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1ª edição

Janeiro 2019

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COORDENAÇÃO TÉCNICA E EQUIPA DE PERITOS
CIENTÍFICA
Ana Filipa Santos
Médica interna de Pneumologia no Hospital de
Pedro Vasconcelos Egas Moniz - Centro Hospital Lisboa Ocidental
Enfermeiro do Instituto Nacional de Emergência Médica na VMER de Cascais
Médica, com competência VMER e SIV
Enfermeiro da ambulância SIV Lisboa e do SHEM
– Serviço de Helitransporte de Emergência Cláudia Alfarrobinha
Médica Enfermeira no serviço de urgência pediátrica do
Enfermeiro especialista em Enfermagem Hospital São Bernardo
Médico-Cirúrgica Enfermeira especialista em Enfermagem Médico-
Mestre em Enfermagem à Pessoa em Situação Cirúrgica
Crítica Mestre em Enfermagem à Pessoa em Situação
Pós-graduado em Intervenção Humanitária e Crítica
Catástrofe Instrutora de SBV e SAV Pediátrico do Hospital São
Instrutor ITLS - International Trauma Life Support Bernardo
Instrutor de SBV e SAV pela American Heart
Association Nuno Delicado
Formador do INEM – Instituto Nacional de Enfermeiro no serviço de urgência do Centro
Emergência Médica Hospitalar Lisboa Central.
Professor Coordenador da Pós-Graduação de
Gestão da Emergência Pré-Hospitalar do ISCIA –
Instituto Superior de Ciências da Informação e da
Administração

Maria Inês Oliveira


REVISÃO CIENTÍFICA Médica interna de Anestesiologia no Hospital São
Francisco Xavier - Centro Hospital Lisboa
Ocidental. VMER de São Francisco Xavier
Ana Correia
Internista na UCI do Hospital CUF Descobertas;
VMER Santa Maria Paulo Monteiro
Instrutor de SBV, SAV e SAV Pediátrico pela Enfermeiro na Unidade de Cuidados Intensivos
American Heart Association Polivalente do Hospital São Francisco Xavier –
Instrutora BASIC – Basic Assessment and Support in Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. VMER São
Intensive Care Francisco Xavier.
Instrutora ITLS – International Trauma Life Support
Formadora do INEM – Instituto Nacional de Rui Pereira
Emergência Médica Enfermeiro na urgência pediátrica do Hospital de
Évora – VMER Évora e SIV Estremoz.
Maria Bravo Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e
Médica Internista Pediátrica.
Coordenadora da Unidade de Atendimento
Urgente da Clínica de Santo António - Lusíadas Telma Caria
Pós-graduada em Gestão de Unidades de Saúde Médica interna de Anestesiologia no Hospital São
Instrutora de SBV e SAV pela American Heart Francisco Xavier - Centro Hospital Lisboa
Association Ocidental
Médica na VMER de São Francisco Xavier
Tiago Carvalho
Intensivista na UCI do Hospital de Vila Franca de
Tiago Amaral
Xira; VMER do Hospital de Vila Franca de Xira e no
Enfermeiro no Serviço de Urgência do Centro
SHEM – Serviço de Helitransporte de Emergência
Hospitalar Lisboa Central. VMER Hospital São José.
Médica
Mestre em Enfermagem à Pessoa em Situação
Instrutor de SBV e SAV pela American Heart
Crítica
Association

Stephanie Mer
Médica interna de Anestesiologia no Hospital São
Francisco Xavier - Centro Hospital Lisboa
Ocidental
Médica na VMER de São Francisco Xavier

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ABREVIATURAS

ABCI – ambulância de cuidados intensivos PEM – Posto de Emergência Médica


ABSC – ambulância de socorro PIC – pressão intra-craniana
ABTD – ambulância de transporte de doentes PPC - pressão de perfusão cerebral
AEM – ambulância de emergência médica PVT – pessoa vítima de trauma
AHA – American Heart Association RASS – Richmond Agitation-Sedation Scale
BO – bloco operatório RTS – revised trauma score
BPM – batimentos por minuto RX – raio x
CAP – Catéter Artéria Pulmonar SAV – suporte avançado de vida
CE – crânio-encefálico SBV – suporte básico de vida
CHLO – Centro Hospitalar Lisboa Ocidental SIEM – Sistema Integrado de Emergência Médica
CODU – centro de orientação de doentes SIV – suporte imediato de vida
urgentes SNS – serviço nacional de saúde
CT – centro de trauma SPCI – Sociedade Portuguesa de Cuidados
DGS – Direcção Geral de Saúde Intensivos
DPOC – doença pulmonar obstrutiva crónica SPO2 – saturação periférica de oxigénio
ERC – European Ressuscitation Council SU – serviço de urgência
EV – endovenoso TAC – tomografia axial computorizada
FAP – Força Aérea Portuguesa TET – tubo endo-traqueal
FAST – focused assesment with sonography for TCE – trauma crâneo-encefálico
trauma TDC – transporte do doente crítico
FC – frequência cardíaca TIPH – Transporte Inter-Hospitalar Pediátrico
GCS – glasgow coma score TVM – trauma vertebro-medular
HIC – hipertensão intra-craniana UCE – unidade de concentrado eritrocitário
Hgb – hemoglobina UCI – unidade de cuidados intensivos
HSA – hemorragia subaracnoideia VA – via aérea
HSD – hematoma subdural VDTD - Veículos Dedicados ao Transporte de
ILCOR – International Liaison Committee on Doentes
Ressuscitation VI – ventilação invasiva
IM – intramuscular VM – ventilação mecânica
IN – intranasal VMER – viatura médica de emergência e
INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica reanimação
IO – intraósseo VVT – via verde de trauma
IOT – intubação orotraqueal
IRA – insuficiência respiratória aguda
Lact - lactato
MCDT – meios complementares de diagnóstico e
terapêutica
OE – Ordem dos Enfermeiros
OM – Ordem dos Médicos
OVA – obstrução da via aérea
PAM – pressão arterial média
PAS – pressão arterial sistólica
PCR – paragem cardio-respiratória
PCRT – paragem cardio-respiratória traumática

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ÍNDICE

0.INTRODUÇÃO 6
Pedro Vasconcelos

1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO 7


Nuno Delicado

2.ORGANIZAÇÃO DO TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO 10


Pedro Vasconcelos

3.TRANSPORTE INTRA-HOSPITALAR 18
Pedro Vasconcelos, Paulo Monteiro

4.TRANSPORTE INTER-HOSPITALAR 23
Pedro Vasconcelos

5.TRANSPORTE TERRESTRE 26
Pedro Vasconcelos

6.TRANSPORTE AÉREO 30
Pedro Vasconcelos

7.ABORDAGEM DO DOENTE CRÍTICO 35


Pedro Vasconcelos

8.VIA AÉREA E VENTILAÇÃO NO TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO 39


Maria Inês Oliveira, Stephanie Mer, Telma Caria, Ana Filipa Santos

9.CHOQUE 49
Pedro Vasconcelos

10.MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA 54
Paulo Monteiro

11.PARAGEM CARDIORESPIRATÓRIA DURANTE O TRANSPORTE 60


Pedro Vasconcelos

12.TRANSPORTE DO POLITRAUMATIZADO 64
Pedro Vasconcelos

13.TRANSPORTE DO QUEIMADO 69
Tiago Amaral

14.TRANSPORTE DA CRIANÇA 73
Cláudia Alfarrobinha, Rui Pereira

APÊNDICES 85

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0.INTRODUÇÃO

Bem-vindo ao manual ATSDC – Abordagem, Transporte e Segurança do Doente Crítico.

O transporte do doente crítico é uma realidade que médicos e enfermeiros que trabalham em
qualquer serviço hospitalar lidam diariamente. Seja na transferência de doentes instáveis para o
bloco operatório ou para a realização de exames fundamentais ao seu diagnóstico e
tratamento, seja entre serviços com um nível assistencial inferior para outros de maior
diferenciação, todos os dias ocorrem dezenas de transportes de doentes em situação crítica em
qualquer hospital do país. Com o objectivo de dar resposta a esta necessidade, foi publicado o
despacho nº 10319/2014 que define as características da rede de serviços de urgência e os seus
níveis de responsabilidade, sublinhando a formação pós-graduada que médicos e enfermeiros
devem deter. Este despacho define que, para todos os níveis da rede, tanto médicos como
enfermeiros devem ser detentores, entre outras, de formação em transporte de doente crítico.

Surge assim este curso de transporte de doente crítico que muito orgulho temos em apresentar,
de forma a oferecer a médicos e enfermeiros uma oferta pedagógica de qualidade e que se
pretende venha ser de referência a nível nacional. Não sendo um pré-requisito para a
frequência do curso, é no entanto desejável que os médicos e enfermeiros que o frequentam
detenham já formação e experiência em suporte avançado de vida e do suporte avançado de
trauma.

O manual que serve de sustentação teórica ao curso foi elaborado tendo em conta os
documentos nacionais e internacionais mais relevantes nesta temática, incorporando a revisão
de artigos de relevância científica que ofereçam ao leitor a mais recente evidência disponível
na área do transporte do doente crítico.

Para além de serem abordados temas na área da gestão, decisão e planeamento do


transporte do doente crítico, este manual apresenta também conteúdos relacionados com a
abordagem ao doente crítico e a situações especiais de transporte, como sejam o
politraumatizado, o queimado, a criança e o doente ventilado.

Pedro F. Vasconcelos

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1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO

A história do transporte do doente crítico É através destes sistemas que a história da


está intimamente ligada à história do Emergência Extra Hospitalar e do Transporte
desenvolvimento dos cuidados de do Doente Crítico se desenha e resenha,
emergência extra-hospitalar. Assim, é nos até que a 1ª Guerra Mundial, muda a
cenários de guerra e nos conflitos bélicos filosofia de abordagem, centrada no
que se começa a trilhar a necessidade de principio da salvabilidade quer dos
garantir os cuidados imediatos e soldados, como de todos os feridos no
determinantes à sobrevivência dos feridos e campo de batalha, havendo recurso a
vítimas destes mesmos conflitos. todos os meios para os retirar do cenário
bélico, fosse através das forças terrestres, ou
O termo ambulância surge no século XI, mesmo através dos primeiros dirigíveis
sendo que a disseminação deste conceito utilizados.
é atribuível ao reino de Espanha durante as
cruzadas contra os mouros no século XV. É aqui que encontramos o primeiro registo
Segundo os relatos da época estes meios de cuidados organizados a feridos em
cingiam-se ao transporte dos feridos até aos Portugal, através do Corpo Expedicionário
denominados hospitais. Português na Grande Guerra, onde um
soldado ferido era inicialmente assistido por
É durante as invasões napoleónicas que os elementos nas linhas da frente, sendo
cuidados de emergência extra-hospitalares depois transportados de Ambulância para
se começam verdadeiramente a destacar, Hospitais de Retaguarda, com a
através do Barão Jean Dominique Larrey, participação activa da Cruz Vermelha
médico-chefe do exército napoleónico que Portuguesa e da Cruzada das Mulheres
no término do século XVIII introduz um Portuguesas, responsáveis em 1917 pelos
sistema de triagem bem como o conceito primeiros cursos de Enfermagem que se
de ambulâncias volantes no campo de destinavam a preparar Enfermeiras para os
batalha. Com o Barão Jean Dominque Hospitais Militares.
Larrey surgem então as primeiras equipas
médicas de que há registo que se A franca evolução dos cuidados aos feridos
deslocavam ao campo de batalha para de guerra, leva a um salto evolutivo nos
atender os feridos e os enfermos. cuidados e no transporte do doente crítico,
pensando-se na segunda metade do
No decorrer da Guerra Civil Americana, século XX e no domínio do ambiente civil,
Jonathan Letterman um cirurgião norte para a organização de Serviços de
americano, desenvolveu um sistema de Emergência Extra-Hospitalar, melhorando
primeiros socorros na qual a prioridade com isto os cuidados prestados às
consistia na evacuação dos feridos com a populações.
maior celeridade possível para os hospitais,
ao invés dos mesmos aguardarem por Em 1965 surge o primeiro sistema de
cuidados de saúde na denominada “front Emergência Extra-Hospitalar em Portugal,
line”. criado por despacho dos Ministros do
Interior e da Saúde e Assistência. Com o seu
Em Portugal, o primeiro registo normativo do início circunscrito a Lisboa e sob
transporte de doentes remonta a 1850 responsabilidade da Polícia de Segurança
quando em Lisboa esta questão se levanta Pública, este serviço limitava-se à prestação
como um dever do Reino e atribuído às de cuidados de Emergência Extra-
funções de serviço público das forças de Hospitalar na via pública, respectivo
segurança, sendo em 1868 publicado o levantamento e transporte de feridos e
Guia de Transporte de Doentes, que doentes aos hospitais, ficando conhecido
clarificava o papel das Forças de Policia, como o “Serviço 115”.
dos Aguadeiros da Cidade e das
Misericórdias na condução de doentes ao A necessidade de estender os cuidados à
Hospital de São José em Lisboa. emergência da sinistralidade rodoviária

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sentida por todo o país, o Governo cria o então a concessão de alvarás para a
Serviço Nacional de Ambulâncias (SNA) em actividade de transporte de doentes.
1971, através do Decreto-Lei nº 511/71 de 22
de Novembro, assumindo assim o SNA o As pontes urgiam criar entre os normativos e
papel de Coordenação do Serviço 115 e as boas práticas, levaram a que a
alargando o sistema a todo o território, Sociedade Portuguesa de Cuidados
coordenando as actividades das várias Intensivos (SPCI) publicasse em 1997 o seu
entidades que concorriam para o primeiro Guia de Transporte de Doentes
funcionamento do sistema: Bombeiros, Cruz Críticos, a que se seguiram em 2001 a ARS
Vermelha Portuguesa, PSP e GNR. Norte com a Norma de Transporte de
Transporte Secundário de Doentes.
Percebendo-se que um Sistema de
Emergência Extra-Hospitalar seria Mais recentemente, em 2008 a Sociedade
indissociável dos Cuidados Hospitalares, Portuguesa de Cuidados Intensivos revê o
através de Resolução do Conselho de Guia de Transporte de Doentes em
Ministros, a 11 de março de 1980 foi criado conjunto com a Ordem dos Médicos,
o Gabinete de Emergência Médica (GEM), criando um documento orientador e de
que teve como objectivo estudar um recomendações para o Transporte de
modelo de funcionamento de um Doente Crítico adaptado à luz do
organismo coordenador do Sistema conhecimento e tendo em consideração o
Integrado de Emergência Médica. É a partir impacto no aumento do número de
do trabalho realizado pelo GEM que é transportes associado à reorganização da
criado através do Decreto-Lei nº 234/81, o rede de Urgências e encaminhamento. Em
Instituto Nacional de Emergência Médica, 2012, o INEM elabora o seu manual de
extinguindo-se assim o SNA e o GEM, transporte de doente crítico que serve de
passando o INEM a assumir a função de fundamentação teórica para um módulo
organismo coordenador do Sistema de formação integrado nos cursos de VMER
Integrado de Emergência Médica em e SIV.
Portugal.
Importa assim perceber que actualmente o
Compete desde então ao INEM, entre Transporte do Doente Crítico em Portugal se
outras atribuições, o transporte assistido das deve orientar através de três normativos: o
vítimas para o local adequado e a actual Regulamento de Transporte de
articulação entre os vários intervenientes do Doentes, publicado através da Portaria do
SIEM. Ministério da Saúde n.º 260/2014 de 15 de
Dezembro, o Transporte Regional do
O transporte do doente crítico conforme o Doente Crítico publicado com o Despacho
conhecemos hoje, tem uma história muito n.º 10109/2014 de 6 de Agosto do Gabinete
recente. Desde sempre que os Hospitais do Secretário de Estado Adjunto do Ministro
criaram e mantiveram processos que da Saúde e o Transporte Integrado do
visavam o transporte de doentes entre si. Doente Crítico publicado no Despacho
n.º5058-D/2016 do Gabinete do Secretário
As dimensões e formas do transporte do de Estado Adjunto e da Saúde
doente crítico variam à escala planetária e
regional, objectivando-se, no entanto, em O actual Regulamento de Transporte de
1992 a criação de Normas de Boas Práticas Doentes define regras, com vista a
Clínicas para o Transporte Secundário de disciplinar, em concreto, e de forma
Doentes, pela Sociedade Americana de distinta, o exercício da actividade de
Cuidados Intensivos. transporte de doentes urgentes e
emergentes, por um lado, e por outro, o
Foi também em 1992 que em Portugal se dá exercício da actividade de transporte de
os primeiros passos para a criação de um doentes não urgentes.
Enquadramento Legal para o Transporte de
Doentes com a publicação do Decreto-Lei No que ao Transporte de Doentes em
n.º 38/92, passando a haver a partir de Situação Crítica diz respeito o mesmo
regulamento prevê a existência de

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Ambulâncias de Socorro e de Ambulâncias urgência básicos, médico-cirúrgicos ou
de Cuidados Intensivos, permitindo assim polivalentes devem deter formação
separar as actividades de Emergência Extra específica em transporte de doente crítico.
Hospitalar, do transporte secundário do
Doente Crítico, sendo que as suas Importa por fim perceber de que forma se
configurações e equipamento exigidos organiza o Transporte Integrado do Doente
variam entre si indo de encontro não só às Crítico, uma vez que este é assegurado no
necessidades das equipas de emergência âmbito do SIEM e o INEM assume um papel
extra hospitalar / transporte de doente de apoio e suporte aos estabelecimentos
crítico, mas acima de tudo de forma a se hospitalares do Serviço Nacional de Saúde
adaptar à organização dos serviços de no que ao Transporte de Doentes Críticos
emergência existentes em Portugal. diz respeito.

Com a publicação do Despacho n.º Com o Despacho n.º 5058-D/2016 de 13 de


10109/2014 de 6 de agosto o Instituto abril esclarece-se que o INEM disponibiliza
Nacional de Emergência Médica prevê a um meio de emergência sempre que
criação de um meio de Transporte Regional necessário para o transporte de um doente
de Doente Crítico assegurado por um crítico, competindo aos estabelecimentos
Médico, um Enfermeiro e um Técnico de hospitalares a disponibilização da equipa
Emergência sem que até ao momento clínica para assegurar o transporte. Este
tenha colocado a funcionar este meio de despacho esclarece ainda que em
emergência. Ainda em 2014, o despacho nº situações excepcionais e devidamente
10319/2014 do Ministério da Saúde que revê fundamentadas o transporte pode ser
a estrutura e os pontos de rede do SNS, realizado com recurso a uma Viatura
define que pelo menos 50% de todos os Médica de Emergência e Reanimação
médicos e enfermeiros dos serviços de (VMER).

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2. ORGANIZAÇÃO DO TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO

O Conselho Europeu define o transporte Ao transporte do doente do local de


urgente como toda a deslocação do acidente ou ocorrência de doença súbita
doente, ferido ou parturiente no melhor denomina-se transporte primário. Este é, em
intervalo de tempo possível, num veículo Portugal, da responsabilidade do Instituto
adaptado e tripulado por pessoal Nacional de Emergência Médica (INEM)
especializado. Importará pois, ao longo pelo que está devidamente enquadrado
deste capítulo, analisar as questões dentro das responsabilidades do Sistema
relacionadas com o tipo de transporte e as Integrado de Emergência Médica (SIEM) e
especificações da equipa que acompanha não será objecto de estudo central deste
o doente no transporte. Mas, antes disso, e manual. No entanto, mesmo dentro das
porque este manual se dedica ao unidades de saúde, é muitas vezes
transporte do doente crítico, importa necessário e até imprescindível proceder
enquadrar quais os doentes que se ao transporte do doente crítico, seja para a
encaixam neste perfil. realização de exames complementares de
diagnóstico e terapêutica considerados
Assim, doente crítico pode ser definido essenciais para o tratamento do doente,
como aquele que, por disfunção ou seja para facultar um nível assistencial
falência profunda de um ou mais órgãos ou superior. Pode ainda ser necessária a
sistemas, a sua sobrevivência esteja transferência de doente crítico entre duas
dependente de meios avançados de unidades hospitalares diferentes, para a
monitorização e terapêutica. Uma análise realização de exames complementares de
simplista poderá fazer crer que estes diagnóstico ou terapêutica inexistentes no
doentes apenas se encontram nas hospital de origem. A este processo
unidades de cuidados intensivos (UCI) ou denomina-se transporte secundário, sendo
nas salas de emergência dos serviços de este da responsabilidade da instituição
urgência (SU). No entanto, na realidade, o onde se encontra o doente (embora,
doente crítico poderá estar em qualquer nalguns casos, o INEM tenha algum nível de
sítio: um doente que descompensa num intervenção na operacionalização deste
qualquer serviço de internamento, num transporte, como será abordado mais à
centro de saúde ou numa clínica de diálise. frente neste manual).
Poderá ainda estar no seu domicílio ou na
via pública, como consequência de Alguma bibliografia considera o transporte
trauma, doença súbita ou agudização de entre duas unidades hospitalares distintas
doença crónica. Por este motivo, o como terciário. Apesar disso, englobaremos
transporte de doente crítico é uma neste manual todo o transporte de doente
realidade diária não apenas para quem crítico que não aquele da responsabilidade
presta cuidados na área da emergência ou da emergência pré-hospitalar como
dos cuidados intensivos, mas também para transporte secundário. Até porque, da
os operacionais da rede de emergência forma como está organizada a rede
pré-hospitalar e para os médicos e hospitalar em Portugal, com Centros
enfermeiros que desenvolvem a sua Hospitalares que vêm as suas valências
actividade em qualquer serviço hospitalar. divididas por dois ou mais hospitais, é por
vezes difícil distinguir do ponto de vista
Para que se cumpram os desígnios acima conceptual o que é transporte intra-
referidos do Conselho Europeu, o transporte hospitalar ou inter-hospitalar. Muitos são os
do doente crítico deverá estar integrado casos onde, dentro de um centro hospitalar,
numa rede do qual fará parte a o SU se encontra num hospital mas a sala
coordenação entre centro emissor e centro de hemodinâmica se encontra noutro, por
receptor e a rede que possibilita esse exemplo, fomentando um grande número
transporte. O transporte do doente crítico de transportes que seriam intra-hospitalares
pode ser definido como transporte primário mas que na verdade se efectuam entre
ou transporte secundário. dois hospitais distintos.

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Qualquer transporte acarreta custos e Considerando todos os riscos associados ao
riscos, quer para o doente quer para a transporte do doente crítico, a primeira
equipa de transporte, pelo que é tarefa da equipa de transporte será evitar
fundamental reflectir e ponderar muito bem todos os transportes considerados
se a realização de um determinado exame desnecessários ou cujos riscos sejam
traz benefícios para o tratamento do superiores ao eventual benefício do
doente que superem os riscos. transporte.

No sentido de mitigar os riscos e suas Tendo em conta a promoção de um


consequências para o doente crítico, é transporte seguro, podemos dividir o
fundamental a promoção de políticas e processo do transporte do doente crítico
procedimentos que tenham como em três fases distintas: Decisão,
objectivo a protecção da segurança do Planeamento e Efectivação.
doente submetido a transporte, seja ele
intra ou inter-hospitalar.

DECISÃO DO TRANSPORTE

SEGURANÇA NO TRANSPORTE
Tal como referido no ponto anterior, o
primeiro passo no transporte do doente
De uma forma conceptual, podemos definir crítico é decidir se, de facto, o transporte é
a segurança no transporte como a ou não desnecessário para o doente ou se
ausência de erros ou de eventos adversos os riscos associados ao transporte são
com potencial dano para o doente. De superiores ao benefício que dele o doente
uma forma pragmática, podemos afirmar poderá extrair.
que um transporte seguro é aquele em que
não existe deterioração do doente durante A decisão de transportar um doente crítico
o transporte. é, em Portugal e de acordo com a
Sociedade Portuguesa de Cuidados
Alguns dos eventos adversos mais comuns Intensivos, um acto médico.
que podem condicionar risco e/ou
agravamento da condição clínica do Nesta etapa devem ser equacionados os
doente durante o transporte estão riscos do transporte face aos eventuais
relacionados com perda de via aérea benefícios, nomeadamente em situações
definitiva durante o transporte, falha de de hipoxémia, instabilidade hemodinâmica,
equipamentos, degradação da condição hipertensão intra-craneana ou risco de
clínica do doente por má avaliação prévia agravamento de lesão medular. O princípio
ao transporte, perda de acessos ou drenos deverá ser o transporte do doente após a
e transporte efectuado por profissionais sem sua estabilização no serviço referente. No
formação específica em transporte de entanto, situações haverá em que será
doente crítico. imprescindível o transporte do doente
crítico ainda que instável, com o objectivo
Apesar de existirem cada vez mais de o colocar no local de tratamento
publicações científicas dentro deste tema, definitivo. Bom exemplo disto é o transporte
a verdade é que continua a ser difícil do politraumatizado que necessita de
consubstanciar em números as abordagem cirúrgica urgente ou do doente
complicações ocorridas no transporte do em falência renal que necessita de
doente crítico. Dificuldades na definição de instituição emergente de técnica dialítica.
erros ou eventos adversos, transportes Tanto numa situação como noutra não
efectuados sob a responsabilidade de existem gestos terapêuticos que resolvam o
diversas entidades e a ausência de registos problema de base pelo que a transferência
clínicos durante o transporte contribuem para o local de tratamento definitivo (bloco
para a falta de números e de evidência. operatório ou unidade de cuidados
intensivos) é prioritária e emergente.

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Já em âmbito de UCI, o transporte está  Equipamento certo: selecção do
muitas vezes relacionado com a equipamento certo, incluindo
necessidade de realização de exames que equipamento de VA e ventilação,
sejam considerados necessários e monitorização e mala de transporte;
imprescindíveis para melhor dirigir o  Documentação certa: garantir que
tratamento do doente internado. toda a documentação clínica
relevante do doente acompanha o
Em âmbito de serviço de internamento, a doente no transporte.
decisão de transporte do doente crítico
está geralmente relacionada com um O contacto prévio com o serviço de destino
episódio de descompensação aguda do é um aspecto fundamental do
doente internado, que necessita de um planeamento do transporte do doente
outro local com maior capacidade de crítico. Seja para a realização de um
tratamento ou monitorização. Um bom exame, seja para uma transferência para
exemplo disso é uma paragem cardio- uma UCI, o serviço de destino deve ser
respiratória recuperada, que necessitará de contactado previamente, não apenas para
transferência para UCI. garantir a existência de vaga mas também
para que o serviço esteja preparado para
Ainda na fase de decisão está integrada a receber o doente à hora prevista de
obtenção do consentimento informado. O chegada.
doente, quando consciente, deverá ser
informado da necessidade de proceder ao A previsão da hora de chegada é
transporte e dos riscos a ele inerentes, para importante para que o serviço receptor
que possa ser ele mesmo a decidir da esteja preparado para receber o doente e
realização ou não do transporte. se este sofre um atraso ou se for cancelado
é fundamental que o serviço seja
informado.

PLANEAMENTO A selecção da equipa que vai efectuar o


transporte é outro aspecto sensível e nem
sempre fácil de gerir no planeamento do
O planeamento do transporte é efectuado
transporte. Ainda que pareça ser do senso
pela equipa médica e de enfermagem do
comum, existe já alguma evidência nas
serviço ou unidade de origem e tomará em
publicações científicas de que uma equipa
consideração os seguintes passos (6 certos
dedicada e com formação específica em
do planeamento do transporte): 1) doente
transporte de doente crítico está associada
certo; 2) serviço certo; 3) equipa certa; 4)
a menos eventos adversos ocorridos
transporte certo; 5) equipamento certo; 6)
durante o transporte.
documentação certa.
Existem em Portugal alguns casos de redes
Este planeamento deve incluir:
específicas de transporte secundário como
 Doente certo: selecção do doente, é o caso do Transporte Inter-Hospitalar
com adequada avaliação e Pediátrico (TIPH) que será abordado mais à
estabilização prévia ao transporte; frente neste manual. No entanto, para o
 Serviço certo: Escolha e contacto com doente adulto, não existe uma rede
o serviço de destino, avaliando a específica de transporte. Alguns hospitais
distância a percorrer e o respectivo optaram por constituir equipas organizadas
tempo de trajecto estimado; de transporte que são activadas sempre
 Equipa certa: Selecção da equipa que existe um transporte secundário, mas
adequada para o transporte; outros hospitais optam por gerir a escolha
 Transporte certo: selecção do meio da equipa caso a caso. Quanto à
adequado (meio terrestre/aéreo; diferenciação da equipa que procederá
selecção do tipo de ambulância ao transporte, está padronizada em
adequada); Portugal a grelha adaptada de Etxeberria
et al.

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Esta grelha, ainda que não seja totalmente norma, cada serviço deverá dispor da sua
vinculativa, pode apoiar a decisão dos mala de transporte, adaptada para o tipo
elementos que devem fazer parte da de doentes que habitualmente tem
equipa de transporte. necessidade de transportar. Também o
equipamento de monitorização portátil
Parâmetro Condição Pontos
deverá estar disponível e ser adequado à
Nenhuma 0
Via aérea monitorização do doente crítico durante o
VA básica 1
artificial
VA avançada 2 transporte.
FR 10-24 cpm 0
Respiração FR 25-36 cpm 1
FR <10 ou >36 cpm 2 Para as transferências inter-hospitalares,
Suporte
Nenhum 0 deverá ser equacionada nesta fase o tipo
Oxigénio 1
ventilatório
Ventilação mecânica 2
de transporte. Na realidade nacional, o tipo
Nenhum 0 de transporte difere entre o terrestre
Acesso venoso Periférico 1 (efectuado em ambulância) ou o aéreo
Central 2
Nenhuma 0 (efectuado em helicóptero ou avião).
Monitorização
Desejável 1
ECG
Imprescindível 2 A documentação é também uma área
Nenhum 0
Risco de disritmia ou EAM >48 horas 1
sensível do planeamento. Não é raro serem
disritmias disritmia grave ou EAM <48 2 trocados exames, relatórios ou processos
horas
clínicos, como também acontece que
Estável 0
Instabilidade moderada 1 parte ou a totalidade da informação clínica
Estado (<15ml/min) fique esquecida no serviço de origem.
hemodinâmico Instabilidade – necessidade 2
de fluid challenge
(>15ml/min) Assim, tendo em conta algumas
GCS=15 0 condicionantes como a partilha de
Estado
GCS 8-14 1
neurológico informação online e em rede, deverá ser
GCS<8 2
Nenhum 0 garantida que toda a informação clínica
Pacemaker Transcutâneo 1
Endovenoso 2
segue com o doente até ao serviço de
Nenhum 0 destino. Isto inclui:
Inotrópicos, vasodilatadores,
antiarrítmicos, sedação e
Suporte analgesia, 1
 Processo clínico e respectiva nota de
técnico e anticonvulsivantes, manitol transferência;
farmacológico 20%
 Documentação relacionada com o
Inotrópicos, vasodilatadores,
trombolíticos, antestésicos 2 transporte;
gerais  Todos os exames, laboratoriais e de
imagem relacionados no serviço de
Pontuação Veículo Equipa
origem.
recomendado recomendada
Técnico de Ainda durante a fase de planeamento, a
emergência ou
<3 Ambulância
Assistente equipa deverá saber prever e antecipar
Operacional possíveis complicações relacionadas com o
3–6 Ambulância Enfermeiro
transporte do doente, nomeadamente a
Ambulância
Enfermeiro e
>6 medicalizada extubação acidental do tubo traqueal, a
Médico
ou helicóptero
perda de acessos venosos, reserva
inadequada de oxigénio, avaria no
ventilador de transporte, exteriorização
O equipamento é também um aspecto que
acidental de drenos e falta de
não pode ser descurado durante o
carga/bateria dos equipamentos de
transporte. O bom funcionamento de
transporte. O doente deverá estar o mais
materiais e equipamentos de monitorização
bem estudado e estabilizado possível antes
e administração terapêutica são
de se iniciar o transporte, salvo os casos em
fundamentais na prevenção do erro e dos
que tal estabilização seja impossível e só o
efeitos adversos.
serviço de destino possa providenciar o
Quanto ao material e equipamento de tratamento definitivo de que o doente
transporte, a generalidade dos hospitais necessita.
dispõe de uma mala de transporte. Por

13
EFECTIVAÇÃO uma falha no ventilador de transporte
ou uma extubação acidental.
 Doentes com drenos torácicos devem
A responsabilidade desta fase do transporte ser submetidos à colocação de válvulas
do doente crítico fica a cargo da equipa anti-refluxo e conectados a sacos
de transporte, cujas responsabilidades estéreis.
técnica e legal só cessam no momento da  A monitorização adequada ao doente
entrega do doente à equipa do serviço deve ser colocada de forma visível
destinatário. No caso de não haver para a equipa durante todo o
transferência de responsabilidade no transporte.
serviço de destino, por exemplo durante a  Doentes com risco elevado de
realização de um exame complementar de desenvolver disritmia devem ser
diagnóstico, a equipa de transporte deverá monitorizados com eléctrodos multi-
permanecer com o doente até ao regresso funções.
ao serviço de origem.  Os acessos venosos devem ser
confirmados e colocados de forma
Durante a efectivação do transporte, o
redundante. É preferível a colocação
nível de cuidados não deve ser inferior ao
de um acesso a mais no doente do que
verificado no serviço de origem, devendo
ter de puncionar um acesso durante o
estar prevista pela equipa a necessidade
transporte por algum dos acessos ter
de elevar até esse nível durante o
perdido a sua permeabilidade.
transporte.
 Todos os fármacos em perfusão devem
A equipa de transporte deverá efectuar estar bem identificados e as seringas
uma cuidadosa abordagem do doente perfusoras colocadas em local de fácil
antes de proceder ao transporte, devendo acesso para suspensão ou alteração de
manter uma reavaliação frequente durante ritmos de infusão durante o transporte.
o transporte dirigida aos aspectos mais  Os fármacos e fluidos cuja utilização
sensíveis do doente em causa. seja previsível durante o transporte
devem estar previamente preparados e
A preparação do doente prévia ao identificados.
transporte é um passo essencial para a  As drogas de “emergência” devem
segurança do doente e do transporte. também estar preparadas e colocadas
em local acessível.
Para além de uma cuidadosa abordagem  Deve ser equacionada a necessidade
ABCDE, alguns cuidados devem ser tidos de colocação de acesso vascular
em conta ao preparar o doente para o central (nomeadamente em doentes
transporte: com necessidade de fluid-challenge ou
sob a perfusão de vasopressores).
 O nível de consciência deve ser
 Intervenções como a administração de
realizado. Em doentes sob VMI deve ser
alimentação entérica devem ser
optimizada sedação e curarização
suspensas. A sonda deve ser colocada
quando indicado.
em drenagem livre previamente ao
 Doentes com necessidade de VA
transporte.
avançada devem ser submetidos a IOT.
 A administração de antibioterapia deve
 O tubo endotraqueal deve estar bem
ser efectuada antes ou depois do
fixo e deve ser confirmado o nível à
transporte. Deve ser evitada a
comissura.
administração de antibioterapia
 Garantir fonte de oxigénio suficiente
durante o transporte.
para o transporte.
 Todos os frascos e sacos de drenagem
 Os doentes sob VMI devem ter uma
devem ser esvaziados antes do
avaliação gasimétrica prévia ao
transporte.
transporte.
 Todo o equipamento eléctrico deve
 Um insuflador manual e máscara
estar conectado a fonte de energia
adaptada ao tamanho do doente
sempre que possível.
devem estar preparados caso surja

14
A equipa de transporte deve reavaliar o do handover, isto é, o momento em que a
doente após conexão ao equipamento de responsabilidade clínica do doente é
transporte (ventilador, monitor, etc.) antes transferida da equipa do serviço referente
de abandonar o local. Deve ser efectuada para a equipa de transporte e desta para a
nova reavaliação dentro da ambulância equipa do serviço de destino. Uma das
antes de ser iniciada marcha. vantagens em que a equipa de transporte
seja a mesma que é responsável pelo
Por definição, o doente deve ser reavaliado doente no serviço referente, é a abolição
sempre que haja uma mudança de local e de um destes momentos de handover. Isto
sempre após qualquer intervenção. é possível, por exemplo, quando a equipa
que recebe o doente na sala de
Dominando e reduzindo a hipótese de erro
emergência seja a mesma equipa que vai
associado ao equipamento e à equipa,
transferir o doente para a UCI. Neste caso, é
resta controlar o factor mais independente:
abolido um momento de transferência da
a evolução clínica do doente.
responsabilidade sobre o doente o que
ajuda a reduzir perda de informação
Um outro aspecto fundamental prévio ao
considerada crítica ou relevante sobre o
início do transporte é garantir que todo o
mesmo. No entanto, em muitas situações
processo clínico, imagens e resultados de
isso não é possível, nomeadamente quando
MCDT acompanham de facto o doente
a equipa de transporte é externa ao serviço
(confirmando a correcta identificação do
ou unidade hospitalar onde se encontra o
doente, do processo e dos exames).
doente, por exemplo, quando uma equipa
Uma correcta preparação do doente de helitransporte é accionada para
imediatamente antes do transporte vai proceder ao transporte de um doente
reduzir a necessidade de intervenções crítico entre dois hospitais.
durante o transporte.
Pensando no circuito que o doente crítico
TRANSMISSÃO DA INFORMAÇÃO percorre, são múltiplos os momentos de
handover em que é possível a perda,
Durante as diversas fases do transporte do omissão ou enviesamento da informação
doente crítico, desde o planeamento até à clínica. Pensemos no exemplo do doente
execução, várias podem ser as vezes em que é abordado no pré-hospitalar por uma
que é transmitida a informação. Seja no equipa de VMER, que faz o handover do
contacto inicial ao pedir vaga na unidade doente na sala de emergência, que
de destino, seja na transmissão da posteriormente transfere o doente para
informação da equipa do hospital referente uma unidade de cuidados intensivos. A
à equipa de transporte, seja na transmissão corrupção da informação clínica pode ter
da informação desta última para a equipa impactos devastadores na tomada de
que recebe o doente na unidade de decisão da equipa que fica responsável
destino. pelo doente.

Apesar do processo clínico que São inúmeros os factores humanos, técnicos


acompanha o doente, muita desta e organizacionais que podem ter impacto
informação é transmitida por via verbal. Na na corrupção da informação clínica. A
ausência de metodologia de transmissão distracção da equipa, as interrupções na
da informação, tal facto poderá conduzir à transmissão de informação, a focalização
perda, omissão ou alteração de da informação em aspectos não essenciais
informação importante para a da situação clínica do doente e a
continuidade de cuidados, podendo confiança na memorização da informação
colocar em risco a segurança do doente. clínica são alguns destes aspectos. Até a
altura do dia em que é realizado este
handover tem influência. Muitos estudos
revelam que durante a noite ocorrem mais
Um dos momentos mais críticos na
erros na transmissão e interpretação da
transmissão de informação clínica do
informação, motivo pelo qual numa
doente é sem dúvida alguma o momento

15
transferência electiva, é preferível efectuar expectativas relacionadas com a
o planeamento para que esta seja transferência.
realizada durante o dia e não de
madrugada. À parte da estruturação da informação
clínica verbal, é importante a definição de
Naturalmente que o ambiente tem também protocolos de handover, com a criação de
influência na segurança do handover. O layouts ou templates específicos para a
handover numa sala de emergência com elaboração dos registos clínicos antes e
ruído e múltiplos factores distractivos (por durante o transporte.
exemplo, mais doentes a serem admitidos
em simultâneo, presença de várias equipas O handover e a transmissão de informação
a executarem tarefas, etc) tem maior clínica é uma área muitas vezes
potencial de erro do que o handover numa subvalorizada em detrimento de outras
unidade de cuidados intensivos, em que competências clínicas. Esta é no entanto
toda a equipa está focalizada na recepção uma área que exige atenção por parte das
de um único doente e em que existe equipas, pelo que o treino na transmissão
controlo de ruído e redução de outros de informação clínica deve ser encorajada,
factores distractivos. por exemplo, em momentos de formação
contínua no seio dos serviços.
Ainda que a informação clínica do doente
deva ser escrita, garantindo a clareza e a GESTÃO DO RISCO
legibilidade da informação (o ideal é que
O transporte do doente crítico não está,
as notas de transferência sejam redigidas
como vimos, isento de erros e riscos, tanto
em computador e impressas), nas diversas
para o doente como para a equipa.
situações em que a transmissão de
informação seja efectuada de forma
A segurança no transporte ultrapassa em
verbal, esta deve ser estruturada e
larga medida o espectro temporal do
organizada de acordo com a metodologia
transporte. A cultura organizacional, a
ISBAR: estrutura dos serviços envolvidos e o
equipamento estão intimamente ligados
I – Identificação: O médico e/ou enfermeiro
com a segurança e com a gestão do risco,
responsável pelo doente devem identificar-
para além das condicionantes de equipa
se e procurar saber a identificação a quem
seleccionada para a efectivação do
estão a transmitir a informação. Também o
transporte e as condicionantes, claro, do
doente deve ser identificado de acordo
doente.
com o seu nome, data de nascimento e/ou
número de processo clínico.
Como parte da cultura organizacional,
cada unidade de saúde deverá ter um
S – Situação actual: deve ser descrita a
programa de melhoria contínua, sob a
situação de saúde actual e o motivo da
responsabilidade de um médico ou
transferência.
enfermeiro, que vise a identificação dos
B – Background: Devem ser riscos e a sua avaliação, bem como a
contextualizados todos os dados clínicos definição de acções de melhoria contínua
relevantes, bem como directivas a desencadear.
antecipadas de vontade.
Este programa deverá incluir a
A – Avaliação: Informações sobre o estado identificação das medidas preventivas a
do doente, terapêutica instituída, tomar, bem como a implementação de
estratégias de diagnóstico e de tratamento medidas reactivas perante erros que sejam
tomadas, informações relativas à evolução identificados durante as três fases do
do doente durante o transporte. transporte.

R – Recomendações: Descrição de atitudes A existência de um programa de melhoria


e plano terapêutico julgados adequados à contínua associada ao transporte do
situação clínica do doente, bem como as doente crítico numa instituição, deverá ser
concebido tendo por base uma visão

16
transversal de todo o processo de de interacção que venham a ser mais tarde
transporte, da concepção à acção, uma mais-valia na operacionalização do
visando o envolvimento de transporte.
responsabilidades de gestão, de
coordenação e de operacionalização do Ainda dentro da cultura organizacional e
transporte, tendo por meta a segurança do da gestão do risco associado ao transporte
doente e a prestação de cuidados do doente crítico, é imprescindível que
altamente diferenciados enquadrados sejam preenchidos em plataforma própria,
naquela que é a mais recente evidência já existente na maioria dos hospitais, os
disponível. eventos adversos ocorridos durante o
transporte para que possam ser
A gestão do risco associado ao transporte identificados e corrigidos. A criação de
do doente crítico é pois um processo reuniões multidisciplinares de feed-back e
colectivo que deve envolver gestores, análise de casos podem também ser úteis
médicos, enfermeiros, team-leaders, na promoção do trabalho de equipa e na
seniores e profissionais em formação, com o correcção de erros identificados pela
fim último de garantir a segurança dos equipa.
doentes e das equipas durante o transporte
intra ou inter-hospitalar, evitando eventos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
adversos que em alguns casos poderão ter
consequências graves. Bastando os eventos
 INEM. (2012). Transporte do Doente Crítico.
que não são controláveis, é missão primeira Lisboa
tanto da equipa directiva como da equipa
executiva garantir se não a extinção, pelo  Intensive Care Society. (2011). Guidelines for
menos a redução ao mínimo de todos os the transport pf the critically ill adult. London:
erros considerados evitáveis. Sendo que na Intensive Care Society.

maior parte dos casos os erros não estão


 Lane-Fall MB, Collard ML, Turnbull AE, Halpern
associados à falta da competência técnica SD, Shea J. ICU Attending Handoff Practices:
dos profissionais que operacionalizam o Results from a national survey of academic
transporte, é função de todos eliminar os intensivists. Crit Care Med. 2016; 44(4): 690-
problemas de organização, coordenação e 698.
comunicação que, esses sim,
 Ministério da Saúde. (10 de fevereiro de
frequentemente geram erros e eventos
2015). Despacho nº 1400-A/2015. Plano
adversos com consequências mais ou
Nacional para a Segurança dos Doenres
menos graves para o doente ou para a 2015-2020. Lisboa, Portugal.
equipa.
 Parmentier-Decrucq, E., Poissy, J., Favory, R.,
Como parte do programa de melhoria Nseir, S., Onimus, T., Guerry, M.-J., Mathieu, D.
contínua, deverá ser planeado e (2013). Adverse events during intrahospital
executado um programa de formação que transport of critically ill patients: incidence
permita a manutenção de competências and risk factors. Annals of Intensive Care, 3-
10.
técnicas e não-técnicas de todos os
profissionais envolvidos. Neste programa  Sociedad Española de Medicina de
formativo, para além de formação em Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
transporte de doente crítico, devem Asistencial: Urgencias y Emergencias
também ser planeadas formações ao nível Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
do suporte avançado de vida, suporte Gerencia de Urgencias, Emergencias y
avançado de trauma e emergências Transporte Sanitario del SESCAM.
médicas sendo de todo o interesse que a
 SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos -
constituição das turmas seja mista, isto é, recomendações.
com o envolvimento de médicos e
enfermeiros dos diversos serviços envolvidos  World Health Organization Patient Safety.
no cuidado ao doente crítico que desta Action on Patient Safety: High 5s. 2016.
forma poderão, em contexto formativo,
conhecer-se melhor e optimizar estratégias

17
3.TRANSPORTE INTRA-HOSPITALAR

O transporte intra-hospitalar do doente receber; no caso de um transporte para


crítico é uma situação muito comum, com a realização de um exame de imagem,
que os profissionais de diversos serviços por exemplo, isto obviará a que o
hospitalares têm de lidar no seu dia-a-dia. doente e a equipa esperem para que a
São inúmeras as razões que motivam o sala fique pronta, podendo iniciar a
transporte do doente crítico dentro de um realização do exame imediatamente;
hospital, situação que envolve sempre no caso da transferência do doente
determinados riscos para o doente e para um outro serviço, permitirá que a
implica um determinado nível de equipa do serviço de destino esteja
responsabilidade para os profissionais que o pronta a receber o doente no
acompanham. momento da sua chegada.
 No caso do transporte ser assumido por
A causa mais frequente de transporte intra-
uma equipa diferente, deverá ser
hospitalar talvez seja o transporte do
efectuada uma transmissão formal de
doente da sala de emergência para
toda a informação clínica revelante
unidade de cuidados intensivos, bloco
bem como da terapêutica efectuada
operatório ou para a realização de meios
antes do transporte, de médico para
complementares de diagnóstico e
médico e/ou de enfermeiro para
terapêutica (MCDTs) considerados
enfermeiro.
essenciais. No entanto, é também
 Sempre que o doente esteja sob
frequente o transporte de doente crítico de
medidas de isolamento por patologia
uma UCI para a realização de MCDTs e não
infecciosa (respiratória ou de
devem ser esquecidos os doentes que, seja
contacto), o serviço de destino deverá
em contexto de enfermaria ou de unidades
ser informado previamente de forma a
de cuidados intermédios, sofrem uma
tomar as precauções necessárias, não
agudização da sua situação clínica e após
apenas para a equipa mas também
intervenção da equipa de emergência
para os restantes doentes do serviço. O
intra-hospitalar carecem de ser transferidos
transporte deverá ser efectuado
para um serviço com nível assistencial
mantendo as medidas de isolamento
superior, como a UCI.
instituídas, com a correcta utilização do
Neste contexto e olhando para a primeira equipamento de protecção individual
fase do transporte, a decisão, esta deve ser pelos profissionais e isolando o trajecto
tomada pesando os benefícios face aos previsto para o transporte.
riscos inerentes ao transporte, pelo que se  Deverá ser efectuado registo clínico
for presumido que a realização de um das indicações para o transporte e,
determinado exame ou procedimento não idealmente, da evolução clínica do
vai alterar o plano terapêutico ou o doente durante o transporte, sempre
prognóstico do doente, então a pertinência que tal se justifique.
do transporte deve ser reavaliada e,  Durante o transporte deverá ser
eventualmente, este deverá ser adiado ou garantida a intimidade do doente, pelo
mesmo cancelado. que este deverá permanecer tapado
de forma a evitar a sua exposição a
Após a decisão de transportar o doente
outros que não os elementos
crítico ser tomada, deverão ser tomados
designados para a prestação directa
em conta vários aspectos na fase de
dos cuidados.
planeamento.

ESCOLHA DA EQUIPA
COORDENAÇÃO DO TRANSPORTE
 A determinação da necessidade e a
 Confirmação prévia de que o serviço composição da equipa de transporte
para onde o doente vai ser devem ser efectuadas com base em
transportado está pronto para o critérios objectivos. Tanto a SPCI como

18
a OM recomendam o uso da grelha de do doente, possa ser necessária
Etxeberria et al. durante o transporte.
 Idealmente, o transporte deverá ser  Seringas e bombas infusoras de forma a
efectuado pelo médico e enfermeiro evitar doses de administração erráticas
responsáveis pelo doente. São eles que durante o transporte.
melhor conhecem a sua história e que
O equipamento utilizado para o transporte
melhor poderão passar a informação à
deverá ser específico para o efeito. Deve
equipa do serviço de destino. Desta
ser material pequeno, portátil, durável e
forma reduz-se a probabilidade de
resistente, nomeadamente quando falamos
perda de informação.
de serviços com elevada casuística de
 Quando, em qualquer circunstância, a
transporte intra-hospitalar, como as salas de
responsabilidade clínica não é
emergência. Ainda que a tradição em
transferível para o serviço de destino
Portugal seja o de investimento em material
por ausência de médico e/ou
fixo para as salas de emergência, o
enfermeiro (como por exemplo num
recomendado é que estas salas estejam
serviço de radiologia), a equipa de
equipadas com material o mais portátil
transporte deverá permanecer com o
possível. O risco de queda ou de embate
doente durante a realização do MCDT
dos equipamentos é relativamente grande,
ou procedimento e deverá com ele
pelo que devem ser o mais resistentes
regressar até ao serviço de origem.
possíveis (nomeadamente os ventiladores
de transporte e os monitores cardíacos).
EQUIPAMENTO DE TRANSPORTE
Para além disso, o equipamento de
Cada serviço deverá ter, desejavelmente, transporte não deve ser
um conjunto de equipamento onde se colocado/amontoado em cima da maca
inclui uma mala de transporte, que deverá ou junto do doente. Deve ser
ser mantida e revista regularmente para especialmente desenhado para ser
que possa estar sempre operacional. Na aplicado em trolley ou na própria maca de
impossibilidade deste conjunto de forma segura e que permita a
equipamento existir em todos os serviços, visualização/monitorização constante por
deverá existir pelo menos nos serviços com parte da equipa de transporte.
maior casuística de transporte de doente
Para além de todo o material e fármacos
crítico (SU e UCI). Deverão fazer também
que devem acompanhar a equipa
parte deste conjunto de equipamento:
correctamente acondicionados na mala de
 Aspirador portátil. transporte, é prático que a equipa prepare
 Fonte de oxigénio com capacidade em seringa o ou os fármacos que
previsível para todo o tempo estimado previsivelmente poderão necessitar durante
de transporte, com uma reserva o transporte, poupando tempo em caso de
adicional para 30 minutos. necessidade. Por exemplo, no transporte de
 Material de via aérea básica e um doente com risco previsível de
avançada. convulsão (TCE, mal convulsivo, etc.) é lícito
 Ventilador de transporte, com que a equipa leve preparada uma ampola
possibilidade de monitorização de de diazepam diluída até 10ml de soro
volume/minuto e da pressão da via fisiológico.
aérea e com alarmes de desconexão e
pressão máxima da via aérea.
 Monitor de transporte, com alarmes MALA DE TRANSPORTE
visuais e sonoros adaptados ao padrão
Para o transporte do doente crítico é
do doente. Idealmente este monitor
fundamental que todo o material esteja
deverá também ser monitor-
reunido para que os cuidados prestados e a
desfibrilhador.
vigilância se mantenham no nível prévio ao
 Fármacos dos algoritmos de suporte
transporte ou se necessário e justificável
avançado de vida e outra medicação
aumentar nível assistencial. Por exemplo, se
que, de acordo com o contexto clínico
o doente se encontrava internado numa

19
unidade de cuidados intensivos, o nível de distintas para doentes adultos ou
cuidados durante o transporte deve ser de idade pediátrica (tal divisão é
garantido a esse nível. Para isso é já mais ou menos comum em
fundamental que os equipamentos e alguns meios pré-hospitalares,
materiais adequados estejam disponíveis como as VMER por exemplo);
durante todo transporte. Assim, propomos a existência e
acondicionamento do seguinte material:
Ao longo de vários anos têm surgido a nível
internacional orientações com requisitos 1) Material de Via Aérea e Ventilação (A e
mínimos de equipamentos para o B) (caso não exista uma mala
transporte de doentes críticos. dedicada)
 Estetoscópio
Para além de equipamentos como
 Máscaras de oxigénio (pelo menos uma
ventiladores, monitores desfibrilhadores,
simples e uma de alto débito)
oxigénio, seringas infusoras, etc., existe
 Adjuvantes básicos da via aérea (tubos
diverso material que deve estar orofaríngeos e tubos nasofaríngeos, um
devidamente acondicionado e organizado de cada tamanho)
e rapidamente acessível. Habitualmente  Máscaras laríngeas
este material é acondicionado numa mala  Tubos endotraqueais
de transporte. Existem disponíveis várias  Câmara expansora para fármacos
marcas e modelos no mercado e cada inalados
instituição adquire estas malas de acordo  Insuflador manual com válvula de PEEP
com os critérios estabelecidos. e saco reservatório para O2
 Máscaras para insuflador manual (uma
A mala de transporte deve ter as dimensões de cada tamanho)
necessárias ao acondicionamento de todo  Equipamento de aspiração: sondas
o material, deve ser fabricada com material Yankauer e sondas de aspiração
leve, lavável, resistente e ser facilmente flexíveis
visível e deve também ter diversos  conjunto de laringoscopia (cabo e
compartimentos (preferencialmente lâminas de laringoscopia, condutor,
sonda tipo Frova e pinça Maguil)
ajustáveis) para a adequada organização
 Kit de cricotiroidotomia
de todos os materiais.
 Equipamento de drenagem pleural
emergente
É fundamental que a mala de transporte
 Válvula de Heimlich
seja revista periodicamente, à semelhança
 Filtros para circuito de ventilação
do carro de urgência, e que seja reposta
mecânica
de imediato após o seu uso. Com estes
procedimentos minimiza-se o risco de 2) Material de circulação (C) e
eventos adversos, relacionado com falta de administração de fármacos e
materias. fluidoterapia
 Catéteres venosos periféricos
Existem diversas orientações que
 Cateteres venosos centrais
descriminam os equipamentos e os
 Catéteres arteriais
materiais que devem estar disponíveis no  Soros (NaCl 0,9%, NaCl 0,45%, Soro
transporte do doente crítico. Propõe-se em Polielectrolítico, Lactato de Ringer,
seguida uma possível compilação de Dextrose 10% e a 30%)
materiais que devem estar disponíveis na  Sistemas de soros e prolongamentos
mala de transporte, mas deve ter-se em  Sistemas arteriais
atenção o seguinte:  Seringas para infusão contínua de
fármacos (50-60 ml)
 Respeitar as orientações ou normas  Prolongamentos para seringas de
de cada instituição/serviço bem infusão contínua
como os procedimentos mais  Torneiras de 3 vias
habituais;  Seringas e agulhas
 Dependendo do tipo de serviço  Agulhas intraóssea
pode fazer sentido ter malas  Penso de fixação

20
 Manga de pressão  Anafilaxia
 Adesivo  Broncoespasmo
 Solução de desinfecção cutânea  Hipoglicémia
 Convulsões

3) Material de Entubação gástrica


 Sondas gástricas Os fármacos que devem acompanhar a
 Sacos de drenagem equipa de transporte são:
 Seringa vesical
 Adesivo de fixação  Ácido Acetilsalicílico 100mg (cp)
 Adenosina 6mg (amp)
 Adrenalina 1mg (amp)
 Água Bidestilada 20cc (amp)
4) Material de cateterismo vesical  Amiodarona 150mg (amp)
 Sondas vesicais  Atropina 0,5mg (amp)
 Saco colectores  Bicarbonato de Sódio 8,4%, 10 MEq
(amp)
 Captopril 25mg
5) Outro material  Cloreto de Potássio 7,45% (amp)
 Cloreto de Sódio 20cc (amp)
 Gel lubrificante (preferencialmente
com Lidocaína)  Glucose 30% 20cc (amp)
 Campos esterilizados (com e sem  Diazepan 10mg (amp)
 Digoxina 0,5mg (amp)
orifício)
 Dopamina 200mg (amp)
 Pensos adesivos (tipo Mepor®)
 Flumazenil, 5mg (amp)
 Compressas esterilizadas (tamanhos
diversos)  Furosemida 20mg (amp)
 Cloreto de Cálcio 10% (amp)
 Ligaduras
 Hidrocortisona 100mg (amp)
 Luvas de exame
 Lidocaína a 1 % 10mg (amp)
 Luvas esterilizadas
 Manta térmica  Sulfato de Magnésio 20% (amp)
 Midazolam 15mg (amp)
 Kit cirúrgico com ferros (para técnicas
 Naloxona 400micg (amp)
invasivas como inserção de cateter
 Nitroglicerina 0,5mg (cp)
venoso central ou de drenagem
pelural/dreno torácico)  Noradrenalina 10 mg (amp)
 Prednisolona 1gr (amp)
 Suturas
 Propofol 1% (amp)
 Lâminas de bisturi
 Tesoura
 Lanterna pupilar
 Aparelho de avaliação de glicémia Poderá ser útil ter também disponível os
capilar seguintes fármacos:
 Máscaras facias de protecção
 Adesivos  Alfentanilo 1 mg (amp)
 Garrote  Brometo de Vecurónio 10 mg (amp) (ou
outro relaxante muscular)
 Brometo de Ipatrópio 250 µg (neb)
 Ketamina 500 mg (amp)
Para além do material referido é
 Dinitrato de Isossorbido 50 mg (amp)
fundamental ter disponíveis determinados
 Fenitoina 250 mg (amp)
fármacos de forma a poder responder de
 Labetalol 100 mg (amp)
forma célere e adequada a determinadas
 Morfina 10 mg (amp)
situações ou procedimentos de  Salbutamol 5 mg/ml (neb)
emergência:  Valproato de Sódio 400 mg (amp)

 Paragem cardio-respiratória (fármacos As quantidades devem ser definidas e


para Suporte Avançado de Vida divulgadas através de normas internas à
 Indução anestésica instituição ou serviço.
 Hipotensão ou Hipertensão
 Arritmia cardíaca

21
A mala de transporte é fundamental no
transporte do doente crítico. A sua
composição deve ser adequada e realista,
contendo as quantidades correctas de
materiais para ser facilmente transportada
e utilizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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intrahospitalar transport. Critical Care Nurse ,
18-31

 INEM. (2012). Transporte do Doente Crítico.


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Nseir, S., Onimus, T., Guerry, M.-J., . . .
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Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
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Horst, M. (2004). Guidelines for the inter and
intrahospital transport of critically ill patients.
Crit Care Med , 256-262

22
4.TRANSPORTE INTER-HOSPITALAR

A principal indicação para a transferência O risco inerente ao transporte inter-


de um doente crítico entre duas unidades hospitalar envolve duas componentes: o
hospitalares é a inexistência de recursos risco clínico, que depende dos factores que
(humanos ou técnicos) no hospital de afectam a fisiologia cardio-respiratória e a
origem que permitam tratar definitivamente fiabilidade da monitorização durante o
ou dar continuidade ao tratamento transporte e o risco da deslocação (efeitos
iniciado. da cinética de aceleração-desaceleração,
risco de colisão, etc.). No sentido de
A centralização de recursos, sejam eles
minimizar todos estes riscos, o doente deve
técnicos ou humanos, numa perspectiva de
ser tanto quanto possível estabilizado no
poupança que tem servido de base às
hospital de origem, devendo aí ser
iniciativas de reorganização da rede de
antecipadas e efectuadas as intervenções
urgências nos últimos anos, tem sido
diagnósticas e terapêuticas que se
catalizador do número de transporte de
prevejam necessárias.
doentes críticos. Por exemplo, a
centralização de algumas especialidades Um aspecto importante está também
médicas na área metropolitana de Lisboa, relacionado com o consentimento
como a cirurgia plástica, a neurocirurgia ou informado. Assim, antes da efectivação do
a gastrenterologia, conduz inexoravelmente transporte, o doente ou o seu representante
à necessidade de transporte de doentes legal deverão ser informados da razão e
em condição mais ou menos crítica mas necessidade do transporte, bem como do
que necessitam de uma observação ou nome do hospital e serviço de destino.
procedimento por estas especialidades Quando praticável e aplicável, é desejável
para a instituição do seu diagnóstico ou a obtenção do seu consentimento
mesmo para o tratamento definitivo. expresso.

Por outro lado, a organização dos hospitais À semelhança do transporte intra-


em centros hospitalares de forma a unificar hospitalar, também aqui devem ser tidos
a gestão de diferentes unidades, tem em conta diversos aspectos relacionados
mantido em hospitais fisicamente distintos com a coordenação do transporte, aqui
mas “administrativamente iguais” centros talvez ainda mais importantes face às
de tratamento diferenciado que estão num características envolvidas que incluem
polo diferente de onde está, por exemplo, a maior tempo de transporte, maiores custos
urgência. Bom exemplo deste aspecto são envolvidos, maiores riscos envolvidos e
os centros hospitalares de lisboa ocidental e mudança para uma outra unidade
central que têm, em hospitais diferentes de hospitalar com outro tipo de organização,
onde está aberto o serviço de urgência, as rotinas e até filosofia. Assim:
unidades de hemodinâmica. Ainda que os
 O contacto inicial deve ser efectuado
meios medicalizados do INEM procurem
logo após a decisão de transporte e
conduzir directamente a estas unidades os
deve ser personalizado. Deve ser
doentes com diagnóstico de enfarte com
efectuado um segundo contacto
supra, muitos são os doentes que por
imediatamente antes da efectivação
diversas razões não são admitidos neste
do transporte com uma estimativa do
processo e recorrem ao serviço de
tempo de chegada, de forma a que o
urgência, sendo por isso muito elevado o
serviço de destino possa estar
número de transporte de doentes entre os
preparado para a recepção do doente
hospitais com serviço de urgência aberto
e da equipa.
ao público a aqueles onde estão
 Uma vez tomada a decisão de
localizadas as unidades de hemodinâmica.
transferência, a efectivação do
Como vimos, são vários os motivos que transporte deve ser efectuada o mais
fazem com que seja relativamente grande rapidamente possível.
o número de transportes inter-hospitalares  Se existir atraso ou cancelamento da
de doente crítico em Portugal. transferência, o serviço de destino

23
deverá ser informado atempadamente particulares e excepcionais serem usados
do mesmo. recursos do INEM para apoio a este
 O serviço de destino deve ser transporte.
informado previamente de toda a
Muitos hospitais, sobretudo os hospitais mais
informação clínica relevante e das
periféricos, optaram por adoptar uma
intervenções diagnósticas e
política de formação de equipas de
terapêuticas previsíveis, bem como de
transporte. Face ao número de transportes
eventual necessidade de estabelecer
e às horas a que os profissionais ficam fora
medidas de isolamento (sejam elas de
do serviço, face à necessidade de
contacto ou respiratória).
transportar doentes de hospitais distritais
 Devem ser registados os nomes e
que não dispõem de todas as valências
contactos dos intervenientes no
para hospitais centrais geralmente sediados
processo de transferência.
apenas nas grandes cidades, estes hospitais
 Devem acompanhar o doente todos os
adoptaram a estratégia de criação de
registos médicos e de enfermagem,
equipas de transporte que são accionadas,
incluindo todas as imagens obtidas
retirando do serviço emissor a
através de MCDTs e não apenas os
responsabilidade de seleccionar a equipa.
respectivos relatórios.
Em alguns casos, o Serviço de Helitransporte
de Emergência Médica (SHEM) pode
também ser utilizado, mediante a presença
ESCOLHA DA EQUIPA
de alguns critérios (nomeadamente a
A escolha da equipa para o transporte necessidade de acompanhamento por
inter-hospitalar é um factor chave para a uma equipa de suporte avançado de vida
redução dos riscos associados ao (SAV) e o distância entre o hospital de
transporte. Não importa aqui as destino, sobretudo em patologias tempo-
reconhecidas qualidades enquanto dependentes).
intensivista porque o transporte para fora
Também aqui, a escala de Etxeberria et al.
das portas do hospital atira o doente e a
pode ser utilizada como apoio à decisão
equipa para um ambiente hostil e que
do tipo de equipa que deve acompanhar o
requer por parte da equipa um treino
doente durante o transporte.
específico e adequado. O aumento
exponencial da duração do transporte Seja qual for a estratégia adoptada
face ao transporte intra-hospitalar, a (profissionais integrantes do serviço de
necessidade de trabalhar em ambientes origem ou equipa dedicada ao transporte
com espaço francamente mais reduzido de doente crítico), é fundamental que
(célula sanitária de ambulância, quem transporta o doente tenha a
helicóptero, etc.) e com maior necessidade formação considerada necessária para
de planeamento face ao equipamento e manter a segurança do doente durante o
fármacos necessários para o transporte transporte. Essa formação inclui:
oferecem ao transporte inter-hospitalar um
 Suporte Avançado de Vida;
nível de dificuldade acrescido.
 Suporte Avançado de Vida Pediátrico
Nem sempre é fácil a escolha da equipa (no caso de transporte de crianças);
que procederá ao transporte. Muitos  Suporte Avançado de Vida em Trauma
hospitais não dispõem de recursos humanos (no caso de transporte de
adequados, seja em número seja em politraumatizados);
diferenciação exigida para esta função. Os  Formação e experiência em ventilação
serviços de urgência, habitualmente invasiva;
sobrelotados, trabalham já normalmente no  Formação e experiência em transporte
seu limite dos recursos humanos. Apesar do doente crítico.
destas dificuldades, a responsabilidade do
Mais do que um conjunto de certificados,
transporte secundário do doente crítico é
importa que tanto médico como
do hospital de origem, pelo que os hospitais
enfermeiro que vão acompanhar o doente
devem preparar e manter operacionais
crítico estejam à vontade na actuação
equipas de transporte podendo, em casos

24
emergente, decisão em situação de stress e transport of critically ill patients; expect
lidem diariamente com o doente crítico. Faz surprises. Critical Care.
por isso sentido que, à parte da formação
 Flabouris A, Runciman WB, Levings B. (2006).
acima descriminada, o enfermeiro seja
Incidents during out-of-hospital patient
especialista na área da pessoa em situação transportation. Anaesth Intensive Care, 228-
crítica e o médico seja da área de 236.
competência em emergência, intensivismo
ou anestesiologia.  INEM. (2012). Transporte do Doente Crítico.
Lisboa

 Lieshout EJ, Vos R, Binnekade JM, Haan R,


EQUIPAMENTO DE TRANSPORTE Schultz MJ, Vroom MB. (2008). Decision
O equipamento de transporte nas making in interhospital transport of critically ill
patients: national questionnaire survey
transferências inter-hospitalares pertence
among critical care physicians. Intensive
geralmente ao meio que efectua o
Care Med. 1269-1273
transporte e não ao serviço/hospital de
origem. Tal facto exige da equipa que vai  Parmentier-Decrucq, E., Poissy, J., Favory, R.,
efectuar o transporte o conhecimento Nseir, S., Onimus, T., Guerry, M.-J., . . .
deste material bem como a confirmação e Mathieu, D. (2013). Adverse events during
verificação do seu bom funcionamento. intrahospital transport of critically ill patients:
incidence and risk factors. Annals of Intensive
 Aspirador de transporte. Care, 3-10.
 Material de VA básica e avançada.
 Fonte de oxigénio com capacidade  Sociedad Española de Medicina de
Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
adequada -> O2 necessário = [(20 +
Asistencial: Urgencias y Emergencias
Vm) x FiO2 x tempo de transporte em
Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
minutos] + 50%. Gerencia de Urgencias, Emergencias y
 Ventilador de transporte, com Transporte Sanitario del SESCAM.
possibilidade de monitorização de
volume/minuto e da pressão da via  SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos -
aérea e com alarmes de desconexão e recomendações.
pressão máxima da via aérea.
 Warren, J., Fromm, R. E., Orr, R., Rotello, L., &
 Monitor-desfibrilhador com alarmes Horst, M. (2004). Guidelines for the inter and
visuais e acústicos. intrahospital transport of critically ill patients.
 Fármacos dos algoritmos de suporte Crit Care Med , 256-262
avançado de vida e outra medicação
que, de acordo com o contexto clínico
do doente, possa ser necessária
durante o transporte.
 Seringas e bombas infusoras de forma a
evitar doses de administração erráticas
durante o transporte.
 Soros com manga de pressão.
 Equipamento de comunicações que
permita contacto com os hospitais de
origem e destino.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 Droogh, J. M., Smit, M., Hut, J., de Vos, R.,


Liktenberg, J., & Ziljstra, J. (2012). Inter-hospital

25
5.TRANSPORTE TERRESTRE

O planeamento do transporte inter-  A hipotensão pode conduzir a uma


hospitalar deve incluir, como vimos redução da pressão de perfusão
anteriormente, a escolha do meio de cerebral, mais significativa em doentes
transporte, pesando o risco e o benefício com lesão cerebral grave.
associado a cada um deles. Neste
Podem ser consequências fisiológicas da
contexto, o transporte por via terrestre é,
desaceleração:
obviamente, o mais comum.
 Aumento do retorno venoso, podendo
em doentes com insuficiência cardíaca
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE TERRESTRE grave conduzir a agravamento da
sobrecarga, falência cardíaca e
O transporte por via terrestre está associado disritmias;
a múltiplos factores que podem influenciar  Aumento da PIC em doentes com lesão
a condição clínica do doente e aumentar o cerebral, como consequência do
risco de efeitos adversos associados ao aumento da PA associada ao aumento
transporte. do retorno venoso;
Um dos factores que podem ter impacto  A pressão do estômago contra o
sobre o doente são os efeitos da diafragma aumenta o risco de vómito e
aceleração e desaceleração. De acordo com isso o risco de aspiração;
com a terceira lei de Newton, em que para  A pressão dos órgãos abdominais sobre
cada acção existe uma reacção da o diafragma pode ter como
mesma intensidade em sentido oposto, os consequência um aumento da pressão
mecanismos de aceleração e intra-torácica e a redução de volumes
desaceleração podem ter impacto na correntes.
deslocação de órgãos e fluidos, afectando
a sua estabilidade hemodinâmica. No
transporte de ambulância, o mecanismo de
aceleração causa deslocação dos órgãos
e fluidos em direcção céfalo-caudal
enquanto que os mecanismos de
desaceleração associados à travagem da
viatura tem um efeito oposto, ou seja,
caudo-cefálico. Habitualmente, a
intensidade de travagem da ambulância é
superior à aceleração, pelo que os efeitos
fisiológicos associados à primeira são
geralmente mais elevados.

Podem ser consequências fisiológicas da


aceleração:

 Redução do débito cardíaco como


consequência da diminuição do
retorno venoso associado à
deslocação do sangue no sentido Para além dos efeitos fisiológicos associados
céfalo-caudal, manifestado por aos mecanismos de
hipotensão. Se numa pessoa saudável aceleração/desaceleração, existem outras
este reflexo é compensado pelos condicionantes do transporte terrestre na
barorreceptores que conduzem a segurança do transporte do doente crítico:
vasoconstrição, no doente crítico com
redução das resistências vasculares  Ruído: o ruído de sirenes bem como o
periféricas esta resposta está ruído ambiental, para além de causar
comprometida; incómodo ao doente, pode afectar a

26
comunicação da equipa. O transporte encarroçamento, a célula sanitária oferece
do doente crítico não tem geralmente uma limitação de espaço face
habitualmente características tão ao que as equipas hospitalares estão
dependentes do tempo como a habituadas. Para além da limitação de
abordagem urgente/emergente, pelo espaço, o posicionamento da maca
que o uso de sirenes deve ser (geralmente mais baixo que as macas ou
francamente restringido ao camas hospitalares) e a iluminação
considerado pela equipa como (geralmente mais fraca do que a disponível
absolutamente essencial; em ambiente hospitalar) oferecem
 Temperatura: o controlo da dificuldade acrescida na abordagem ao
temperatura da célula sanitária não é doente.
tão eficaz como dentro do hospital,
Todos estes aspectos devem ser conhecidos
podendo o doente estar mais
por parte da equipa de transporte, que
vulnerável a situações de temperatura
deve antecipar as intervenções em
extremas, sejam elas o calor ou o frio. É
transporte e estabilizar ao máximo o doente
importante que a equipa saiba
antes deste ser colocado na ambulância.
antecipar esta questão e diminuir as
amplitudes térmicas com recurso à Os materiais e equipamentos diferem entre
gestão da temperatura da célula as ambulâncias, pelo que é importante que
sanitária com ajuste do ar as equipas conheçam a ambulância onde
condicionado, mantas isotérmicas e vão efectuar o transporte e garantir que
mantas de aquecimento activo, todo o material necessário para o
temperatura da fluidoterapia transporte está disponível.
administrada;
 Duração do transporte: em transportes
longos (mais de meia hora), para além ORGANIZAÇÃO DO TRANSPORTE TERRESTRE
do desconforto para o doente, pode EM PORTUGAL
ser colocada em causa a integridade
cutânea, pelo que na medida do O transporte secundário de doentes por via
possível deverão ser aliviadas zonas de terrestre é efectuado em ambulâncias que
pressão durante o transporte. Esta podem estar sob a responsabilidade dos
situação é particularmente sensível no bombeiros, da cruz vermelha portuguesa ou
transporte das vítimas de trauma, de empresas privadas. A sua manutenção,
tradicionalmente sujeitas à imobilização adequada higienização e a verificação
total de coluna com colar cervical e contínua e sistematizada de equipamentos
plano duro (situação que será discutida de transporte são fundamentais à
mais à frente neste manual). Estas segurança do doente crítico que é
situações devem ser antecipadas pela submetido a transporte.
equipa e o transporte deve ser A actividade de transporte de doentes
efectuado em maca de vácuo. Em encontra-se regulada nos termos
situações clínicas que assim o exijam, a conjugados do Decreto-Lei nº 38/92, de 28
duração do transporte pode ser factor de março, da Lei nº 12/97, de 21 de maio
condicionante para eleição de outra (na redacção conferida pela Lei nº 14/2013,
via de transporte, como por exemplo o de 31 de janeiro) e do Regulamento de
transporte por via aérea. Transporte de Doentes (publicado pela
Portaria nº 260/2014 de 15 de dezembro),
constituindo uma actividade cuja disciplina
Para além de conhecer e antecipar as e fiscalização compete ao Ministério da
questões relacionadas com a fisiologia do Saúde.
transporte por via terrestre, a equipa deve
estar preparada para trabalhar em O transporte de doentes urgentes ou
condições bastante diversas do que o seu emergentes circunscreve-se à utilização de
ambiente normal de trabalho, seja o serviço ambulâncias de tipo B e está reservado ao
de urgência seja a UCI. INEM e às entidades por ele reconhecidas
Independentemente dos diversos tipos de nos termos da lei, que constituam Postos de

27
Emergência Médica (PEM) ou Postos de Denominada no âmbito dos bombeiros por
Reserva, no âmbito do protocolo celebrado ABTD (Ambulância de Transporte de
com essa finalidade. Note-se que este tipo Doentes) é uma ambulância concebida e
de transporte está intimamente ligado com equipada para o transporte de doentes
a rede de emergência e, por isso, com o cuja situação clínica não faz prever risco
transporte primário do doente, crítico ou instalado, ou iminente, de falência de
não. funções vitais, que podem ser dos seguintes
tipos:
O transporte de doentes não urgentes pode
ser realizado através de Veículos Dedicados  Tipo A1: ambulância de transporte
ao Transporte de Doentes (VDTD), individual — destinada ao transporte de
ambulâncias do tipo A e ambulâncias do um doente em maca, banco ou
tipo C (estas últimas habitualmente cadeira de rodas, e de um
denominadas de ambulâncias acompanhante;
medicalizadas), mediante autorização do  Tipo A2: ambulância de transporte
Ministério da Saúde, que compreende a múltiplo — destinada ao transporte de
concessão do alvará, da competência do um ou mais doentes em maca e/ou
INEM. Neste âmbito, compete também ao cadeira de rodas e do seu
INEM proceder à certificação dos veículos acompanhante. Pode transportar mais
utilizados na actividade de transporte de do que um doente.
doentes, definir e publicar programas e
conteúdos de formação exigidos aos
tripulantes de ambulância e de VDTD,
definir o equipamento mínimo de cada tipo
de veículo e proceder à fiscalização da
actividade de transporte de doentes. A
certificação e licenciamento deste tipo de
veículos variam em função da sua tipologia,
dependendo no entanto da verificação de
um conjunto de requisitos relativos tanto à
tripulação como aos equipamentos.

De acordo com o exposto até aqui, As ambulâncias tipo A não devem estar
depreender-se-á que o transporte equipadas com sinalização luminosa nem
secundário do doente crítico é realizado acústica (com excepção às ambulâncias
em ambulâncias do tipo C. Existem no pertencentes a corpos de Bombeiros e à
entanto algumas excepções, Cruz Vermelha Portuguesa).
nomeadamente quando é o próprio INEM a
assumir o transporte secundário em que
muitas das vezes utiliza tripulações SIV ou Ambulância tipo B – ambulância de
VMER para medicalizar ambulâncias do tipo emergência
B. Habitualmente designada por ABSC
VDTD – Veículos Destinados a Transporte de (ambulância de socorro) é uma
Doentes ambulância concebida e equipada para o
transporte e prestação de cuidados de
O VDTD é por definição um veículo ligeiro, emergência médica a doentes urgentes e
destinado ao transporte de doentes cuja emergentes. O RTS prevê que as
situação clínica não impõe, ambulâncias do tipo B possam actuar
previsivelmente, a necessidade de como ambulâncias do tipo C, desde que
cuidados de saúde durante o transporte. estejam dotadas dos recursos humanos e
Não será pois âmbito de estudo meios técnicos necessários para o efeito.
aprofundado neste manual. Isto acontece quando, por vezes,
Ambulância Tipo A – Ambulância de ambulâncias tipo B dos bombeiros são
Transporte de Doentes chamadas por hospitais para efectuar
transporte secundário de doentes e é o
hospital que coloca na ambulância a

28
equipa (médico e enfermeiro) e Todos os equipamentos constantes nas
equipamento (ventilador, monitor, …) de ambulâncias, seja de que tipo for, estão
forma a dotá-la dos requisitos necessários normalizados pelo INEM, não apenas no
para o transporte do doente em causa. que se refere ao equipamento de parede
mas também à constituição das malas de
abordagem.

A portaria 260/2014 estipula ainda que


compete ao INEM a fiscalização do
cumprimento do disposto nas disposições
legais e regulamentares aplicáveis à
actividade de transporte de doentes, quer
de doentes urgentes e emergentes, quer de
doentes não urgentes, designadamente,
através de vistorias técnicas aos locais onde
se desenvolve a referida actividade.

Ambulância tipo C – ambulância de


cuidados intensivos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Habitualmente designada por ABCI


(ambulância de cuidados intensivos) é uma  Beard, L., Lax, P., & Tindall, M. (2016). Efeitos
ambulância concebida e equipada para o fisiológicos na transferência de pacientes
críticos. Anaesthesia
transporte não urgente com prestação de
cuidados de suporte avançado de vida a  I Macartney, P Nightingale. Transfer of the
doentes cuja sobrevivência, por disfunção critically ill adult patient. British Journal of
ou falência profunda de um ou mais órgãos Anaesthesia CEPD reviews. 2001 Number 1.
ou sistemas, depende de meios avançados
de monitorização e terapêutica. Esta é a  Intensive Care Society. Guidelines for the
ambulância indicada para o transporte transport of the critically ill adult (3rd Edition
2011).
secundário do doente crítico.
(http://www.ics.ac.uk/icshomepage/guidelin
A tripulação da ambulância do Tipo C é es-and-standards/)
constituída por três elementos:
 Minitérios da Administração Interna e da
 médico com formação específica em Saúde. (15 de 12 de 2014). Portaria 260/2014.
técnicas de Suporte Avançado de Diário da República nº241/2014, Série I
Vida;
 Sociedad Española de Medicina de
 enfermeiro com formação específica
Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
em técnicas de Suporte Imediato de
Asistencial: Urgencias y Emergencias
Vida; Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
 elemento com formação mínima de Gerencia de Urgencias, Emergencias y
Tripulante de Ambulância de Transporte Transporte Sanitario del SESCAM.
ou equivalente, homologado pelo
INEM, sendo simultaneamente o  SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos –
recomendações.
condutor

29
6. TRANSPORTE AÉREO

Neste capítulo, o objectivo será dar a definiu um pé como sendo exactamente


conhecer ao formando a organização da 0,3048 metros.
rede de evacuação aeromédica em
A altitude tem influência na homeostasia,
Portugal bem como alguns princípios de
tanto em indivíduos saudáveis como em
fisiologia de vôo que poderão ser úteis
indivíduos em choque (sendo naturalmente
tanto na preparação do doente antes de
mais sentida nestes últimos). Esta influência
um helitransporte como na recepção de
está baseada na redução da pressão
um doente helitransportado.
atmosférica com a altitude.
As evacuações aeromédicas podem ser
HIPÓXIA
realizadas tanto por helicóptero como por
avião. A fracção de concentração parcial de
oxigénio mantem-se nos 21% mas a pressão
Independentemente do meio aéreo
parcial de oxigénio diminui. Desta forma, a
utilizado, dadas as características
diminuição da pressão atmosférica com a
específicas das evacuações aeromédicas,
altitude traduz-se numa redução da
as equipas clínicas (médicos e enfermeiros)
pressão parcial alveolar de oxigénio, que
devem ter formação específica antes de
deverá ser compensada com um aumento
poderem integrar equipas de transporte. De
da FiO2.
forma a garantir a segurança do doente e
do transporte, é fundamental o Ao nível do mar, a pressão atmosférica é de
conhecimento e domínio de alguns 101Kpa. A 10.000 pés (cerca de 3000
princípios da física, bem como de princípios metros) a pressão atmosférica cai para
de segurança dentro de aeronaves e 70Kpa, traduzindo alterações significativas
aeroportos (e heliportos). nas pressões parciais de oxigénio alveolar.

Os princípios fisiológicos do vôo diferem A equipa de transporte deve estar atenta a


consoante esteja em causa um aparelho sinais de hipoxia, como sejam disritmias
de asa fixa com cabina pressurizada (que (taqui ou bradicardia), hipotensão,
consegue igualar dentro da cabine os taquipneia no doente com estímulo próprio
valores da pressão atmosférica ao nível do e alteração do estado de consciência.
mar) de outros aparelhos não pressurizados
Estas alterações serão tanto mais graves
que sofrem as alterações de pressão
quanto maior for a instabilidade
derivadas do aumento da altitude.
hemodinâmica do doente e em doentes
Não sendo objectivo deste manual a com patologia pulmonar prévia como
formação e treino de profissionais com o DPOC, contusão pulmonar, fibrose
objectivo de integrarem equipas de pulmonar ou doentes em ARDS.
evacuação aeromédica, é importante que
EXPANSÃO VOLUMÉTRICA
todos os profissionais dominem alguns
princípios de forma a melhor prepararem o Recordando alguns princípios da física, a lei
doente para vôo ou receberem-no após de Boyle sustenta que a uma temperatura
aerotransporte. constante, o volume de uma determinada
massa de gás varia de forma inversa em
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE AÉREO
relação à pressão atmosférica. Ou seja, à
ALTITUDE E PRESSÃO ATMOSFÉRICA medida que aumenta a altitude, qualquer
espaço gasoso aumenta. Isto afecta
No mundo da aeronáutica, a altitude é
qualquer cavidade corporal fechada ou
medida segundo a métrica e nomenclatura
equipamento que contenha gás.
anglo-saxónica. Em 1959, o acordo
internacional entre jardas e libras (entre os O efeito mais rápido que praticamente
Estados Unidos e os restantes países da toda as pessoas conhecem está
Commonwealth) definiu uma jarda com relacionado com a expansão de ar nas
sendo 0,9144 metros o que por sua vez trompas de Eustáquio que se traduz em

30
otalgia e desconforto durante a subida ou deverá ser administrado oxigénio
a aterragem de aparelhos aéreos. humidificado. Em transportes mais longos os
olhos do doente devem ser lubrificados
Doentes críticos com massas gasosas
com lágrimas artificiais. Os cuidados à
patológicas serão afectados com a altitude
higiene oral são também importantes.
e com a consequente redução da pressão
atmosférica. Por esse motivo, um doente ACELERAÇÃO E DESACELERAÇÃO
com pneumotórax deverá ser sujeito a
As consequências fisiológicas aos vectores
colocação de um dreno torácico prévio ao
de aceleração e desaceleração mantêm-
transporte, sob pena de que o
se, como discutido no capítulo anterior. A
pneumotórax ganhe em vôo um
questão é que excluindo os momentos da
componente hipertensivo.
subida e da aterragem, o movimento dos
Doentes com pneumoencéfalo constituem aparelhos aéreos é em geral mais suave do
contra-indicação para transporte por via que por via terrestre, uma vez que mantêm
aérea uma vez que a expansão de volume durante a sua rota uma velocidade
poderá conduzir a uma elevação constante.
dramática da PIC.
No entanto, para os momentos da
Em casos de doentes com obstrução aterragem e da subida, as considerações
intestinal, cirurgia abdominal recente ou expostas no capítulo anterior mantêm-se,
pneumoperitoneu deverá ser equacionada
OUTRAS CONSIDERAÇÕES PARA O
a hipótese do vôo ser efectuado a baixa
TRANSPORTE AÉRES
altitude (da decisão e responsabilidade
exclusiva do comandante) ou ser O ruído é um aspecto em ter em conta nas
ponderado transporte por via terrestre. evacuações aeromédicas, sobretudo em
helicópteros. Mesmo nos doentes
Ainda derivado do efeito da altitude na
inconscientes, deverão ser colocadas
expansão dos gases, a equipa deve estar
protecções auriculares. O ruído acaba
atenta aos dispositivos clínicos e
também por ter implicações para a equipa,
equipamento médico com gás em câmara
uma vez que inviabiliza praticamente a
fechada. São exemplos disso os cuffs dos
comunicação entre os elementos,
tubos endotraqueais. A altitude conduz à
comunicação essa apenas possível através
expansão do cuff que pode conduzir a
da utilização de headsets.
lesão da parede da traqueia. Por esse
motivon na preparação dos doentes para A vibração é a causa mais comum de
transporte aéreo, o cuff deverá ser fadiga em pessoal de vôo, pelo que as
preenchido com água destilada em vez de equipas não devem estar sujeitas a muitas
ar. horas seguidas em transporte aéreo. A
vibração também afecta algum do
TEMPERATURA
equipamento de monitorização,
Por cada 1.000 pés de altitude a nomeadamente os medidores de pressão
temperatura do ar desce cerca de 2ºC. O arterial não invasivos que funcionam
risco de hipotermia é por isso grande pelo através do método oscilométrico. Por esse
que todos os cuidados devem ser tidos em motivo, doentes sob tratamento com
conta pela equipa não apenas na redução aminas que necessitem de um controlo e
das perdas mas também no aquecimento vigilância apertados sobre a pressão arterial
activo do doente (infusão com soros deverá ter linha arterial e avaliação de
aquecidos e colocação de manta térmica pressão arterial invasiva. Também os leitores
de aquecimento activo). de pulso-oxímetro e monitorização
cardíaca poderão ser afectados pela
HUMIDADE
vibração, dando valores erróneos no
A humidade reduz com a altitude pelo que primeiro e uma leitura com inúmeros
o risco de desidratação aumenta. O efeito artefactos na segunda, pelo que a sua
mais rapidamente sentido a altitudes mais avaliação deve ser adaptada à situação.
elevadas é o facto de as secreções O melhor indicador de ventilação/perfusão
tornarem-se mais espessas. Por esse motivo

31
em vôo é sem dúvida alguma a integrarem equipas de helitransporte, seja
capnometria. integrados no serviço de helitransporte de
emergência médica (SHEM) do INEM, seja
Outro aspecto a ter em conta é a limitação
integrados em equipas da Força Aérea
de espaço, sobretudo em helicópteros.
Portuguesa (FAP).
Aqui, o espaço é ainda mais limitado do
que nas ambulâncias terrestres o que São consideradas contra-indicações
dificulta uma série de intervenções clínicas clínicas absolutas para helitransporte:
como sejam a abordagem avançada da
 Doenças terminais;
via aérea, a colocação de acessos ou a
 Doentes em PCR;
realização de manobras de ressuscitação.
 Pneumotórax não-drenado;
Por esse motivo, todas as intervenções
 Presença de ar intracraniano;
devem ser planeadas em antecipação e
 Grávida em trabalho de parto;
efectuadas em terra.
 Doentes psiquiátricos ou agressivos não
Apesar de todas as considerações sedados;
fisiológicas abordadas, na prática, muitas  Doentes com instabilizada
delas acabam por não se verificar no hemodinâmica que ainda não foi
helitransporte em Portugal. Isto porque, corrigida em unidade hospitalar com
sobretudo nas regiões centro e sul, o capacidade para o fazer.
helitransporte é efectuado a baixa altitude
São consideradas contra-indicações
(cerca de 1.000 pés). A excepção é
relativas para helitransporte:
quando têm de ser ultrapassados em
altitude grandes maciços montanhosos  Gás na cavidade ocular (pós-
(podendo ainda haver a hipótese de serem operatório de cirurgia de descolamento
contornados). de retina, por exemplo);
 Oclusão intestinal;
Os aparelhos de asa fixa voam a altitudes
 Enfisema bolhoso;
muito superiores em relação às dos
 Acidente de mergulho por
helicópteros (geralmente 7.000-9.000 pés)
descompressão;
mas as suas cabines são pressurizadas e
 Crise aguda de doença de células
com temperatura ajustável, o que limita em
falciformes.
muito os efeitos fisiológicos da altitude.
No caso de presença de contra-indicações
Em Portugal continental, as evacuações
relativas, o recurso ao helitransporte deve
aeromédicas são asseguradas por uma
ser equacionado caso os benefícios
rede de helitransporte do INEM. As
resultantes do helitransporte justifiquem, de
evacuações com aparelhos de asa fixa são
forma evidente, o risco acrescido para o
efectuadas apenas nos arquipélagos ou
doente.
entre estes e o continente.
A avaliação das contra-indicações deve ter
em consideração as vantagens inerentes
HELITRANSPORTE ao helitransporte, avaliando o tempo
dispendido de transporte por oposição às
O helitransporte medicalizado constitui um
alternativas (transporte terrestre) e a
meio rápido e eficaz para o transporte
possibilidade de “voar baixo”.
diferenciado desde o local de lesão até ao
centro para tratamento definitivo ou para
providenciar o transporte de um centro
ORGANIZAÇÃO DO SHEM
menos diferenciado para outro que possa
prover o tratamento definitivo do doente. Em território continental, as evacuações
aeromédicas são operacionalizadas pelo
As especificidades inerentes ao
INEM, através da rede de helitransporte –
helitransporte implicam formação e
Serviço de Helitransporte de Emergência
conhecimento sobre fisiologia de vôo,
Médica (SHEM).
comunicações e segurança em vôo, pelo
que os profissionais dedicados a esta área O SHEM, de acordo com a circular
deverão ter formação específica antes de normativa do Departamento de

32
Emergência Médica 03/2018, tem por diagnóstico provisório (por exemplo,
missão o transporte rápido de uma equipa TCE ou grande queimado) obriga a
médica diferenciada (médico e enfermeiro) uma evacuação primária cujo tempo
ao local de ocorrência de doença súbita total se prevê superior por via terrestre
ou acidente, tendo por objectivo a ou em condições de segurança menos
estabilização pré-hospitalar e o respectivo adequadas;
acompanhamento e transporte à unidade  Necessidade de reforço de equipas
hospitalar, bem como o suporte no médicas no local em situações
tratamento e transporte secundário do multivítimas.
doente crítico.

A equipa clínica do SHEM é constituída por Em relação aos critérios para transporte
um médico e um enfermeiro com secundário, estes regem-se perante
experiência e formação específica em algoritmo de triagem próprio do CODU.
doente crítico, juntamente com dois pilotos. Critérios como o tempo de transporte
Os helicópteros do SHEM estão disponíveis (superior a 30 minutos) e a distância
para a realização de transporte primário ou (superior a 50km) constituem valores
secundário 24h/dia, estando a sua meramente indicativos que nãos e devem
operacionalidade dependente das sobrepor ao melhor tratamento para o
condições meteorológicas. doente.

Actualmente, o dispositivo do SHEM Existem outras missões, que não as


funciona com recurso a 4 helicópteros supracitadas, para as quais o SHEM pode
medicalizados distribuídos em Portugal ser accionado pontualmente. Uma delas é
continental. Dentro deste dispositivo existem o suporte e apoio à rede de Transporte
aparelhos diferentes, estando a rede Inter-hospitalar Pediátrico (TIP) em situações
actualmente composta por dois aparelhos em que o meio aéreo represente uma mais-
AW109S e dois aparelhos AW139. Em função valia em relação ao transporte por via
das suas características, dois destes terrestre. Nestes casos, é a equipa do TIP
helicópteros (AW139) têm capacidade que medicaliza o meio aéreo. Outro tipo de
para transportar em simultâneo duas missão pontual é a activação do SHEM
vítimas, em igualdade de condições de para o transporte de órgãos sendo que
monitorização e terapêutica. nestes casos o helicóptero é medicalizado
pela equipa de transplante.
Este dispositivo engloba:

 Dois helicópteros na região sul (Évora e


Loulé);
 Um helicóptero na região centro (Santa
Comba São);
 Um helicóptero na região norte
(Macedo de Cavaleiros).

São consideradas indicações para


intervenção primária do SHEM: A rede de aparelhos do SHEM não está
apta a fazer busca e salvamento nem
 Necessidade de uma equipa médica evacuação aeromédica a partir do mar,
no local da ocorrência quando o pelo que nestes casos é accionada a rede
helicóptero é o meio diferenciado mais de helicópteros da Força Aérea Portuguesa.
rápido, considerando o tempo de Em algumas destas situações, pode haver
activação, deslocação e acesso à necessidade de medicalizar a rede de
vítima desde que garantidas condições helicópteros da FAP com equipas INEM,
de aterragem; estando estas situações sujeitas a decisão e
 Activação de meio diferenciado com autorização superior.
médico para além da VMER quando o
hospital de destino indicado face ao

33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 INEM. (2012). Transporte do Doente Crítico.


Lisboa

 Sociedad Española de Medicina de


Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
Asistencial: Urgencias y Emergencias
Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
Gerencia de Urgencias, Emergencias y
Transporte Sanitario del SESCAM.

 SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos -


recomendações.

 Traumatic Brain Injury (TBI) and Effects of


Altitude: An Analysis of the Literature
(http://hprconline.org/environment/altitude/t
raumatic-brain-injury-and-the-effects-of-
altitude-pdf

34
7.ABORDAGEM DO DOENTE CRÍTICO

Uma abordagem precisa e cuidada do maioria dos casos, informação completa e


doente crítico é uma habilidade clínica detalhada face às ameaças biológicas, em
fundamental tanto em contexto extra como contexto de serviço de urgência e
intra-hospitalar. A identificação dos emergência pré-hospitalar isto raramente
principais problemas do doente crítico e a acontece. Dependendo das situações,
sua pronta correcção são essenciais para a para além das luvas e da farda adequada,
redução de taxas de morbilidade e poderá ser necessária a utilização de
mortalidade e para a preparação de um óculos de protecção ou máscaras com
transporte seguro para o serviço de destino. viseira (na abordagem da via aérea, no
grande trauma, etc.) e máscaras de
Embora a abordagem em contexto de protecção cirúrgica ou respiradoras de
emergência pré-hospitalar tenha algumas partículas.
diferenças face à abordagem intra-
hospitalar, de uma forma geral a A avaliação do doente crítico começa
abordagem do doente crítico requer uma antes mesmo do primeiro contacto deste
abordagem por prioridades, avaliando, com o médico ou enfermeiro. Ao entrar na
passo a passo, os problemas que podem sala de emergência ou ao chegar a um
condicionar a hipoperfusão tecidular e a local de ocorrência pré-hospitalar, o
disfunção multiorgânica, na metodologia profissional experiente e treinado começa
“problema encontrado -> problema desde logo a colher uma série de
resolvido”. Esta metodologia constitui um informação que lhe vão ser úteis na
conjunto de acções complexas e definição de prioridades e no planeamento
integradas que visam manter ou restaurar de tarefas consideradas emergentes. Parte
as funções vitais do doente crítico. Este dessa informação recolhida inclui a idade
processo de abordagem que inclui não aparente e o género da pessoa doente, a
apenas a avaliação de prioridades forma como ela se relaciona com o meio
assistenciais mas também a execução de (está agitada?; está imóvel?;
acções imprescindíveis e necessárias de aparentemente inconsciente?), sinais
realizar antes de se proceder ao transporte evidentes de esforço respiratório (apneia
do doente crítico, universalmente aparente?; uso de musculatura acessória?;
conhecida como abordagem ABCDE, é útil posicionamento em fowler alto?), a cor da
na abordagem de qualquer doente crítico, pele (palidez acentuada) e lesões que
seja na abordagem inicial de uma equipa sejam evidentes (objectos empalados ou
pré-hospitalar, seja na avaliação do doente amputações, por exemplo). De alguma
em contexto de sala de emergência, seja forma, mesmo as equipas que atendem o
na avaliação de um doente após doente em idade adulta aplicam aqui algo
recuperação de circulação espontânea, parecido com o triângulo de avaliação
seja em ambiente de cuidados intensivos e pediátrico (aparência, esforço respiratório e
é igualmente aplicável tanto ao doente circulação), universalmente e amplamente
com patologia médica como com aceite na abordagem da criança doente.
patologia traumática. No entanto, a No contexto pré-hospitalar, a equipa terá
especificidade de cada passo da também de recolher informação
abordagem vai depender do contexto em relacionada com o ambiente e a
que ela está a ser utilizada e do nível de contextualização do trauma ou doença
equipamento disponível para apoiar esta súbita (cinemática do trauma,
avaliação. enquadramento e contextualização social,
detecção de sinais de abuso ou
A segurança de todos é fundamental, pelo negligência).
que a utilização de equipamentos de
protecção individual adequados À situação A metodologia subsequente a esta primeira
é mandatória. Se em ambiente de recolha de informação vai depois ter
cuidados intensivos a equipa possui, na algumas alterações de acordo com o

35
ambiente onde é realizada (pré-hospitalar, brônquicas que possam condicionar a
sala de emergência, cuidados intensivos, permeabilidade da via aérea, deverá ser
etc.) bem como pela diferenciação dos aspirado com recurso a sondas flexíveis.
meios humanos e recursos técnicos Uma rápida avaliação da via aérea deverá
disponíveis. Independentemente dos incluir a pesquisa de corpos estranhos como
recursos, a metodologia ABCDE deverá ser peças dentárias entre outros.
facilitadora não apenas da identificação e
correcção de situações consideradas Na avaliação do doente crítico que tenha
ameaçadoras para a vida, como a nível já uma via aérea artificial colocada, seja
hospitalar deverá ajudar a classificar a ela básica ou avançada, a equipa deve
tipologia do choque bem como o grau de avaliar a sua permeabilidade e correcta
compromisso de hipoperfusão do doente e colocação, bem como avaliar da
o início de estratégias clínicas e necessidade de efectuar um upgrade.
farmacológicas para a sua correcção. Exemplo disso é um doente trazido por uma
equipa de uma ambulância de
A metodologia de abordagem ABCDE não emergência médica a quem foi colocado
se confina à abordagem inicial do doente um tubo orofaríngeo por diminuição franca
em contexto urgente ou emergente. Deve do estado de consciência e, à chegada a
ser também esta a metodologia de uma unidade hospitalar ou perante uma
avaliação e reavaliação de qualquer equipa diferenciada, deva ser ponderada
doente crítico em qualquer contexto, a colocação de uma via aérea avançada
inclusivamente em ambiente de cuidados como o tubo endotraqueal. Outro exemplo
intensivos, nomeadamente antes, durante e é um doente a quem foi colocado um
depois de qualquer situação de transporte. dispositivo supra-glótico durante as
manobras de PCR e, depois de recuperada,
ser trocada por um tubo orotraqueal.

A – VIA AÉREA Na avaliação de doentes com VA


avançada já colocada, esta deve ser
Nesta fase, o grande objectivo é a
reavaliada. Formas de confirmar a correcta
identificação de uma obstrução real ou
colocação de um tubo endotraqueal
potencial da via aérea, de forma a resolvê-
incluem a auscultação, a imagem (raio X) e
la ou preveni-la, garantindo assim a sua
a capnografia de onda. Relativamente a
permeabilidade. Naturalmente que se o
esta última, valores de referencia para a
doente responde de forma coerente às
capnografia situam-se entre os 35 e os 45
perguntas que lhe são feitas, não apenas a
mmHg. Valores acima ou abaixo destes
via aérea está permeável como existe
limites implicam uma reavaliação da
perfusão cerebral adequada.
correcta colocação do tubo e, estando
este correctamente colocado, exigem a
Perante alteração do estado de
uma reavaliação minuciosa do estado do
consciência, poderá ser necessário
doente uma vez que inferem uma
implementar medidas que garantam a
degradação do seu estado hemodinâmico.
permeabilização da via aérea. Na
obstrução mecânica causada pela língua e
Durante o transporte, é possível que o tubo
pelo palato mole no doente inconsciente,
orotraqueal ou a máscara laríngea sejam
habitualmente identificadas por um ruído
deslocados e fiquem mal posicionados. Por
como o ressonar, deverá ser realizada a
esse motivo, a fixação dos tubos deverá ser
subluxação da mandíbula e posteriormente
redundante e a sua correcta colocação
colocado um adjuvante básico da via
persistentemente reavaliada durante o
aérea, seja o tubo orofaríngeo ou o tubo
transporte com avaliação contínua das
nasofaríngeo. Perante a obstrução da via
saturações periféricas de oxigénio (SPO2) e
aérea com fluidos (vómito ou sangue), a via
a capnografia de onda.
aérea deverá ser permeabilizada através
da aspiração com uma sonda de B – VENTILAÇÃO E OXIGENAÇÃO
aspiração rígida (tipo yankauer). Um
doente com excesso de secreções traqueo-

36
A permeabilidade da via aérea não sensibilidade lesões torácicas e abdominais
assegura por si só uma adequada (derrames pleurais, hemotórax,
ventilação. A avaliação clínica da pneumotórax, lesões major da aorta,
djnâmica ventilatória deve incluir: 1) presença de liquido livre abdominal, etc.)
Avaliação da frequência e o padrão mas também permitindo avaliar o
respiratório bem como sinais de esforço preenchimento vascular de forma a melhor
respiratório como seja a cianose e utilização dirigir o tratamento com fluidoterapia ou
de musculatura acessória; 2) A exposição aminas.
da região cervical de forma a avaliar a
presença de ingurgitamento jugular (sinal D – ESTADO NEUROLÓGICO
de choque mecânico ou obstrutivo), o
A escala de coma de Glasgow (GCS) é um
alinhamento da traqueia e a presença de
método simples e rápido para determinar o
enfisema subcutâneo; 3) Inspecção da
nível de consciência. Uma diminuição do
parede torácica pesquisando assimetrias,
estado de consciência do doente critico
sinais de crepitação, feridas aspirativas ou
pode indicar deficiente oxigenação ou
objectos empalados (mais direcionado
perfusão cerebral. A hipoglicémia pode
para situações de trauma); 4) Auscultação
alterar o nível de consciência, pelo que
pulmonar e cardíaca; 5) percussão da
deve ser rapidamente excluída. A
parede torácica perante assimetrias
intoxicação por álcool ou outras
evidentes da auscultação pulmonar.
substâncias de abuso pode também alterar
Esta avaliação deve ser complementada o nível de consciência não devendo no
com a avaliação das saturações periféricas entanto ser entendidas primariamente
de oxigénio e da capnografia (em doentes como causas de alteração do nível de
com VA avançada). consciência, até que todos os outros
problemas estejam excluídas. A GCS tem no
Em contexto hospitalar, é mandatória a entanto algumas limitações, como sejam a
realização de uma gasimetria arterial de presença de défices prévios e doentes sob
forma a consubstanciar a avaliação clínica sedação. Nos doentes submetido a sedo-
e melhor dirigir o tratamento do doente. analgesia, a GCS não está indicada e
deverá ser equacionada a utilização de
C – CIRCULAÇÃO E ABORDAGEM DO outras escalas.
CHOQUE
Nestas situações poderão ser utilizadas as
Nesta fase, a avaliação clínica deverá escalas de Ramsey e de Richmond, sendo
incluir: 1) o ritmo e as características do que em Portugal a escala de sedação mais
pulso; 2) as características da pele difundida nas UCI é a escala de Richmond
(nomeadamente a presença de palidez, (RASS – Richmond Agitation-Sedation
sudurese e aumento do tempo de Scale). Uma das vantagens desta escala é
preenchimento capilar); 3) a inspecção e que para além de avaliar o nível de
palpação da parede abdominal à procura sedação do doente, permite ainda avaliar
de feridas major e hematomas que possam e registar os níveis de agressividade e
sugerir hemorragia interna; 4) identificação combatividade do doente crítico. A RASS
de instabilidade pélvica e identificação de pode ser avaliada nos seguintes
fracturas de ossos longos. parâmetros:

Esta avaliação deve ser complementada 4 Combativo Agressivo, violento,


com: 1) monitorização do traçado perigoso
electrocardiográfico; 2) avaliação seriada 3 Muito agitado Agressivo, remoção de
tubos ou catéteres
da pressão arterial; 3) monitorização do 2 Agitado, movimentos
débito urinário. descoordenados, luta
contra o ventilador
Actualmente, em contexto intra-hospitalar, 1 Inquieto, intranquilo, ansioso mas
a avaliação ecocardiográfica é sem movimentos vigorosos
ou agressivos
mandatória nesta fase, permitindo não 0 Calmo Alerta e tranquilo
apenas despistar com um elevado grau de -1 Sonolento Facilmente despertável,

37
mantém contacto visual MCDT devem ser realizados na própria sala
por mais de 10 segundos de emergência, como a gasimetria e a
-2 Sedação leve Acorda rapidamente,
mantém contacto visual
ecografia. Em situações de politrauma, a
por menos de 10 realização FAST e Rx bacia devem também
segundos estar incluídas na avaliação inicial de forma
-3 Sedação reage à estimulação
a confirmar ou excluir lesões ameaçadoras
moderada verbal mas sem abertura
dos olhos da via, como hemotórax, pneumotórax,
-4 Sedação não responde à voz mas tamponamento cardíaco, lesão intra-
profunda movimenta-se ou abre os abdominal e fractura pélvica.
olhos com estimulação
física
A realização de outros MCDT devem ser
-5 Não Incapaz de ser
despertável despertado; Não diferidos para uma avaliação secundária. A
responde à estimualação realização de TAC, angio-TAC ou RM
verbal nem à estimulação obrigam ao transporte do doente crítico,
física
que deve ser feito após exclusão de lesões
que possam ser identificadas e resolvidas
A monitorização neurológica durante o em contexto de sala de reanimação.
transporte do doente crítico é fundamental
Em contexto de sala de emergência,
na prevenção de eventos adversos, sejam
importa que o material e equipamento
a combatividade e desadaptação do
sejam “o mais portáteis possíveis”. Mais do
ventilador, sejam o agravamento de
que um ventilador topo de gama, interessa
condições clínicas como a hipertensão
nesta fase conectar o doente a um
intra-craneana, entre outras.
ventilador de transporte, para não atrasar o
E – EXPOSIÇÃO E CONTROLO DE encaminhamento do doente para o local
TEMPERATURA de tratamento definitivo. O mesmo é válido
para os equipamentos de monitorização,
O controlo da temperatura é um aspecto que deverão também ser portáteis
fundamental na abordagem do doente evitando assim perdas de tempo
crítico. Numa situação de politrauma, por desnecessárias na troca de equipamento
exemplo, em que a hipotermia está antes do transporte.
associada ao aumento da mortalidade, o
aquecimento é considerado fundamental. Seja em contexto de sala de emergência,
No entanto, outras situações existem em seja em contexto de unidade de cuidados
que a normotermia ou até a hipotermia intensivos, seja em contexto de emergência
ligeira podem ser consideradas pré-hospitalar, a avaliação do doente
terapêuticas, nomeadamente na crítico por prioridades é fundamental para
mitigação de défices neurológicos no pós garantir a segurança durante o transporte.
paragem cardiorrespiratória. Durante a efectivação do transporte, a
reavaliação contínua deve ser efectuada
PREPARAÇÃO PARA O TRANSPORTE também de acordo com esta metodologia.

A abordagem ABCDE em contexto de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


avaliação inicial em sala de emergência
deverá ser efectuada no mais curto espaço  Dept of Anaesthesia & Intensive Care of The
Chinese University of Hong Kong. (2016).
de tempo possível. Para além da avaliação
Basic Assesment & Suport in Intensive Care.
clínica, devem ser utilizados os
Hong Kong.
equipamentos de avaliação e
monitorização disponíveis, preparando em  Sociedad Española de Medicina de
simultâneo o doente para o transporte para Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
o local de tratamento definitivo (BO ou UCI) Asistencial: Urgencias y Emergencias
ou para a realização de MCDT Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
Gerencia de Urgencias, Emergencias y
considerados imprescindíveis ao seu
Transporte Sanitario del SESCAM.
diagnóstico e tratamento. Alguns destes

38
8.VIA AÉREA E VENTILAÇÃO

INTRODUÇÃO  Incapacidade em manter uma


apropriada monitorização
Os doentes sob ventilação mecânica têm, cardiopulmonar durante o transporte;
em geral, patologia grave em diversos  Disponibilidade insuficiente ou
órgãos e sistemas pelo que o seu transporte inadequada de recursos humanos e de
estará associado a efeitos fisiológicos equipamento durante o transporte.
importantes que devem ser conhecidos e
antecipados de forma a evitar
complicações. Para um transporte seguro, é VIA AÉREA AVANÇADA E VENTILAÇÃO
essencial assegurar a patência da via INVASIVA
aérea bem como manter uma oxigenação
e ventilação eficazes. As principais razões pelas quais se inicia
Se não for possível manter uma adequada suporte ventilatório invasivo num doente
ventilação, oxigenação ou monitorização são:
do status cardiopulmonar do doente, o
 Reanimação após paragem
transporte deve ser cancelado ou
cardiorrespiratória;
protelado até serem obtidas tais condições.
 Perda de drive respiratória (TCE, AVC,
intoxicação medicamentosa, abuso de
INDICAÇÕES PARA O TRANSPORTE DE
drogas);
DOENTES VENTILADOS
 Falência mecânica do aparelho
As indicações mais comuns para proceder respiratório (fadiga muscular, doenças
ao transporte intra e inter-hospitalar de neuromusculares);
doentes ventilados são:  Hipoxemia e hipercapnia;
 Prevenção de complicações
 Necessidade de meios respiratórias (recuperação pós-
complementares diagnósticos e operatório; instabilidade da parede
terapêuticos (ex.: transporte intra- torácica).
hospitalar para serviço de imagiologia);
 Inexistência de recursos humanos e A ventilação invasiva, implica a utilização
técnicos no hospital de origem para dar de uma via aérea avançada - tubo
inicio ou continuidade a um endotraqueal ou cânula de traqueostomia
determinado cuidado ou tratamento – devendo ser assegurada previamente a
(ex.: transferência de doentes para qualquer decisão de transporte. Transportar
Unidade de Queimados). doentes incapazes de manter a patência
da via aérea está contraindicado, pelo
CONTRA-INDICAÇÕES PARA O TRANSPORTE que, se o transporte for necessário, a
DE DOENTES VENTILADOS manutenção da via aérea deve ser
assegurada no serviço de origem,
As contraindicações ao transporte de garantindo as melhores condições de
doentes ventilados incluem: segurança para o doente e para a equipa.
A correcta colocação do tubo
 Incapacidade de manter um status endotraqueal / cânula de traqueostomia
hemodinâmico aceitável. Caso se deve ser confirmada antes do transporte
mantenha a indicação para transferir o através da auscultação pulmonar e
doente, deve ser assegurada a capnografia e, se necessário, radiografia do
capacidade de suporte terapêutico tórax.
durante o transporte (ex.: suporte A intubação endotraqueal durante o
aminérgico e/ ou transfusional); transporte só deve ser realizada em
 Incapacidade de manter uma situações de agravamento súbito, pelo que
oxigenação e/ou ventilação a equipa que acompanha o doente
adequadas durante o transporte; deverá ter competências e equipamento

39
adequado disponível para abordagem da como interface entre o ventilador artificial e
via aérea. o doente.

A máscara laríngea (dispositivo Definem-se, sucintamente, alguns conceitos


supraglótico) não é o método mais de ventilação:
adequado para assegurar a patência da Volume corrente (Volume tidal, VT) -
via aérea de um doente crítico que vai ser volume de ar entregue em cada insuflação.
submetido a transporte, devendo ser Pode iniciar-se a ventilação com 6 a 10
apenas utilizada em situações de mL/kg em relação ao peso ideal.
excepção. Frequência respiratória (FR): número de
insuflações por minuto. Na maioria dos
adultos é razoável iniciar com 12-16 cpm e
CONCEITOS DE VENTILAÇÃO, VENTILAÇÃO
adequar de acordo com o valor de CO2
DE TRANSPORTE E VENTILADORES
expirado.
Volume minuto (V/min): produto entre o
Como referido anteriormente, perante um
volume corrente e a frequência respiratória.
doente intubado e ventilado, devem ser
Normalmente entre 8-10 L/min.
avaliadas as necessidades de oxigenação
EtCO2 (End tidal CO2): pressão parcial ou
e ventilação, optimizando os parâmetros
concentração de CO2 medido no ar
ventilatórios, idealmente com base em
expirado. Corresponde, de forma
gasimetrias arteriais recentes. O objectivo é
aproximada, à PaCO2, cujo valor normal é
manter uma ventilação o mais próxima
de 35-45 mmHg, permitindo o ajuste dos
possível da ventilação na UCI.
parâmetros ventilatórios. O EtCO2 reflecte
Outros aspectos importantes a considerar
também o débito cardíaco. O seu valor
antes do transporte de doentes ventilados
designa-se capnometria, e pode ser
são: o risco de aspiração, a necessidade de
representado numa curva, a capnografia.
aspirações frequentes da via aérea, a
A monitorização do CO2 expirado permite,
existência de terapêutica broncodilatadora
portanto:
em curso, a necessidade de sedação,
• confirmar a correcta intubação
analgesia ou mesmo relaxamento
orotraqueal (exclui intubação esofágica
neuromuscular durante o transporte, e a
mas não exclui a intubação seletiva de
dependência de determinados
um brônquio);
posicionamentos para optimização da
• monitorizar e optimizar a ventilação
relação ventilação-perfusão.
(permitindo manter a normocapnia,
evitando a hipocapnia associada à
Princípios básicos de ventilação hiperventilação e a hipercapnia
associada à hipoventilação);
Os principais objectivos do suporte • monitorizar a perfusão e a eficácia da
ventilatório são assegurar uma oxigenação ressuscitação cardiopulmonar.
e ventilação adequadas às necessidades
metabólicas do doente, com consequente FiO2: percentagem da pressão atmosférica
diminuição do trabalho respiratório. (760 mmHg) que é O2. Por exemplo 0,21 ou
Classifica-se o suporte ventilatório em dois 21% é calculado: 0,21x760 = 159 mmHg
grandes grupos: Ventilação não invasiva Patm de O2. Deve ser utilizada a FiO2
(VNI) e Ventilação invasiva (VI). Nas duas mínima necessária para manter os
situações, a ventilação artificial é objectivos de oxigenação, diminuindo a
conseguida com a aplicação de uma probabilidade de efeitos adversos do O2
pressão positiva na via aérea. em excesso como atelectasias de
A diferença entre os dois tipos de absorção, acentuação da hipercapnia,
ventilação reside na forma de libertação libertação de radicais livres de O2, entre
da pressão: enquanto que na ventilação outros.
invasiva se utiliza uma prótese introduzida Pressão de pico inspiratória: é o maior valor
na via aérea (tubo endotraqueal ou cânula de pressão atingido durante a inspiração,
de traqueostomia), na ventilação não durante um ciclo de ventilação mecânica.
invasiva, utiliza-se uma máscara facial O que determina a pressão de pico

40
inspiratória é a resistência das vias aéreas. alterações gasimétricas, sobretudo
Valores excessivos (>40 cmH2O), podem hipocapnia por hiperventilação, com
causar barotrauma, com complicações alcalose respiratória, disritmias, alterações
como pneumotórax ou pneumomediastino. hemodinâmicas, e até barotrauma e
PEEP (positive end expiratory pressure): é volutrauma. A monitorização dos volumes
uma pressão positiva aplicada nas vias correntes e do CO2 no ar expirado através
aéreas no final da expiração, utilizada para de espirómetros e capnógrafos portáteis
evitar o colapso alveolar, melhorando a ajuda a evitar estes riscos. Manter uma PEEP
oxigenação. O valor normalmente utilizado adequada é também difícil, havendo risco
é de, pelo menos, 5 cmH2O (considerado de hipoxemia, pelo que a utilização de
um valor fisiológico). válvulas geradoras de PEEP pode ser útil. A
Pressão de suporte: pressão aplicada FiO2 também não pode ser regulada de
durante a inspiração e que apoia o forma precisa com este tipo de sistema,
estímulo inspiratório do doente. levando muitas vezes a hiperoxigenação
Relação inspiração:expiração (I:E): relação inadvertida, que pode ser prejudicial. Além
entre o tempo de inspiração e o tempo de destes riscos, acresce a desvantagem de
expiração, normalmente de 1:2 em ser necessário um elemento da equipa
ventilação espontânea. dedicado exclusivamente à ventilação.
Ainda, um ventilador mecânico de
Ventilação mecânica vs ventilação manual pequenas dimensões é mais fácil de
manobrar através de portas, corredores e
A ventilação invasiva pode ser feita de
elevadores do que uma pessoa a efectuar
forma mecânica ou manual. A ventilação
ventilação manual, cujos movimentos
mecânica faz-se através da utilização de
podem ser mais limitados.
ventiladores que, intermitentemente,
insuflam determinados volumes de ar na via
A ventilação mecânica pode ser realizada
aérea (volume corrente ou volume tidal -
com recurso a um ventilador mecânico de
VT). Este movimento de gás ocorre devido à
transporte ou com recurso ao próprio
geração de um gradiente de pressão entre
ventilador do doente. Os ventiladores de
as vias aéreas superiores e os alvéolos,
transporte consistem num pequeno circuito
conseguido pela aplicação de uma
respiratório com um sistema de controlo e
pressão positiva nas primeiras (ventilação
um monitor com alarmes, permitindo definir
por pressão positiva). Neste gás, é possível
parâmetros ventilatórios ajustados ao
ainda controlar a concentração de O2
doente. Algumas unidades de cuidados
(fração inspirada de oxigénio - FIO2)
intensivos possuem ventiladores com
necessária para se obter uma pressão
módulos destacáveis que podem ser
parcial de oxigénio adequada no sangue
facilmente transportados com o doente,
arterial (PaO2).
evitando desconexões e alterações de
parâmetros ventilatórios.
A ventilação invasiva também pode ser
Este controlo sob a ventilação do doente
realizada na forma de ventilação manual.
proporciona uma maior estabilidade
Esta é realizada utilizando um insuflador
respiratória, ácido-base e hemodinâmica
manual (“balão-válvula”, “Ambu®”) ou
do que a ventilação manual. Muitos autores
sistema de ventilação manual (ex.:
referem que o uso de ventiladores
Mapleson C). É frequentemente utilizada
mecânicos é mais benéfico que a
por razões prácticas: tem um baixo custo, é
ventilação manual durante o transporte, e
de fácil utilização, tem rápida curva de
existem, de facto, alterações gasimétricas
aprendizagem, e é sustentada por energia
significativas (nomeadamente, hipocapnia
humana. No entanto, o volume corrente,
e acidose) associadas a ventilação manual.
frequência respiratória, e pressão aplicados
No entanto, estas alterações não foram
são muito variáveis e dependentes do
associadas a diferenças significativas no
operador, existindo risco comprovado de
outcome dos doentes e não há evidência
científica comprovada para a utilização de

41

Figura: Sistema de ventilação manual Mapleson C

Figura 1. Insuflador manual, “balão-válvula” ou “Ambu®”


um modo em detrimento de outro de PEEP, ventilação por pressão-controlada
(sobretudo se forem utilizadas algumas e elevadas FiO2 aumentam o consumo de
estratégias protectoras na ventilação bateria.
manual, como referido anteriormente), nem Consumo de oxigénio: todos os ventiladores
guidelines orientadoras nesse sentido. necessitam de uma fonte de oxigénio,
Os ventiladores de transporte têm a podendo ser utilizados quer cilindros de gás
desvantagem de ter um maior custo comprimido, quer sistemas de oxigénio
associado, uma curva de aprendizagem líquido. O consumo varia consoante o
mais longa e necessidade de treino modo ventilatório.
frequente para manter competências. Ecrã: deve ser facilmente visualizado de
qualquer ângulo e com diferentes luzes
Assim, parece razoável que: ambiente.
Segurança: deve existir uma válvula de
 Doentes cuja oxigenação e ventilação alívio de pressão elevada. É desejável existir
são lineares e cujo transporte se prevê que também uma válvula anti-asfixia que
seja de curta duração e não complicado, permite que o doente respire ar ambiente
poderão ser transportados sob ventilação em caso de falha energética. Alguns
manual (p.ex entre serviços dentro do ventiladores têm também uma válvula ajustável
mesmo hospital, sem paragens, como entre de alívio de alta pressão que abre quando a
o bloco operatório e UCI). pressão sobe acima do limite estabelecido. Os
 Doentes com necessidades ventiladores devem ter alarmes de aviso de
ventilatórias especiais (elevados V/min, bateria fraca. Se a fonte de oxigénio
PEEP, FiO2, alteração na relação I:E ou diminuir abaixo de pressões de
necessidade de controlo apertado da funcionamento, estiver vazia ou
PaCO2 [i.e. doentes com aumento da PIC]) desconectada, também devem haver
e/ou doentes em que se preveja um alarmes de alerta.
transporte mais prolongado ou com Montagem e desmontagem: estes
paragens para outras intervenções, dispositivos devem ser desenhados de
deverão ser ventilados com ventiladores de modo a que a sua montagem incorrecta
transporte. Nestes casos, é recomendado seja impossível. Normalmente há um circuito
que o ventilador seja conectado ao doente único com uma válvula expiratória externa.
algum tempo antes do transporte (10-
15min) para garantir uma adequada Os parâmetros ajustáveis devem ser:
adaptação, idealmente com gasimetria de 1. FiO2 - O ajuste preciso da FiO2 é opcional, já
controlo antes da saída. que o uso de O2 a 1 (ou 100%) é, muitas
vezes, aceitável durante o tempo limitado do
Ventiladores de transporte e modos transporte;
2. VT e FR ou Volume/minuto (dependendo
ventilatórios
do modo ventilatório);
Um ventilador de transporte deve ter as 3. PEEP;
seguintes características: 4. Razão I:E;
Portabilidade: devem ser relativamente 5. Triggers de fluxo ou pressão.
leves e pequenos, de modo a serem
facilmente transportáveis por uma pessoa e Os alarmes ajustáveis são:
facilmente instalados numa variedade de 1. VT ou V/m;
plataformas. 2. Pressão: um alarme de pressão elevada
alerta para aumentos na pressão inspiratória
Durabilidade: devem ser resistentes,
que são causados por diminuições na
compactos e pouco afectados pelas
compliance pulmonar ou da caixa torácica,
alterações extremas de temperatura ou aumento na resistência da via aérea ou
pela vibração. oclusão no circuito ventilatório. Um alarme de
Necessidades energéticas: devem ter um baixa pressão alerta para desconexão ou
funcionamento autónomo, de durabilidade fuga no sistema, ou falha na entrega do
suficiente. A duração da bateria depende volume de ar;
significativamente do modo ventilatório e 3. FiO2.
parâmetros definidos. Por exemplo, o uso

42
Outras informações incluem: o estado da inicie o esforço inspiratório. Assim, a SIMV
bateria e o consumo de gás. parece ser um modo mais vantajoso em
relação à IMV, na medida em que evita
Antes de utilizar o ventilador deve ser que o ventilador inicie um fluxo inspiratório
realizada a sua verificação e configuração, num momento em que o doente poderá
através dos seguintes passos: estar numa expiração durante um ciclo
• Fazer o teste de performance e espontâneo. Os fluxos mandatórios da SIMV
calibração; podem ter como trigger o tempo ou o
• Ajustar os parâmetros ventilatórios de esforço do doente, caso o doente inicie
acordo com o doente; uma ventilação espontânea antes da
• Verificar se os alarmes estão ligados e entrega de fluxo tempo-definida (p.ex. se a
ajustados ao doente (limites e volume); frequência mandatória definida é 10 cpm,
• Conectar o ventilador ao doente e o ventilador inicia um ciclo inspiratório a
confirmar que este está a ser cada 6 segundos, se não houver esforço
corretamente ventilado devendo ser inspiratório por parte do doente durante
dado o tempo necessário para este tempo).
adaptação do doente a esse novo Quer na IMV, quer na SIMV, a ventilação
equipamento. mandatória intermitente pode ocorrer com
volume controlado ou com pressão
Existem diversos modos ventilatórios, sendo controlada.
abordadas adiante apenas aqueles que
estão presentes na maioria dos ventiladores Na ventilação mandatória controlada ou
de transporte habitualmente utilizados 2,11: contínua (CMV), o ventilador entrega um
volume corrente pré-definido (volume
1. IMV (Ventilação mandatória controlado) numa frequência também pré-
intermitente) e/ou SIMV (Ventilação estabelecida, controlando, portanto, o
mandatória intermitente sincronizada); volume minuto do doente. Este modo
2. CMV (Ventilação mandatória ventilatório deve apenas ser utilizado
controlada ou contínua) e PRVC; quando o doente estiver adequadamente
3. PSV (Ventilação com pressão de sedado e, se necessário, sob bloqueio
suporte); neuromuscular, visto que qualquer esforço
4. CPAP (Ventilação com pressão positiva inspiratório do doente seria como tentar
contínua nas vias aéreas). respirar com uma via aérea
completamente obstruída.
IMV (Ventilação mandatória intermitente) e
As indicações para a ventilação
SIMV (Ventilação mandatória intermitente
mandatória controlada incluem doentes
sincronizada)
com mínimo ou nenhum esforço respiratório
Na IMV, o doente recebe um volume tidal
(p.ex. doente anestesiado ou com
pré-definido de forma programada,
disfunção do sistema nervoso central) e
podendo iniciar respirações espontâneas
situações em que o esforço respiratório está
entre os ciclos respiratórios definidos (o
contra-indicado (p.ex. vollet costal).
ventilador permite que ciclos espontâneos
Neste modo ventilatório é também possível
ocorram entre ciclos mandatórios,
administrar um volume corrente através de
ajustando a cadência dos ciclos de acordo
uma pressão pré-definida (pressão
com o trigger do doente).
controlada). Esta opção pode diminuir a
Quando o ventilador permite que o início
incidência de barotrauma mas existe o risco
dos ciclos mandatórios ocorra em sincronia
de o volume corrente sofrer variações
com o esforço do doente (pressão negativa
indesejáveis nos ciclos respiratórios (p.ex se
ou fluxo positivo), estamos perante o modo
alteração da complacência torácica).
de ventilação mandatória intermitente
PRVC (volume controlado regulado por
sincronizada (SIMV). Na SIMV, o ventilador
pressão) é um modo de ventilação
fornece volume adicional no momento da
controlada presente nos ventiladores mais
inspiração espontânea do doente e,
recentes, que agrega as vantagens da
adicionalmente, consegue fornecer o
ventilação por pressão controlada e
volume pré-definido caso o doente não
volume controlado. O ventilador entrega o

43
volume corrente pré-estabelecido com a COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS AO
menor pressão possível, através de um fluxo TRANSPORTE DO DOENTE VENTILADO
desacelerado, considerado menos lesivo
para o pulmão. O primeiro ciclo entregue O transporte do doente ventilado, como já
ao doente é volume controlado. É então referido, está associado a vários riscos e
medida a pressão plateau, que é usada complicações, com consequências
para estabelecer o nível de pressão para o imediatas e rápida deterioração fisiológica.
ciclo respiratório seguinte. O volume Por este motivo, a equipa que realiza o
entregue é ajustado ciclo a ciclo: se os transporte deve estar preparada para
volumes medidos pelo ventilador forem qualquer uma das seguintes situações:
superiores ao volume pré-definido, a
COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS AO DOENTE
pressão diminui gradualmente (até ao
máximo de 3 cmH2O) em ventilações
Compromisso da via aérea
consecutivas até o volume pré-definido ser
entregue. É uma das complicações mais graves. O
compromisso pode ocorrer por: perda da
A ventilação com pressão de suporte (PSV) patência da via aérea numa via aérea
é um modo ventilatório assistido, usado previamente competente (alteração do
para diminuir o trabalho respiratório. estado de consciência, edema da VA,
Consiste na aplicação de níveis pré- vómito/aspiração de conteúdo gástrico,
definidos de pressão positiva e constante incapacidade de lidar com secreções
(plateau) durante a fase inspiratória, abundantes, etc), ou por complicações
reduzindo o trabalho dos músculos num doente intubado, por exemplo,
inspiratórios, sendo o doente que determina extubação acidental. O risco de extubação
a duração da inspiração, a frequência acidental ocorre principalmente durante as
respiratória e o volume tidal. Não é definida, transferências entre camas/macas e à
portanto, uma frequência respiratória entrada e saída da célula sanitária, pelo
mínima - o ventilador assiste a ventilação que o tubo orotraqueal/cânula de
espontânea do doente entregando uma traqueostomia deve ser bem fixo antes do
pressão que se mantém constante até ao transporte (adesivo ou fita de nastro). A
final da fase inspiratória. Pode ser usada sedação e o relaxamento neuromuscular
como suporte parcial ou total da ventilação reduzem este risco.
espontânea, podendo ser associada à SIMV Em qualquer caso, deve estar disponível
(não estando activa durante as inspirações material de aspiração da via aérea no local
mandatórias). Como desvantagem, este de destino e durante o transporte para
modo ventilatório, quando utilizado longas distâncias, ou mesmo para
isoladamente, funciona apenas quando o distâncias menores no caso de doentes
doente apresenta drive respiratório. com secreções abundantes nas vias
aéreas.
Ventiladores comumente utilizados nos Se houver risco de aspiração de conteúdo
nossos hospitais: gástrico, sobretudo durante o movimento,
deve ser ponderada colocação de sonda
gástrica (se ainda não tiver sido colocada),
a alimentação por sonda deve ser
interrompida, e ponderar administrar
bloqueadores dos receptores H2 .

Hiperventilação

Parece ser mais frequente com ventilação


manual, mas também pode ocorrer com
ventiladores mecânicos com mau controlo
do volume minuto. A hiperventilação pode
causar air trapping e aumento da pressão
intratorácica com disritmias, hipotensão e

44
alcalose respiratória com desvio da curva podem ser causa de hipotensão ou
de dissociação de hemoglobina para a disritmias.
esquerda, com consequente redução na
entrega de O2 aos tecidos. Aumento da pressão intracraniana (PIC)

A hipocapnia também causa Associada ao posicionamento do doente,


vasoconstrição coronária e cerebral alterações na ventilação, compromisso da
levando a diminuição do fluxo sanguíneo via aérea e hipoxemia1.
cerebral, que, em excesso, pode causar
isquemia cerebral. A monitorização do Pneumonia
volume corrente e capnografia diminui
Relativamente à pneumonia associada ao
estes riscos.
ventilador (VAP), existem autores que
Hipoventilação referem que doentes transportados têm
uma probabilidade de desenvolver
É menos comum, mas também é mais pneumonia 3-4 vezes superior quando
frequente com a ventilação manual. Pode comparados a doentes não transportados
levar a acidose respiratória e ao 3,5.

desenvolvimento de atelectasias.
COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS AO
Hipoxia EQUIPAMENTO

É uma das complicações mais comuns. Por


um lado, existem alterações expectáveis  Fonte de oxigénio
associadas ao transporte que predispõem a  Ventilador (sistema e bateria)
hipoxia, como o aumento do consumo de  Conexões
oxigénio causados pelo stress, dor,  Seringas infusoras (sistema e bateria)
ansiedade, alterações de temperatura  Monitorização
assim como as alterações na ventilação
durante o transporte. Por outro lado, podem Falhas no equipamento continuam a ser
existir complicações no estado do doente uma causa importante de complicações
ou mau funcionamento dos equipamentos. durante o transporte de doentes ventilados,
Quando soa o alarme de hipoxia o primeiro sendo as mais reportadas a falta de bateria
passo deverá ser confirmar que o oxímetro dos ventiladores ou monitores, a exaustão
de pulso está correctamente posicionado e das garrafas de oxigénio, falhas no
que a leitura é fidedigna (por exemplo, o funcionamento do ventilador e danos nos
doente tem as extremidades bem dispositivos causados por quedas.
perfundidas). Se a dessaturação for real,
COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À
então a FiO2 deve ser aumentada e a
ORGANIZAÇÃO E À EQUIPA
causa da dessaturação investigada:
confirmar a patência da via aérea e
 Tração/desconexão acidental de
correcto posicionamento do tubo traqueal
acessos vasculares/ SNG/ outras
e insuflação do cuff, confirmar a fonte de
drenagens;
oxigénio (cheia, aberta e correctamente
 Gabinete do exame de imagem
conectada), descartar falha do ventilador
ocupado;
(incapacidade em reproduzir os parâmetros
 Válvula de O2 fechada;
definidos, outra falha do sistema ou falta de
 Inadaptação física do doente à maca
bateria), verificar se há alterações na
de transporte ou à maca do exame.
auscultação cardiopulmonar ou outros
aspectos como drenos torácicos, caso
existam. TRANSPORTE DO DOENTE SOB VENTILAÇÃO
NÃO INVASIVA
Instabilidade hemodinâmica
A ventilação não invasiva (VNI) tem
Pneumotórax e alterações ácido-base,
eficácia comprovada no tratamento de
como alcalose (por hiperventilação),
doentes com insuficiência respiratória

45
aguda e crónica, de várias etiologias. Nos de gerir não devem ser transportados
últimos anos, a VNI tem ganho um papel com VNI.
crescente nas salas de emergência no
tratamento de doentes seleccionados, com
destaque para as agudizações de Doença ESCOLHA DA EQUIPA
Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) e do
 Todos os doentes transportados com
edema pulmonar cardiogénico. O seu
VNI devem ser acompanhados por
sucesso exige, para além de experiência
médico e enfermeiro treinados em
clínica, um balanço cuidadoso do
abordagem da via aérea e
benefício da terapêutica versus o risco de
ressuscitação cardiorrespiratória;
deterioração e a necessidade de
 A equipa que procede ao transporte
ventilação invasiva.
deve conhecer e dominar as
A evidência actual aponta para que, modalidades de suporte ventilatório, as
idealmente, o transporte inter-hospitalar inferfaces e saber reconhecer e
não seja feito com recurso a ventilação não solucionar problemas frequentes na
invasiva, pois a deterioração da condição VNI;
ventilatória do doente, com necessidade  A equipa que vai receber o doente (no
de proceder a entubação orotraqueal, caso das transferências para outros
num espaço pequeno como a ambulância serviços) deve ser informada
é desaconselhado. Assim, sempre que previamente, para que possa estar
possível, o transporte do doente em VNI pronta para receber o doente,
deve ser evitado, devendo ser preparando o material e programando
equacionadas outras soluções. o ventilador (no caso de haver
necessidade de troca de dispositivo).
A organização intra-hospitalar implica,
muitas vezes, o deslocamento do doente
para realização de exames
EQUIPAMENTO
complementares de diagnóstico ou a sua
transferência para outras áreas dentro do  O equipamento deve ser leve e
hospital. Idealmente, o transporte intra- facilmente transportável;
hospitalar de um doente com necessidade  O ventilador deve ser especificamente
de VNI não deve exceder os 15 minutos. preparado para administração de
ventilação não invasiva e com bateria
interna. A equipa deve ter experiência
SELECÇÃO DO DOENTE no uso do referido ventilador,
conhecendo os modos ventilatórios,
 O doente a transportar com suporte
funções e parametrizações disponíveis;
ventilatório não invasivo deve estar
 Se for possível, o ventilador de
hemodinamicamente estável, em
transporte deve ser o mesmo ao qual o
ventilação espontânea e ter
doente se encontra previamente
capacidade de proteção da via aérea;
adaptado. Havendo necessidade de
 Doentes com resposta apenas parcial à
trocar de equipamento, deve tentar
técnica, não são candidatos
manter-se o mesmo modo ventilatório e
adequados a transporte com VNI, pois
nível de suporte. Deverá ser feito um
têm um risco não negligenciável de
período de observação prévio ao
agravamento durante o transporte;
transporte, avaliando o nível de
 Doentes que se encontram mal
adaptação do doente ao novo
sincronizados com o sistema ou que se
equipamento;
mantém francamente dispneicos
 O doente deve ser transportado com a
apesar da optimização dos parâmetros,
interface adequada. De um modo
podem necessitar de melhor avaliação
geral, e na ausência de evidência
e estabilização antes do transporte;
científica mais específica neste assunto,
 Do mesmo modo, doentes não
o doente deve ser transportado com a
colaborantes ou com broncorreia difícil
interface à qual se encontra
previamente bem adaptado. Deve ser

46
sempre verificada a adaptação do pressão positiva com recurso ao fluxo de
doente antes da transferência e oxigénio.
frequentemente durante o transporte,
Por esse motivo, é passível que algumas
pois são frequentes os deslocamentos
equipas de VMER o utilizem na abordagem
acidentais das máscaras e,
pré-hospitalar para estabilização do doente
consequentemente, as fugas de ar
com o diagnóstico de insuficiência
neste contexto com prejuízo da
cardíaca descompensada até à sala de
ventilação.
emergência e que, em contexto hospitalar,
as equipas devam estar preparadas para
MONITORIZAÇÃO receber estes doentes e eventualmente
transferi-los para outros departamentos
Durante o transporte intra-hospitalar do
como os serviços de observação ou
doente com VNI, os seguintes parâmetros
unidades de cuidados intermédios.
devem estar disponíveis:
A sua utilização é relativamente simples:
 Monitorização cardíaca contínua;
 Pressão arterial não invasiva;  Inicialmente deve ser escolhida a
 Oximetria periférica contínua; máscara que melhor se ajuste ao
 Frequência respiratória e volumes doente,
correntes expiratórios;  Em seguida adapta-se a válvula de
 Sincronia doente-ventilador (quer pela Boussignac a essa mesma máscara,
adaptação subjetiva do doente e  Na válvula de Boussignac existem duas
decorrente da observação, que entradas: a principal, à qual se adapta
através da interpretação de curvas de à fonte de oxigénio e uma secundaria
pressão e fluxo); à qual será ajustado o manómetro de
 Vigilância clinica durante todo o pressão,
transporte, com particular atenção ao  Após ter a máscara ajustada ao
nível de consciência, auscultação doente, basta ajustar o fluxo de
cardiopulmonar se clinicamente oxigénio para obtenção da pressão
necessário e adaptação da máscara e desejada,
fugas de ar.  Por fim, e após se obter a pressão
desejada, pode desadaptar-se o
manómetro de pressão e fechar essa
TRANSPORTE DO DOENTE SOB CPAP entrada.

A aplicação de pressão positiva na via Durante o transporte o doente deve ter:


aérea (CPAP) através de dispositivos simples  Monitorização cardíaca contínua
e descartáveis tornou-se nos últimos 15 anos  Pressão arterial não invasiva
num um pilar na estabilização e tratamento  Oximetria periférica contínua
da insuficiência cardíaca descompensada  Observação clínica frequente com
em contexto pré-hospitalar e de sala de particular atenção ao nível de
emergência. Inicialmente utilizado em consciência, frequência e padrão
algumas salas de reanimação e VMER, a respiratórios e auscultação
sua utilização está hoje validada pelo INEM cardiopulmonar quando clinicamente
e é comumente utilizado na emergência indicado.
médica a nível nacional, em contexto de
meios diferenciados (VMER e SIV).

As VMER utilizam maioritariamente o CPAP


de Boussignac. Consiste na aplicação
prática do Princípio de Bernoulli – ao passar
num espaço estreito a velocidade e
pressão do gás aumentam. Este dispositivo
permite, através de uma válvula, gerar

47
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48
9.CHOQUE

O choque é uma condição clínica que ofereçam maior estabilidade e segurança


está, por definição, sempre presente no ao doente durante o transporte.
doente crítico e que é definida como
hipoperfusão tecidular. Esta hipoperfusão Importa por esse motivo recordar os
tecidular está relacionada de alguma diferentes tipos de choque:
forma com um desequilíbrio entre a
 Choque Hipovolémico: a sua etiologia
perfusão e as necessidades tecidulares.
está relacionada com uma diminuição
real do volume circulante, devida por
Necessidades exemplo a hemorragia ou diarreia
energéticas profusa.
 Choque Distributivo: a sua etiologia está
celulares
relacionada com uma redução das
resistências periféricas, não existindo
diminuição real do volume circulante,
São várias as causas deste tipo de
Perfusão choque, como por exemplo a
anafilaxia, a sépsis e a lesão vertebro-
medular.
 Choque Obstrutivo: neste tipo de
choque não existe alteração nem do
A evidência da hipoperfusão, ainda que
volume circulante nem das resistências
possa e deva ser consubstanciada pela
periféricas, mas sim um compromisso da
utilização de equipamentos de
função de bomba do coração por uma
monitorização hemodinâmica, pode ser
constrição física ou mecânica, como
objectivável pela avaliação clínica,
sejam o pneumotórax hipertensivo ou o
nomeadamente pelo estado de
tamponamento cardíaco.
consciência, pela condição da pele
 Choque Cardiogénico: a etiologia está
(temperatura, cor e presença de sudorese)
relacionada com uma falência da
e redução do débito urinário. Apoio
função de bomba cardiovascular por
complementar pode ser fornecido por
causa cardíaca, como seja o enfarte
equipamentos de monitorização (como a
agudo do miocárdio com falência
frequência cardíaca, a pressão arterial ou o
ventricular.
ETCO2) e por gasimetria arterial (lactato
sérico, défice de base). No doente em Para além da clínica apresentada pelo
choque, o lactato sérico está geralmente doente, o contexto clínico pode ajudar à
elevado, acima de 1,5 mmol/L. identificação do tipo de choque antes
mesmo da execução de meios
É fundamental que o choque seja
complementares de diagnóstico. No
precocemente identificado. No entanto,
trauma, por exemplo, mais de 95% das
não basta à equipa identificar a presença
situações de choque estão relacionadas
de choque como é também importante
com perda hemática relevante
saber investigar e identificar a sua causa.
condicionando, portanto, choque
Daqui vão depender importantes decisões
hipovolémico. Nesta situação a correcção
prévias ao transporte, uma vez que algumas
do problema que condiciona o choque é
causas de choque podem começar a ser
apenas possível no bloco operatório pelo
corrigidas previamente ao transporte mas
que o transporte do doente nestas
outras terão apenas correcção no local de
situações tem de ser efectuado mesmo sob
tratamento definitivo, obrigando ao
condições de instabilidade hemodinâmica,
transporte do doente em situação de
podendo no entanto ser efectuados alguns
instabilidade hemodinâmica podendo no
gestos que confiram maior estabilidade e
entanto serem iniciadas medidas que
segurança durante o transporte como a

49
administração de hemoderivados e anti- O quadro típico relacionado com a
fibrinolíticos, por exemplo. redução do volume circulante é a
taquicardia, vasoconstrição periférica
Dependendo do motivo que condiciona a (palidez cutânea e sudorese) e hipotensão.
hipoperfusão, alguns sintomas podem ser Os sintomas serão tanto mais graves quanto
distintos: mais grave for a perda de volume.

CHOQUE FC VJE PELE


É importante dirigir o tratamento à causa e
Hipovolémico Taquicardia Colapsadas Fria
Distributivo Taquicardia Colapsadas Quente não assentar apenas na correcção de
Obstrutivo Taquicardia Ingurgitadas Fria ou volume, por exemplo, com fluidos. Muita
normal
Cardiogénico Disritmias Normais Fria evidência tem sido produzida nos últimos
Bradicardia anos e no entanto existe ainda muita
discussão quanto ao fluido de ressuscitação
ideal. No entanto, se a causa da
No entanto, a equipa tem de ter sempre
hipovolémia for hemorragia maciça é
presente que podem coexistir condições
fundamental que a estabilização clínica
clínicas concorrentes que contribuem para
seja centrada na reposição de sangue e
etiologias distintas da hipoperfusão pelo
hemoderivados e na administração de anti-
que nesses casos os sinais clássicos de cada
fibrinolíticos até que o doente se encontre
tipo de choque podem estar “mascarados”
no local de tratamento definitivo (bloco
e dificultar a identificação clínica do tipo
operatório). Nos casos de politrauma existe
de choque. Por exemplo, um
muitas vezes a necessidade de iniciar
politraumatizado com choque
transporte na presença de instabilidade
hipovolémico por trauma abdomino-
hemodinâmica, uma vez que este é
pélvico severo e choque obstrutivo por
essencial para o tratamento definitivo do
pneumotórax hipertensivo, poderá nunca
doente. Perante causas médicas
apresentar ingurgitamento jugular por não
(desidratação, por exemplo), poderá ser
ter volume circulante suficiente para o
possível a estabilização hemodinâmica do
preenchimento vascular.
doente com reposição de fluidos e
A abordagem do doente em choque pode electrólitos antes de se iniciar o transporte.
ser sistematizada pela mnemónica VIP –
CHOQUE DISTRIBUTIVO
Ventilate (optimização da ventilação e
administração de oxigénio), Infuse (infusão
de fluidos e/ou hemoderivados com o O choque distributivo ocorre quando a
intuito de restabelecer a perfusão), Pump vasodilatação provoca uma redução das
(administração de vasopressores). Para resistências periféricas. As causas mais
além destas estratégias gerais de suporte e comuns são a anafilaxia, a sépsis e a lesão
estabilização do doente em choque, a vertebro-medular.
identificação da etiologia do choque
permite o tratamento dirigido à causa. Clinicamente o doente apresenta-se com a
pele rosada e com temperatura normal ou
CHOQUE HIPOVOLÉMICO quente, mas com aumento do tempo de
preenchimento capilar. Alteração do
estado de consciência, diminuição do
O choque hipovolémico está associado a
débito urinário e elevação do lactato sérico
uma redução do volume circulante. A
constituem também evidência de choque
causa mais comum no adulto é a perda
distributivo.
hemorrágica, tanto relacionada com
trauma como com hemorragias digestivas Enquanto que na anafilaxia e na sépsis é
como com complicações pós-cirúrgicas. No normal que a frequência cardíaca possa
entanto, a hipovolémia pode também estar estar aumentada (como resposta fisiológica
associada a perdas gastro-intestinais como a hipotensão, hipoxemia ou à hipertermia),
diarreia profusa ou vómitos incoercíveis, na lesão vertebro-medular a frequência
desidratação extrema e grandes cardíaca está normal ou diminuída.
queimaduras.

50
O tratamento do choque distributivo deverá CHOQUE CARDIOGÉNICO
ser dirigido à causa. Na anafilaxia o
tratamento inicial deverá recair sobre a
administração de adrenalina 0,5mg IM, O choque cardiogénico está relacionado
ressuscitação hídrica com cristalóides e com a falência da função de bomba do
administração de anti-histamínicos e coração devido a falência valvular ou do
terapêutica corticóide. Na sépsis, para além miocárdio. A causa mais comum é o
da ressuscitação hídrica com fluidos e enfarte agudo do miocárdio.
administração precoce de antibioterapia,
Uma vez mais, o tratamento definitivo
poderá ser equacionado tratamento com
destes doentes encontra-se na sala de
vasopressores (noradrenalina) caso não
hemodinâmica pelo que poderá haver
exista resposta satisfatória à fluidoterapia.
necessidade de se proceder ao transporte
No choque neurogénico devido a lesão
com instabilidade hemodinâmica.
vertebro-medular está indicado o
tratamento precoce com vasopressores O tratamento de suporte durante o
está indicado. transporte para além da estabilização da
função ventilatória, está relacionada com o
CHOQUE OBSTRUTIVO
tratamento dirigido ao síndrome coronário
agudo. Perante a necessidade de instituir
O choque obstrutivo está associado a uma tratamento com vasopressor, a escolha
causa mecânica que impede a função de inicial deverá recair sobre a noradrenalina
bomba do coração. Os exemplos mais uma vez que tem um efeito cronotrópico
típicos são o pneumotórax hipertensivo e o reduzido e pode beneficiar o doente com
tamponamento cardíaco. Clinicamente, o um aumento da pré-carga.
choque obstrutivo para além de cursar com
TRANSPORTE DO DOENTE EM CHOQUE
alteração do estado de consciência,
hipotensão severa e taquicardia, apresenta
também ingurgitamento ou distensão das Seja qual for a etiologia do choque, é
veias do pescoço como resultado do fundamental que a equipa saiba identificar
aumento da pré-carga, isto se não existirem a presença de choque e iniciar medidas de
outros factores que condicionem redução correcção e/ou estabilização
severa do volume circulante. hemodinâmica.

Para além da clínica descrita, o doente A decisão de transportar o doente com


com pneumotórax hipertensivo apresentará instabilidade hemodinâmica vai sempre
sinais claros de falência respiratória e depender da capacidade de tratamento
apresentará abolição dos sons definitivo. Se este for apenas possível na
auscultatórios do lado afectado. unidade/hospital de destino, o transporte
deverá ser iniciado uma vez que não é
No caso do tamponamento cardíaco, o
expectável que se consiga melhor outcome
doente apresentará abolição ou claro
para o doente na unidade/hospital de
abafamento dos tons cardíacos e poderá
origem.
ainda apresentar pulso paradoxal (pulso
periférico presenta na expiração e ausente Em todo o caso, no sentido de assegurar a
durante a inspiração). maior qualidade e segurança possível para
o doente durante o transporte, deve ser
Tanto numa situação como na outra, o FAST
sempre assegurada estabilização do A e B
pode ser determinante no diagnóstico.
(com recurso a intubação traqueal e
O tratamento destas situações deverá ser ventilação mecânica invasiva) e medidas
dirigido à causa. A descompressão torácica de suporte da perfusão dirigidas à etiologia
está indicada na presença de do choque: fluidos, hemoderivados e/ou
pneumotótax hipertensivo enquanto que no vasopressores.
tamponamento cardíaco deverá ser
efectuada pericardiocentese.

51
Independentemente da etiologia do isquémia da mesentérica e processos
choque, é frequente que o transporte do embólicos das extremidades. Bólus
doente crítico em choque envolva o inadvertidos de noradrenaliona conduzem
manuseamento de vasopressores em a picos hipertensivos severos.
perfusão contínua, cujos efeitos devem ser
continuamente monitorizados durante o Dopamina: percussor natural da
transporte de forma a detectar noradrenalina, a dopamina é também um
precocemente reacções adversas. potente vasoconstritor. Em doses baixas, é
responsável pela activação dos receptores
Todos os vasopressores devem ser dopaminérgicos conduzindo a
administrados através de cateter central e vasodilatação renal, esplénica, mesentérica
o doente deve ser submetido a avaliação e coronária. Em doses intermédias, a
contínua de pressão arterial invasiva. As dopamina activa os receptores beta1
linhas venosas devem estar colocadas e conduzindo a uma elevação da PAM, FC,
identificadas de forma a excluir a volume de ejecção e débito cardíaco
possibilidade de administração de bólus de (efeito inotrópico). Em doses mais elevadas,
forma inusitada. estimula os receptores alfa1, aumentando a
PAM. Embora a noradrenalina seja mais
Adrenalina: potente alfa e beta agonista, a eficaz na correcção da hipotensão no
adrenalina aumenta a PAM através do choque de etiologia séptica, a dopamina
aumento do débito cardíaco e da pode ser uma alternativa aceitável em
vasoconstrição periférica. Em doses mais doentes com menor risco de taquidisritmia
baixas, a adrenalina estimula os receptores ou em doentes com bradicardia. Por
beta, aumentando a frequência cardíaca oposição, a dopamina deve ser evitada em
e o débito cardíaco e relaxando a doentes com taquidisritmia presente ou em
musculatura lisa. Em doses mais elevadas, maior risco de a desenvolver e está contra-
estimula os receptores alfa conduzindo à indicada em doentes com
vasoconstrição e ao efeito inotrópico. A sua pheocromocitoma.
administração pode estar associada a
elevação do lactato sérico, pelo que este Dobutamina: catecolamina sintética, a
deixa de ser um elemento fidedigno de dobutamina é um potente inotrópico que
avaliação e monitorização do choque. Em aumenta o débito cardíaco através da
administrações prolongadas ou em alta estimulação dos receptores beta1 e beta2.
dose, a adrenalina pode estar associada a Em doses baixas, a dobutamina aumenta o
lesão e isquemia tecidular bem como volume de ejecção sem efeitos
efeitos cardiotóxicos e eventual lesão significativos ao nível da FC. Em doses mais
miocárdica. elevadas, conduz a taquicardia que pode
dificultar o preenchimento ventricular no
Noradrenalina: é um potente vasoconstritor momento da diástole. É o inotrópico de
com limitado efeito inotrópico, através do eleição no choque cardiogénico e pode
seu papel alfa-agonista, sem efeitos beta2- também ser escolhido no tratamento do
agonistas e com limitado efeito beta1- choque séptico como suporte a doentes
agonista. Os efeitos sobre a PAM são por que não respondem adequadamente ao
isso consequência do aumento da pressão fluid-challenge e aos vasopressores de
arterial e do aumento das resistências primeira linha. Pode estar associada a
vasculares periféricas. É actualmente o disritmias severas. Sobretudo em doentes
vasopressor de primeira linha, com estenose aórtica e em doentes com
recomendado pela maior parte das fibrilação auricular.
sociedades científicas. Doentes submetidos
a doses elevadas de noradrenalina ou a um
tratamento prolongado estão sujeitos a
lesões tecidulares importantes e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cardiotoxicidade importante que pode
 Dept of Anaesthesia & Intensive Care of The
evoluir para isquémia miocárdica. Deve ser
Chinese University of Hong Kong. (2016).
evitada em doentes com suspeita de

52
Basic Assesment & Suport in Intensive Care.
Hong Kong.

 Sociedad Española de Medicina de


Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
Asistencial: Urgencias y Emergencias
Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
Gerencia de Urgencias, Emergencias y
Transporte Sanitario del SESCAM.

 SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos -


recomendações.

53
10.MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA

Todos os doentes críticos submetidos a um  Electrocardiografia (no mínimo 3


transporte (intra ou inter-hospitalar) devem derivações)
ter disponível o mesmo nível de  Medição da pressão arterial (invasiva ou
monitorização que tinham previamente. não invasiva)
Excepção feita aos doentes críticos em  Medição da pressão da artéria pulmonar
ambiente pré-hospitalar, cuja  Oximetria de pulso
monitorização é decidida em função da
 Capnografia
situação clínica e do equipamento
disponível no momento. Porém, a escolha
de equipamento de monitorização que MONITORIZAÇÃO NÃO INVASIVA
acompanha o doente é da
responsabilidade dos profissionais que vão
realizar o transporte. Este equipamento
Ainda que a monitorização invasiva seja
deve ser escolhido em função da situação
fundamental no transporte do doente
clínica do doente, do objectivo do
transporte, do tempo do transporte e das crítico, permitindo detectar variações no
condições físicas em que vai ocorrer (via perfil hemodinâmico em tempo real de
terrestre ou aérea). forma a que a actuação da equipa
responsável pelo transporte seja rápida e
Uma monitorização hemodinâmica fiável e focada nas causas da instabilidade, existem
adequada às necessidades destes doentes formas de monitorização não invasiva do
é fundamental e determinante para a doente crítico que são complementares e
operacionalização do transporte, quer ele de grande importância como o
seja intra ou inter-hospitalar. Se assim não electrocardiografia, a saturação periférica
for, o transporte do doente crítico não de oxigénio e a capnografia.
existe.
MONITORIZAÇÃO ELECTROCARDIOGRÁFICA
Diversas orientações internacionais
recomendam standards relativamente ao No transporte do doente crítico é rotina o
tipo de monitorização hemodinâmica uso de monitorização electrocardiográfica
necessária de acordo com o tipo de (ECG). O sistema standard é o uso de três
transporte a efectuar. No entanto, em derivações (DI, DII, DII). Em contexto de
Portugal, poucas recomendações existem, transporte primário (pré-hospitalar), é
sendo a mais difundida a que resulta do frequente o recurso a ECG de 12
documento elaborado em conjunto pela derivações (em contexto de VMER e SIV),
Ordem dos Médicos e pela Sociedade servindo para o diagnóstico precoce de
Portuguesa de Cuidados Intensivos no ano doença cardíaca aguda, nomeadamente
de 2008. o enfarte agudo do miocárdio.

É importante que os profissionais que No transporte secundário, no entanto, a


integram as tripulações durante o monitorização básica com três derivações
transporte do doente crítico estejam permite identificar alterações importantes
capacitados a utilizar os equipamentos de no ritmo cardíaco, nomeadamente
monitorização hemodinâmica, bem como arritmias, podendo a equipa actuar em
a interpretar os dados obtidos. Só desta tempo útil na sua prevenção ou
forma podem optimizar as intervenções tratamento.
terapêuticas, mantendo o doente estável e
minimizando o impacto do próprio A monitorização electrocardiográfica é
transporte na sua condição clínica. essencial no transporte de doentes com
risco de desenvolver disritmias durante o
Os parâmetros hemodinâmicos que devem transporte, incluindo pois todos os doentes
ser monitorizados durante o transporte do com doença cardíaca aguda e todos
doente crítico são: aqueles com risco eminente de PCR.

54
CAPNOGRAFIA corresponde ao início da expiração. A fase
III (ou plateau) representa o esvaziamento
A capnografia é uma forma de do espaço alveolar, à medida que a
monitorização amplamente aceite no expiração ocorre. (A) corresponde a toda a
transporte do doente crítico, justificada em fase expiratória e (B) a fase inspiratória do
grande parte pelo risco de extubação ciclo respiratório.
acidental e como método para verificar a
correcta introdução do tubo orotraqueal. É
fortemente recomendada, nomeadamente
pela Sociedade de Cuidados Intensivos do
Reino Unido. A B

A identificação do dióxido de carbono


(CO2) expirado tem sido usada na prática I II III
clinica desde 1960 – 1970. A capnometria é
a medição de CO2 inspirado e expirado A capnografia é um método não invasivo e
num dado momento. A capnografia é a de fácil implementação em qualquer
monitorização contínua do CO2 expirado ambiente de cuidados ao doente crítico,
(End-Tidal CO2 – ETCO2). Para o transporte inclusivamente na emergência pré-
do doente crítico é fundamental o recurso hospitalar (SHEM, VMER e SIV). A sua
a capnometria e capnografia contínuas. utilização é frequente nas seguintes
situações
A maioria dos capnógrafos recorrem à
absorção de infravermelhos pelas  Método rápido de confirmação do
moléculas de CO2 expirado para estimar a correcto posicionamento do tubo
sua concentração pois o CO2 absorve endotraqueal (TOT). A não detecção de
selectivamente luz infravermelha com CO2 expirado no doente que não se
comprimento de onda específico. encontra em paragem cardio-respiratória
Habitualmente o monitor expressa a pressão (PCR), é forte indicador que a entubação
parcial do CO2 expirado em mmHg ETCO2, não foi bem sucedida e que o tubo
o que reflecte a existência de débito orotraqueal migrou para o esófago. Se o
doente já se encontrava com entubação
cardíaco e circulação pulmonar, uma vez
orotraqueal, a não captação de EtCO2
que o CO2 é transportado pelo sistema
pode ser sugestiva de deslocação do TOT
venoso até à aurícula direita e bombeado
e implica reavaliação.
pelo ventrículo direito para os pulmões. Em
 Indicador de eficácia das compressões
condições normais o EtCO2 é menor que a cardio-torácicas no doente em paragem
pressão arterial de CO2(PaCO2) em cerca cardio-respiratória. Durante a PCR, as
de 2-5 mmHg. Esta diferença é causada compressões torácicas favorecem o
pelo mismatch ventilação/perfusão nos retorno venoso e a passagem do sangue
pulmões. Por isso é desaconselhado o uso pela circulação pulmonar, levando a que
do EtCO2 para estimar a PaCO2 em algum CO2 seja expirado. A presença de
doentes instáveis, com falência respiratória EtCO2, mesmo que muito baixo indica
ou cardíaca onde o mismatch que existe retorno venoso. Assim quanto
ventilação/perfusão está significtivamente mais eficazes forem as compressões
alterado. Contudo é um modo de torácicas, melhor será o retorno venoso
monitorização fiável do status de aumentado a EtCO2.
 Indicador de retorno da circulação
ventilação/perfusão em diversas situações
espontânea (RCE) em PCR. Com a
clínicas. Os valores normais de EtCO2 estão
recuperação dos batimentos cardíacos e
entre 35 – 45 mmHg com saturações
do retorno da circulação, o EtCO2 vai
periféricas de O2 de 95 a 98%.
aumentar significativamente, podendo
mesmo atingir valores normais nos
A onda de capnografia (Fig.:) divide-se em momentos a seguir.
três fases. A fase I é o momento inicial que o
CO2 expirado é detectado. A fase II Durante o transporte do doente crítico,
demonstra um aumento rápido e que alterações da curva de capnografia e do

55
valor de capnografia podem sugerir à monitorização, mas também para
equipa deslocação do tubo endotraqueal direccionar estratégias terapêuticas
ou agravamento da condição fisiológica relacionadas com oxigenoterapia ou
do doente. ventilação mecânica (invasiva e não
invasiva). No entanto, apesar de ser um
OXIMETRIA DE PULSO método relativamente fiável, apresenta
algumas limitações e existem circunstâncias
A oximetria de pulso é talvez a forma de
que podem conduzir a erros de leitura. Os
monitorização mais standardizada no
mais frequentes são:
contexto de serviço de urgência,
permitindo obter uma estimativa da
 Movimentos frequentes do local onde se
saturação de oxigénio arterial de forma não
encontra o sensor de oximetria (tremor);
invasiva. É importante compreender que  Verniz nas unhas, tons de pele escuros,
com este método o objecto de pele fria, hipotensão, sudorese;
monitorização é a oxigenação e não a  Luz ambiente, especialmente se for
ventilação. É uma mais-valia na vigilância e pulsátil;
na detecção precoce de hipoxemia mas  Variações da pulsação arterial e venosa.
deve ser contextualizada na avaliação
global do doente e não ser interpretada de A oximetria de pulso é precisa em doentes
forma individual, o que poderá levar a erros com hipoxemia ligeira a moderada
de interpretação e de diagnóstico. (SPO2>75%) mas apenas na ausência de
Este método de monitorização da hipotensão ou hipoperfusão severas. Não
oxigenação baseia-se na Lei de Beer- substitui a gasimetria arterial que fornece
Lambert, que determina que a dados muito precisos acerca da
concentração de uma substância pode ser oxigenação, do pH, equilibrio ácido-base e
determinada transmitindo uma intensidade electrolítico.
conhecida de luz através de uma solução.
Na monitorização da SpO2, é transmitida luz PRESSÃO ARTERIAL NÃO INVASIVA
vermelha com um comprimento de onda
de 600 nm e luz próxima do infra-vermelho A avaliação da pressão arterial pode ser
com comprimento de onda de 940 nm feita de duas formas (não invasiva e
através do leito vascular, normalmente num invasiva).
dedo. Estes dois tipos de luz penetram nos A avaliação da pressão arterial por método
tecidos onde os seus comprimentos de não invasivo (PNI) como conhecemos hoje
onda são absorvidos. A luz vermelha (660 foi introduzida em Itália em 1896 pelo físico
nm) é absorvida pela hemoglobina Riva-Rocci que desenvolveu o
reduzida (desoxi-hemoglobina), enquanto esfigmomanómetro. O príncipio consiste na
que a luz próxima de infra-vermelho (940 colocação de braçadeira à volta do braço
nm) é absorvida pela hemoglobina ou da perna, em locais onde existam
saturada de O2 (oxi-hemoglobina). Um artérias de grande calibre (p. ex. braquial,
detector de fotodiodo posicionado em radial, popliteia), e de seguida insuflar a
posição oposta à fonte de luz, mede a braçadeira até atingir uma pressão
quantidade transmitida e o racio entre os suficientemente elevada para ocluir o fluxo
dois tipos de luz é calculado e comparado sanguíneo. Posteriormente a braçadeira é
com valores de referência, originado os desinsuflada lentamente permitindo o
resultados visualizados no monitor. retorno do fluxo sanguíneo. A pressão pode
Habitualmente os monitores com oximetria ser determinada pelos seguintes métodos:
avaliam também a frequência de pulso.
Existem vários tipos e sensores de oximetria.  Auscultatório: Colocando um estetoscópio
Os mais comuns são os sensores de dedo, sobre a artéria ocluída e auscultando os
sons de Korotoff. Ao desinsuflar
de orelha e da região frontal.
lentamente a braçadeira a pressão
Pela facilidade de utilização, a oximetria de
arterial sistólica corresponde ao primeiro
pulso é utilizada de forma frequente em
batimento aucultado. À medida que se
todos os contextos de cuidados ao doente
continua a desinsuflar a braçadeira os
crítico. Não só é utilizada para sons vão ficando progressivamente menos

56
audíveis. O último batimento auscultado MONITORIZAÇÃO INVASIVA
corresponde à pressão arterial diastólica.
É um método que requer treino do
profissional na auscultação, uma vez que PRESSÃO ARTERIAL INVASIVA
em situações de baixo débito, a
intensidade dos sons de Korotoff está A monitorização da pressão arterial invasiva
diminuída o que pode levar a erros de é altamente recomendada no transporte
avaliação. secundário do doente crítico. Permite uma
 Oscilatório: Este método utiliza o princípio avaliação precisa do estado
da plestimografia para detectar variações hemodinâmico e ajuda na definição da
pulsáteis. As variações de pressão na estratégia terapêutica. Também é útil para
artéria (pulso) serão transmitidas à recolha de amostras sanguíneas sem a
braçadeira insuflada, calculadas necessidade de puncionar o doente
electronicamente e os valores fornecidos repetidamente. As complicações sérias são
no monitor. É um método muito utilizado
pouco comuns, embora o local de
nos mais diversos contextos clínicos, mas
canulação deva ser escolhido
cuja precisão pode ser relativamente
criteriosamente. As artérias comummente
baixa. Para isso contribui a não calibração
utilizadas são as artérias radiais, umerais e
regular do equipamento, movimentos
involuntários do doente ou mesmo a femurais. Excepcionalmente recorre-se às
incorrecta selecção da braçadeira. artérias pediosas. A artéria braquial/umeral
é uma opção, embora não insenta de
A medição não invasiva da pressão arterial riscos, uma vez que em caso de
requer braçadeiras de tamanho adequado lesão/obstrução por tentativas repetidas de
ao diâmetro do braço do doente. punção pode comprometer a perfusão de
Braçadeiras demasiado pequenas podem quase todo o membro superior. A artéria
originar valores de pressão arterial mais femural é uma escolha válida, quer pelo
elevados enquanto que braçadeiras grande calibre, quer pela sua fácil
demasiado grandes podem originar valores localização. Os riscos associados à punção
mais baixos. femural são o de hemorragia oculta para o
espaço retroperitoneal (se punção proximal
Pelo facto de não transmitir um valor
acima do ligamento inguinal), trombose e
totalmente fidedigno, a avaliação de
infecção.
pressão arterial pelo método não invasivo
deve ser efectuada de forma seriada. Uma Para a inserção da linha arterial utiliza-se a
única avaliação não deve ser tida como técnica de Seldinger preferencialmente
rigorosa, pelo que deve ser confirmada por com recurso a ecografia.
avaliações subsequentes. Para além de
permitir a confirmação dos valores obtidos, A canalização arterial para monitorização
a seriação na avaliação da PNI permite à invasiva da pressão arterial tem indicação
equipa ter uma noção sobre a estabilidade em todos os doentes que apresentam (ou
ou degradação da condição fisiológica do estão em risco de) instabilidade
doente durante o transporte. hemodinâmica, necessidade de
monitorização rigorosa da pressão arterial e
O método não invasivo é válido no colheita seriada de amostras sanguíneas.
transporte primário do doente crítico, ou
seja no contexto pré-hospitalar, em que o A morfologia da curva de pressão arterial
recurso ao método invasivo é obtida pelo método invasivo varia de
desaconselhado quer pelo tempo que acordo com a artéria canalizada. De notar
demora a sua colocação, quer pelas que a pressão arterial sistólica (PAS)
questões da assépsia bem como pelo aumenta gradualmente desde a circulação
equipamento necessário. O central até à circulação periférica e que a
esfigmomanómetro dever ser parte pressão diastólica estreita nesse sentido, o
integrante do monitor/desfibrilhador que que faz com que a pressão arterial média
acompanha o doente durante o transporte. se mantenha inalterada.

57
PRESSÃO VENOSA CENTRAL sendo que alguns até demonstram o
aumento de complicações. Contudo estes
A maior parte dos doentes críticos em dados não são suficientemente
contexto de UCI terão colocado um acesso convincentes e o recurso ao CAP pode ser
venoso central. Para além da advogado em situações cujo benefício
administração de fármacos e fluidos, a supere os riscos.
presença de um cateter venoso central
permite a avaliação e monitorização da É importante referir que o recurso ao CAP
pressão venosa central (PVC). As veias mais para monitorização, implica staff médico e
utilizadas para canulação venosa central de enfermagem treinado e com
são as veias jugulares internas, as veias conhecimentos na interpretação dos dados
subclávias e as veias femurais. A obtidos. Podem ser encontrados doentes
localização é escolhida de acordo com as com este tipo de catéteres que necessitem
características do doente e das indicações. de transporte. Para além das
potencialidade ao nível da monitorização
A pressão venosa central (PVC), é útil para hemodinâmica, o CAP permite
ter uma ideia acerca do preload do administração de terapêutica como um
ventrículo direito e deve ser avaliada com o catéter venoso central convencional. A
transdutor ao nível do eixo flebostático. principal indicação para colocação de
Uma vez que a PVC é alterada com o CAP é a monitorização de doentes com
aumento da pressão intratorácica insufuciência cardíaca direita e hipertensão
associada à inspiração, esta deve ser pulmonar, pelo que a sua utilização
medida no fim da expiração. actualmente está algo restringida a
unidades de cardiologia.
Apesar da medição da PVC ser realizada
há décadas para se perceber o estado de Com o CAP é possivel monitorizar as
preenchimento do doente, a evidência pressões sistólica, diastólica e média da
mais recente tem vindo a demonstrar uma artéria pulmonar, a pressão venosa central,
utilidade bastante limitada na prática a pressão do ventrículo direito e a pressão
clínica. Uma correcta avaliação da PVC de encravamento da artéria pulmonar que
está influenciada por uma série de reflecte a pressão telediastólica do
determinantes como o posicionamento do ventriculo esquerdo. É possível medir a SvO2
doente, o volume circulante, as interacções e calcular o débito cardíaco, o index
entre a circulação pulmonar e a circulação cardíaco, a resistência vascular sistémica e
sistémica ou a influência da respiração. a resistência vascular pulmonar.

O advento da ecografia e a sua cada vez As complicações associadas ao CAP


maior utilização por intensivistas, tem vindo podem ocorrer logo após a sua colocação
a remeter a avaliação da PVC para ou subsequentemente, o que exige a sua
segundo plano. monitorização durante o transporte. As
complicações mais comuns são:
Por todas as questões referidas, a PVC não
é um parâmetro que possa ser avaliado e  Risco de infecção
continuamente monitorizado durante o  Embolia gasosa
transporte do doente crítico.  Tromboembolismo pulmonar
 Tamponamento cardíaco
CATÉTER DA ARTÉRIA PULMONAR / SWAN-  Disrritmias
GANZ  Alteração da perfusão tecidular
cardiopulmonar relacionado com a
O uso do catéter da artéria pulmonar (CAP) formação de trombos; CAP em posição
tem vindo a decrescer na prática clínica de encravamento conduzindo a enfarte
nos últimos 30 a 40 anos devido a diversas pulmonar
controvérsias relacionadas com o risco-  Deslocamento do CAP
benefício. Os estudos conduzidos desde  Perda de integridade ou ruptura do balão
meados da década de 1990 não têm  Pneumotórax
demonstrado claros benefícios no seu uso,  Hemotórax
 Hemorragia

58
 Extravasamento da artéria pulmonar
 Ruptura da artéria pulmonar

59
11.PARAGEM CARDIO-RESPIRATÓRIA DURANTE O TRANSPORTE

A Paragem Cárdio-Respiratória (PCR) é uma sala de hemodinâmica), devem ser colados


condição crítica com que a equipa poderá no doente previamente eléctrodos
ter de lidar durante o transporte. Pode multifunções, que tornam a desfibrilhação
ocorrer de forma mais ou menos esperada mais rápida e mais segura, sobretudo
durante o transporte, fruto da instabilidade durante o transporte.
hemodinâmica do doente, mas poderá ser
O algoritmo de paragem adoptado pela
já uma condicionante prévia à decisão do
equipa deverá ser o algoritmo de paragem
transporte, em situações em que a equipa
intra-hospitalar, de acordo com as
decide iniciar transporte nestas condições
guidelines ILCOR. Assim, de acordo com as
tendo como objectivo o transporte para
guidelines devem ser recordados alguns
uma unidade hospitalar em que possa ser
aspectos:
fornecido o tratamento definitivo de forma
a corrigir a causa provável de PCR.  As decisões de tratamento variam
consoante o ritmo de ritmo de PCR:
Idealmente, o doente deverá ser
ritmos desfibrilháveis (FV/TVsP) ou ritmos
estabilizado antes do início do transporte.
não desfibrilháveis (ASS/AESP);
No entanto, situações existem em que o
 O tratamento adequado para os ritmos
doente mesmo instável devera ser
desfibrilháveis é a desfibrilhação
transportado, porque apenas no serviço de
precoce, sendo que esta não deve ser
destino poderá ser dado o tratamento
atrasada por nenhum motivo. No
definitivo. Independentemente do nível de
entanto, enquanto esta não estiver
instabilidade hemodinâmica do doente
disponível deverá ser garantido SBV,
prévio ao transporte, a equipa deverá estar
com compressões torácicas de
preparada para detectar precocemente
qualidade e abordagem avançada da
qualquer disritmia maligna ou ritmo peri-
via aérea;
paragem e actuar em conformidade. Na
 O ritmo de PCR deverá ser verificado a
mesma óptica, equipa e equipamento
cada dois minutos, minimizando as
deverão estar totalmente preparados para
interrupções nas compressões
iniciar manobras de Suporte Avançado de
cardíacas.
Vida (SAV) durante o transporte. Por esse
motivo, tanto o médico como o enfermeiro
que fazem parte da equipa de TDC
COMPRESSORES MECÂNICOS
deverão ser detentores de curso de SAV
devidamente actualizado. A realização de manobras de ressuscitação
Em ambiente hospitalar, e com o em transporte é uma área muito delicada
conhecimento prévio de patologia actual e da prestação de cuidados pelo que para a
de antecedentes prévios do doente, sua correcta prática são exigidos alguns
deverá estar claramente definido para requisitos tanto ao nível do número de
toda a equipa se deverão ser iniciados elementos da equipa de transporte como
esforços de reanimação caso o doente ao nível de equipamentos, como sejam os
entre em paragem cardio-respiratória casos dos compressores mecânicos.
durante o transporte. O suporte básico de vida, nomeadamente
Tal significa que, ao contrário do habitual a realização de compressões torácicas de
monitor de parâmetros, o monitor que qualidade, são peças fundamentais para o
acompanha o doente num transporte sucesso dos esforços de ressuscitação. Em
deverá ser um monitor-desfibrilhador. Se a transporte, para garantir a qualidade das
instabilidade hemodinâmica do doente ou compressões torácicas e a segurança da
a sua patologia actual fizerem prever equipa de ressuscitação é fundamental o
grande probabilidade de PCR durante o recurso a compressores mecânicos
transporte (por exemplo, um doente com externos. Estes compressores, para além de
SCA em evolução a ser transportado para comprovadamente melhorarem o output

60
cardíaco e o gradiente de pressão intra- desfibrilhações devem ser administradas
torácica na fase de descompressão, consecutivamente perante as seguintes
garantem a qualidade das compressões condições (cumulativas):
durante todas as fases do transporte, para
 Um desfibrilhador manual está
além de garantirem a segurança da equipa
imediatamente disponível;
(que não tem de ir de pé na ambulância) e
 A PCR é presenciada;
optimizar a gestão das manobras,
 O doente está monitorizado no
libertando um elemento da equipa de
momento da PCR;
transporte (geralmente com um curto
 O ritmo (FV/TVsP) persiste após cada
número de elementos face à realidade
desfibrilhação.
intra-hospitalar) para a realização de outras
tarefas como a manutenção de uma VA Para além das condições acima descritas, 3
eficaz, preparação e administração de desfibrilhações seguidas devem ser
drogas e julgamento clínico e crítico do também utilizadas em doentes no pós-
cenário de PCR. operatório de cirurgia cardíaca.

Actualmente, em Portugal, todas as VMER e A desfibrilhação em transporte é segura,


todos os Helicópteros dispõem de devendo ser seguidos os mesmos
compressores mecânicos. Alguns serviços pressupostos de segurança nomeadamente
de urgência dispõem também destes o de avisar claramente toda a equipa que
equipamentos. vai ser efectuada a desfibrilhação e
garantir visualmente que ninguém está em
contacto com o doente. A limitação de
espaço no interior de uma célula sanitária
de uma ambulância e a ausência de
suporte adequado ao monitor desfibrilhador
podem são factores que devem ser
considerados pela equipa. Em transporte, a
desfibrilhação com recurso a eléctrodos
multifunções garantem maior segurança à
equipa que a utilização das pás de
desfibrilhação.

DESFIBRILHAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO E TRATAMENTO DA CAUSA
Os ritmos considerados de melhor SUBJACENTE
prognóstico da PCR do adulto de causa
médica são os ritmos desfibrilháveis Regra geral, no transporte secundário de
(FV/TVsP). A probabilidade de sucesso da doentes, a equipa conhece a história
desfibrilhação reduz-se com o tempo, actual de doença bem como
aproximadamente 7-10% por minuto, daí antecedentes importantes do doente, o
que seja fundamental que um desfibrilhador que pode ajudar a conduzir o pensamento
acompanhe o doente crítico durante o clínico para a identificação e tratamento
transporte. da causa subjacente à PCR.

As recomendações são que, para um Assim que as intervenções prioritárias em


desfibrilhador bifásico, a energia inicial seja PCR tiverem sido tomadas (SBV imediato e
de 150-200J. A carga pode ser escalada em de qualidade, desfibrilhação precoce,
desfibrilhações subsequentes embora abordagem da VA avançada,
manter a mesma energia também seja administração de fármacos), o julgamento
aceitável. clínico da equipa deve ser direccionado
para a identificação e tratamento da
Habitualmente, é seguido o algoritmo que causa subjacente à PCR, começando por
prevê a administração de uma única identificar e corrigir as causas mais
desfibrilhação seguida de 2 minutos de SBV coerentes com a situação clínica do
até nova avaliação de ritmo. No entanto, 3 doente.

61
De acordo com a American Heart indicada no tratamento dos ritmos
Association, existem 10 causas de PCR desfibrilháveis (FV e TVs/P), havendo no
potencialmente reversíveis: entanto alguns estudos que podem apontar
a um eventual benefício noutras situações,
5 Hs 5 Ts
nomeadamente assistolia.
Hipovolémia Tamponamento
cardíaco No entanto, existem várias outras situações,
descritas acima no quadro das causas
Hipotermia Pneumotórax potencialmente reversíveis que, produzindo
Hipertensivo
geralmente PCR com ritmos não
Hidrogenião Tromboelbolismo desfibrilháveis (nomeadamente a
(acidose) pulmonar actividade eléctrica sem pulso) carecem
Hipo-hiperkaliémia Tromboembolismo de ser identificadas e prontamente
cardíaco (SCA) corrigidas. A correcção destas causas pode
passar pela intervenção invasiva como a
Hipóxia Tóxicos
descompressão torácica no pneumotórax
hipertensivo, por exemplo, ou através de
É fundamental que a equipa avalie clinica fármacos como o cloreto de cálcio nos
e criticamente o doente e identifique a casos de hiperkaliémia.
causa provável de PCR. A manutenção das Independentemente da causa, se esta não
manobras de suporte básico e avançado for identificada e corrigidas durante as
de vida garantem apenas um suporte manobras, as probabilidades de
clínico que garantem a manutenção da recuperação de circulação expontânea
perfusão durante a PCR mas não tratam diminuem drasticamente.
directamente a causa da PCR. É
fundamental intervir sobre a causa para
melhorar a hipótese de sobrevivência.

A desfibrilhação actua sobre a PCR de


etiologia cardíaca, estando por isso

62
American Heart Association, 2015

63
12.TRANSPORTE DO POLITRAUMATIZADO

O grande politraumatizado exige, muitas O transporte do politraumatizado oferece


vezes, a realização de meios sérios desafios à equipa de transporte, não
complementares de diagnóstico e de apenas devido à instabilidade
terapêutica essenciais ao diagnóstico das hemodinâmica associada ao choque mas
lesões e seu tratamento. Para além disso, também pela necessidade de recorrer a
nenhum outro doente carece ou pode diversos equipamentos de imobilização de
carecer da necessidade de abordagem forma a não agravar lesões potenciais ou
por várias especialidades médicas e reais.
cirúrgicas distintas: cirurgia geral, ortopedia,
anestesiologia, medicina intensiva, Os princípios para a decisão e
neurocirurgia, cirurgia vascular, cirurgia planeamento do transporte seguem as
cardiotorácica, cirurgia plástica, urologia, regras gerais já discutidas neste manual. A
oftalmologia. Esta exigência faz com que ponderação entre o risco e o benefício do
todos os dias se proceda ao transporte de transporte deve ser bem medida de forma
politraumatizados dentro do hospital para a a evitar transferências inúteis que podem vir
realização de MCDT ou entre hospitais para a agravar a condição do politraumatizado.
abordagem por especialidades distintas. Regra geral, as indicações para o
transporte secundário do politraumatizado
A organização dos centros hospitalares em incluem: 1) Transporte para o BO para
Portugal, com a centralização de estabilização urgente ou emergente de
determinadas valências em alguns centros lesões; 2) realização de MCDT
e a divisão de valências entre hospitais imprescindíveis ao seu diagnóstico ou
diferentes que fazem parte do mesmo tratamento; 3) transferência para UCI; 4)
centro hospitalar, favorecem a necessidade transferência para centros ou unidades
de transporte secundário do especializadas, como neurocríticos,
politraumatizado. Para além disso, a queimados ou unidades de pediatria.
imaturidade da via verde de trauma em
Portugal (que 8 anos volvidos continua a TRANSFERÊNCIA INTRA-HOSPITALAR:
não ver cumprida a circular normativa da EMERGENTE OU ELECTIVA
DGS para o efeito) condiciona a
Ao contrário do que acontece para
necessidade de efectuar transportes
praticamente todas as outras entidades
secundários do politraumatizado podendo
clínicas, em que se defende que o
aumentar o tempo de acesso a cuidados
transporte apenas deverá ser iniciado após
considerados imprescindíveis para a lesão
estabilização hemodinâmica do doente, no
em causa.
grande trauma existe muitas vezes a
A importância da referenciação pré- necessidade de transportar doentes
hospitalar do grande trauma ganha instáveis. Isto porque a estabilização e o
maiores proporções face à assimetria tratamento definitivo da lesão muitas vezes
gigantesca que existe em Portugal entre só é possível no bloco operatório. Nalgumas
centros que detêm, em teoria, níveis de situações, a intervenção cirúrgica pode até
diferenciação semelhante. A título de mesmo ter de ser efectuada em contexto
exemplo, hospitais com serviços de de sala de emergência ou até mesmo no
urgência médico-cirúrgicos, classificados local do acidente. Exemplo disso é a
como nível 2, em alguns casos recebem necessidade de toracotomia em doentes
todos os casos de trauma preparando com traumatismo torácico que condiciona
depois para transferência diferida após PCR. No entanto, na maioria das vezes, a
estabilização enquanto outros não cirurgia urgente ou emergente é efectuada
recebem de todo grande trauma pelo em contexto de bloco operatório (cirurgia
bypass que é realizado para hospitais com de controlo de dano abdominal ou fixação
serviços de urgência polivalentes que se pélvica, por exemplo). Tal facto faz com
encontram relativamente próximos. que o politraumatizado tenha de ser

64
transportado muitas vezes em situação de necessidade de transferir secundariamente
instabilidade hemodinâmica e com doentes de trauma que necessitem de
potencial de agravamento durante o abordagem cirúrgica ou internamento em
transporte, pelo que a equipa deve estar serviços de especialidade, como
preparada para responder de forma pronta neurocríticos, queimados ou crianças.
a este agravamento. Muitas vezes, existe
necessidade de proceder ao transporte do No entanto, esta transferência deverá ser
politraumatizado com terapêutica realizada apenas após estabilização
transfusional em curso, por exemplo, o que médica ou cirúrgica de lesões torácicas,
acarreta um risco extra a um transporte já abdominais ou pélvicas que possam
de si delicado. condicionar outcomes desfavoráveis ao
doente.
A necessidade de transferência urgente ou
emergente para bloco operatório não No caso de poder estar indicado o
pode, todavia, servir de desculpa para uma helitransporte, algumas lesões devem estar
transferência desorganizada ou descartadas ou resolvidas, nomeadamente
atabalhoada. Exige sim, mais do que todas aquelas que condicionem a
noutras situações, uma equipa presença de ar numa cavidade fechada,
multidisciplinar altamente treinada, como pneumoencéfalo ou pneumotórax.
diferenciada e, de preferência, habituada
PREPARAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA
a trabalhar entre si.
Para além de todas as precauções
No entanto, para além da transferência
genéricas que devem ser efectuadas
emergente para o bloco operatório, o
previamente ao transporte e que foram já
politraumatizado pode ter de ser sujeito a
previamente abordadas neste manual,
inúmeros transportes, seja na transferência
existem algumas questões específicas a ter
entre serviço de urgência e UCI, seja para a
em atenção no grande trauma.
realização de exames de imagem como
TAC, angio-TAC e RM. Ainda que de forma
Doentes que tenham critério de
mais controlada e planeada, estas
imobilização de coluna e que não tenham
transferências continuam a constituir um
sido ainda estudados ou que têm lesão de
desafio para a equipa de transporte,
coluna confirmada, necessitam de
sobretudo no que à restrição de
cuidados de imobilização durante todo o
movimentos diz respeito se esta estiver
transporte. A forma mais correcta de
indicada. Exemplo disso são os doentes
transportar é com recurso à maca de
com trauma vertebro-medular e que
vácuo que deve ser sempre preferida ao
deverão ser mobilizados sempre mantendo
uso do plano duro. O plano duro, para além
o correcto alinhamento de todo o eixo
de estar associado a taxas elevadas de
cervico-dorso-lombar. Esta situação será
úlceras de pressão (nomeadamente
abordada mais à frente neste capítulo. occipitais e sagradas), pode ser deletério
nos doentes com trauma pélvico e não
TRANSFERÊNCIA INTER-HOSPITALAR
garante a mesma estabilidade para toda a
A transferência inter-hospitalar do coluna durante o transporte.
politraumatizado deve estar reservada para
A colocação do doente na maca de
doentes que foram estabilizados
vácuo deve ser realizada com recurso ao
hemodinamicamente no serviço referente.
levantamento com maca scoop.
O ideal, seria reduzir a necessidade deste
tipo de transferências, seja através de uma
De referir que a protecção avançada da
melhor referenciação pré-hospitalar do
VA deve ser considerada em doentes que
grande trauma seja através de fazer
são transportados com imobilização total
deslocar a equipa médica ao local
de coluna, pelo risco aumentado de vómito
referente ao invés de estar a fazer deslocar
e consequente aspiração. Sempre que
o doente ao local onde se encontra o
existir dúvida em relação à garantia de
médico de determinada especialidade. No
uma VA avançada, ela deverá ser
entanto, manter-se-á sempre a

65
assegurada em contexto de sala de via terrestre seja em transporte por via
emergência. Já é suficientemente aérea.
desafiante a intubação de um doente de
trauma grave com lesão cervical real ou
potencial em condições óptimas de
espaço e luz, pelo que é de evitar que a
mesma tenha de ser efectuada em
contexto de ambulância.

No caso de doentes com lesão pélvica


confirmada ou suspeita, deve também ser
providenciada estabilização do anel
pélvico, seja através da colocação de
cinto pélvico (a forma mais indicada) ou,
O transporte do politraumatizado deve ter
na ausência deste, através da colocação
sempre em conta a tríade mortal em
de um lençol em redor da bacia.
trauma: acidose, coagulopatia e
Algumas das intervenções a adoptar hipotermia.
previamente ou durante o transporte
No transporte primário, isto significa que a
podem ser sugeridas ou indicadas pelo
abordagem pré-hospitalar deve ser limitada
serviço receptor. Por exemplo, no caso de
às intervenções necessárias e suficientes
uma transferência para uma unidade de
para garantir um transporte seguro do
neurocríticos, esta poderá sugerir
politraumatizado até ao serviço de
terapêutica a administrar como profilaxia
urgência. A equipa deverá saber decidir
de convulsões.
quais as intervenções a adoptar no local do
Relativamente ao transporte do doente acidente, quais aquelas que devem ser
com TCE grave, este deverá ser efectuado levadas já a cabo dentro da ambulância
providenciando a elevação da cabeceira (já co maior controlo da temperatura) e
ou do plano da maca a 30º, de forma a quais as intervenções que devem ser
melhor controlar a PIC. Doente com IOT e diferidas para a abordagem intra-
sob VMI devem ser relaxados antes do hospitalar.
transporte.
No transporte secundário, esta tríade mortal
Doentes com hipovolémia toleram mal toda não deve ser esquecida. Assim, na fase de
a dinâmica do transporte, pelo que a planeamento do transporte, a acidose
ressuscitação hídrica e o output urinário deve ser corrigida (nomeadamente através
devem ser cuidadosamente vigiados. A da administração de oxigénio), a
algaliação destes doentes é, por coagulopatia mitigada (administração de
conseguinte, mandatória. A colocação de ácido tranexâmico e limitação de
catéter venoso central é também preferível administração de fluidos ao mínimo
nestes casos à manutenção da indispensável pelo risco de diluição de
fluidoterapia através de cateteres factores de coagulação) e o controlo de
periféricos, por forma a optimizar a temperatura efectuado ao máximo,
ressuscitação hídrica se necessário for, nomeadamente através do uso de mantas
durante o transporte, bem como a de aquecimento activo e de fluidoterapia
instituição de outras medidas aquecida.
farmacológicas como aminas. Mesmo após
A celeridade de processos é fundamental
cirurgia de controlo de dano, a perda
no outcome do doente de trauma. Após
hemática não deve ser desvalorizada.
decisão de transferência e comunicação
Doentes com trauma torácico que tenham desta ao hospital de destino, não deve ser
sido submetidos à colocação de drenos perdido tempo na realização de
torácicos, não devem ser transportados sem procedimentos ou meios complementares
que seja colocada válvula anti-refluxo ou de diagnóstico que não sejam decisivos
válvula de heimlich, seja em transporte por

66
para a segurança do doente e do A maca de vácuo, para além de ser mais
transporte. confortável para o doente, traduz-se em
menor iatrogenia no que diz respeito a
IMOBILIZAÇÃO DO POLITRAUMATIZADO úlceras de pressão e garante uma maior
estabilidade do doente durante o
Este tema é dos mais controversos na
transporte. A maca de vácuo oferece
abordagem e transporte do doente de
também maior estabilidade à bacia, se
trauma. Durante anos, a colocação de
bem que nos doentes com suspeita de
colar cervical e imobilização total de
trauma pélvico está sempre indicada a
coluna com recurso a plano duro, apoios
aplicação de cintos pélvicos por forma a
laterais de cabeça e cinto aranha foi
controlar a extensão a hemorragia interna
considerado como standard para todos os
associada.
doentes de trauma. No entanto, a
evidência produzida e publicada na última A equipa de transporte deverá também
década, tem vindo a demonstrar não só saber verificar a correcta colocação do
que a sua utilidade é duvidosa como colar cervical. Quando excessivamente
podem encerrar em si iatrogenia em apertados, os colares cervicais interferem
diversas situações. com a permeabilidade dos vasos do
pescoço e em doentes com TCE grave
Assim, diversas escolas como o International
podem ser responsáveis pelo agravamento
Life Support (ITLS) e o Anaesthesia, Trauma
da hipertensão intracraniana.
and Critical Care (ATACC) preconizam
critérios para imobilização de coluna. São A decisão de imobilizar ou não imobilizar
eles: não cabe apenas às equipas pré-
hospitalares. Sobretudo num contexto em
 Doente inconsciente;
que a rede pré-hospitalar é algo
 Doente consciente com dor de coluna;
indiferenciada e se rege ainda pelo
 Doente com défice neurológico
princípio de imobilizar a maior parte dos
instalado;
doentes de trauma, as equipas intra-
 Doente que estando consciente,
hospitalares devem estar preparadas para
apresenta algum tipo de intoxicação
a remoção precoce dos dispositivos de
(etanólica, por exemplo) que impede a
imobilização. O que se pretende, sobretudo
correcta identificação ou exclusão de
na abordagem intra-hospitalar, é uma
lesão neurológica;
restrição de movimentos e não
 Doente com lesões distractivas (por
propriamente a imobilização completa do
exemplo, amputação do membro
doente de trauma.
inferior).
Esta remoção de material de trauma não
Por oposição, doentes conscientes, sem
deve, contudo, ser entendida como a
nenhuma intoxicação e sem lesões
prioridade da equipa da sala de
distractivas e que não apresentem qualquer
emergência. A sistematização da
sinal de compromisso neurológico, não
abordagem por prioridades (ABCDE ou
carecem de imobilização de coluna.
outra) deve ser seguida. Após identificação,
correcção e estabilização de problemas
A imobilização em plano duro está
em ABC, será no D que a avaliação das
relacionada com diversa iatrogenia, pelo
condicionantes que podem afectar o
que quando indicado o transporte com
estado neurológico deve ser efectuada,
imobilização total de coluna este deve ser
com a decisão de manter ou não
realizado em maca de vácuo. O plano
dispositivos de imobilização e a realização
duro configura-se assim como um
ou não de meios de diagnostico de apoio à
dispositivo de extracção, mas não como
um dispositivo indicado para transporte do decisão.
doente de trauma, sobretudo quando este
De acordo com a normativa da DGS que
transporte excede os 30 minutos.
regula a organização dos cuidados
urgentes ao traumatizado, os exames a
efectuar durante a abordagem primária

67
(primeiros 20 minutos) são a gasimetria  ITLS. (2016). Internatiional Trauma Life Support
arterial, o FAST e o Rx bacia. Exames como for Emergency Care Providers, 8th Ed.
TAC CE, de coluna e outros exames são Pearson.

devem ser diferidos para a abordagem


 Sociedad Española de Medicina de
secundária (primeiros 60 minutos da Urgencias y Emergencias. (2014). Guia
abordagem hospitalar). Asistencial: Urgencias y Emergencias
Extrahospitalarias. Castilla - La Mancha:
Algumas escalas podem ajudar à decisão Gerencia de Urgencias, Emergencias y
de remover material de imobilização sem Transporte Sanitario del SESCAM.
recurso a meios complementares de
diagnóstico. Uma dessas escalas é a NEXUS  Spahn, D. R., Bouillon, B., Cerny, V., Coats, T.,
Duranteau, J., Fernández-Mondéjar, E.,
- National Emergency X-Radiography Utili-
Rossaint, R. (2013). Management of bleeding
zation Study:
and coagulopathy following major trauma:
an updated European guideline. Critical
Care.

 SPCI. (2008). Transporte de doentes críticos -


recomendações.

Sempre que o doente de trauma é


transferido, devem ser escolhidos os
dispositivos de restrição de movimentos
necessários e indicados à sua condição
clínica sendo que, como já vimos, a maca
de vácuo é o dispositivo indicado sempre
que houver lesão de coluna confirmada ou
suspeita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 American College of Surgeons - The


Committee on Trauma. (2018). Advanced
Trauma Life Support - Student Course
Manual, 10th ed. Chicago

 ATACC. (2014). Anaesthesia, Trauma and


Critical Care Course Manual. Warrington, UK:
The ATACC Group

 Direcção-Geral da Saúde. (2010).


Organização dos cuidados hospitalares
urgentes ao doente traumatizado

68
13.TRANSPORTE DO QUEIMADO

A International Society for Burn Injuries (ISBI) Uma vez que o conceito de golden hour
sublinha a importância da existência de um não é aplicado ao grande queimado, já
sistema integrado assistencial à pessoa que as alterações fisiopatológicas
vítima de queimadura. acontecem com algum atraso, torna-se
Após a prestação dos primeiros socorros e mais importante a correcta avaliação,
da assistência pré-hospitalar, seguem-se o instituição e gestão do tratamento ao invés
transporte para a unidade hospitalar do transporte imediato para um centro de
adequada, a gestão do período de trauma com Unidade de Queimados (UQ).
emergência e a prevenção de Contudo, e após assegurada a assistência
complicações. Estes são os 5 princípios inicial tendo por base os princípios supra-
sobre os quais deve estar assente a citados, a referenciação primária para a
abordagem no período de emergência UQ deve ser o gold standard uma vez que
segundo a European Burn Association (EBA). os outcomes serão melhores
Vários estudos demonstram melhores comparativamente a uma referenciação
outcomes, espelhados na diminuição da secundária.
mortalidade e morbilidade, quando o Em cerca de 24% dos casos em ambiente
tratamento é efectuado em unidades de militar e em < 7% em ambiente civil, está
queimados, no caso das pessoas com associado outro tipo de trauma à ferida por
queimadura > 50% da área de superfície queimadura.
corporal queimada (ASCQ), com Ao contrário de outros tipos de lesões
queimadura da via aérea e em crianças traumáticas, as queimaduras são
com idade inferior a 12 anos. visualmente intimidatórias e, muitas vezes,
Segundo a EBA, as indicações para podem levar a que a ferida se torne o
referenciação do queimado são: primeiro foco de atenção em detrimento
da avaliação do estado geral do
- Queimaduras ≥ 20% ASCQ em adultos e ≥ politraumatizado.
10% se idade < 10 ou > 65 anos; É de extrema importância verificar se existe
- Queimaduras de 3º grau; outro trauma associado que coloque em
- Queimaduras da face, mãos, genitais, risco a vida da vítima, efectuando-se assim
articulações major e/ou circunferenciais; o transporte primário do politraumatizado
- Queimaduras eléctricas ou químicas para a instituição de saúde adequada mais
major; próxima com o intuito de efectuar o
- Lesão inalatória; damage control, na indisponibilidade do
centro de trauma e/ou centro de
- Pessoas com necessidades especiais ou
queimados em tempo útil.
comorbilidades associadas que afectem
Salienta-se que a decisão do destino do
o tratamento ou sobrevida;
doente cabe, geralmente, à equipa
- Pessoas com doenças associadas a médica pré-hospitalar que o aborda,
queimadura se a área da pele envolvida
articulando a decisão e planeando o
> 10% ASCQ em crianças ou > 15% em
transporte com o centro de orientação de
adultos.
doentes urgentes (CODU).
Segundo a Norma nº 022/2012 de Após estabilização, pode e deve ser
26/12/2012, actualizada a 13/07/2017 da referenciado ao centro de trauma com
DGS, para além dos critérios previamente unidade de queimados. A vaga deverá ser
referidos, são também condições primeiramente assegurada na unidade
indicadoras da necessidade de hospitalar receptora. Este contacto é da
transferência para um centro de responsabilidade do hospital de origem que
tratamento de doentes as queimaduras dos deverá garantir o transporte secundário.
pés de 2º ou 3º graus e/ou Esta deverá ser a regra e não a excepção.
carboxihemoglobina > 10%. Neste caso ainda poderá ser solicitado
apoio ao CODU no sentido de encontrar
vaga para o grande queimado. O INEM

69
poderá ainda ceder uma ambulância de da temperatura, a perda de calor é
emergência médica que levará a equipa agravada pela administração de fluidos por
diferenciada da unidade de saúde que via endovenosa à temperatura ambiente,
solicitou esse mesmo transporte e, em última pela irrigação do tecido queimado, assim
instância, assegurará uma equipa como pela temperatura ambiente. Por
diferenciada para o transporte. Em algumas outro lado, também a utilização de água
situações, o transporte secundário do para arrefecimento da queimadura leva à
grande queimado poderá mesmo ser hipotermia. Contudo é indispensável fazer-
assegurado pela equipa de helitransporte se este arrefecimento. Ele poderá ser
do INEM. instituído com sucesso até 3 horas após a
A assistência ao grande queimado, assim queimadura, resgatando a zona de estase.
como o de qualquer vítima de trauma A água a ser utilizada deverá ter uma
grave, é realizada segundo a abordagem temperatura entre 8º e 25º Celsius. O
ABCDE. Tendo em conta a especificidade arrefecimento deverá ser efectuado com
do doente queimado, valorizam-se os água corrente, pese embora que, tal não
cursos especializados na área seja possível e caso se usem compressas
nomeadamente o EMSB e o SAVQ, os quais esterilizadas irrigadas, estas terão de ser
têm em conta o “F” de fluidos. A adesão a mudadas frequentemente, uma vez que
estas guidelines aumenta a probabilidade estão sobre o corpo e aquecem
da pessoa grande queimada chegar ao rapidamente.
centro de trauma e/ou centro de Quando pensamos deverá ser tido em
queimados sem comprometer, consideração, entre outros: 1) promover o
indevidamente, a sua segurança. conforto; 2) diminuir a perda de calor; 3)
Aprofundando esta abordagem, é de prevenir a desidratação; 4) prevenir a
salientar que o agravamento do infecção; 5) controlar a dor. Não existe um
prognóstico do doente poderá ser penso ideal e passível de ser usado em
secundário à intubação traqueal já que todas as situações pelo que temos de ter
tendencialmente estes doentes ficam mais em atenção à escolha de acordo com o
hipotérmicos. Por este facto, ressalva-se que caso que se nos apresenta.
a entubação traqueal não deverá ser
preventiva, mas sim usada somente nos
casos de doentes com grande ASCQ e/ou
com semiologia de queimadura por
inalação. Existe uma lesão presumível da
via aérea quando o índice de Clark > 2
(score clínico da lesão inalatória), tendo em
conta os seguintes parciais: 1) espaço
fechado; 2) dispneia; 3) alteração
consciência; 4) rouquidão; 5) queimadura Imagem: Transporte de doente com
da face; 6) expectoração carbonácea; 7) queimaduras protegidas com cling film.
fervores/alterações à auscultação.
Dados das UQ revelam que actualmente O penso deverá ser realizado com a
cerca de 25% dos doentes admitidos são técnica o mais limpa possível (a nível pré-
extubados nas primeiras 24 horas. Uma hospitalar nem sempre é possível respeitar
avaliação objectiva e sistematizada poderá os princípios de assépsia) e proceder à
evitar uma intubação traqueal lavagem da queimadura com solução
desnecessária e simultaneamente outras salina. A protecção poderá ser efectuada,
complicações associadas. Outro aspecto a por exemplo, com: 1) cling film (ter em
ter em conta é o benefício da intubação atenção que o tempo de utilização não
gástrica precoce pelo risco acrescido de deverá exceder 4 horas por risco de
gastroparésia nestes doentes. maceração); 2) pensos de hidrogel (ter em
A descida da temperatura em 1º Celsius atenção que está contra-indicado em
aumenta significativamente a mortalidade ASCQ > 15% em adultos e em queimaduras
do doente queimado. Para além da perda de qualquer área em crianças e idosos pelo
do mecanismo fundamental de regulação risco hipotermia); 3) gaze gorda (ter em

70
atenção o risco de hipotermia em ASCQ que é importante despistar grandes
elevadas; tal como o cling film não deverá queimados que acabam por ser
ser aplicado de forma circular contínua encaminhados para salas de trauma de
pelo risco de efeito garrote). forma inadequada.
A fluidoterapia, por ter um importante papel O compromisso neurovascular e a
no prognóstico do doente grande consequente necessidade de
queimado, e é calculada segundo a descompressão dos tecidos lesados são
Fórmula de Parkland modificada (FPM). A relativamente comuns no tratamento de
Northern Burn Care Network usa nos seus queimaduras. A justificação surge da
documentos de referenciação hospitalar necessidade de evitar que o edema em
para as queimaduras complexas no adulto redor da área atingida possa interferir com
(NBCN Adult Complex Referral Form v1.0 a circulação de um membro podendo
May 2012) uma fórmula que nos dá já o levar à sua perda ou, no caso concreto do
valor a instituir por hora, nas primeiras 8 tórax, poder causar interferência com a
horas: respiração, de tal modo que a expansão
nos pulmões e o retorno cardíaco não serão
FLUIDOTERAPIA possíveis, constituindo-se uma emergência
Cálculo para as primeiras oito horas médica. Razão pela qual é importante
(baseada na fórmula de Parkland) despistar sinais de compromisso
0,1875 mL Hartmnn’s solution x Peso (Kg) x % neurovascular e, se necessário, proceder-se
ASCQ = ml/hora a escarotomias. Contudo, e na sequência
de síndrome compartimental secundário a
queimaduras eléctricas e/ou queimaduras
Esta fórmula de ressuscitação por fluidos é atingindo tecidos abaixo das aponevroses
baseada na Fórmula de Parkland e fornece musculares, poderá ser necessário
o valor a instituir por hora, para as primeiras combinar as escarotomias com
8 horas. Nota: Para valores de ASCQ > 50%, fasciotomias. Por forma a evitar ou minimizar
a fórmula é fixada para um valor de ASCQ este problema é benéfica a elevação da
de 50%, efectuando-se ajustes adicionais de parte do corpo afectada durante o
acordo com o débito urinário e o estado tratamento inicial e o transporte. Por cada
hemodinâmico do doente queimado. centímetro de elevação, há uma
diminuição de 0,8 mmHg da pressão do
A salientar que este cálculo começa na
compartimento.
hora em que foi instituída a queimadura e
A dor secundária às queimaduras,
não na hora de início de intervenção dos
frequentemente subtratada, leva ao
meios pré-hospitalares. O objectivo é
aumento do consumo de oxigénio
manter um volume sanguíneo circulante
provocado pela ativação do sistema
adequado e produzir uma diurese de pelo
simpático-adrenérgico levando a agitação,
menos 1 ml/Kg/h). Em queimaduras > 20%
ansiedade e contratura muscular, pelo que
ASCQ em adultos e em queimaduras do
a gestão da dor é uma prioridade. A
períneo a colocação do cateter urinário é
utilização de ketamina no grande
fundamental.
queimado poderá ser uma boa escolha.
A infusão de fluidos deverá ser assegurada
por dois cateteres venosos periféricos de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
grande calibre, colocados em pele não
queimada, sendo que, se necessário,  Almeida & Trindade (2017). Lesão inalatória e
poderá considerar-se a introdução de um abordagem da via aérea. In Amaral, T. (Eds),
acesso intra-ósseo ou de um acesso na veia SAVQ – Suporte Avançado de Vida em
Queimados: Manual do Curso (2ª Ed.) (pp.
jugular externa. A vigilância permanente no
36). Portugal: Tiago Manuel Ferreira do
que se refere à sua permeabilidade e Amaral. ISBN: 978-989-20-7669-0
fixação é imprescindível. O soro de eleição  Amaral, T. (2013). Garantindo a
é o lactato de ringer. Continuidade dos Cuidados de Enfermagem
à Pessoa Adulta Grande Queimada.
Entre as escalas de cálculo de ASCQ Dissertação de Mestrado em Enfermagem –
salienta-se a “regra dos 9”. O cálculo Área de Especialização Enfermagem em
deverá ser o mais preciso possível uma vez Pessoa em Situação Crítica. Lisboa: Escola
Superior de Enfermagem de Lisboa.

71
 Amaral (2017). Abordagem e assistência
emergentes. In Amaral T. (Eds), SAVQ –
Suporte Avançado de Vida em Queimados:
Manual do Curso (2ª Ed.) (pp. 28). Portugal:
Tiago Manuel Ferreira do Amaral. ISBN: 978-
989-20-7669-0
 Amaral & Martins (2017). Organização e
Assistência à Pessoa Vítima de Queimadura.
In Amaral T. (Eds), SAVQ – Suporte Avançado
de Vida em Queimados: Manual do Curso
(2ª Ed.) (pp. 8). Portugal: Tiago Manuel
Ferreira do Amaral. ISBN: 978-989-20-7669-0
 American College of Surgeons (9ª Ed.) (2012)
ATLS – Advanced Trauma Life Support.
Suporte Avançado de Vida no Trauma para
Médicos. EUA: ACS Committee on Trauma.
ISBN 13: 978-1-880696-02-6
 ANZBA - Australian and New Zealand Burn
Association (15ª Ed.) (2012) Emergency
Management of Severe Burns (EMSB) Course
Manual, UK version for the British Burn
Association. Albany Creek, Australia: ANZBA.
 British Burn Association (2012). EMSB:
Emergency Management of the Severe Burn
Course. British Burn Association (BBA) website.
 Bruce, K.; Suserud, B.O. (2005). The handover
process and triage of ambulance-borne
patients: the experiences of emergency
nurses. Nursing in Critical Care Vol. 10 (6),
p.270. British Association of Critical Care
Nurses: England.
 Ehrl, D.; Heidekrueger, P.; Ninkovic, M.; Broer,
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centers on the outcomes of severely burned
patients. Burns.
 European Burn Association (2015) European
Practice Guidelines for Burn Care. Minimum
level of Burn Care provision in Europe. Version
3. Hannover: EBA Congress.
 McFetridge, B., Gillespie, M., Goode, D. &
Melby, V. (2007) An exploration of the
handover process of critically ill patients
between nursing staff from the emergency
department and the intensive care unit.
Nursing in Critical Care, 12(6): 261-9.
 Muehlberger, T.; Daigeler, A.; Lehnhardt, M.;
Ottomann, C. & Toman, N. (2010).
Emergency pre-hospital care of burn
patients. The Surgeon, Journal of the Royal
Colleges of Surgeons of Edinburgh and
Ireland. 8 (2), 101-104.
 Norma DGS 022/2012 (2017). Norma da
Direção Geral da Saúde: Abordagem
Hospitalar das Queimaduras. Lisboa:
Departamento de Qualidade na Saúde,
Direção Geral da Saúde.
 Ordem dos Médicos e SPCI (2008)
Transportes de Doentes Críticos:
Recomendações 2008.
 Yuxiang, L. et al (2012). Burn patients’
experience of pain management: A
qualitative study. Burns, Vol. 38, Issue 2, 180-
186.

72
14.TRANSPORTE DA CRIANÇA

Neste capítulo será abordado o transporte dia, todos os dias do ano e a sua equipa é
da criança em situação crítica, que se constituída por médicos e enfermeiros das
distingue do transporte do adulto pela unidades de cuidados intensivos pediátricas
existência de importantes diferenças e de neonatologia. Contudo, é importante
anatómicas e fisiológicas da criança e por relembrar que até à chegada do TIP
todas as especificidades inerentes a esta (período de tempo que pode ser longo)
faixa etária, nomeadamente a necessidade e/ou podendo este não estar disponível,
de recursos humanos, materiais e técnicos cabe à equipa do hospital de origem o
específicos e complexos. reconhecimento da criança gravemente
doente e o seu precoce tratamento e
São vários os estudos que demonstram que estabilização. Em situações pontuais em
a estabilização e transporte de doentes que o TIP esteja inoperacional ou ocupado
críticos, realizada por uma equipa com outro transporte, pode ser necessário
especializada, têm um impacto marcado que seja a equipa do hospital a proceder
na redução da morbilidade e mortalidade. ao transporte para um centro mais
O objectivo é que as condições do diferenciado.
transporte sejam sempre iguais ou superiores
às condições antes do transporte e nunca Geralmente as crianças que necessitam de
inferiores. estabilização e transferência para unidades
de cuidados intensivos requerem das
No que se refere ao transporte inter- equipas conhecimentos e competências
hospitalar, a necessidade de transportar especializadas na abordagem à criança
uma criança em situação crítica para outro em situação crítica, o que pode gerar
hospital relaciona-se com a centralização alguma insegurança e ansiedade nos
das Unidades de Cuidados Intensivos mesmos. Tal facto reforça a necessidade de
Pediátricos nos grandes centros e com a todos os profissionais de saúde que prestam
impossibilidade de todos os hospitais cuidados a crianças estarem preparados,
periféricos possuírem unidades treinados e dotados de formação
especializadas para prestar os cuidados específica e actualizada sobre abordagem
diferenciados que as crianças gravemente e transporte seguro da criança em situação
doentes necessitam. crítica.

Tendo em conta esta centralização, e de BREVE REVISÃO DAS PARTICULARIDADES


forma a responder à crescente ANÁTOMO-FOSIOLÓGICAS DA CRIANÇA
necessidade de cuidados especializados à
criança em situação crítica, foi criado no VIA AÉREA (A)
nosso País um sistema de transporte
Nariz e faringe
específico: o Transporte Inter-hospitalar
Pediátrico (TIP). Este é um serviço que se Ao nascimento, a extremidade da epiglote
dedica ao transporte de recém-nascidos e encontra-se ao nível da primeira vértebra
crianças em situação crítica entre Unidades cervical, numa posição alta e anterior,
de Saúde. As ambulâncias que asseguram portanto mais vulnerável a obstrução da via
este serviço dispõem de uma tripulação aérea por compressão externa dos tecidos
constituída por um médico, um enfermeiro moles.
e um técnico de emergência pré-hospitalar. O lactente é um respirador nasal obrigatório
Estão equipadas com todo o material durante os primeiros 6 meses de vida. Assim,
necessário à estabilização de doentes dos 0 a energia despendida por um bebé com
aos 18 anos de idade, permitindo o seu obstrução nasal (p. ex. secreções mucosas
transporte para hospitais onde existam abundantes por infecção respiratória) pode
unidades diferenciadas com capacidade ser considerável, levando a insuficiência
para o seu tratamento. O serviço tem uma respiratória. Uma obstrução a nível nasal
cobertura nacional e funciona 24 horas por pode também ser causada por anomalias

73
anatómicas, tal como atrésia das coanas, a uma obstrução da via aérea, dada a
ou de natureza mecânica, como sondas ou posição elevada da epiglote e laringe.
adesivos obstruindo parcialmente as  A posição cefálica da laringe cria um
narinas. ângulo mais fechado entre a orofaringe
e a glote, tornando a visualização
Relação cabeça / pescoço desta com o laringoscópio mais difícil.
A cabeça de um lactente é grande, Neste caso, a utilização de uma lâmina
proporcionalmente ao corpo e, em reCta pode ser mais eficaz que uma
combinação com um occipital curva.
proeminente, tende a provocar flexão do  Quando não se consegue uma
pescoço em decúbito dorsal, causando visualização total, a introdução de um
obstrução a nível dos tecidos moles da tubo traqueal pode ser dificultada pela
faringe. Com o aumentar da idade, a comissura anterior das cordas vocais,
cabeça torna-se relativamente menor em mais alta que a comissura posterior.
relação ao tórax, o pescoço mais longo e a  Tradicionalmente, em crianças com
laringe mais resistente a pressão externa, menos de 8 anos podem ser usados
diminuindo o risco de obstrução da via tubos sem cuff, visto que o diâmetro do
aérea. tubo é determinado pela parte mais
A face e a boca de um lactente são estreita da via aérea superior,
pequenas, e a língua relativamente grande nomeadamente a nível da cricóide. Um
obstrui facilmente a via aérea numa tubo de diâmetro correcto formará um
criança inconsciente. O pavimento da selo adequado na região da cricóide,
boca é também facilmente compressível, permitindo uma ventilação com
pelo que é necessário cuidado nas pressão positiva sem fuga significativa,
manobras de abertura da via aérea, pois obviando assim a necessidade de cuff.
pode ocorrer obstrução. A utilização de tubos com cuff não era
de todo aconselhada em crianças com
Laringe menos de 8 anos, até há pouco tempo.
A laringe do lactente encontra-se alta, a No entanto, segundo a evidência
nível de C1, em comparação com o adulto científica mais recente existente e
(em quem se localiza a nível das 5ª e 6ª devido ao melhoramento do design dos
vértebras cervicais). A epiglote tem forma tubos, um tubo com cuff, de diâmetro
de U (ou Ω), faz protusão em direção à correto e com monitorização de
faringe a 45º e as cordas vocais são curtas. pressão do cuff (que deve ser inferior a
Em crianças abaixo de 8 anos, a laringe é 25 Cm H20), pode ser usado com
afunilada, com a secção mais estreita a segurança em crianças pequenas,
nível da cartilagem cricóide. Em crianças excepto no recém-nascido.
mais velhas a laringe é cilíndrica, O lactente tem uma via aérea
prolongando-se esse formato pela traqueia proporcionalmente mais estreita e
até à carina. com diâmetro absoluto mais
Estas particularidades anatómicas têm as pequeno que o adulto, sendo
seguintes implicações práticas: particularmente vulnerável a
 Em crianças muito novas não se devem edema e inflamação. Há que ter
tentar manobras de remoção de um em consideração, que devido a
corpo estranho da via aérea se a essa vulnerabilidade as infecções
obstrução for parcial, pois podem levar respiratórias representam uma
a que essa obstrução se torne total. De maior proporção na morbilidade e
facto, o corpo estranho pode encravar mortalidade da criança em
na zona mais estreita da laringe, a relação ao adulto.
cricóide.
 Quando se introduz a lâmina de um RESPIRAÇÃO (B)
laringoscópio, o controlo da língua, Os pulmões, à altura do nascimento, são
relativamente grande, pode ser difícil, imaturos, com uma interface ar/alvéolo de
levando o seu deslocamento posterior, 3m2, quando a do adulto é de 70m2.Desde
o nascimento até à vida adulta há um

74
aumento de 10 vezes no número de Uma das dificuldades ao lidar com crianças
pequenas vias aéreas. A expansão alveolar muito jovens pode ser a sua incapacidade
pode estar dificultada em pequenos de comunicar eficazmente. Todos os
prematuros, ao nascer, devido à esforços devem ser feitos para lidar com
deficiência de surfactante. Nestes casos crianças doentes ou traumatizadas de um
será necessária a administração de modo empático e adequado à sua idade.
surfactante exógeno para conseguir essa É fácil de entender que uma criança
expansão. doente, trazida ao hospital por familiares
A mecânica respiratória também se angustiados, entrando num ambiente
modifica com a idade. No lactente, as estranho, onde pessoas desconhecidas
costelas são menos rígidas, mais flexíveis e podem estar a realizar procedimentos
os músculos intercostais são relativamente desconfortáveis, se sinta assustada. O
fracos e ineficazes comparativamente ao conhecimento pode aliviar o medo e por
diafragma. Este é o principal músculo isso é importante explicar as coisas à
respiratório no lactente: a sua contração e criança de modo claro e perceptível. Estas
movimento em direcção ao abdómen explicações devem ser dadas em
geram uma pressão negativa intratorácica, linguagem que a criança entenda. Deve
fazendo o ar entrar nos pulmões. permitir-se aos pais ficar junto aos seus filhos,
Obstáculos mecânicos à contracção do mesmo durante a prestação de cuidados
diafragma, de origem abdominal (distensão mais complexos ou avançados. A sua
gástrica, oclusão intestinal, presença durante a realização de
pneumoperitoneu) ou torácica procedimentos pode reduzir o medo e
(hiperinsuflação por bronquiolite, asma ou ansiedade da criança e toda a tensão
corpo estranho) podem levar a ventilação para si e para a família.
ineficaz. A capacidade de comunicação da
Na criança maior, os intercostais estão mais criança geralmente melhora com a idade.
desenvolvidos e contribuem mais para a No entanto, devemos lembrar-nos que o
mecânica ventilatória. As costelas estão comportamento de uma criança pode
mais ossificadas e comportam-se mais tomar- se mais semelhante ao de uma
como um suporte rígido, menos susceptível criança mais nova quando está com dor,
de colapsar em situações de esforço medo ou ansiedade. Este facto deve ser
respiratório marcado. considerado quando se realiza uma
Na insuficiência respiratória em crianças avaliação mais detalhada do estado
mais pequenas pode haver retracções neurológico de uma criança. Existe uma
(tiragem) significativas a nível esternal e modificação da escala de coma de
intercostal, devido à maior colapsabilidade Glasgow, para uso em crianças abaixo dos
da grelha costal; esta retracção é menos 5 anos, dada a sua imaturidade em termos
evidente em crianças maiores. de comunicação. ~

CIRCULAÇÃO (C) IDADE E PESO


A volémia no recém-nascido é de cerca de O peso é importante porque as
80 ml/kg, diminuindo ao longo da idade até medicações para crianças são prescritas
60-70 ml/kg no adulto. Para um recém- com base no seu peso corporal.
nascido de 3 kg representa 240 ml; aos 6 Numa situação de emergência não há
meses, com um peso de 6 kg, a volémia tempo ou condições para pesar uma
será de 480 ml. Estes valores de volume total criança. A fórmula seguinte, aplicável entre
baixo mostram como uma criança 1 e 10 anos de idade, fornece uma
pequena é susceptível a perda de fluidos. aproximação ao peso da criança em
Esta é uma das razões porque milhares de função da idade:
crianças morrem anualmente por diarreia e
desidratação em todo o mundo. Peso (kg) = 2 x [idade em anos +4]

Há outras ferramentas muito úteis, como a


AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA (D) régua de Broselow. Esta régua relaciona o
comprimento da criança com o peso

75
corporal. Nesta régua estão também B = Breathing (Respiração)
assinaladas, a intervalos adequados, as
doses de fármacos e os tamanhos de C = Circulation (Circulação)
diversos equipamentos de reanimação
D = Disability (Disfunção neurológica)
(p.ex. TET), indicados para cada
estatura/peso. A estimativa de peso
E = Exposure (Exposição)
efectuada por estas réguas é mais exacta
que a das fórmulas. Actualmente, existem Esta metodologia pressupõe a avaliação
diversas aplicações para smartphones que rápida e prática da função respiratória,
permitem ao médico e ao enfermeiro cardíaca e neurológica, incluindo a
obterem rapidamente a informação que avaliação dos sinais vitais e da saturação
necessitam. de oxigénio por oximetria de pulso. Assenta
na premissa de problema encontrado
RECONHECIMENTO DA CRIANÇA problema resolvido, tendo como principal
GRAVEMENTE DOENTE objectivo detectar situações ameaçadoras
à vida tratando primeiro o que “mata
Para que as equipas de saúde possam primeiro”.
estabilizar e proceder ao transporte da
criança em situação crítica é imperativo AVALIAÇÃO RESPIRATÓRIA: VIA AÉREA E
que saibam reconhecer atempadamente VENTILAÇÃO (A/B)
quando estão perante uma, e quando há a
necessidade de transferir essa criança para Via Aérea (A)
um hospital com recursos superiores ao de
Para garantir uma entrada e saída de ar
origem.
adequadas, ou seja uma ventilação/minuto
Para tal pode-se recorrer a duas etapas adequada, a via aérea da criança tem
importantes para a avaliação da criança: a que estar desobstruída e estável. Se a via
impressão inicial através do triângulo de aérea está em risco e não estável, pode vir
avaliação pediátrico (TAP) e a abordagem a ficar obstruída (Ex. numa criança
primária através do modelo ABCDE. inconsciente com respiração espontânea, a
queda da língua pode obstruir a via aérea,
A impressão inicial consiste na primeira ou na laringite, com a progressão da
observação rápida da criança “logo à doença, o edema pode causar obstrução
entrada”. É uma observação visual e total do lúmen laríngeo). Para melhorar a
auditiva inicial da aparência, circulação entrada de ar, a criança com uma
(cor) e respiração da criança, realizada em obstrução parcial ou total da via aérea,
poucos segundos. aumenta a sua frequência respiratória e o
esforço respiratório. Na avaliação da
permeabilidade da via aérea é necessário
lembrar que a existência de movimentos
torácicos não implica uma via aérea livre. A
entrada de ar deve ser avaliada ouvindo os
sons respiratórios através da auscultação
torácica e sentido do ar através da boca e
nariz da criança.

Respiração (B)

Frequência Respiratória

No lactente, a taquipneia pode ser o


primeiro sinal de insuficiência respiratória. A
A abordagem primária deve ser realizada
taquipneia sem outros sinais de dificuldade
através do modelo ABCDE:
respiratória (taquipneia silenciosa) pode ter
uma causa não pulmonar, como a
A = Airway (Via Aérea)
compensação respiratória de uma acidose

76
metabólica (Ex. no choque, cetoacidose compromisso importante da função
diabética, intoxicação por salicilatos ou na respiratória.
insuficiência renal).
Balanceio da cabeça e respiração
As variações da frequência respiratória ao paradoxal
longo do tempo são muito importantes.
Uma frequência respiratória a aumentar Quando o trabalho respiratório aumenta, o
representa uma crescente compensação esternocleidomastóideo pode ser usado
fisiológica da deterioração da função como músculo acessório. No lactente isto
respiratória. Uma redução súbita da pode originar um movimento de balanceio
frequência respiratória numa criança com da cabeça para cima e para baixo,
doença aguda é um achado altamente diminuindo a eficácia da ventilação.
significativo, podendo representar um
A respiração paradoxal consiste num
evento pré-terminal. Pode ser causada por
movimento paradoxal do abdómen
hipotermia, exaustão ou depressão do
durante a inspiração: o abdómen expande
sistema nervoso central. O cansaço é
e a parede torácica anterior retrai com a
sempre de considerar como importante nas
contração do diafragma. Isto constitui uma
crianças, um lactente com uma frequência
respiração ineficaz, porque há redução do
respiratória de 80 ciclos/min cansa-se muito
volume corrente com aumento do esforço
depressa, e uma descida súbita da
muscular.
frequência respiratória é um sinal de mau
prognóstico.
Ruídos inspiratórios e expiratórios

Trabalho Respiratório Durante a fase inspiratória da respiração a


via aérea extratorácica estreita, e a
O aumento do trabalho respiratório na
intratorácica expande. Este padrão inverte-
criança manifesta-se por aumento da
se na expiração. A deteção de ruídos
frequência respiratória, tiragem intercostal,
anormais e a altura do ciclo respiratório em
subcostal ou supraesternal, uso de músculos
que surgem, podem indicar o local da
acessórios, adejo nasal, balanceio da
obstrução. Um ruído inspiratório agudo
cabeça e contração dos músculos do
(estridor) é característico de uma obstrução
tórax. Surge em crianças com doença
alta (extratorácica) e é causado por um
respiratória, como doença obstrutiva da via
fluxo de ar rápido e turbulento através de
aérea ou doença alveolar. A medida que o
uma zona estreitada da via aérea superior.
trabalho respiratório aumenta uma maior
O estridor bifásico (inspiratório e expiratório)
proporção do débito cardíaco é desviada
indica uma obstrução a nível superior da
para os músculos respiratórios com um
traqueia. Quando o local da obstrução é
consequente aumento da produção de
mais distal (nível inferior da traqueia) o ruído
dióxido de carbono. Quando o esforço
torna-se primariamente expiratório. Os sibilos
respiratório ultrapassa a capacidade de
(ruídos expiratórios prolongados audíveis
transportar 02 para os tecidos, surge o
com ou sem estetoscópio) indicam
metabolismo anaeróbio, e a acidose
estreitamento das vias aéreas inferiores,
respiratória complica-se com acidose
normalmente a nível brônquio ou dos
metabólica (aumento dos níveis de
bronquíolos (intratorácico). O ruído torna-se
lactato).
mais intenso á medida que se agrava a
Tiragem costal obstrução da via aérea, até haver uma
redução significativa do fluxo de ar. Uma
A retração costal ou tiragem é facilmente diminuição do ruído pode então indicar
observada no lactente e na criança uma obstrução completa ou exaustão da
pequena pelo facto da parede torácica ter criança.
uma compliance elevada. O grau da
retração dá uma indicação da gravidade Gemido
da doença respiratória. Nas crianças com
O gemido surge principalmente no recém-
mais de 5 anos, com menor compliance
nascido, mas por vezes também no
torácica, a existência de tiragem indica um

77
lactente e criança pequena. É causado monitorizada na criança gravemente
pelo movimento do ar exalado contra uma doente.
glote parcialmente fechada, numa
tentativa de gerar uma pressão positiva no RECONHECIMENTO DA INSUFICIÊNCIA
final da expiração de modo prevenir o RESPIRATÓRIA
colapso da via aérea. O gemido pode ser
Função Respiratória Normal - Uma função
ouvido em crianças com condições
respiratória normal implica uma entrada e
predisponentes ao colapso alveolar e
saída de ar adequadas nos pulmões e a
perda do volume pulmonar (edema
troca de oxigénio e dióxido de carbono,
pulmonar, pneumonia, atelectasia, ou
através da membrana alvéolo-capilar.
SDRA). Está descrito em doenças das vias
aéreas superiores e inferiores, doenças
A ventilação/minuto (VM) (principal
cardíacas (miocardite), infecções graves
determinante da remoção do dióxido de
como sépsis e meningite e na obstrução
carbono) depende do volume corrente
intestinal. Em geral o gemido é um
(VC) (volume de ar em cada ciclo
indicador de doença grave. respiratório) e da frequência respiratória
(FR) VM = VC x FR
Volume corrente: Eficácia da respiração
A respiração normal necessita de um
A expansão torácica pode ser avaliada
esforço mínimo; a frequência respiratória
através da inspecção, palpação,
diminui com o aumento da idade da
percussão e auscultação. A inspecção e
criança como se pode observar na tabela,
palpação permitem ver o grau e simetria
mas em qualquer idade aumenta nos
da expansão torácica. A percussão pode
estados de agitação, ansiedade ou febre.
ser útil na deteção de áreas de colapso
(macicez) ou híper-ressonância (como no
IDADE Frequência
pneumotórax).
(Anos) Respiratória
A auscultação do tórax dá uma indicação (ciclos/min)
do volume de ar que entra e sai. O
<1 30-60
murmúrio vesicular deve ser simétrico e
facilmente audível. Uma auscultação 2-5 24-40
cuidadosa de todas as regiões do tórax,
particularmente nas áreas axilares, deve 5-12 22-34
detetar ruídos respiratórios transmitidos de
outras áreas (Ex. pneumotórax ou >12 12-16
atelectasia). É útil fazer a comparação
entre os dois lados. Uma franca diminuição
do murmúrio vesicular ou tórax silencioso é
O volume corrente espontâneo mantém-se
um sinal de mau prognóstico, indicando
praticamente constante durante toda a
uma redução muito significativa do volume
vida e é cerca de 7-9mlIkg. Pode ser
corrente.
avaliado qualitativamente através da
Oxigenação: Cianose e palidez auscultação pulmonar, procurando ouvir a
entrada de ar em todas as zonas
A cianose é um sinal inconsistente na pulmonares e observando o movimento da
falência respiratória. É mais aparente na parede torácica com a respiração.
mucosa bucal e no leito ungueal. Quando
é limitada às extremidades é habitualmente Mecanismos de Disfunção Respiratória
consequência de falência circulatória
A insuficiência respiratória aguda pode ser
(cianose periférica) e não da falência
causada por qualquer doença que interfira
respiratória (cianose central). A hipóxia
com a entrada e saída de ar nos pulmões,
também pode causar vasoconstrição e
o que leva a uma alteração da eliminação
palidez, que vão mascarar a cianose.
do dióxido de carbono (ventilação) e/ou
Mesmo na ausência de cianose, a SPO2
alteração das trocas gasosas ao nível da
deve ser continuamente avaliada e

78
membrana alvéolo capilar (oxigenação). A trocas gasosas e melhorar a perfusão
diminuição da ventilação/minuto, ou tecidular.
hipoventilação alveolar, está associada a
uma subida da paCO2. Pode ser secundária Falência respiratória
a uma redução da frequência respiratória
Do ponto de vista fisiológico, a falência
(p. ex. intoxicação por opiáceos) ou a uma
respiratória é habitualmente definida como:
diminuição do volume corrente (p. ex.
“Incapacidade do sistema respiratório em
obstrução das vias aéreas ou doença
manter uma PaO2>60mmHg (=9 kPa) com
neuromuscular).
21% de FiO2, correspondendo
A disfunção da membrana alvéolo / capilar aproximadamente a uma SpO2 de 90%, ou
é habitualmente secundária a uma uma PCO2<60mmHg (= 9 kPa)”.
acumulação de líquido intra-alveolar e
Esta definição implica a realização de uma
origina uma redução dos níveis arteriais de
gasimetria arterial que pode ser difícil de
oxigénio e uma maior rigidez pulmonar (Ex.
obter nas crianças. Para além disso, uma
uma diminuição da compliance pulmonar).
criança com dificuldade respiratória pode
A diminuição dos níveis de 02 estimula o
conseguir manter os gases do sangue
centro respiratório o que leva a um
dentro de limites relativamente normais, à
aumento da frequência respiratória. Em
custa de um aumento do esforço
simultâneo surge um maior esforço
respiratório. É por isso importante conseguir
respiratório pelo aumento da frequência
avaliar se estamos perante uma situação
respiratória e da rigidez pulmonar.
estável, ou se está iminente a evolução
A cianose central aparece quando a SPO2 para falência respiratória descompensada.
é <80% (indica que a hemoglobina não Esta avaliação implica um conhecimento
saturada é > 5 g/dl). A ausência de dos sinais e sintomas da falência
cianose, em particular em doentes com respiratória. Quando os mecanismos de
anemia, não implica níveis de SP02 normais. compensação falham, a deterioração é
A hipercápnia pode ser traduzida por muito rápida e a paragem
taquicardia, vasoconstrição e pulsos cardiorrespiratória iminente tem que ser
amplos, mas estes são sinais pouco antecipada.
específicos.

As variações da frequência respiratória


CIRCULAÇÃO (C)
podem ser classificadas como demasiado
rápida (taquipneia), demasiado lenta
Frequência cardíaca
(bradipneia) ou ausente (apneia). A
taquipneia ou a bradipneia podem estar A frequência cardíaca aumenta para
associadas à síndroma de dificuldade compensar o aumento das necessidades
respiratória, reflectindo um aumento do metabólicas dos tecidos.
trabalho respiratório, frequentemente
associado a tentativas de aumentar o A taquicardia sinusal é uma resposta
volume corrente. frequente à ansiedade ou febre, mas
também surge na hipoxia, hipercapnia ou
Insuficiência respiratória compensada hipovolémia. Os recém-nascidos têm uma
reserva cardíaca limitada, aumentam o
Os mecanismos de compensação incluem
débito cardíaco mais à custa de uma
o aumento da frequência respiratória,
elevação da frequência cardíaca do que
quando há diminuição do volume corrente
do volume sistólico. Desenvolvem
ou as tentativas de aumentar o volume
bradicardia como primeira resposta à
corrente quando a frequência respiratória é
hipoxia. As crianças mais velhas
demasiado baixa. A insuficiência
desenvolvem inicialmente taquicardia.
respiratória também se associa com um
aumento do débito cardíaco Se o aumento da frequência cardíaca não
(essencialmente à custa de um aumento é suficiente para manter uma oxigenação
da frequência cardíaca) para acelerar as tecidular adequada, a hipoxia e acidose

79
resultam em bradicardia, que indica uma fazer o diagnóstico de choque
paragem cardiorrespiratória eminente. precocemente.

Idade Frequência Média Frequência O volume sistólico pode ser avaliado pela
em vígilia em sono palpação da amplitude do pulso (artéria
RN a 3 85 a 2015 140 80 a 160 carótida, axilar ou femoral). À medida que
meses o volume sistólico diminui a amplitude do
3 meses a 100 a 190 130 75 a 160 pulso também diminui, esta amplitude
2 anos reflete a diferença entre a pressão arterial
2 a 10 anos 60 a 140 80 60 a 90 sistólica e diastólica. A amplitude dos pulsos
> 10 anos 60 a 100 75 50 a 90 periféricos (Braquial, radial, tibial…) diminui
mais rapidamente que o pulso das artérias
centrais. Os pulsos periféricos podem estar
Pressão arterial diminuídos por vasoconstrição periférica
secundária a febre, frio ou ansiedade,
Os mecanismos compensatórios para enquanto a diminuição dos pulsos centrais
restabelecer o débito cardíaco quando há é sinal de alarme para paragem
diminuição do volume vascular são: cardiorrespiratória eminente.
vasoconstrição; taquicardia e maior
contractibilidade do miocárdio. Perfusão periférica

O volume sistólico diminui com a A avaliação indireta da resistência vascular


hipovolémia. Inicialmente há um aumento periférica (RVP) também pode contribuir
da frequência cardíaca e da resistência para um diagnóstico precoce de choque.
vascular periférica para manter a pressão A RVP pode ser estimada, avaliando a
arterial dentro dos limites normais. reperfusão capilar, se estiver prolongada é
um sinal precoce de choque em evolução.
Quando os mecanismos de compensação Avalia-se fazendo pressão sobre uma área
falham, surge a descompensação com de pele durante 5 segundos, depois libertar
hipotensão. A taquicardia é mantida até a pressão, a cor deve voltar ao normal em
haver depleção das catecolaminas do menos de 2 segundos. O local de avaliação
miocárdio. A hipotensão aparece deve estar ao nível do coração para evitar
particularmente tarde no choque a estase venosa.
hipovolémico.
Pele marmoreada, palidez e cianose
Qualquer que seja o tipo de choque a periférica são outros sinais de má perfusão,
hipotensão é um sinal de descompensação observados quando há uma diminuição do
fisiológica e deve ser tratada débito cardíaco.
vigorosamente, porque a falência
cardiorrespiratória com paragem pode
estar eminente.
AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA (D)
Idade Pressão Arterial Sistólica
(mmHg)
A criança com hipóxia e/ou hipercápnia
pode ficar agitada ou sonolenta à medida
Neonato(0 a 28 dias) <60
que a insuficiência respiratória progride. O
Lactente (1-12 meses) <70
evento terminal será a perda de
1 a 10 anos <70 + (idade em anos x 2)
consciência. Os pais podem referir que a
>10 anos <90
criança não está a reagir como
habitualmente ou não lhes responde. Deve-
se iniciar a avaliação do grau de
Pulsos periféricos
consciência, procurando o contacto visual
Como a taquicardia é um sinal precoce e/ou tentando obter uma resposta a
mas inespecífico de choque e a hipotensão estímulos verbais ou dolorosos.
é um sinal específico mas tardio, são
Para avaliação do nível de consciência
necessários outros indicadores para poder
pode-se utilizar a escala AVDS:

80
 A – ALERTA clínica da criança, sem negligenciar
nenhum parâmetro importante, a equipa
 V – Responde apenas à VOZ responsável pelo planeamento da
transferência pode utilizar o impresso em
 D – Responde apenas à dor
anexo (APÊNDICE I). Esta avaliação
estruturada permite valorizar, parametrizar
 S – Sem resposta
todos os sistemas fisiopatológicos da
criança e ajustar, com base nos protocolos
clínicos institucionais e com base no
Exposição (E) aconselhamento prévio da equipa do
hospital receptor ou da equipa da
Ao expor a criança para observação, é Ambulância TIP, qual o suporte
importante detectar alterações relevantes hemodinâmico que deve ser aplicado.
que podem ser uma condição subsequente
(ex. sinais de discrasia hemorrágica, tais DETERMINAÇÃO DO NÍVEL DE GRAVIDADE
como petéquias, lesões compatíveis com CLÍNICA
maus tratos, etc…).
A determinação do nível de gravidade
Proceder à avaliação da temperatura clínica da criança que necessita de ser
corporal. transferida para outro serviço, para um nível
assistencial superior ou para realização de
exames complementares/terapêutica não
existentes no hospital de origem, é
AVALIAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO CLÍNICA DA
fundamental para planear quais os recursos
CRIANÇA
humanos e materiais que devemos reunir
A estabilização da criança gravemente para uma transferência segura. A escolha
doente é um processo contínuo que se destes recursos deve estar de acordo com
inicia no serviço de origem e deve as características do doente a transportar.
continuar em parceria com a equipa de
É vital a existência de escalas de
transporte. Assegurar as melhores
pontuação para definir as necessidades
condições clínicas antes da transferência
logísticas de acompanhamento no
pode ser uma fase demorada mas
transporte inter-hospitalar pediátrico. Este
necessária. No entanto, as situações em
manual e o curso ATSDC recomendam o
que o tratamento definitivo é urgente e não
preenchimento do impresso (APÊNDICE II)
está disponível no local (traumatologia,
que corresponde a uma escala de
neurocríticos, etc.), devem constituir uma
pontuação que determina os recursos com
excepção a esta regra. A estabilização da
base no nível de gravidade ou do risco de
criança gravemente doente requer uma
agravamento previsível da condição clínica
avaliação sistemática por ordem de
da criança a transferir. Esta é uma
prioridades ABCDE, já descrita
ferramenta adaptada de Etxebarría et al.,
anteriormente.
(1998) onde foram incluídos alguns
Importa ressalvar que na área pediátrica a parâmetros da escala POPS (Paediatric
abordagem à criança/jovem doente é Observation Priority Score) de Roland et al.,
centrada no binómio familiar, assente numa para se adaptar e respeitar as
parceria de cuidados. Sendo a família um características especificas da realidade
alvo de cuidados, e tendo em conta que a pediátrica. O resultado da aplicação do
alteração do estado clínico da referido impresso, define quatro níveis de
criança/jovem, destabiliza a dinâmica gravidade. Estes quatro níveis seguem uma
familiar, é fundamental manter estes ordem de gravidade crescente e
informados sobre todos os procedimentos correspondem a uma cor, à semelhança
que se estão a planear, apresentar os dos protocolos de triagem: A -Verde; B –
profissionais envolvidos e dar informações Amarelo; C – Laranja e D – Vermelho.
práticas sobre a evolução clínica. De forma
SELECÇÃO DA EQUIPA
a sistematizar a avaliação da condição

81
Para que o transporte inter-hospitalar vimos, depende destes o reconhecimento,
pediátrico seja realizado de forma segura, avaliação inicial e estabilização da criança.
com a ocorrência mínima de efeitos Por outro lado, a equipa TIP poderá não
adversos, é fundamental colocar a equipa estar disponível (por estar alocada a outra
certa com as competências mais situação urgente/emergente) e o
adequadas às necessidades de cada transporte ter de ser assegurado por uma
doente. A equipa pode ser constituída por equipa do hospital referente, pelo que se
profissionais de saúde da instituição de exige destes formação e treino frequente
origem (equipa local) ou pela equipa da em transporte de doente crítico.
Ambulância TIP, dependendo do que for
decidido em acordo pelos responsáveis da
equipa médica e pela disponibilidade dos
SELECÇÃO DO TRANSPORTE
meios. Idealmente o doente crítico (nível D)
deverá ser transportado pela equipa mais
Os critérios para a selecção do tipo de
diferenciada e com os recursos mais
transporte não difere do que foi já discutido
apropriados. De forma a determinar a
neste manual para o transporte do doente
composição da equipa de
em idade adulta.
acompanhamento devem ser seguidas as
indicações do IMPRESSO B (Apêndice 2) Existem no entanto algumas
que determina objectivamente os particularidades afectas à criança que
elementos necessários em função de podem determinar algumas adaptações
critérios objectivos. As equipas podem ser durante o transporte.
constituídas por médicos, enfermeiros e
tripulantes de ambulância dependendo do Especialmente em contexto pediátrico, as
nível de gravidade da condição clínica da forças de aceleração de desaceleração
criança. Preferencialmente, um dos podem ter efeitos fisiológicos significativos
elementos deve ser o enfermeiro nas crianças mais pequenas e
responsável pelo doente, com experiência particularmente nos latentes. O transporte
em reanimação e treino em transporte de deve ser por isso realizado de forma o mais
doentes críticos. Desta forma e tendo em suave possível e com velocidade
conta que o contexto pediátrico é apropriada. É aconselhável que as sirenes
altamente específico, a equipa deve ter sejam utilizadas o mínimo possível devido ao
formação e experiência nesta área. De risco de causar stress fisiológico e
acordo com a OMS, todas as crianças que psicológico à criança.
possam necessitar de intervenção
emergente ou urgente durante o transporte Outro aspecto de segurança a considerar
devido à sua condição clínica devem ser diz respeito aos dispositivos de contenção
acompanhadas por médico e enfermeiro. adequados ao tamanho da criança,
chamados de Sistemas de Retenção de
É obviamente vantajoso ter equipas Crianças (SRC). Dentro das ambulâncias
especializadas, que têm competências existe um ambiente complexo no que
próprias em detrimento de equipas com respeita à protecção dos ocupantes, com
elementos menos diferenciados. No entanto riscos claros de segurança, não existindo no
é igualmente importante fazer uma gestão entanto normas de segurança formais. Esta
de recursos em função das necessidades. ausência de restrições de contenção
Neste campo, a rede de transporte inter- legislada pode levar a consequências
hospitalar pediátrico disponibilizada pelo físicas graves a uma criança e desta forma,
INEM constitui-se como uma mais-valia a gestão da segurança durante o
tremenda na promoção da qualidade e transporte é uma preocupação para a
segurança do transporte da criança equipa pediátrica de acompanhamento. A
gravemente doente. No entanto, tal não utilização do Kidy Safe®, que pode existir
pode constituir um factor de eventualmente nos serviços de área
desinvestimento da qualificação e pediátrica é uma opção viável como
diferenciação das equipas de hospitais sistema de retenção que se adapta a todas
considerados periféricos porque, como as idades.

82
podemos esquecer que a criança tem o
direito à não separação com os seus pais,
como é clarificado no Artigo 9.º da
Convenção sobre os Direitos da Criança.

A equipa de transporte deve ter em conta


os direitos das crianças mas por outro lado
deve assegurar que a prestação de
Outra opção da prática comum é a cuidados à criança não fica
imobilização em maca de vácuo, que comprometida. Caso a equipa decida
pode facilmente estar disponível nos incluir os pais na transferência, deve ser
serviços ou na carga da ambulância e que dedicado um tempo para explicar as
permite ajustar-se ao tamanho da possibilidades de surgirem imprevistos,
criança/jovem. No que diz respeito ao nomeadamente instabilidade da condição
seguro da ambulância, este veículo é clínica, e como se devem comportar
obrigado por lei a ter uma cobertura de durante a viagem. O importante neste
responsabilidade civil obrigatória que inclui ponto é a valorização do potencial dos pais
todos os ocupantes da viatura (dotação no envolvimento dos cuidados e a
máxima) no âmbito de um acidente de possibilidade de serem dadas respostas,
viação, como está definido nos números 1 e que satisfaçam as suas necessidades de
2 do 14º artigo do Decreto-Lei n.º 291/2007 informação permanente, com redução dos
de 21 de Agosto. níveis de ansiedade, incerteza e
insegurança.
ACOMPANHAMENTO DA CRIANÇA DURANTE
O TRANSPORTE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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84
APÊNDICE I
Impresso A: Avaliação da condição
clínica da criança/jovem

85
IDENTIFICAÇÃO DA CRIANÇA/JOVEM HOSPITAL/SERVIÇO DE DESTINO:
(COLAR ETIQUETA)
MÉDICO QUE RECEBE A CRIANÇA/JOVEM:

IDADE ACTUAL: PESO ACTUAL: ALTURA ACTUAL ALERGIAS:


ANTECEDENTES PESSOAIS:
MEDICAÇÃO HABITUAL:

CIRCUNSTÂNCIAS DO EPISÓDIO ATUAL:

AVALIAÇÃO DA CONDIÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA/JOVEM*


AVALIAR CONDIÇÃO CLÍNICA SUPORTE
A [ ] Permeável [ ] Tubo orofaríngeo n.º____
[ ] Não Permeável: [ ] Tubo nasofaríngeo n.º____
AIRWAY

[ ] Ruídos da VA [ ] Rouquidão [ ] Tubo orotraqueal n.º____


[ ] Estridor? [ ] Desvio da traqueia [ ] Ingurgitamento jugular [ ] Tubo nasotraquel n.º____
[ ] Enfisema SC [ ] Mácara laríngea n.º____
TRAUMA: [ ] imobilização cervical [ ] plano duro [ ] coquille [ ] talas [ ] outro: n.º
B FR(cpm): OXIGÉNIO VENTILAÇÃO
Respiração [ ] Eupneia [ ] Superficial CPAP
[ ] Taquipneia [ ] Tiragem FiO2(%)_____ FiO2(%)
[ ] Bradipneia [ ] Expansão simétrica PEEP(mmHg)
[ ] Apneia [ ] Paradoxal O2(L/m)_____ FR(cpm)
AP [ ] Normal [ ] sibilos [ ] hipofonia VM
BREATHING

[ ] Estridor [ ] crepitações [ ] ausentes [ ] Másc. 100% Modo


SPO2(%) ETCO2(mmHg) [ ] Másc. Venturi FiO2(%)
[ ] Óculos nasais FR(cpm)
Gasimetria pH______ pCO2______ pO2______ [ ] Sonda nasal
Tinsp(s)
(hora:__:__) PEEP(cmH2O)
HCO3______ BE______ Lact______ PIP(cmH2O)
I:E
VC(ml)
Tórax [ ] Pnemotórax [ ] outro: [ ] Dreno torácico Obs.:
Estômago [ ] Abdómen distendido/timpanizado [ ] SNG [ ] SOG
C FC(bpm) Pulso ACESSOS
[ ] Regular [ ] Irregular [ ] Cheio [ ] Fino
PA(mmHg) PAS: PAD: PAM: TIPO N.º LOCAL
CIRCULATION

Pele [ ] Rosada TPC [ ] ≤ 2s [ ] VP


[ ] Pálida [ ] > 2s [ ] VP
[ ] Cianosada [ ] CVC
[ ] Marmoreada [ ] IO
[ ] Linha A
ECG(ritmo) [ ] Ritmo sinusal [ ] Taquicardia MEDICAÇÃO
[ ] Arritmia sinusal [ ] Bradicardia
[ ] Outro(s): [ ] Corticoídes [ ] Bólus [ ] Perfusão
Hemorragias [ ] Externas [ ] Internas conhecidas [ ] ocultas [ ] Osmoterapia [ ] Bólus [ ] Perfusão
D Consciência [ ] GCS: (O ;V ;M ) [ ] AVPU: [ ] Analgésicos [ ] Bólus [ ] Perfusão
Dor valor Tipo: [ ] Antibióticos [ ] Bólus [ ] Perfusão
[ ] Antiepiléticos [ ] Bólus [ ] Perfusão
Local:______ [ ] Inotrópicos [ ] Bólus [ ] Perfusão
DISABILITY

Pupilas [ ] Isocóricas/isoreativas [ ] Miose [ ] Antiarrítmicos [ ] Bólus [ ] Perfusão


[ ] Anisocóricas [ ] Midríase [ ] Anestésicos [ ] Bólus [ ] Perfusão
HIC [ ] Hipertensão [ ] Bradicardia [ ] Resp. irregular [ ] Bicarbonatos [ ] Bólus [ ] Perfusão
Sinais focais [ ] Força muscular Ob.:
[ ] Déficits sensório motores Ob.:
Convulsões [ ] Não [ ] Mal convulsivo [ ] Focais [ ] Ausência Anexar a esta informação o registo da
Glicémia(mg/dl) Cetonémia(mmol/l) prescrição e administração terapêutica
E Diurese Valor DU (ml): em h [ ] Algaliação
EXPOSU

Temperatura(ºC) Valor Temp.: [ ] Timpânica [ ] retal [ ] axilar [ ] Ultimo antipirético às: h m


RE

Lesões corporais Obs.: [ ] Manta térmica


[ ] Pensos Obs.:

F - A família está presente? [ ] Não [ ] Sim Quem? [ ] Mãe [ ] Pai [ ] Avó [ ] Avô [ ] Irmãos [ ] Outro:________________
FAMILY

- Estão informados sobre a situação clínica da criança/jovem? [ ] Não [ ] Sim Quem informou?____________________
- O acompanhante da criança/jovem está emocionalmente estável? [ ] Não [ ] Sim
- O acompanhante da criança/jovem possui meios próprios de transporte? [ ] Não [ ] Sim

*Adaptado de SEM-P. IBE: Información Básica Estructurada de Paciente. Maio 2011 (v2.0; v1.0: Junho 2009)

86
APÊNDICE II
Impresso B: Avaliação para o
transporte inter-hospitalar pediátrico

87
AVALIAÇÃO PARA O TRANSPORTE INTER-HOSPITALAR PEDIÁTRICO

(A avaliação dos parâmetros, é realizada no serviço de origem, perante a condição clínica da criança/jovem no momento,
após a sua estabilização)
PARÂMETRO PONTUAÇÃO
1. VIA AÉREA ARTIFICIAL*
Não 0
Sim (adjuvantes básicos) 1
Sim (TET ou traqueostomia) 2
2. FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA**
30 – 40 0
0 – 1 anos** 25 - 29 41 – 50 1
(0 – 12 meses)
<25 50+ 2

25 – 35 0
1 – 2 anos** 20 - 24 36 - 50 1
(12 – 24 meses)
<20 50+ 2

25 - 30 0
2 – 5 anos** 20 - 24 31 - 40 1
(24 – 60 meses)
<20 +40 2

20 - 25 0
5 – 12 anos** 15 - 19 26 - 46 1
<15 40+ 2

15 - 20 0
13 – 16
12 - 14 20 - 25 1
anos**
<12 25+ 2

10 - 14 0
17 – 18 anos* 15 – 25 1
<10 35+ 2
3. SUPORTE RESPIRATÓRIO*
Não 0
Sim (oxigenoterapia com FiO2 < 40%) 1
Sim (oxigenoterapia com FiO2 ≥ 40% ou Ventilação Mecânica) 2
4. ACESSOS VENOSOS*
Não 0
Acesso Periférico em criança/jovem estável (não exclui catéter obturado) 1
Acesso Periférico em criança/jovem instável ou Acesso Central 2
5. AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA*
Estável (FC e TAS dentro dos parâmetros normais para a idade – consultar tabela no final do documento) 0
Moderadamente estável 1
Instável (sob inotrópicos ou hemoderivados) 2
6. MONITORIZAÇÃO CARDIO-RESPIRATÓRIA*
Não 0
Sim (desejável) 1
Sim (em doente instável) 2

88
7. RISCO DE ARRITMIAS*
Não 0
Sim, baixo risco - sem risco imediato de vida ou sem necessidade de intervenção terapêutica imediata. 1
Sim, alto risco - com risco imediato de vida ou necessitando de intervenção terapêutica imediata. 2
8. ESTADO DE CONSCIÊNCIA (AVDS)**
Alerta (A) 0
Reativo a estímulo Verbal (V) 1
Reativo a estímulo Doloroso (D) ou Sem resposta a estímulos (S) 2
9. SUPORTE TÉCNICO E FARMACOLÓGICO REALIZADO/EM CURSO*
Nenhum dos abaixo indicados 0
Grupo I (Corticosteróides, Manitol 20%, NaCl 3%, Analgésicos) 1
Grupo II (Inotrópicos; Vasodilatadores; Antiarrítmicos; Bicarbonato; Antiepiléticos;
Anestésicos gerais; dreno torácico) 2
10. DOENÇA CRÓNICA**
Não 0
Sim – sem influência na condição clínica actual e/ou sem potencial de
descompensação pela condição clínica actual 1
Sim – com influência na condição clínica actual e/ou com potencial de
descompensação pela condição clínica actual 2
11. PREMATURIDADE ACTUAL*
RN > 2000g ou não aplicável 0
RN ≥ 1500g ≤ 2000g 1
RN < 1500g 2
TOTAL:
EQUIPAMENTO
PONTOS NÍVEL VEÍCULO EQUIPA MONITORIZAÇÃO
PREFERENCIAL
0–2
Apenas O2 Ambulância
ou acesso Tipo A
A Tripulantes Nenhuma “Standard”
venoso (amb. de
periférico transporte)
obturado
Aspirador de
secreções +
3 Ambulância
Tripulantes SPO2, ECG, FC, Material de SBV +
Sem nenhum Tipo B
B Enfermeiro FR, Temp., TA não monitor de
item com (amb. de
Generalista invasiva transporte +
pontuação 2 socorro)
medicação
prescrita
Acima descrito +
Ambulância Tripulantes
4–6 Material SAV +
Tipo C Enfermeiro SPO2, ECG, FC,
Sem nenhum monitor
C (amb. de Especialista FR, Temp., TA não
item de desfibrilhador +
cuidados em ESCJ invasiva
pontuação 2 seringas e bombas
intensivos) (desejável)
perfusoras
Tripulantes
Ambulância SPO2, ECG, FC, Acima descrito+
≥7 Enfermeiro
Tipo C FR, Temp., TA não Material de VA
ou < 7 com Especialista
D (amb. de invasiva/invasiva, avançada +
um item de em ESCJ
cuidados ETCO2 (se ventilador de
pontuação 2 (desejável)
intensivos) ventilado) transporte.
Médico
*Adaptado de Etxebarria et al., Eur J Emerg Med, 1998. ** Adaptado de Roland et al., Open Jounal or Emergency Medicine, 2016.

89
90

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