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ABSTRACT: This article addresses the objective liability in the Consumer Protection
Code - Law no. 8,078/90. Firstly, however, a brief historical trajectory of the theory
of guilt in civil law of the civil law system is presented, and a critic to the simplistic
view that the damages to consumers result from either services and products
liability or defect (arts. 12 to 25 of Law No. 8,078/90) is made. It is argued that the
Consumer Protection Code, when established the basic consumer right "to effectively
prevent and remedy property and moral damage" in its article 6o, VI, instituted a
general clause of objective liability for consumer relations. Finally, an analysis of the
controversial aspects concerning the meaning of objective liability in the discipline
by services and products liability or defect is made.
1 Introdução
O presente artigo aborda a responsabilidade objetiva no Código de Defesa do
Consumidor. Antes, apresenta uma breve trajetória histórica da teoria da culpa no
direito civil do sistema civil law. Destacam-se as críticas à responsabilidade subjetiva
que ensejeram a mudança de paradigma para teoria do risco, com natural e esperada
influência na legislação editada no Brasil ao final do século XX e início do século XXI.
O surgimento do Código de Defesa do Consumidor, no início da década de 1990, ocorre
em um ambiente de forte censura à teoria da culpa como referência padrão da cláusula geral
de responsabilidade civil nas relacões privadas. A Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990,
absorve as críticas e estabelece a responsabilidade objetiva como regra para os danos materiais
e morais decorrentes de atividades desenvolvidas no mercado de consumo (BRASIL, 1990).
A par das referências históricas, que indicam que a teoria da culpa, ao
contrário do que sustentam alguns autores, nunca encontrou consenso absoluto, o
artigo ressalta como a responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco, se
apresenta no Código de Defesa do Consumidor.
Assim, elabora-se uma crítica à visão simplificadora que entende que os danos
aos consumidores decorrem ou de fato ou de vício do produto ou do serviço, conforme
previsto nos arts. 12 a 25 da Lei no 8.078/90. Há inúmeras e variadas situacões fáticas no
mercado de consumo que exigem outra abordagem. Sustenta-se que o Código de Defesa
do Consumidor – CDC, ao estabelecer em seu art. 6o, VI, o direito básico do consumdor “a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais” (BRASIL, 1990), instituiu
cláusula geral de responsabilidade objetiva para as relações de consumo.
Nesse contexto, questiona-se a tendência a simplificar o regime da responsabilidade
civil no CDC, classificando-a em dois grandes grupos: 1) responsabilidade pelo vício
do produto e do serviço (arts. 18 a 25); e 2) responsabilidade pelo fato do produto e
do serviço (arts. 12 a 17). Algumas situações de danos no mercado de consumo não se
encaixam nessa divisão, mas estão sob o manto da cláusula geral de responsabilidade
civil decorrente do art. 6o, V. O exemplo mais emblemático refere-se aos danos
decorrentes ao tratamento indevido dos dados do consumidor (art. 43).
Ao lado da importância de demonstrar a existência de cláusula geral da
responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, o artigo aborda
questões específicas relacionadas a fato do produto e do serviço e a importância
de eventual culpa do forncedor na responsabilidade pelo vício do produto no
caso de comercialização de produtos perecíveis.
1 De fato, sob a influência do Código Civil napoleônico de 1804 (arts. 1.382 e 1.383) e da doutrina
francesa, a responsabilidade subjetiva, baseada na teoria da culpa, foi a regra nos países que adotam
o sistema do civil law. Assim, para surgir o dever de indenizar, com base na responsabilidade subjetiva
extracontratual, exigem-se, em regra, quatro requisitos: 1) ação ou omissão; 2) dano; 3) relação de
causalidade entre ação ou omissão e o dano; e 4) culpa.
Alguns autores negam que a noção da culpa estivesse inserida na Lex Aquilia.
Argumentam, inclusive, que o princípio in lege aquilia et levissim culpa venit decorreu
de mera interpolação. Para Aguiar Dias, “a noção de culpa sempre foi precária no
direito romano, onde jamais chegou a ser estabelecida como princípio geral ou
fundamento da responsabilidade [...]” (1997, p. 44).
De qualquer modo, foi na Lex Aquilia que se esboçou um princípio geral da
reparação do dano, constituindo-se, ainda que se considere ausente o elemento
culpa, em fonte direta da concepção de responsabilidade civil extracontratual,
nomeada também de responsabilidade aquiliana.
Domat e Pothier debruçaram-se sobre a noção de responsabilidade civil do
direito romano para construir “a teoria inspiradora do Código Civil francês e de todas
as legislações modernas”. Foi no Código Civil Napoleônico, de 1804 (arts. 1382 e
1383), que o mundo ocidental foi buscar os pressupostos da responsabilidade civil
baseada na teoria da culpa (DIAS, 1997, p. 44). Alvino Lima também refere-se à
divergência quanto ao elemento culpa na Lei Aquília para depois concluir:
2 Diversas teorias foram desenvolvidas para embasar a chamada responsabilidade civil objetiva. Merecem
referências a teoria do risco proveito – que considera que aquele que tem os benefícios de determinada
atividade deve arcar com os respectivos ônus (ubi emolumentum, ibi onus) – e a teoria do risco criado
– que considera que toda atividade humana gera riscos de prejuízos para os outros, devendo responder
pelos danos a pessoa que criou o risco. Na verdade, as teorias servem especialmente como fundamento
moral da norma jurídica. É incorreto, portanto, buscar as soluções de uma situação em concreto com
base nos postulados de determinada teoria, pois muitas vezes o direito opta por não seguir estritamente
os modelos teóricos previamente formulados pela doutrina ou por ordenamentos jurídicos alienígenas.
Ora, para se chegar a tal conclusão, deve-se pressupor que o vínculo contratual
estabelecido entre a empresa (fonte da informação) e a entidade de proteção ao crédito
configura uma relação de consumo, o que é incorreto, já que o empresário que utiliza os
serviços de proteção ao crédito não deve ser caracterizado como consumidor. Primeiro,
porque a contratação de serviços das entidades de proteção ao crédito insere-se na
própria atividade empresarial. Segundo, mesmo considerando a corrente denominada
finalismo aprofundado,3 não se constata a vulnerabilidade da empresa consulente
3 O finalismo aprofundado sustenta que a pessoa jurídica, para ser considerada consumidora, deve
demonstrar sua vulnerabilidade no caso concreto. Sobre o tema, vide MARQUES, 2017, p. 97-108.
5 A inversão do ônus da prova em favor do consumidor é possível quando houver dificuldade processual
de demonstrar determinado fato. Os pressupostos estão estipulados no art. 6o, VIII, do CDC. Além da
dificuldade de produzir a prova, a alegação do consumidor deve ser verossímil.
6 Parte da doutrina diferencia vício dos produtos e serviços do defeito dos produtos e serviços. O defeito
estaria relacionado ao fato do produto ou do serviço (acidente de consumo), enquanto os vícios com a
impropriedade, inadequação às finalidades, enfim, à disciplina constante no art. 18 e seguintes. Todavia,
nosso ordenamento jurídico não faz distinção rigorosa em relação aos termos vício e defeito, utilizando
um pelo outro como, a exemplo do que ocorre no art. 26, § 3o do CDC.
vício, não teria efeito qualquer disposição contratual que objetivasse excluir a
responsabilidade do alienante.
Tanto no CC como, com muito mais razão, no CDC, não se perquire se o vício
decorre de conduta culposa ou dolosa do vendedor ou de qualquer outro integrante da
cadeia de produção e circulação do bem. Constatado o vício, surge a responsabilidade.
A questão parece tão óbvia que a doutrina, de um modo geral, nao se alonga em tal
discussão. Sérgio Cavalieri Filho está entre os poucos que abordam o tema: “Ademais,
se nem o Código Civil exige culpa tratando-se de vício redibitório, seria um retrocesso
exigi-la pelos vícios do produto e do serviço disciplinados no Código do Consumidor,
cujo sistema adotado é da responsabilidade objetiva” (2003, p. 495). Cláudia Lima
Marques, na mesma linha, sustenta que a desnecessidade de discussão sobre a culpa
na responsabilidade pelo vício do produto (2014, p. 1288-1291).
O conhecimento do vício, no direito privado, tem como consequência a
condenação adicional em perdas e danos. No direito do consumidor, o conhecimento
do vício é absolutamente irrelevante para fins de eventual indenização do
consumidor em face de vício do produto. O art. 23 é expresso neste sentido: “Art.
23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos
produtos e serviços não o exime de responsabilidade” (BRASIL, 1990). Sobre o tema,
registre-se a seguinte decisão:
6 Conclusão
A seguir, são elencadas as principais conclusões do presente artigo.
Entende-se que o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado em contexto
jurídico de forte censura à teoria da culpa. Assim, a Lei no 8.078/90 absorveu as
críticas e estabeleceu a responsabilidade objetiva como regra para os danos materiais
e morais decorrentes de atividades desenvolvidas no mercado de consumo.
Ao estabelecer, em seu art. 6o, VI, o direito básico do consumdor a efetiva prevenção
e reparação de danos patrimoniais e morais, o diploma legal instituiu cláusula geral
de responsabilidade objetiva para as relações de consumo.
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