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cosmopolíticas do inefável: pensando-fazendo uma pedagogia do Butoh

palavras-chave: pedagogia radical, dança butoh, cosmopolítica

A dança Butoh se manifesta em um modo de indeterminação que desafia dizer o que


ela é e o que deve ser, e com isso emerge o risco de sua potência tanto poética quanto política.
Isso não pressupõe relativizações do dançar Butoh, nem generalizações, mas intenciona
pensar e praticar incorporações dos princípios dessa dança que acreditamos mobilizar uma
constante desestruturação das corporalidades coloniais contemporâneas.

Kazuo Ohno experimentava a dança Butoh a partir de relações com o vento, a flor, o
pássaro (BAIOCHI, 1995) e demais manifestações da vida em movimentos que acentuam a
vitalidade e os sentidos do corpo, da morte e da maternidade. Seu livro Treino e(m) Poema
(2016) esboça uma das possíveis políticas pedagógicas do Butoh com a reunião transcrições
de aulas, versos e fotografias que não só compõem “a dança do livro” como é uma fonte para
ampliar o campo referencial sobre o Butoh através de ensinamentos de Ohno. Por sua vez,
Hijikata já expôs que sua dança nasceu da lama (BAIOCCHI, 1995, PERETTA, 2015) e seus
trabalhos frequentemente abordam a escuridão e a morte, as memórias da infância e a guerra,
principalmente quando surge com seu Ankoku Buto (Dança das Trevas).

Essas menções associadas ao Butoh não comportam-se como definições que poderiam
enclausurar a dança em dada compreensão, ordem ou determinismo de estilo, forma ou ritmo.
Mesmo considerando tais bailarinos como precursores do Butoh, nos interessa não reproduzir
discursos conservadores, afiliativos e pioneiristas a respeito do que seria um Butoh
verdadeiro.

Consideramos a pedagogia do Butoh enquanto um treinamento poético por meio da


radicalidade de um “fazendo-pensando” (MANNING, 2016, p. 27). Essa tendência ao radical
intenciona uma compreensão da pedagogia do Butoh como um processo análogo com as
experiências que eclodiram com a “virada pedagógica”, enquanto tipos de abordagens
radicadas na criação e no fazer artístico. Nestes processos de aprendizagem tanto formais
como informais, as práticas dos artistas contemporâneos é o que ancora os conceitos que
produzem novos modos de repensar o valor nas relações de ensino-aprendizagem.

Essas características enunciam uma orientação filosófica em educação que são


agrupadas sob o nome pedagogias radicais, que por meio de tremores e agitações nas
instituições de ensino, propõe criar uma situação onde a aula possa se liberar para um ir-ao-
alcance do inefável, do indescritível, do imensurável, ou seja, aquilo da experiência que não
procede enquanto atual e enunciável, mas é sua consistência, como um resto de seu fator
obliterado, que, enfim possibilita que um acontecimento tenha algo como um infrafino, que só
se pode chegar próximo com exemplos como explica Marcel Duchamp, que diz que “o calor
de um assento (que acaba de ser deixado) é o infrafino” (apud Manning, 2016, p.27).

Entendemos que a indeterminação pressupõe também uma confiança, que se instala no


cerne de uma “crença”, que é uma “disposição para agir” (LAPOUJADE, 2017, p. 85). A
relação que estabelecemos entre a pedagogia do Butoh e a indeterminação propõe mobilizar
uma confiança bergsoniana, que possibilita uma crença no real que procede como um fazer
agir, ou seja, dançar Butoh. O indeterminado neste caso não restitui alguma noção deliberada
da prática, mas, sobretudo, implica que haja a possibilidade do contato com espectros do
movimento pela crença sendo o vazio-motor (ALLIEZ, 1996) de uma pedagogia instituindo a
dança no caos da indeterminação, e neste caso, o caos que não trata-se de uma indiferenciação
total, mas de uma comunicação entre os meios (DELEUZE e GUATTARI, 2012).

Confiamos esse grau de diferença na singularidade da aprendizagem com o Butoh,


sobretudo porque mover estudos dessa dança é desterritorializar os caminhos que serão
tomados (ou não) por aqueles que desejam aprendê-lo. A indeterminação constitui o modo
operativo desse campo acontecimental ativado, e por meio desta operação é que acreditamos
se passar uma relação entre corpos que desejam dançar Butoh e que, juntos, criam esferas de
aprendizagem que podem ser pensados enquanto uma cosmopolítica do inefável, que “não
traduz uma particular grandeza de alma, mas acontece. E acontece sob o modo da
indeterminação, isto é, como um acontecimento ao qual nada se segue, nenhum “e portanto...”
(STENGERS, 2018, p.447).

Referências bibliográficas

ALLIEZ, Éric. Deleuze Filosofia Virtual. Tradução de Heloísa B.S. Rocha – São Paulo: Ed.
34, 1996.

BAIOCCHI, Maura. Butoh: Dança Veredas D’Alma. São Paulo: Palas Athena, 1995.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia V. 4.


Tradução de Suely Rolnik. – São Paulo: Editora 34, 2012.

LAPOUJADE, David. William James: A Construção da Experiência. São Paulo: n-1, 2017
MANNING, Erin. 10 Propositions for a Radical Pedagogy, or How To Rethink Value.
Inflexions, n. 8, “Radical Pedagogies”, 2015.

OHNO, Kazuo. TREINO E(M) POEMA. Prefácio Ligia Verdi. Tradução Tae Suzuki. São
Paulo: n-1 Edições, 2016.

PERETTA, Éden. O soldado Nu: raízes da dança butô. 1 ed – São Paulo: Perspectiva, 2015.

STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos


Brasileiros, n. 69, p. 442-464, 27 abr. 2018.

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