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A Devastação da Convenção

Notas de como os Annales mudaram a história da história.


João Pedro Loureiro Fidelis de Morais

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SUMÁRIO
Prefácio........................................................................................................................ 4
Introdução................................................................................................................... 5
Capítulo I: Só se Pode Fazer Isso?............................................................................... 7
Secção I: A Poética e a Honestidade de um Povo Antigo............................................. 7
Secção II: Cronistas Medievais................................................................................... 8
Secção III: Os Factualistas Modernos......................................................................... 9
Capítulo II: Pioneiros de uma Guerra........................................................................ 12
Secção I: Quem deu Origem à essas Coisas................................................................ 12
Secção II: Controvérsia de Lamprecht, Comte, Durkheim e Economicistas............... 14
Capítulo III: Enfim os Annales.................................................................................. 16
Secção I: Movimentos Paralelos, Fundação da Revista, Bloch e Febvre.................... 16
Secção II: Braudel e a Longa Duração....................................................................... 17
Secção III: A Longa Idade Média de Le Goff, A Cultura de Nora, O Feudo de Duby e as
Mulheres dos Annales................................................................................................ 18
Secção IV: Foucault e Girard.................................................................................... 19
Bibliografia............................................................................................................... 20
“O historiador é como o
monstro da fábula. Onde ele
sente o cheiro de carne, ali
está sua presa.”
-Marc Bloch

“Ta eonta legein”


-Heródoto

“Onde está no catecismo que


pode escrever um texto de
metodologia de história?”
-Condução Coercitiva, 2022
4

PREFÁCIO

"A autoridade é um laxante dos neurônios, onde ela passa, as mentes ficam
relaxadas. Isso não é novidade e creio ser difícil mudar". Nessa frase, que evidencia
a impossibilidade de encontrar algo novo sob o sol, o autor resume o "mal dos
séculos" da historiografia... e talvez do cenário intelectual atual na sua forma mais
abrangente.
Pobre sociedade é aquela que exalta autoridades irresponsáveis como um exemplo à
ser seguido, principalmente quando as autoridades em questão (supostamente)
possuem aptidões culturais. É a inutilidade de teorias e modelos historiográficos
epistemologicamente refutados e seus propagadores egomaníacos que pertencem à
classe expressada acima. Tal processo penoso pode ser considerado parte da criação
dos Annales que, criminosamente perseguidos e jogados para debaixo do tapete,
entrou (mais uma vez) em um processo de declínio e de desconhecimento planejado
pelos historiadores positivistas e marxistas.
A New History, também uma vítima letal do mesmo processo executor, teve no
Brasil titãs como Gilberto Freyre e José Guilherme Merquior, pensadores
devidamente (e injustamente) substituídos por seus equivalentes menos talentosos,
como Florestan Fernandes e Antônio Candido. Alguma semelhança com as
"autoridades" citadas acima? Evidente! Nada do que escrevemos é mera
coincidência. Os "caçadores de neurônios" estão por aí (especificamente na sua
faculdade mais próxima), todos se valendo de uma inteligência que não possuem, ao
mesmo tempo que ofuscam os que verdadeiramente à tem pela mera máxima de: "SÔ
DOUTÔ!".
Não há contradição mais torpe do que o estudioso da história que não possua noção
de uma coisinha chamada "legado", consciência que o grande João tem de sobra.
Esse texto abençoado que estamos prestes a ler tenta realizar o nobre trabalho de
resgatar um pouquinho do legado tão gostoso da escola dos Annales, o motivo de
sua importância e do seu triste declínio..., mas jamais da queda! Procurar, ler e
estudar as bibliografias expostas pelo escritor ao final do artigo constitui mais do
que uma vida intelectual propriamente dita, mas também de uma aventura pelos
anais da história. Falar de Bloch, Girard, Le Goff e até mesmo de Freyre constitui
um ato cultural eminentemente reacionário "no meio desse século de enxofre e
sandice". Aproveitem a leitura!
-Eduardo Viana da Silva
5

INTRODUÇÃO

U
m dos grandes historiadores vivos que temos neste século embebido
no enxofre da sandice, Peter Burke, grande conhecedor de Gilberto
Freyre, entendeu o movimento da École des Annales como a
“Revolução Francesa da Historiografia”.1 Os Annales e seu modo de escrever e
pensar os assuntos da história, enquanto método, foi uma mudança intelectual não
apenas na estética historiográfica, que nosso querido Marc Bloch chamava de área
poética da escrita da história2, mas no próprio entendimento da função epistêmica
que sustenta o modo de investigar os temas considerados históricos. Na visão
annalesiana, o modo convencional de escrever sobre história não abarcava uma
lógica de fato lógica. Numa busca apenas por exposições românticas (no sentido
girardiano do termo), por uma história de grandes homens da política, de mudanças
sociais por causalidade de jogos de poder, os autores nomeados “factualistas”
(termo ultra amplitudinal que abrange desde Heródoto até Augusto Comte) tinham
um interesse muito particular pela história: uma escrita de uma política pretérita.
Os Annales lutaram durante uma boa parte do século XX contra, não propriamente
ao desejo de escrever sobre política, mas pelo ódio que os factualistas tinham pela
mera possibilidade de se escrever algo diferente do que era feito. Isso é importante:
os autores convencionais criticavam não casos concretos em que uma história
socioeconômica fora escrita e uma tese, desenvolvida, mas sim um receio da própria
ideia de tentar escrever algo diferente da convenção da história política por meio de
generalizações filológicas e da interpretação da política como uma fibra social a
parte do próprio tecido social da qual ela pertence. 500 anos antes de Cristo até os
primórdios do século XX essa visão foi dominante em qualquer núcleo de estudo no
ocidente que o leitor possa imaginar. Mas se Burke tem razão e os Annales são de
fato a Revolução Francesa, os elementos opostos são o Antigo Regime. De fato, a
opressão dos autores factualistas contra as tentativas de uma nova história causou
algum rebuliço fantasmagórico que hoje só nos resta uma vaga memória registrada
por homens da época. Ninguém derrubou o monarca durante seu reinado ontológico
que arrogava para si estadia egrégia na intelectualidade. São jovens autores que, ao
fundar uma simples revista sobre história na França, mudam o curso da história
através do meditar a história.

1
Ver Burke,2012, p. 11 – 17.
2
Ver Bloch, 2012, p. 69 – 76.
6

É muito comum alguns interessados em historiografia3 perguntarem-me se os


Annales são de fato uma escola. Nomeados assim, e tão contraditórios em suas
proposições sobre si mesmos, os Annales gostavam de dizer: nós não somos uma
escola. Sempre dizendo não ser uma escola, sempre assumindo um grupo interno e
uma amizade fraterna.4 São intelectuais com divergências declaradas, mas que
integram, caso queiram, não uma escola mas um movimento. Irei chamar de escola
dos Annales por uma decisão pessoal. Apesar dos inúmeros trololós semânticos que
poder-se-ia conjurar, entendo que os Annales são um grupo organizado de autores
com mesmos interesses, teses diferentes, e uma homóloga perspectiva do que é
história. Podemos dividir os Annales em três gerações:
1) Primeira geração: Marc Bloch e Lucien Febvre.
2) Segunda Geração: Fernand Braudel, Le Roy Landurie e Immanuel
Wallerstein.
3) Terceira Geração: Jacques Le Goff, George Duby, Pierre Nora, Roger
Chartier, Michel Foucault, René Girard, Regine Pernoud, Mona Ozouf,
Michelle Perrot, Arlette Farge, Krzysztof Pomian.
Todos esses autores foram revoltados contra a tradição historiográfica vigente. O
presente texto tem a pretensão de comentar o modo como a história foi estudada e
escrita durante eras; os precursores do movimento dos Annales e movimentos
paralelos; comentar a fundação da revista e a importância de cada autor. Assim
sendo, desejo que o leitor tenha uma visão unitária do processo de escrita da
história, que entenda a convenção dela, ao passo que veja o que chamo de
devastação da convenção. De fato, os Annales ceifaram a cabeça orgulhosa do
positivismo com sua guilhotina epistemológica.

3
Aqui entendido de modo bem convencional como o estudo das bases metodológicas e
epistemológicas das investigações da história na práxis.
4
Ver Burke, 2012, p. 13-14.
7

CAPÍTULO I

SÓ SE PODE FAZER ISSO?

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Secção I: A Poética e a Honestidade de um Povo Antigo

O
s antigos gregos foram os primeiros ocidentais a trabalharem com história,
termo que muda com o tempo, mas que ainda concentra certa unidade. Duas
figuras mais importantes da história: Heródoto e Tucídides. Com um método
arcaico e primitivo num olhar de um jovem do século XXI, mas suficiente para tal
época, ambos autores estavam muito interessados em relatórios de viagens e
guerras. Com uma escrita poética, provocativa, digna de um imortal épico ocidental,
Heródoto e Tucídides foram pioneiros num entendimento geral da escrita e dos
fazeres da história. Ambos historiadores tinham esse carinho com a escrita, mas
uma virtude muito maior que singelos talentos literários. Antes de tudo, eram
honestos. De fato, as obras históricas gregas não faziam citações de fontes.
Heródoto, diversas vezes, lança no rosto dos leitores uma infinidade de dados,
números de registros nunca citados, como se soubesse algo exclusivo que ninguém
poderia saber a não ser pela sua própria síntese apresentada nas obras. Todavia,
uma gama colossal de historiadores antiguistas do Brasil até Nova Zelândia,
mostram em diversos livros e artigos que suas fontes analisadas dão resultados
idênticos aos dados que Heródoto e Tucídides descreviam sem citar. O que nos leva
a crer que as fontes lidas hoje em dia e citadas eram as mesmas lidas pelos mestres
gregos e, embora não as citassem, muito provavelmente por decisões pessoais, ainda
assim não mudaram nenhuma vírgula de nenhum escrito.
Tanto a escrita da história pelo povo grego quanto pelo romano tinha atribuições
muito similares. Ambos os casos os textos tinham um cuidado sacralizado com
documentos bélicos, uma poética expressiva e uma mescla com mitos de seus povos.
A mitologia grega e romana estão indissociáveis da história propriamente dita. É por
isso que o século XX traz homens como Pierre Grimal, Pierre Vidal Naquet ou um
Jean Pierre Vernant. Os mitos são dados também históricos hoje em dia e há 70 anos
isso também era assim. Podemos ver o exemplo de Cícero. Um homem de valor e de
grande erudição que ao contar a história do povo romano, faz questão de citar o
mito de Rômulo e Remo. A clássica história dos predestinados criados por uma loba
que voltam, brigam entre si, Remo morre e Rômulo batiza a cidade em seu nome
estava presente na tradição mental popular romana durante muito tempo. Um
intelectual à moda de Cícero jamais iria dispensar essa explicação, naturalmente.
Até hoje em dia o mito é popular. Podemos ver a loba de Rômulo e Remo no escudo
8

do time de futebol Roma (aquele mesmo que Francesco Totti deitava e rolava no
ataque). Também fora estudado em vários motes. Não é nem preciso dizer a
excitação de René Girard ao ler a inveja entre irmãos fundaram uma sociedade e um
povo marcado pelo sangue inicial assim como Caim mata Abel, ou um Freud
delirando em delícias mentais ao ver um mito que funda um povo com um
assassinato primordial. Mas para o povo da época o mito não era objeto de estudo,
era a fundação da realidade e dos propósitos humanos. Roma, formada na Colina do
Palatino é vista como uma benção. Longe do mar, Cícero agradece de joelhos a
sabedoria divina de Rômulo por fundar Roma num lugar de difícil invasão. Quando
os geólogos do século XX estudaram o solo romano viram que Rômulo não era tão
espertinho assim (não para um nível de um Guan Yu, mas culto para o nível de um
Felipe Neto). O solo há séculos atrás era um lamaçal satânico que impossibilitava
qualquer cultivo. Por isso mesmo Roma precisou conquistar outras terras férteis
para sobreviver. Eu não entendo isso como burrice. Um homem de seu tempo
acredita nos mitos do presente. Se Cícero era burro por pensar história com
mitologia, assim como Heródoto e Tucídides, então não tem porque não considerar
alguém que acreditou nos cientistas positivistas brasileiros do século XIX que o
negro era inferior ao branco neurologicamente falando ou alguém que crê na mesma
classe de cientistas a respeito de vacinas contra o Sars – Cov 2. A autoridade é um
laxante dos neurônios. Onde ela passa, as mentes ficam relaxadas. Isso não é
novidade e creio ser difícil mudar.

Secção II: Cronistas Medievais.

N
a Idade Média, a fé cristã assume o lugar dos mitos antigos e os
historiadores chamam-se de cronistas. O
sistema é análogo. Faz-se história de
viagens, faz-se história de guerras, sobre lendas,
cultura popular, sobre a igreja e tantos outros
assuntos cativantes dessa linda época. Mas eu
faço questão de mostrar como as crônicas eram
esteticamente produzidas nos livros (grande
invenção medieval). A composição artística era
tão bela, que falta-me palavras descritivas.
Apresento abaixo, respectivamente, uma crônica
britânica e outra francesa de Hanaut do século
XII.
9

Só para deixar claro, cada desenho desse era feito à mão. De todo modo, podemos
ver um seguimento até um tanto padronizado nos temas que eram abordados dentro
dessa historiografia primitiva (sem entender primitivo como pejorativo). No período
do Renascimento, os intelectuais aristocratas tinham um descaso muito grande
pelas crônicas medievais. Sua pretensa forma de ver a Idade Média converteu-se em
descaso e infelizmente muitos desses belos textos foram obliterados pelo tempo e
pela falta de cuidado. O carinho dos modernos era pelos gregos e romanos. O amor
de Erasmo por Cícero, de Dante por Virgílio, dos padres por Boécio etc.
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De todo modo, as crônicas ainda são fontes primorosas para se estudar os fazeres
intelectuais medievais e atrai até os dias de hoje muitas pessoas para o estudo da
Idade Média.

Secção III: Os Factualistas Modernos.

A
história ainda segue padrão de escrita análogo entre os séculos XVI ao XIX.
Sustentados por reis e nobres de vários locais europeus, autores pomposos
fizeram uma gama de textos clássicos da historiografia a respeito também de
reis, nobres, guerras e riquezas. Cada um desses autores, podemos citar um Edward
Gibbon, um Hippolyte Taine, acreditavam no que chamamos de generalização das
fontes. Nenhuma obra historiográfica desse período longo usava de uma imaginação
pessoal para pensar povos e culturas. Não se estudava isso. Estudava feitos de reis,
de nobres e de guerreiros. O que bastava eram os registros considerados verdadeiros
pelos mestres. Lia-se muitos textos. 500 documentos eram compilados em um livro
de 600 páginas resumindo aquilo que o historiador estudou. Não haviam debates
historiográficos, pois tal fenômeno de estudo era um consenso na Europa inteira.
Esse tipo de escrita foi ainda mais acentuado nas mãos de David Hume, Augusto
Comte e seus seguidores. No caso de Hume, nem tanto. O autor escocês foi um
fracasso gigante em tudo o que tentou na vida. Um advogado fracassado que
abandonou a carreira para ser filósofo, rompendo com uma tradição de profissão da
família e sendo duramente odiado por seus parentes por isso. Um filósofo inculto
nas obras de gregos e escolásticos com teses que já haviam sido refutadas por esses
autores que ele nunca leu na vida. Não à toa, foi rejeitado no concurso de professor
universitário e escreveu linhas e mais linhas de ofensas aos acadêmicos de sua época
com teorias insanas de como a educação britânica estava indo para um buraco sujo.
Até hoje aliás, a educação britânica é uma das melhores educações do mundo. Como
última tentativa de agradar alguém que não fosse o Immanuel Kant, tão inteligente
em filosofia quanto Hume, decidiu virar historiador. Escreveu livros enfadonhos
sobre história da Inglaterra em seis volumes. Os livros eram tão ruins que até seus
amigos acharam a obra bisonha, isto é, as obras eram toscas até para os padrões
factualistas e iluministas da época. Ser considerado mais inculto que os iluministas
não deve ser algo gostoso psicologicamente falando. Como ninguém gostou dos
livros exceto ele, rompeu amizade com todo mundo. Quem ainda era seu amigo,
como Baruch Espinoza, também o deixou na mão porque além de arrogante, Hume
tratava suas visitas muito mal, não lhe servindo comida e se intrometendo na vida
intelectual de seus colegas. Morreu sozinho, amargurado e refutado por seu país
inteiro.
Comte por sua vez, teve mais sucesso na vida. Sua teoria do positivismo fez um
grande sucesso na Europa e conta com alguns adeptos até hoje no meio intelectual.
Em chans de internet não é possível saber quantos adolescentes que escondem o
nome e o rosto tem para suas vidas esse tipo de filosofia. Comte não agregou
11

absolutamente nada nos estudos históricos, tanto em tema quanto em método. Já


não podemos dizer o mesmo de seus seguidores. Quanto ao intelectual em questão,
Comte decidiu tratar a história como uma ciência social ou uma ciência humana com
métodos factualistas. Nunca houvera antes um autor que pensasse na história como
ciência. Sempre lembro de Hugo de São Vitor no seu Didascálicon fazendo as
divisões das ciências. Tudo entra. Da lógica até gastronomia. História não. É
somente com Comte que a história ganha status de estudo científico, por mais que o
método ainda tenha sido o tradicional. Podemos ver que se trata de uma convenção
no estudo histórico. Não se pensava até então numa mudança brusca ou sutil.
Todavia, no século XIX, alguns autores começaram a questionar o factualismo e o
poetismo na história, pensando se a dualidade Res Facte e Res Ficte não deveria ser
de fato abolida. Só se pode fazer isso? Não é preciso um estudo mais denso? Aqui
começa a devastação.
12

CAPÍTULO II

PIONEIROS DE UMA GUERRA

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Secção I: Quem deu Origem à essas Coisas?

S
éculo XIX... 1801 a 1900. Período em que a Europa passa por diversas
mudanças políticas na França e na Alemanha, principalmente. Na
intelectualidade não foi diferente. Convém dizer que o cenário era o seguinte:
os factualistas e positivistas dominavam as cátedras de todo lugar que alguém
pudesse pensar. Positivismo tudo quanto é lugar. Ninguém se opunha a esmagadora
maioria, convenção já disse. Todavia, por mais que esses autores tivessem tido
séculos de sossego sem contestação e muitos financiamentos, alguns homens
decidiram romper a tradição historiográfica.
O primeiro que vale a pena mencionar pela sua fama colossal é Georg Wilhelm
Friedrich Hegel. Fecundamente um autor de filosofia, traz pela primeira vez a
inauguração da chamada filosofia da história.5 Considero a filosofia hegeliana a
mais complexa de todas. Note, não falo de escrita densa. Edmund Husserl nesse
sentido humilha qualquer um que tente a luta. Refiro-me, em totalidade, à suas
teses. Durante um período imenso da filosofia ocidental, de Pitágoras até Kant, a
cosmovisão detinha uma função dualística. Assumia a divisão de um mundo físico,
material e representativo e a possibilidade de um mundo imaterial, apresentativo e
metafísico. Durante séculos a discussão ficou aqui, entre Heráclito e Parmênides,
Platão e Aristóteles, São Tomás de Aquino e Santo Anselmo entre Leibniz e Kant e
tantos outros. Seja para negar o mundo material (Berkeley), seja para negar o
mundo imaterial (Hume), a filosofia girava, em um de seus vários braços, nesses
termos. Por mais que houvessem teses diferentes, todos julgavam que ambos os
mundos eram heterogêneos, além de suas existências possíveis logicamente. Hegel
não foge desse assunto, mas une os dois mundos em um mundo só. Dizer que o
mundo efetivo é uma manifestação sintética de um Espírito Puro em uma luta
dialética tética e antitética não é sentença fácil de se estudar. A lógica e a ontologia
geral ganham nova significação porque não mais tratam de uma correlação entre
mundos, mas de uma união de funções antinômicas. Isso gera uma confusão grande
na mente de qualquer um. O Espírito Puro é o grande determinador de nossa
5
Pode-se pensar se Kant não seria o pioneiro. Por mais que os iluministas todos tenham ajudado com
uma interpretação não factual da história, é só com Hegel que isso vira método.
13

consciência e nela está a filosofia, porque a mesma é trabalho do conceito. A pobre


história não pode fugir das especulações de Hegel que a entendeu como algo
determinado, com um ciclo de problemas e catástrofes que iam de tempos em
tempos conjurando novas formas até períodos de grande evolução (no sentido
iluminista do termo). Tempo esse que Hegel vivia; raça que Hegel participava,
obviamente. A História ganhou começo, meio e fim. Não mais interessada em narrar
guerras, a cultura ganha timologia, hierarquia de valores e passa a ser determinada
por melhor. Vira, de certo modo, uma metafísica muito esquisita.
Leopold Von Ranke não era, digamos, um opositor à Hegel em assuntos filosóficos,
não era, de fato, um filósofo. Mas era, sem dúvidas, um opositor em assuntos
historiográficos. Sem atacar a filosofia pura de Hegel enquanto premissa, atacou a
conclusão. Para Ranke, nada do que Hegel falava sobre história fazia sentido. Não
havia trabalho com fontes, narrativas, práticas e representações, somente, se isso
não for ofensa à filosofia, uma filosofia em full doxa. Um Espírito que determinava
o curso das coisas parecia mais uma crença religiosa do que uma hipótese científica.
6
Por mais que sua crítica à Hegel tenha sido vista por bons olhos pelos positivistas,
Von Ranke também criticou seus colegas por desprezarem estudos da cultura por
meio da história. Historia de los Papas in la Epoca Moderna de Ranke ainda seguia
as convenções de uma análise generalizada nos documentos e atribuições políticas
(os joguinhos de poder que comentei acima). Mas ele predica isso na arte e na
religião, coisa vista até então como herética. Por respeito e temor que tinham de
Ranke os intelectuais não perseguiram ele na pretensão de bani-lo da universidade
como fizeram com outros. Definiram que talvez desse mesmo para estudar cultura,
desde que com métodos convencionais, mas nada poderia passar o estudo de Ranke.
Querendo abrir uma nova corrente, o feitiço de Ranke voltou para ele, pois ao invés
6
Ranke era um historiador muito famoso em toda a Europa. Todavia sua crítica à Hegel não ficou
famosa. A comunidade intelectual só dava atenção para objeções contra filosofia se fossem feitas por
filósofos. Doravante, os hegelianos estavam muito ocupados com uma crítica feita à Hegel pelo autor
Adolf Trendelenburg (um zapzap da época). Trendelenburg defendeu em sua obra “Pesquisas
Lógicas” que Hegel confunde contradição Lógica com contrariedade real (justamente por achar que a
lógica é uma manifestação metafísica do trololó ontológico). Uma contradição lógica seria uma
resultante numa dada função interpretação θ1 onde em ambos os casos temos resultado semântico
falso do operador verofuncional em questão. Supondo que θ1 tenha uma proposição P↔Q e também
vamos supor que essa função interpretação θ1 diga que se P for verdadeiro, Q será falso e vice-versa.
Então tomemos uma tabela verdade bicondicional.
P Q P↔Q
v f f
f v f
Ambos os casos a equivalência verofuncional é falsa porque como sabemos, uma equivalência só é
verdadeira se tivermos ambos os valores verdade iguais (ou tudo verdade ou tudo falso). Uma
contrariedade real seria uma espécie de hipocrisia. Eu mato alguém e quando alguém tenta me matar
e processo a pessoa, o juiz não aceita o processo porque eu não ligo, pragmaticamente, para o direito
à vida, propriedade ou sei lá o que. Alguns autores dialéticos acham que isso é contradição. Pode ser
na práxis, mas não é na lógica. Reale, citando o autor “Ou se considera de modo puramente lógico a
negação dialética, e então ela nega aquilo que o primeiro conceito afirma sem pôr em seu lugar algo
novo, ou é entendida de modo real, e então o conceito afirmativo é negado por novo conceito
afirmativo” (REALE, 2017, p. 53). Isto é, (⌐P→Q) XOR R→ (⌐C ^ C). Confundir hipocrisia com
contradição lógica seria uma contradição lógica onde a realidade traz uma conjunção de um C
verdadeiro que vira falso por outro C verdadeiro. A dialética hegeliana assim, não serve para nada.
14

de sua obra servir para ajudar novos estudos, na verdade ela foi tomada como limite
de estudos culturais e que qualquer tentativa de falar dos mesmos assuntos
rankeanos sem usar o método do mesmo, seria já uma obra morta.
Karl Marx e Friedrich Engels também ajudaram na fomentação de uma história não
factual ao inverter a fórmula hegeliana dizendo estar de cabeça para baixo. O
marxismo a luz de Marx é um hegelianismo que está na ordem certa. Marx buscou
analisar as tensões materiais como fundamento para as mudanças históricas. Seu
pensamento influenciou muitos historiadores do século XX. Hoje já está mais
démodé na história, mas ainda tem grande força na sociologia e na filosofia.

Secção II: Controvérsia de Lamprecht, Comte, Durkheim e Economicistas.

A
historiografia chama o ano de 1900 de o ano da controvérsia de Lamprecht.
Karl Lamprecht foi um historiador alemão especializado em história
econômica. Na universidade de Leipzig onde lecionava, Lemprecht decidiu
entrar em oposição com seus colegas docentes, ao afirmar que a história econômica
precisava de sociologia. Sua ideia, era forjar uma história socioeconômica onde a
economia influencia a sociedade e a sociedade influencia a economia. Não preciso
dizer que seus amigos viraram inimigos, lembrando Lemprecht do limite de Von
Ranke e o perseguindo amargamente até a sua aposentadoria. Por mais que tivessem
feito a vida de Lemprecht um verdadeiro inferno (assim como o STF faz com que eu
defenda remoção física), o autor alemão conseguiu divulgar seus livros por toda a
Europa, influenciando autores como Paul Monteaux ou Numa Denis Fustel de
Coulanges. Todos esses autores as vezes são chamados de positivistas, mas isso é
falso. São os primeiros a romper com a convenção que estudamos e descrevemos. Na
medida que o tempo ia avançando, tais autores citados iam ganhando mais adeptos
dentro dos estudos de história econômica e também, como sempre, mais inimigos.
Comte nomeou de “insignificantes detalhes estudados infantilmente pela
curiosidade irracional de compiladores cegos de anedotas inúteis”.7 Criticou
qualquer possibilidade, na segunda metade do século XIX de se fazer uma história
social. Seus seguidores foram grandes críticos de Lamprecht e cia.8 Emile Durkheim
defendia que o método sociológico e historiográfico eram diferentes em tudo e não
era possível unir ambos num estudo sintético. Devo dizer que concordo com
Durkheim. O método sociológico cria um modelo não logicamente demonstrado e
enfia dados do passado dentro dele para provar o método não provado. Isso é muito
incoerente para se usar em história. Por isso mesmo eu, um fanático por Lucien
Febvre, inimigo jurado do anacronismo na história, sou contra a história
sociológica. Mas uma história social não deve necessariamente usar o método
sociológico. Ela pode estudar a sociedade sem criar modelos abstratos para

7
Burke, 2012, p. 24.
8
Talvez os positivistas se acham inteligentes por negar que alguém possa saber a validez da metafísica. Que
eles não conseguem estudar esse assunto, já sabemos há 200 anos. Mas dizer que ninguém consegue já é um
exagero.
15

fundamentar suas meras opiniões sem consistência que só são famosas por fazerem
parte de cartilhas de políticos demagógicos. Um amante das obras de Durkheim,
Marc Bloch, afirma essa distinção de método embora poder-se-ia fazer uma história
antropológica. Ambos têm toda razão.
De todo modo, na França, Paul Monteaux e Fustel de Coulanges influenciaram
novos pesquisadores na área a estudar mais a sociedade na história e a dialogar com
várias ciências humanas, naturais e até exatas. Um deles foi Henri Berr. Ao terminar
suas especializações, Berr criou a Revue de Synthèse Historique que reunia
intelectuais de várias áreas como geografia, filosofia, sociologia, matemática,
literatura etc. para unir seus saberes com o saber da história. Sendo um opositor dos
positivistas (a maioria velhos ressentidos), Berr dava atenção para a contratação de
jovens historiadores. Lendo os jornais, decidiu contratar dois historiadores jovens e
recém-formados. Berr não sabia, mas sua contratação iria mudar para sempre a
história da história. Trouxe para dentro de sua humildade revista a verdadeira
devastação da convenção. Seus nomes: Marc Bloch e Lucien Febvre.
16

CAPÍTULO III

ENFIM, OS ANNALES

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Secção I: Movimentos Paralelos, Fundação da Revista, Bloch e Febvre.

M
arc Bloch e Lucien Febvre começaram a chamar a atenção a fizeram e
revista de Berr ganhar muitos leitores acadêmicos. Por mais novos que
fossem, sua erudição era absurda e sua escrita, cativante. Tinha algo de
especial nos dois e seus nomes circulavam por toda França. Enquanto Bloch e
Febvre impactavam o cenário da história, alguns outros autores começaram a
defender uma história social ou, prefiro, antropológica sem saber nada sobre Bloch e
Febvre. Um deles foi Henri Pirenne, grande medievalista que se opôs aos estudos
positivistas. No auge de sua fama, sua obra foi conhecida por Bloch e Febvre que
ficaram ainda mais motivados em escrever sobre uma história com novas
abordagens. Enquanto isso, nos Estados Unidos, sem saber o que se passava na
academia europeia, dois historiadores americanos, Frederick Jackson Turner e
James Harvey Robinson (que quase me fazem acreditar no Volksgeist do Savigny)
defenderam uma história fora dos parâmetros positivistas. Decidiram chamar de
New History. Essa nova história demorou para chegar na Europa, por volta da
década de 70. Entretanto, foi fecunda nos EUA e no Brasil, influenciando homens
como Gilberto Freyre, José Guilherme Merquior, João Camilo de Oliveira Torres,
Gustavo Corção e tantos outros. Isso foi interessante para o Brasil, dominado pelos
estudos positivistas de Carl Friedrich Philipp von Martius e Francisco Adolfo
Varnhagen no I.H.G.B (instituto de história e geografia brasileira). Freyre e cia
conseguiram derrocar tudo isso junto com marxistas como Sérgio Buarque de
Holanda, Caio Prado jr, Darcy Ribeiro e Jacob Gorender.
Após a morte de Berr, Bloch e Febvre decidiram fazer sua revista própria. A revista
do Annales foi fundada, mas ambos os autores não queriam ser editores do
programa. Fizeram um convite para Henri Pirenne para chefiar a revista. Por mais
que tivesse simpatia pelos dois, Pirenne estava muito ocupado academicamente e,
amigavelmente, teve que recusar. Bloch e Febvre assumiram o projeto e foram
editores da revista até a morte. Cada historiador dos Annales teve sua relevância
intelectual e influenciaram alguma área de pesquisa histórica. Marc Bloch foi um
autor muito fecundo, apenas parado pelo fuzil dos nazistas. Foi um grande
especialista em Idade Média, retirando do período as famas mentirosas feitas pelos
iluministas e renascentistas. Bloch atacou principalmente a tese da importância da
taumaturgia na Europa Ocidental, defendendo que tal poder da realeza só era crido
na França na Baixa Idade Média, tese que aparece sutilmente em Ernst Kantorowicz
um pouco depois no “Os Dois Corpos do Rei”. Os estudos sobre medievo mudaram
graças a Marc Bloch. Era um senhor muito calmo, aberto ao diálogo, um judeu
17

taciturno e pacífico que sempre discutia amistosamente com opositores da chamada


“moda dos Annales”. Era por isso que até seus opositores gostavam dele e ficaram
triste com seu assassinato. “Os Reis Taumaturgos” de Bloch é uma das obras mais
lidas sobre Idade Média até hoje. Seu “Estranha Derrota” abalou muito a história
contemporânea e seu “Apologia da História” ainda é tido como uma das obras de
metodologia mais densas de todas, embora inacabada devido à prisão do autor pelos
nazistas.
Lucien Febvre era católico e um pouco mais velho que Bloch. Ao contrário de seu
amado amigo, Febvre era odiado por seus opositores por ser debochado e ácido nos
comentários. O leitor pode ler as obras de Bloch e verá a simpatia de um homem
tranquilo. Ao se ler Febvre você encontrará coisas que não aparecem em Bloch,
como por exemplo dezenas de páginas zombando de historiadores que perderam o
emprego e foram trabalhar de padeiros no interior da França por falsificarem
documentos em suas teses. Especialista no século XVI, Febvre escreveu o famoso
“Problema da Incredulidade no Século XVI.” Eu chamo esse livro de tratado contra
o anacronismo. Febvre buscou analisar a figura de François Rabelais, grande
escritor francês, autor de Gargantua e Pantagruel. Os historiadores do século XIX
entendiam Rabelais como inimigo de Cristo, isto é, o primeiro ateu declarado.
Centenas de livros foram escritos para provar, através de Rabelais, que o século XVI
inaugura o ateísmo por meio da literatura crítica. Febvre decide atacar essa tese. O
autor vai analisar todas as fontes usadas para a defesa do ateísmo de Rabelais. Irei
citar duas fontes: os epigramas de Visagier e a carta de João Calvino. Visagier
escreve textos acusando alguém de ser inimigo da igreja católica romana. Ao ler os
textos, Febvre vê que Visagier não cita Rabelais, mas um outro autor: François
Dolet. Os antigos mentiram fontes em suas teses, o mesmo que dizer que “Suma
Teológica” escrita por Immanuel Kant é prova de seu cristianismo. Calvino de fato
chama Rabelais de um inimigo de Cristo, mas diz logo abaixo que isso é uma piada,
já que os católicos o chamavam assim porque Pantagruel e Gargantua faziam
paródia com membros do clero católico. Apenas uma piada. Febvre conclui que é
difícil dizer se alguém é ateu sem dizer nada sobre isso, mas certamente o século
XVI era um século que ainda queria acreditar em Deus.
Podemos ver que os estudos famosos de ambos os autores foram feitos para atacar
velhas concepções aporéticas e falsas. Tanto Bloch quanto Febvre mudaram o modo
de escrever sobre a história. Não só os documentos, mas também a imaginação; não
só interesses pormenores, mas um método retrógrado de análise. Todos os
intelectuais dos Annales vão seguir mesma linha de trabalho, mesmo com todas suas
diferenças. Passemos agora a ver a segunda geração da escola.

Secção II: Braudel e a Longa Duração

A
pós a morte dos dois fundadores, a revista foi chefiada por Fernand Braudel.
O autor foi um grande aproximador da geografia na história. Para ele,
muitos fenômenos econômicos eram explicados por ocorrências na geografia
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de um lugar e cada geografia diferente condicionava povos diferentes. Muito se


critica Braudel por ser um determinista histórico, embora acho essa crítica
exagerada já que autor não considera a geografia como única influencia social. De
todo modo, Braudel dominou as universidades francesas. Suas teses eram lidas em
todos os lugares. Autor de grande capacidade conceitual, forjou o “O Mediterrâneo”
e o fantástico “Civilização Material e Capitalismo”. No “O Mediterrâneo” a proposta
é analisar a economia mediterrânea sem entrar em análises marxistas. Braudel
defende a aplicação da história de longa duração, isto é, analisar fenômenos
culturais numa grande amplitude temporal para evitar imediatismo psicológicos.
Febvre, por exemplo, cria o termo instrumental – mental para analisar as
mentalidades das massas anônimas (o famoso povão). Braudel vai dizer que isso só
tem seu devido cumprimento se e somente se o instrumental – mental levar em
conta a duração temporal. O tempo de Braudel passa de modo diferente para cada
época. Por exemplo, em 50 anos na França, as faculdades medievais conseguiram um
corpo forte e sólido. No Brasil isso não foi o suficiente. Por que um tempo funciona
para um povo e para outro não? É preciso percorrer a longa duração do povo para
entender seus fenômenos. Outro conceito usado é o “economia – mundo”. Braudel
entende que as produções econômicas são demarcadas territorialmente e há uma
variante muito grande da forma que é produzida, como o povo entende a produção e
o que é feito com ela. Cada fragmento econômico é um mundo próprio que vai
somando-se num grande organismo. O mediterrâneo é um organismo cheio de
economia – mundo, por exemplo. Vale dizer também que o “Civilização Material” é
sua obra mais madura. Embora os Anneles de todos os tempos tenham sua
divergência com o marxismo, Braudel nessa obra usa alguns termos marxistas. Não
sei ao certo o motivo dessa mudança ainda que sutil. Talvez tenha visto no
marxismo alguma positividade (no sentido ferreriano do termo).
Le Roy Landurie e Immanuel Wallerstein também seguem a conceituação de mundo
e de longa duração de Braudel em seus estudos, tanto econômicos quanto culturais.
Podemos entender Braudel como um autor que fornece uma alternativa de
materialismo quanto ao estudo de história econômica. Por mais que tenha
aproximado do marxismo no fim da vida, nunca deixou de mostrar suas divergências
para com Marx e Engels.

Secção III: A Longa Idade Média de Le Goff, a Cultura de Nora, o Feudo de Duby e as
Mulheres dos Annales.

A
terceira geração foi chefiada por Jacques Le Goff, grande admirador de
Bloch e Braudel. Le Goff se especializou em história medieval e trouxe uma
grande novidade de fontes as quais tenho muito carinho e uso com certa
frequência para meus estudos pessoais. A obra de Le Goff e dos outros autores da
terceira geração é muito vasta, necessitando de um texto para cada autor que
certamente não vou fazer (exceto com Girard) afinal de contas, esse texto é só uma
propedêutica. Le Goff usa a longa duração para entender a Idade Média. Um período
19

para ele muito distante das falácias modernistas, que o encantou e trouxe nostalgia
de algo que nunca havia vivido de perto. Uma Idade Média longa de lenta mudança
cultural. Definidora do Estado como conhecemos; elevadora do cristianismo tão
influente no ocidente; inventor dos livros, dos garfos e tantas outras coisas; de
tecnologias agrícolas até sistematização pedagógica; as ordens mendicantes; as
universidades. Le Goff fala de tudo. Pierre Nora trouxe muitas contribuições para a
história da França contemporânea que ainda era servida de Taine. Nora analisa as
mentalidades e não jogos de poder para mostrar o curso da cultura francesa. Duby
ataca as teses convencionais sobre o feudalismo, mostrando as nuances das relações
de vassalagens e o papel da igreja de Roma. As mulheres só foram entrar nos
Annales na terceira geração. De todas, a mais famosa é Regine Pernoud, grande
historiadora católica e medievalista. De todos seus trabalhos, creio que os mais
importantes são sobre a mulher na Idade Média, desmentido muitas maluquices
sobre a vida feminina no período. Nem preciso dizer que é odiada pelas feministas.

Secção IV: Foucault e Girard.

M
ichel Foucault é muito citado no meio de filosofia e entendido como um
filósofo. Não concordo com essa afirmativa, aliás, nem o autor concorda
como podemos ver no Par Lui Meme:
“A vrai dire, je ne suis pas philosophe. Je ne fais pas de philosophie dans ce
que je fais. Si je devais me nommer, donner une étiquette, dire ce que je
suis, j'avoue que je serais terriblement embarras. Je ne demande pas
"qu'est-ce que connaissance ". Mon problème n'est pas de savoir si les
discours scientifiques sont vrais ou non. Qu'elle soit liée à une objectivité
ou non. S'il faut les considérer comme cohérents ou simplement
confortables. S'ils sont l'expression d'une terrible réalité. Rien de tout cela
n'est mon problème. Je dirais qu'il faut faire une histoire des
problématisations. C'est-à-dire l'histoire de la façon dont les choses
produisent des problèmes.”
Assim sendo, Foucault é um historiador das problematizações, conceito que aparece
em Bloch como História – Problema. É um autor de método presentista, o método
retrogrado de Bloch. Claro que Foucault tem várias diferenças e por isso nem todos
sabem que era colaborador dos Annales. Mesma coisa ocorre com René Girard,
criador da teoria mimética. Seu trabalho de história antropológica que dialoga com
literatura, mitologia e teologia, é tão amplo e causou tanto estrago por discutir com
Freud, Hegel e Heidegger que foi necessário criar um instituo próprio. Irei falar
mais de Girard quando houver melhor oportunidade. A seguir o leitor encontrará
alguns livros que julgo relevantes para um bom entendimento dos Annales.


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BIBLIOGRAFIA
BLOCH, M. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Tradução: André
Telles. 1. ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 159 p.
BLOCH, M. Introducción a la Historia. Tradução: P. G. Casanova e M. Aub. 1. ed. –
México: Fondo de Cultura Económica, 2011. 126 p.
BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. 1. ed. – São Paulo: Perspectiva, 294 p.
BRAUDEL, F. Las Ambiciones de la Historia. Tradução: M. J. Furio. 1. Ed. –
Barcelona: Crítica, 2002. 499 p.
BRAUDEL, F. La Historia y la Ciencias Sociales. Tradução: J. G. Mendoza. 2. ed. –
Madrid: Allianza, 1970. 220 p.
BURKE, P. A Escola dos Annales: a revolução francesa da historiografia. Tradução:
Nilo Odália. 2. ed. – São Paulo: Unesp, 1992. 216 p.
FEBVRE, L. Combates per la Historia. Tradução: F. J. F. Buey e E. Arguillol. 1. ed.
– Barcelona: Ariel, 1982. 246 p.
LE GOFF, J. A História Deve Ser Dividida em Pedaços? Tradução: N. A. Bonatti. 1.
ed. – São Paulo: Unesp, 2014. 149 p.
LE GOFF, J. A Nova História. Tradução: Eduardo Brandão. 1. ed. – São Paulo:
Martins Fontes, 1990. 318 p.
LE GOFF, J. História e Memória. Tradução: Bernardo Leitão. 1. ed. – Campinas:
UNICAMP, 1990. 553 p.
LE GOFF, J. e NORA, P. História: novas abordagens. Tradução: Henrique Mesquita.
1. ed. – Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1976. 196 p.

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