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Fonte: Manuscrito anônimo francês sobre o

Estado de Uidá/Ajudá, escrito entre 1708 e 1714

Sobre os funerais do Reino de Uidá/Ajudá

Seus enterros acontecem parte com alegria, parte com tristeza. Quando o homem
ou a mulher morrem, todas as mulheres da casa e da aldeia vêm chorar em volta
do cadáver, que é paramentado com suas melhores roupas. Deixam-no dois
dias106 sobre um leito de canas, coberto com uma esteira dobrada pela metade,
de modo semelhante a como nós expomos nossos mortos na porta. Coloca-se
sobre essa esteira uma peça de pano de lã do país e perto da cabeça do defunto,
aguardente. Os instrumentos ficam numa casa ao lado, e tocam dia e noite
durante esse tempo. Os amigos vêm dar o último adeus ao defunto e bebem da
bebida que se colocou perto de sua cabeça. Todos os parentes e amigos estão
presentes quando o cadáver é enterrado com todas as suas roupas […]. Para os
pais, mães e parentes, o luto consiste em raspar os cabelos no dia do falecimento
e logo os deixar crescer, com a barba, durante três meses.

Sobre o funeral do rei Amar/Aysan em 1708

No dia dessa morte, tudo concorreu para a tristeza, chovia intensamente e fomos
acordados pelos prantos das mulheres de toda a vila que produziam em conjunto
um grito espantoso. Durou até a tarde, quando vimos os negros perambular em
bandos, abatidos e guardando um grande silêncio, os chefes começaram a usar o
luto, que não é outra coisa senão raspar a cabeça e a barba e vestir um pedaço de
pano branco na cintura caindo até os pés.110 Esse luto dura até as últimas
cerimônias da coroação do novo rei [três meses depois]. O dia dessa morte era
muito perigoso, porque se alguém cometesse um assassinato, roubasse ou
cometesse algum outro crime no interregno, estando o rei morto, não havia
justiça e ele não seria perseguido. Foi o que testemunhamos, vários negros
mortos na aldeia, o que os obrigava a andar armados […] a partir do dia em que
o [novo] rei foi reconhecido o país voltou à tranquilidade.

(Trechos presentes em PARÉS, Luis Nicolau. O rei, o pai e a morte: A religião


Vodum na antiga Costa dos Escravos na África Ocidental, 2016)

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