que confirmar
se esta firma preenche todos os princípios que vimos (verdade, exclusividade, licitude etc). Se
ela aceitar a firma proposta, recebemos um certificado de admissibilidade de firma, onde se
diz que uma determinada pessoa está autorizada a utilizar uma determinada firma. O registo
para autorizar a utilização da forma vai ter de confirmar se esta firma preenche todos os
princípios. Se ela aceitar a firma que foi proposta, recebem um certificado de admissibilidade
de firma onde se diz que uma determinada está autorizada a usar uma determinada firma.

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Porém, muitas vezes esta tutela preventiva pode falhar, e falhando podem existir
firmas ilegais que não preencham os princípios que nos vimos. Neste caso, existem 3
possibilidades de reação:

- reativa :

• pedir ao registo nacional de pessoas coletivas que revogue o direito ao uso daquela
firma, ou seja, revogue o certificado de admissibilidade daquela firma. O registo
nacional de pessoas coletivas vai dizer que autorizou mas que agora percebe que não
o devia ter feito;
• pode o comerciante prejudicado recorrer judicialmente, pedindo em tribunal, a
nulidade daquela firma;
• pode ainda o comerciante em tribunal ou fora do tribunal, pedir uma indemnização
pelos danos que as utilização daquela firma lhe cause.

Art 60º + 35º + 62º RRNPC

Caso IIR (institutos informáticos SA) vende à paredes

Casos Práticos n. º 7

I.

A “IIR - Instituto dos Informáticos S.A.” vende à “Paredes Cinzentas, Lda”, uma máquina
industrial de processamento de cimento com pagamento a 30 dias. Na data do vencimento do
crédito, a “Paredes Cinzentas, Lda” não paga, e mantem-se em mora apesar das insistências
do credor, embora vá cumprindo outras dívidas perante os seus outros credores.

1. Pode o credor deduzir um pedido de insolvência da “Paredes Cinzentas, Lda”, sabendo que
esta sociedade tem, respetivamente, um ativo de 10.000 € e um passivo de 12.000 €,
avaliados de acordo com as regras contabilísticas, sendo que 2.500 € do passivo resultam de
empréstimos com prazo de 2 anos que Carlos, sócio-gerente, celebrou com a sociedade?

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Os credores têm à partida direito a requerer a declaração de insolvência desde
que consiga provar a verificação dos indícios do art 20º. Ora, ele não conseguirá provar a
verificação de nenhum dos indícios do art 20º e, mesmo que, consiga provar algum dos
indícios, poderá a entidade devedora fazer 1 de duas coisas: 1- provar que aquele indício
não se verifica; OU 2- provar que não está na situação ou situações previstas no art 3º.

Ora, no final do dia, sendo que a sociedade podia provar que 1- consegue provar
que consegue pagar as dividas que se vão vencendo a cada momento – não está preenchido
o 3º n1; e 2- consegue provar que o seu passivo não é superior ao ativo, nomeadamente
através da utilização da al c) do 3 do art 3º.

2. Podiam, aquando da constituição das referidas sociedades, os pedidos de certificado de


admissibilidade das firmas das sociedades referidas ter sido deferidos?

Quanto à firma “IIR”:

Temos aqui uma dupla violação do princípio da verdade. E por um lado viola o
princípio porque o objeto da sociedade parece ser distinto daquele que se retira da firma; e
por outro lado, porque a referência à palavra “instituto” remete para um tipo de pessoa
coletiva que não é a que está em causa.

Claro que podemos ver de que forma outros princípios poderiam estar violados:
poderíamos equacionar o princípio da exclusividade podia estar violado se existir firma que
fosse semelhante a esta. O princípio da capacidade distintiva podia equacionar-se, podia ser
posto em causa, se considerarmos que é um sinal distintivo fraco, ou seja, que a firma é
composta por sinais fracos.

Já quanto à firma “Paredes Cinzentas”:

É um conjunto de palavras utilizadas no âmbito normal da atividade, ou vocábulos de


uso corrente da atividade e como tal, não cria capacidade distintiva a esta firma. Aqui é mt
mais obvio do que no caso dos institutos porque aí nota-se que estamos perante uma firma,

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simplesmente não remete para o objeto verdadeiro da sociedade, já no segundo caso é mt
mais difícil perceber que estamos aqui perante verdadeiramente uma firma.

Conclusão:

Nenhuma destas firmas podia ter recebido o certificado de admissibilidade,


nenhuma destas formas poderia estar a ser utilizada.

II.

Bonifácio e Agostinho são sócios-gerentes da “Bonitinho, restauração e fabrico de conservas,


Lda.”, que explora um restaurante e uma fábrica de conservas de peixe na zona de
Matosinhos. Após contactarem o seu banco com o objetivo de negociar o financiamento para
adquirir a Carolina um snack-bar, veem o seu pedido recusado com a justificação de que a
empresa tem tido dificuldades em satisfazer os seus compromissos financeiros – o que era
totalmente falso. Após várias diligências, apura-se afinal que a sociedade fora confundida
com a “Bonitinho, restauro e conservação de edifícios, Lda.”, com sede na Guarda, e
relativamente à qual estava a correr um processo de insolvência.

1) Parece-lhe existir alguma irregularidade na constituição e/ou utilização de alguma das


firmas referidas? Explique porquê e em que circunstâncias, referindo também se e
como poderão reagir os titulares da firma que eventualmente goze de exclusividade.

R:

Começar sempre pelo mais geral por exemplo 200º do CSC. Estamos perante
sociedade por quotas, temos que ver se, de acordo com estas regras, a firma foi bem
constituída. Ora, no que diz respeito às sociedade por quotas e anónimas, a liberdade da
criação das firmas é quase total, porque as firmas podem ser: firmas-nome (constituídas
apenas pelo nome de um ou mais sócios), como podem ser firmas-denominação (constituídas
com uma denominação particular, por exemplo compostas por expressões de fantasia), ou

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firmas-mistas (compostas tanto por nome dos sócios, como por palavras inventadas ou com
referência à atividade).

No caso concreto temos uma firma-denominação – nome dos sócios está apenas
indiretamente referido, mistura dos dois nomes que é expressão de fantasia; portanto, embora
os nomes dos sócios estejam lá, estão indiretamente referidos, nenhum dos sócios se chamam
“ bonitinho” é uma expressão de fantasia.

Para além disso, a firma tinha que acabar em “Lda”.

Nos números seguintes: há a necessidade de cumprir o princípio da verdade.

Ver os princípios: o princípio da verdade está preenchido. O princípio da


capacidade distintiva também está, utilizam-se outras palavras que não as respeitantes à
atividade, bonitinho parece ser bastante para criar possibilidade de distinguir a firma
relativamente a outra (ou seja, há capacidade de se distinguir das outras). E parece estar
cumprido o princípio da unidade e o princípio da licitude (não há violação da unidade ou
da licitude residual).

Sobra-nos o princípio da novidade art 33º as firmas devem ser distintas umas das
outras, não podem ser suscetíveis de confusão entre si; sendo que este juízo de confusão deve
ser analisado do ponto de vista do homem médio e deve ter em conta não só a grafia das
palavras, mas também a sua fonética, além disso deve ter em consideração todos os aspetos
que digam respeito à sociedades em causa – por exemplo qual o âmbito da sua atividade,
onde vão exercer essa atividade etc.

Levantou-se a questão: o legislador no 33º n2 diz expressamente que os juízos de


distinção devem ter em conta a finalidade ou proximidade das suas atividades (das atividades
entre as duas sociedades, ou entre as duas firmas). Levantou-se a questão de se isto
significava que apenas seriam violadoras do princípio da novidade, as firmas dos
comerciantes que tivessem atividades próximas entre si  concluiu-se que não deve ser
assim, o que se diz é: este é mais um requisito, ou mais um critério que deve ser tido em
consideração, e portanto, à partida, duas sociedades que exerçam atividades próximas entre
si, as suas firmas serão mais facilmente confundíveis, logo deverão ser mais diferentes entre

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si. Se tivermos duas sociedades comerciais com atividades diferentes, talvez as firmas
possam ser mais parecidas, porque a probabilidade de serem confundidas é menor.

(À partida duas sociedades que exerçam atividade próximas entre si as suas firmas
serão mais facilmente confundíveis, elas deverão ser mais diferentes entre si, tendo atividades
diferentes talvez as firmas possam ser mais parecidas pq a probabilidade de ser confundíveis
é menor.)

Art 60º n1 RNPC deve declarar a perda do direito ao uso da firma violadora dos
princípios, a firma violadora neste caso será a que tiver aparecido em segundo lugar. Nunca
esquecendo que se estiverem em causa sociedades comerciais têm um âmbito de proteção
nacional, nunca poderiam existir duas sociedades em concelhos diferentes com firmas
similares.

N4 do 35º prevê a possibilidade de recurso aos tribunais para obtenção de uma


declaração de nulidade, anulação, ou revogação de firma.

E por fim: o 62º que diz que o uso legal de uma firma confere aos interessados o
direito de exigir a proibição ou de exigir uma indemnização.

Neste caso, estão em causa duas sociedades por quotas (art. 200.º, CSC). Em princípio, as
sociedades por quotas podem adotar uma firma-nome, uma firma-denominação ou uma firma
mista, pelo que dificilmente haverá violação do regime das firmas das sociedades por quotas.

Não parece, também, haver violação de qualquer princípio conformador da firma. Poderiam
surgir dúvidas quanto à violação do princípio da exclusividade ou da novidade. Se se
considerar que, à luz do homem médio, estas duas firmas são confundíveis, quer pelo seu
aspeto isolado, quer pela sua fonética, haverá confundibilidade. Em causa, estão duas
sociedades com objetos sociais totalmente distintos. Em princípio, o objeto social, apesar de
dever ser tido em conta, não é elemento suficiente para averiguar da violação do princípio da
confundibilidade. Apesar de estas firmas terem apenas uma palavra em comum, as firmas em
causa apontam para alguma confundibilidade, na medida em que são utilizadas expressões
muito semelhantes. Havendo violação do princípio da exclusividade, o titular da primeira
firma registada poderá pedir ao RRNPC que declare a perda do direito à firma, poderá

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intentar ação judicial a pedir a declaração de nulidade da firma ou pedir indemnização pelos
prejuízos causados pela confundibilidade das firmas (arts. 35.º, n.º 4, 60.º e 62.º, RRNPC).

2) Imagine que, para resolver a situação, Agostinho e Bonifácio fazem uma proposta de
aquisição da firma (e só da firma) à sociedade da Guarda. Podem fazê-lo?

R:

44º n4 é proibida a aquisição de uma firma sem o estabelecimento de que esta se


achar ligada, a que esta se achar ligada.

Existem, por isso, 3 requisitos para que uma firma seja transmitida:

1- a firma tem de ser transmitida com estabelecimento comercial

2- a firma tem de ser transmitida por declaração expressa

3- a firma tem que ser alterar quando transmitida para indicar esta sua transmissão

Nos termos do art. 44.º, RRNPC, a transmissão da firma é possível. Porém, a transmissão da
firma apenas é possível se for acompanhada da transmissão da empresa. Não é possível
comprar simplesmente a firma sem mais.

3) Bonifácio pretende abrir um restaurante por conta própria e adotar a firma "O
imperador das sardinhas". Poderá fazê-lo?

R:

As firmas dos comerciantes em nome individual não podem ter firmas


denominação, têm que ter referência ao nome completo ou abreviado do comerciante. Isto
esta no 38º do RRNPC. O comerciante individual adota uma só firma composta pelo seu
nome completo ou abreviado podendo aditar alcunha ou expressão alusiva à atividade
exercida.

Há regras anteriores aos princípios. N1 do 38º o comerciante deve adotar 1 só firma;


composta por nome completo ou abreviar; ditar alcunha ou expressão alusiva à atividade
exercida.

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Resposta é não, porque a firma de comerciante em nome individual tem de incluir
o seu próprio nome.

E poderá adotar a firma “Bonifácio, o Rei das Sardinhas”, e a mesma ser protegida nos
termos do RRNPC?

R:

“Bonifácio, o rei das sardinhas”, sim merece proteção.

O âmbito de proteção: o concelho em que ele exerça a atividade, ou tenha o seu


estabelecimento comercial. Esta firma é mista composta pelo seu nome e por uma alcunha, e
à partida, de acordo com a informação que temos não viola nenhum dos princípios. À
partida irá certamente vender sardinhas (seria diferente se tivesse exploração de talhos de
carne.) À partida não existe firma semelhante. À partida como estamos perante firma mista, o
princípio da capacidade distintiva esta preenchido. E não há violação do princípio da licitude
residual.

A firma podia existir.

E se a sua firma for tão-só “Bonifácio Joaquim da Silva Costa”, o regime dessa proteção será
o mesmo?

R:

Bonifácio Joaquim da Silva Costa: Ele só teria direito ao uso exclusivo da firma no
âmbito do seu concelho caso a firma não fosse composta apenas pelo seu nome próprio, ou
seja, tivesse também uma alcunha ou uma referência à atividade desenvolvida.

Se tivesse também uma alcunha ou uma referência à atividade desenvolvida poderia


ter direito ao uso exclusivo da firma no âmbito do seu concelho.

Ou seja,

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Conforme o art. 38.º, os comerciantes em nome individual devem adotar uma só firma
composta pelo seu nome conforme seja necessário para a identificação da pessoa. Devem
adotar uma firma-nome ou uma firma mista.

Como tal, a firma “O imperador das sardinhas” não seria admissível. O comerciante em
nome individual poderá beneficiar da proteção da firma conferida pelo RRNPC se a sua
firma contiver alguma expressão para além do seu nome.

Se adotasse a firma “Bonifácio, o Rei das Sardinhas”, apenas poderia beneficiar da


proteção conferida pelo RRNPC no âmbito do concelho do seu estabelecimento principal.
Se o comerciante em nome individual tiver uma firma-nome, apenas pode beneficiar da
tutela geral conferida pelo direito ao nome e pela proibição da concorrência desleal.

DÍVIDAS DOS COMERCIANTES:

O 601 do CC tem o regime regra da responsabilização dos patrimónios por uma


dívida.

À partida, pelas dividas de uma pessoa vão responder todos os seus bens, e portanto,
à partida, perante uma divida responde todo o património do devedor.

Mas quando as pessoas casam aparece vários patrimónios diferentes. Existe um


património do cônjuge A + património do cônjuge B + património comum a ambos os
cônjuges (bens comuns a ambos os conjugues). Quando assim é, existiu a necessidade de
perceber que bens respondem pelas dívidas assumidas por cada um dos cônjuges,
porque já não se pode aplicar de forma direta pelos menos a regra de que se vai responder o
património do cônjuge.

Qual é o património desse cônjuge? A este propósito o 1691 diz quais as dividas que
vão ser da responsabilidade de ambos os cônjuges – d) diz-nos nomeadamente que as dividas
contraídas por qualquer um dos cônjuges, no exercício do comércio, salvo se os cônjuges não
estiverem casados em regime de comunhão ou se o cônjuge comerciante não tiver tirado
proveito dessa divida,  essas dividas serão da responsabilidade de ambos os cônjuges.

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Isto significa, por remissão para o 1695, que estas dívidas poderão responsabilizar
os bens comuns do casal, e na sua falta ou insuficiência tanto os bens próprios do
cônjuge comerciante como os bens próprios do cônjuge não comerciante. Se no regime
regra do CC, perante uma dívida, responde o património do devedor, aqui temos um regime
distinto, perante a divida do cônjuge, vai responder não só o património desse cônjuge, mas
também o património comum do casal, e ainda o património do cônjuge não comerciante ou
não devedor. A norma visa proteger o crédito no âmbito do comércio.

Se não fosse o regime do 1691 + 1695 aplicável, seria o 1696 e de acordo com este
regime as dívidas consideradas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges apenas
responsabilizam os bens próprios desse cônjuge e a sua meação nos bens comuns. Ou seja,
se a dívida não estiver na al d) do 1691 o património que a vai proteger que a vai tutelar já vai
ser inferior, seria só o património próprio do comerciante e a sua meação nos bens comuns do
casal.

Ora, para que esta divida esteja coberta pela al d) do 1691 (e lhe seja aplicável o
1695) é preciso que estejam preenchidos 3 pressupostos:

i) a divida tem que ser contraída no exercício do comercio;

ii) é necessário que o casal esteja casado num dos regimes de comunhão de bens ou
seja é necessário que o casal não esteja casado com separação de bens;

iii) para além disso, é preciso que não se prove que as dívidas contraídas não foram
contraídas em proveito comum do casal, ou seja, não foram contraídas para serem
aproveitas por ambos os cônjuges

Quanto ao 1º requisito (dívida contraída no exercício do comércio) é necessário ter


em conta o 15º Código comercial, que tem a presunção: as dívidas comerciais do cônjuge
comerciante presumem-se contraídas no exercício do comercio. Ou seja, na verdade, à
partida não será necessário provar que uma dívida foi contraída no exercício do comercio.
APENAS se tem que provar que estamos perante uma divida comercial do cônjuge
comerciante. Divida comercial = é a dívida que resulta de um ato subjetiva ou objetivamente
comercial. E, portanto, se conseguirmos provar que uma determinada dívida resulta de um ato
comercial praticado pelo comerciante, então presumimos que essa divida foi contraída no

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exercício do comercio, se a divida se presume contraída no exercício do comercio o 1º
requisito fica logo preenchido.

Quanto ao 3º requisito: há dúvida na doutrina sobre o que se considera ser uma divida
“não contraída em proveito comum do casal”, o caminho mais certo a seguir é o que entende
que uma divida é considerada não contraída em proveito comum do casal quando existe uma
total separação patrimonial e talvez física dos dois cônjuges. Ou seja, à partida uma dívida do
cônjuge comerciante, ou seja, comercial vai ser sempre aproveitada pelo outro cônjuge,
porque à partida esta dívida teve uma contrapartida que enriqueceu patrimonialmente ou
culturalmente o casal. O que só não acontecerá se estivermos a falar de um casal que já não
vive junto e que tem total separação de economias, só aí é que se podia dizer que o cônjuge
comerciante não aproveitou de forma nenhuma aquela dívida.

Tudo somado: num caso destes, ver estes 3 pressupostos + explicar quais os meios
de reação do cônjuge não comerciante. Porque quem vai ter interesse em evitar a aplicação
deste regime será o cônjuge não comerciante, porque é aquele que pode conseguir de alguma
forma não ser responsabilizado por aquela divida. Para tal (o cônjuge não comerciante), tem
que provar a não verificação de 1 daqueles 3 requisitos. 1- pode ilidir a presunção do art 15º,
e diga, embora a divida seja comercial, esta divida não foi contraída no exercício do
comércio; 2- pode provar que o casal esta casado em separação de bens; 3- ou pode provar
que existe uma total separação de economias e até física entre os dois cônjuges, provando
assim que aquela dívida não foi aproveitada nenhuma para seu próprio proveito.

3 pressupostos (questão doutrinaria no terceiro; referencia à presunção do 1º


pressuposto

EXAME: Neste tipo de questões, temos sempre que começar por qualificar os
sujeitos e os atos. Só aí sabemos se são comerciais e se as dividas são comerciais, para
depois ver se existe a presunção do 15º ou não.

EMPRESAS

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Tidas em 2 sentidos:

Sentido Subjetivo: a empresa é tida pela lei como um sujeito de Direito, é o


equivalente em falar em comerciante ou sociedade comercial, não é o termo juridicamente
mais correto, mas aparece com grande utilidade em vários ramos do direito, por exemplo no
direito da concorrência é tão ou mais relevante do que as expressões de sociedade comercial
ou comerciante.

Sentido Objetivo: empresa enquanto conjunto de bens que esta organizado de uma
determinada forma com vista à prossecução de um determinado fim. Vimos vários requisitos,
pressupostos. É nomeadamente necessário que este fim seja uma relação com o exterior, ou
seja, por exemplo se eu tiver uma quinta grande, mas apenas utilizar a quinta para produzir
produtos para eu consumir, e até tenho elementos devidamente organizados, no entanto, se
não tiver relação com o exterior não será empresa para efeitos comerciais. Além disso, uma
empresa tem que ser autossuficiente  no sentido técnico funcional (= a empresa no seu
processo tem que ser autónoma relativamente a todos os elementos que compõe esse
processo, esses elementos podem ser substituídos sem prejudicar todo o processo de criação)
e no sentido económico (que à partida uma empresa deve ter autossuficiência em termos
económicos, deve pelo menos tentar criar excedentes suficientes para cobrir os seus custos e
continuar com o processo criativo e produtivo).

Estabelecimentos comerciais e empresas

No Direito, as empresas revelam-se em duas aceções principais:

1) Em sentido subjetivo – empresas como sujeitos jurídicos que exercem uma


atividade económica;

2) Em sentido objetivo – empresas como instrumentos ou estruturas produtivo-


económicos objetivos de direitos e de negócios.

A empresa em termos objetivos é:

▪ Um processo produtivo;

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▪ Composto por um conjunto de bens e elementos (prédios, máquinas, etc);

▪ Organizados, articulados, interrelacionais com vista a um fim;

▪ Em intercâmbio com o exterior (extroversão);

▪ Autossuficiente:

 em termos técnico-funcionais – processo produtivo de extroversão é autónoma do


qualquer um dos seus fatores (exclusão de profissionais liberais);

 em termos económico-reditícios – a empresa não tem de dar lucros, mas apenas criar
excedentes para cobrir os custos e reproduzir o processo.

Negócios sobre as empresas

Negócios que têm por objeto a empresa:

Vimos a este propósito: a existência de dois negócios que têm por objeto a
empresa:

- Trespasse: é a transmissão intervivos com caráter definitivo de um estabelecimento

- Locação: é o contrato sobre o qual uma das partes (o locador) disponibiliza a utilização, a
gestão, o gozo da empresa,  a outra, em troca de uma determinada retribuição.

São dois os negócios:

1- Trespasse – transmissão inter vivos com carater definitivo de um estabelecimento


comercial ou não. O contrato não tem de ser oneroso;

2- Locação de empresa / cessão de exploração – contrato pelo qual uma das partes se
obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um estabelecimento comercial ou não
mediante retribuição. Este contrato tem obrigatoriamente de ser oneroso.

Diferenças entre estes 2: o contrato de locação da empresa é obrigatoriamente


oneroso; o trespasse não o é. Portanto, um trespasse não tem que ser uma CV é um negócio

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de transmissão da empresa, pode ser: CV, mas pode também ser permuta, pode ser dação em
cumprimento; pode ser uma entrada na empresa, na sociedade comercial, entro para o capital
da sociedade comercial através da empresa, dação em cumprimento, etc.

Trespasse

É relevante no âmbito do contrato de trespasse referir ainda: a sua necessidade ou não


de ser celebrado por escrito.  2 posições: Coutinho de Abreu diz que o trespasse tem que
ser celebrado por escrito, e retira do 1112º n3 do CC; vs Caciano dos Santos diz que não há
nenhuma norma que refira que o trespasse tem que ser celebrado por escrito e considera que
estamos perante negócio que não exige forma.

Para além disso, em algumas situações a realização do trespasse exige direito de


preferência – 1112º n4, e tem por beneficiário o senhorio do local onde a empresa é
explorada.

Trespasse

❖ É sempre uma transmissão definitiva da empresa;

❖ Negócio que pode ser gratuito ou oneroso;

❖ Para efeitos do direito de preferência do artigo 1112º/4 CC, o trespasse tem sempre
de ser um negócio oneroso, ou seja, o senhorio só tem direito de preferência no trespasse se
ele for oneroso;

❖ Segundo Coutinho de Abreu, o trespasse tem que (pelo menos) ser celebrado por
escrito (aplicação extensiva do artigo 112º/3 CC). Cassiano dos Santos diz que há liberdade
de forma, não é necessário celebrar um trespasse por forma escrita. No caso especial de
transmissão de um imóvel, em princípio, na prática, tem de ser celebrado por escritura
pública. Há autores que dizem que não é necessário, basta um documento escrito. É sempre
necessário ter em conta a interpretação do contrato.

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Âmbito de negociação da empresa

Quando se transmite o equipamento de uma empresa, há a necessidade de perceber o


quê que é efetivamente transmitido? A este propósito fala-se de 3 âmbitos? âmbito mínimo,
natural, convencional.

 Âmbito Mínimo:

Este âmbito determina quais os elementos da empresa que têm que ser transmitidos, sob pena
de nós não estarmos perante a transmissão da empresa. Ou seja, para sabermos se temos um
trespasse temos que confirmar que houve um conjunto de elementos mínimos da empresa que
foram transmitidos. Se só passarem as mesas e cadeiras não parece que estejam a trespassar a
empresa. Este conjunto de elementos não pode ser determinado a priori, de forma genérica; a
sua avaliação é sempre casuística. Temos de perceber se, perante um conjunto de elementos,
considerar se houve transmissão daquela empresa, ou se o que foi transmitido foi coisa
diferente da empresa em específico.

Orlando Carvalho, criou a Lei Tendencial: ele diz que o âmbito mínimo ia-se
diminuindo ao longo do tempo, o nº de elementos de um âmbito mínimo ia sendo reduzindo
ao longo do tempo, sendo que com o passar do tempo os elementos corpóreos da empresa
seriam cada vez menos relevantes ao longo do tempo.

Âmbito mínimo – constituído pelos elementos necessários e suficientes para a


transmissão de um concreto estabelecimento (analise casuística). O âmbito mínimo é o
núcleo duro de bens sem os quais aquela empresa passa a ser outra empresa. Desrespeitando-
se o âmbito mínimo de entrega o trespasse fica impossibilitado. Objeto do negócio translativo
serão então os bens de um estabelecimento, não o próprio estabelecimento. Orlando de
Carvalho enunciou a lei tendencial, segundo a qual uma empresa necessita tanto menos de
elementos corpóreos para a tornar reconhecível aos olhos do público quanto mais tempo de
funcionamento tiver.

 Âmbito Natural

18
Será o conjunto de elementos que são transmitidos no silêncio das partes.

Que elementos se considera que estão previstos neste âmbito natural? Os bens que são
detidos a título de propriedade e que fazem parte do estabelecimento, naturalmente que
quando se transmite o restaurante no silencio das partes todos os bens que compõem o
restaurante e que são detidos pelo vendedor são transmitidos mesmo que as partes não digam
nada em sentido inverso.

Depois levanta-se a questão: o imóvel pode ser transmitido no silêncio das partes? A
doutrina divide-se: parece que a resposta correta será que para sabermos e imóvel é
transmitido ou não com o trespasse, temos que interpretar as disposições do trespasse, e
perceber se, tendo em conta as circunstancias relevantes, se as partes queriam transmitir ou
não o imóvel. É diferente eu comprar uma empresa por 100 mil euros ou comprar essa
mesma empresa por 1 milhão de euros. À partida o valor que foi pago pela empresa pode nos
ajudar a perceber se se pretendia a alienação do imóvel transmitido ou não, o imóvel
normalmente tem valores elevados.

Podem ainda ser transmitidos os logótipos ou marcas que não façam referência a
nomes próprios de sócios ou do comerciante em nome individual.

Para além disso, são ainda transmitidas as prestações laborais, e dividas à segurança
social, salvo se existir oposição dos trabalhadores (podem não querer passar a ser
trabalhadores do novo proprietário do estabelecimento comercial). Para além disso, a posição
de locatário e arrendatário também se transmitem de forma natural com a realização do
trespasse.

Âmbito natural – constituído por elementos que se transmitem naturalmente com o


estabelecimento trespassado, isto é, os meios transmitios ex silentio, independentemente de
estipulação ad hoc. Incluem-se neste âmbito:

 Logótipos e marcas – desde que não incluam nomes ou firmas;

 Bens detidos não alugados ou emprestados do estabelecimento;

 Imóveis (dependente da interpretação do contrato);

 Prestações laborais, salvo se houver oposição pelo trabalhador (285º e ss CT);

19
 Posição do arrendatário e locatário financeiro.

 Âmbito convencional

Elementos que só podem ser transmitidos se o forem de forma expressa.

Incluem-se: nomeadamente a firma do comerciante, nos termos do 44º RRNPC tem


que ser transmitida expressamente juntamente com o estabelecimento comercial. Os
logótipos ou marcas com nomes. Dividas, créditos e relações contratuais existentes entre o
comerciante e terceiros. Máquinas, veículos e moveis alugados.

Todas estas relações contratuais só são transmitidas se as partes expressamente o


previrem.

Determinadas relações contratuais podem exigir ainda o consentimento da


contraparte.

Para alguém que está a dar o aluguer de uma determinada máquina, pode não ser a
mesma coisa manter o contrato com o inicial proprietário do estabelecimento e com o
segundo proprietário.

É por isso que são importantes: as new dilligence, processos de analise da …empresa,
para perceber se por exemplo é possível a transmissão de algumas destas relações contratuais
sem a necessidade de autorização da contraparte. Se esta relações contratuais forem
relevantes para uma empresa, se a outra parte não autorizar a empresa perderá mt valor.

Exemplo: fábrica de sapatos com Adidas.

Âmbito convencional – constituído por elementos empresariais que apenas se


transmitem por estipulação ou conceção expressa ou tácita entre trespassante e trespassário.
Incluem-se neste âmbito:  Firma;  Logótipos e marcas com nomes;  Dívidas, créditos e
relações contratuais: - A transmissão só exonera o trespassante havendo declaração expressa
dos credores, respondendo ele solidariamente com o trespassário caso não haja essa
declaração; - As dívidas laborais e segurança social – responsabilidade do trespassário (285º
CT).

20
Orlando carvalho, (ao contrário de Coutinho) distingue entre débitos puros e débitos
impuros.

Ou seja, o regime que Coutinho considera aplicável é: para dividas, créditos e


relações contratuais vai haver sempre necessidade de convenção expressa das partes. Mas
Orlando diz que temos que distinguir entre: débitos puros (fazem parte do âmbito
convencional); os débitos puros (fazem parte do âmbito natural).

 Debito puro = é um débito que existe no património do devedor sem que


exista já uma contrapartida que vá ser prestada no futuro, por exemplo, um
restaurante tem uma dívida de 1000 euros relativa a um fornecimento de
laranjas que foi já avalizada, já só existe aquela dívida, é pura, não existe
contrapartida.

 Débito impuro = débito que tem ainda associado uma posição de crédito. Ou
seja, nesse restaurante posso ser devedor de 1000 euros, relativo a um
fornecimento de laranjas que ainda vai ser realizado.

Orlando Carvalho diz: os débitos puros estão no âmbito convencional, cuja


transmissão exige convenção expressa das partes porque: quando eu vou comprar aquele
restaurante, o preço que eu vou pagar já vai cobrir a valorização que aquelas laranjas criaram
no restaurante. Mas o preço que vou pagar não inclui a valorização da empresa perante
prestações que ainda não foram realizadas. Ou seja, o preço que eu vou pagar não inclui à
partida a valorização da empresa perante prestações que ainda não foram realizadas e,
portanto, à partida, essas prestações futuras que ainda não foram realizadas ainda não
valorizam a empresa e portanto quando eu paguei a empresa, paguei a empresa sem pagar
aquela valorização, faz sentido que tenha que ser eu a pagar os fornecimentos que não sejam
realizados, de outra forma, a empresa está se valorizar à custa do anterior proprietário.

Orlando carvalho distingue:

 Débitos puros – meros desvalores do património do devedor. Incluem-se no âmbito


convencional;
 Débitos impuros – contrapartidas de posição de crédito. Incluem-se no âmbito
natural.

21
Método de entrega da empresa

Quando a empresa é transmitida, não é só transmissão da propriedade dos bens,


mas também inclui um feixe de diversas obrigações. A venda da empresa não é
transmissão da propriedade, mas sim um conjunto de várias obrigações nas quais se incluem
obrigações e transmissão de elementos não corpóreos, como é o caso de relações com clientes
ou com fornecedores, em que se exige que para a empresa ser devidamente transmitida tem
que ser apresentados os novos proprietários aos clientes e aos fornecedores. Depois exige-se
uma transmissão dos conhecimentos (know-how) é preciso que me digam como é que se faz
por exemplo aquele molho de francesinha que faz com que as pessoas queiram ir àquele
restaurante, quero saber o segredo.

Além disso parte da doutrina entende que exige uma obrigação de não
concorrência, obrigação de: ou por parte do vendedor, de não realizar uma atividade que
possa de alguma forma prejudicar a utilização/gozo daquela empresa que foi vendida. Esta é
a posição de Coutinho. Mas não de Pais de Vasconcelos e de Nuno Aureliano, porque
também não existe nos contratos de trabalho nem de agência, aplica-se (segundo estes dois
últimos autores) o princípio constitucional da liberdade económica.

Na dúvida: colocar clausula de obrigação de não concorrência, para não ficarmos


sujeitos a posições doutrinárias distintas.

Uma coisa é a obrigação de dare (de entrega); mas aqui o importante são as
obrigações de facere e non facere. Há obrigações que recaem sobre o transmitente:

1. Apresentar clientes ao adquirente da empresa;

2. Transmitir os conhecimentos técnicos (know-how);

3. Obrigação de não concorrência

 Segundo Aureliano e Pais de Vasconcelos, não há uma obrigação de não


concorrência – analogia com contrato de agência e de trabalho. Ademais, argumento
ser contrário à liberdade de iniciativa económica;

22
 Segundo Coutinho de Abreu, há uma obrigação de não concorrência.

Obrigação de não concorrência

Obrigações de não concorrência visa assegurar a efetiva entrega da empresa.


Compro a taberna belga, mas no dia seguinte os proprietários abrem ao lado um restaurante
exatamente igual, eu não fiquei verdadeiramente com a empresa, há um conjunto de
elementos nomeadamente incorpóreos que vão ser logo puxados para a nova empresa.

A esse propósito: quem esta sujeito à obrigação de não concorrência? Em 1º lugar


o vendedor, mas não só, também se incluem os familiares do vendedor (na medida em que
conheçam os segredos a atividade e tenham de alguma forma tirado proveito económico da
empresa e da venda), e os sócios do vendedor se estivermos a falar de uma sociedade
comercial.

Eu filho, posso não conhecer os segredos do pai e abrir restaurante ao lado dele. Aí posso.

Ou não tenho relação com o pai, não tive proveito da venda. Posso.

A obrigação de não concorrência, está limitada por 3 formas:

 em termos subjetivos,
 em termos temporais,
 em termos espaciais.

A obrigação de não concorrência apenas se aplica quanto a atividades


concorrentes com a da empresa vendida (se vendo um restaurante e abro uma loja de
pronto a vestir, não há concorrência).

Depois, a obrigação de não concorrência, está limitada em termos especiais ao raio de


influência da empresa, se vendo um restaurante no porto, posso abrir o mesmo restaurante no
algarve, à partida, os raios não são coincidentes.

E esta limitada em termos temporais, é uma concorrência durante o período de tempo


necessário para que o comprador possa de forma segura utilizar empresas sem que a abertura
do novo restaurante por parte do antigo proprietário influencie essa utilização.

23
O trespassante fica obrigado a, num certo espaço e tempo, não concorrer com o trespassário
e sucessivos adquirentes. Qual o fundamento? A obrigação do alienante de entrega da coisa.

Além do trespassante, outras pessoas podem ficar vinculadas à obrigação de não


concorrência: é o caso do cônjuge, dos seus filhos e de alguns sócios (se em causa estiver
uma sociedade comercial).

Porque é que estas pessoas podem ficar vinculadas à obrigação de não concorrência?

❖ Os familiares têm de conhecer os valores da organização e de exploração da empresa


cedida, representando um perigo acrescido;

❖ Têm de continuar a retirar proveito económico da empresa cedida e continuar em


economia comum com o empresário.

Esta obrigação tem limites. Ela justifica-se apenas na medida em que seja necessária para
uma entrega efetiva do estabelecimento trespassado. Por isso:

➢ Limites objetivos – atividade concorrente;

➢ Limites espaciais – irradiação geográfica do estabelecimento;

➢ Limites temporais – enquanto o comerciante não consolidar os elementos do


estabelecimento.

Se esta obrigação não for cumprida, pode haver lugar à: ➢ Resolução do contrato;

➢ Manutenção do contrato e indemnização;

➢ Sanção Pecuniária Compulsória; ➢ Possibilidade de destruição da obra (829º CC)

Regime do Trespasse no âmbito de prédio arrendado

Aplicar o 1212º do CC. Resultou deste art a necessidade de duas notificações. Quando
uma empresa está num prédio arrendado, exigem-se 2 notificações diferentes ao
senhorio:

24
i. comunicação para preferência 1212º n4

“dou-te a possibilidade legal de tu preferires ao negócio”. O objetivo de juntar a propriedade


de um bem ao seu efetivo gozo, daí a necessidade de permitir que o proprietário do prédio
seja também proprietário da empresa explorada nesse prédio, se esta notificação não for feita,
o senhorio pode propor uma ação para preferência.

O senhorio pode intentar uma ação para preferência: pelo não cumprimento da
obrigação da notificação de preferência do senhorio NÃO PODE resolver o contrato de
arrendamento, a única consequência é a ação de preferência, caso se queria efetivamente ficar
com negócio de trespasse. Apenas pode fazer uso da ação de preferência caos queira ficar
com empresa alvo do trespasse.

Segunda comunicação: da realização do trespasse e, portanto, da transmissão da


posição contratual de arrendatário. 1212 existe uma exceção ao regime geral: a posição
contratual só pode ser transmitida com autorização do senhorio é a regra; exceção: não é
necessária autorização, mas tem que haver comunicação no prazo de 15 dias ou 30 dias
consoante a doutrina que sigamos (15 dias é o prazo geral; outra parte da doutrina diz que é o
prazo do 1108º CC de 30 dias). Se a comunicação for feita, ótimo não há caso prático.

Se a comunicação não for feita, existe possibilidade de o senhorio resolver o contrato


na medida em que se considere que a falta desta comunicação é suficientemente grave para
justificar a resolução do contrato. Não basta o não cumprimento do prazo, é necessário que
o não cumprimento seja grave o suficiente para justificar a resolução do contrato.

Para além disso, diz se ainda que se o senhorio aceitar rendas por parte do novo
arrendatário, então ele perde o direito de resolver o contrato com base na não existência de
notificação do novo arrendatário, porque ele aceitou (tacitamente) este novo arrendatário.

É ainda necessário existir trespasse, se não existir o senhorio poderá resolver o


contrato por falta de trespasse. O 1112º n2 prevê 2 situações em que se considera que não
existe trespasse: a) quando o âmbito mínimo da empresa não é transmitido; b) alteração
subsequente na atividade da empresa (se eu compro um restaurante, mas no dia seguinte faço
disso um talho, o trespasso não existiu, a única coisa que quis foi ficar com aquele espaço
comercial).

25
Além disso, 1112º n5, mesmo que exista trespasse, se existir uma alteração da
utilização do imóvel, essa alteração permite outra vez a resolução pelo senhorio. Existiu
trespasse, mas como há alteração da utilização do imóvel então vamos poder resolver o
contrato.

Trespasse de estabelecimento instalado em prédio arrendado

O trespassante arrendatário pode ceder a sua posição de arrendatário ao trespassário


sem necessidade de autorização do senhorio (1112º CC). Não há trespasse quando:

1. Não se respeite o âmbito mínimo de transmissão do estabelecimento (nº2 al. a)) –


interpretação corretiva desta norma;

2. Haja alteração do ramo de comercio ou afetação a outro destino (nº2 al. b)).

O artigo 1112º termina dizendo que quando após a transmissão seja dado outro
destino ao prédio, o senhorio pode resolver o contrato.

Direito de preferência

Segundo o artigo 1112º/4, o senhorio tem direito de preferência nos trespasses


onerosos (e apenas nestes).

O exercício do direito de preferência é feito de acordo com as regras gerais dos arts.
416.º e 1410.º, CC. A violação desta comunicação para preferência permite apenas propor
ação para preferência.

Assim, o trespassante tem que proceder a duas notificações ao senhorio:

1. Uma notificação com a intenção de venda, comunicando o negócio que pretende


realizar com o trespassário, de forma a que o senhorio, querendo, possa exercer o direito de
preferência no trespasse no prazo de 8 dias (art. 416.º, CC). A violação desta comunicação
apenas dá direito a exercer ação de preferência (art. 1410.º, CC).

26
2. Uma notificação da cedência da posição de arrendatário, no prazo de 15 dias (art.
1038.º, al. g), CC). Parte da doutrina adota uma interpretação extensiva do art. 1109.º, CC,
defendendo um prazo de 30 dias para comunicação da cedência da posição de arrendatário ao
senhorio, através da analogia com o regime da locação de empresa. Contudo, tem sido de
defender a aplicação do art. 1038.º, al. g), CC, relativo ao prazo de 15 dias. A falta desta
comunicação pode ser motivo de despejo, isto é, de resolução do contrato de arrendamento.
Segundo o artigo 1049º, a não comunicação não dá direito a resolução do contrato se o
senhorio tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal ou se a comunicação lhe tiver
sido feita por este no caso da alínea g).

Locação da empresa

A locação consiste na transmissão temporária da empresa. Esta transmissão tem sempre de


ser onerosa.

Âmbitos de entrega

Mantém-se o referido quanto ao trespasse com algumas especificidades, por exemplo:

➢ As marcas e logótipos transmitem-se sempre;

➢ A propriedade dos meios empresariais mantém-se no locador – existe apenas um direito de


disposição

Sob o locador da empresa recai a obrigação de não concorrência. Há uma obrigação de


entrega da empresa com todas as suas características, com todos os seus valores sui generis
de organização e de exploração.

Esta obrigação tem os limites referidos anteriormente (temporais, geográficos e objetivos).

O locatário da empresa também está impedido de concorrer durante todo o período da


locação de empresa, pois, se o pudesse fazer, podia facilmente desviar a clientela para uma
nova empresa, afetar os valores de organização e exploração para outra empresa, etc. Portanto
a violação do dever de manutenção e restituição da coisa está a cargo do locatário (artigo

27
1043º). Esta obrigação tem os limites temporais, geográficos e objetivos explicados
anteriormente.

A obrigação de não concorrência mantém-se depois de cessar a locação da empresa? Parte da


doutrina diz que a obrigação de não concorrência se mantém. Coutinho de Abreu defende que
não haverá obrigação de não concorrência, por analogia com o regime laboral e do contrato
de agência.

Dever de exploração da empresa

O locatário tem direito de explorar a empresa pelo período que foi convencionado; mas mais
do que isso, ele tem um poder dever de explorar a empresa, na medida em que tem de
assegurar a devolução da empresa.

Locação de empresa situada em prédio arrendado

A locação do estabelecimento rege-se com as necessárias adaptações pelas regras relativas ao


arrendamento para fins não habitacionais. Não havendo uma cedência de posição de
arrendatário, o locador da empresa continua a ser arrendatário do senhorio, sendo que ele
responde por eventuais incumprimentos contratuais por parte do locatário.

Casos Práticos n. º 8

14/12

Caso 8 II

II.
António é proprietário do restaurante O cantinho do António, situado num prédio arrendado a
Clarisse. Graças à sua magnífica localização, mesmo em frente à praia de Leça, e à
excelência dos seus grelhados de peixe o restaurante tem grande sucesso, sendo também
bastante caro.
Decidido a tirar umas prolongadas férias, António celebrou com Bento, em Outubro, um
contrato que designaram como "cessão de exploração", nos termos do qual o segundo
explorará o restaurante por um período de dois anos, pagando ao primeiro uma renda mensal
de € 7500.
1.

28
Em janeiro, Clarisse comunicou a António e a Bento a sua intenção de resolver o
contrato de arrendamento. Os argumentos aduzidos são, em síntese, os seguintes:

a. para que o prédio fosse ocupado por alguém que não o arrendatário seria
necessário o consentimento da senhoria, que não foi pedido nem prestado;

1. 1109º não há necessidade de consentimento desde que exista comunicação.

Neste caso, está em causa uma locação temporária de empresa, que corresponde à cedência
de um estabelecimento comercial, temporariamente, mediante retribuição. Nos termos do art.
1109.º, CC, a transferência temporária onerosa de estabelecimento instalado em local
arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de
um mês. O que diz o art. 1109.º, n.º 2, CC é que a locação da empresa não carece do
consentimento do senhorio. Isto é um erro enorme do legislador, porque nunca a transferência
temporária da empresa precisaria do consentimento do senhorio. O consentimento do
senhorio apenas seria necessário para ceder o gozo do prédio ao locatário da empresa.

b. ainda que assim não se entenda, seria sempre obrigação do arrendatário


comunicar a cedência do local ao senhorio;

2. a propósito deste segundo fundamento (de que seria sempre obrigação do arrendatário
comunicar a cedência ao senhorio)  1109º n2 é necessária a realização desta
comunicação no prazo de 1 mês, é a este propósito que existe a querela entre o prazo
de comunicação no caso do trespasse: uns dizem que se aplica o prazo geral de 15
dias, outros dizem que não faz sentido o prazo de 15 dias, se para uma questão
semelhante (a situação do 1109) o prazo é de 30 dias. Por isso este é o prazo no
trespasso. Ou seja, daí que alguns digam que se vai aplicar 30 dias mesmo no caso de
trespasse. Havia necessidade de comunicação, simplesmente não é a mera falta de
comunicação que leva à resolução, só se a falta de comunicação for considerada
grave e bastante para justificar uma resolução do contrato. Se a comunicação fosse
feita em 32 ou 33 talvez não fosse bastante para justificar a resolução.

29
Nos termos do art. 1109.º, CC, a transferência temporária e onerosa de estabelecimento
instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe
comunicada no prazo de um mês. A comunicação da cedência do local ao senhorio é,
portanto, uma obrigação do arrendatário. A omissão desta comunicação pode ser causa de
despejo, sendo a cedência da posição de arrendatário ineficaz (art. 1083.º, n.º 2, al. e), CC).

c. sendo sabido por todos que o sucesso do restaurante se devia em grande parte
à arte da cozinheira Deolinda (esposa de António, e que deixou de trabalhar no
restaurante durante o período da locação), só por falácia se poderá dizer que o
estabelecimento que agora funcionava no locado era o mesmo que António
explorava; prova clara disso era o facto de o Espadarte à Deolinda, o prato
mais célebre da casa, ter sido suprimido da ementa;

3. quanto ao 3º argumento (o prato mais conhecido da ementa foi suprimido)  no


âmbito da cessão de estabelecimento comercial aplica se a remissão do 1109 para
1112º que depois tem alíneas onde nos diz em que situações NÃO estamos perante
um trespasse, neste caso, com as devidas adaptações, temos uma situação em que não
estamos perante a cessão de um determinado estabelecimento. Uma dessas situações é
então a não transmissão de todos os elementos do estabelecimento. Ora, apesar de a
lei falar em todos os elementos do estabelecimento são só os elementos pertencentes
ao âmbito mínimo (não são todos os elementos do estabelecimento comercial).

Por isso, saber se houve cessão da exploração daquele estabelecimento comercial,


depende de sabermos se o Contrato de Trabalho celebrado com aquela cozinheira e aquele
prato da ementa são elementos que fazem parte do âmbito mínimo de transmissão, ou seja, se
são elementos cuja não transmissão impede verdadeiramente a transmissão do
estabelecimento comercial. Transmitiu-se outra coisa que não o estabelecimento comercial.

Não existe a priori uma resposta para esta questão, sabermos quais são os elementos mínimos
do estabelecimento comercial, é questão que só se sabe analisando casuisticamente cada
estabelecimento comercial. Parece-nos que à partida será difícil argumentar que a saída de

30
apenas uma cozinheira e a retirada de apenas 1 dos pratos seja bastante para que se considere
que o estabelecimento comercial transmitido é o mesmo.

Tudo depende do relevo que aquela chef tinha no estabelecimento comercial e o relevo
do prato. Se o prazo era vendido a 90% dos clientes, se calhar a não inclusão desse prato
pode significar que esse estabelecimento não é o mesmo.

Nos termos do art. 1109.º, CC, a transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou
de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial
nele instalado, rege-se pelas regras do trespasse, com as necessárias adaptações. A não ser em
casos contados, excecionais, o cozinheiro não é essencial ao funcionamento da empresa. Caso
contrário, com a morte desta a empresa desapareceria. Assim, a não transferência do know-
how da cozinheira na locação da empresa não põe em causa a subsistência do restaurante
enquanto tal. O senhorio pretendia com este argumento alegar que não havia locação e que,
por isso, seria aplicável o art. 1112.º, n.º 2, al. a), CC (por remissão do art. 1109.º, n.º 1, CC).
Baseia-se na não transmissão dos elementos do âmbito mínimo, havendo uma cessão da
posição de arrendatário e violação das suas obrigações. No entanto, o senhorio não tem razão,
uma vez que, apesar de os elementos não transmitidos serem importantes, não são essenciais
ao ponto de descaracterizarem a empresa no seu âmbito mínimo.

d. no mesmo sentido apontava o facto de as duas carrinhas para transporte de


peixe terem sido expressamente excluídas do negócio, tendo sido vendidas por
António.
Serão estes argumentos procedentes? Justifique.

4. o 4º argumento sobre as carrinhas terem sido excluídas do negócio  em causa está


saber se a não transmissão daquelas duas carrinhas seria bastante para
considerarmos que estávamos perante a violação do âmbito mínimo da cessão e
portanto estarmos fora de uma cessão de um estabelecimento comercial, e portanto,
ser necessário consentimento do senhorio. Mais uma vez parece que não é o caso, a
não transmissão das 2 carrinhas não leva a concluir que em causa esteja a
transmissão de um estabelecimento comercial distinto. Ou seja, não foi violado o

31
âmbito mínimo da cessão, a transmissão das carrinhas não é bastante. Logo, não seria
necessário consentimento do senhorio.

Pergunta 2

2.

Um ano após o contrato, António resolveu retomar a sua atividade. Arrenda para o
efeito um espaço na praça da alimentação num centro comercial no Porto onde, com a
inestimável colaboração da sua esposa Deolinda, serve peixe frito. Sabendo desse
facto, Bento ameaça recorrer aos tribunais se António não encerrar imediatamente o
negócio. Quid Juris? E se António adquirisse um restaurante de peixe na Afurada,
cujos gerentes eram os seus filhos Manuel e Joaquim?

R:

Em causa: obrigação de não concorrência

Vimos a obrigação de não concorrência em 3 situações diferentes:

i. trespasse (venda de um estabelecimento pode considerar-se que após essa vendas,


o trespassante fica obrigado a não concorrer)

ii. cessão da exploração  podem existir quantas obrigações de não concorrência

a. obrigações de não concorrência durante a execução do contrato (obrigação


esta que recai sobre ambos os contraentes, recai sobre a entidade que explora o
estabelecimento na medida em que tem a obrigação de no final do contrato
devolver o estabelecimento como o recebeu, e isso implica que não possa
concorrer com o próprio estabelecimento que está a explorar), mas a entidade
que detém o estabelecimento e que esta a ceder a sua exploração também tem
obrigação de não concorrência, porque só dessa forma esta a cumprir a
obrigação de ceder o gozo daquele estabelecimento comercial. De outro modo,
se eu permito que alguém explore uma marisqueira que detenho, mas no dia

32
seguinte alguém abre marisqueira ao lado dessa, não estou a permitir que
aquela pessoa possa efetivamente retirar proveito daquele estabelecimento
comercial que eu lhe cedi.

b. existe ainda outra obrigação de não concorrência: após a cessão da exploração


do estabelecimento, pode a doutrina considerar que existe essa obrigação por
parte da entidade a quem a gestão foi cedida.

No caso concreto, estamos perante que situação? Durante a cessão da exploração: porque
temos o proprietário a pretender voltar à atividade, abrindo um novo estabelecimento
comercial. Pode abrir ou está a violar a sua obrigação de não praticar atos que impeçam o
gozo do estabelecimento comercial por parte do cessionário? A doutrina quanto a este
aspeto é unânime que, durante a execução da cessão da exploração o locador do
estabelecimento comercial está obrigação a permitir o efetivo gozo do estabelecimento
comercial.

No entanto, esta obrigação esta limitada em termos temporais, geográficos, e objetivos.

E isto é que era importante aqui: perceber se o restaurante inicialmente cedido ia ter como
concorrência este novo restaurante. Em termos objetivos, em causa está uma atividade que
não é exatamente a mesma, logo parece que não há verdadeira concorrência entre si, um
cliente não fica indeciso entre ir a uma marisqueira pagar 100 euros por prato ou um sítio do
shopping pagar 5 euros, isto é, não fica indecisa entre uma restauração mais chiques vs fast
food, não há verdadeira concorrência entre si. Tínhamos de ver em termos temporais e
geográficos ver se esta obrigação de não concorrência se ainda fazia sentido, passou já 1 ano
desde que começou a ser executado o contrato da cessão de exploração, este pode ser mais do
que o tempo bastante para que a entidade exploradora detenha já as rédeas sobre o negócio e
não seja prejudicado pela abertura de outro estabelecimento comercial por parte de A. Por
outro lado, a própria localização é relevante, saber se foi aberto em Matosinhos, ou no Porto
etc, é importante para saber se existe concorrência entre eles.

Manuel e Joaquim enquanto filhos de António estavam sujeitos a uma obrigação de não
concorrência? 2 requisitos:

33
i) terem Know-How sobre o negócio +
ii) tenham usufruído das contrapartidas resultantes do negócio. Doutra forma não
seria justo estarem proibidos de exercer uma atividade económica sem terem
recebido os lucros/benefícios dessa atividade.

Obrigação de não concorrência:

 Limite objetivo: atividade


 Limite geográfico: o locador da empresa está impedido de concorrer no âmbito de
irradiação da empresa;
 Limite temporal: todo o tempo da locação da empresa porque é uma locação

Haverá violação da obrigação quando se estiver a limitar o gozo da utilização daquele


estabelecimento comercial.

Nota:

Trespasse: transmissão definitiva do estabelecimento comercial, pode ou não ser oneroso.

Locação: negócio de cessão temporária do gozo do estabelecimento comercial que é


obrigatoriamente onerosa.

Neste caso, está em causa a obrigação de não concorrência. Nos termos do art. 1037.º, CC, o
locador não pode praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com
exceção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas
não tem obrigação de assegurar esse gozo contra atos de terceiro. A obrigação de não
concorrência tem limites, justificando-se apenas na medida em que seja necessária para uma
entrega efetiva do estabelecimento trespassado.

O locatário da empresa está também impedido de concorrer durante todo o período da


locação da empresa, pois, se o pudesse fazer, podia facilmente desviar a clientela para a nova
empresa, afetar os valores de organização e exploração para outra empresa, etc., violando o

34
dever de manutenção e restituição da coisa a cargo do locatário (art. 1043.º, CC). Assim,
estará impedido de concorrer durante todo o período de exploração da empresa (limite
temporal), apenas quanto a empresas com o mesmo objeto da empresa (limite objetivo) e
apenas no âmbito de irradiação da empresa locada (limite geográfico).

O locatário da empresa tem direito de explorar a empresa pelo período que foi
convencionado, mas ele tem mais do que isso, tem um poder-dever de explorar a empresa,
porque ele tem que assegurar, nos termos dos arts. 1038.º e 1043.º, CC, a devolução da
empresa com todas as suas qualidades e valores. Se ele deixar de explorar a empresa, isso vai
afetar a empresa que tomou de locação. O locatário tem este poder-dever que implica que ele
explore a empresa (isto é, que não a possa encerrar) e mantenha a empresa com as suas
características e qualidades.

Cessando a locação de empresa, certos autores fazem um raciocínio idêntico ao do


trespassando, considerando que o locatário também tem uma obrigação de não concorrência.
Contudo, Coutinho de Abreu faz uma aplicação analógica do regime do trabalhador – o
trabalhador, quando cessa o contrato de trabalho, pode, a menos que seja convencionado em
sentido contrário, no dia seguinte, passar a exercer numa empresa concorrente (não tem uma
obrigação de não concorrência, a menos que venha prevista no contrato). Deste modo, deve
aplicar-se analogicamente, à cessão da locação de empresa o regime previsto para o
trabalhador; isto é, esta obrigação de não concorrência deve ser paga ao locatário (art. 136.º,
CT).

3.

Seis meses antes do termo do contrato de locação, António visitou o seu restaurante,
verificando que Barata tinha procedido a alterações significativas ao nível na
decoração, dos preços (que são agora consideravelmente mais baixos) e da ementa
(onde abundam pratos de carne). Para mais, um empregado revela-lhe que Barata
tenciona abrir, depois de findo o contrato, um restaurante de peixe na zona da Foz, e
que já tem vindo a dar conta disso aos clientes habituais do restaurante. Em pânico,
António quer saber que medidas pode tomar para prevenir e remediar toda esta
situação. O que lhe diria?

35
R:

Estão em causa, duas questões distintas:

I.

Não concorrência depois de findo o contrato

II.

 A obrigação de explorar e manter o estabelecimento comercial cedido em termos


semelhantes aqueles em que recebeu o estabelecimento comercial.

A obrigação de explorar e manter o estabelecimento comercial cedido em termos


semelhantes àqueles em que recebeu o estabelecimento comercial: o locatário da empresa
está obrigado a explorar a empresa, a explorá-la de forma a que, findo o contrato de cessão de
exploração, ele entregue a empresa ao locador nos mesmos termos em que recebeu essa
empresa. Se assim é, então há alterações estruturais que não podem ser realizadas pelo
locatário, mas “alterações estruturais” não é partirem-se copos ou pratos, isso não vale, vai-
se ter que arranjar copos e pratos que vão ser incluídos na empresa que vai depois ser
transmitida, mas a alteração não pode ir aos pontos estruturais da empresa, a alteração da
ementa, dos pratos parece violar os deveres do locatário e ao violar estes deveres, o locador
pode resolver o contrato com base no incumprimento). Ou seja, esta exploração do
estabelecimento comercial não pode ir ao ponto de alterar os elementos estruturais desse
estabelecimento comercial. A alteração estrutural, parece violar os deveres do locatário. Ao
violar estes deveres, o locador pode resolver o contrato com base no incumprimento do
mesmo. Esta resolução pode ser acompanhada de um pedido de indemnização pelos danos
resultantes desse incumprimento.

Para além disso, no que diz respeito ao facto de ele pretender abrir um restaurante na
Foz no final da cessão do contrato: entramos na questão de saber se existe uma obrigação
de não concorrência findo o contrato. A doutrina aqui não é unanime:

- há autores que dizem que neste caso há obrigação de não concorrência porque se se exige
que, a empresa seja entregue e seja entregue nas condições que foi recebida, e esta receção só
existe na medida em que efetivamente não vá o locatário pegar em alguns dos seus elementos
para abrir um novo estabelecimento comercial. Se num trespasse se obriga a uma entrega

36
definitiva/efetiva do estabelecimento e por causa desse entrega não pode haver obrigação de
não concorrência, aqui é o mesmo, a ideia é a mesma, sendo que existe entrega definitiva no
fim da exploração, então não pode haver concorrência.

- Por outro lado, há autores que dizem que findo o contrato de cessão de exploração não há
obrigação de não concorrência (não há necessidade, segundo eles). Sobretudo nos regimes
para o contrato de agência e para o contrato de trabalho – se nestes casos, o agente e os
trabalhadores podem utilizar o know-how para abrir um novo estabelecimento comercial,
então à partida também poderia fazer o locatário.

A opinião tendencial costuma ser a opinião de existir uma obrigação de não


concorrência (findo o contrato).

III.

A sociedade C explora três estabelecimentos de venda ao público, todos eles denominados


“Conforto & Décor”. Em Fevereiro de 2010 a sociedade procedeu à venda de um desses
estabelecimentos a Givanildo, pelo preço global de 75.000€. Na passada semana, Hugo,
proprietário do imóvel onde o mesmo se encontra instalado, denunciou o contrato de
arrendamento invocando os seguintes fundamentos:

1. a suposta venda da empresa não tinha sido acompanhada da transferência do logótipo;

No caso em apreço, está em causa um trespasse. Por regra, o logótipo insere-se no âmbito
natural de entrega, sendo transmitido sem necessidade de consentimento das partes nesse
sentido. Neste caso a transmissão do logótipo requeria convenção expressa nesse sentido (art.
31.º, n.º 5, CPI). Em abstrato, a não transmissão do logótipo não coloca em causa a existência
de trespasse para efeitos da aplicação do art. 1112.º, n.º 2, al. a), CC, por não parecer fazer
parte do âmbito mínimo da empresa. Assim, este não seria um fundamento de resolução do
contrato.

37
2. em Novembro passado, Givanildo anunciara publicamente uma “liquidação de stock
para mudança de ramo”, tendo a loja reaberto pouco depois como uma galeria de
arte.

Nos termos do art. 1112.º, n.º 5, CC, o senhorio tem direito a resolver o contrato quando,
após a transmissão, seja dado outro destino ao prédio.

3. Nunca Hugo tinha sido formalmente informado da venda da empresa ou da identidade


do novo inquilino.

A falta de notificação a Hugo pode levar à resolução do contrato, mas apenas se este não tiver
reconhecido Givanildo como seu inquilino no período que decorreu desde o trespasse, e se
demonstrar que essa situação tem gravidade suficiente (arts. 1049.º, 1083.º, n.º 2 e 1112.º, n.º
3, CC).

Pronuncie-se sobre a procedência destes argumentos.

R:

Quando se fala do âmbito mínimo comparando com o convencional e natural não é


a mesma coisa. O âmbito mínimo = é um conjunto de bens que têm de ser transmitidos para
que se diga que um estabelecimento comercial tenha sido efetivamente transmitido. É
diferente olhar para os âmbitos natural e convencional, pois nestes vemos que elementos do
estabelecimento são transmitidos no silêncio das partes ou transmitidos apenas com expressa
declaração das partes.

É possível que um elemento previsto no âmbito convencional faça parte do âmbito


mínimo, como se considerarmos que sem a transmissão daquele elemento não se está a
transmitir aquela empresa (sem a transmissão daquele elemento não se está a transmitir
aquela empresa). Exemplos: se considerarmos que um determinado logótipo ou uma
determinada marca fazem parte de um elemento mínimo de empresa, só com a transmissão
desse logótipo e/ou marca é que a empresa é transmitida. Mesmo que o logotipo ou marca
contenham nomes e, portanto, façam parte do âmbito convencional da empresa.

1.

38
E, portanto, o que temos de ver neste primeiro fundamento é apenas se, o logótipo é
um elemento essencial daquela empresa, sem o qual aquela empresa não poderia ter
sido transmitida.

Parece à partida/e, abstrato que, um logótipo, não será um elemento cuja não
transmissão faça concluir que não houve a transmissão daquele estabelecimento comercial.
Mas temos de ver no caso.

O que estava em causa por parte do senhorio é a situação da a) n2 do 1212, que


situações é que NÃO são consideradas trespasse e fazem com que se exija consentimento do
senhorio, e não tendo existido esse consentimento pode haver uma violação das obrigações
do arrendatário que leva à resolução do contrato de arrendamento. À partida, o arrendatário
só pode ceder a sua posição de arrendatário nos termos do 1112º quando existir um trespasse.
Se o senhorio conseguir provar que NÃO existe um trespasse, era necessário consentimento
para a transmissão daquela posição contratual, e este (consentimento) não existindo, era
fundamento para resolução do contrato.

2.

2º fundamento: em novembro….É fundamento para resolver o contrato?

À partida, parece que se durante 9 meses ele explorou aquele estabelecimento


comercial então houve um trespasse. Coisa distinta era se eles vendessem a empresa e 5 dias
depois anunciavam liquidação total para serem galeria de arte. E não foi o caso.

No entanto 1112 n5 o legislador veio prever uma nova causa de resolução do


contrato, dizendo que, quando, mesmo que exista um trespasse, quando houver uma
alteração da utilização do locado há novamente a possibilidade de o locador resolver o
contrato. No nº2 diz-se: não houve trespasse e, portanto, era necessária autorização, e não
tendo havido autorização, há resolução, há novamente oportunidade de resolver o contrato;
no n5 sim que houve trespasse, mas como houve alteração da finalidade do bem locado há
possibilidade de resolver novamente o contrato.

3.

39
3º fundamento: Nunca Hugo…

Depende:

1. de ele ter reconhecido ou não o inquilino nomeadamente através do recebimento


das rendas (se recebeu rendas),

2. mas também depende de se considerar que o não cumprimento desta obrigação


foi de tal forma grave que determina nos termos do 1083 a resolução do contrato

Resolução quando há incumprimento; denúncia quando há contrato sem termo; e


oposição à renovação, quando temos contrato com termo automaticamente renovável.

No caso a existir seria resolução do contrato.

OS TÍTULOS DE CRÉDITO

O título de crédito é um documento que incorpora um direito literal e autónomo que legitima
o seu titular a exercê-lo e serve de suporte à sua circulação e mobilização. Desempenha como
função titular e incorporar direitos de modo a permitir e facilitar a sua circulação e
mobilização, tutelando terceiros de boa-fé. Existe um grande número de títulos de crédito,
sendo os mais comuns as letras de câmbio, as livranças e os cheques.

A letra de câmbio é um documento em papel que contém uma ordem de pagamento de uma
quantia determinada dada por um sujeito (o sacador) a outro sujeito (o sacado) e à ordem
de um terceiro (o tomador). O sacador (aquele que dá a ordem) garante que o sacado (a
pessoa a quem deu a ordem) vai pagar perante o tomador. O sacador promete, ainda, pagar
uma quantia ao beneficiário ou à sua ordem. Existe uma relação tripartida.

Na livrança, por sua vez, há uma estrutura bipartida, uma vez que não há uma ordem de
pagamento, mas antes uma promessa de pagamento que é dada pelo subscritor a favor do
tomador. Neste caso, é o próprio subscritor que promete pagar ao tomador ou à sua ordem no

40
prazo estipulado. Fora a sua particularidade, o regime é basicamente o mesmo do das letras,
por aplicação do art. 77.º, LULL.

O cheque é um título de crédito emitido por uma pessoa para benefício da entidade nele
indicada ou ao portador, contendo uma ordem pura e simples de pagamento da quantia nele
inscrita dirigida a um estabelecimento bancário e no qual o seu emitente possua fundos
disponíveis. Existe, também, uma relação tripartida, mas o sacado (a entidade a quem é dada
a ordem de pagamento) é sempre um banco. Nessa medida, deixa de haver necessidade de
haver espaço para preencher a informação relativa à identificação do sacado. O cheque tem
um regime específico, previsto na LUC e no DL n.º 454/91, que prevê o crime de emissão de
cheque sem provisão (art. 11.º). Sendo o cheque uma parte fundamental do comércio, é
importante que os beneficiários saibam que quem o passa efetivamente terá a provisão
suficiente para pagar os valores que está a ordenar ao banco que pague.

Definições prévias

Desde logo, importa distinguir o direito cartular do negócio subjacente. O direito cartular é
o direito incorporado no título e do qual são devedores todos os obrigados cambiários, que
vão dando, através da sua assinatura, a garantia de pagamento futuro. É um direito pecuniário
e o seu montante é o que está inscrito no título. O seu prazo de prescrição é diferente do prazo
de prescrição do negócio subjacente.

Por outro lado, o negócio subjacente é o negócio que explica o direito cartular, isto é, é o
direito que lhe deu origem. Não tem de ser necessariamente pecuniário, desde que crie, de
alguma forma, a necessidade de efetuar determinado pagamento. Na verdade, nem tem de
haver pagamento efetivo, basta que seja, por exemplo, uma garantia. No âmbito da compra e
venda de empresas e da transmissão de sociedades comerciais, é comum a passagem de letras
em branco como garantia. Sendo estas letras em branco, apenas serão preenchidas caso, por
algum motivo, o contrato for incumprido pela parte que passa a letra.

Exemplos de negócios subjacentes:

• Subjacente ao saque pode haver um crédito do tomador sobre o sacador.

41
• Subjacente ao aceite pode haver um crédito do sacador sobre o sacado-aceitante (resultante,
por exemplo, de um contrato de depósito).

• Subjacente a cada um dos endossos pode haver um crédito do endossatário sobre o


endossante.

• Subjacente ao aval pode existir uma liberalidade ou um crédito sobre o avalista se este
estiver extracartularmente obrigado a avalizar.

Quanto aos sujeitos envolvidos, é necessário distinguir:

• Sacador – aquele que dá a ordem de pagamento e que saca a letra. Compromete-se a pagar
caso o sacado não pague.

• Sacado – aquele que recebe a ordem de pagamento. Quando aceita a ordem, passa a ser
aceitante. O subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma
letra.

• Tomador/beneficiário – aquele que vai ser pago em determinada data pelo sacador e que
pode, nalguns casos, ser o próprio sacador.

• Endossatário – o novo tomador. Sujeito a quem a letra foi endossada.

• Endossante – o tomador que transmite a letra. Fica obrigado a garantir o pagamento se o


aceitante não pagar.

Quanto às relações existentes, distingue-se entre

• Relações imediatas: quando entre dois intervenientes num título existe uma relação
subjacente, diz-se que a sua relação é imediata. Corresponde à relação existente entre o
portador da letra e a pessoa a quem está a ser exigido o pagamento da letra. Apenas estas
podem ser invocadas nas letras como forma de se opor à obrigação de pagamento da quantia
prevista na letra.

• Relações mediatas: quando os intervenientes não estão ligados por uma relação subjacente
específica, diz-se que a relação é mediata. Corresponde à relação existente entre os obrigados
da letra, mas que não envolve diretamente, por um lado, o portador da letra, e, por outro lado,
a pessoa a quem o portador está a exigir o cumprimento

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Quanto aos negócios:

• Saque: negócio que cria o título. Corresponde à ordem de pagamento dada pelo sacador ao
sacado para que pague uma determinada quantia em determinada data à ordem do sacador ou
do tomador. Com o saque, o sacador garante que o sacado aceita e que pagará (contém uma
espécie de garantia – art. 9.º, LULL).

• Aceite: negócio jurídico cambiário unilateral pelo qual o sacado aceita a ordem de
pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e promete pagar a letra no vencimento ao
tomador ou à sua ordem (art. 28.º, LULL). O sacado, antes de aceitar, não tem qualquer
responsabilidade na letra (não está obrigado a pagar ao tomador – apenas passa a ser obrigado
cambiário a partir do aceite). O sacado não é obrigado a aceitar a letra. O aceite pode ser
parcial. No caso do cheque, não há aceite, não se tornando, consequentemente, a instituição
bancária num obrigado cambiário a favor do beneficiário.

• Endosso: negócio cambiário que circula o título (corresponde ao novo saque). Consiste
numa nova ordem dada ao sacado ou aceitante para pagar a outra pessoa ou à sua ordem
(arts. 11.º e ss., LULL). É, ainda, uma promessa de que o endossante pagará a letra se o
sacado não aceitar ou não pagar ou se algum dos demais obrigados não o fizer, salvo
apondo uma cláusula de exoneração de responsabilidade (art. 15.º, LULL). O tomador passa a
ordem de pagamento para outra pessoa, obrigando-se a pagar ao endossatário nos exatos
termos em que o sacado se havia obrigado a pagar perante ele. Corresponde a uma declaração
escrita e assinada no verso do título ou na simples assinatura nesse local, podendo identificar
o endossatário ou não.

• Aval: promessa de pagar a letra por um terceiro, tendo por função a garantia desse
pagamento (art. 30.º, LULL). Corresponde a uma garantia prestada por um terceiro
relativamente ao negócio cambiário. Se o sacado não pagar o valor da obrigação cambiária, o
avalista responsabiliza-se pelo seu pagamento. O aval pode ser parcial. Existe uma
responsabilidade solidária e cumulativa juntamente com um dos obrigados (art. 32.º, LULL).
Aqui reside a grande diferença face à fiança – na fiança, a responsabilidade dos obrigados é
subsidiária (em primeiro lugar, responde o original devedor e apenas se este não tiver
património suficiente para pagar a obrigação se recorre ao fiador). Assim, se o credor
cambiário quiser, pode ir diretamente exigir o pagamento ao avalista, não tendo primeiro que
esgotar o património da pessoa que beneficia do aval. O avalista que seja chamado a pagar a

43
letra fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi
dado o aval e contra os obrigados para com esta, em virtude da letra (art. 32.º, n.º 3, LULL).

Protesto:

Ato jurídico declarativo não negocial pelo qual se certifica a falta de aceite ou falta de
pagamento (art. 44.º, LULL). Tem uma função probatória e de segurança, eliminando os
riscos de prova quanto à falta de aceite ou de pagamento. O protesto é uma condição de
efetivação da obrigação de garantia, isto é, é condição necessária para que o portador do
título possa ir atrás dos outros obrigados cambiários que não o aceitante ou o sacado. O
protesto comprova a existência da recusa e deve ser feito no prazo de 2 dias úteis seguintes à
recusa. O portador que protesta a letra deve, no prazo de 4 dias, avisar da falta de aceite ou de
pagamento aquele que lhe endossou a letra e o sacador. Cada um dos endossantes deve avisar
o que o antecede na cadeia cambiária no prazo de 2 dias e assim sucessivamente até se chegar
ao sacador. Os avalistas devem ser avisados nos prazos dos seus avalizados (art. 45.º, LULL).

Características dos títulos de crédito

a. Literalidade: os títulos de crédito são sempre documentos escritos, pelo que das
palavras e algarismos escritos no documento resulta o direito neles incorporado. O
conteúdo e extensão do direito incorporado no título são aqueles que dele constarem
escritos. Não podem ser contestados com o auxílio de elementos estranhos ao título
(ex: condições não previstas no título). Sempre que é emitida uma letra em branco,
tem que ter havido, prévia ou simultaneamente à emissão, um acordo quanto ao
critério do preenchimento. Porém, o preenchimento abusivo não é oponível ao
portador (art. 10.º, LULL). Ao demandado prejudicado restará demandar aquele com
quem convencionou o preenchimento.

b. Autonomia do direito cartular: o direito emergente e incorporado no título é


autónomo em relação ao direito não cambiário subjacente que lhe deu origem. Esta
autonomia deve-se ao facto de estes direitos terem devedores diferentes e prazos de
prescrição distintos.

44
c. Autonomia da posição do portador do título: existe uma autonomia da titularidade
do título em relação a outros portadores anteriores que tenham sido desapossados
(arts. 16.º, 17.º e 77.º, LULL e arts. 21.º e 22.º, LUC). O detentor de uma letra é
considerado portador legítimo se justificar o seu direito por uma série ininterrupta de
endossos, mesmo se o último for em branco. Assim, se uma pessoa foi, por qualquer
maneira, desapossada de uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito
por uma série ininterrupta de endossos, não é obrigado a restituí-la, salvo se a adquiriu
de má fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave.

d. Incorporação: o direito cambiário só existe na medida em que exista um título.


Estabelece a necessidade da presença do título para o exercício do direito cartular e
para a sua própria circulação. O portador da letra ou da livrança, para exercer o direito
de crédito incorporado, deve apresentar a letra ou a livrança ao obrigado. Também na
transmissão e circulação é necessária a presença do título.

e. Legitimação: a posse do título de acordo com a lei de circulação legitima o portador


a exercer o direito cartular (arts. 35.º, LUC e 40.º, n.º 3, LULL). O portador não
precisa, assim, de provar a titularidade e ela não lhe pode ser contestada. Do lado
passivo, o devedor fica habilitado a cumprir perante quem se apresentar portador de
acordo com a lei de circulação. O obrigado, ao apresentar-se-lhe alguém portador de
acordo com a lei de circulação, não precisa de investigar a verdadeira titularidade do
credor e, ao cumprir perante esse portador, fica desonerado sem que lhe possa ser
oposta a eventual ilegitimidade da pessoa a quem pagou.

f. Circulabilidade: os títulos de crédito destinam-se a circular. Estes circulam de acordo


com o regime que a lei lhes atribui e que se designa usualmente por lei de circulação.

Meios de defesa

Dada a virtude do direito cartular face aos direitos subjacentes, nas letras, livranças e cheques
não são, em princípio, invocáveis contra o portador que cobra o título as exceções
fundadas nas relações extracartulares, designadamente na relação subjacente (arts. 17.º,
LULL e 22.º, LUC).

45
Contudo, existe uma exceção – segundo o art. 17.º, LULL, as pessoas acionadas em virtude
de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas nas relações pessoais delas
com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra,
tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor (com dolo). É possível invocar
exceções como meios de defesa relativamente ao portador na medida em que se esteja perante
relações imediatas, entre o portador e o obrigado ao cumprimento. Ao portador que se
apresenta a cobrar a letra podem ser opostas exceções fundadas nas relações extracartulares
vigentes com o obrigado e o próprio portador.

Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente
aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição
ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha
cometido uma falta grave (art. 10.º, LULL).

Casos Práticos n. º 9

I.

A sociedade comercial “Zénon Transportes, Lda.” deve 1500€ a Xavier, em pagamento de


um curso de informática que este deu aos seus funcionários. Para satisfação desta dívida,
Vasco (gerente da sociedade) sacou, à ordem de Xavier, uma letra em nome daquela sobre
Ulisses, que devia à sociedade uma soma avultada. Vasco equivocou-se no momento em que
preencheu a letra, tendo-a sacado pela quantia de 2500€.

Xavier, por sua vez, endossou a letra a Teodoro, que desconhecia as relações entre os outros
sujeitos cambiários, e que dois dias antes do vencimento a apresentou a pagamento.

i) Ulisses está obrigado a pagar a quantia inscrita no título?

R:

1º perceber a cadeia que existe no TC:

46
Ulisses: sacador

Zenon (Vasco): sacado

X . tomador

Teodoro: novo tomador

U (sacado) – Z (sacador) – X (tomador) – T (novo tomador ou endossatário)

O sacado está obrigado ou não?  Até a aceitar, o sacado não está obrigado a pagar
seja o que for, só se obriga a pagar através de um negócio unilateral  aceite. Ora, depois,
esta letra foi sacada à ordem de Xavier, que transmitiu por sua vez através do endosso esta
letra a Teodoro.

A questão é saber se Ulisses está obrigado a pagar a Teodoro a quantia inscrita no


título. Só com a aceitação por parte do sacado é que este fica obrigado a pagar. Se na
apresentação da letra para que esta seja aceite pelo sacado, este não a aceitar, o quê que
deverá fazer o tomador/portador do título de crédito?  Protesto = quando existe uma
declaração por parte do sacado de que, não vai aceitar o título de crédito ou não o vai pagar,
isto fará com que o tomador do título de crédito possa exigir o pagamento a todos os outros
obrigados cambiários, ou seja, a todos os outros elementos da corrente que existe entre o
tomador e o sacado. Porque quando o sacador saca (saque) a letra, o que ele diz é “eu estou a
dar esta ordem de pagamento ao sacado, mas se ele não cumprir então eu vou cumprir em
lugar do sacado”. Da mesma forma, no endosso existe uma transmissão daquele título de
crédito onde se declara igualmente que se as pessoas que estão obrigadas perante mim, não
cumprirem, eu vou cumprir este título de crédito que te estou a entregar. A lei exige a
realização de um ato específico que comprove que o sacado não aceitou ou não pagou o título
de crédito. Este ato que prova que o título de crédito não foi pago pelo sacado = tem nome de
protesto.

Portanto, para que o tomador possa exigir de qualquer outro obrigado cambiário, o
pagamento daquele título de crédito/obrigação cambiária, ele terá que provar que o sacado se
recusou a pagar, para tal, tem que realizar o protesto = ato notarial que prova esta recusa. Só

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a partir do protesto é que o tomador pode exigir o pagamento daquele título de crédito
a quaisquer outros obrigados cambiários.

Este protesto tem prazos muito curtos para ser feito. O prazo que temos de fixar: 2
dias úteis a contar da recusa do pagamento da obrigação cambiária. Se o tomador não
realizar o protesto nos 2 dias uteis apos o não pagamento, se não realizar o protesto neste
prazo, ele (tomador) deixa de poder exigir o pagamento daquela obrigação aos restantes
obrigados cambiários. Ele tem um prazo muito curto em que vai ter que atuar para poder
depois exigir o cumprimento a terceiros.

A resposta é: Ulisses não está obrigado a pagar até que aceite o título de crédito,
aceitando passará a estar obrigado a pagar o valor nele contido ao tomador do título de
crédito.

Se Ulisses se recusar a aceitar, ou recusar-se a pagar, o tomador terá que realizar


o protesto para que, uma vez realizado possa exigir o cumprimento daquela obrigação
cambiária a qualquer um dos outros obrigados.

Mas houve um problema de preenchimento da letra: a letra foi preenchida com


2500 quando se queria ter preenchido a letra com 1500 euros (e não com 2500).

Características dos títulos de crédito: a sua abstração ou a sua autonomia relativa


às relações subjacentes, às relações cambiárias. Para além disso é importante o princípio da
literalidade, de acordo com o qual, o que vale na constituição de uma obrigação cambiaria é
apenas o que está escrito no título de crédito, se se estiver escrito por engano, isso não terá
relevo para a determinação do crédito cambiário.

Levantava-se a questão de saber se poderia o sacado utilizar como meio de defesa


este engano: interessa-nos o art 17º da LULL. De acordo com esse artigo, os obrigados a
pagar que pode ser o sacado (Ulisses), mas também podem ser todos os outros (Zenon e
Xavier depois do protesto), estes à partida não podem invocar quaisquer meios de defesa
que possuam face a outros elementos da corrente cambiária, nomeadamente este meio
de defesa que seria o engano no preenchimento da letra.

SALVO SE ou em causa esteja uma relação entre o tomador e o próprio obrigado


ao pagamento, se estivermos perante uma relação imediata (entre a pessoa que esta a exigir o

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pagamento, e a pessoa que terá que pagar); ou se estando perante uma relação mediata, se
tiver existido má-fé por parte do tomador ou seja se o tomador souber que ao adquirir
aquela letra estava a prejudicar os restantes obrigados cambiários.

U (sacado) – Z (sacador) – X (tomador) – T (novo tomador)

Neste caso, a sociedade saca sobre Ulisses, a favor de Xavier, que endossa a Teodoro, uma
letra de 2500€, sendo que a sociedade só deve 1500€. Teodoro pode exigir a letra, desde que
seja o legítimo portador, isto é, se justificar a sua posse numa série ininterrupta de endossos
(art. 16.º, LULL), o que se verifica. Na data de vencimento, tem de exigir a letra ao sacado
para que aceite e pague, ou, se já tiver aceite, para que pague. Assim, Teodoro pode exigir o
pagamento a Ulisses. Se Ulisses não pagar, Teodoro terá que fazer protesto em 4 dias úteis e,
feito o protesto, pode exigir o pagamento a qualquer obrigado cambiário, sendo a sua
responsabilidade solidária. Assim, poderá exigir o pagamento a Zénon ou a Xavier.

Havendo um erro no preenchimento da letra, isso não poderá ser invocado contra Teodoro.
Prevê o art. 17.º, LULL que as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao
portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os
portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido
conscientemente em detrimento do devedor. Este meio de defesa não pode ser invocado
contra Teodoro, uma vez que se trata de um meio de defesa relativo a uma relação mediata e
Teodoro não atuou em detrimento do devedor.

ii)E de quem mais, e em que condições, pode Teodoro exigir o pagamento?

Poderá exigir o pagamento de todos os restantes obrigados cambiários desde que


realize o protesto dentro do prazo/tempestivamente. Protesto = que corresponde ao ato formal
que comprova a existência de recusa do pagamento ou recusa de aceite por parte do sacado).
Art 47º + 33º

Sendo que, findo o prazo do protesto, não pode intentar ação de incumprimento
quanto aos demais obrigados, mas continua a poder obter o cumprimento do crédito (da
relação subjacente) ao sacado. Ou seja, por detrás destas transmissões de título de crédito há
relações subjacentes. Eu devo 50 euros a uma pessoa na execução de um contrato de

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fornecimento. Para pagar esses 50 euros vou lhe endossar um título de crédito que tenho
nessa quantia. Essa pessoa, quando o título de crédito se vence vai tentar obter o pagamento,
se não consegue obter o pagamento do crédito relativamente ao sacado, se não obtiver essa
quantia ou se protestar, pode ir atrás de toda a linha do título de crédito; se não protestar, o
título de crédito passa a ser inútil, não vai poder ir atrás dos restantes obrigados cambiários.
MAS não significa que a obrigação de base se tenha extinguido, a relação de base não se
extingue, pode na mesma, o tomador, exigir o cumprimento desse crédito com base nessa
relação, com aquele com quem celebrou o contrato, apenas não vai poder ir aos detrás.

É uma obrigação solidária, podia ir a qualquer um deles. O tomador pode exigir na


mesma ao sacado com base no contrato de fornecimento. E o sacado pode exigir ao sacador o
direito de regresso. A exigência pode ser com base no título de crédito.

Existe a obrigação cambiaria e uma obrigação subjacente que criou a necessidade


deste título de crédito. Esta obrigação subjacente pode estar sujeita a vícios que não afetará a
obrigação cambiária.

Pode X exigir à Sociedade o pagamento?

NÃO, X à partida não pode exigir o pagamento, porque o erro está na base desta relação
imediata.

Se Ulisses não pagar, Teodoro terá que fazer protesto (ato formal comprovativo da recusa de
aceite ou de pagamento) em 2 dias úteis e, feito o protesto, pode exigir o pagamento a
qualquer obrigado cambiário, sendo a responsabilidade de todos solidária (arts. 43.º e 44.º,
LULL). Assim, poderá exigir o pagamento de Zénon e de Xavier.

Se Teodoro fez o protesto e vier a exigir o pagamento a Xavier, este deve pagar e exigir o
título de volta. Xavier também pode exigir a todos os que estão através dele na cadeia
cambiária, isto é, a Ulisses e à Sociedade, porque é deles credor (art. 47.º, LULL). Se Xavier
pagar, pode exigir à sociedade o pagamento. Contudo, se o fizer, a sociedade pode invocar a
situação de erro, na medida em que se está perante uma relação imediata.

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II.

Como forma de satisfazer créditos e débitos recíprocos resultantes das suas sessões de poker,
Silva sacou uma letra sobre Rocha, que aceitou, à ordem de Queirós no valor de 2000€.

Queirós endossa posteriormente a letra a Paula, uma jovem de 21 anos com quem mantinha
uma relação extramatrimonial, perante a ameaça formulada por esta de contar o caso à sua
mulher.

Paula, por sua vez, endossa a letra a Olegário, dono de uma loja de pronto-a-vestir onde esta
tinha crédito e também ele parceiro ocasional daquelas sessões de poker. De quem pode
Olegário exigir o pagamento?

R:

Cadeia:

R (sacado) – S (sacador) – Q (tomador) – P (1.º novo tomador) – O (2.º novo tomador)

Rocha: sacado

Silva: sacador, sacou uma letra a favor de Queirós para lhe saldar uma dívida de jogo.
Q (tomador) ficou feliz e Paula (a 1ª nova tomadora) quis ficar com a letra e chantageou Q
que irá contar tudo à sua mulher. Paula endossa a Olegário (que passa a ser então o 2º novo
tomador).

A questão é: a quem pode Olegário exigir o pagamento? A primeira pessoa a quem


tem que ir ter  é com Rocha, até porque Rocha aceitou, logo houve aceite, por isso tem que
pagar.

Questão: não pode Rocha dizer que não vai pagar essa divida porque tem na sua
base dividas do jogo que são obrigações naturais não exigíveis judicialmente e, portanto,
não vai pagar, pode ele fazer isto? E Rocha sabe que Paula só obteve o título de crédito
porque chantageou Queirós e, portanto, Rocha não vai por aí porque a relação está toda
viciada, não exige o pagamento a esses.

Meios de defesa que podem ser utilizados:

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Art 17º em que situações pode um meio de defesa de uma relação subjacente ser
utilizado perante o tomador? Quando existir uma relação imediata entre o obrigado e o
tomador do título de crédito, nas relações imediatas estes meios de defesa podem ser
utilizados; e também quando o tomador receba o título de crédito sabendo que ao fazer
isso esta a prejudicar um dos obrigados cambiários ou seja esta segunda situação é
quando o tomador está de má fé.

Olegário também participava nas sessões de Poker e até sabia que aquele tipo de
crédito tinha aparecido no âmbito destas sessões, portanto, podia Rocha recusar o
pagamento a Olegário com base neste facto? NÃO, porque existe uma exceção a estas
situações em que o tomador está de má-fé  qual é essa exceção, a exceção é: quando, na
corrente cambiária, existir alguém de boa-fé, essa boa-fé limpa a má-fé dos tomadores
seguintes. E na medida em que Paula estava de boa-fé, a má-fé de Olegário (que sabia que
prejudicava Rocha) já não lhe vai ser oponível. Isto é, se Paula estava de boa-fé, a má-fé de
Olegário já não lhe vai ser oponível, o que significa que Olegário podia exigir o
cumprimento a Rocha e Rocha estaria obrigado a pagar.

Imaginemos, no entanto, que Rocha não paga. O quê que pode O fazer? Olegário
pode, nos prazos de 2 dias úteis seguintes à recusa, realizar o protesto. Para quê que ele há
de fazer isto? Porque a partir desse momento ele poderá exigir a qualquer um dos
restantes obrigados o cumprimento da obrigação.

Imaginando que Olegário realiza o protesto e diz “Paula, o Rocha não pagou, paga
tu” até porque tanto o endosso como o saque têm incluído uma declaração de que eles vão
pagar a dívida caso o sacado não pague. Paula tem que pagar, quando paga  fica com o
título, recebe o título de crédito. Paula vai ter com o amante, e numa relação vai exigir o
pagamento daquele título de crédito. Queirós é muito poupado e não quer dar nada à Paula,
tem alguma forma de conseguir afastar a obviar a obrigação de ter de ficar a pagar qualquer
quantia à Paula? Paula não vai conseguir exigir que Queirós lhe pague o título de
crédito, porque estando em causa relação imediata, poderá Q utilizar meios de defesa que
tem relativamente a Paula, um desses meios de defesa serã a coação que sofreu.

E pode, Silva exigir o pagamento a Rocha? Paula percebeu que não ia receber nada
de Q, então foi ter com Silva, e Silva pagou, e fica assim com o título de crédito, consegue
Silva exigir o título de Rocha? Pode Silva exigir o pagamento ao Rocha?

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Rocha poderá invocar relativamente a Silva todos os meios de defesa que tem no
âmbito das relações imediatas, no caso, poderá dizer que em causa esta uma obrigação
natural, não está obrigado a pagar. Rocha não estava obrigado a pagar a Silva.

Mas se Paula tivesse ido ter com Rocha, Rocha estava obrigado a pagar a Paula
porque Rocha aceitou o título de crédito e não tinha face a Paula qualquer tipo de meio de
defesa, Paula estava de boa-fé relativamente a Rocha e não havia relação imediata entre
ambos (P e R).

Endosso para fugir de relações imediatas ? , Silva poderia querer prejudicar Rocha.

R (sacado) – S (sacador) – Q (tomador) – P (1.º novo tomador) – O (2.º novo tomador)

O portador só pode exigir o pagamento se for portador legítimo, justificando a sua posse
numa série ininterrupta de endossos. Sendo o portador legítimo, deve exigir o pagamento ao
aceitante, que é o Rocha e, se este não pagar, deve fazer um protesto no prazo de 2 dias úteis.
A partir do protesto, o portador pode exigir indistintamente todos os obrigados cambiários,
que respondem solidariamente. No âmbito das relações mediatas, em princípio, não são
oponíveis as exceções causais, pelo que o argumento da dívida ser uma dívida de jogo não é
oponível a Olegário.

Se conhecia que a dívida era de jogo, questiona-se se estaria de boa-fé. Nesse caso, a boa-fé
intermédia de Paula sanaria a má fé de Olegário, pelo que não se pode dizer que Olegário,
sendo um portador mediato, seja um portador de má fé, porque Rocha sempre teria que pagar
a letra a Paula.

Quanto a Paula, esta não poderá exigir o pagamento a Queirós. Estamos no âmbito das
relações imediatas, pelo que, sabendo que foi vítima de coação moral, Queirós poderia
recusar o pagamento, invocando esta exceção.

III.

Guilherme, com o aval de Hugo, aceita uma letra no valor de 5000€, sacada por Filomena (a
quem tinha encomendado tecidos nesse valor) à ordem de Elizabete. A letra é endossada por

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Elizabete a Daniel, um carpinteiro que conhece bem os demais obrigados cambiários, e sabe
(ao contrário de Elizabete) que os tecidos comprados por Guilherme a Filomena nunca
tinham sido entregues.

i) Daniel quer saber de quem pode exigir o pagamento da letra, que se venceu há
precisamente uma semana.

R:

Cadeia:

H (avalista) – G (/sacadoaceite) – F (sacador) – E (tomador) – D (novo tomador)

G: aceite

F: sacador

Elisabete: tomador

Daniel: novo tomador

Hugo: avalista

Guilherme: celebrou contrato com Filomena de fornecimento de tecidos, F fica com


crédito e por causa desse crédito, sacou uma letra a favor de Elisabete em que diz “podes
conseguir o crédito que tens sobre mim, junto de G”  esta letra é uma ordem de
pagamento a Guilherme.

Elisabete pega nessa letra, e endossa a Daniel. A quem pode D exigir o pagamento?
À partida, poderia exigir a Guilherme. E temos depois um Aval, que é uma obrigação
solidária, pelo que Daniel pode exigir logo ou a Guilherme que é o sacado (como já
dissemos) ou a Hugo que é o avalista.

MAS a letra já se tinha vencido há uma semana. Nos termos da LULL há um prazo
específico para execução da letra. Tendo já passado 1 semana, já passou o prazo, logo
Daniel já não podia exigir nada de ninguém.

Agora, SE em causa estiver o vencimento de uma letra à data de hoje podemos


perguntar-nos a quem pode Daniel exigir o pagamento do título de crédito? E aí sim, Daniel

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pode exigir em 1º lugar de Guilherme e, do avalista Hugo. O avalista, nos termos do 32º
responde na mesma medida que o aceite (G), responde solidariamente. Daniel pode exigir
de Guilherme, ou de Hugo.

A questão é: quando vai exigir de Hugo o pagamento, Hugo diz “obrigado, mas sabes
que Filomena ainda não cumpriu o contrato que celebrou comigo porque ainda não me
entregou os tecidos, e como sabes da existência deste meu meio de defesa, logo se sabes tu
estás de má-fé e, portanto, eu não vou cumprir essa obrigação 17º parte final”. NÃO
CONCORDAMOS porque: o facto de Daniel conhecer o meio de defesa não é bastante,
Daniel tem que ter agido para prejudicar.

Para além disso, é preciso saber se existe um portador de boa-fé, intermédio, se


existir limpa todas as má-fés futuras relativas àquele meio de defesa. A ideia é: sempre
poderia Daniel exigir o cumprimento relativamente a Elisabete, não havia meio de defesa que
E podia usar, e E sempre pode exigir ela a Guilherme porque estava de boa-fé, por isso não
faz sentido não relevar a existência de alguém de boa-fé, porque havendo boa fé, sempre
poderá D exigir a essa pessoa (de boa fé) e depois essa pessoa exigir ao Guilherme. Se
existe portador no meio de boa-fé, deixa de ter relevo a má-fé.

Finalidade: conseguir exigir o dinheiro ao sacado. Em termos de economia processual faz


sentido. A boa fé ajuda todo o processo.

H (avalista) – G (aceite) – F (sacador) – E (tomador) – D (novo tomador)

Na data do vencimento, deve exigir o pagamento ao aceitante, que é G. A falta de


apresentação a pagamento da letra à vista importa para o portador a perda dos direitos
emergentes da letra contra o sacador, contra os endossantes e demais obrigados (art. 53.º,
LULL). As letras sacadas a termo de data ou pagáveis em dia fixado vencem-se nos termos
dos respetivos prazos e devem ser apresentadas a pagamento no próprio dia do vencimento ou
num dos dois dias úteis seguintes (art. 38.º, LULL).

ii) A resposta seria a mesma se tivesse vencido anteontem?

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Daniel pode exigir o pagamento da letra se for o legítimo portador, justificando a sua
posse numa série ininterrupta de endossos. Na data de vencimento, deve exigir o pagamento
ao aceitante. Daniel apenas poderá exigir o pagamento aos outros obrigados cambiários
depois de ter feito o protesto nos 2 dias úteis seguintes à recusa de cumprimento. Tendo
passado esse prazo, já não pode exigir o pagamento aos restantes obrigados cambiários.

Quanto à exceção de não cumprimento, se estivéssemos no âmbito da relação causal,


não teria de pagar a dívida. No entanto, estando no âmbito das relações cambiarias, as
exceções causais não são oponíveis ao portador mediato de boa fé. Porém, Daniel tem
conhecimento da existência da exceção causal que poderia ser exigida por G, pelo que, como
tal, questiona-se se será portador de má fé. Para que haja má fé, não basta o mero
conhecimento, é preciso que haja comportamento doloso no sentido de ser intencional para
prejudicar o devedor.

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