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RBGN REVISTA BRASILEIRA DE GESTÃO DE NEGÓCIOS

Review of Business Management


ISSN 1806-4892
e-ISSN 1983-0807

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Cultura organizacional e marketing Recebimento:

de relacionamento: uma perspectiva 25/01/2017


Aprovação:

interorganizacional 19/06/2017

Editor responsável:
Prof. Dr. Ignacio Canales
Fabiano Larentis1
1Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação
em Administração, Caxias do Sul, Brasil Avaliado pelo sistema:
Double Blind Review
Claudia Simone Antonello2
Luiz Antonio Slongo2
2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de
Pós-Graduação em Administração, Porto Alegre, Brasil

Resumo
Objetivo – Este estudo analisa a contribuição dos relacionamentos
interorganizacionais entre fornecedores e clientes às mudanças culturais
organizacionais.
Metodologia – Realizou-se um estudo qualitativo de casos múltiplos
em dois canais de marketing, por meio de entrevistas em profundidade,
observação e análise de dados com base na grounded theory.
Resultados – Identificou-se a importância da confiança, do
comprometimento, da cooperação e dos processos de aprendizagem
nas mudanças culturais organizacionais e na redução dos conflitos de
papel dos boundary spanners, assim como o papel da rotatividade de
pessoal em enfraquecer essas dimensões e respectivas relações.
Contribuições – Evidenciou-se o desenvolvimento de uma cultura
interorganizacional, como um sistema de símbolos e significados
compartilhados por grupos ou indivíduos de diferentes organizações,
em uma base transitória, com o predomínio da perspectiva cultural da
fragmentação. É uma cultura originada dos relacionamentos através da
intersecção de culturas, ou seja, uma cultura das fronteiras.
Palavras-chave – Cultura organizacional; marketing de relacionamento;
perspectivas culturais; relacionamentos interorganizacionais; cultura
interorganizacional.

Revista Brasileira de Gestão


e Negócios

DOI: 10.7819/rbgn.v20i1.3688

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Rev. Bras. Gest. Neg. São Paulo v.20 n.1 jan-mar. 2018 p.37-56
Fabiano Larentis / Claudia Simone Antonello / Luiz Antonio Slongo

1 Introdução organização (Van Maanen & Barley, 1985).


Assim, as culturas organizacionais envolvidas
Devido à sua natureza colaborativa, o podem, por meio de sistemas específicos de
marketing de relacionamento entre empresas significados e símbolos, ser alteradas por causa
lhes permite alcançar vantagens competitivas de relacionamentos interorganizacionais,
sustentáveis e maior desempenho empresarial, por devido a estratégias e processos de marketing de
meio de parcerias e conhecimentos complementares relacionamento.
(Gummesson, 2008, Hunt, Arnett & Madhavaram, Ne s s e c o n t e x t o , c o m p r e e n d e r a
2006). Com base na importância e nas práticas cultura organizacional é compreender a vida
de marketing de relacionamento, no entanto, é organizacional em toda sua riqueza e variação
importante considerar os processos de negócios (Alvesson, 2013). A cultura organizacional
associados a ele. pode ser específica para determinados grupos e
Os relacionamentos são complexos e contextos, não apenas um conjunto consistente
multifacetados porque exigem não apenas a de símbolos e significados compartilhados por
seleção de recursos e parceiros, mas também todos os membros organizacionais (Martin, Frost
a formação de confiança e comprometimento & O’Neil, 2006).
por interações frequentes e qualificadas, bem Este estudo, portanto, pretende
como o nível de cooperação e a existência ou analisar a contribuição dos relacionamentos
surgimento de valores compatíveis (Hunt, Arnett interorganizacionais às mudanças culturais
& Madhavaram, 2006; Morgan & Hunt, 1994; organizacionais, por meio de um estudo de caso
Palmatier, Dant, Grewal & Evans, 2006). Em múltiplo em duas empresas brasileiras. Mais
relação a isso, o que acontece entre indivíduos, especificamente, pretende-se compreender como
de diferentes organizações, envolvidos nessas aspectos da relação interferem no sistema de
relações? Qual é o papel da cultura organizacional? símbolos e significados e identificar a existência
Essas questões são feitas porque as práticas de uma cultura interorganizacional, decorrente
de marketing de relacionamento provêm da das interações.
área organizacional de marketing, uma área Este estudo justifica-se, em primeiro lugar,
de fronteira em empresas, onde indivíduos de porque conecta duas áreas tradicionalmente
diferentes organizações interagem uns com os pesquisadas separadamente. O papel da cultura
outros: os chamados boundary spanners [elo entre organizacional no marketing de relacionamento
a organização e o meio exterior]. A fronteira é significativamente pouco pesquisado, apesar
do consenso sobre a importância deste tema
[boundary] é uma linha ou região que divide
(Iglesias, Sauquet & Montaña, 2011). Em
e estabelece limites (Halley, 2001). A cultura
segundo lugar, considera o desenvolvimento de
organizacional, por outro lado, é um sistema de
relacionamentos interorganizacionais por meio
significados e símbolos comuns, compartilhado
de lentes culturais, tendo em vista as práticas do
no contexto organizacional (Alvesson, 2013).
marketing de relacionamento, o que significa
Os significados levam à interpretação do objeto/
a formação e a presença principalmente de
fala e os símbolos, à expressão desses significados.
confiança e comprometimento (Gummesson,
A frequência e a qualidade dessas interações,
2017), contribuindo com os acadêmicos, bem
juntamente com o surgimento principalmente
como com os gestores. Os estudos atuais sobre
de confiança, comprometimento e cooperação,
a interface de cultura organizacional, em um
podem fazer com que indivíduos de diferentes
contexto interorganizacional, normalmente
organizações comecem a se entender de maneiras
se concentram mais nas diferenças de cultura
diferentes, podendo assim compartilhar símbolos organizacional do que em compatibilidades
e significados e a cultura organizacional (Alvesson, culturais organizacionais (Lu, Plewa & Ho,
2013). Além disso, a cultura organizacional de 2016). Além disso, a pesquisa deve considerar
uma perspectiva interorganizacional é notável: como a cultura da empresa é desenvolvida a partir
os grupos não se limitam ao domínio de uma da promulgação de atividades de marketing ao

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longo do tempo e como estruturas e culturas linguagem, na história, nos mitos, nos rituais,
divergentes estão alinhadas (Moorman & nas cerimônias e nos artefatos (Alvesson &
Day, 2016). Em terceiro lugar, pesquisa-se um Sveningsson, 2008). Os símbolos são fontes
contexto de mercado emergente. De acordo externas de informação e são usados como
com Narasimhan, Srinivasan e Sudhir (2015), a representação dos processos sociais e psicológicos.
pesquisa em mercados emergentes é cada vez mais Ritos, rituais e cerimônias são atos que moldam
crítica para acadêmicos e gestores, fornecendo expressões e dão valor aos símbolos. O mito, como
orientação gerencial e ampliando o conhecimento uma narrativa dramática de eventos imaginados,
substantivo e teórico de mercados e marketing. geralmente explica origens ou mudanças, combina
as formas culturais e consolida-as em um evento
2 Contexto teórico específico (Strati, 1998).
As organizações são marcadas por práticas
2.1 Cultura organizacional sociais que podem ser consideradas culturais.
Essas práticas, no entanto, podem não representar
A cultura implica uma coletividade. As a organização como um todo: a cultura é
organizações são entidades simbólicas, porque desenvolvida em ambientes de trabalho (Van
funcionam seguindo modelos implícitos na Maanen & Barley, 1985). Nesse sentido, Martin
mente de seus membros (Hofstede, 2001), o et al. (2006) propõem quatro perspectivas
que interferirá na satisfação dos envolvidos e, diferentes de cultura organizacional: perspectiva
consequentemente, no desempenho da empresa de integração, perspectiva de diferenciação,
(Gregory, Harris, Armenakis & Shook, 2009). perspectiva de fragmentação e um quadro de
A cultura é um produto histórico de um grupo, três perspectivas. Na perspectiva da integração,
que afeta interpretações e orienta comportamentos a cultura é um conjunto de expressões culturais
(Alvesson, 2013; Hogan & Coote, 2014; Van que geram o consenso de toda a organização,
Maanen & Barley, 1985; Vetráková & Smerek, denominada cultura unitária por Van Maane e
2016; Yin, Lu, Yang & Jing, 2014). Barley (1985). Segundo eles, isso acontece quando
Cavedon (2003) trata da cultura os membros de uma organização lidam com os
organizacional como uma rede de significados mesmos problemas e quando um sistema comum
que flui dentro e fora do espaço organizacional, de compreensão é adotado.
sendo simultaneamente ambígua, contraditória, É questionável, no entanto, se a cultura
complementar, diversa e análoga, mostrando organizacional é tipicamente uma característica
homogeneidade e heterogeneidade organizacional. da organização como um todo, ou se é particular
Para Alvesson (2013), a cultura organizacional é de grupos ou subculturas dentro dela (Deshpandé
vista como um sistema de símbolos e significados, & Webster, 1989). As organizações são marcadas
compartilhado no contexto organizacional, de por práticas sociais que podem ser consideradas
forma que os indivíduos definem seu meio, culturais, mas essas práticas podem ser confinadas
expressam suas crenças e fazem julgamentos. O a grupos específicos, ou subculturas (Van Maane
significado refere-se à forma como um objeto ou & Barley, 1985), ou seja, a perspectiva de
expressão/fala é entendido. O símbolo condensa diferenciação. Uma organização pode incluir
um conjunto de significados em um objeto departamentos e grupos de trabalho culturalmente
específico e o anuncia de forma compacta. diversificados (Hofstede, 2001).
O autor enfatiza que a cultura não estabelece Na perspectiva da fragmentação, as
necessariamente clareza e consenso entre grandes relações entre as expressões culturais não são
grupos de pessoas, mas as orienta a lidar com os nem claramente consistentes nem claramente
casos de ambiguidade sem muita anarquia. inconsistentes. São complexas e têm muitos
A cultura organizacional, portanto, elementos contraditórios e problemáticos. O
envolve símbolos e significados, considerando consenso não abrangeria toda a organização,
símbolos a expressão dos significados, como na nem seria específico para determinado subgrupo

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organizacional. Seria transitório e específico para que os grupos de pessoas interagem socialmente
uma questão determinada, levando a afinidades uns com os outros, em um estado de fluxo sem
de curto prazo entre os indivíduos e sendo limites claros (Lee, Kim & Park, 2015). Nesse
substituído por diferentes modelos, à medida que sentido, a abertura a novas ideias é essencial para
outras questões chamem a atenção. Uma cultura a mudança cultural (Alvesson & Sveningsson,
organizacional não é um conjunto sólido e bem 2008).
formado ou um conjunto estável de subculturas,
que é fácil de compreender. Refere-se, no entanto, 2.2 M arketing de relacionamento e
a misturas de manifestações culturais de diferentes relacionamentos interorganizacionais
tipos e níveis (Alvesson, 2013). Organizações que fazem parte de uma
Finalmente, Mar tin et al. (2006) cadeia de valor reconhecem os benefícios do
apresentam um quadro de três perspectivas, em marketing de relacionamento, definido como
que alguns valores, interpretações e práticas geram um processo de interação e engajamento que
consenso em toda a organização, outros causam estabelece, desenvolve e mantém relacionamentos
conflitos e alguns ainda não estão bem definidos. cooperativos de longo prazo com benefícios
Nas organizações, segundo eles, haveria uma mútuos entre as partes (Hakansson & Snehota,
existência simultânea de elementos de integração, 1995; Morgan & Hunt, 1994; Palmatier, 2008). A
conflito, poder e incerteza. interação mostra que os resultados vêm de ações e
Por outro lado, o desenvolvimento de uma reações, realizadas pelos envolvidos, porque ambos
cultura é um processo de aprendizagem, uma vez os lados desempenham papéis ativos (Hakansson
que os fundadores da organização (Dauber, Fink & Snehota, 1995; Pels, Moller & Saren, 2009).
& Yolles, 2012; Gagliardi, 1986) consideram um Segundo Cannon e Perreault (1999),
conjunto de crenças, mesmo que não sejam claras.
relacionamentos eficazes ajudam as partes
À medida que certos grupos aprendem a lidar
envolvidas a gerenciar a incerteza e a dependência,
com seus problemas de adaptação e integração,
aumentar a eficiência por meio da redução de
desenvolve-se a cultura organizacional, que é
custos e melhorar a orientação do mercado, por
ensinada aos novos membros desde que seja
meio de uma melhor compreensão dos clientes. O
considerada e sentida como correta (Schein,
marketing de relacionamento tem como objetivo
1991). As respostas a uma organização por parte
gerar relacionamentos lucrativos a longo prazo
de seus membros são formuladas para resolver
entre os parceiros (Miquel-Romero, Caplliure-
um problema e também diminuir a ansiedade
Giner & Adame-Sánchez, 2014). A este respeito,
relacionada a ele (Gagliardi, 1986). Indivíduos
quanto mais ambas as partes estiverem motivadas
e grupos mais poderosos, entretanto, podem
a manter o relacionamento e imbricadas entre si,
influenciar a interpretação dos outros sobre
menor o risco da dissolução da relação e maior a
eventos (Lucas & Kline, 2008).
As mudanças na cultura, além dos aspectos disposição delas a investir nesse relacionamento
materiais, também incluem uma redefinição – sobretudo em investimentos não recuperáveis
de significados, mas não necessariamente de (Scheer, Miao & Palmatier, 2015).
valores e significados-chave (Alvesson, 2013; As estratégias de marketing de
Alvesson & Sveningsson, 2008). Por outro lado, relacionamento, porém, não são uma solução para
alguns aspectos mais enraizados na cultura são todos os clientes em todas as situações possíveis
difíceis de mudar, além do que a cultura pode (Agariya & Singh, 2011; Schakett, Flaschner,
mudar para permanecer o que sempre foi: as Gao & El-Ansary, 2011). Os relacionamentos
mudanças no comportamento não significam dependem do tempo para serem desenvolvidos.
necessariamente mudanças nas crenças e valores Além disso, alguns clientes não desejam manter um
(Alvesson & Sveningsson, 2008; Gagliardi, 1986; relacionamento próximo com seus fornecedores
Ogbonna & Harris, 2014). A cultura, contudo, é e vice-versa. Nesse sentido, os relacionamentos
constantemente criada e transformada à medida precisam ser estáveis o suficiente para durar um

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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

tempo e dinâmicos o suficiente para assegurar fronteiras são lugares de contato altamente
o desenvolvimento de capacidades (Batt & carregado, onde ocorrem diferenças e trocas
Purchase, 2004). (conflito, poder e conversão de recursos) (Halley,
Confiança, comprometimento e 2001). Elas ajudam a estabelecer e manter hábitos,
cooperação são alguns dos elementos-chave expectativas e papéis, além de fornecer defesa e
dos relacionamentos (Agariya & Singh, 2011; permitir o intercâmbio (Araujo et al., 2003, Halley,
Gummesson, 2017; Palmatier et al., 2006). 2001). Quanto mais as organizações dependem de
Confiança, crença da empresa sobre a honestidade relacionamentos interorganizacionais, mais suas
e boa vontade do outro (Geyskens, Steenkamp & fronteiras podem mudar (Araujo et al., 2003).
Kumar, 1999), faz com que parceiros fiquem mais Assim, os relacionamentos interorganizacionais
propensos a compartilhar informações, aumenta podem ser vistos como dutos através das fronteiras
a sensação de segurança e reduz o oportunismo organizacionais (Ballantyne, Christopher &
(Palmatier et al., 2006). No entanto, ela diminui Payne, 2003).
em ambientes instáveis (Kang & Jindal, 2015). Os boundary spanners representam o
Comprometimento é a vontade permanente veículo mais importante para construir e manter
de manter um relacionamento (Palmatier et relacionamentos sólidos (Palmatier, 2008). Um
al., 2006). Além disso, os relacionamentos são dos problemas que está muito relacionado a eles,
moldados por um ambiente social que permite no entanto, é o conflito de papéis, definido como
a cooperação, quando as interações passadas as incertezas proeminentes enfrentadas (Singh &
são vistas favoravelmente e as ações futuras são Rhoads, 1991). À medida que eles interagem com
consideradas construtivas (Morgan, 2000). O membros de outros grupos, podem experimentar
comprometimento influencia a cooperação expectativas conflitantes sobre como desempenhar
de forma positiva; ambos são influenciados seu papel, o que pode levar a efeitos negativos
positivamente pela confiança (Morgan & Hunt, em seus relacionamentos (Friedman & Podolny,
1994; Palmatier et al., 2006). 1992). A existência de relacionamentos pessoais
Em relação a esse aspecto, Plewa (2009) de boa qualidade reduz o conflito de papéis,
afirma que, em situações incertas, as pessoas atenuando os significados divergentes (Haytko,
devem prestar atenção ao aumento da confiança 2004).
e à diminuição das diferenças entre os parceiros;
em condições mais estáveis, é preciso concentrar- 2.3 Cultura organizacional e marketing
se no desenvolvimento do comprometimento. de relacionamento
Miquel-Romero et al. (2014) argumentam que O desenvolvimento dos relacionamentos
a geração de confiança e comprometimento, que não só exige investimento de recursos e seleção
resulta em lealdade, é um objetivo estratégico de parceiros, mas também confiança, valores
e uma fonte de rentabilidade a longo prazo, compatíveis, comprometimento, estabilidade,
embora a proporção maior de interdependência frequência e qualidade das interações
esteja associada a uma maior cooperação díade, (Gummesson, 2008; Iglesias et al., 2011;
que pode ser significativamente menor quando Palmatier et al., 2006). Depende de como a
a interdependência se baseia em custos de confiança e o comprometimento se transformam
transferência em vez de interdependência do valor em cooperação e, portanto, em ação. Por outro
do relacionamento (Scheer et al., 2015). lado, como afirmado por Luthans (2010),
No s re l a c i o n a m e n t o s , u m a g e n t e quanto mais atividades forem compartilhadas,
significativo é o boundary spanner, que atua como mais interações ocorrerão e mais fortes serão
um representante da organização ou intérprete do os sentimentos entre as pessoas; quanto mais
ambiente externo em fronteiras organizacionais frequentes forem as interações, mais as atividades
(Araujo, Dubois & Gadde, 2003), por exemplo, e sentimentos serão compartilhados; quanto mais
vendedores, compradores e gerentes relacionados fortes forem os sentimentos, mais pessoas vão
a relacionamentos interorganizacionais. As compartilhar atividades e interagir.

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Os relacionamentos são culturais: as escolher um parceiro com valores semelhantes


interações são construídas em premissas culturais pode manter a cooperação em longo prazo (Wang
(Ellis, Lowe & Purchase, 2006). Os benefícios & Zhang, 2017).
dos relacionamentos dependerão de quanto eles Por isso, pode notar-se que a cultura
são valorizados em nível organizacional e são interorganizacional não é necessariamente a única
enraizados na cultura organizacional (Winklhofer, cultura para organizações parceiras (perspectiva
Pressey & Tzokas, 2006). Os relacionamentos de integração). A esse respeito, a perspectiva de
envolvem o ponto de encontro de diferentes diferenciação, perspectiva de fragmentação ou a
culturas (Plewa, 2009). Sobre isso, é a partir estrutura de três perspectivas pode ser considerada
da compatibilidade de valores, que precedem a (Martin et al., 2006).
confiança e o comprometimento (Morgan, 2000;
Morgan & Hunt, 1994), que se podem identificar 3 Método
semelhanças entre organizações (experiências
passadas, ações atuais e expectativas futuras). Esta pesquisa é classificada como um
A ambiguidade e a complexidade são estudo qualitativo de casos múltiplos (Merriam,
razões para que a cooperação ocorra, porque 2009; Yin, 2014). Participaram duas unidades de
organizações interdependentes com interesses negócios estratégicas (SBUs) localizadas no sul
semelhantes, apesar de terem pontos de vista do Brasil, de diferentes grupos industriais. Uma
diferentes, geram um certo grau de familiaridade delas fabrica móveis personalizados (Empresa M,
e soluções juntas (Pitsis, Kornberger & Clegg, fundada em meados da década de 1990). A outra
2004). Com base em valores compatíveis, presta serviços financeiros (Empresa S, fundada
confiança, comprometimento, cooperação e em meados da década de 1980). Essas SBUs foram
formas de perceber e lidar com a realidade, é escolhidas por causa do relacionamento próximo
possível observar que os relacionamentos podem com seus intermediários de vendas (grande
interferir nas culturas organizacionais envolvidas, número de interações e presença de confiança,
considerando as perspectivas culturais de Martin comprometimento e cooperação).
et al. (2006). Quanto à unidade de análise, a díade
Essas mudanças culturais, todavia, podem foi considerada (Achrol, Reve & Stern, 1983)
levar ao desenvolvimento de uma cultura que com a participação de indivíduos de empresas
envolve pessoas de organizações diferentes, fornecedoras e intermediários de vendas
uma cultura interorganizacional? A cultura envolvidos nos relacionamentos. Em relação às
interorganizacional pode ser percebida como díades, a Empresa M possui apenas lojas de móveis
uma rede de significados e símbolos que circulam exclusivas como intermediários, com contrato
entre as fronteiras organizacionais, uma interação exclusivo por região. A Empresa S trabalha com
e combinação entre símbolos e significados um sistema de franquias. Gerentes, supervisores,
que podem levar a novos significados. Saenz, analistas e assistentes (dos fornecedores) e
Revilla e Knoppen (2014) definem a cultura proprietários (dos intermediários) participaram
interorganizacional como um conjunto de da pesquisa. Os intermediários foram escolhidos
normas ou valores compartilhados por diferentes pelo critério de alto nível de interação com as
organizações. empresas (relacionamentos positivos e negativos).
Além disso, quanto maior a frequência e o Os dados foram coletados em quatro
nível de comunicação nos relacionamentos, maior estágios diferentes. No 1º estágio, durante cinco
a chance de integração cultural; quanto maior a meses, realizaram-se quinze entrevistas pessoais
compreensão cultural entre os parceiros, maior a em profundidade na Empresa M: uma com o
qualidade da relação (Iglesias et al, 2011; Palmatier, gerente de vendas, gerente de marketing e ex-
2008). As diferenças culturais, porém, são maiores gerente de vendas, respectivamente; seis com
nos relacionamentos com pior desempenho supervisores de vendas, quatro com assistentes de
(Beugelsdijk, Koen & Noorderhaven, 2009) e vendas e um com o supervisor administrativo e

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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

o supervisor de design da loja, respectivamente. e 40 minutos (3º e 4º estágios), foram gravadas


Cinco foram realizados em lojas de móveis e transcritas. O número de entrevistas em cada
(proprietários). Utilizou-se um mesmo roteiro estágio baseou-se no critério de redundância
semiestruturado com base nos objetivos específicos (Merriam, 2009).
e no referencial teórico, cujas questões foram Considerando a qualidade no processo de
relacionadas à qualidade das interações, confiança, pesquisa qualitativa (Gubba & Lincoln, 2011;
comprometimento, aprendizagem, cooperação, Miles, Huberman & Saldaña, 2014; Yin, 2014),
papel dos boundary spanners, significados houve confiabilidade devido à coerência na coleta
culturais, fatos representativos sobre a evolução de dados (tempo dedicado aos procedimentos de
da organização, semelhanças culturais e diferenças coleta de dados, escolha dos entrevistados e tipo de
dentro da empresa e entre grupos e organizações, interação com os entrevistados). Sobre a validade,
além de mudanças culturais de acordo com a triangulação de dados foi realizada através das
o desenvolvimento de relacionamento. Além entrevistas com o pessoal das díades, em quatro
disso, observou-se uma Convenção de Lojistas etapas diferentes, juntamente com o uso de
de Móveis. No 2º estágio, durante três meses, duas técnicas de coleta, que forneceram provas
foram realizadas nove entrevistas em profundidade suficientes para a compreensão do fenômeno,
na Empresa S (uma com o gerente de franquias, contribuindo com a plausibilidade e credibilidade
o supervisor do serviço ao cliente, o analista de dos resultados.
finanças, o assistente de atendimento ao cliente e Utilizou-se o procedimento de análise
o assistente de marketing, respectivamente, duas de dados derivado da teoria fundamentada em
com assistentes administrativos e assistentes de dados (grounded theory) (Charmaz, 2014). Com
vendas, respectivamente) e duas com franqueados base nos procedimentos de Charmaz (2014),
(proprietários), com o mesmo roteiro utilizado a partir de dimensões orientadoras (confiança,
para a Empresa M. Nesse caso, a observação não comprometimento, cooperação, aprendizagem,
foi autorizada pela Empresa S. dificuldades de relacionamento, significados e
Tendo os resultados do primeiro e símbolos), derivados do conjunto de perguntas
segundo estágios e suas relações com o referencial dos roteiros de entrevista e observação, resumiram-
teórico, desenvolveu-se um segundo roteiro se trechos de dados, gerando as principais ideias
semiestruturado, cujas questões foram relacionadas (códigos). Por fim, realizou-se uma microanálise,
a interações interorganizacionais, conflitos e quando os códigos, agrupados, geraram categorias.
incertezas nos relacionamentos, manifestações
culturais e suas relações com relacionamentos, 4 Resultados e discussão
rotatividade de pessoal, mudanças culturais
através de relacionamentos e expectativas com 4.1 Os relacionamentos interorgani-
relacionamentos. No 3º estágio, durante um mês,
zacionais nas empresas: aspectos gerais
foram realizadas seis entrevistas na Empresa M:
uma com o gerente de vendas, gerente de marketing A atividade com lojas exclusivas na
e supervisor administrativo, respectivamente; Empresa M e com franquias na Empresa S exige
duas com supervisores de vendas; uma com um mais proximidade com os intermediários do
proprietário de loja. No 4º estágio, durante um canal. Embora existam acordos contratuais, eles
mês, houve nove entrevistas na Empresa S: uma não parecem limitar processos sociais e culturais
com o gerente de franquias, o supervisor de ligados ao relacionamento. Os processos de vendas
atendimento ao cliente, o analista financeiro, o envolvidos podem ser considerados complexos.
assistente de atendimento ao cliente, o assistente A Empresa M lida com projetos e montagem,
de marketing, um assistente administrativo e um que mobilizam a vida dos consumidores finais
assistente de vendas, respectivamente; duas com e suas emoções. Eles também lidam com outros
franqueados (proprietários). As entrevistas, que profissionais, como arquitetos e designers de
duraram cerca de 65 minutos (1º e 2º estágios) interiores. A Empresa S trata de várias regras

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financeiras, que influenciam o desenvolvimento Aprendizagem: Nós aprendemos muito [com


de argumentos de vendas. as franquias]. Eles têm sensibilidade na ponta
De acordo com os entrevistados, em geral, dos dedos. Muitas práticas que funcionaram
a importância do relacionamento deve ser evidente bem em uma franquia, espalhamos para
através do nível de preocupação em fazer o que outros. É uma ótima aprendizagem quando
foi prometido, através do constante intercâmbio os visitamos. Aprender o que não fazer e o
de informações, e através da integração entre as
que fazer. Eles são muito críticos ao levantar
equipes, confiabilidade sobre o que está sendo
os “porquês”, mas há momentos em que eles
feito, através da disposição em aprender e resolver
percebem que certas questões contribuirão
problemas, enfatizando a presença dos elementos
centrais do marketing de relacionamento: com a segurança de S e, consequentemente,
confiança, comprometimento e cooperação com a segurança da franquia e eles compram
(Gummesson, 2017; Palmatier et al., 2006), além a ideia. Existe um espírito de colaboração
da importância da aprendizagem, principalmente (Assistente de Vendas S).
informal, que fortalece o desenvolvimento e
desempenho de relacionamentos (Altinay & A Tabela 1 traz um resumo comparativo
Brookes, 2012;. Ellis et al, 2006). Apresentamos entre M e S, com base nos resultados empíricos.
alguns trechos da entrevista: Aspectos mais amplos, como a forma como a
confiança é vista, a importância da cooperação,
Confiança: Como ele [franqueado] entendeu os processos de aprendizagem e problemas são
nossa filosofia e a aceitou [contribuição para semelhantes entre elas. A qualidade da confiança,
integrar mais]. Ele baixou a guarda. Eu ações de cooperação e aprendizagem são melhores
entendo que há um processo e que ele pode na Empresa S.
contribuir com esse processo, o que nem Além disso, as principais dificuldades de
sempre é a forma que ele quer, mas que relacionamento identificadas estavam relacionadas
podemos chegar a um ponto comum. Isso, em ao nível de rotatividade dos funcionários,
comparação com os últimos oito anos, você principalmente as equipes de vendas dos
pode ver com clareza. Eles entendem mais. O intermediários e a compreensão do outro lado. Os
processo mudou (Assistente de Marketing S). altos níveis de rotatividade afetam negativamente
o desenvolvimento das organizações (Mohr,
Young & Burgess, 2012). O volume de negócios,
Comprometimento: Eles têm aumentado
associado à redução do tempo disponível
muito o número de funcionários para nos
para visitar pontos de venda pelas empresas
dar apoio. Eles fornecem treinamentos muito
fornecedoras, leva o relacionamento a acontecer
interessantes. Eles não nos deixam à deriva,
principalmente entre proprietários ou gerentes dos
eles estão presentes. Claro que o resultado é o
intermediários. Nos fornecedores, principalmente
que vamos fazer. Esta presença da sua busca
nos departamentos de pessoal, predominam a
por alternativas demonstra que eles estão
dificuldade de entender o outro lado, dada a falta
comprometidos (Franquia S). de conhecimento da realidade dos intermediários.

Cooperação: Eles (loja) começam a procurar Sempre que você tem uma franquia com
novos mercados, sabem que a empresa irá maior rotatividade de funcionários, os
dar-lhes apoio. Antes, tinham muito medo, processos também vêm com um nível de
devido ao seu investimento. Agora há muitas dificuldade maior. Geralmente, quando
possibilidades com esta loja, eles pedem a franquia tem um volume de negócios
opiniões, sugestões. Há essa abertura, de menor, a área de vendas desempenha o
palpitar. Ele os devolveu. Ouvi nesta loja no papel esperado, a equipe operacional/
início que eles estavam órfãos e abandonados administrativa já percebe o que falta ou
(Supervisor de Vendas M).
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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

o que precisa ser organizado. O volume para ouvir os problemas dos intermediários. Essas
de negócios é um grande problema. O que descobertas indicam uma relação entre culturas
causa a insatisfação do cliente é o volume de organizacionais e práticas de relacionamento (Ellis
negócios (Assistente Financeiro S). et al., 2006; Gummesson, 2008; Iglesias et al.,
2011; Winklhofer et al., 2006).
Algumas dessas dificuldades seriam
maiores se as empresas não estivessem abertas

Tabela 1
Comparações relativas ao relacionamento – Empresas M e S
Dimensões Empresa M Empresa S
• Importância da transparência
Confiança • Confiabilidade sobre informações fornecidas, ações realizadas e pessoas
• Compartilhamento de informações e ideias
• Cumprir as responsabilidades
Comprometimento • Alcançar os objetivos
• Cuidar bem das pessoas e dos negócios

Semelhanças • Discussão de problemas, disposição para escutar e ajudar


Cooperação
• Percepção parcial com relação à realidade dos intermediários
• A empresa aprende com os intermediários, principalmente sobre o mercado
• Os intermediários aprendem com as empresas, principalmente sobre as práticas de gestão
Aprendizagem
• Elementos culturais da aprendizagem (significados)
• Preponderância dos processos de aprendizagem informal
• Dificuldade para entender o outro lado
Dificuldades de
• Conflito de funções dos boundary spanners
relacionamento
• Rotatividade de colaboradores
• Falta de regras claras
Confiança • Mais transparência
• Falta de maior autonomia
• Relacionamento com diversos
Cooperação • Melhor qualidade dos contatos
profissionais
Peculiaridades
• Necessidade de apoio externo para • Maior troca de informações
aprender com práticas passadas • Maior aprendizagem com a troca de
Aprendizagem
• Prevalência do aprendizagem por experiências
meio da ação • Treinamentos mais intensos

4.2 Culturas organizacionais das respeito às diferenças, a Empresa M apresentou


empresas menos agilidade e menor ousadia, principalmente
devido à centralização da tomada de decisão. Na
Identificou-se um número considerável Tabela 2, apresentam-se os resultados empíricos
de significados semelhantes, principalmente sintetizados.
sobre aspectos positivos, como ética, respeito às
pessoas, estabilidade e relacionamento. No que diz

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Fabiano Larentis / Claudia Simone Antonello / Luiz Antonio Slongo

Tabela 2
Culturas organizacionais das empresas pesquisadas

Comparações Empresa M Empresa S


• Ações realizadas gradualmente • Humildade
• Equilíbrio entre razão e emoção • Importância do relacionamento
Semelhanças
• Ética • Confiança como valor
• Flexibilidade • Estabilidade
• Maior enfoque no produto e na produção • Liberdade para criar
• Menos agilidade e ousadia • Maior enfoque na aprendizagem
Diferenças
• Menos formalidade • Maior enfoque em clientes e resultados
• Autossuficiência • Maior autonomia para tomar decisões
• Maior abertura para a inovação • Maior liberdade para criar
Diferenças com o • Menos tradicional • Menos tradicional
grupo industrial de • Maior dinamismo • Maior dinamismo
origem • Maior importância ao relacionamento • Maior importância ao relacionamento
• Mais interesse no desafio • Maior autonomia para tomar decisões

Ambas as empresas têm diferenças e desempenhos financeiros insatisfatórios. Uma


relacionadas com as outras unidades de grupos das razões é a forma como a substituição é
industriais dos quais elas fazem parte. Por causa vista, quando é preferível dar uma chance para
de seus bens/serviços, seus intermediários, os os intermediários melhorarem, relacionada aos
mercados em que estão presentes e os seus significados associados à estabilidade.
líderes anteriores, as empresas M e S mostram Comparando as empresas com
mais dinamismo, mais importância dada aos intermediários, culturalmente, encontraram-se
relacionamentos e são menos tradicionais. Na muitas semelhanças. Algumas das características
Empresa M, existe abertura para discutir ideias das empresas foram previamente valorizadas
e apresentar projetos, mas argumentos muito pelos intermediários, tais como ética,
consistentes são necessários para obter uma simplicidade, estabilidade e importância dada
aprovação por parte do conselho de administração. aos relacionamentos. Os intermediários que têm
Na Empresa S, a maior descentralização leva a um um relacionamento mais próximo são os que mais
maior número de decisões a serem tomadas nos desempenham essas características. Uma possível
níveis hierárquicos intermediários. Outro aspecto razão está relacionada com os intermediários
é o foco no cliente, trabalho em equipe e na que já foram funcionários da empresa, e aos
preocupação com a solução de problemas. intermediários com valores compatíveis desde o
início dos relacionamentos. As diferenças foram
Percebemos claramente características muito observadas principalmente por causa da natureza
industriais, de onde vieram (fundadores). do negócio. Os intermediários lidam com varejo
Mas há uma maior humanização aqui, uma e têm uma visão mais orientada para o mercado,
humildade com profissionalismo. Eu trabalhei enquanto as empresas, principalmente Empresa
em uma empresa em que havia rudeza no M, têm uma visão mais industrial.
negócio. Aqui, a maneira como você é tratado
é polida, não formal. Há respeito pelo ser Eles [empresa e conselho] são muito humildes;
humano (Gerente de Vendas M). não mostram o que têm. Eu também vim
de uma situação humilde. Não há nenhum
Além disso, em ambas as empresas, esforço por parte de todos na empresa no sentido
foi possível identificar as dificuldades para de comportar-se de determinadas maneiras,
substituir intermediários que apresentam vendas não é artificial, é natural. Todo mundo

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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

está disponível para ajudar. Eles são pessoas intermediários. Outro aspecto que se destaca tem
educadas e humildes (Intermediário M) a ver com as premiações constantes que a empresa
Quanto às expressões culturais (símbolos), recebe, o que geralmente melhora o espírito de
os mitos dos fundadores dos grupos industriais equipe.
foram identificados, as pessoas de origem humilde.
Há também o mito do “Patinho Feio”, alusão à 4.3 Mudanças culturais organizacionais
rentabilidade da Empresa M e à necessidade As mudanças culturais nas expressões,
de investimentos. A partir das cerimônias, bem como em significados, que ocorreram ao
que envolvem vários ritos, além das festas de longo do tempo, puderam ser identificadas, tanto
confraternização internas, há também eventos para os intermediários quanto para as empresas,
de confraternização com os intermediários. Na com uma contribuição dos relacionamentos
Empresa M, existe a “Convenção das Lojas de interorganizacionais, considerando que uma
Móveis”, quando as ações são oficializadas e as cultura se desenvolve à medida que certos grupos
ideias são compartilhadas. Na Empresa S, há uma organizacionais aprendem a lidar com problemas,
reunião de franqueados, pelo menos uma vez bem como com a forma de percebê-los ao longo
por ano, sob a responsabilidade do franqueado, do tempo (Schein, 1991). Os resultados empíricos
para a troca de ideias e integração com novos são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Mudanças culturais organizacionais
• Valores compatíveis
Contribuição das empresas aos
• Processos de sistema e gestão
intermediários em mudanças culturais
• Intermediários (proprietários) como funcionários das empresas no passado
Contribuição dos intermediários às • Entendimento das necessidades de mercado
empresas em mudanças culturais • Experiências passadas com outros fornecedores
Contribuição de outros • Aspectos culturais além das organizações envolvidas (como subculturas profissionais)
• Características culturais que facilitam o surgimento ou fortalecimento de outras
Relações entre as contribuições do • Papel da liderança
fornecedor e do intermediário • Assimetria do poder
• Natureza conservadora e estável das culturas

Considerando a contribuição das dos ex-funcionários das empresas que agora são
empresas aos intermediários em mudanças intermediários. Nesse caso, as características da
culturais, identificaram-se valores compatíveis, cultura organizacional do fornecedor, por ser, no
especificamente significados/valores apreciados passado, a principal referência de organização para
p e l o s i n t e r m e d i á r i o s . Os e n t re v i s t a d o s eles, têm contribuído com o desenvolvimento da
enfatizaram a humildade e a importância dada cultura organizacional da nova empresa, apesar
aos relacionamentos, que foram reforçadas com dos desafios enfrentados para desempenhar o
a interação. papel de empresários.
As mudanças culturais também estão
relacionadas com práticas de gestão, devido à Nossa escola está lá. Em nossos valores há um
falta de referências em gestão dos intermediários. bocado de S. Eu acredito que uma franquia
Na Empresa M, o “Conceito”, um conjunto de com as pessoas que foram criadas dentro de S
orientações estratégicas e operacionais, faz parte faz dos valores muito mais presentes. Mas, ao
do vocabulário e práticas dos proprietários da loja. longo do tempo, os valores são absorvidos por
Na Empresa S, há uma forte influência das práticas osmose. Eu vejo a rede de franquias de forma
de gestão de pessoas. Há também a situação muito transparente. Não estamos pensando

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Fabiano Larentis / Claudia Simone Antonello / Luiz Antonio Slongo

apenas em nós mesmos, mas na rede. Ao os arquitetos são considerados formadores de


fortalecer a rede, estamos fortalecendo a nós opinião no mercado. Alguns de seus aspectos,
mesmos (Franquia S). como vocabulário e visão de mundo, foram
incorporados pelos proprietários das lojas.
A contribuição dos intermediários às Papel semelhante é atribuído aos consultores de
empresas diz respeito a uma melhor compreensão franquia, na Empresa S.
das necessidades do mercado. Na Empresa S, houve
uma mudança na percepção de seus funcionários Esses outros varejistas [com grande
sobre o mercado de franquias nos treinamentos desempenho] já enxergaram o todo, o
realizados por eles ao pessoal de franquias. conceito do produto, o design, a compreensão,
Experiências de mercado compartilhadas oferecem porque eles têm um diálogo mais forte com
um entendimento compartilhado (Gebhardt, os arquitetos, eles sabem a linguagem do
Carpenter & Sherry, 2006). arquiteto (Designer M).

Eu acho que a visão de mercado por parte Por outro lado, uma característica cultural
da Empresa S evoluiu muito. Hoje podemos pode permitir ou facilitar o surgimento ou o
mudar algumas coisas lá dentro. Eles estão reforço de uma outra característica cultural. A
ouvindo mais. O mercado determina os cultura é transformada à medida que as pessoas
caminhos. Depois de conversar muito, eles interagem socialmente com os outros (Lee et al.,
começam a entender o que o mercado quer 2015), e abertura para novas ideias é essencial para
(Franquia S). a mudança cultural (Alvesson & Sveningsson,
2008). O nível de abertura das empresas a novas
Outro ponto são as experiências passadas ideias permitiu uma melhor abordagem do
dos intermediários com outros fornecedores, mercado. Além disso, uma maior interação das
contribuindo com os atuais. Na Empresa M, um empresas com os intermediários e a necessidade
dos empresários com o melhor desempenho na de resolver problemas, principalmente na Empresa
rede de lojas foi varejista exclusivo de outra marca S, acabaram fazendo departamentos que não
por muitos anos, com um foco muito intensivo têm contato direto com o mercado mudar seu
em resultados. Este proprietário de loja, apesar de ponto de vista. As percepções do departamento
desaprovar tal aspecto, continua a ter um maior operacional tornaram-se mais semelhante aos do
foco em resultados do que a Empresa M, herança departamento de vendas, levando à aproximação
do antigo fornecedor. das áreas organizacionais da empresa.
Os líderes moldam a cultura (Moorman &
Alguns varejistas trouxeram elementos Day, 2016). O papel da liderança em mudanças
interessantes à rede, o que era algo que eles culturais foi identificado na Empresa M, com
estavam procurando incorporar como um o ex-gerente de vendas que desenvolveu o
valor, a busca do lucro pela venda, a vontade “Conceito”. Na Empresa S, com um ex-diretor,
de vender, o que não era, e ainda talvez não que lançou muitas estratégias de gestão de pessoas.
seja, um valor da M. Eles trouxeram valores, Além disso, identificaram-se algumas evidências
mas também eles próprios incorporaram a relacionadas com a assimetria de poder, tendo em
filosofia M (Ex-Gerente de Vendas M). conta a influência de indivíduos e grupos mais
poderosos na interpretação de outros sobre os
Além disso, houve uma contribuição dos eventos (Lucas & Kline, 2008).
significados dos outros, externa aos fornecedores Com relação a isso, considerando a
e intermediários, que mostra uma relação de natureza conservadora e estável das culturas
subculturas profissionais (Martin et al, 2006; (Alvesson & Sveningsson, 2008; Gagliardi, 1986),
Van Maanen & Barley, 1985). Na Empresa M, muitos dos significados permanecem juntos dentro

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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

das empresas e intermediários. Um exemplo é o Portanto, pode-se afirmar a existência


“Conceito”, mencionado anteriormente. O de uma cultura interorganizacional, de forma
gerente responsável por sua elaboração havia saído específica e restrita, que depende principalmente
e o Conceito deixou de ser usado amplamente, dos relacionamentos interorganizacionais,
mas, mesmo assim, permaneceu com os donos de com predominância da perspectiva cultural de
lojas. As pessoas saem, mas a cultura permanece. fragmentação (Martin et al., 2006), identificadas
Na Empresa S, as práticas de gestão de pessoas na partilha de alguns significados entre indivíduos
foram influenciadas por um ex-diretor. de diferentes organizações, como os departamentos
de vendas e operacional/administrativo com os
Outro gerente [depois de o anterior intermediários, e do Conselho de Administração
desenvolver o “Conceito”] tentou eliminar o com os intermediários. Essas relações estão
Conceito, mas perceberam que nunca seriam representadas no esquema conceitual proposto
capazes de fazê-lo, porque está impregnado. (Figura 1), em que a estr utura de três
Os varejistas pediram que este conceito perspectiva pode ser identificada (Martin et
voltasse. M pode mudar todos os varejistas, al., 2006) no desenvolvimento de uma cultura
mas o rosto do ex-gerente permanece, o interorganizacional. Há a Cultura do Fornecedor
Conceito continua (Varejista M). (a) e a Cultura do Intermediário (b), a partir
de uma perspectiva de integração, símbolos
As mudanças culturais, encontradas em e significados compartilhados por toda uma
algumas pessoas, grupos ou símbolos e significados, empresa (Martin et al., 2006; Van Maanen &
precisam dos relacionamentos para se fortalecer Barley, 1985), e a Cultura dos Departamentos
e se espalhar (Luthans, 2010). Assim, com base do Fornecedor (c) e Cultura dos Departamentos
em Ellis et al. (2006) e Alvesson e Sveningsson do Intermediário (d), a partir da perspectiva de
(2008), as mudanças culturais identificadas diferenciação, na qual os significados específicos
provavelmente ocorreram principalmente devido estão restritos a grupos de trabalho específicos
aos momentos de interação e cooperação, os (Martin et al., 2006; Hofstede, 2001; Van
processos de aprendizagem, formação de confiança Maanen & Barley, 1985).
e comprometimento. Essas mudanças, no entanto, Supõe-se que haveria um desenvolvimento
dependiam de um fundo cultural que já estava da cultura interorganizacional nas zonas de
presente em ambas as empresas. intersecção entre as perspectivas culturais do
fornecedor (“a” e “c”) e perspectivas culturais do
4.4 Desenvolvimento de uma cultura intermediário (“b” e “d”), a partir da perspectiva
interorganizacional de fragmentação, em que o consenso seria
específico para um problema ou contexto
D e a c o rd o c o m o s re s u l t a d o s , o
determinado (Martin et al., 2006). As perspectivas
marketing de relacionamento em um contexto
de fragmentação no fornecedor e no intermediário
interorganizacional, principalmente através de
desempenhariam um papel indireto no seu
confiança, comprometimento e aprendizagem,
desenvolvimento. Essas áreas de intersecção
contribuem com o comportamento cooperativo e
reforçam a natureza da cultura interorganizacional
com as mudanças em alguns aspectos das culturas
como uma rede de significados que flui dentro e
organizacionais envolvidas. Essas mudanças, por
fora do espaço organizacional, constantemente
sua vez, dependem do conflito de papéis e da
criada e transformada à medida que grupos de
rotatividade dos boundary spanners. Segundo Lu
pessoas interagem socialmente com os outros,
et al. (2016), manter uma relação bem-sucedida
em um estado de fluxo sem qualquer limite claro
significa assegurar que as culturas organizacionais
(Cavedon, 2003; Lee et al., 2015).
entre parceiros são compatíveis.

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Fabiano Larentis / Claudia Simone Antonello / Luiz Antonio Slongo

Desenvolvimento de uma Cultura Interorganizacional (CI)

Cultura de
Cultura do Departamentos
Fornecedor (a) Perspectiva de do Fornecedor
Perspectiva de fragmentação (c)
integração dentro do Perspectiva de
fornecedor diferenciação

Cultura Interorganizacional (CI)


Perspectiva de fragmentação

Perspectiva de Cultura de
Cultura do fragmentação Departamentos
intermediário (b) dentro do do Intermediário
Perspectiva de intermediário (d)
integração Perspectiva de
Elementos iniciais de IC diferenciação
*Significados compartilhados Elementos resultants de IC
*Símbolos compartilhados *Práticas de cooperação
*Abertura a novas ideias *Significados (novos,
*Frequência e qualidade das Elementos intermediários de
redefinidos, fortalecidos)
interações IC
*Confiança relacionada à *Símbolos (novos,
*Papel dos boundary redefinidos, fortalecidos)
spanners informação, às ações e às
pessoas *Redução do conflito de
*Experiências e trajetórias papéis dos boundary
passadas *Comprometimento com as
ações, resultados e pessoas spanners
*Papel da liderança *Aproximação das áreas
*Assimetria do poder *Processos e resultados de
aprendizagem organizacionais das empresas

Elementos de enfraquecimento de CI
*Nível de rotatividade dos boundary spanners
*Significados não compartilhados *Símbolos não compartilhados

Contexto
Aspectos culturais além das organizações envolvidas
Dinâmica ambiental (econômica, social natural, tecnológica,)

Figura
Figura 1.1. Esquema
Esquema conceitual:
conceitual: Desenvolvimento
Desenvolvimento de cultura
de uma uma cultura interorganizacional
interorganizacional

OSupõe-se
e s q u e mque
a chaveria
o n c e i tum
u a ldesenvolvimento
propõe da cultura
através interorganizacional
de elementos nas zonas
intermediários de
(confiança
que o desenvolvimento
intersecção de umaculturais
entre as perspectivas relacionada
culturado fornecedor (“a”à einformação, às ações e culturais
“c”) e perspectivas às pessoas,
interorganizacional, com base em elementos comprometimento com ações, resultados,
do intermediário
iniciais (significados(“b” e “d”),compartilhados,
e símbolos a partir da perspectivae de
comfragmentação, em que o consenso
as pessoas, processos seriade
e resultados
abertura a novas
específico paraideias, a frequência
um problema oue acontexto aprendizagem),
qualidadedeterminado (Martin et que poderãoAscontribuir
al., 2006). mais
perspectivas
das interações, o papel dos boundary spanners, tarde com os elementos resultantes (práticas
de fragmentação
experiências no fornecedor
e trajetórias passadas, e no intermediário
papel da desempenhariam
cooperativas, um papele indireto
significados símbolosnonovos,
seu
liderança e assimetria de poder), é influenciado redefinidos e reforçados, redução do conflito
desenvolvimento. Essas áreas de intersecção reforçam a natureza da cultura
pelos relacionamentos interorganizacionais, do papel do boundary spanner e aproximação
interorganizacional como uma rede de significados que flui dentro e fora do espaço
50
organizacional, constantemente criada e transformada à medida que grupos de pessoas
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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

das áreas organizacionais das empresas). Estes diferentes organizações e funciona como um
elementos e as relações entre eles são influenciados agente de ligação (Grueso-Hinestroza & Antón-
pelos elementos de enfraquecimento (nível de Rubio, 2015). Como as práticas do marketing
rotatividade dos boundary spanners e significados de relacionamento dependem de quanto elas são
e símbolos não compartilhados). Além disso, esse valorizadas em nível organizacional e enraizadas
desenvolvimento está relacionado com o contexto, na cultura organizacional, desempenham, nesse
além das organizações envolvidas (aspectos sentido, um papel fundamental, porque permitem
culturais, como outras culturas organizacionais o desenvolvimento de pontos de encontro de
e elementos das culturas nacionais, bem como diferentes culturas, uma vez que a interação com
dinâmica ambiental). É importante observar que as pessoas é construída em premissas culturais
os elementos iniciais e intermediários, resultantes (Ellis et al., 2006; Plewa, 2009; Winklhofer et
e de enfraquecimento, bem como o contexto, al., 2006).
foram originados a partir de categorias emergentes
identificadas no estudo, fundamentadas nos 5 Considerações finais
resultados.
A partir de uma abordagem cultural, as O marketing de relacionamento consiste
fronteiras são definidas com base em significados em processos de interação e engajamento para
compartilhados, e a cultura é transformada em a manutenção de relacionamentos cooperativos
um estado de fluxo sem qualquer limite claro: de longo prazo (Hakansson & Snehota, 1995;
culturas organizacionais formam combinações de Morgan & Hunt, 1994; Palmatier, 2008).
manifestações culturais (Alvesson, 2013; Lee et Embora o campo do marketing de relacionamento
al, 2015). Assim, na estrutura proposta, as linhas tenha sido um tema importante da pesquisa
tracejadas representam a permeabilidade entre acadêmica por mais de duas décadas, parece ainda
perspectivas culturais, elementos relacionados mais significativo quando os relacionamentos são
com o desenvolvimento de uma cultura considerados complexos e multifacetados (Payne
interorganizacional, e contexto. As setas duplas & Frow, 2017).
representam interações entre os elementos Os relacionamentos interorganizacionais,
(relações de interdependência). Elementos iniciais bem como as culturas organizacionais, são
podem influenciar e ser influenciados mais tarde complexos. Para seu desenvolvimento, eles
por elementos intermediários e os elementos dependem da comunicação, da aprendizagem, da
resultantes da cultura interorganizacional. confiança, do comprometimento, de significados e
Assim, nosso estudo indica que a cultura de símbolos compartilhados. Os relacionamentos
interorganizacional pode ser vista como uma cultura não são escolhidos, mas desenvolvidos (Hunt et
de intersecção, dada a associação das perspectivas al., 2006). Por outro lado, a cultura organizacional
culturais entre fornecedores e intermediários, ou, apresenta variação e contradição (Alvesson, 2013).
ainda, uma cultura de fronteiras. Isso se deve ao Este estudo analisou a contribuição dos
fato de a cultura poder criar limites e permitir relacionamentos entre comprador e vendedor nas
significados compartilhados entre fronteiras mudanças nas culturas organizacionais envolvidas.
(Halley, 2001), e os relacionamentos envolverem Foi possível identificar que os relacionamentos
o ponto de encontro de diferentes culturas interferem em questões culturais, considerando
(Plewa, 2009). Seria também possível encarar a quantidade e a qualidade de interações
a cultura interorganizacional como a cultura entre diferentes organizações, a confiança, o
dos boundary spanners, envolvendo a interação comprometimento, a cooperação e os processos
dos boundary spanners dos intermediários de aprendizagem. Essas alterações, não restritas
(incluindo os proprietários) com os das aos intermediários, interferirão na continuidade
empresas, principalmente naquelas áreas em dos relacionamentos. Sobre isso, observou-se o
que predominam, como marketing/vendas. A papel dos boundary spanners como profissionais de
cultura constrói a coesão entre as pessoas de fronteira, assim como a importância de considerar

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os conflitos de papéis e os níveis de rotatividade de interpretação combinada, o que poderia


de funcionários. reduzir as diferenças (Fang, Fang, Chou, Yang &
Os benefícios dos relacionamentos Tsai, 2011). Além disso, por meio da realização
interorganizacionais dependerão de quanto eles são de um estudo de casos múltiplos qualitativo
valorizados em nível organizacional e enraizados envolvendo a cultura organizacional e o marketing
nas culturas organizacionais (Winklhofer et de relacionamento, o estudo contribui com a
al., 2006). Observou-se que o marketing de disciplina do marketing pela necessidade de se
relacionamento não está apenas associado às desenvolver mais pesquisas de estudo de caso
estratégias dos casos investigados, mas também é para lidar com a complexidade do mundo
um elemento de suas culturas. (Gummesson, 2017).
Como contribuições teóricas deste estudo, Em relação às limitações do estudo,
ficou evidente o poder de explicação e a complexidade verificou-se a necessidade de mais momentos de
das múltiplas perspectivas culturais de Martin et al. observação. Além disso, o estudo concentrou-se
(2006). Por outro lado, tornou-se clara a importância nos relacionamentos interorganizacionais em
dos elementos constituintes do relacionamento canais de marketing de dois casos. Este artigo,
nas mudanças culturais, especialmente a confiança por fim, sugere futuros estudos relacionados
(Pitsis et al., 2004). Outra questão importante ao papel dos boundary spanners em mudanças
é a necessidade de considerar a aprendizagem, culturais; à natureza e a dinâmica das áreas
principalmente a informal (Janowicz-Panjaitana & de intersecção entre as diferentes perspectivas
Noorderhavenb, 2008). culturais, considerando o esquema conceitual
Além disso, este estudo identificou proposto em canais de marketing, bem como em
a existência, mesmo que restrita, de uma outros arranjos interorganizacionais, tais como
cultura interorganizacional. É uma cultura clusters e redes de cooperação; a investigação do
originada de relacionamentos, uma intersecção lado negro da cultura interorganizacional.
de culturas, uma cultura de fronteiras. A cultura
interorganizacional pode coexistir com outras Referências
culturas, mesmo porque é um produto delas e
Achrol, R. S., Reve, T., & Stern, L. W. (1983).
as suas interações, o que poderia aumentar o
The environment of marketing channel dyads: A
alcance das pessoas envolvidas, reduzindo assim
framework for comparative analysis. Journal of
os preconceitos. Chama a atenção, entretanto, o
Marketing, 47(4), 55-67.
fato de que as culturas organizacionais podem,
simultaneamente, criar coesão e orientação,
Agariya, A. K., & Singh, D. (2011). What
tornando a ação coletiva e a vida organizacional
really defines Relationship Marketing? A review
possível por causa disso, mas também restringem
of definitions and general and sector-specific
a autonomia, a criatividade e questionamento
defining constructs. Journal of Relationship
(Alvesson, 2013). Isso pode ser associado com o
Marketing, 10(4), 203-237.
lado negro da cultura interorganizacional.
Este estudo contribui, ainda, com as Altinay, L., & Brookes, M. (2012). Factors
práticas de marketing, indicando a necessidade de influencing relationship development in franchise
estar atento às relações entre ações de marketing partnerships. Journal of Services Marketing, 26(4),
de relacionamento e cultura organizacional. O 278-292.
relacionamento acontece porque há uma base
cultural (Ellis et al., 2006). Além disso, destaca Alvesson, M. (2013). Understanding organizational
a atenção para o papel dos boundary spanners culture. London, UK: Sage.
(Araujo et al., 2003), seus conflitos de papéis e
níveis de rotatividade. A esse respeito, um canal Alvesson, M., & Sveningsson, S. (2008). Changing
adequado para a interação e comunicação entre organizational culture: Cultural change work in
as organizações pode facilitar o desenvolvimento progress. Abingdon, UK: Routledge.

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Cultura organizacional e marketing de relacionamento: uma perspectiva interorganizacional

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Notas
¹ Artigo derivado da tese de doutorado “Marketing de relacionamento e cultura organizacional: uma perspectiva
interorganizacional” defendida por Fabiano Larentis em 2010, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de
Administração. Programa de Pós-Graduação em Administração, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio Slongo.
² Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXXIV EnANPAD 2010, Rio de Janeiro. “Marketing de
Relacionamento e Transformações Culturais Organizacionais: Um Estudo de Casos Múltiplos em Díades”

Sobre os autores:
1. Fabiano Larentis, Doutor em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
Brasil. E-mail: flarenti@ucs.br
ORCID
0000-0001-8390-0271
2. Claudia Simone Antonello, Doutora em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Brasil. E-mail: claudia.antonello@ufrgs.br
ORCID
0000-0001-9654-5125
3. Luiz Antonio Slongo, Doutor em Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail:
luiz.slongo@ufrgs.br
ORCID
0000-0002-8269-4338

Contribuição dos autores:

Claudia Simone Luiz Antonio


Contribuição Fabiano Larentis
Antonello Slongo
1. Definição do problema de pesquisa √ √ √
2. Desenvolvimento das hipóteses ou questões de pesquisa (trabalhos
√ √ √
empíricos)
3. Desenvolvimento das proposições teóricas (ensaios teóricos) √ √
4. Fundamentação teórica/Revisão de literatura √ √ √
5. Definição dos procedimentos metodológicos √ √
6. Coleta de dados √
7. Análise estatística - - -
8. Análise e interpretação dos dados √ √
9. Revisão crítica do manuscrito √ √
10. Redação do manuscrito √ √
11. Outra – Desenvolvimento da estrutura da análise √ √

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