Você está na página 1de 29

UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

CURSO DE LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA

Uso de Licença Ilimitadas e Especiais como um Espaço de “Organização de


Vida” entre um grupo de Funcionários do Ministério da Saúde

Candidata: Isabel Nhamizinga

Supervisor: Dr. Emídio Gune

Maputo, Dezembro de 2016

Uso de Licença Ilimitadas e Especiais como um Espaço de “Organização de


Vida” entre um grupo de Funcionários do Ministério da Saúde
i
Isabel Nhamizinga

Relatório de Pesquisa Submetido ao Departamento da Arqueologia e Antropologia,


Faculdade de Letras e Ciências Sociais, como Requisito Parcial para Obtenção de Grau de
Licenciatura.

O presidente O supervisor O oponente

______________ ___________________ _________________

Maputo, Dezembro de 2016

ÍNDICE

ii
Declaração de Honra.............................................................................................................................iii
Lista de Abreviaturas........................................................................................................................iv
Dedicatória........................................................................................................................................v
Agradecimentos................................................................................................................................vi
Resumo............................................................................................................................................vii
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
2. REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................11
3. QUADRO TEÓRICO E CONCEPTUAL................................................................................13
3.1. Quadro Teórico.........................................................................................................................13
3.2. Conceptualização..........................................................................................................................13
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................................15
4.1. Método.........................................................................................................................................15
4.2. Processo de recolha, tratamento e análise de dados.............................................................15
4.3. Constrangimentos no processo de recolha de dados............................................................16
5.1. INTEGRAÇÃO PROFISSIONAL DOS MÉDICOS....................................................................17
5.2. EXPERIENCIAS COM GOZO DE LICENÇAS ILIMITADA E ESPECIAIS.......................18
5.3. Algumas experiencias de usos das férias ilimitadas.................................................................22
6. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES...................................................................................26
7. REFERENCIAS..........................................................................................................................28

Declaração de Honra

iii
Declaro que este relatório de pesquisa é original. Que o mesmo é fruto da minha investigação
estando indicadas ao longo do trabalho e nas referências as fontes de informação por mim
utilizadas para a sua elaboração. Declaro ainda que o presente trabalho nunca foi apresentado
anteriormente, na íntegra ou parcialmente, para a obtenção de qualquer grau académico.

_____________________

(Isabel Nhamizinga)

Maputo, Dezembro de 2016

Lista de Abreviaturas

 DAA- Departamento de Antropologia e Arqueologia


 HCM- Hospital central de Maputo

iv
 MISAU- Ministério da Saúde de Moçambique
 MFP- Ministério da Função Pública
 ONG- Organização não-governamental
 RSP- Reforma do Sector Público
 RH- Recursos Humanos
 SNS – Sistema nacional de Saúde
 UEM- Universidade Eduardo Mondlane

Dedicatória

v
Agradecimentos

vi
Resumo

Na presente pesquisa analiso o uso de licenças ilimitadas e especiais como espaço usados
para “organização de vida” encontrado por um grupo de Funcionários do Ministério da Saúde
de Moçambique. O assunto sobre o pedido de licenças especiais e ilimitadas junto as

vii
instituições do Estado é discutido em uma perspectiva fundamental. Esta perspectiva defende
que a política salarial estabelecida nas instituições do Estado não satisfazem os funcionários,
bem como não conseguem retê-los por muito tempo na instituição. Afirma ainda esta
perspectiva que política salarial por si só, não garante a manutenção ou retenção dos
indivíduos dentro de uma empresa, porque as insatisfações salariais fazem com que os
indivíduos procurem novos empregos ou mesmo optem por pedido de férias ilimitadas não
remuneráveis. Porém, esta perspectiva deixa por compreender como os indivíduos
relacionam-se com a política salarial e quais os mecanismos que os mesmos usam para
responder as vicissitudes encontradas dentro do contexto laboral e face a suas necessidades
matérias, sentimentais até mesmo espirituais.

Para analisar a questão do uso de licenças ilimitadas como espaço para organização de vida
entre um grupo de funcionários do MISAU, fez-se um trabalho etnográfico, onde entrevistou-
se alguns funcionários do MISAU que gozam de licenças ilimitadas e especiais. Dos dados
colhidos no campo pode-se afirmar que, este grupo de funcionários usam o período das
licenças ilimitadas ou/e especiais para prestarem serviços a organizações não-governamentais
com vista a organizarem as suas vidas, num determinado espaço de tempo curto.

De acordo com os entrevistados “organizar vida” é um processo que consiste em ter uma casa
de alvenaria, um carro e ter capacidade de matricular os filhos nas escolas renomadas como
melhor da cidade de Maputo. Constatou-se também que os funcionários com licenças
ilimitadas, embora estejam insatisfeitos com os salários, condições e ambiente de trabalho
que tinham no MISAU comparando com as condições encontradas nos novos postos de
trabalho, não pretendem de forma alguma desligar-se definitivamente desta instituição, quase
todos os entrevistados anseiam voltar a trabalhar no MISAU, movidos de sentimentos de
Segurança que as instituições do Estado oferecem aos seus funcionários.

Palavra-chaves:Licenças Ilimitadas e Especiais, Espaço e Organização de vida

viii
1. INTRODUÇÃO

Na presente pesquisa analiso o uso de licenças ilimitadas como espaço criado para
“organização de vida” entre um grupo de Funcionários do Ministério da Saúde. Iniciei a
pesquisa com objectivo de analisar a política salarial no sector público. Em conversa com
alguns funcionários alegavam que a Política Salarial e o Estatuto dos Médicos no sector da
saúde servem para incentivar e reter os funcionários no sector público, porém, através dos
relatórios da função pública e do meu local de trabalho, percebi que os pedidos de licenças do
Sector da Saúde tendem a aumentar.

Em seguida fiz um trabalho exploratório junto aos funcionários do Ministério da Saúde, onde
percebi que muitos funcionários, no geral, e os médicos, em particular, não estão felizes com
os salários que auferiam, bem como as condições de trabalho que o Ministério oferecia.
Diante desta situação, observei que alguns funcionários optavam em pedir licenças ilimitadas
para poderem trabalhar no sector privado, nomeadamente nas organizações não-
governamentais. Este fenómeno começou a chamar a minha atenção, então resolvi aprofundar
mais.

Tendo questionado alguns funcionários que gozam de férias especiais e ilimitadas do porque
pedir estas férias, eles afirmaram que “ pedimos férias ilimitadas ou seja sem salário para
poderemos trabalhar nas ONGs e ganhar dinheiro que nos permitirá organizar a nossa vida”.
Diante desta afirmação, então perguntei aos entrevistados o que seria ter “uma vida
organizada?”.

Para este grupo de indivíduos ter uma vida organizada é possuir um carro particular, uma
casa própria, ter possibilidade de matricular os seus filhos numa escola privada conceituada
como melhor bem como ter capacidade de pagar as contas do quotidiano particular e dos seus
dependentes. Diante desta visão, questionei-me, não possuo uma casa própria, um carro
particular e não tenho a capacidade de matricular os meus filhos nas escolas conceituadas
como melhores, então, percebi que na visão deste grupo eu não tenho uma vida organizada.
Assim sendo, procurei perceber como a literatura trata do assunto.

Da análise da literatura constatei que este assunto tem sido analisado a partir de uma
abordagem dominante, segundo a qual os funcionários desvinculam-se das suas instituições
porque os salários pagos são baixos e as condições e ambiente do trabalho são más.

9
Esta abordagem é limitada quanto a sua análise. Constatei que ela não relaciona a questão da
insatisfação dos indivíduos face as suas remunerações salariais ou ambientes de trabalho com
a questão de segurança no trabalho (Dutra 2006; Hipólito 200; MFP 2008), por outro lado
não explica o por que dos indivíduos nas instituições do Estado pedem ferias ilimitadas para
trabalhar nas organizações não-governamentais, bem como não explica a razão do retorno
destes mesmos indivíduos a instituição do Estado.

Face a estas limitações analíticas que a abordagem mencionada enfrenta propôs-me em fazer
um estudo etnográfico de carácter exploratório com alguns funcionários do MISAU que
gozam de licenças ilimitadas e especiais com vista a responder a seguinte pergunta de partida.
Quais são os valores que orientam a prática de pedido de férias ilimitadas entre um grupo de
funcionários junto ao MISAU?

A partir dos dados exploratórios desta pesquisa percebi que a questão de organização de vida
é um fenómeno socialmente construído, que varia de contexto para contexto. No contexto em
que desenvolvi o estudo só tem uma vida organizada o indivíduo que possuem um carro
particular, uma casa própria de alvenaria e tem a possibilidade de matricular os seus filhos
nas escolas renomadas como melhores da cidade de Maputo ou Matola.

Esta pesquisa é relevante na medida que procura compreender a implicação da cultura nas
organizações. A cultura na organização por envolver crenças, expectativas, valores e atitudes
muitas vezes comuns aos membros de uma organização, pode influenciar fortemente
processos individuais, colectivos, bem como organizacionais. Os resultados deste trabalho
podem de certa forma ajudar ao MISAU a compreender a relação existente entre a cultura e o
trabalho no âmbito da sua política de retenção de funcionários.

A presente pesquisa está organizada em quatro secções principais. Na primeira, que compõe a
presente introdução onde exponho o tema, objectivo e a problemática de pesquisa, bem como
a estrutura do trabalho, na segunda secção apresento a revisão de literatura. Nesta parte do
trabalho mostro a principal linha de reflexão sobre o assunto e as respectivas limitações,
apresento também a orientação teórica e conceitos, na terceira secção descrevo os
procedimentos metodológicos. Nesta parte apresento os métodos e as técnicas usadas na
recolha, e; por fim apresento a análise de dados e as conclusões preliminares.

10
2. REVISÃO DE LITERATURA
A questão do desvinculamento temporário ou definitivo do funcionário nas instituições do
Estado na literatura é discutida em torno de uma abordagem principal, nomeadamente: A
abordagem que defende que, este fenómeno acontece porque a política salarial é uma forma
de manter o indivíduo dentro da empresa (Dutra 2006; Hipólito 200; MFP 2008).

A retenção de profissionais na Função Pública tem vindo a ser uma das grandes preocupações
e desafios de Moçambique, assim como de muitos outros países do mundo. Dentre vários
acontecimentos de ordem social, Moçambique têm registado uma assinalável onda de
mobilidade de funcionários do sector público para o sector privado, quer a título temporário,
bem como definitivo. Por exemplo, Dutra (2006) no seu estudo sobre gestão de pessoas
realizado em são Paulo, sustenta que, o salário é usado actualmente, tanto no sector público
como no sector privado como uma ferramenta fundamental para a manutenção da mão-de-
obra nas instituições, como também é um dos mecanismos que a empresa adopta para
valorizar e incentivar as pessoas a se aplicarem pela empresa. Para o autor, as recompensas
salariais atendem expectativas e necessidades dos funcionários, como por exemplo:
económicas, crescimento pessoal e profissional, segurança, projecção social, reconhecimento,
possibilidade de expressar-se por seu trabalho (Idem).

Por sua vez, Hipólito (2002) refere que mais do que o salário proporcionar ou mudar o estilo
de vida dos funcionários, ele tem uma grande importância quando está atrelada a um valor
simbólico, que representa quanto o indivíduo vale para a organização. Assim para (Hipólito
2002), as recompensas salariais devem estar próximas daquilo que a organização valoriza e
quer estimular em seus funcionários, com vista a incentivar comportamentos que produzem
resultados positivos para a instituição ou organização. Contudo, para responder a esta
tendência, no quadro da Reforma do Sector Público (RSP) que vem sendo implementada em
Moçambique, o Governo estruturou a Política Salarial que é definida como um instrumento
crucial que vai permitir melhorar os níveis de remuneração e os sistemas de incentivos na
Função Pública contribuindo assim, em sincronia com as demais medidas em curso, para a
melhoria do desempenho, quer individual quer institucional” (Ministério da Função Pública,
2011).Os estudos da primeira perspectiva generalizam os seus pressupostos em relação a
politica salarial e perde de vista as insatisfações dos indivíduos face as suas remunerações
salariais. A segunda perspectiva critica a primeira e defende que as insatisfações salariais
fazem com que os indivíduos procurem novos empregos. Flannery, Hofrichter e Platten

11
(2002), no seu estudo referente a Pessoas, desempenho e salários em São Paulo, sustentam
que uma política salarial bem desenhada é aquela em que a remuneração esteja de acordo
com os valores de cada funcionário e a cultura da empresa. Para este autor, essa atitude eleva
a auto-estima dos funcionários, estimula a vontade deles aprenderem mais sobre a empresa e
a empenharem-se pela empresa.

Para Albuquerque e Oliveira (2002, p. 2), “nos sistemas tradicionais, o tempo é reconhecido,
e não as contribuições dos empregados. Assim, o sistema não encoraja o desenvolvimento de
habilidades e competências”. Para estes autores o que faz com que as pessoas troquem de
emprego é a insatisfação das remunerações, por vezes trabalham muito e ganham pouco. Este
posicionamento é corroborado por Macedo (2007), no seu estudo sobre política salarial para
funções idênticas, mesma remuneração, o autor advoga que, os trabalhadores que se
encontram exercendo a mesma função devem ou tem o direito a mesma remuneração. E as
empresas instaladas em diferentes contextos, não devem pagar as mesmas remunerações a
todos os contextos, mas sim as remunerações devem ser feitas de acordo com o custo de vida
do contexto onde os indivíduos trabalham, assim estaríamos perante a uma remuneração
estratégica.

Na perspectiva de WoodJr. E Picarelli Filho (2004), a Remuneração Estratégica está ligada à


satisfação e motivação das pessoas em relação ao seu trabalho. Sob o ponto de vista da
empresa, está ligada aos custos de produção. Os objectivos da remuneração estratégica na
Gestão de Pessoas, para Barbosa (2001), envolvem a valorização dos talentos humanos nas
empresas, a atracção e a manutenção de pessoas de alto potencial, a criação de condições
favoráveis à motivação individual e à mobilização em torno das metas organizacionais, a
possibilidade de crescimento profissional, e o desenvolvimento da empresa. No geral da
literatura analisada politica salarial é possível compreender que apesar de existir uma política
salarial, a mesma não é suficiente para manter o recurso humano na função pública.

Para pensar as sociedades humanas, a antropologia preocupa-se em detalhar, tanto quanto


possível, os seres humanos que as compõem e como elas se relacionam, seja nos seus
aspectos físicos, na sua relação com a natureza seja na sua especificidade cultural. Para o saber
antropológico o conceito de cultura abarca diversas dimensões, universo psíquico, os mitos,
os costumes e rituais, sua história peculiar e a linguagem, valores, crenças, leis, relações de
parentesco entre outros elementos, neste sentido este estudo tenta entender o trabalho como
uma cultura vital na vida das sociedades modernas.

12
3. QUADRO TEÓRICO E CONCEPTUAL
3.1. Quadro Teórico

Neste trabalho optei em analisar os dados do campo a luz da teoria de acção social de Marx
Weber. Esta teoria sugere o olhar para os indivíduos, neste caso os funcionários do MISAU
como seres cientes, activos e criativos. Afirma ainda Weber, que acção social seria a conduta
humana pública ou não, a que o agente atribui significados subjectivos; portanto é uma
espécie de conduta que envolve o significado para o próprio agente.

Ainda dentro da teoria de acção social, Talcott Parsons, tem como ponto de partida da sua
análise a natureza da própria acção; toda a acção é dirigida para a consecução de objectivo.
Neste estudo é notório equacionar o pedido de licenças ilimitadas dos funcionários com a
prática de organização da vida. Assim, Parsons defende que acção social é um
comportamento que envolve orientação de valor e como conduta padronizada por normas
culturais ou códigos sociais. Olhar para uso de licenças ilimitadas como espaços de
organização de vidas possibilita observar e analisar como os indivíduos criam, pensam e
planeiam as suas vidas quer profissional como social.

3.2. Conceptualização
3.2.1. Reprodução social e lógicas de organização social

Reprodução Social é um processo de constante renovação da produção material e sócio


cultural dos seres humanos, processo esse determinado pelas necessidades de produção e
reprodução económicas e pelo interesse da classe dominante em manter a ordem social.
(Jorge Pité, 2004).

A reprodução social é pensada por Pierre Bourdieu através da dimensão cultural. Para este
autor a reprodução social é o processo social pelo qual as culturas são reproduzidas através de
gerações, sobretudo pela influência socializante de grandes instituições. Bourdieu aplicou o
conceito, em especial, a maneira como instituições sociais, como escolas, são usadas para
transmitir ideias culturais que servem de base e dão respaldo à posição privilegiada das
classes dominantes ou governantes.

Pensar a reprodução social com Bourdieu implica pensar nas relações entre poder material e
simbólico, uma vez que incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção,
de apreciação e de acção, as estruturas da ordem social. Para ele, a reprodução social não se

13
dá apenas pela posse do capital económico, mas também pela detenção do capital cultural,
sendo que este último torna-se a principal estratégia de reprodução nas sociedades avançadas.

Para que os processos de reprodução social se realizem, acirram-se os modos de dominação.


Estes podem ser entendidos como aquilo que permite a uma ordem social ou a lógica de
organização social reproduzir-se no reconhecimento e desconhecimento da arbitrariedade que
a institui. Porém, a reprodução social nos remete à reprodução cultural e aos modos de
dominação engendrados no mundo social que garantem esse ciclo. No caso da reprodução
social do estudo em causa, foco-me no sistema profissional para tentar desvelar a reprodução
das desigualdades existentes dentro do sistema. As formas elementares de dominação
centram-se na dominação directa, de uma pessoa sobre outra, em que há a necessidade da
criação de uma ligação pessoal para que se ganhe a apropriação do trabalho, dos serviços, dos
bens, das homenagens, do respeito dos outros, tendo como exemplo o sistema hierárquico do
sistema laboral.

14
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.1. Método

A presente pesquisa é de carácter exploratório e nela explorei as motivações que levam os


funcionários do MISAU a pedirem licenças ilimitadas e os discursos sobre fenómeno
organização de vida. A pesquisa foi realizada em três etapas, sendo que na primeira etapa
realizei a revisão de literatura, na segunda realizei a pesquisa do campo, na terceira e última
etapa organizei e analisei os dados colhidos no campo.

Na revisão de literatura fiz a leitura de obras que se debruçam sobre a questão da política
salarial, as razões de pedidos de licenças ilimitadas e questões ligadas a mobilidade de mão-
de-obra do Aparelho do Estado para as Organizações Privadas e relatórios da função pública.
Este trabalho fiz na Biblioteca Central Brazão Mazula, na Biblioteca do Departamento de
Arqueologia e Antropologia e em Bibliotecas virtuais.

Na segunda etapa realizei a recolha de dados, marcada pelo encontro com alguns funcionários
do MISAU que se encontram a gozar de licenças ilimitadas. Algumas entrevistas decorreram
em alguns restaurantes da cidade de Maputo, outras no MISAU e nos centros sociais dos
novos postos de trabalho destes indivíduos. Para identificação dos informantes chaves usei a
técnica de bola de neve, onde o primeiro entrevistado, identificou o segundo, o segundo
identificou o terceiro e assim sucessivamente até atingir um ponto de saturação (ponto em
que os novos informantes repetiam as informações já obtidas).

4.2. Processo de recolha, tratamento e análise de dados

A recolha de dados fiz feita com base nas conversas informais e entrevistas semi-
estruturadas. As entrevistas foram feitas com Médicos do MISAU que se encontravam a
gozar ferias limitadas no MISAU, mas em exercício das suas funções na organização não-
governamental. Este funcionário ajudou-me a identificar os outros que se encontravam em
condições similares a dele. Foi através do uso da técnica de bola de neve que me aproximei
aos entrevistados.

As entrevistas decorreram no Hospital central de Maputo, no restaurante MIMOS, no franco


moçambicano da cidade de Maputo e nos novos postos de trabalho dos entrevistados,
nomeadamente Trauma e Hospital Privado. Realizei o trabalho do campo no mês de Janeiro a

15
Maio de 2016. Durante as entrevistas usei cadernos de campo, onde tomava nota de toda
informação relevante para o estudo.

O caderno de campo lia sistematicamente, com objectivo de encontrar regularidades e pontos


em comum nos discursos dos informantes. Esta prática de leitura sistemática do caderno do
campo tinha como objectivo de agrupar as conversas a fim de encontrar as tendências nelas
existentes, após este processo, as conversas foram divididas em secções justificar o
argumento principal ou seja a tese deste trabalho.

Nesta pesquisa trabalhei com dois grupos de participantes, sendo o primeiro grupo composto
por médicos do MISAU com licença ilimitada e especiais que neste momento se encontram a
trabalhar nas ONGs e o segundo são funcionários que já gozaram de licenças ilimitadas, mas
que retornaram a trabalhar no MISAU.

4.3. Constrangimentos no processo de recolha de dados

Ao longo do trabalho tive dois grandes constrangimentos: Primeiro: A dificuldade de retirar


informações dos entrevistados. Os entrevistados sentiam-se constrangidos em partilhar as
suas experiencias e as reais causas do pedido de licenças ilimitadas. Há situações em que os
entrevistados, no requerimento diziam que precisam das férias para continuarem com os
estudos, visitar parentes no estrangeiro, mas que na prática estavam a trabalhar nas
organizações não-governamentais. Solucionei este constrangimento, (re) explicando aos
entrevistados que este trabalho tinha fins académicos e garante aos mesmos a
confidencialidade da informação e uso de nomes fictícios no trabalho.

O segundo constrangimento que tive no processo de recolha de informação foi como


seleccionar informação relevante para uma análise antropológica. Era natural ouvir dos
informantes discursos sobre o descontentamento salarial, ambiente do trabalho, problemas
ligados as subidas de preços de produtos de primeira necessidade. Então eu me perguntava,
enquanto estudante da antropologia o que posso estudar neste fenómeno a luz das teorias e
métodos antropológicos e o que posso trazer de novo com o meu estudo? Solucionei este
constrangimento com ajuda do supervisor, que orientou a minha pesquisa na procura do
significado do fenómeno organização de vida que esta ligado a pratica de pedido de férias
ilimitadas no MISAU.

16
5. USO DE LICENÇA ILIMITADAS E ESPECIAIS COMO
UM ESPAÇO PARA “ORGANIZAÇÃO DE VIDA”

Nesta parte do trabalho apresento e analiso os dados do estudo em três secções. Na primeira
secção apresento o processo de integração profissionais dos médicos e a gestão de
expectativas, na segunda apresento algumas razoes principais que levam os funcionários do
MISAU a se desvincularem, de forma parcial ou total da sua instituição, por meio de pedidos
de férias ilimitadas e especiais.

Na terceira secção apresento os propósitos de pedido de férias ilimitadas e especiais pelos


funcionários do MISAU, onde destaco a “noção de organização de vida”. Conceito que os
agentes socias usam e dizerem que os funcionários do MISAU, com os seus salários, devem
ter capacidade ou oportunidade de ter uma casa própria, matricular os filhos nas escolas
privadas, renomadas como as melhores da cidade e carro particular.

5.1.INTEGRAÇÃO PROFISSIONAL DOS MÉDICOS

Nesta secção mostro como é feito o processo de integração dos médicos desde a categoria de
médico estagiário a médico sénior. Mostro também como são gerenciadas as expectativas
enquanto médico estagiário e médico sénior.

A profissão de medico tem como principal objectivo a restauração e a manutenção da saúde,


investindo no tratamento e na prevenção de doenças. Além disso, os profissionais detêm
conhecimentos para que possam promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos, desde a infância
até a maturidade.

De acordo meus dados, nos primeiros anos de exercício, no sexto ano das faculdades da UEM, os
estudantes começam a exercer a sua actividade profissional, na categoria de médicos estagiários,
com direitos a subsídios que são providenciados pelo Estado. Percebi que esta política motiva os
estudantes, colocando numa posição de privilégio em relação a outros estudantes de outros cursos
e mesmo de algumas universidades que leccionam o curso de medicina.

Quanto a satisfação e motivação dos médicos estagiários nos primeiros anos do exercício das suas
funções mostram-se satisfeitos com os salários e as condições de trabalho. Mas, os meus dados,
atestam que nos anos posteriores do exercício a satisfação dos médicos tende a mudar. Os

17
entrevistados alegam, quando eles deixam de ser estudantes, constituem famílias percebem que o
salários que auferem no MISAU são muito baixos em relação aos salários pagos nas instituições
privadas e organizações não-governamentais. Afirmam ainda que as condições de trabalho são
também muito péssimas.

Todavia, constatei que no meio destes funcionários, as expectativas profissionais deles são
frustradas com a realidade que o MISAU oferece. De acordo com as entrevistas, meus
interlocutores afirmaram que “ um profissional formado no curso de Medicina tem amplas e
muitas oportunidades de saídas profissionais que oferecem os melhores salários e além dos altos
salários, a Medicina também é a profissão com certo Status social”.

Em suma, posso afirmar que os médicos deste a sua formação até a sua integração criam
expectativas muito elevadas sobre os salários, condições de trabalho e o status social que ira
receber da sociedade. Estas expectativas não são concretizadas no MISAU, consequentemente cria
no meio dos médicos sentimentos de revoltas, descontentamento e desmotivação. Uma das formas
mais acentuada de manifestar esta desmotivação é o pedido de férias ilimitadas e especiais.

O pedido de férias ilimitadas e especiais passa a ser um fenómeno social total, passível de uma
análise antropológica, na medida em que evolve relações sociais (comportamento, atitudes,
praticas e valores) de um grupo de indivíduos.

5.2. EXPERIENCIAS COM GOZO DE LICENÇAS ILIMITADA E


ESPECIAIS
5.2.1. Causas e procedimentos de para obtenção de licenças
Através das entrevistas que fiz com os médicos, percebi que os mesmos quando ingressavam
nesta carreira esperavam, por um lado, encontrar uma segurança no local de trabalho, e por
outro lado, melhores condições de trabalho, instrumentos de trabalho disponíveis, usufruto de
um salário alto que lhes permitissem construir uma casa própria, adquirir um carro particular,
matricular os seus filhos nas escolas privadas, bem como adquirir um reconhecimento social.
Constatei que os mesmos encontram segurança desejada no MISAU, mas as suas
expectativas de auferir salários altos, ter boas condições de trabalho e melhorar as suas
condições de vida não são correspondidas.

18
Este cenário, sobretudo de baixos salários e mas condições de trabalho, deixa a comunidade
dos médicos muito insatisfeitos, onde alguns deles, principalmente os indivíduos de sexo
masculino, optarem em solicitar férias especiais.

Baixos salários

Os baixos salários auferidos no MISAU. A componente salarial foi tida ao longo da pesquisa
como factor primordial que faz com que haja desvinculação temporária dos funcionários do
aparelho de Estado em particular na área de Saúde. Para os entrevistados, mesmo com a
incrementação da política salarial, as actuais tabelas remunerativas do Estado pouco
satisfazem os interesses e as reais necessidades dos funcionários da saúde.

A título de exemplo, Alfredo (2015) afirma que,

“Como se nota, os salários pagos pelo Estado aos seus funcionários, são baixos, o que acho
ser um dos factores desmotivadores que nos leva a pedir licenças, particularmente para mim
foi o factor principal que impulsionou este desligamento”.

A ideia acima supracitada é igualmente descrita por Joaquim (2015) ao afirmar que,

“O factor principal que levou a estabelecer o contracto com esta organização (que
actualmente trabalho), foi a remuneração. Remuneração que vai permitir que em dois anos
realize os meus sonhos de vida, nomeadamente melhorar o meu padrão de vida, como uma
casa condigna, melhor escola para os meus filhos entre outros”.

E por sua vez Tiago (2015), refere que,

“O maior sonho sempre foi de servir ao Estado, mas as condições salariais lá oferecidas
deixam com um pé atrás. Dificilmente pode-se contentar por ser do Estado e ao mesmo tempo
não se sentir realizado. O salário do aparelho de Estado não dignifica o esforço que o
funcionário desencadeia no dia-a-dia”.

Sérgio (2015), Sublinha que.

“O salário está para além das expectativas do funcionário público tendo em conta a
realidade do país. Como exemplo disso um enfermeiro básico tem dificuldades sérias no seu
sustento diário, não é por acaso que alguns optam pelas cobranças ilícitas, assim como faz-
se de tudo para que se encontre uma oportunidade em instituições privadas”

19
Portanto, constato que a fuga ou desligamento temporário são fenómenos que resultam da
incapacidade do MISAU em satisfazer certas necessidades dos trabalhadores. Porém, este
fenómeno na realidade é uma das grandes causas de insatisfação dos funcionários.

Condições e Ambiente de Trabalho

A falta de condições adequadas para o desenvolvimento das actividades é apontada como


parte deste dilema. Como mostro nos depoimentos abaixo:

“É verdade que a parte salarial pesou mais na minha decisão de pedido de licença, mas eu
não me sentia confortável no hospital onde desempenhava as minhas funções. É complicado
para nos por vezes assistir situações que não podemos intervir porque o Stock de
medicamentos estoirou (Medico Generalistas) ”.

Nesta ordem de ideias, Marcos (2015), referi que,

“Algumas Unidades Sanitárias não oferecem condições condignas aos profissionais de saúde
para o desenvolvimento das actividades com vista ao comprimento da missão de salvar vidas.
Já imaginaste chegar num caso em que chega um paciente e não tem material esterilizado,
vou usar pinças infectadas? Um hospital tem que funcionar com material suficiente que
responda a demanda para melhor servir”.

Para Sarsur, Pedrosa e Sant’Anna (2003), a questão da qualidade de vida e do ambiente de


trabalho tem sido alvo de preocupação actual dos profissionais. A criação e a manutenção de
um ambiente de trabalho em condições e segurança são para este autor condições primordiais
para se garantir a adesão e manutenção dos empregados, sendo que os gestores devem ser
orientados para ouvir seus colaboradores.

Portanto, a cada dia que passa o número de funcionários no sector do MISAU que pede
licenças aumenta, tanto a limitada (registada) como a ilimitada e a especial.Com base nos
dados colhidos, constatei que as motivações destas desvinculações vão desde a insatisfação
salarial, falta de condições propícias para o desenvolvimento são das actividades laborais até
ao mau ambiente de trabalho (conflitos geracionais, conflitos entre os superiores hierárquicos
e os subordinados, perseguições revoltantes da interferência política).

Portanto, como solução do dilema acima mencionado, os médicos optam em pedir licenças
ilimitadas ou especiais. Esta prática de pedido de licenças lhes permite por um lado, manter o
vínculo com o Ministério, salvaguardando assim o seu lugar e segurança no Estado, por outro

20
lado, lhe permite trabalhar para outras organizações, sobretudo ONGS onde auferem salários
altos que lhes permitem organizar a sua vida.

Resumo do propósito de pedidos de licenças ilimitadas

Perfil dos funcionários que pedem as Tempo de trabalho Razoes Condições nos novos
licenças ilimitadas postos de trabalho
(Razoes que lhes retém
nos novos postos de
trabalho)
Idade Sexo Maior parte dos Baixos salários Elevados salários,
São indivíduos com Maior número funcionários que Mau ambiente de alguns recebem os seus
idade compreendida dos solicitam férias trabalho (intrigas e salários em moeda
de 40 a 50 anos indivíduos ilimitadas tem um perseguições) estrangeira, USD, e
Na sua maioria são que pedem período de Má condição de Euro.
indivíduos casados; licenças trabalho trabalho (falta de Existência de material
No passado os seus ilimitadas são compreendido de 5 equipamentos de de trabalho, bom
filhos estudavam nas do sexo a 10 anos trabalho) ambiente de trabalho.
escolas públicas, masculino Falta de comunicação
mas actualmente entre a direção dos
estão a estudar nas recursos humanos e
escolas privadas, os funcionários
colégio Inhamunda.

Quanto ao procedimento e processos seguidos para obter as licenças especiais e ilimitadas,


constatei dois cenários diferentes. O primeiro, cenário formal- que esta regulada pelo
documento do Estatuto do Funcionário e Agente do Estado, que preconiza que, tem direito a
gozo de férias especiais e ilimitadas os indivíduos que com nomeação definitiva no aparelho
do Estado e causas devem ser fundamentadas e aceites pelo Estado, dentre estas causas
consta a visita de um parente no exterior, continuação com o estudo, problemas familiares.

O segundo cenário “informal”- neste cenário constatei que as causas que levam os
funcionários a pedirem as férias especiais e ilimitadas estão fora do quadro do dispositivo
regulador do Estado. Constatei que a real causa é a insatisfação com os salários auferidos.

21
Porem, estes indivíduos quando solicitam as ferias não mencionam a questão de salários, mas
no seus boletins de pedido de férias as causas são continuação de estudos.

Neste processo de obtenção de licenças ilimitadas, constatei que os médicos fazem “lobyy”
com os agentes ou técnicos de recursos humanos, para o processo ser rápido, o requerimento
ter o despachado, a autorização num período curto, como forma de garantir que não leve
muito tempo para ser visado pelo Tribunal Administrativo.

Outro dado saliente, são as fases usadas para obtenção da licença ilimitada. Constatei que,
primeiro os médicos pedem licenças especiais, que tem uma duração de 3 a 6 meses. Este
tempo é usado, por lado para procurar o novo emprego e por outro lado, para os que saem
com uma proposta de trabalho, usam para testar o ambiente do novo trabalho. Depois dos
funcionários perceberem que o novo posto de trabalho oferece segurança e salário alto, então
pedem férias ilimitadas. Neste percurso de férias especiais (de 3 a 6 meses) os que não ficam
satisfeitos com os novos postos de trabalho acabam voltando logo para o MISAU.

5.3. Algumas experiencias de usos das férias ilimitadas


Através dos dados colhidos no campo observou-se que muitos funcionários do MISAU
pedem licenças ilimitadas e especiais com o propósito de encontrar, nas ONGs, melhores
condições de trabalho, sobretudo na componente salarial. Este grupo de indivíduos deixa de
trabalhar temporariamente na instituição do Estado juntando-se assim a ONGs, instituições
estas que pagam um salário duplicado até mesmo triplicado dos que auferiam anteriormente
no MISAU. Como mostro no depoimento abaixo:

“ Desde ano passado, vinho a acompanhando informações no qual os projectos do sector de


saúde na ONGs remuneram quase 2 ou 3 até mais vezes aquilo que o SNS paga, o que me fez
não pensar em outra opção, a não ser “abandonar”, abandonar como quem diz pedir
licença, inicialmente põe 6 meses, de forma a me ambientar no novo patrão. Associado, as
experiencias vividas pelos meus colegas que se encontravam fora do aparelho do Estado, que
já tinham melhorado o seu padrão de vida (Mário, Medico Generalista) ”.

Através do depoimento acima exposto percebi que funcionários usam o espaço das licenças ilimitadas
e especiais para poderem trabalhar nas ONGs, com vista a ganharem um dinheiro que lhes permita
“organizar a vida no espaço de tempo curto”.

Organização de vida é um conceito dominante entre o grupo de funcionários com licenças


limitadas e especiais do MISAU. Para este grupo de indivíduos organização de vida é um

22
processo que consiste na construção de uma casa de alvenaria na cidade ou arredores da
cidade de Maputo, aquisição de um carro particular e a capacidade que o indivíduo tem de
matricular os seus filhos nas escolas renomadas como melhores da cidade de Maputo,
pagamento de contas diárias quer do fórum doméstico ou pessoal. Como pode-se observar
através dos seguintes depoimentos:

“Amigos, eu quando trabalhava no MISAU passava por um aperto, que nem ao meu inimigo
desejo, dificuldades que não só afectam a mim, mas também aos meus filhos, que são
obrigados a esquecer a existência da ZAP, Queijo, escola boa (Risos) (Ana, Nutricionista) ”

Outro depoimento
“ Sabe, onde me encontro a trabalhar agora me concederam, o gabarito de médico que
sempre procurei, bom salário, condições óptimas de trabalho. Olha, como referi trabalhei 10
anos no Estado e quase não organizei a minha vida, não tinha uma casa condigna, que
qualquer cidadão sonha gozar, boa escola e roupa para os meus filhos, alimentação. Agora
tenho uma casa própria, as minhas três filhas estudam no Inhamunda, o que não teria se eu
me encontrasse ainda no SNS (Mário, Medico Generalista) ”.

Através dos depoimentos mencionados percebi que a noção de organização de vida está
estreitamente ligada a satisfação das necessidades ou sonhos idealizados pelos indivíduos.
Percebi que os indivíduos são seres activos e cientes das suas acções dentro de uma cultura
organizacional, eles criam estratégias para alcançar os seus objectivos.

Pude constatar durante a realização do trabalho do campo, que muitos entrevistados já


trabalharam durante um tempo (de 5 a 10 anos) no SNS. Estes profissionais, partilham a
mesma filosofia, onde advogam que desde criança os seus sonhos sempre foram ser um
técnico de saúde, pois na infância quando me dirigia ao hospital, chamar atenção que cresci
na zona rural, onde o enfermeiro é a entidade mais alta na área de saúde, sempre apreciando o
seu trabalho, o que fez com que eu optasse por ser médico, com o intuito de ajudar as
pessoas. Ajudar o próximo o lema que sempre esta por detrás da escolha por esse curso.

No entanto, já no campo as dificuldades para operar começam a se manifestar, dentre as quais


as condições de trabalho, estou a falar de material médico-cirúrgico escasso, o que reduz o
nosso ângulo de acção. Mas este não é o factor central da minha insatisfação, pois o que me
levou a abandonar o SNS foi a remuneração. Salários baixos, associado a incentivos de riscos
muitas das vezes, não pagos.

23
Se acompanha os órgãos de informação acompanhou a greve dos médicos, liderada pela
Associação dos médicos, que já levantava os problemas acima, por isso te digo o que se passa
connosco não é segredo nenhum, que os profissionais de saúde foram abandonados em uma
ilha, onde ninguém se lembra dela.

Por isso, desde o ano passado, quando comecei a acompanhar informações no qual os
projectos do sector de saúde remuneravam quase 5 vezes mas que o SNS paga, o que me fez
não pensar em outra opção, a não ser “abandonar”, abandonar como quem diga pedir licença,
inicialmente põe 6 meses, de forma a me ambientar no novo patrão. Associado, as
experiencias vividas pelos meus colegas que se encontravam fora do aparelho do Estado, que
já tinham melhorado o seu padrão de vida.

Sabe, onde me encontro agora me concederam, o gabarito de médico que sempre procurei,
bom salário, condições óptimas de trabalho. Olha, como referi trabalhei 10 anos no Estado e
quase que não fiz nada, nada como uma casa condigna, que qualquer cidadão sonha gozar,
boa escola e roupa para os meus filhos, alimentação. Possa, agora tenho uma casa própria, as
minhas três filhas estudam no Inhamunda, o que não teria se eu me encontrasse ainda no
SNS.

Mas, para a minha saída tive que inventar uma justificação plausível, para que gozasse desse
privilégio, justificando que queria continuar os meus estudos, justificativo que não era o real,
eu abandonei o SNS a busca de melhores condições de trabalho e salários dignos de forma a
melhorar o meu padrão de vida.

Depois de organizar a minha vida voltarei ao SNS, pela estabilidade no emprego que o
Estado oferece, ou seja, garantir a minha reforma que só Estado oferece. No entanto, não é a
mísera reforma que vai fazer com que eu não procure melhores condições de trabalho e boa
remuneração.

Constatei também que os indivíduos interagem e se relacionam com as políticas salariais e


adoptam outros mecanismos como trocar de emprego temporariamente pedindo licenças de
seis meses, um ano ou até mesmo ilimitadas de modo a ter um espaço para poder trabalhar
nas outras organizações com vista a auferir um salário que possa suprimir e satisfazer suas
necessidades.

A cultura dos profissionais de saúde, quer nos pedidos de ferias especiais como ilimitadas,
estão significativamente correlacionadas com a pratica de organização de vida. O seu

24
regresso ao MISAU justifica-se pela segurança que estes médicos encontram nas instituições
no MISAU, sobretudo em casos de incapacidade física e mental o Estado ainda continua a
pagar os seus funcionários, algo que não acontece nas ONGs.

6. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Na presente pesquisa analisei o fenómeno do uso das licenças ilimitadas como espaço para
organização de vida entre um grupo de funcionários do MISAU. Para realização deste
trabalho usei o método etnográfico.

25
A partir do material etnográfico nesta pesquisa percebi que os funcionários do MISAU
pedem as licenças especiais e ilimitadas como estratégias para encontrarem espaços para
poderem trabalhar para outros patronatos que pagam salários maiores. Esta estratégia tem
sido criada pelos funcionários com vista a conseguirem junto a novos postos de trabalho
acumular dinheiro necessário que lhes permita construir uma casa “condigna”, comprar um
carro particular, ter uma alimentação equilibrada e poder matricular os seus filhos nas escolas
renomadas como melhores da cidade de Maputo. Importa referir que este processo, no
contexto em que foi desenvolvida esta pesquisa, é denominado como “Organização de Vida”.

Constatei também que os indivíduos depois de organizarem a sua vida tendem a regressar
para trabalhar no SNS. Esta tomada de atitude deve-se, segundo os entrevistados, a segurança
e a reforma que o Estado oferece. O estudo, constatou que o conceito segurança para os
funcionários do MISAU, no contexto em que o estudo foi desenvolvido, ganha outro
significado. Para este grupo segurança no trabalho refere-se a regalias que o Estado oferece,
tais como garantia de reforma, garantia de auferir o salário quando estiver incapacitado, o
horário atraente de trabalho.

O resultado da pesquisa permite-me afirmar que os funcionários do MISAU são seres que
articulam políticas salariais e manipulam as leis para os benefícios próprios. Desse modo,
percebe-se que os funcionários não são seres passivos face as políticas de retenção dos
funcionários no aparelho do Estado, mas sim seres cientes, activos e criativos. A prática de
uso de licenças ilimitadas para organização é uma conduta em que o agente atribui
significados subjectivos; portanto é uma espécie de conduta que envolve o significado para o
próprio agente.

Percebi que esta a acção é dirigida para a consecução de objectivo, é notório equacionar o
pedido de licenças ilimitadas dos funcionários com a prática de organização das suas vidas.
Assim sendo, percebe-se que acção é um comportamento que envolve orientação de valores
padronizados dentro do contexto dos funcionários com pedidos de licenças ilimitadas.

Quanto a cultura dos funcionários da saúde na sua organização (a pratica de pedido de ferias
para organizar vida), constatei que ela tem grande influência sobre o quanto os salários
auferidos não permite organizar vida e gera insatisfação entre os funcionários. Na
comunicação e promoção do ethos organizacional junto aos funcionários, o reconhecimento e
aceitação desse ethos por parte dos mesmos tem influenciado no seu comportamento e sua
atitude.

26
Tendo em consideração que o presente estudo foi de carácter exploratório, é pertinente frisar
que há dimensões ou vertentes encontrados no campo que se apresentaram como
interessantes que não fora exploradas neste trabalho e que nas futuras pesquisas seria bom
explora-las. Portanto, este trabalho pode servir de ponto de partida para a realização de outras
pesquisas.

7. REFERENCIAS

BARBOSA, Allan. (2001). “Gestão de competências em organizações: um mosaico da teoria

prática”. In: BARBOSA, A. C. Q. (Org.). I Workshop gestão de competências

emorganizações. Belo Horizonte: UFMG/IKS.

27
DUTRA, Joel Souza. (2006). “Gestão de pessoas: modelos, processos, tendências e

perspectivas”. São Paulo: Atlas.

GEERTZ, Clifford. (1926). “A interpretação das culturas”. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 323

GIBSON, J.L. et al (2006). “Organizações: comportamento, estrutura e processo”. São Paulo:

McGraw-Hill

FLANNERY, Thomas etall. (2002). “Pessoas, desempenho e salários: as mudanças na forma

de remuneração nas empresas”. São Paulo: Editora Futura.

HIPÓLITO, José. (2000). “Competências e níveis de complexidade do trabalho como

parâmetros orientadores de estruturas salariais”. In: Enanpad, 24, 2000, Florianópolis. Anais.

Florianópolis: ANPAD.

MACEDO, Heloiza. (2007). “Política Salarial – Para Funções Idênticas, Mesma

Remuneração. Equiparação Salarial”. São Paulo. Disponível em

http://www.casajuridica.com.br/?.f=conteudo/ver_artigo&cod_artigo=162 Acessado em 06

Junho de 2016.

MINISTÉRIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. (2008) “Ponto de Situação das Promoções,

Progressões Previstas para 2007”, MFP, Maputo.

RIVIÉRE, Claude. (1995). “Introdução à Antropologia”. Lisboa: Edições 70.

SANTOS, N.M.B.F. (2000).“Cultura organizacional e desempenho: pesquisa, teoria e

aplicação”. Lorena-SP: Stiliano

OLIVEIRA, Lúcia. (2004). “Satisfação dos Funcionários com o Sistema de Remuneração

Variável do Banco do Brasil: Um Estudo no Estado de Pernambuco”. In: Enanpad, 28, 2004,

Curitiba. Anais. Curitiba: ANPAD.

28
WOOD JR, Thomas et all. (2004). “Remuneração Estratégica: a Nova Vantagem

Competitiva”. 2.ed. São Paulo: Atlas

29

Você também pode gostar