Você está na página 1de 7

PALAVRAS 11

Teste de avaliação – 11.º ano outubro / novembro 2017

Educação Literária

Grupo I (100 pontos)


A (70 pontos)
Lê o texto.

Quero acabar este discurso dos louvores e virtudes dos peixes com um, que
não sei se foi ouvinte de Santo António e aprendeu dele a pregar. A verdade é que me
pregou a mim, e se eu fora outro, também me convertera. Navegando de aqui para o
Pará (que é bem não fiquem de fora os peixes da nossa costa), vi correr pela tona da
água de quando em quando, a saltos, um cardume de peixinhos que não conhecia; e
como me dissessem que os Portugueses lhe chamavam quatro-olhos, quis averiguar
ocularmente a razão deste nome, e achei que verdadeiramente têm quatro olhos, em
tudo cabais e perfeitos. Dá graças a Deus, lhe disse, e louva a liberalidade de sua divina
providência para contigo; pois às águias, que são os linces do ar, deu somente dois
olhos, e aos linces, que são as águias da terra, também dois; e a ti, peixezinho, quatro.
Mais me admirei ainda, considerando nesta maravilha a circunstância do lugar.
Tantos instrumentos de vista a um bichinho do mar, nas praias daquelas mesmas terras
vastíssimas, onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de
gentes há tantos séculos! Oh quão altas e incompreensíveis são as razões de Deus, e
quão profundo o abismo de seus juízos!
Filosofando, pois, sobre a causa natural desta providência, notei que aqueles
quatro olhos estão lançados um pouco fora do lugar ordinário, e cada par deles, unidos
como os dois vidros de um relógio de areia, em tal forma que os da parte superior olham
direitamente para cima, e os da parte inferior direitamente para baixo. E a razão desta
nova arquitetura, é porque estes peixinhos, que sempre andam na superfície da água,
não só são perseguidos dos outros peixes maiores do mar, senão também de grande
quantidade de aves marítimas, que vivem naquelas praias; e como têm inimigos no mar
e inimigos no ar, dobrou-lhes a natureza as sentinelas e deu-lhes dois olhos, que
direitamente olhassem para cima, para se vigiarem das aves, e outros dois que
direitamente olhassem para baixo, para se vigiarem dos peixes.
Oh que bem informara estes quatro-olhos uma alma racional, e que bem
empregada fora neles, melhor que em muitos homens! Esta é a pregação que me fez
aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar
direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que há
Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno. Não me alegou para isso passo da
Escritura; mas então me ensinou o que quis dizer David em um, que eu não entendia:
Averte oculos meos, ne videant vanitatem. “Voltai-me, Senhor, os olhos, para que não
vejam a vaidade”.
Padre António Vieira, Sermões, II (Obras Escolhidas, vol. XI), 2.ª ed., Lisboa: Sá da Costa,
1997. [“Sermão de Santo António aos Peixes”, cap. III, pp.124-125.]

1
PALAVRAS 11

1. Explicita de que modo o discurso figurativo surge neste texto.


2. Seleciona um segmento que ilustre a crítica social veiculada por este sermão.
3. Infere a presença dos três objetivos da eloquência (docere, delectare, movere)
neste excerto.

B (30 pontos)

4. A partir dos tópicos apresentados, explicita, num texto de 130 a 170 palavras,
exemplificando, o modo como se concretiza, neste excerto do “Sermão de Santo
António aos Peixes”, a alegoria de intuitos críticos.
Tópicos:
 metáfora dos homens,
 louvor e crítica dos peixes,
 crítica dos homens,
 caráter pedagógico e persuasivo do texto,
 cumprimento dos objetivos da eloquência.

Grupo II (50 pontos)


Leitura | Gramática
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.
Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a
opção escolhida.

Senhoras e Senhores1:
Eis-me nesta invicta cidade do Porto, a terra ativa que deu o nome a Portugal, e à
qual devo a proposta da Candidatura Nacional Independente, que me honra. Cuidei,
senhoras e senhores, que era minha estrita obrigação, antes deste contacto direto com o
seu generoso povo, apresentar cumprimentos a algumas das figuras mais representativas
da sua vida social, religiosa e política. (…) Estas visitas de cumprimentos exprimem as
intenções pacificadoras que me movem. Nesta conformidade, apelo indistintamente para
todos os setores da vida nacional, no desejo sincero de que vivamos em paz, após tantos
anos de injustificadas e absurdas discriminações, de arbítrio, de opressão. Todos, de um
extremo ao outro da terra portuguesa; todos, vindos dos mais diversos campos
ideológicos, das mais variadas situações – de todas as classes, de todos os partidos, de
crenças – temos de criar as bases de uma vida nova, feita de concórdia e respeito mútuo.
(…)
Na nossa história, o povo desta cidade representa tradições seculares de autonomia
municipal, de luta pela liberdade de consciência cívica. (…) Pois foi nesta terra, aquela
que ao escolher-me para Candidato Independente, nesta hora de perturbação e de
discórdia, quando reina a mentira e o medo, quis assumir perante a nação a
1
O discurso de Humberto Delgado é o que produziu em maio de 1958, no Coliseu do Porto, na qualidade
de candidato pela Oposição Democrática em campanha eleitoral para as eleições presidenciais desse
ano, que H. Delgado haveria de perder em resultados claramente falseados pelo regime de Salazar.

2
PALAVRAS 11

responsabilidade de traçar o caminho legal e pacífico da libertação nacional. Não há


palavras para o agradecer, e, se as houvesse, a emoção não me deixaria pronunciá-las.
Não me apresento como homem providencial, candidato a Führer, a um Hitler de
desgraçada memória, mas apenas o soldado e cidadão que se sente honrado com a vossa
confiança. Meus senhores: eu sou apenas o guião da vossa vontade férrea. O êxito da
minha candidatura depende de vós, mais do que de mim. Denunciada a mentira e
vencido o medo, como já o está, urge que o povo diga da sua justiça, imponha a sua
vontade, apesar de todas as arbitrariedades de um governo que perdeu a noção do pudor.
Assim, a poucos dias do início desta campanha, e sendo o candidato o homem de
ordem, o patriota, o militar disciplinado que sempre me prezei de ser, a máquina da
opressão e arbitrariedade funcionava já a pleno rendimento. Lembram-se, meus
senhores? A primeira página dos jornais era para eles. Nós, na segunda... A primeira
arbitrariedade consiste na circunstância de o partido único ditar, rígida e facciosamente,
um período de liberdades condicionadas. Ora uma campanha eleitoral não se improvisa.
Os serviços de uma ideia não podem estar fechados sete anos; não podem funcionar sem
meios técnicos e financeiros, sem sede permanente nem pessoal, sem acesso à imprensa,
à rádio e à televisão, sem as facilidades que nos países democráticos qualquer partido ou
organização política dispõe permanentemente e que entre nós são monopólio da União
Nacional, do partido que o Presidente do Governo chefia.
A censura exerce a sua perniciosa ação, impedindo que venham a público
declarações minhas e informações dos meus serviços ou demoram-nas para perderem o
efeito, apesar da liberdade que o Senhor Ministro da Presidência me prometeu. Assim, a
imprensa impede, por exemplo, que se dê antecipadamente a notícia da minha chegada
de Madrid, parece que por temer que os meus amigos pessoais e políticos me fossem
esperar. Meus senhores, que Governo é este que tem medo que se anuncie a minha
chegada?
General Humberto Delgado, “Obviamente demito-o!”, in Leopoldino Serrão, Grandes Discursos
Políticos, 2.ªed., Braga: Ausência, 2005, pp. 305-306.

1. O texto apresenta marcas específicas do género


(A) debate.
(B) apreciação crítica.
(C) discurso político.
(D) exposição sobre um tema.

2. O texto apresenta
(A) carácter persuasivo e objetividade.
(B) explicitação de um ponto de vista e respetivos exemplos.
(C) carácter persuasivo e dimensão ética e social.
(D) carácter demonstrativo, concisão e objetividade.
3. O orador
(A) dirige-se ao povo português.

(A) dirige-se às personalidades presentes.

3
PALAVRAS 11

(B) dirige-se aos representantes governamentais.


(C) dirige-se à população da cidade invicta.

4. O texto constitui
(A) um agradecimento aos meios de comunicação social.
(B) um apelo à revolução armada.
(C) uma denúncia das atrocidades do poder.
(D) um apelo à paz e à luta pela liberdade.

5. Os parênteses utilizados no texto


(A) assinalam cortes no texto.
(B) destacam determinadas expressões.
(C) reforçam o tom erudito do texto.
(D) assinalam didascálias.

6. O vocábulo “arbitrariedade” (l. 28) significa, no contexto,


(A) procedimento sem base na lei.
(B) inflexibilidade.
(C) rigor.
(D) manipulação.

7. A palavra “Assim” (l. 26) contribui para


(A) a coesão lexical.
(B) a coesão temporal.
(C) a coesão interfrásica.
(D) a coesão frásica.

8. Identifica a função sintática desempenhada pela expressão sublinhada na frase:


“Cuidei, senhoras e senhores, que era minha estrita obrigação” (ll. 3-4).

9. Indica os processos fonológicos ocorridos do étimo VITAM para a palavra vida.

9. Classifica a oração assinalada na frase: “urge que o Povo diga da sua justiça” (l.
24).

Grupo III (50 pontos)

Escrita
Num texto bem estruturado, com um mínimo de 150 e um máximo de 250
palavras, apresenta um texto de opinião sobre os jovens e a popularidade. Será a
popularidade determinante para a afirmação de um jovem? Qual é a tua posição?

Proposta de correção - 11.º ano

4
PALAVRAS 11

Grupo I
A
1. O discurso figurativo, característico do sermão, está presente neste
excerto.
Na verdade, a alegoria dos peixes e as constantes metáforas e
comparações entre os homens e os peixes percorrem todo o texto: “Dá graças
a Deus, lhe disse, e louva a liberalidade de sua divina providência para
contigo; pois às águias, que são os linces do ar, deu somente dois olhos, e
aos linces, que são as águias da terra, também dois; e a ti, peixezinho,
quatro”.
Em conclusão, este excerto do “Sermão de Santo António (aos Peixes)”
exemplifica, de forma clara, o discurso alegórico.

2. Este excerto apresenta uma vertente crítica, assim como todo o sermão.
De facto, a crítica social emerge no texto, ainda que de forma velada,
como se verifica na frase: “Oh que bem informara estes quatro-olhos uma
alma racional, e que bem empregada fora neles, melhor que em muitos
homens!”. A referência ao facto de a alma racional ser mais bem empregue
nos peixes do que no homens pretende atacar o humano por não ser dotado
de razão, isto é, não pensa nos seus atos.
Em suma, este sermão de Vieira recorre a artifícios para criticar os
colonos do Maranhão.

3. Os três objetivos da eloquência atravessam todo o sermão.


Assim, o orador está constantemente a ensinar e a doutrinar o auditório,
recorrendo aos ensinamentos bíblicos e aos exemplos e citações dos
Doutores da Igreja (“Voltai-me, Senhor, os olhos, para que não vejam a
vaidade”). Paralelemente, através de inúmeros recursos expressivos, deleita
quem o ouve, como é o caso da seguinte comparação: “unidos como os dois
vidros de um relógio de areia”. A partir do discurso que profere, o orador
pretende persuadir o auditório e evangelizá-lo.
Concluindo, Vieira procura influenciar o comportamento dos seus
ouvintes através da manipulação da palavra.

B
4. O conceito de alegoria associa-se ao “Sermão de Santo António aos
Peixes”, pois o Padre António Vieira toma os peixes como metáfora dos
vícios dos homens.
Efetivamente, o louvor aos peixes deve ser entendido como uma crítica
indireta aos homens, que são, durante o discurso, acusados de não se
quererem converter (“é serem gente os peixes, que se não há de converter.

5
PALAVRAS 11

Mas esta dor é tão ordinária que já pelo costume quase se não sente”).
Quando fala aos peixes, na verdade, é aos homens que se dirige, e assim,
com o elogio daqueles (“Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de
ouvintes: ouvem, e não falam.”), o pregador destaca, por oposição, defeitos
que abundam nos seres humanos.
Em suma, o orador segue os princípios básicos da oratória e, através da
alegoria, cativa os ouvintes sem nunca pôr de parte a sua evangelização e o
caráter persuasivo da sua mensagem.

Grupo II
1. (C)
2. (C)
3. (D)
4. (D)
5. (A)

6. (A)

7. (C)

8. Vocativo

9. Apócope do “m” e sonorização do “t" em “d”

10. Oração subordinada substantiva completiva

Grupo III
Sugestão:
Posição A

A popularidade é determinante para a afirmação de um jovem:

• o grupo de amigos é muito importante na adolescência;

• a popularidade estimula a autoconfiança;

• partilhar é muito importante para o jovem;

• (…).

Posição B

A popularidade não é determinante para a afirmação de um jovem:

6
PALAVRAS 11

• o jovem pode afirmar-se pelo seu trabalho;

• o jovem pode afirmar-se pelas suas convicções;

• o jovem pode afirmar-se pelas causas que abraça;

• (…).

Você também pode gostar