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INDENIZAÇÕES DECORRENTES DE PROBLEMAS DE ACESSIBILIDADE

Por Paulo Roberto Nakakogue e Raphael Wotkoski[1]

1. INTRODUÇÃO

Antes de realizar quaisquer elucubrações acerca do tema ora proposto é necessário tecer
alguns comentários a título de intróito ao assunto.

Nesta seara, faz-se premente ressaltar um dos vários problemas atinentes aos centros
urbanos, qual seja, a acessibilidade e a locomoção de pessoas, não se olvidando, em grau
distinto, daquelas dotadas de necessidades especiais.

O presente artigo reverencia de certa maneira a necessidade de fiscalização e a correta


conservação das vias de acesso para pedestres e portadores de necessidades especiais, o
que, para além de um direito de todo cidadão, representa uma obrigação aos Estados
Membros.

Como é cediço, as calçadas, vias públicas e passeios, na grande maioria dos Estados
Brasileiros não refletem grande importância aos seus administradores, que, muitas das
vezes, relegam a este particular pífias promessas eleitoreiras.

Tanto o é, que em nosso cotidiano mesmo as pessoas sem nenhum tipo de necessidade
especial sofrem diariamente com a irregularidade e falta de manutenção das vias públicas,
podendo se tomar como exemplo as calçadas formadas por petit pavê na qual muitas das
pedras se soltam provocando quedas e lesões aos munícipes.

Não fosse o bastante, outro dado igualmente lamentável no que diz respeito a este mesmo
tipo de pavimentação, foi oportunamente ressaltado pelo Ex-Vereador Municipal e atual
ouvidor do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA-PR, Antônio
Borges dos Reis ao afirmar que "esse tipo de pavimento muitas vezes é utilizado como
instrumento para a violência, porquanto delinqüentes aproveitam-se destas "pedras soltas"
para atirá-las contra pessoas inocentes".

Com efeito, o dever do Estado em manter as vias públicas transitáveis é inequívoco,


decorrendo de lei, inclusive, a garantia ao portador de necessidades especiais de se
locomover livremente mediante a instalação de rampas, calçamentos especiais, aparelhos
de emissão de sinais sonoros, tudo como forma de assegurar aos transeuntes um melhor
deslocamento, e, ressalte-se, de maneira segura.

Não se pode olvidar neste particular, que os danos causados pela falta de manutenção dos
passeios e até mesmo a ausência de fiscalização quanto a sua correta construção geram
ao Estado o efetivo dever de indenizar os munícipes quais são as verdadeiras vitimas desta
atitude negligente e omissiva do ente Estatal.

2. MANUTENÇÃO DAS VIAS DE ACESSO

O dever do Estado em manter as vias de acesso seja de veículos ou pessoas em perfeito


estado de conservação decorre de lei como já anteriormente mencionado.
Com efeito, o Código de Transito Brasileiro prevê expressamente uma série de normativas
direcionadas à correta manutenção das vias públicas, definindo em algumas oportunidades
os conceitos mais básicos de infra-estrutura urbana.

Como exemplo, oportuna a transcrição do conceito de passeio extraída do próprio Código


de Trânsito qual é claro ao definir que:

"PASSEIO - parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por
pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à circulação
exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas "[2]

Saliente-se, outrossim, que o CTB (Código de Transito Brasileiro) ainda é expresso ao


cominar em seu art. 68 as regras para uma correta circulação de pessoas.

"Artigo 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens


apropriadasdas vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo
a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde
que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres."

Ademais, o mesmo diploma legislativo ainda determina ao Poder Público a incumbência


pela manutenção de tais vias de acesso, como forma de garantir a segurança aos cidadãos
como se vê:

"§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e


entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das
respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito"[3]

Fixada a responsabilidade dos Entes Públicos quanto à manutenção dos passeios e vias
públicas, há que se considerar que para aferir a efetiva omissão do Estado na manutenção
das referidas vias, faz-se mister constatar a ausência dos elementos determinantes para
construção de um passeio seguro e de qualidade.

Com este mister, segundo Philip Anthony Gold[4], existem três aspectos a serem
observados para auferir a efetiva qualidade de uma calçada, a saber:

"Uma calçada com fluidez apresenta largura e espaço livre compatíveis com os fluxos de
pedestres, que conseguem andar com velocidade constante. Em relação à fluidez existe o
conceito técnico de Nível de Serviço para calçadas, com definição de vários níveis de
fluidez e, ainda, conforto. Esse conceito fica fora do escopo da presente Nota Técnica mas
pode ser
encontrado em vários itens da bibliografia fornecida ao final da Nota.

Uma calçada com conforto apresenta um piso liso e antiderrapante, mesmo quando
molhado. O piso é quase horizontal, com declividade transversal para escoamento de
águas pluviais de não mais de 2%. Não há descontinuidades, tipo degrau, buraco etc. Não
há obstáculos dentro do espaço livre ocupado pelos pedestres, obrigando os pedestres a
desviar do seu caminho. Uma calçada segura não oferece aos pedestres nenhum perigo de
queda ou tropeço."

Desta feita, cada Município deve emitir normas específicas para construção de passeios em
conformidade com o seu padrão técnico, prezando sempre pela acessibilidade de pessoas
com necessidades especiais, bem como, assegurando passeios seguros a todos os
cidadãos.

Porém, a realidade que se extrai da simples observação dos calçamentos dos grandes
centros urbanos, revela-se diametralmente oposta às premissas expostas pelo Código de
Transito Brasileiro, uma vez que, não raras são as situações em que os cidadãos deparam-
se com calçadas esburacadas e defeituosas, quais, muito freqüentemente, são percussoras
de quedas e lesões aos transeuntes.

Aliás, como se não bastassem as lesões provocadas às pessoas sem nenhuma necessidade
especial, tampouco se comente sobre os acidentes ocasionados aos portadores de
limitações, quais, por vezes, são totalmente ignorados pelo Poder Público que sequer se
preocupa em assegurar uma aceitável condição de circulação.

Como já mencionado, é dever do Estado a construção de passeios seguros e acessíveis a


todos os cidadãos, não se podendo olvidar, igualmente, de sua responsabilidade quanto à
fiscalização e a manutenção dos preceitos mínimos de acessibilidade.

Desta sorte, em não havendo a devida fiscalização por parte do Estado para manutenção e
construção correta de passeios seguros, exsurge-se como ato inequívoco a sua omissão.

Saliente-se também, que quanto às rampas de acesso às cadeiras de rodas, esta obrigação
decorre expressamente da Constituição Federal, uma vez que em seu art. 5º, II, dispõe
como direito fundamental de todo o cidadão a igualdade de condições.

Considere-se ainda, que diversos diplomas normativos cuidam de disciplinar e proteger a


esfera de garantia dos direitos de acessibilidade, podendo se destacar neste particular, as
leis nº 10.098/2000 (a qual estabelece normas gerais de acessibilidade) e 11.126/2005
(direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso
coletivo acompanhado de cão-guia).

Desta sorte pode-se afirmar sem sombras de duvidas, que a omissão do Estado decorre da
normativa que lhe incumbe o dever de garantir aos transeuntes a um trânsito em
condições seguras, além de ser sua obrigação promover um mínimo de condições de
acessibilidade aos portadores de necessidades especiais, quais, sob qualquer aspecto, não
podem ser alvo discriminações.

3. RESPOSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO

Como já observado, em havendo omissão do Estado na sua obrigação de garantir o trânsito


seguro, assim como, de fiscalizar a construção de calçadas e passeios em conformidade
com os padrões técnicos de acessibilidade, urge, evidentemente, o seu dever de indenizar
sempre que decorrer desta omissão quaisquer tipos de danos aos particulares.

Neste sentido, salutar a observação do que dispõe o § 3º do art. 1º do CTB, o qual


determina que:

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no


âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em
virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e
serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
Ainda, observe-se que o Código Civil expressamente prevê no art.927 a
responsabilidade civil esclarecendo por sua vez que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.

O mesmo Código ainda comina o conceito civil de ato ilícito, conforme se vê:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Assim, é evidente o que o Estado deve ser responsabilizado pelos danos causados aos
particulares, sobretudo, quando age em flagrante omissão aos seus deveres legalmente
definidos, pelo que ocasiona prejuízos e sofrimentos aos cidadãos.

Ressalte-se ainda, que a responsabilidade do Estado é objetiva a teor do parágrafo único


da mesma normativa disposta no Código Civil, como se vê:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos


casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Salutar igualmente, a consideração de que a atual Constituição Federal ainda exara em seu
art. 37, § 6º que a responsabilidade do Estado é objetiva, ou seja, independente da
comprovação de culpa, quanto aos atos praticados por seus agentes.

Acerca do assunto, leciona Yussef Said Cahali que "não parece haver dúvida de que a
responsabilidade civil do Estado pode estar vinculada a uma conduta ativa ou omissiva da
Administração, como causa do dano reclamado pelo ofendido".

Resta assim inequívoco o dever do Estado ao pagamento de indenizações em razão dos


danos causados aos particulares, sobretudo, quando verificada a sua omissão na
fiscalização e na construção de passeios em consonância às regras técnicas já
mencionadas.

Por amor à argumentação, revela-se oportuna à transcrição de alguns julgados que


corroboram a tese ora aventada:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. QUEDA DE MUNÍCIPE NO SOLO EM RAZÃO DE


DESNÍVEIS NO PASSEIO PÚBLICO. LESÕES LEVES. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO.
OBRIGAÇÃO DE CONSERVAÇÃO DE RUAS, CALÇADAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS EM
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA E INCOLUMIDADE ÀS PESSOAS. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA DO PODER PÚBLICO CARACTERIZADA NA MODALIDADE NEGLIGÊNCIA. DEVER DE
INDENIZAR PELOS DANOS MATERIAIS E MORAIS CAUSADOS Á AUTORA CONFIGURADO.
( APELAÇÃO CÍVEL - NONA CÂMARA CÍVEL Nº 70011921673 - COMARCA DE SANTA MARIA,
2005)

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE REQUISITO


LEGAL. NOVA REDAÇÃO DO ART. 475 DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICIPIO.
QUEDA DE PEDESTRE. DECLIVE EM PASSEIO PÚBLICO. FERIMENTOS GRAVES. OMISSÃO DO
MUNICÍPIO NA CONSERVAÇÃO DE PASSEIO PÚBLICO. DANO MORAL. DESNECESSIDADE DE
PROVA. DANO IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ANÁLISE DOS PARÂMETROS DA
CÂMARA E DAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. VALOR DO DANO MORAL MENCIONADO NA
INICIAL. MONTANTE MERAMENTE ESTIMATIVO. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO-OCORRÊNCIA. (...) A não-realização de obra exigível, como a de
conservação de calçada de praça por onde transitam pedestres, de forma a evitar a
ocorrência de danos aos particulares, atrai a responsabilidade civil do Município. Provado o
fato, o dano e o nexo de
causalidade, e não demonstrando a municipalidade a ocorrência de caso fortuito, força
maior ou culpa exclusiva ou concorrente da vítima, incide a indenização por dano moral,
em virtude dos ferimentos graves sofridos pela queda da autora em buraco existente no
passeio público, comprovados pelo conjunto probatório dos autos. O dano moral se dá no
íntimo da pessoa humana, no seu psíquico, razão pela qual independe de prova e decorre
do próprio fato ilícito. (...) (Apelação e Reexame Necessário Nº 70005381538, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em
10/12/2003)

RESPONSABILIDADE CIVIL - MUNICÍPIO - BURACO EM VIA PÚBLICA - AUSÊNCIA DE


SINALIZAÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - VERBA DEVIDA. Demonstrada a ausência
de sinalização em buraco na via pública, devida é a indenização a título de danos morais
por acidente ocorrido no local, restando caracterizada a responsabilidade civil do Município.
Recurso a que se dá provimento.Belo Horizonte, 31 de outubro de 2002. DES. KILDARE
CARVALHO - Relator.

Assim resta clarividente o dever do Estado ao pagamento de indenizações aos particulares


que sofrerem danos decorrentes de sua omissão.

4. CONCLUSÃO

Diante do exposto no presente artigo, é flagrante o dever do Estado quanto à manutenção


e a fiscalização das calçadas e passeios, o que deve ser feito como forma de garantir um
trânsito seguro e o livre acesso a todos os cidadãos.

Ademais, a não atuação Estatal, no sentido de prezar pela inexistência de buracos,


depressões e defeitos no calçamento, bem como, no que diz respeito à construção
incorreta de instrumentos de acessibilidade aos portadores de necessidades especiais
gera, na forma mencionada, o dever de indenizar objetivamente os danos causados, não
podendo, ele, o Estado, eximir-se da fiscalização que lhe foi imposta por força lei.
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[1] Advogados militantes na cidade de Curitiba.

[2] Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97 Anexo I.

[3] Art. 1º, § 2º Da Lei 9.503/97 - Código Brasileiro de Trânsito

[4] o qual realizou importante estudo sobre o passeio nas cidades brasileiras.

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