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Dizer-se, hoje, que a sociedade portuguesa se confronta com uma grave crise da sua
justiça constitui um lugar-comum quer no sentido mais corrente da expressão, isto é,
trivialidade, banalidade, ideia já muito batida, quer no sentido em que o conceito é utilizado
pela “tópica”, ou seja, enquanto ponto de partida do discurso consensualmente aceite pelos
interlocutores do orador que permite o desenvolvimento do raciocínio. Mas, tratando-se de um
dado incontroverso nos dias de hoje, não representa nem um dado novo, nem tão-pouco
característica ou problema exclusivo da sociedade portuguesa. Por exemplo, já em 19871, o
Professor António Hespanha, reportando-se a um campo de observação mais vasto (dir-se-ia,
o mundo ocidental contemporâneo) identificava a existência de uma “crise da lei”, cujos
sintomas se poderiam sinteticamente reconduzir a uma generalizada desobediência à lei por
parte dos cidadãos, à não aplicação ou aplicação selectiva da lei por parte dos órgãos de poder
e à ineficiência dos instrumentos de aplicação coerciva da lei. Este último sintoma, revelador de
uma crise da justiça ou da ordem, estaria mais directamente relacionado com a morosidade e a
ineficácia dos mecanismos de administração da justiça nos Estados de cunho civilizacional
europeu. Ainda de acordo com o referido Autor, esta “crise da lei” relaciona-se com o
esgotamento do paradigma legalista enquanto tecnologia disciplinar, paradigma esse cujos
corolários mais evidentes são o princípio da legalidade, o primado da lei e, com especial
interesse para o tema que nos ocupa, os ideais de juridificação das relações sociais e de
acesso à justiça (leia-se justiça “oficial” dos tribunais estaduais) e que conduz a uma muito
significativa compressão do leque de tecnologias disciplinares a que se recorreu noutros
períodos históricos. É de salientar o facto de, ao contrário do que se poderia pensar, a
identificação desta crise da justiça ser feita não apenas nos países menos desenvolvidos, mas
também em países muitas vezes apontados como expoentes de eficácia na administração da
justiça. Assim, por exemplo, num editorial da revista americana Judicature2, alerta-se para o
crescimento perigoso da crise de confiança no sistema jurídico americano.
∗
Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Profissões Jurídicas e Deontologia, leccionada pelo Prof. Doutor Rui
Pinto Duarte, no 2º semestre de 2001/2002. Contacto para críticas, comentários, observações:
marcoskcp@hotmail.com.
1
V. António Manuel Hespanha, “Lei e justiça: história e prospectiva de um paradigma”, em idem, Justiça e litigiosidade:
história e prospectiva, Lisboa, Gulbenkian, 1993, pp. 9 ss.
2
Em http://www.ajs.org/hot23.html, citada por Pedro Coutinho Magalhães, “O sistema judicial em Portugal: ineficácia e
ilegitimidade”, em António Barreto (org.), Justiça em crise? Crises da justiça, Lisboa, Dom Quixote, 2000, p. 411.
2
Em Portugal, são conhecidas as dificuldades. Os profissionais da justiça (juízes,
magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça) não têm mãos a medir para a
enorme quantidade de processos que lhes são confiados. Segundo informação recente3, o
número de processos pendentes nos tribunais portugueses quase duplicou entre os anos de
1995 (645.946) e 2000 (1.187.738), sem que tenha havido concomitante aumento do número
de juízes. Os processos arrastam-se durante anos, o número de prescrições atingiu as 40.000
entre 1993 e 19984. Como teve ocasião de notar o então Procurador-Geral da República, o
volume de processos atrasados apenas em virtude da incapacidade de resposta dos serviços
de secretaria evidencia o paradoxo “de que, em Portugal, a administração da justiça vive entre
a deficiência de resposta em sectores de reduzida expressão técnico-jurídica e a falta de
resposta em áreas de elevada complexidade”5. O cenário descrito leva-nos mesmo a
questionar se não estaremos a caminhar para a negação, na prática, de um direito fundamental
(“direito, liberdade, e garantia”) constitucionalmente consagrado, o do acesso à justiça e à
tutela jurisdicional efectiva (art. 20 da Constituição da República Portuguesa).
Uma das causas profundas do estado actual da justiça prende-se com a evolução da
concepção e do modelo de Estado, ao longo do século XX, que levou a que este – entendido
não já como mero Estado de polícia mas como Estado social de direito – assumisse a
realização de uma quantidade de funções e tarefas superior aos recursos disponíveis,
movimento que foi acompanhado pela juridificação pormenorizada de quase todas as vertentes
da vida social. Ora, esta sobrecarga do Estado repercute-se, naturalmente, sobre cada um dos
diversos sectores da actividade estatal, como a justiça. Nesta área, a dita sobrecarga revelou-
se não apenas de ordem quantitativa, mas também de ordem qualitativa, com o aludido
fenómeno de juridificação a contribuir para uma maior complexidade do tipo de conflitualidade
jurídica colocada perante os tribunais, tudo isso causando um decréscimo de eficiência e
eficácia na realização das tarefas quotidianas da justiça.
Após o breve diagnóstico, importa indagar quais as respostas que Estado e sociedade
de hoje procuram encontrar, por forma a superar ou, pelo menos, atenuar a crise da justiça.
Um ponto de partida para esta reflexão passa pelo reconhecimento de que, embora a
realização do Estado de direito se dirija ao Estado, não constitui campo de monopólio ou
reserva de intervenção estatal. A ordem jurídica estatal complementa a ordem social geral e a
assunção pelo Estado da responsabilidade pela efectivação do direito há-de ser sempre uma
3
Carlos Blanco de Morais, “O debate da justiça”, no jornal Público, de 2.3.2002, p. 5.
4
Deve notar-se que, segundo informação recentíssima, veiculada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, J.
Aragão Seia, no jornal Público, de 3.4.2002, p. 28, tudo indica que o arrastamento dos processos se concentra nos
tribunais de primeira instância, uma vez que os tribunais superiores portugueses são dos mais céleres da Europa.
5
J. N. Cunha Rodrigues, “Um apontamento e algumas sugestões”, em António Barreto (org.), Justiça..., cit., p. 322.
3
co-assunção6. De resto, de certo modo, o recurso à justiça estatal exprime sempre um fracasso
da auto-regulação social. Seria irresponsável (para além de irrealista) preconizar a abolição do
sistema de justiça estatal, mas já fará sentido procurar, por um lado, proporcionar condições
que permitam evitar o surgimento de conflitos a resolver pela via judicial, por outro lado,
colocar, tanto quanto possível, num plano subsidiário a intervenção dos tribunais estaduais (ou,
pelo menos, dos modos mais tradicionais e formais de realização da justiça nestes tribunais),
favorecendo os mecanismos de resolução de conflitos que não traduzam uma actuação
essencialmente unilateral e impositiva dos tribunais estaduais. Há toda a vantagem em
estimular a auto-regulação de um conflito jurídico pelas partes envolvidas, porque tal
envolvimento fará, por um lado, com que estas aceitem melhor a solução encontrada e, por
outro lado, com que haja uma optimização do equilíbrio dos interesses em jogo, logo uma
melhor realização da justiça.
Os julgados de paz
A instituição dos julgados de paz em Portugal pode ser vista como uma resposta
concreta à crise da justiça que vem na senda das ideias acima expostas e pode ser
enquadrada entre o segundo e o terceiro tipo de regulação social que se apontou supra: na
medida em que a solução do conflito seja decidida pelo juiz de paz, aproximar-nos-emos mais
de um tipo de regulação estatal com incorporação de elementos de auto-regulação; se o
conflito trazido ao julgado de paz for resolvido na fase de mediação, limitando-se a intervenção
do juiz a um acto de homologação do acordo das partes, a componente “Estado” será menos
intensa, podendo afirmar-se estarmos perante uma forma de auto-regulação social regulada
pelo Estado8.
Os julgados de paz não são, de modo algum, uma novidade absoluta em Portugal. A
Carta Constitucional de 1826, inspirada pelos arts. 128 e 129 da Constituição brasileira de
1824, institucionalizou-os expressamente pela primeira vez. No curto espaço de que dispomos,
6
Sobre esta ideia e sobre o raciocínio que se lhe segue, cfr. Wolfgang Hoffmann-Riem, “Justizdienstleistungen im
kooperativen Staat”, em Juristenzeitung (9/1999), pp. 421 ss.
7
V. Hoffmann-Riem, “Justizdienstleistungen...”, cit., p. 423.
4
não temos possibilidade de traçar o percurso dos julgados de paz na legislação portuguesa dos
dois últimos séculos9, pelo que “saltaremos” de imediato para 1997. Na revisão constitucional
efectuada nesse ano, foi acrescentada ao (actual) art. 209/2 CRP – que elenca as várias
categorias de tribunais –, por impulso dos partidos comunista e socialista10, a referência aos
julgados de paz, cuja instituição foi, desse modo, tornada possível, ainda que com carácter
facultativo. Esta inserção sistemática evidencia que os julgados de paz, embora dotados de
características próprias que os distinguem dos tribunais judiciais, não deixam de ser
considerados, pela Constituição, como tribunais, logo órgãos de soberania (na acepção do art.
110/1 CRP)11. Em Fevereiro de 2000, o Partido Comunista apresentou um projecto de lei que,
depois de discutido e aprovado na generalidade e da introdução de algumas alterações12, veio
dar origem à Lei 78/2001, de 13 de Julho, que definiu a organização, a competência e o
funcionamento dos julgados de paz.
8
A relação entre as funções do serviço de mediação e do juiz de paz será melhor explanada adiante.
9
Para esse panorama histórico, v. M. Marques dos Santos, “Os julgados de paz”, em Estudos em memória do
Professor Doutor Luis de Sá, Lisboa, Universidade Aberta, 2000.
10
V. intervenção do Deputado Jorge Lacão no Diário da Assembleia da República, Iª série, nº77, 12.6.2000, p. 3030. A
alteração ao (actual) art. 209 tendo em vista a possibilidade de criação dos julgados de paz não suscitou discussão na
reunião plenária da Assembleia da República: cfr. D.A..R., Iª série, nº102, 26.7.1997, pp. 3854 ss.
11
Segundo J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p.
666, embora a Constituição se baseie num modelo clássico de juízes, tribunais e jurisprudência, não há obstáculos
incontornáveis à institucionalização de formas alternativas ou complementares de justa composição dos conflitos por
acordo das partes e ou com o auxílio de um mediador.
12
De entre as quais a mais relevante nos parece ter sido o abandono da ideia do carácter electivo do cargo de juiz de
paz, ideia essa constante do projecto PC e duramente criticada pelo Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo (cfr.
D.A.R., Iª série, nº77, 12.6.2000, pp. 3029 ss.).
13
Os artigos referidos sem indicação do diploma em que se inserem reportam-se à Lei 78/2001, de 13 de Julho.
14
Cfr. Projecto de lei 83/VIII (P.C.), 2º parágrafo do preâmbulo, no D.A..R., IIª série, de 2.2.2000. p. 359.
5
agrupamento de concelhos ou freguesias contíguas para os quais o julgado de paz é
“exclusivamente criado” (art. 4º/2)15. Mas o conceito de proximidade não se reduz à sua
vertente espacial. Traduz também a ideia de um meio “pessoalizado” de justiça, que vai ao
encontro das preocupações dos envolvidos e que, mais do que o rigor técnico-jurídico dos
procedimentos e das decisões (que, todavia, não deve ser pura e simplesmente posto de lado),
procura evitar e eliminar efectivamente os conflitos (o que representa algo mais do que a sua
simples resolução através de uma decisão judicial imperativa) e alcançar a pacificação e a
tranquilização individual e social16. Ora, tal propósito será terá tanto mais possibilidades de ser
atingido quanto maior o grau de “aceitabilidade”, para as partes, da solução encontrada. E essa
aceitabilidade será tanto maior quanto mais intenso for o envolvimento das partes na
construção da decisão, quanto mais estas tiverem a percepção de que a solução a que se
chegou é, antes do mais, uma decisão sua e não, como porventura acontecerá numa decisão
judicial tradicional, uma decisão verticalmente imposta por um terceiro. No fundo, parece-nos
ser possível afirmar que o primeiro objectivo estabelecido no art. 2º/1 (a “participação cívica”) é
instrumental face à prossecução do segundo, o da auto-composição dos litígios pelas partes.
Antecipando já matéria que versaremos adiante, poderemos dizer que a introdução, nos
julgados de paz, de um serviço de mediação se revela fundamental para o alcançar do referido
objectivo.
É também à luz dos objectivos indicados que devem ser entendidos os princípios
gerais de actuação enumerados no art. 2º/217. São eles os princípios de simplicidade,
adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual. Comecemos por analisar
aqueles que também estão claramente presentes no processo civil comum.
15
O D.L. 329/2001, de 20.12.01, deu cumprimento ao disposto nos arts. 3º e 64 da Lei 78/2001, ao proceder à criação
dos julgados de paz de Lisboa, Oliveira do Bairro, Seixal e Vila Nova de Gaia. O art. 3º daquele D.L. limita a respectiva
circunscrição territorial a um certo número de freguesias.
16
Cfr. J.O. Cardona Ferreira, Julgados de paz – organização, competência e funcionamento, Coimbra, Coimbra
Editora, 2001, pp. 6 ss.
17
Segundo Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 19, o art. 2º, constituindo a chave da orientação da conduta de todos
os envolvidos no julgado de paz, apresenta no seu nº1 a “estratégia” do sistema e no seu nº2 a respectiva “táctica”.
18
V. J. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 141.
6
Também o princípio da oralidade está consagrado no processo civil, associado ao
princípio da imediação como instrumento da plena realização do princípio da livre apreciação
da prova, e significa essencialmente que os depoimentos de parte, de testemunhas e os
esclarecimentos dos peritos devem ser feitos oralmente perante quem aprecia a matéria de
facto19. Sem prejuízo de esta vertente da oralidade também dever ser respeitada nos julgados
de paz (cfr. art. 57), estamos em crer que o art. 2º/2 pretende colocar a tónica num outro
aspecto. Da leitura conjugada do princípio da oralidade com os restantes princípios enunciados
(maxime, os da simplicidade e da informalidade) resulta que com a consagração daquele se
visa acentuar a possibilidade de serem expressos oralmente acto e tomadas de posição das
partes que, noutras circunstâncias, tenderiam a ser realizados por escrito. Indiquem-se, neste
sentido, os arts. 43/2, 43/5 e 47. A oralidade ajusta-se também melhor do que a escrita a um
processo dominado pela ideia de proximidade.
O último princípio contido no art. 2º/2 que orienta também explicitamente a tramitação
do processo civil é o da economia processual. Das duas vertentes apontadas pela doutrina20
neste princípio interessa-nos sobretudo aquela que se pode designar por economia de actos e
formalidades, i. é., no processo devem apenas ser praticados os actos e formalidades
indispensáveis, sendo que estas devem ser tanto quanto possível simplificadas, na medida em
que, desse modo, se atinja melhor o fim por elas visado (cfr. art. 138 CPC)21.
Podemos dizer ainda que todos os princípios que descrevemos contribuem para a
realização de um outro que, não estando expressamente elencado no art. 2º, pode ver-se nele
implícito. Referimo-nos ao princípio da celeridade processual. Na verdade, qualquer iniciativa
de reforma do sistema não pode perder de vista que a melhor justiça é não só aquela que
19
V. Lebre de Freitas, Introdução..., cit., pp. 155 ss.
20
V. Lebre de Freitas, Introdução..., cit., p. 163.
21
Cfr., entre outros, os arts. 48 e 59/2.
7
permite a obtenção de resultados materialmente mais equilibrados, mas também aquela que
permite chegar a esses resultados com menor dispêndio de tempo. Ou, se quisermos, por
outras palavras, a celeridade na sua obtenção é um dos elementos “constitutivos” (inerentes)
da ideia de resultado materialmente mais justo. Aliás, é interessante verificar como, por vezes,
há uma certa tensão entre o princípio da celeridade e alguns dos outros princípios
expressamente formulados, tensão essa que, significativamente, é resolvida dando-se
prioridade à celeridade. Por exemplo, no art. 44, restringe-se a faculdade de cumulação de
pedidos (figura que promove a economia processual na vertente de “economia de processos”)
ao momento da propositura da acção.
22
V. p. 4, a propósito da posição dos julgados de paz entre os vários tipos de regulação de conflitos.
8
Através da mediação, pretende-se que as partes em contenda cheguem por si próprias
a uma solução negociada, concertada e amigável (arts. 16/2, 35/1 in fine, 53/1; cfr. também art.
2º/1). Daí a natureza “não contenciosa” (art. 35/1) da mediação, que implica a renúncia, pelas
partes, a uma postura adversarial extrema e o respeito pelos princípios da cooperação e boa fé
na busca de uma solução compromissória. Nessa busca, as partes são auxiliadas por um
terceiro externo ao conflito. Este aspecto é essencial para se compreender a filosofia
subjacente à mediação e às funções do mediador. No seguimento das escolas de mediação
brasileira e argentina, que muito influenciaram o legislador português24, a Lei 78/2001 consagra
um modelo essencialmente não intervencionista, em que, de certo modo, se opta por dar “todo
o poder ao cidadão”. Isto é, o mediador, organizando e dirigindo a mediação (arts. 35/3, 53/2),
procura fazer com que cada uma das partes compreenda bem a posição da contraparte,
acompanha-as ao longo de um processo evolutivo que se pretende seja de aproximação
recíproca, contribui para que se gere confiança mútua entre elas, mas não dita soluções
imperativamente (arts. 35/2, 53/1 e 2). Mais do que isso, nos cursos de formação ministrados
aos mediadores colocados no serviço de mediação dos julgados até agora abertos, foi
sublinhado que mesmo a simples sugestão de uma solução pelo mediador deve ser feita com
especial cautela, para não transmitir à(s) parte(s) a ideia de que o mediador entende que certa
solução é a “melhor” e que, por isso, a(s) parte(s) a “deve(m)” aceitar. Assim, a exigência de
neutralidade do mediador (art. 35/2) é levada ao extremo, entendendo-se que este deve, até
onde lhe for possível, abster-se de opinar, pelo menos explicitamente, sobre a bondade das
soluções, de forma a que sejam as partes, por elas mesmas, a pôr termo ao conflito que as
divide. As partes devem assumir a responsabilidade das suas decisões e controlar o resultado,
pelo que o mediador se deve abster de manifestar o seu próprio juízo, tendo, pois, presente
que a mediação se baseia num princípio que se pode designar por “auto-determinação”25. Esta
característica de neutralidade funciona como um "catalisador" que reaproxima as partes para
que estas encontrem, através da negociação pelos seus próprios esforços, um acordo que
atenda os seus interesses26, podendo suceder que o resultado encontrado seja considerado
bom pelas partes e não pelo mediador. Contudo, aqui há que introduzir um limite importante:
em certos casos extremos, quando entenda que a solução encontrada é manifestamente
injusta, desequilibrada, o mediador tem o poder-dever de “vetar” o acordo das partes, obstando
à sua homologação pelo juiz (art.56/1)27.
23
Cfr., para o processo civil, Lebre de Freitas, Introdução..., cit., p. 35.
24
Recolhemos esta informação junto do Dr. Vasco Clímaco (mediador no recém-instalado julgado de paz de Telheiras),
cuja disponibilidade e amabilidade não queremos deixar de salientar e agradecer.
25
Cfr. Marialma Gabriela Berrino, Autodeterminacion de las partes y funcion del mediador, em
http://www.jornadas.civil.org/ponencias/c10p08.html.
26
Cfr. E. Zimmermann, O que é um processo de mediação?, em http://www.scritoriovirtual.com.br.
27
Este poder-dever do mediador não consta da Lei 78/2001, mas integra um dos deveres deontológicos constantes do
futuro “Código deontológico dos mediadores”, que ainda não é público por se encontrar em fase final de elaboração.
9
Para rematar este aspecto da caracterização da mediação no contexto dos julgados de
paz, fazemos nossas as palavras do Dr. Vasco Clímaco, que nos parecem particularmente
felizes neste contexto, para dizer que, no julgado de paz e, em particular, na mediação, ao
contrário do que sucede num tribunal “tradicional”, não está tanto em causa a análise e o
julgamento de um evento que teve lugar no passado e que é apreciado enquanto tal, mas
antes a identificação das questões que preocupam as partes no presente e o modo como essa
questão se pode projectar no futuro relacionamento entre as partes.
A mediação tem, ainda, nas palavras da lei (art. 35/1), carácter privado, informal,
confidencial e voluntário. Quanto à informalidade, julgamos ser dispensável acrescentar algo
mais ao que já foi dito (a propósito da caracterização da mediação que acabamos de fazer e
quando tratámos dos princípios gerais que regem todos os procedimentos nos julgados de
paz). O carácter privado da mediação significa que o processo concreto no qual ela se insere
só respeita às partes. Para que esta ideia seja efectiva, o mediador deve abster-se de emitir
opiniões sobre os comportamentos passados das partes e todos os envolvidos devem
assegurar que nenhuma informação revelada ao longo da mediação seja transmitida para o
exterior, o que se relaciona estreitamente com os deveres de confidencialidade impostos a
todos os envolvidos. A importância desta característica é realçada pelo facto de o próprio juiz
apenas ter conhecimento do resultado final da mediação (os termos do acordo ou a falta dele)
e não já das várias declarações que sejam proferidas nas sessões de mediação. A ideia de
“privacidade” do processo de mediação contribui também para explicar e reforçar o aspecto
acima realçado do “primado das partes” no achamento da solução para o litígio, a sua primazia
face ao próprio mediador na construção do acordo.
10
indirectamente se relacionasse com o objecto da mediação. Contudo, e embora não nos
pareça inteiramente feliz a formulação do art. 52/4 (justamente por poder dar azo a
interpretações equívocas...), estamos em crer que a proibição contida no preceito citado visa
impedir que, em qualquer causa em que as partes surjam como opositores recíprocos, seja
revelada informação que frustre a confiança depositada pelas partes num processo que,
justificadamente, pensaram ser confidencial. Consequentemente, decisivo não é sequer o facto
de o mediador ser chamado a depor, mas sim que ele não possa, através do seu depoimento,
violar os deveres de confidencialidade e de sigilo a que está obrigado enquanto mediador de
um certo caso concreto. Por conseguinte, essa violação tanto se poderia verificar num caso à
partida totalmente estranho ao objecto da mediação, como no próprio julgamento, no mesmo
julgado de paz, de um caso cujo processo de mediação houvesse fracassado. Daí que as
partes não possam vir invocar perante o juiz de paz do mesmo caso quaisquer declarações
proferidas pelo mediador (ou pela contraparte) na mediação (fracassada) que antecedeu o
julgamento. Por seu turno, o mediador está também vinculado ao dever de confidencialidade
no que concerne a tudo quanto lhe for dito pelas partes nas reuniões separadas que
eventualmente tenham lugar (art. 53/3).
Falta explicitar o carácter voluntário da mediação. Com este adjectivo pretende dizer-se
que as partes não podem, de forma alguma, ser obrigadas a passar pela fase de mediação, o
que, aliás, corresponde à única solução consentânea com o espírito da mediação, acima
descrito. Assim, qualquer uma delas, pode, sem necessidade de o justificar, afastar
liminarmente a possibilidade de mediação (art. 49/1, in fine), passando-se, pois, de imediato à
fase “judicial”. Se não existir esta oposição de princípio, as partes podem, ainda assim, decidir,
após a fase de pré-mediação (melhor explicada infra), que preferem passar à audiência de
julgamento sem prévia fase de mediação (art. 50/3). E, mesmo que se decidam pela mediação,
qualquer uma delas pode, sem que daí lhe advenham quaisquer consequências negativas para
a sua posição no caso, desistir da mediação, em qualquer altura (art. 55/1e3). Julgamos
constituir um corolário do carácter absolutamente voluntário da mediação (associado à
característica da privacidade) a faculdade, conferida às partes, de escolha do mediador,
consagrada no art. 51/2. Para que esta faculdade possa ser exercida, em cada julgado de paz
28
Neste sentido, Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 71.
11
é afixada uma lista da qual constam os nomes das pessoas susceptíveis de serem escolhidas
pelas partes como mediador (art. 33).
Aqui chegados, julgamos ser importante procurar distinguir da mediação outras formas
de “resolução alternativa29 de litígios”, como a arbitragem e a conciliação.
29
“Alternativa” em relação aos processos que culminam numa decisão de um juiz munido do imperium estatal.
30
Cfr. Luis Díez-Picazo/Antonio Gullón, Sistema de Derecho Civil, II, 7.ª ed., Madrid, Tecnos, 1975, p. 501.
31
V. Sergio La China, L’arbitrato – il sistema e l’esperienza, Milão, Giuffré, 1999, p. 3.
12
seguinte alternativa: ou abrem o envelope, caso em que a decisão do árbitro será vinculativa,
ou preferem tentar a mediação. Se optarem por este segundo termo da alternativa, o árbitro
“transfigura-se” em mediador e, na hipótese de se chegar a um acordo, a decisão do árbitro
não chega a ser conhecida pelas partes. Fracassando a mediação, recorre-se à decisão
contida no envelope, que terá carácter vinculativo32. Embora reconhecendo tratar-se de um
método interessante, não podemos deixar de nos perguntar até que ponto alguém que,
enquanto árbitro, já analisou o litígio e o resolveu num determinado sentido poderá, após uma
súbita “conversão” em mediador, desempenhar, com neutralidade e imparcialidade, as suas
novas funções.
32
V., sobre os dois métodos combinados descritos, Susana Figueiredo Bandeira, “A mediação como meio privilegiado
de resolução de litígios”, em AA.VV., Julgados de paz e mediação – um novo conceito de justiça, Lisboa, AAFDL, 2002,
pp. 114 ss.
33
Cfr. Arbitragem de conflitos de consumo, Lisboa, 1997, p. 13.
34
Resolução do Parlamento Europeu, de 14.11.96, no JO C362, de 2.12.96, p. 275.
35
“Parecer do Comité das Regiões sobre a Comunicação da Comissão sobre a resolução extrajudicial de conflitos de
consumo e a recomendação da Comissão relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela
resolução extrajudicial de litígios de consumo”, no JO C198, de 14.7.99, p. 56, nº22. Cfr., ainda, Recomendação
98/257/CE da Comissão; Resolução do Conselho de 25.5.2000.
13
Decreto-Lei, a possibilidade de formulação de uma proposta de solução pelo conciliador,
embora mais fraca, não deixa de existir36. Ainda assim, e concluindo, a doutrina portuguesa
mais recente que se pronunciou directamente sobre esta matéria vai claramente no sentido,
contrário ao exposto por último, de considerar a conciliação como um meio de resolução de
conflitos em que um terceiro desenvolve esforços e formula sugestões e propostas tendo em
vista atingir um consenso entre as partes. Para esta perspectiva, a nota distintiva da
conciliação face à mediação assenta, precisamente, no facto de o conciliador ter um papel
mais activo e participativo que o mediador, na medida em que lhe compete apontar vias e
recomendar, a final, uma solução para o conflito, que, todavia, precisará sempre da anuência
das partes para se tornar num acordo conciliatório37.
No que respeita à imparcialidade, constitui ela uma exigência idêntica à que é feita em
relação aos juízes (em geral), visando, pois, assegurar que o mediador não esteja, de forma
alguma, comprometido com o interesse de qualquer das partes. Para garantir a realização
efectiva deste princípio, a lei, no art. 21, sujeitou os mediadores (e os juízes de paz) ao mesmo
regime de impedimentos e suspeições estabelecido no CPC para os juízes dos tribunais
comuns40 e proibiu ainda os mediadores de exercerem a advocacia no julgado de paz onde
prestam serviço (art. 30/3).
No que concerne à confidencialidade, já se disse o essencial, faltando apenas
mencionar mais claramente o art. 22, que estabelece o dever de sigilo dos mediadores (e dos
juízes de paz). Este traduz-se na obrigação (negativa) de não proferir declarações ou realizar
36
Este Decreto-Lei dedica o seu capítulo VIII aos “conflitos colectivos de trabalho”, destacando como formas (entre
outras) de solução dos ditos conflitos a “conciliação” (arts. 30 ss.) e a “mediação” (art. 33). Enquanto, na “mediação”, a
formulação de uma proposta pelo mediador é obrigatória e constitui o centro em torno do qual gira este modo de
resolução do diferendo, na “conciliação”, a realização de uma proposta pelos “serviços de conciliação” é meramente
eventual, não deixando, todavia, de poder ser feita.
37
É a posição defendida por Susana F. Bandeira, “A mediação...”, cit., p. 108.
38
Para este estatuto de independência, contribuirá também o facto de os mediadores serem contratados em regime de
prestação de serviços e não de contrato de trabalho, ainda que esta não seja a razão principal para a opção do
legislador por este tipo de contrato (art. 34).
39
É de realçar que a exclusividade não constitui requisito ou condição do exercício da actividade de mediador. Ou seja,
ressalvada a restrição do art. 30/3, os mediadores podem exercer, simultaneamente, outra actividade profissional. V.
Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 48.
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comentários sobre os processos que lhes são distribuídos. Relacionando o dever de sigilo com
o dever de confidencialidade, poderemos dizer que este é mais amplo, constituindo aquele uma
sua vertente específica. Enquanto o dever de confidencialidade é susceptível de abranger,
temporalmente, quer o período durante o qual a mediação se prolonga, quer o período
subsequente ao termo da mediação, o dever de sigilo reporta-se, mais restritamente, àquele
primeiro período. O art. 22/2 exclui do âmbito do dever de sigilo as informações que visem a
realização de direitos ou interesses legítimos (dá como exemplo o acesso à informação) e que
não devam considerar-se cobertas pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional. Esta
última referência causa alguma perplexidade, uma vez que, sendo o mediador um “profissional”
(art. 30/1) e constituindo o dever de sigilo um dever da sua profissão, parece estar a retirar-se
todo o sentido útil à excepção. De facto, nesta parte, é como se o art. 22/2 dissesse algo
parecido com “não são abrangidas pelo dever de sigilo as informações que não constituam
matéria coberta pelo dever de sigilo”! Em qualquer caso, a excepção consagrada no art. 22/2
há-de ser sempre interpretada cautelosamente, designadamente de modo a não pôr em causa
o direito das partes à confidencialidade, que, como se disse, consubstancia um correlativo
dever de confidencialidade mais amplo do que o dever de sigilo.
40
Ver arts. 122-124 (impedimentos) e 126-131 (suspeições) CPC. Sobre as características da independência e da
imparcialidade, cfr. Lebre de Freitas, Introdução..., cit., pp. 63 ss.
41
A actividade de mediador não é, pois, reduto exclusivo dos juristas! A utilização, pela lei, de um conceito vago e
indeterminado nesta matéria não deixará certamente de colocar dificuldades no momento da sua concretização,
constituindo mesmo, em nossa opinião, potencial fonte de litígios futuros. Por exemplo, numa primeira apreciação, dir-
se-ia ser mais “adequada” à realização das funções de mediador uma licenciatura em gestão de recursos humanos ou
em psicologia do que uma licenciatura em engenharia de minas. Contudo, bem vistas as coisas, não interessará mais o
perfil pessoal de cada candidato, a sua experiência profissional passada, a sua capacidade de lidar com as pessoas,
do que a exibição de uma licenciatura supostamente “adequada” às funções de mediador? Parece-nos mesmo que
seria, de todo, dispensável a exigência de uma licenciatura como forma de assegurar o bom desempenho das funções
em questão. Muito mais importante é a existência de formação específica. Mas, uma vez que se entendeu estabelecer
aquele requisito, teria sido preferível delimitar rigidamente as licenciaturas consideradas adequadas, ou, pelo contrário,
exigir o grau de licenciatura sem acrescentar qualquer qualificativo.
42
Não é necessário ter a nacionalidade portuguesa para se ser mediador. Segundo Cardona Ferreira, Julgados..., cit.,
p. 49, a exigência do domínio da língua portuguesa foi também pensada como “medida apelativa dos cidadãos dos
Estados da CPLP.
15
(arts. 31 e) e 33/5). Esta última opção do legislador (referente à mera pronúncia) pode suscitar
dúvidas quanto à sua constitucionalidade43.
43
Pode levantar-se a questão de saber se a impossibilidade de exercer as funções de mediador e a exclusão da lista
dos mediadores em virtude de um simples despacho de pronúncia, ou seja, em momento anterior ao trânsito em
julgado da sentença, não chocará com o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 29/5 CRP. Em
contrário, pode argumentar-se com a importância fundamental do factor “confiança” no processo de mediação e da
credibilidade e idoneidade pessoais do mediador justificaria uma excepção a este principio, que, então, cederia perante
a máxima segundo a qual “à mulher de César não basta ser...”. Acresce que o princípio da presunção de inocência,
enquanto estatuto jurídico-político do arguido, não deve ser entendido de forma estática; a sua densidade e a sua
intensidade variam ao longo do processo penal. O despacho de pronúncia, embora não constitua caso julgado,
consubstancia já uma decisão judicial que confirma a existência de indícios suficientes da culpabilidade (lato sensu) do
arguido, donde decorre uma certa compressão da presunção de inocência do arguido, que era plena no início do
processo (cfr. arts 283/1e2, 286/1 e 308/1 do Código de Processo Penal [CPP]). Por isso, parece-nos que, afinal, a
disposição é compatível com a Constituição. Resta saber se não serão concebíveis situações cronologicamente
anteriores ao despacho de pronúncia em que a questão da (perda de) credibilidade do mediador se porá de forma
ainda mais aguda. Pense-se, p. ex., na decretação de certas medidas de coacção, que exigem a formulação de um
juízo de “fortes indícios” da prática do crime (cfr. arts 200 ss. CPP).
44
V. Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 51.
45
Segundo Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 44, a omissão legal não quererá significar que não seja possível a
renomeação. Pode apontar-se a possibilidade de renovação dos contratos dos mediadores
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prestação da sua actividade em si (cfr., também, arts. 33/4 e 40), o que, aliás, se revela
consentâneo com a configuração do contrato de prestação de serviços, em que o prestador se
compromete a apresentar um resultado, mais do que a realizar uma actividade. A escolha dos
mediadores faz-se mediante concurso curricular, cujo regulamento é aprovado por portaria do
Ministério da Justiça46 (art.32; cfr. art 24, para os juízes).
Terminamos este nosso olhar sobre a mediação no âmbito dos julgados de paz, com a
descrição do caminho percorrido pelas partes desde o momento em que a controvérsia é
trazida ao julgado até à homologação do acordo (eventualmente conseguido) entre as partes.
Uma vez apresentado pelo demandante o requerimento inicial (pedido47), e desde que
nenhuma das partes tenha usado da faculdade de rejeitar à partida a mediação, tem lugar a
designada fase de “pré-mediação” (art. 49/1). Neste ponto, há que dar nota da situação
prevista no art. 16/3, que, quando esteja em causa, implica um ajustamento na marcha normal
do processo. De facto, aí se refere a possibilidade de o serviço de mediação actuar em casos
situados fora da competência do julgado de paz, desde que não estejam em causa direitos
indisponíveis (cfr. art. 299 CPC)48. Se as partes manifestarem a vontade de recorrer à
mediação, impõe-se introduzir uma ressalva no art. 7º, de modo a que o processo não seja
remetido para o tribunal competente, antes prossiga para os serviços de mediação.
A pré-mediação serve dois objectivos (art. 50). Em primeiro lugar, permite explicar às
partes o conteúdo e o propósito da mediação. Em segundo lugar, constitui momento oportuno
para avaliar a predisposição das partes para a obtenção de um acordo. Os princípios da
informalidade e da absoluta economia processual justificam que a pré-mediação e a própria
mediação, se for caso disso, possam ter início imediatamente após a formulação do
requerimento inicial (art. 49/2). A mesma ideia explica que, uma vez afirmada positivamente a
vontade das partes acerca da mediação, seja de imediato marcada a primeira sessão, que
pode mesmo realizar-se logo (arts. 50/2 e 51/1). Se as partes rejeitarem a mediação, o
processo é remetido para o juiz de paz (art. 50/3). A pré-mediação envolve um “desgaste”
46
V. a Portaria 1005/2001, de 18 de Agosto.
47
A Lei 78/2001 utiliza como sinónimos a expressão “requerimento inicial” e a palavra “pedido” (cfr. arts. 43, 44, 45).
48
Cardona Ferreira, Julgados..., cit., p. 36, sustenta, com boas razões, uma interpretação restritiva do preceito segundo
a qual nunca poderia ser ultrapassada a competência em razão do objecto (art. 6º), nem em razão do território (art.10º).
Restam, portanto, para o âmbito de aplicação do art. 16/3 a competência em razão da matéria e a competência em
razão do valor. Cardona Ferreira defende ainda que um acordo alcançado na sequência de um processo de mediação
iniciado ao abrigo do art. 16/3 não pode ser homologado, por se estar fora da competência do julgado de paz. Uma tal
interpretação, embora lógica (se o juiz de paz não é competente para julgar o caso, também não pode homologar o
acordo, conferindo-lhe valor de sentença), retira grande parte do efeito útil ao art. 16/3. Um acordo não homologado
não tem a força de uma sentença judicial e não vale como título executivo (excepto nos casos em que preencha os
requisitos do art. 46 c) do CPC). Na sentença homologatória, o juiz limita-se a verificar a capacidade e a legitmidade
das partes e a disponibilidade do objecto. Mais, com a homologação, o juiz profere uma sentença em conformidade
com a vontade das partes, não por aplicação do direito objectivo aos factos provados (Lebre de Freitas, Introdução...,
cit., p. 35). Assim, dada esta natureza “fraca” da sentença homologatória, tenderíamos a interpretar o art. 16/3 no
sentido de este conferir competência ao juiz de paz para a prática de um só acto – a homologação –, procurando,
dessa maneira, conferir a maior utilidade possível ao preceito. No entanto, o art. 8º d) do Decreto-Lei 329/2001, de 20
de Dezembro (que criou os quatro julgados de paz actualmente em funcionamento) vem expressamente aderir à
posição assumida pelo Juiz Conselheiro Cardona Ferreira, não deixando espaço para outra interpretação.
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bastante acentuado dos mediadores na sua relação com as partes, na medida em que é nesse
momento que têm lugar os primeiros contactos formais, as partes são instruídas acerca das
regras da mediação, o que se pode vir a revelar uma etapa algo fastidioso ou até “enervante”
para as partes. Daí que o mediador que realiza esta fase de pré-mediação nunca seja o
mesmo que, subsequentemente, dirige a fase de mediação propriamente dita (art. 50/4). Já se
disse que cabe às partes escolher, por acordo, o mediador; na falta de acordo, este é
designado pela secretaria (art. 51/2).
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apenas sobre a parte respeitante à fase de julgamento, também não é a mais feliz. A opção
mais acertada passaria, a nosso ver, por agregar os artigos 57 a 62 numa secção autónoma
(denominada, por exemplo, “Do julgamento”) e por situar o art. 63 no domínio das “Disposições
finais e transitórias”, a menos que se pretenda que a remissão subsidiária para o CPC apenas
respeite à fase de julgamento, caso em que deveria ser tornada mais clara a letra do artigo (por
exemplo, dizendo-se “no que não seja incompatível com o disposto na presente secção”).
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