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DIREITO PENAL II/NOITE

2021-2022 – 2.º Semestre

TEXTO PARA USO EXCLUSIVO DOS ALUNOS NA CONDIÇÃO DE


IDENTIFICAÇÃO DA RESPECTIVA FONTE, SOB PENA DE PLÁGIO

AULA N.º 4
4.03.2022

ACEPÇÕES DE TIPO
ELEMENTOS DESCRITIVOS VS. NORMATIVOS DE TIPO

I
ACEPÇÕES DE TIPO1

Ideia básica de tipo: conjunto de elementos através dos quais o legislador descreve de
forma modelar um comportamento punível.
Usamos a palavra tipo com vários significados de acordo com a função que lhe atribuímos. Assim
fala-se, p.e., de tipo de garantia; tipo justificador; tipo de crime e tipo indiciador.

1. Tipo de garantia

Está em causa a concretização técnica do princípio da legalidade e da sua ratio de


garantia.
Tipo de garantia é o conjunto de todos os elementos que concorrem para fundamentar
uma punição concreta. Todos esses elementos têm de estar previstos na lei e todos têm de
ser chamados à colação para fundamentar a punição no caso concreto. O tipo de garantia
é um tipo global, mas varia consoante a situação concreta cuja punição importa
fundamentar.
Pense-se no caso de uma tentativa de homicídio através do disparo de uma arma de
fogo. Para que o agente seja punido há que articular o tipo incriminador da parte especial
do artigo 131.º, com:
(i) A cláusula de extensão da tipicidade da tentativa que contém a descrição dos
actos de execução (artigo 22.º);

1
Baseado em Augusto Silva Dias, Transcrição das Aulas Teóricas, ano lectivo de 2013/2014: 16 ss.
Doravante: ASD, 2013/2014.

1
(ii) As regras de punibilidade da tentativa (artigo 23.º);
(iii) As regras de determinação da medida da pena nos casos de atenuação especial
da pena (artigo 73.º);
(iv) E com as regras gerais de determinação da medida da pena (artigo 71.º).

2. Tipo justificador

O tipo justificador (v.g. legítima defesa, direito de necessidade, conflito de deveres) é o


conjunto dos elementos, verificados os quais o facto típico (i.e., o que realiza o tipo legal
de crime) deixa de ser ilícito e passa a ser justificado.
O tipo justificador está fora do tipo de garantia, pois os elementos que o compõem não
concorrem para fundamentar uma punição concreta, mas antes para afastar a
responsabilidade.

3. Tipo de crime e tipo indiciador

O tipo de crime é o tipo na sua função sistemática na análise do crime.


O tipo de crime corresponde ao recorte de um ilícito, sob a forma de descrição modelar de
um comportamento, que implica dado conteúdo de ilicitude e de culpa.
Portanto, o tipo de crime, i.e., a descrição modelar de um comportamento punível,
nunca é neutra, pois traz consigo certo conteúdo de ilicitude e de culpa.

Por isso, associado ao conceito de tipo de crime surge o de tipo indiciador: sendo o tipo de
crime um recorte de ilícito, ele transporta consigo um conteúdo de ilicitude e de culpa.
Logo, a realização de um tipo de crime indicia que o comportamento, além de típico, é
também ilícito e culposo. Trata-se de um juízo provisório que tem depois de ser confirmado
através da confrontação do comportamento típico com as categorias gerais da ilicitude e da
culpa. Mas, por força da função indiciadora da ilicitude e de culpa desempenhada pela
realização do tipo de crime, a confirmação do juízo provisório de ilicitude e de culpa faz-se
por via de uma análise negativa destas categorias, através da qual se verifica se, no caso
concreto, concorrem causas de exclusão da ilicitude ou causas de exclusão da culpa.

O tipo de crime não consiste apenas no preceito incriminador da parte especial que descreve
modelarmente o comportamento punível. Essa descrição modelar pode ter de ser
complementada, na situação concreta, por preceitos da parte geral do CP que contêm

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cláusulas de extensão da tipicidade da parte especial (v.g. a tentativa, a comissão por
omissão, as várias formas de autoria e participação – arts. 22.º-23.º, 10.º, 26.º-27.º do CP).
É o que sucede quando o pai, sabendo nadar, não se atira ao mar para salvar o filho,
morrendo este afogado.

O tipo de crime integra-se no tipo de garantia, mas este é mais amplo, pois abrange a própria
categoria da punibilidade fundamentadora de uma concreta punição.

As noções de tipo com que vamos trabalhar são as de tipo na sua função sistemática (tipo
de crime) e na sua função indiciadora.
O tipo de crime é constituído por elementos objectivos e subjectivos, por um lado, e
por elementos descritivos e normativos, por outro.

Recapitulação breve: dos elementos objectivos e subjectivos do tipo.

II
ELEMENTOS DESCRITIVOS VS. NORMATIVOS DE TIPO (ASD, 2013/2014: 18-20)

Dizem-se descritivos os elementos do tipo de crime cujo significado é sensorialmente


apreensível. Relativamente aos elementos descritivos, a prova em juízo é simplificada, por
serem apreensíveis pelos sentidos. Os elementos pessoa, no crime de homicídio, e coisa móvel, no
crime de furto, são sensorialmente perceptíveis?

Dizem-se normativos os elementos do tipo cujo significado não dispensa uma valoração,
jurídica e/ou ético-social. Ex: os elementos “funcionário” (crimes de funcionário) ou “bons
costumes”, na ofensa à integridade física consentida (artigos 38.º e 149.º/2), são elementos
que requerem certa valoração.

A distinção entre elementos puramente descritivos e elementos normativos do tipo não é


inteiramente correcta. Não existem elementos do tipo exclusivamente descritivos, i.e., apenas
perceptíveis pelos sentidos. O que faz sentido é distinguir entre elementos que requerem
maior ou menor valoração: os primeiros corresponderiam aos chamados elementos
normativos; os segundos, aos designados elementos descritivos. O problema é que o mesmo
elemento pode, em certos casos, exigir uma valoração maior do que noutros. Pense-se, por exemplo,
no conceito de pessoa.

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Se alguém, na rua, disparar contra o tórax de outra pessoa, a polícia criminal não se
preocupará em recolher prova no sentido de saber se estava ali uma pessoa ou não.
Porém, a situação já será diferente se, no hospital, um médico desligar uma máquina
de reanimação à qual estava ligado um paciente para salvar outro que, entretanto, chegou
e estava em perigo de vida. Terá o médico cometido um homicídio? A resposta a esta
questão depende de saber se, ligada à máquina de reanimação, estava ou não uma pessoa.
Como sei que lá estava uma pessoa? Apenas através dos meus sentidos? Ou, pelo
contrário, necessito de recorrer a valorações que nem sequer são puramente jurídicas, mas
também médicas (especificamente médico-legais)?
Efectivamente, se a pessoa ligada à máquina de reanimação tinha cessado as funções
cerebrais, estava-se perante um cadáver, de modo que o médico, ao desligar o reanimador,
não cometeu um homicídio. Ao invés, se as funções do tronco cerebral não cessaram, ainda
existe uma pessoa e o médico, que desliga o reanimador, pratica um homicídio.
Veja-se outra situação: se quem está a assistir uma parturiente, mata o ser humano
prestes a nascer, realiza um homicídio ou um aborto? Tudo depende de saber se já se iniciou
ou não o processo de nascimento (cfr. artigo 136.º CP).
O nascimento, nos casos normais, começa com as contracções de dilatação (ritmadas e
irreversíveis); nas hipóteses de cesariana, a tutela da vida como pessoa formada tem de
situar-se no início da intervenção cirúrgica, incluindo a administração de sedativos. Critério
jurídico: necessidade de tutela penal mais intensa e completa do novo ser, no momento em
que esta passa a estar exposto a uma multiplicidade de intervenções externas.
Se já se iniciou o processo de nascimento, está-se perante um homicídio; se não, existe
um crime de aborto não consentido (art. 140.º/1 CP). Contudo, a resposta a esta questão
não depende de uma percepção sensorial, exige o recurso a valorações: de novo, médicas e
jurídicas.
Conclusão: o conceito de pessoa não dispensa o recurso a valorações jurídicas, embora não se
trate de um conceito puramente jurídico.

O mesmo sucede com o elemento “coisa móvel”. Se alguém, na época natalícia, arranca
um pinheiro do jardim de uma moradia para embelezar a sua casa, pratica um crime de
furto? Subtraiu uma coisa móvel alheia? Como, se a árvore estava agarrada ao solo?!
Além disso, qual o conceito de coisa móvel relevante para o crime de furto? O conceito
do Direito Civil, segundo o qual se consideram coisas imóveis “as árvores, os arbustos e os

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frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo” (art. 204.º/1, al. c), do CC)? Ou antes,
para efeitos do crime de furto, deve qualificar-se como coisa móvel tudo aquilo que seja
susceptível de subtracção, i.e., de constituição de uma detenção a favor do agente?
Como é evidente, a resposta a qualquer uma destas questões não depende de uma mera
percepção sensorial.

Lisboa, 14 de Março de 2022


Teresa Quintela de Brito

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